SAIDA Revista SaĂda numero 8, volume 1, Junho de 2016
Democracias emergentes ?
Seja a saída que você espera do mundo: Lê, Escreve, Faz arte? Colabore: gocanarim@gmail.com
Redação EDITOR GERAL Guilherme Orestes Canarim COMITÊ EDITORIA Gisele da Silva Rezende; Alex Sander da Silva; Gabriel da Silveira Ângelo.
Editorial A
emergência
de
democracias
contemporaneamente pode, por um lado, nos mostrar o quão terrível é a idéia de que ainda hoje, se é que se pode salvaguardar algum bom
convencionalismo, uma
monarquia
consideremos decadente
se
COLABORAÇÃO
estrutura na forma de uma democracia,
Luzia Batista de Oliveira; Danilo Barruda;
quando o comportamento racional ,no
Jean Pedro Barbizan Bettiatto.
sentido de Hume, deveria ser o de nos assustarmos em relação a permanência de figuras como reis em um tempo no qual o sociometabolismo do capital investe contra todas as possibilidades do que Adorno teria considerado em sua ingênua “mínima moralia” como entssauberung. Por outro lado, a exploração escrachada dos países centro-africanos não nos mostra perspectiva nenhuma de emancipação, e novamente
segundo
adorno
“a
emancipação só pode ser pensada em uma sociedade emancipada”.
Sumário Panorama .......................................... 5 A HEGEMONIA É BURRA E ANTIDEMOCRÁTICA .................. 5 Por : Alex Sander da Silva ........... 5 WALTER BENJAMIN E EDUCAÇÃO – É POSSÍVEL UMA EDUCAÇÃO A CONTRAPELO NO BRASIL? ...................................... 5 Por: Luzia Batista de Oliveira Silva ..................................................... 5 Notas de literatura ............................ 13 GUINSBURG, CARLO, O QUEIJO E OS VERMES, O COTIDIANO E AS IDEIAS DE UM MOLEIRO PERSEGUIDO PELA INQUISIÇÃO.COMPANHIA DE BOLSO. 2008. ........................... 13 Por: Guilherme Orestes Canarim13 Critica roedora ................................. 40 MANIFESTO DEMOCRACY IN EUROPE MOVEMENT .............. 40 Por: DiEM .................................. 40 ETHOS E PHRONESIS ............. 44 Por:Gisele da Silva Rezende e Guilherme Orestes Canarim. ..... 44 Ensayos .......................................... 46 DE AMOR E TREVAS (A TALE OF LOVE AND DARKNESS) ........... 46 Por: Danilo Barruda ................... 46 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NA PESQUISA CIENTÍFICA NA FASE PRÉ-CLÍNICA E O ESPIRITISMO KARDECISTA .... 46 Por: Jean Pedro Barbizan Betiatto ................................................... 46 NOTAS SOBRE UMA LEITURA DE DANIEL QUINN E WALTER BENJAMIN................................. 48 Por: Guilherme Orestes Canarim48
Panorama
Podemos dizer que, no capitalismo, o
O
caráter
operária.
A HEGEMONIA É BURRA E ANTIDEMOCRÁTICA
produção
Por : Alex Sander da Silva
social
das
contraponto
a
resistência
relações
de
mercadoria
é
hegemônica que se constrói nas
obscurecido. A hegemonia é burra e
lutas. A metamorfose hegemônica
antidemocrática. É como se um véu
requer uma metamorfose política.
de
Uma
é
resistência
contra
nublasse a percepção da vida social Foi
o
filósofo
italiano
Antonio
Gramsci (1891-1937) que formulou o conceito de Hegemonia. Para ele Hegemonia significa preponderânci a de alguma coisa sobre outra. É a supremacia de um povo sobre outros povos, ou seja, a superioridade que um país tem sobre os demais, tornando-se
assim
um
Estado
soberano. Para Gramsci, hegemonia é o domínio de uma classe social sobre
as
outras,
ideológicos, burguesia
em
em com
termos
especial as
classes
Ao
admitirmos
que
o
capitalismo mantenha sua totalização dominadora e a maioria explorada sob
seu
domínio
ideológico,
hegemonia fetichista, falsificadora da
Walter Benjamin, um judeu-alemão,
realidade. Esta se reproduz sob o
não foi um pensador comum, um
próprio domínio da massificação dos
autor comum, tampouco teve uma
indivíduos.
vida comum.Ao contrário. Foi e
o trabalho humano, e consiste numa
economia brasileira. Vivemos num país semi-colonial, muito embora, intencionalmente, esse termo esteja em desuso. Por que? Porque não se quer considerar que ainda estamos domínio
econômico
do
e
Por: Luzia Batista de Oliveira Silva1
seres humanos reféns da própria
que na produção capitalista desfigura
dos desajustes da política e da
WALTER BENJAMIN E EDUCAÇÃO – É POSSÍVEL UMA EDUCAÇÃO A CONTRAPELO NO BRASIL?
podemos dizer que ele mantém os
de
necessário considerá-lo no contexto
ideológico
valor.
A partir disso, não restam dúvidas de
Esse conceito é mais do que atual e
o
dos produtos do trabalho e de seu
da
trabalhadores.
sob
materializada na forma dos objetos,
conveniente
armadilha
para
a
continua sendoum pensador difícil, complexo,
sua produção social de mercadorias e com sua “roupagem ideológica”, mostra-se
cada
vez
mais
sua
perversidade e totalitarismo sobre a vida concreta dos indivíduos e sobre
provocativo,
admirável, um autor que desconcerta e desconstrói nossas certezas. Sua vida foi repleta de muita
manutenção da produção alienada e de exploração. No capitalismo, com
instigante,
produção, fruto de sua genialidade e de sua capacidade para sobreviver em meio aos conflitos e aos ditames severos da Academia alemã, que lhe impediu a entrada. Por isso, restoulhe trilhar um caminho incerto e doloroso, não usufruindo de um
suas formas de pensamento.
enriquecimento
pessoal
e
capitalismo
A produção do fetiche da mercadoria
profissional na Universidade, mas,
estadunidense. Um capitalismo que
torna-se subproduto da vida social,
mesmo
aos
aparatos
explora de forma brutal a mais-valia
que insiste na “produção do mesmo”,
burocráticos,posicionou-se
de
nas costas dos países que se
na sua forma de reproduzir o capital.
maneira
ao
submetem a sua mão de obra aos
E ao admitirmos a subprodução da
conhecimento
exploradores do capital.
vida social no capitalismo (vide:
revoluciona. O conhecimento para o
Questões do modo de vida de Leon
autor é experiência daquilo que é
Trotski), tem-se conservado todas as
possível alcançar quando um limiar
suas
(soleira)
Mas há um pseudoconsenso entre os burgueses
em
considerar
que
estamos em desenvolvimento e que apenas ajustando-se a supremacia capitalista
seremos
um
país
econômica e politicamente forte. Isso se coloca como ideologia burguesa. A hegemonia burguesa pretende esse consenso ideológico. Desse modo, a hegemonia é cruel, pois copta o próprio explorado aos seus ditames de forma violenta e não
formas
ideológicas
de
crítica que
pode
ser
graças liberta
e
atravessado.
manutenção do sistema. De modo
Nesse contexto, o conhecimento,
que o que chamamos de democracia
como experiência alargada, remete
como participação representativa no
para a origem de uma coisa, atesta
Brasil, é justamente o seu oposto.
algo de alegórico, triste, trágico e do
Pois
é
lutuoso; remete, ainda, para o futuro
quem
como possibilidade de superação de
a
hegemonia
antidemocrática.
Pois
burguesa só
detém o poder econômico é que
erros
decide
vindouros pela reparação da história.
os
rumos
políticos
da
do
passado
e
acertos
sociedade. 1
violenta.
subjugado
Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco – PPGSSE/USF – Campus Itatiba - SP
(BENJAMIN,
sem dúvida, sua trajetória tão rica e
formação para o autor tem a ver com
educadores
expressiva quanto dolorosa.
um processo crítico e reflexivo dos
especialmente
sujeitos
graduação – precisamos firmar uma
Longe
dos
processos
burocráticos das academias,da vida cotidiana
de
Benjamin para
ganhar
na
2002,
p.97).
construção
da
A
facilitado essa conquista, mas, nós –
Esta noção de conhecimento guiou
sua
autonomia e emancipação.
universitários,
A sua ideia de “Escovar a
lutou,incansavelmente,
história a contrapelo” nos leva, de
queremos,de
certa
funcionamento
a
vida
com
sua
forma,a
cursos
de
base, colaborativa e formativa, com o
universidade,
uma
dos
pensar
numa
apoio
das
instituições,
se
fato,colocar a
em
educação
a
como
“educação a contrapelo”.Mas como
contrapelo,
bolsista do Instituto de Pesquisa
e por que podemos pensar numa
formas inovadoras de atender ao
Social, na Alemanha, sob a direção
educação
a
público despreparado, mas que já
de M. Horkheimer, seja como um
Brasil?Para
Konder
autor que buscou, nos meios de
significa
comunicação, divulgar e publicar
postura de Benjamin diante de sua
São,
textos, ensaios e livros, passando,
época, seu estilo de pensamento,
despreparados, mas já desconfiados
nessa tarefa, por um processo árduo
bem como sua ação intelectual e
do sistema de opressão que nós
e doloroso.
política”, cujahistórianão é linear,
educadores
Estamos falando de um autor
mecânica, mas uma história aberta,
vislumbrando
que,mesmo sem esperança de uma
uma grande narrativa em que se
trabalho
carreira acadêmica aos 33 anos de
articulam passado, presente e futuro.
cujo resultado possibilite que se
produção
intelectual,
seja
idade, nos brindou com questões extremamente
relevantes
para
contrapelo
aquilo
A
possível,sim,
(1989,
que
mim,
no
“resume
parece
uma
p.7), a
criando,
desconfia
para
das
isso,
ideologias
disseminadas no contexto social. então,
esses
precisamos
sujeitos
enxergar,
possibilidades
marcante,
de
emancipador,
que
é
diminua a diferença extremaentre os
educação
a
sujeitos
uma
contrapelo
que nos desafia a questionar: Que
benjamineanos,dado o contingente
paradigmas regiam e ainda regem a
de sujeitos excluídos e vencidos da
nossa vida nos grandes e pequenos
história
engodos
nósna “Academia” precisam sentir
espaços acadêmicos, especialmente
midiáticos, dos problemas cruciais na
que são capazes de alcançar uma
no Brasil? O que Walter Benjamin
educação
e
educação libertária, cuja revolução
pode nos ensinar em termos de
relegados ao descaso dos embates
começa com saírem da zona de
educação? Será que sua trajetória de
entre as classes sociais, da não
conforto
vida e sua história de produção
democratização
inovadoras de educação; deixar para
intelectual podem nos fazer pensar
potencial formativo para emancipar e
trás
numa educação que não elimine e
contribuir para
incorporado no nosso cotidiano, na
nem
autonomia dos sujeitos.
os
conflitos
humanos, culturais e sociais?
oficial,
moldes
receberam
pensarmos a vida na academia, o
negligencie
nos
que
dos
brasileira,
da
a
ignorados
escola
como
construção
da
educação de qualidadee os que receberam uma educação coxeante. Os sujeitos que chegam até
e
abraçar
um
sistema
práticas
opressor
esfera social e cultural, na educação
E não se trata de educação da
que nos formou e na educação que
instituída,
massa, ainda impensável, a meu ver,
estamos ofertando a eles, nossos
muitas vezes, solapa ouelimina a
para qualquer país com índices e
educandos.
poiésis da vida acadêmica, não
defasagensaltos
não
esquecer a forçados elementos de
considerando a arte, a estética, a
escolarização, de exclusão escolar,
opressão que incapacitam o sujeito
afetividade e a sensibilidade dos
como é o caso do Brasil.Entretanto,
para
sujeitos envolvidos nos processos
podemos pensar sim, em educar as
então, aprender com a vida de
formativos,
classes
estudos,
A
praxeologia
especialmente,
não
de
populares,
sendo
aprender
não
fundamental
aconstruir
organizadas
décadas
autonomia intelectual, aprender a dar
também não vigora para eliminação
passadas, porque as políticas de
‘a volta por cima’, para que possa
de erros e práticas autoritárias no
acesso
sair preparadopara o mundo da vida
processo de formação de sujeitos.
facilitado
Para o autor, “a suprema
a
o
seu si-mesmo transcendental, ser ao
universidade.
comportar-se
reflexivamente”
ensino entrada
superior de
têm
muitos
sujeitos que nunca puderam usufruir
tarefa da formação é apoderar-se de
mesmo tempo o Eu de seu Eu, isto é
que
mais
reagir,
fundamental
considerando que o discurso do erro
ao
do
hoje,
É
direito
de
As governamentais,no
frequentar
uma
e do trabalho. Meu contato com a obra de Walter Benjamin se deu nos anos 80, na PUC-SP, numa época difícil em
políticas
muitos sentidos,na volta tímida da
Brasil,têm
filosofia ao ensino médio, banida por
16 anos, uma estagnaçãosuficiente
de
sua
Benjamin ressurge nos anos 50 e 60
para nos tornarmos preconceituosos
mobilidade de espaço e tempo;
e nosanos 70 e 80 com mais força e
no que tange à educação e à
assinalou a professora que a auraé
vigor, mas num círculo ainda muito
profissão
Nesse
uma categoria central da obra do
restrito das grandes instituições do
contexto, Theodor W. Adorno (1995),
autor, uma herança kantiana, aquilo
país. Benjamin ainda é– a meu ver–
no
do
que se pode designar como sendo o
um autor segregado em muitos
e
“algo distante” (Ferne); é, portanto,
círculos restritos de investigação nas
preconceitos dos pais, alunos e
no sentido kantiano, “uma categoria
universidades brasileiras renomadas.
familiares sobre o ser professor;
da
(JANZ,
Rodrigo Duarte (2015) numa
também
2012).Por mais que eu não tivesse
palestra proferida em Madrid em
impregnados numa profissão que
entendido
da
2010 e publicada pela Sociedade de
tem
de
educador.
ensaio:Tabus
magistério,
acerca
aponta
ranços
aponta
os
entraves
arte,
compreendida
percepção
em
sensorial”
toda
a
proposta
origem
carrascos,
professora,
vontade
Estudos da Teoria Crítica – SETC
serviçais,
guerreiros,
imensa de saber mais sobre Walter
em 2015, pontua que na: “...década
carcereiros, soldados, monges, a
Benjamin, mas a falta de material
de 1970, (a Teoria crítica) estava
maioria relaciona com a força física
traduzido, no meu caso, foi relevante
centrada
ou com os castigos corporais.
na hora de buscar um autor e um
pensamento de Walter Benjamin,
vivemoso
tema para pesquisar na época em
provavelmente porque,no entender
renascer do professor de filosofia no
que eu fui prestar a seleção para o
dos
ensino
relativamente maisfácil ocultar os
como
mestres
Nos
anos
médio,
80,
uma
protagonistas,
do
seria
mestrado
significados,
de
continuar com o Benjamin, mas
elementos
embates políticos motivados pelas
pesquisei outro grande autor, o
pensamento,os
Diretas-já,
filósofo francês, Gaston Bachelard.
realidade, muitos e bastante fortes”.
de
conflitos
informações,
políticos,
de
sociais,
Retomei,
anos
pude
seus
apropriação
de
de
(1995-1997).Não
na
plena
descobertas,
época
ficou
depois,
as
E,
marxistas
de
quais
aos
são,
poucos,
na
Benjamin
econômicos. Demorei muito para
leituras sobre Walter Benjamin– final
chega
compreender o alcance das aulas da
dos anos 90 –participando de grupos
educação.Hoje,grupos de pesquisa
professora
de pesquisa na USP e na Unicamp.
sobre sua obra surgem do sul ao
Gagnebin.Que nos presenteou com a
E
numa
norte do país (PUCCI e SILVA,
discussão sobre a obra de M.
faculdade,em São Paulo,no curso de
2015);um exemplo disso é o grupo
Horkheimer e T. Adorno, Dialética do
Pedagogia, com a disciplina Filosofia
“Teoria Crítica e Educação”, sob a
Esclarecimento, e a partir dessa obra
da Educação, pude trabalhar Walter
liderança do professor Bruno Pucci –
discutiu
Benjamin e muitos outros autores da
UNIMEP.
também eram categorias caras e
Filosofia,
pesquisadores de instituições como:
relevantes
na
Walter
quatro semestres da Disciplina de
UNIMEP,
Benjamin.
Embora
tivesse
Filosofia da Educação. Meu contato
UNICAMP, UFRJ, USF, UNESC,
dificuldade em se expressar em
com Benjamin se intensificouquando
UFLA, UEM, UFES e outras.Todas
língua portuguesa nas aulas, sua
entrei no PPGE da Universidade
elas,em suas sedes,contam com
conduta
esclarecedora
Metodista de Piracicaba – UNIMEP,
docentes e alunos pesquisadores e
e,permeada pela sua ‘paixão’ pela
onde tive a oportunidade de reforçar
pesquisas sobre Adorno, Benjamin,
obra
era
minhas leituras desse autor e de
Marcuse e Horkheimer.
convidativa. Nos anos 80,encontrar
outros autores da Teoria Crítica.
Mas, por que Benjamin– que
textos
a
Passei 2010 e 2011 me preparando
atestou a dor e o sofrimento das
possibilidade de um aluno da classe
para dar um curso sobre Walter
vítimas sociais, como os soldados
popular ler numa língua como o
Benjamin e Educação, queaconteceu
que retornavam mudos das guerras,
alemão era muito difícil, improvável.
em 2012.
nos faz refletir sobre os perseguidos
Jeanne
algumas
categorias
obra
Walter
de ela
ética,
de
Marie
Benjamin,
traduzidos
e
ter
que
quando
fui
nessa
trabalhar
fase,
tínhamos
ao
seu
âmbito
da
Aglutinam-se
UNESP,
UFSCar,
E mesmo partindo para o francês e o
Voltando ao autor. Será que
espanhol instrumental, a falta do
podemos falar em atualidade de
ciganos,
alemão foi imensa. Lembro-me de
Walter Benjamin? O que significa um
abandonados nas ruas de Berlim–
uma aula em que ela explicava, de
autor ser atual? Como pensar a
não
maneira saborosa, o conceito de
articulação filosofia, cultura, história e
Academia? Por que Benjamin não
aura,
pode
educação na obra de Benjamin? Na
pode
representar a essência de uma obra
Universidade, mais acentuadamente,
pensarmos as muitas
como
aquilo
que
eos excluídos, como os judeus, os os
negros,
mereceu
ser
uma
a
os
pobres
atenção
referência
da
para
exclusões,
ocultações de documentos e fatos
assinado e selado na esfera da
um
históricos e as constantes violências
educação.
referência
e discriminações no Brasil? Será que
É fundamental considerar que
e
inspiração,
uma
incentivo
para
um
pensarmos a cultura, a diversidade
muitos
Sul? Certamente, que não.Trata-se
pedagogos e
de um estrato da nata de intelectuais,
leem e trabalham com as obras de
De acordo com Duarte (2015,
a
Benjamin, levando seu pensamento,
p.196): “é inegável a intenção de
aprisiona o seu pensamento para
especialmente
compreender
poucos, regido e orquestrado por
conceitos centrais, para o cerne das
realidade brasileira por parte de seus
esquemas lógicos interpretativos. Por
preocupações com a educação e a
leitores,
que alguns decidem que não somos
compreensão
benjaminiana
capazes
e
vencidos e esquecidos, as memórias
inusitados,
coerente de suas obras? Por que
de grupos sociais, a historiografia, a
literária
ainda vivemos num país que insiste
crítica à literatura francesa e alemã e
Guimarães Rosa”. Lembro aqui a
em não educar seus cidadãos com
à
leitura de WilliBolle sobre Guimarães,
escolas
verdadeiramente,
categorias centrais de sua obra não
considerando-o
formem pessoas para o mundo da
devem ser estudadas e trabalhadas,
formação,
vida e do trabalho?
isoladamente,
um
representante do povo brasileiro.
ético,
Também a obra de Dalcídio Jurandir,
complexidade da obra de Benjamin,
estético, do sistema cultural e da
um autor pouco conhecido entre os
especialmente seus ensaios, não
produção
brasileiros,
pode
universo da Academia.
nata
de
acadêmica
uma
que,
leitura
que
fiel
Fundamentalmente,
servir
desestimular gerações
de a
a
mote
leitura
consideradas
para
dela
obra
por
da
arte.
de
Mas,
seus
dos
Entretanto,
fora
de
político,
conhecimento
as
no
já
que
inspiração
possibilitou
acessos
porexemplo, de
à
obra
escritores
um
autor
um
mas
como
de
autêntico
uma
referência
os
brasileiros,
para
estudada por Bolle, que nos coloca
simplesmente como um autor que
nossa brasilidade e de nossa cultura,
desinformados e até malformados.É
“está na moda”, pontua MateuCabot
a Belém do Pará.
fundamental
abrir
(2010)como uma novidade, porque
passagem/caminho para as classes
seus textos atestam uma resistência
considerar que o tempo, a cultura, os
populares que, hoje, atravessam a
ao
problemas do Brasil e os de um país
soleira das portas e portais das
tampouco ele pode ser visto como
como
Universidades
uma solução, rápida e contundente,
Portanto, não se trata, aqui, de
para os problemas da educação.
valores,
nessa
fonteque tem sido manancial para
é
modismo
ser
a
a
porque, um dia, já fomos imaturos,
que
pode
criticamente
fundamental
fundamentalmente, não
política e a educação no Brasil.
em contato com um autor que fala de
beber
Benjamin
de
história
nem
social,
hoje,
cultural, a cidadania, a história, a
lido
para
imaturas,
historiadores,
alguns
de
contexto
sociólogos,
de
é porque estamos na América do
mesma
filósofos,
autor
acadêmico,
É
fundamental,
a
Alemanha,
esquemas
também,
são
outros.
comparativos,
poucos, a fim de instruírem-se e
Sua obra salta aos olhos do
análises, nem de analogia entre um
transformarem seu mundo e o âmbito
mundo, um mundo, hoje,permeado
país e outro. O que não pode ser
social,
o
de conflito e dor;um autor capaz de
feito de acordo com Duarte (2015),
contexto– o espaço Universidade –
nos surpreender a cada escrita, a
nem na América do Sul, dada a
em
cada olhar sobre o mundo e sobre a
complexidade de cada país e das
herdeiros afortunados, são colocados
vida,
línguas
ao lado do filho do trabalhador.
olhamos as classes sociais e as
ignoramos
Nesse
e
diferenças sociais e econômicas num
pautadas,
conflitos surgem e não devem ser
país como o Brasil, considerando
traduções do alemão, e não numa
ignorados.
que, nas palavras de Gagnebin
leitura direta do pensador, na língua
Benjamin não é uma curapara
(2015), “...não tenho certeza que
alemã; o que não deve impedir que
as chagas abertas por políticas que
devemos hoje, no Brasil, ter ‘o
leitores
ignoram a educação das classes
mesmo
procurem,
populares. Ele pode ser um alento,
temas artísticos ou históricos que
comentadores,
um avanço.No entanto, dificultar o
Benjamin”. Pergunto: Benjamin tem
compreensão
encontro das classes populares (que,
recebido aqui o mesmo tratamento
educação com a obra de Walter
hoje, felizmente, lotam as salas de
que recebeu na Alemanha e outros
Benjamin.
aulas do Brasil) com a sua obra,
países da Europa? Com certeza,
pode
não.Entretanto, Benjamin pode ser
alterando,
que
filhos
contexto,
significar
com
da
isso,
burguesia,
resistências
um
retrocesso
especialmente,
tratamento’em
quando
relação
a
envolvidas.Por a
língua,
isso, as
não
leituras
especialmente,
atentos
responsáveis
nas traduções e
Duarte considera,
e
em
por
nos
formas e
de
aprendizado
(2015,
p.
exemplo,
da
199) que
a
recepção da obra de Adorno e os
A
constelação
é
relevante
obra
descambam
para
outros autores da Teoria crítica no
categoria
Brasil: “se deu no meio acadêmico,
Benjamin,écomo
inicialmente os artigos, livros, teses e
estelar 2 ,que permite que se façam
relacionada
dissertações
inúmeras combinações sem que se
‘bens culturais’.
assunto
produzidos estavam
sobre
o
alimentadas e retroalimentadas pelas
visão
pessoas.Fantasmagoria, aqui, está como
combinação.É mais que um mosaico,
BENJAMIN, 2009, p. 23) “a noção de
aprendizagem de sua filosofia densa
constitui-se como uma espécie de
fantasmagoria
e obscura...”.
ensaio em que ideias e conceitos se
utilizada por Benjamin parece ser
convertem como no seu trabalho das
apenas uma outra palavra para
Gagnebin (2015) “O que podemos,
passagens
designar o que Marx chamava de
sim, reter de sua reflexão é a
compilação
atenção
e
historiográfica inacabada, uma obra
ademais,
expressõesdos ‘oprimidos’, para usar
de narração em que o autor coloca
encontra no próprio Marx”.
uma palavra dele, isto é, expressões
em cena os autores compilados; as
de resistência, de busca deoutros
citações são mais que demonstração
fantasmagoria em Benjamin reforça
caminhos, de esperança de outros
de
um
mundos, também de desesperança”.
intelectualismo, mas a possibilidade
conceito
Também a autora chama a atenção
de formar combinações em que a
exemplo,rompe com o conceito de
para “...a desconfiançaem relação ao
arte, a estética, a filosofia, a moral, a
experiência em Kant, por este estar
modelo atual, impositivo, de sucesso
história,
carregado
e de felicidade a qualquer preço,
articular de maneira sempre aberta e
Benjamin, a intenção cognitiva está
numsistema de consumismo cego e
em direção ao futuro, possibilitando
relacionada com a experiência da
de exploração cada vez maior”.
aos leitores, novas e inusitadas
faculdade
leituras (SILVA, 2014).
um “saber sensível”. A experiência
Quanto
a
Benjamin,
pelas
Enfim, advertem
tipo
ações
são para
para
palavras
que
“tentar
não
uma
possibilidades
àsmercadorias
de
um
as
de
E de acordo com Tiedeman (In
por
esgotem
uma
fantasmagorias,
de
principalmente
marcados
na
uma
-um de
trabalho
dados,uma
erudição
as
de
do
políticas
obra
autor, de
podem
se
Cabot (2010) lembra que o
fetiche uma
Se
ponto
da
palavra
o
de de
mercadoria; que
se
conceito
vista
de
marxista,
Experiência,
de
barreiras.
mimética,
o por
Para
possibilitando
pode produzir e também perceber
transformar Benjamin em mais um
pensamento
tem
semelhanças nãosensíveis (como a
fetiche
vicejado nas últimas décadas. Pucci
linguagem e a escrita), mediante um
aspecto questionador, inquieto, sim,
e
comportamento sensível e qualitativo
subversivo do seu pensamento. Todo
crescimentodos grupos de pesquisa
seu pensamento lutou contra essa
sobre Teoria Crítica e Educação, em
fetichização da cultura e da escrita”
que
(GAGNEBIN, 2015). Esse ponto de
contemplado,
com
vista
imenso
território
cultural,
atesta
mas
nossa
cuidar
proposta
do
de
benjaminiano
caráter
reiteradamente
Silva
(2015)
Benjamin
em
apontam
é
um um
o
autor
(BENJAMIN, 2009, p.18-19). Para Michael Rosen (InRUSH, 2008,
p.72),
o
conceito
de
alcance
experiência é uma chave da ligação
nacional,
entre Benjamin e Karl Marx. Nesse
trabalho com a obra de Benjamin no
igualmente, articulado com a área da
contexto,
Brasil.
educação, do Sulaté o Norte e o
experiência em Benjamin não está
Nordeste do Brasil.
desvinculada de uma sensibilidade
É fundamental, então, que a
compreende-se
que
a
categoriarazão em Benjamin,possa
Para Cabot(2010), o aparato
ser pensada, nesse contexto, como
conceitual da cultura, hoje, em que a
aquilo que não engessa ou congela,
produção,
a
para Duarte (2015, p. 197) a obra de
uma razão exacerbada. Por isso,
circulação de imagens nas mídias e
Adorno ganha maior repercussão no
contra essa fetichização de que fala
também no espaço acadêmico se
Brasil, a partir dos anos 80: “Faz
a autora, seja da cultura ou da
reciclam e formam novas imagens
parte do mencionado refinamento da
escrita, Benjamin se posicionou a
sucessivas, elas podem impedir ou
filosofia social de Adorno o fato de
favor de uma razão aberta para o
suscitar excitações sensoriais do
que ele foi capaz de mostrar a
novo, para a autocrítica, uma razão
campo da experiência, de maneira
infiltração dos elementos estéticos na
questionadora e autoquestionadora,
ambígua,
política
aquela
que
convocando a experiência estética, o
contemporâneas
aconteçam possiblidades infindáveis
que pede atenção, cuidados, porque
poucos...”. Para Duarte,“...se tornou
de
que
novas
pensamento.
trabalha
para
constelações
do
2
a
reprodução
saturando
e
e
também
Como as estrelas que iluminam umas as outras e também obscurecem uma as outras
estética, ética, política etc. Assim como em Benjamin,
e
na como
sociedade muito
evidente que a dominação passa hoje por uma sedução de amplas
camadas da população por meio de
bases o futuro vingará, o jovem se
com que isso se repercutisse nas
motivos sensoriais”. A obra de C.
verá
nossas
Türcke (2010), Sociedade Excitada:
ideológico que só serve para gerar
universidade. Essas ações éticas
filosofia da sensação coloca em
aversão.Constata o filósofo, que a
não podem ser interpretadas como
xeque os campos da percepção no
ciência,sozinha, não pode preparar
ações religiosas;o campo é mais
que tange a experiência estética.
ojovem
aberto, elas devem fazer parte de
O ensaio de Walter Benjamin (2002)
“Experiência”,
de
1913,
submisso
a
um
para
princípio
a
vida
ações
no
nossa
um
sociedade e de se envolver com os
porque
são
de
da
profissional.Ela,sozinha, não forma profissional,
capacidade
âmbito
viver
em
denuncia uma prática de educação
fundamentais tanto ela quanto a
em que os mais velhos creditam
pesquisa, assim como, os aparatos
suas experiências como forma de
profissionais e humanos para uma
de
educar a juventude. Para o jovem
formação
que
trabalhar as habilidades dos jovens
Benjamin, os adultos usam suas
prepare os sujeitos para os inúmeros
para a vida e para o Estado. O
experiências como uma máscara
embates e conflitos cotidianos.
estudante,sob pressão da opinião
geral
consistente,
menos favorecidos. Para o jovem autor, oobjetivo uma
universidade
deve
ser
para reforçar a crença nos paise lhes
Para Benjamin (2002, p.33-
pública,não pode ficar a reboque
dar razão, caso os filhos fracassem
34), existe um abismo entre os
dela. Da mesma forma,a criatividade
em suas próprias experiências. Será
elementos da ciência, da vida e da
não
que asociedade burguesa, que se
profissão
guia
formaçãogeral
por
um
produzindo
ensino
e
utilitarista,
manipulando
no e
pode
ser
ignorada
nem
processo
de
imediatapara não comprometer o
profissional,
ao
comportamento
e
a
autonomia
as
mesmo tempo em que existe um laço
daquele que está sendo formado,
massas, está ultrapassada?3. Para o
– que é fundamental identificar –
nem ser uma reação mecânica sobre
jovem
a
entre a universidade, o Estado e as
a estética.
desconfiança e a desesperança do
pessoas, porque “...na instituição
homem
podem
acadêmica... alunos e professores, à
cauteloso
desestimular o jovem de buscar suas
semelhança de um gigantesco jogo
ousado para que possa acompanhar
próprias experiências.
de esconde-esconde, passam uns
os novos métodos e o conhecimento
pelos outros e nunca se enxergam”.
que o ajudarão na sua formação e
filósofo,
o
cansaço,
maduro
não
Gostaria de chamar atenção,
O
estudante e,
ao
deve
mesmo
ser tempo,
aqui, para modelos de educação e
Essa conexão das coisas na
formação centrados na escola, na
formação das pessoas remete ao
um
academiaque,muitas
seu discurso quando ele tomou
intelectual. Criatividade seria parte
servem mais para a geração que
posse
dessa transformação, convertendo o
estamos educando, porque estão, de
“Estudantado Livre de Berlim”. Sua
conhecimento
certa forma, desconectados da vida,
constatação
científicas,
do
uma
sensibilidade dos jovens burgueses
posicionamento filosófico a fim de
por
para com os mais pobres e as
fugir de uma vida banal, a vida da
comunidades
imitação, que se distancia de uma
mundo,
em –
realidade
vezes,
suma,
de
dominada
avançadíssimos tecnológicos
não
recursos
–
foi
afalta
sociais,
do
de
dizendo
para
uma
revolução
emquestões apoiando-se
vida
inseridos as crianças, adolescentes e
pessoas.Analisa o autor que todo
ideologiaspara
adultos. A mim parece que novos
aspirantea algo espera destacar-se,
juventude,
modelos
a
espera um resultado, o que pode
qualquer preço, por medo do futuro
ser
acontecer de modo fragmentado;
ou de não ter futuro, o medo de
resultadocujo
e
fracassar. Uma universidade não
dos
genérico precisa ser substituído pelo
pode ser vista como um mercado de
Benjamin
gesto e atitude de amor– “platônico”.
coisas ou mercadorias. Por isso, é
(2002) considera que o sistema de
Por isso, é fundamental servir aos
fundamental que os jovens tenham
educação,através
crítica,num
pobres como uma tarefa de uma
condições de se posicionar como
discurso suave para discutir em que
humanidade que nunca vicejou em
“Todo aquele que questionar a sua
3
comunidades de estudantes. Seria,
vida com a exigência mais elevada
quem
encontrará
educação
atual
para
precisam
pensados, refletidos e gestados. No
ensaio
estudantes,
de
A 1915,
da
vida
No Brasil, podemos citar, como exemplo,a elite, acostumada a ser bem servida, tenta, mediante pelas técnicas e recursos midiáticos, obter o consentimento das massas e também da parte esclarecida da população para manter seu status quo.
utilitarismo
sabe,
uma
vazio
tentativa
de
intelectual,
num
praticar o bem, solapam os ideaisdas
geração
qual
presidência
campo
estão
de
na
na
envolver-se na instituição, fazendo-a
de
refutar
evitar uma
os
felicidade
a
próprios
aprendermos a servir, de maneira
mandamentos.
grandiosamente
vindouro de sua forma desfigurada,
humana,
fazendo
Sem
gozar,na
libertar
o
no
reconhecendo-o
presente”
exigência
no
ensino
e
no
aprendizado”.
DUARTE, R. A atualidade da Teoria
(BENJAMIN,
2002,
p.47).Fundamental,
então,
Por isso, a infância para
que
Benjaminestá no centro de suas
<http://www.setcrit.net/la-actualidad-
preocupações etem a ver com a ideia
de-la-teoria-criticaen-iberoamerica-
de educação para a construção de
en-el-ejemplo-de-brasil/>. Acesso em
classe operária não significa ignorar
uma
Oseu
12/03/2015.
a sua própria classe (burguesa, em
conceito de infância é permeado de
GAGNEBIN,
alguns casos) bem como, a sua
muitas
narração em Walter Benjamin. São
formação intelectual, para fazer sua
entrecruzam, tais como: a social, a
Paulo: Perspectiva, 2011.
reflexão crítica. O autor apoiava os
filosófica, a cultural, a política, a
______.
movimentos de esquerda, mas dizia
ética, a antropológica, entre outras, o
professora
Jeanne
não se identificar, totalmente, com as
que
Gagnebin.
Disponível
versões
anoção de despertarque tem a ver
<https://filosofiapucsp.wordpress.co
com uma exigência política e ética,
m/2015/02/12/entrevista-com-a-
(1989),
diz Gagnebin (2011, p.80).
professora-jeanne-marie-gagnebin/>.
“caráter
Finalizando,
reconhecer,
no
presente,o
vicejará, no futuro. Para
teorias
Benjamin,
simplistas de
apoiar
de
esquerda.
Nietzsche,
diz
Benjamin
aprecia
a
algumas Como
Konder o
em
Crítica no Brasil: O exemplo da
memória
histórica.
dimensões
está
em
que
se
consonância
com
Benjamin
não
Indústria Cultural. Disponível em:
J.-M.
História
Entrevista
e
com
a
Marie em:
Acesso em 20/02/2015.
destrutivo”, porém, como um rebelde,
pede ao sujeito para parar de sonhar,
JANZ,
um revolucionário, idealiza o uso das
nem para se conduzir apenas pelo
presente: sobre o paradoxo da aura
energiasnas
manifestações
devaneio, tampouco, para ser um
e do vestígio. In: SEDLMAYER, S.;
revolucionárias, almejando com isso,
rebelde sem causa, mas que junte
GINZBURG,
a transformação da realidade, sendo
toda a sua energia e a coletiva e, de
Rastro,
fundamental – para que isso ocorra–
forma vigilante, aja sobre o real, o
Horizonte: UFMG, 2012.
destruir a velha sociedade para que
que, para o filósofo, tem a ver com
KONDER, L. Walter Benjamin: O
a nova possa emergir. Alinha teórica
uma
Marxismo
conservadora adotada por Benjamin
redenção do passado para deixar
Campus, 1989.
não era de todo estéril, poderia, sim,
viver a vida suprema do eu e das
KOTHE, F. R. Para ler Benjamin.
produzir ideias que chamassem a
coisas.
Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.
ação
revolucionária,
numa
atenção e cooperassem com uma formação pessoal e a transformação
Rolf-Peter.
Ausente
J. Walter
aura
e
da
e
Benjamin:
história.
Belo
Melancolia.
RJ:
MACHADO, F. de A. P. A crítica do REFERÊNCIAS
conhecimento.
social.
Belo
Horizonte:
UFMG, 2004. Gegnebin (2015) chama nossa
ADORNO, T. W. Tabus acerca do
OTTE,
atenção no que tange ao ensino e a
magistério.
Sabrina;
educação, especialmente, para o
Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e
Elcio.Liminares e passagens em
momento sala de aula, por isso,
Terra, 1995.
Walter Benjamin. Belo Horizonte:
pontua
que:“...temos
cada
vez
BENJAMIN, W. Magia e Técnica,
UFMG, 2010.
menos
professores
felizes
em
Arte
PUCCI, B.; SILVA, L.B.O. Relação
e
IN:
Política.
Educação
São
e
Paulo:
Georg;
SEDLMAYER, CORNELSEN,
ensinar, que saibam entusiasmar
Brasiliense, 1994.
atual entre Educação e Teoria
seus alunos e, ao mesmo tempo,
______. Reflexões sobre a criança,
crítica da Sociedade no Brasil. In:
exigir
deles
um
esforço
de
o brinquedo e a educação. São
LASTÓRIA, L.A.C.N. et al. Teoria
questionamento
e
de
Paulo: Editora 34, 2002.
Crítica: Estudos sobre Educação:
aprofundamento...”.
Certamente,
______.Passagens. Belo Horizonte:
Contribuições
temos atestado essa situação direta
UFMG, 2009.
Alemanha.
ou indiretamente em nossas práticas
______. BENJAMIN, W. Mito
de sala de aula. Pontua ainda a
Linguagem. São Paulo: Brasiliense,
Aparecida: Ideias e Letras, 2008.
autora, que:“Ora, me parece que [é]
2011.
SEDLMAYER e Jaime GINZBURG.
disso que o ensino brasileiro mais
CABOT, M. Sobre laactualidad de
Walter Benjamin: Rastro, aura e
precisa desde o ensino fundamental
Wlater Benjamin. Disponível em:
história.
até a pós‑graduação: a alegria e a
<https://dialnet.unirioja.es/descarga/..
2012.
./3743877.pdf>.
SILVA,
05/06/2015.
Acesso
e
em
do
Brasil
e
da
RUSH, Fred (org.) Teoria Crítica.
Belo
Horizonte:
L.B.O.
UFMG,
Epistemologia,
estética e formação: contribuição de
Walter Benjamin para a educação. Revista Herramienta, Buenos Aires, 2014. TIEDEMANN, T. IN BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2009. TÜRCKE, C. Sociedade Excitada: filosofia da sensação. Campinas: Unicamp. 2010.
Notas de literatura
leituras e discussões, pensamentos e
do Santo Ofício, depois de uma vida
sentimentos: temores, esperanças,
transcorrida em total anonimato."
ironias, raivas, desesperos. De vez em quando as fontes, tão diretas, o trazem muito perto de nós: é um
"A existência de desníveis culturais
GUINSBURG, CARLO, O QUEIJO E OS VERMES, O COTIDIANO E AS IDEIAS DE UM MOLEIRO PERSEGUIDO PELA INQUISIÇÃO.COMPANHIA DE BOLSO. 2008.
homem como nós, é um de nós."
no interior das assim chamadas
Por: Guilherme Orestes Canarim
EXCERTOS:
"O
Arquivo
da
Cúria
Episcopal
daquela cidade preserva um acervo de
documentos
sociedades
Pesquisei
o
"Foi possível rastrear o complicado
poucos
relacionamento de Menocchio com a
folclore, antropologia social, história
cultura escrita, os livros (ou, mais
das tradições populares, etnologia
precisamente, alguns dos livros) que
européia. Todavia, o emprego do
leu e o modo como os leu. Emergiu
termo cultura para definir o conjunto
assim
que
de atitudes, crenças, códigos de
Menocchio interpôs conscientemente
comportamento próprios das classes
entre ele e os textos, obscuros ou
subalternas
ilustres, que lhe caíram nas mãos."
histórico é relativamente tardio e foi
um
filtro,
um
crivo
se
autodefinindo
num
emprestado
inquisitoriais
inexplorado.
é
pressuposto da disciplina que foi aos
certo
da
como
período
antropologia
cultural[...]"
extremamente rico e, àquela época, ainda
civilizadas
os
julgamentos de uma estranha seita "Os historiadores só se aproximaram
de Friuli, cujos membros os juizes identificaram
como
bruxas
e
curandeiros[...]"
"Uma das acusações feitas a um réu era a de que ele sustentava que o mundo
tinha
sua
origem
na
putrefação. Essa frase atraiu minha curiosidade no mesmo instante, mas eu estava à procura de outras coisas: bruxas,
curandeiros,
benandanti.
Anotei o número do processo. Nos anos
que
se
seguiram,
essa
anotação ressaltava periodicamente de meus papéis e se fazia presente em minha memória. Em 1970 resolvi tentar
entender
o
que
"O queijo e os vermes pretende ser
muito recentemente — e com certa
uma história, bem como um escrito
desconfiança — desses tipos de
histórico. Dirige-se, portanto, ao leitor
problema. Isso se deve em parte,
comum
especialista.
sem dúvida nenhuma, à persistência
Provavelmente apenas o último lerá
de uma concepção aristocrática de
as notas, que pus de propósito no fim
cultura. Com muita freqüência idéias
do livro, sem referências numéricas,
ou
para não atravancar a narrativa.
consideradas, por definição, produto
Espero,
das classes superiores, e sua difusão
e
ao
porém,
reconheçam
que
são
entre as classes subalternas um fato
todavia
mecânico de escasso ou mesmo de
extraordinário, da realidade, em parte
nenhum interesse; como se não
obliterado,
bastasse,
despercebido,
e
implicitamente indagações
episódio
originais
um
fragmento
nesse
ambos
crenças
que uma
para
coloca de
presunçosamente a “deterioração”, a
própria
“deformação”, que tais idéias ou
série
nossa
enfàtiza-se
cultura e para nós."
crenças sofreram durante o processo de transmissão."
aquela
declaração poderia ter significado para a pessoa que a formulara. Durante esse tempo todo a única coisa que sabia a seu respeito era o nome:
Domenico
Scandella,
dito
Menocchio."
"Este livro narra sua história. Graças a uma farta documentação, temos condições de saber quais eram suas
"A escassez de testemunhos sobre o comportamento e as atitudes das
"Isso significa que os pensamentos,
classes subalternas do passado é
crenças,
com certeza o primeiro — mas não o
camponeses e artesãos do passado
único — obstáculo contra o qual as
chegam até nós através de filtros e
pesquisas históricas do gênero se
intermediários que os deformam, E o
chocam. Porém, é uma regra que
que
admite exceções. Este livro conta a
antecipadamente, as tentativas de
história de um moleiro friulano —
pesquisa nessa direção."
Domenico Scandella, conhecido por Menocchio — queimado por ordem
basta
esperanças
para
dos
desencorajar,
"Mandrou, diante de uma lista dos
profundamente com outra, vivíssima,
metodológica e da pobreza dos
principais temas recorrentes, acabou
delineada por Mi- khail Bakhtin num
resultados
por formular uma conclusão um tanto
livro fundamental sobre as relações
estudos dedicados explicitamente à
quanto apressada. Essa literatura,
entre Ra- belais e a cultura popular
definição do que era a cultura
por ele definida como de “evasão”,
do seu tempo. Ao que tudo indica,
popular da Europa pré-industrial,
teria alimentado por séculos uma
Gar- gântua e Pantagruel, que talvez
sobressai um certo tipo de pesquisa,
visão
de
mundo
da
maior
parte
dos
banhada
de
não tenham sido lidos por nenhum
como a de Natalie Zemon Davis e de
determinismo,
de
camponês, nos fazem compreender
Edward
maravilhoso e misterioso, impedindo
mais
cultura
charivari, por exemplo, que ilumina
que
camponesa
o
aspectos particulares dessa cultura.
devia
Mesmo uma documentação exígua,
social e política — e, portanto,
circular amplamente pelos campos
dispersa e renitente pode, portanto,
desempenhando,
da França."
ser aproveitada.
fatalismo
e
seus
leitores
consciência
da
tomassem
própria
condição
talvez
conscientemente,
uma
coisas
sobre
a
do
que
Almanacbdesbergers,
que
função
P.
Contudo,
reacionária."
o
famigerado
Thompson
medo
sobre
de
cair
positivismo
os
no
ingênuo,
unido à exasperada consciência da
"Em
uma
passagem
imotivada,
brusca
de- finiu-os,
e
enquanto
"Segundo Bakhtin, essa visão de
violência ideológica que pode estar
mundo, elaborada no correr dos
oculta por trás da mais normal e, à
séculos pela cultura popular, se
primeira vista, inocente operação
contrapõe,
cognitiva,
sobretudo
na
Idade
induz
hoje
muitos
instrumentos de uma aculturação
Média, ao dogmatismo e à seriedade
historiadores a jogar a criança fora
vitoriosa, como “reflexo [...] da visão
da cultura das classes dominantes.
junto com a água da bacia — ou,
de mundo” das classes populares do
Apenas levando-se em consideração
deixando de lado as metáforas, a
Ancien
atribuindo
essa diferença é que a obra de
cultura
tacitamente a essas classes uma
Rabelais se toma compreensível. A
documentação que dela nos dá uma
completa passividade cultural e à
sua comicidade se liga diretamente
imagem mais ou menos deformada. "
literatura de cordel uma influência
aos temas carnavalescos da cultura
desproporcionada."
popular. Portanto, temos, por um
Régime,
popular
junto
com
a
lado, dicotomia cultural, mas, por
"Em Histoire de la folie já estava
outro, circularidade, influxo recíproco
implícita, ao menos em parte, a
"Dessa maneira, é claro, troca-se
entre cultura subalterna e cultura
trajetória que levaria Foucault a
“literatura popular” por uma “literatura
hegemônica, particularmente intenso
escrever Lesmots et lescboses e
destinada ao povo”, continuando,
na primeira metade do século xvi."
Uarcbéologiedusavoir. Tal trajetória
sem se dar conta, nos domínios da
foi muito possivelmente acelerada
cultura
pelas
produzida
dominantes.
classes
verdade
perspectivas de pesquisa indicadas
contra a Histoire de la folie. Não se
hipótese de umadefa- sagem entre
por Bakhtin que nos faz desejar, ao
pode
os opúsculos e o modo como seriam
contrário, uma sondagem direta, sem
linguagem
lidos pelas classes populares. Mas
intermediários, do mundo popular.
participante da razão ocidental e,
essa indicação preciosa permanece
Porém, pelos motivos já levantados,
portanto, do processo que levou à
estéril,
no
substituir uma estratégia de pesquisa
repressão da própria loucura."
postulado da “criatividade popular”,
indireta por outra direta, neste tipo de
indeterminada
trabalho, é por demais difícil."
e
aparentemente
justamente
a
riqueza
niilistas
incidentalmente, Bollème levanta a
desemboca
"[...]
objeções
lançadas por Jacques Der- rida
que
que,
simples
das
já
E
pelas
da
loucura
numa
historicamente
inatingível, própria de uma tradição
"É
oral que não deixou vestígios.
portanto, que vai desembocar essa
A imagem estereotipada e adocicada de cultura popular que constitui o ponto
de
realizada
chegada por
da
pesquisa
Bollème
contrasta
no
falar
irracionalismo
estetizante,
"A análise do “carnaval de Romans”
linha de pesquisa. A relação, obscura
realizada por Emmanuel Le Roy
e contraditória, de Pierre Rivière com
Ladurie é exemplar nesse sentido.
a
No conjunto, diante da incerteza
mencionada;
cultura
dominante suas
é
apenas leituras
(almanaques, livros de piedade, mas
ainda não examinado de crenças
justamente por isso representativo —
também Le bonsensducuréMeslier)
populares, de obscuras mitologias
, pode ser pesquisado como se fosse
são mesmo ignoradas. Prefere-se
camponesas. Mas o que toma muito
um microcosmo de um estrato social
descrevê- lo vagando pelos bosques
mais
inteiro
depois do delito como “um homem
Menocchio
é
sem cultura [...] um animal sem
obscuros
elementos
instinto [...] um ser mítico, um ser
estarem enxertados num conjunto de
monstruoso,
ser
idéias muito claras e conseqüentes,
definido porque estranho a qualquer
que vão do radicalismo religioso ao
ordem nomeável”.
naturalismo
impossível
de
complicado o
o
caso
fato
de
de
esses
populares
tendencialmente
científico, às aspirações utópicas de renovação social, A impressionante "O que foi dito até aqui demonstra
convergência entre as posições de
com
do
um desconhecido moleiro friulano e
conceito de “cultura popular”. As
as de grupos de intelectuais dos
classes subalternas das sociedades
mais refinados e conhecedores de
pré-industriais é atribuída ora uma
seu tempo repropõe com toda força o
passiva adequação aos subprodutos
problema da circularidade da cultura
culturais
formulado por Bakhtin."
clareza
a
ambigüidade
distribuídos
generosidade
com
pelas
confissões de Menocchio nos ajudam " Mas precisar os modos e os tempos
a precisar o problema, devemos nos
dessa influência (Jacques Le Goff
perguntar que relevância podem ter,
começou
obtendo
num plano geral, as idéias e crenças
ótimos resultados) significa enfrentar
de um indivíduo único em relação
o
aos do seu nível social. No momento
problema
posto
pela
documentação, que no caso da
em
cultura popular é, como já dissemos,
estudiosos se lançam a empresas
quase sempre indireta. Até que ponto
imensas de história quantitativa das
os eventuais elementos da cultura
idéias ou de história"
que
equipes
inteiras
de
são
aculturação
frutos mais
de ou
histórico — a nobreza austríaca ou o baixo clero inglês do século XVI."
"Com
rara
clareza
e
lucidez,
Menocchio articulou a lingua- gem que estava historicamente à sua disposição.
Por
isso,
nas
suas
confissões é possível encontrar de maneira
bastante
nítida,
quase
exasperada, uma série de elementos convergentes;
esses
mesmos
elementos,
numa
outra —
análoga
—, aparecem dispersos, ou então só é possível vislumbrá-los. Algumas investigações confirmam a existência de traços que reconduzem a uma cultura
camponesa
comum.
Em
poucas palavras, mesmo um casolimi- te (e Menocchio com certeza o é) pode se revelar representativo, seja negativamente — porque ajuda a precisar o que se deva entender, numa
situação
dada,
por
“estatisticamente mais freqüente” —,
hegemônica, encontráveis na cultura popular,
período
contemporânea ou pouco posterior "Antes de analisar em que medida as
trabalho
determinado
documentação
classes
dominantes[...]"
esse
num
seja positivamente — porque permite
uma menos
"Porém, se a documentação nos
deliberada ou de uma convergência
oferece a oportunidade de reconstruir
mais ou menos espontânea e não,
não só as massas indistintas como
ao contrário, de uma inconsciente
também personalidades individuais,
deformação da fonte, obviamente
seria
tendendo a conduzir o desconhecido
últimas. Não é um objetivo de pouca
ao conhecido, ao familiar?"
importância estender às classes mais baixas
absurdo
o
descartar
conceito
estas
histórico
circunscrever
as
possibilidades
latentes de algo (a cultura popular) que nos chega apenas através de documentos deformados,
fragmentários provènientes
e quase
todos de “arquivos da repressão”."
de
“indivíduo”. E claro que existe o risco "As confissões de Menocchio, o
de cair no anedotário, na famigerada
"O chiste de E. P. Thompson sobre o
moleiro friulano protagonista deste
bistoireévénementielle (que não só é
“grosseiro
livro, constituem, em certa medida,
nem
impressionismo do computador que
um
política). Contudo, trata-se de um
repete
risco
elemento, passando por cima de
caso
semelhante
benandanti. irredutibilidade
Aqui, de
ao
também, parte
dos a dos
necessariamente
evitável.
biográficos
é
Alguns
mostraram
história
estudos que
um
discursos de Menocchio a esquemas
indivíduo medíocre, destituído de
conhecidos aponta para um estrato
interesse
por
si
mesmo
—
e
ad
e
insistente
navseam
um
único
todos os dados documentais para os quais
não
foi
programado”,
é
literalmente verdadeiro, já que o
computador, como é óbvio, não
“mentalidade” do que uma “cultura”.
pensa, mas executa ordens. "
Apesar das aparências, não se trata de uma distinção futil. O que tem caracterizado os estudos de história
"Furio Diaz, fez algumas objeções a
das menta- lidades é a insistência
essa abordagem: por um lado, corre-
nos elementos inertes, obscuros,
se
sempre
inconscientes de uma determinada
descobrindo o óbvio; por outro, de se
visão de mundo. As sobrevivências,
ater ao que, em termos históricos, é
os
enganoso.
irracionalidade delimitam o campo
o
risco
de
E
estar
deu
um
exemplo
arcaísmos,
a
afetividade,
a
irônico: os camponeses franceses do
específico
fim do século com certeza não
mentalidades,
assaltavam os castelos da nobreza
muita clareza de disciplinas paralelas
porque
lido
e hoje consolidadas, como a história
UAngeConducteur, mas porque as
das idéias ou a história da cultura
“novas
(que,
tinham idéias
mais
ou
menos
da
no
estudiosos
de
anteriores)."
iam
ao
encontro
de
das
distinguindo-a
entanto,
implícitas nas notícias que chegavam Paris”
história
com
para
alguns
as
duas
engloba
que
medida
predominantemente
a oral
cultura daqueles
leitores interferia na fruição do texto, modificando-o, chegando
remodelando-o,
mesmo a
alterar
sua
natureza? As referências de Menocchio a suas leituras nos dão um exemplo claro desse tipo de relação com o texto, a qual diverge por inteiro da dos leitores cultos de hoje. "
maioria da população daquela época, são vislumbrados no livro de Febvre só
para
serem
apressadamente
liquidados como “massa [...] semiselvagem, vítima das superstições”, enquanto a afirmação de que era impossível, naquele tempo, formular uma posição irreligiosa conseqüente em termos críticos traduz-se em outra — bastante previsível — de que o século XVII não era o século XVI
e
Descartes
não
era
contemporâneo de Rabelais. Apesar desses limites, o modo como Febvre
“interesses e [...] velhos rancores”." "[...]
"Os camponeses, isto é, a grande
consegue
separar
os
múltiplos fios que ligam um indivíduo a um ambiente, a uma sociedade, " Inscrever o caso de Menocchio no
historicamente
âmbito exclusivo da história das
permanece
mentalidades significaria, portanto,
instrumentos que usou para analisar
colocar
o
a religião de Rabelais podem servir
fortíssimo componente racional (não
também para analisar a religião, tão
necessariamente
diversa, de Menocchio."
em
segundo
plano
identificável
à
determinados, exemplar.
Os
nossa nacionalidade) da sua visão de mundo. Todavia, o argumento decisivo
é
outro:
terminantemente
a
conotação
interclassista
da
"Com isso não se está de maneira alguma afirmando a existência de uma cultura homogênea, comum
história das mentalidades."
tanto aos camponeses como aos "A defasagem entre os textos lidos por Menocchio e o modo como ele os assimilou
e
inquisidores posições
os
referiu
aos
indica
que
suas
não
são
redutíveis
ou
remissíveis a um ou outro livro. Por um
lado,
elas
reentram
numa
tradição oral antiqüís- sima; por outro, evocam uma série de motivos elaborados por grupos heréticos de formação
humanista:
tolerância,
tendência em reduzir a religião à moralidade etc."
artesãos da cidade (para não falar " Nesse sentido, na maior parte das
dos grupos marginais, corrio os
vezes,
vagabundos),
o
acrescentado pleonástico. negar
adjetivo a
“mentalidade”
Ora,
a
coletiva
não
Menocchio
não
é
mais
uma
pré-
industrial. Apenas se está querendo
queremos
delimitar um âmbito de pesquisa no
de
interior do qual é preciso conduzir
investigações desse tipo, porém o
análises particularizadas como a que
risco de chegar a extrapolações
fazemos aqui. Só desse modo será
indevidas
Até
possível eventualmente generalizar
mesmo um dos maiores historiadores
as conclusões a que se chegou
deste século, LucienFebvre, caiu
neste estudo."
é
legitimidade
muito
grande.
numa armadilha desse gênero. Num livro inexato mas fascinante, tentou, indivíduo — ainda que excepcional,
se o que emerge dos discursos de
Europa
é
através da investigação sobre um
"A esta altura poder-se-ia perguntar
na
como Rabelais —, identificar as coordenadas mentais de toda uma era[...]"
"Dois grandes eventos históricos tomaram possível um caso como o de
Menocchio:
a
invenção
da
imprensa e a Reforma. A imprensa lhe permitiu confrontar os livros com a tradição oral em que havia crescido e lhe forneceu as palavras para
organizar o amontoado de idéias e fantasias que nele conviviam. A Reforma
lhe
deu
audácia
para
comunicar o que pensava ao padre do
vilarejo,
conterrâneos,
inquisidores — mesmo não tendo conseguido dizer tudo diante do papa, dos cardeais e dos príncipes, como queria[...]"
“Não tenho nada além de dois moinhos de aluguel e dois campos arrendados, e com isso sustentei e sustento minha pobre família”. Mas, sem
dúvida,
Menocchio
exagerando. Mesmo se boa parte da colheita
servisse
para
que
pagar
o
aluguel (provavelmente em espécie)
era
impossível
efetuar recortes claros na cultura de Menocchio. Só com o bom senso se
taxas sobre a terra, devia sobrar o bastante para sobreviver e ainda para os momentos difíceis."
época,
convergiam
com
tendências de uma parte da alta cultura do século XVI e que se tornaram
patrimônio
da
cultura
“progressista” dos séculos seguintes: aspiração a uma reforma radical da sociedade,
corrosão
interna
da
religião, tolerância. Graças a tudo isso, Menocchio está inserido numa tênue, sinuosa, porém muito nítida linha de desenvolvimento que chega até
nós:
podemos
dizer
que
é
também
um
fragmento
perdido, que nos alcançou por acaso, de um mundo obscuro, opaco, o qual só através de um gesto arbitrário podemos
incorporar
à
nossa
história[...]"
"No
conjunto,
a
posição
de
Menocchio no microcosmo social de Montereale aparenta não ter sido das mais desprezíveis. Em 1581 havia sido podestá (magistrado) da aldeia e dos vilarejos ao redor (Gaio,
e
ainda
cameraro,
isto
é,
administrador
da
paróquia
de
Montereale,
em
data
não
precisada[...]"
a qualquer análise não significa ceder ao fascínio idiota do exótico e do incompreensível. Significa apenas levar
em
consideração
sentido, nós mesmos somos vítimas. “Nada do que aconteceu deve ser perdido para a história”, lembrava Wal-
ter
Benjamin.
humanidade pertence
Mas
redimida
inteiramente”.
isto é, liberada."
o
“só
à
passado Redimida,
Esse
pregar
fato
e
agravava
muito sua situação."
“Discute sempre com alguém sobre a fé, e até mesmo com o pároco” — foi
o
que
comentou
Francesco
com
o
vigário-geral.
Segundo
outra
Domenico
Melchiori:
com
Fasseta
testemunha,
todo
“Costuma
mundo,
mas,
disse:
‘Eu
sou
sapateiro;
você,
moleiro, e você não é culto. Sobre o que é que nós vamos discutir?’”. As coisas da fé são grandes e difíceis, fora do alcance de moleiros e sapateiros."
"Menocchio dizia não acreditar que o Espírito Santo governasse a Igreja, acrescentando:
“Os
padres
nos
de tudo para nos manter quietos, "Nesse caso, o fato de saber “ler, escrever
e
somar”
favorecido
deve
ter
Menocchio.
administradores, escolhidos
em
quase
Os
geral,
eram
sempre
entre
vezes aprendendo até um pouco de latim. Escolas desse tipo existiam também
em
Pordenone:
Aviano
Menocchio
ou
em
deve
ter
passado por uma delas."
mas eles ficam sempre bem”; e ele “conhecia Deus melhor do que eles”. E, quando o pároco da vila o levara a Concórdia para se encontrar com o vigário- geral, a fim de que suas idéias
clareassem,
dizendo-lhe
“esses seus caprichos são heresias”, tinha prometido não se meter mais em tais assuntos — todavia, logo depois recomeçou."
“Cale a boca, Domenego, não diga essas coisas, porque um dia você se
uma
mutilação histórica da qual, em certo
dogmatizar).
de
querem debaixo de seus pés e fazem
escola pública de nível elementar, às
frabilidade que há nela e que resiste
envergonhava
Grizzo, San Leonardo, San Martino)
pessoas que tinham freqüentado
. "Respeitar o resíduo de indeci-
se
quando quis discutir comigo, eu lhe
Menocchio é nosso antepassado, mas
dogmatizare non erubes- cit”; ele não
discutir
podem isolar certos temas que, já naquela
et
estava
dos dois moinhos, além das pesadas "Dissemos
(“praedicare
discutindo-as
"Em
28
de
setembro
de
1583
Menocchio foi denunciado ao Santo Ofício,
sob
a
acusação
de
ter
pronunciado palavras “heréticas e totalmente ímpias” sobre Cristo. Não se
tratara
ocasional: tentar
de
uma
Menocchio
difundir
suas
blasfêmia chegara
a
opiniões,
arrepende”.
Outra
testemunha,
Giovanni Povoledo, dirigindo- se ao vigário-geral, arriscou uma definição, embora genérica: “Tem má fama e tem opiniões erradas, como aquelas da seita de Lutero”. Entretanto, esse coro
de
vozes
enganar. interrogados
Quase
não
deve todos
declararam
nos os
conhecer
Menocchio havia muito tempo: uns, havia trinta, quarenta anos; outros, 25; outros, ainda, vinte. Um deles, Daniele Fasseta, disse conhecê- lo
Polcenigo, " Como já vimos, Menocchio não reconhecia, na hierarquia ecle
Giovanni
Melchiori,
seu
Daniele
amigo
desde
a
infância. Este o incentivou a se apresentar
espontaneamente
ao
“desde moleque, com o nariz sujo, já
siástica,
que éramos da mesma paróquia”.
especial nas questões de fé. “Que
obedecer
papa, prelado, padres, qual o quê! E
eventual
dizia essas palavras com desprezo,
Menocchio: “Diga o que eles estão
" As pessoas repetiam as palavras
dizia que não acreditava neles” —
querendo saber, não fale demais e
dele,
curiosidade,
comentou Domenico Melchiori. De
muito menos se meta a contar
outras balançando a cabeça. Nos
tanto discutir e argumentar pelas
coisas;
testemunhos recolhidos pelo vigário-
ruas
perguntado”[...]"
geral não se percebe o que se
Menocchio deve ter acabado por se
chamaria de verdadeira hostilidade
contrapor à autoridade do pároco."
algumas
com
nenhuma
e
tavernas
autoridade
da
cidade,
Santo
Ofício,
ou
de
ao
menos
imediato
convocação.
responda só
a
a
uma
Avisou
a
o que for
em relação a Menocchio; no máximo,
" E assim Menocchio foi a Maniago,
desaprovação. E verdade que entre
atendendo à convocação do tribunal
aqueles existiam parentes, como
eclesiástico. Mas no dia seguinte, 4
Francesco Fasseta ou Bartolomeodi Andrea, primo de sua mulher, que o definiram como “homem de bem”. O próprio Giuliano Stefanut, que havia enfrentado Menocchio, dizendo-se pronto
“a
morrer
pela
fé”,
acrescentou: “Eu gosto dele”. [Esse moleiro, que já tinha sido magistrado da
aldeia
e
administrador
paróquia,
decerto
margem
da
Montereale. quando
vivia
comunidade
Muitos
do
não
anos
segundo
da à
processo,
que é amigo de todo mundo”. E, a
certa
altura
dispararam uma denúncia contra ele que abriu caminho para o inquérito. Os
filhos
de
Menocchio,
como
veremos, identificaram de imediato o pároco de Montereale, dom Odorico Vorai, como o anônimo delator. Não estavam enganados. Entre os dois existia uma velha diferença: já fazia quatro anos que Menocchio ia se confessar
em
outra
“desmesuradamente”,
como sustentava que blasfemar não é pecado (segundo uma testemunha, teria dito que blasfemar contra os santos não é pecado, mas contra Deus
é),
acrescentando
com
sarcasmo: “Cada um faz o seu dever; tem quem ara, quem cava e eu faço
inquérito, o inquisidor em pessoa — o
frade
franciscano —
Montefalco
Felice
ordenou
que
da o
prendessem e “levassem algemado” para os cárceres do Santo Ofício de Concórdia. Em 7 de fevereiro de 1584 Menocchio foi submetido a um primeiro interrogatório."
o meu, blasfemar”." "
depois,
conversando com muita gente e acho
disso,
blasfemava
de fevereiro, dado o andamento do
de
umatestemunha declarou: “Eu o vejo
apesar
"Só para termos uma idéia, não só
cidade.
O
testemunho de Vorai, que fechou a
"Por exemplo: “O ar é Deus [...] a terra, nossa mãe”; “Quem é que vocês-pensam que seja Deus?Deus não é nada além de um pequeno sopro e tudo mais que o homem imagina”; “Tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses”; “O céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o inferno, tudo é Deus”; “O que é que vocês pensam, que Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria? Não é possível que ela tenha dado à luz e tenha continuado virgem. Pode muito bem ser que ele tenha sido um
Assim,
mesmo
alimentado
admitindo
ter
quanto
à
dúvidas
virgindade de Maria dois ou três anos antes, e ter falado sobre isso com várias pessoas, entre as quais o padre
de
Barcis,
observou:
“E
verdade que eu falei disso com várias pessoas, mas não forçava ninguém a acreditar; pelo contrário, convenci
muitos dizendo:
‘Vocês
querem que eu ensine a estrada verdadeira? Tente fazer o bem, trilhar
o
caminho
dos
meus
antecessores e seguir o que a Santa Madre Igreja ordena’."
homem qualquer de bem, ou filho de algum homem de bem”[...]"
fase informativa do processo, foi
”Com
particularmente evasivo: “Não posso
confirmava a suspeita de que ele
me lembrar bem do que ele disse. Tenho memória fraca e estava com outras coisas na cabeça”[...]"
"Menocchio pressentia que alguma coisa estava sendo preparada contra ele. Foi então falar com o vigário de
tais
palavras
Menocchio
tivesse desempenhado, na aldeia, o papel de professor de doutrina e de comportamento (“Vocês querem que eu ensine a estrada verdadeira?").
Quanto
ao
conteúdo
heterodoxo
Contra-Reforma, as modalidades de
" No final do primeiro interrogatório (7
desse tipo de prédica, não é possível
exclusão eram outras — prevaleciam
de fevereiro) exclamou com evidente
ter dúvidas — principalmente no
a identificação e a repressão da
relutância, dirigindo-se ao vigário-
momento em queMenocchio expôs
heresia."
geral: “Senhor, o que eu disse por
sua singularís- sima cosmogonia, da
inspiração de Deus ou do demônio
qual
não confirmo nem desminto, mas lhe
o
Santo
Ofício
já
ouvira
comentários confusos: “Eu disse que
"Logo após seu encarceramento, um
peço misericórdia e farei o que me
segundo meu pensamento e crença
de seus filhos, Ziannuto, tentara
for ensinado”. Pedia perdão, todavia
tudo era um caos, isto é, terra, ar,
socorrê-lo
maneiras:
não renegava nada. Durante quatro
água e fogo juntos, e de todo
procurou um advogado, um tal de
longos interrogatórios (7, 16, 22 de
aque[...]"
Trappola, de Portogruaro; esteve em
fevereiro e 8 de março) ele se
Serravalle
o
manteve firme diante das objeções
inquisidor; obteve da prefeitura de
do vigário, negou, fez comentários,
"Esse Deus, depois, fez Adão e Eva
Montereale uma declaração a favor
rebateu.
e o povo em enorme quantidade para
do prisioneiro que foi enviada ao
disse-lhe o vigário Maro, “que teria
encher
anjos
advogado, com a perspectiva, em
dito não acreditar no papa, nem nas
expulsos. O povo não cumpria os
caso de necessidade, de conseguir
regras da Igreja, e que não sabia de
mandamentos de Deus e ele mandou
outros atestados de boa conduta: “Se
onde saía tamanha autoridade de
seu filho, que foi preso e crucificado
for necessária a comprovação da
alguém como o papa.” Menocchio
pelos judeus”. E acrescentou: “Eu
prefeitura de Montereale de que o
retrucou: “Eu peço a Deus onipotente
nunca disse que ele se deixara
prisioneiro
que me faça morrer agora se eu
abater feito um animal” (foi uma das
comungava todo ano, o padre a dará;
disse
acusações feitas contra ele; em
se for necessária a comprovação de
afirmou”.
seguida admitiu que talvez pudesse
ter sido magistrado e administrador
dissera que as missas para os
ter dito qualquer coisa do gênero).
de cinco vilas, será dada; ter sido
mortos
“Eu disse bem claro que se deixou
administrador
Giuliano
crucificar e esse que foi crucificado
Montereale e ter feito sua obrigação
pronunciadas por Menocchio num dia
era um dos filhos de Deus, porque
com louvor, será dada; ter sido
em que voltavam da missa foram:
todos somos filhos de Deus, da
coletor de dízimos da igreja da
“Por que é que vocês dão essas
mesma natureza daquele que foi
paróquia de Montereale, será dada...
esmolas
em
crucificado. Era homem como nós,
"."
poucas
cinzas?”.)
os
lugares
dos
de
várias
para
se
falar
com
confessava
da
paróquia
e
de
“Consta
isso
que
Mas
no
Vossa era
eram
processo",
verdade
inúteis?
Stefanut,
Senhoria que
(Segundo
as
memória “Eu
palavras
daquelas disse”,
mas com uma dignidade maior, como
explicou Menocchio, “que é preciso
o papa hoje, que é homem como
tentar fazer todo o bem até quando
nós, mas com maior dignidade do
"[...]sugeria-lhe que prometesse “total
se está neste mundo, porque depois
que nós porque pode fazer. Aquele
obediência à Santa Igreja; dizendo
é o senhor Deus quem governa as
que foi crucificado nasceu de são
que
almas.
José e da Virgem Maria.”
acreditara em nada que não fossem
missas para os mortos são feitas, eu
os mandamentos de Deus e da Igreja
acho, por amor a Deus, o qual faz o
e que pretendia viver e morrer na fé
que bem entender. "
não
acreditava
e
nunca
As
orações,
esmolas
e
"Pensou-se em liquidar as opiniões
cristã, dentro do que a Santa Igreja
de Menocchio, em especial sua
romana, católica e apostólica ordena;
cosmogonia, fazendo-as passar por
ou
necessário),
"De repente, por volta do fim de abril,
um amontoado de extravagâncias
pretendia perder a vida e outras mil
verificou-se um fato novo. Os priores
ímpias porém inócuas (o queijo, o
se houvesse pelo amor de Deus e da
venezianos convidaram o inquisidor
leite, os vermes-anjos, o Deus-anjo
santa fé cristã, sabendo que devia a
de Aqui- léia e Concórdia, frei Felice
criado do caos), mas tal idéia foi
vida e todas as outras coisas boas à
da Montefalco, a agir de acordo com
abandonada. Cem, 150 anos depois,
Santa Madre Igreja... ”.
os hábitos vigentes nos territórios da
melhor
(sendo
Menocchio provavelmente teria sido
República,
trancado
o
causas do Santo Ofício, a presença
diagnóstico teria sido “tomado por
de um magistrado secular ao lado
delírio religioso”. Todavia, em plena
dos juizeseclesiásticos. O conflito
num
hospício,
e
que
impunham,
nas
entre os dois poderes era tradicional.
advogado logo que o Santo Ofício o
homens e mulheres faziam troca de
Não sabemos se nessa ocasião
colocara na prisão."
promessas e isso era suficiente;
houve também a intervenção do
depois apareceram essas invenções
advogado Trappola a favor do seu
dos homens”. Sobre a ordenação:
cliente. O fato é queMenocchio foi
“Gostaria que se acreditasse na
“Acho que o Espírito Santo está em
levado ao palácio do magistrado, em
majestade de Deus, que fôssemos
todo mundo, [...] e acho que qualquer
Portogruaro, com a finalidade de
homens de bem e que se fizesse
um que tenha estudado pode ser
confirmar
como
recomendou,
sacerdote, sem ter que ser sagrado,
interrogatórios concluídos até aquele
respondendo àqueles judeus que lhe
porque tudo isso é mercadoria”.
momento. Depois disso, o processo
perguntaram
deveria
Sobre a extrema-unção: “Acho que
recomeçou."
seguir. Ele respondeu: ‘Amar a Deus
não é nada, não vale nada, porque
e ao próximo'.” Uma tal religião
se unge o corpo, mas o espírito não
simplificada
para
pode ser ungido”. Geralmente se
limitações
referia à confissão dizendo: “Ir se
”
na
Acrescentou
sua
presença
Daniele
os
Fasseta:
“Domenego disse que, se ele não
Jesus
Cristo
que
lei
não
se
admitia,
Menocchio, confessionais[...]"
confessar com padres ou frades é a
temesse pela própria vida, falaria
mesma coisa que falar com uma
tanto que surpreenderia a todos. Eu
árvore”. Quando o inquisidor lhe
acho que queria falar sobre a fé”. Na
“A majestade de Deus distribuiu o
repetiu essas palavras, explicou, com
presença
de
Espírito Santo para todos: cristãos,
uma pontinha de auto-suficiência:
Portogruaro e do inquisidor de Aqui-
heréticos, turcos, judeus, tem a
“Se
léia
Menocchio
mesma consideração por todos, e de
penitência, daria no mesmo; alguns
confirmou o testemunho: “E verdade,
algum modo todos se salvarão” —,
homens procuram os padres porque
eu disse que, se não tivesse medo
acabou
não sabem que penitências devem
da justiça, falaria tanto que iria
contra os juizes e sua soberba
ser
surpreender; e disse que, se me
doutrinal: “E vocês, padres e frades,
esperando
fosse permitida a graça de falar
querem saber mais do que Deus; são
ensinem, mas, se eles soubessem,
diante do papa, de um rei ou príncipe
como o demônio, querem passar por
não teriam necessidade de procurá-
que me ouvisse, diria muitas coisas
deuses na terra, saber tanto quanto
los”. Estes últimos deveriam se
e, se depois me matassem, não me
Deus da mesma maneira que o
confessar “à majestade de Deus em
incomodaria”. Então incentivaram-no
demônio. Quem pensa que sabe
seus corações e pedir- lhe perdão
a
muito é quem nada sabe”. "
pelos seus pecados”."
e
do
magistrado
Concórdia,
falar:
Menocchio
abandonou
numa
explosão
violenta
esta
feitas
árvore
para
conhecesse
seus
que
os
a
pecados,
padres
as
qualquer reticência. Era dia 28 de abril." “Acho que a lei e os mandamentos da Igreja são só mercadorias e que se deve viver acima disso”. Sobre o “E me parece que na nossa lei o papa, os cardeais, os padres são tão grandes e ricos, que tudo pertence à Igreja e aos padres. Eles arruinam os pobres.
Se
têm
dois
campos
arrendados, esses são da Igreja, de tal bispo ou de tal cardeal”. E bom lembrar que Menocchio possuía dois campos arrendados, cujo proprietário ignoramos; quanto ao seu latim, aparentemente Credo
e
ao
se
restringia
ao
Pater
noster,
que
aprendera ajudando na missa, e que Ziannuto, seu filho, fora atrás de um
batismo
comentou:
“Acho
quando
nascemos,
já
batizados,
porque
que,
estamos
Deus,
que
"As
frases
referidas
pelos
testemunhos soavam, na verdade, como
blasfêmias
ou
negações
abençoa todas as coisas, já nos
depreciativas. Quando procurou o
batizou. O batismo é uma invenção
vigário de Polcenigo, num dia de
dos padres, que começam a nos
distribuição de hóstias, Me- nocchio
comer a alma antes do nascimento e
exclamou: “Pela Virgem Maria, são
vão continuar comendo-a até depois
muito grandes essas bestas!”. Numa
da morte”. Sobre a crisma: “Acho que
outra vez, discutindo com o padre
é uma mercadoria, invenção dos
Andrea Bionima, disse: “Não vejo ali
homens; todos os homens têm o
nada mais que um pedaço de massa.
Espírito Santo e buscam saber tudo
Como é que pode ser Deus? E o que
e
o
é esse tal Deus a não ser terra, água
casamento: “Não foi feito por Deus,
e ar?”. Mas ao vigário-geral explicou:
mas
“Eu disse que aquela hóstia é um
não
sabem
sim
pelos
nada”.
Sobre
homens;
antes,
pedaço de massa, mas que o
"No entanto, o processo estava
faziam reuniões secretas, algumas
Espírito Santo vem do céu e está
longe de ter terminado. Alguns dias
agrupando até 2 mil pessoas, nas
nela. Eu realmente acredito nisso”. O
depois
quais, entre outras coisas, se diziam
vigário perguntou incrédulo: “O que
interrogatórios foram retomados: o
“algumas
você
o Espírito
interventor precisara se afastar de
palavras de ordem, como cortar em
respondeu:
Porto- gruaro, mas os juizes estavam
pedacinhos padres, homens de bem,
“Acho que é Deus”. Mas sabia
impacientes para ouvir Menocchio
castelãos e cidadãos, ameaçando
quantas
da
novamente. “Na sessão anterior”,
fazer uma véspera si- ciliana,* e
Trindade? “Sim, senhor: Pai, Filho e
falou o inquisidor, “lhe dissemos que
muitas outras palavras sujíssimas”.
Espírito Santo.” “Em qual dessas três
seu espírito aparecia no processo
Mas não eram só palavras. Na
pessoas você acha que a hóstia se
cheio de certos humores e de má
quinta-feira gorda de 1511, pouco
converte?” “Acho que no Espírito
doutrina,
Tribunal
depois da crise que sucedeu à
Santo.”
ignorância
deseja que o senhor termine de
derrota de Veneza em Agnadello e
parecia inacreditável para o vigário:
revelar seu pensamento.” Menocchio
coincidentemente com a difusão da
“Quando o pároco fez os sermões
respondeu: “Meu espírito era elevado
peste,
sobre
sacramento,
e desejava que existisse um mundo
Savorgnan se insurgiram, primeiro
quem ele disse que estava naquela
novo e um novo modo de viver, pois
em Udine e a seguir em outras
hóstia?”. Porém, não se tratava de
a Igreja não vai bem e não deveria
localidades,
ignorância: “Disse que era o corpo de
ter tanta pompa”."
dos dois partidos e incendiando
acha que seja
Santo?”.
Menocchio
eram
as
pessoas
Semelhante'
o
santíssimo
(Ia
de
mas
maio),
o
Santo
os
Cristo, embora eu achasse que era o
nefandas
os
e
diabólicas
camponeses
fiéis
massacrando
a
nobres
castelos."
Espírito Santo, e isso porque acho que o Espírito Santo é maior que
"O Friuli da segunda metade do
Cristo, que era homem, enquanto o
século XVI era uma sociedade com
"Esse órgão tinha funções não só
Espírito Santo veio pelas mãos de
características
profundamente
fiscais,
como
Deus...”"
arcaicas. As grandes famílias da
através
das
nobreza feudal ainda preponderavam
recolhia uma série de impostos e,
na
através
“A
respeito
das
coisas
dos
região.
chamada
Instituições servidão
Evangelhos, acho que parte delas é
tinham
sido
verdadeira
anterior,
e,
como
de
mesnada
conservadas
até
de
cemide,
fogos”,**
organizava
milícias camponesas. Esse último
o
item, em especial, era um verdadeiro
parte,
os
século
mais
desacato para a nobreza friulana, se
puseram
coisas
da
tempo, portanto, que nas regiões
consideramos que os estatutos da
cabeça deles, como se pode ver nas
vizinhas.
O
Patria,
passagens onde um conta de um
medieval
mantivera
modo e outro de outro”. Assim
funções legislativas, mesmo estando
ameaçavam com penalidades os
podemos
o
nas mãos dos
camponeses que ousassem destruir
lugares-tenentes venezianos já há
o nobre exercício da caça, armando
conterrâneos (e confirmara durante o
algum
a
laços para as lebres ou caçando
processo) “que a Sagrada Escritura
dominação de Veneza, iniciada em
perdizes à noite), continham uma
fora inventada para enganar os
1420, tinha deixado, na medida do
cláusula
homens”. Então temos: negação da
possível, as coisas como eram antes.
prohibitionearmorumrusticis."
doutrina,
livros
A única preocupação dos venezianos
sagrados, insistência exclusiva no
havia sido criar um equilíbrio de
aspecto prático da religião: “Ele
forças
[Menocchio] me disse também só
tendências subversivas de parte da
simplificada, porém muito clara: no
acreditar
nobreza feudal friulana."
mundo existem muitos graus de
Menocchio
entender
por
que
dissera
aos
seus
negação
nas
boas
dos
obras”
—
antigo
poder efetivo
tempo.
tal
muito
das
“listas
militares:
noutra
evangelistas
por
a
também
Parlamento as
Na
que
próprias
verdade,
neutralizasse
as
feudal
"Uma
impregnados (entre
de
espírito
outras
coisas
intitulada
imagem
rudimentar
De
e
declarara Francesco Fasseta. Numa
“dignidade”: há o papa, os cardeais,
outra vez, sempre se dirigindo ao
os padres, o pároco de Montereale;
mesmo Francesco, dissera: “Eu só
" Era 1508, o nobre Francesco
há o imperador, os reis, os príncipes.
quero fazer obras boas”
diStrassoldo,
Contudo,
num
discurso
no
ultrapassando
as
Parlamento, advertia que em várias
graduações hierárquicas, existe uma
localidades do Friuli os camponeses
contraposição fundamental entre os
“superiores” e os “homens pobres” —
claras as palavras de Menocchio —
interrogatórios de Portogruaro, tem
Menocchio é um dos pobres. Uma
ainda que ele próprio não tivesse se
uma fisionomia bem precisa. No
imagem claramente dicotômica da
chocado contra a renovada dureza
complexo quadro religioso da Europa
estrutura
da
(que
do século XVI ela nos remete,
sociedades camponesas. Em todo
sempre foi explicitamente excluída
principalmente e em mais de um
caso parece-nos que Menocchio, em
nas
de
ponto, às posições dos anabatistas.
seus discursos, dá indícios de ter
arrendamento
pelas
A insistência na simplicidade da
uma atitude diferenciada em relação
autoridades
Bastava
palavra de Deus, a negação das
aos “superiores”. A violência do
abrir os olhos, olhar ao redor."
ataque
de
classes,
contra
as
típica
das
propriedade
eclesiástica
reduções
das
taxas
introduzidas venezianas).
imagens sacras, das cerimônias e
autoridades
dos sacramentos, a negação da
máximas da Igreja — “E me parece
divindade de Cristo, a adesão a uma
que na nossa lei o papa, os cardeais,
"A consciência dos próprios direitos
religião prática baseada nas obras, a
os padres são tão grandes e ricos,
para Menocchio nascia de um plano
polêmica pregando a pobreza contra
que tudo pertence à Igreja e aos
especificamente
Um
as “pompas” da Igreja, a exaltação
padres.Eles arruinam os pobres...” —
moleiro pode pretender expor as
da tolerância, são todos elementos
contrasta com a crítica muito mais
verdades da fé ao papa, a um rei ou
que nos conduzem ao radicalismo
amena, que vem em seguida, às
príncipe porque carrega dentro de si
religioso dos anabatistas. E verdade
autoridades políticas: “Me parece
o espírito que Deus deu a todos.
que Menocchio não é um defensor
também que os senhores venezianos
Pela mesma razão, pode ousar “falar
do batismo para os adultos. Mas
abrigam ladrões naquela cidade; se
muito contra os superiores, por suas
sabe-se que muito cedo os grupos
alguém vai comprar alguma coisa e
más obras”. O que levava Menocchio
anabatistas italianos chegaram a
pergunta ‘quanto custa?’, respondem
a negar, de maneira impetuosa, em
recusar também o batismo, bem
‘um ducado’, embora não valha mais
seus
hierarquias
como todos os outros sacramentos,
do que três marcellv, eu gostaria que
existentes não era só a percepção da
admitindo além disso um batismo
cumprissem seus deveres...”[...]"
opressão, mas também a ideologia
espiritual, baseado na regeneração
religiosa que afirmava a presença,
interior do indivíduo. Menocchio, por
em cada homem, de um “espírito”,
sua conta, considerava o batismo
"O próprio Menocchio parece nos dar
ora chamado de “Espírito Santo”, ora
absolutamente
uma
de “espírito de Deus”."
quando
primeira
indicação:
“Tudo
religioso.
discursos
as
inútil:
nascemos,
“Acho já
que,
estamos
pertence à Igreja e aos padres. Eles
batizados,
arruinam os pobres. Se têm dois
abençoa todas as coisas, já nos
porque
Deus,
que
campos arrendados, esses são da
“Eu acredito que seja luterano quem
Igreja, de tal bispo ou de tal cardeal”.
siga ensinando o mal e coma carne
Como já dissemos, não sabemos se
às sextas e sábados” — explicou
esse era o caso dele. Um censo feito
Menocchio
em 1596 — portanto, quinze anos
interrogavam, Mas decerto era uma
apontadas,
após essas afirmações — informa
definição simplificada e deformada
definir
que
propositadamente.
anos
anabatista. O valor positivo que ele
segundo
formulou a propósito da missa, da
um
dos
presumivelmente
campos
arrendado
a
depois,
aos
no
juizes
Muitos
período
do
soube-se
o
que
"Todavia,
apesar
das
não
parece
Menocchio
analogias possível
como
um
Menocchio confinava com um terreno
processo
que um dos membros da família dos
Menocchio havia dito a um judeu
certos limites, da confissão, era
senhores
lugar,
convertido, de nome Simon, que,
inconcebível para um anabatista.
OraziodiMontereale, arrendara a um
quando da sua própria morte, “os
Sobretudo um anabatista que via no
tal de GiacomoMargnano."
luteranos vão ser informados e virão
papa a encarnação do Anti- cristo,
buscar as cinzas”[...]"
nunca teria dito uma frase como
do
(1599),
que
batizou...”."
eucaristia
e
também,
dentro
de
aquela de Menocchio a respeito das indulgências: “[...] acredito que sejam
"E onde as propriedades haviam "Aquela que poderemos chamar de
boas, porque, se Deus pôs um
quantitativo, tinham se consolidado e
eclesiologia
de
homem em seu lugar, que é o papa,
reforçado em termos qualitativos.
reconstruível
com
nas
e mandou perdoar, isso é bom,
Tudo
afirmações feitas por ele durante os
porque é como se recebêssemos de
diminuído
isso
do
ponto
torna
de
vista
suficientemente
Menocchio, base
Deus, já que são dadas por seu
atribuídas a Menocchio por seus
representante”."
conterrâneos: “Tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses”; “O céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o
"Entre o inquisidor e Menocchio, a
inferno, tudo é Deus”? E melhor
uma certa altura, houve um diálogo
imputá-las, por enquanto, a um
significativo. O primeiro perguntou:
substrato de crenças camponesas,
“O
velho de muitos séculos, mas nunca
que
o
senhor
justificação?”.
entende
Menocchio,
por
sempre
totalmente
pronto a expor suas opiniões, desta
rompendo
vez não entendeu. O frade precisou
religiosa, tinha feito vir à tona, de
explicar-lhe
forma
(jiúdsitiustificatio
e
extinto. a
A
crosta
Reforma,
da
unidade
indireta,
tal
substrato;
a
Menocchio negou, como já vimos,
Contra-Reforma,
na
tentativa
de
que Cristo tivesse morrido para
recompor a unidade, trouxera-o à luz,
salvar os homens, já que, “se alguém
para expulsá-lo."
"A exortação de Farfarello para que se diga a verdade até no inferno, citada por Menocchio, decerto toca num dos temas fundamentais do Sogno:
a
polêmica
contra
a
hipocrisia, em especial a dos frades. Saído da tipografia em maio de 1541, enquanto
em
Ratisbona
se
desenrolavam as conversações que pareciam trazer a paz religiosa entre católicos e protestantes, o Sogno é de
fato
uma
típica
voz
do
evangelismo italiano. Os usgniejfi, berlefjfi, ceffi e visistorti” dos bufões
tem pecados, é preciso que faça
Zampolo e Taiacalze que, mesmo
penitência”. "
diante
do
tribunal
de
Belzebu,
começam a dançar “mostrando a bunda” são acompanhados — e a
"O eco dos debates acerca da importância da fé e das obras para a
"Que um moleiro como Menocchio
salvação transparece mesmo em
tivesse chegado a formular idéias tão
contextos inesperados, como nas
diversas
súplicas de uma prostituta dirigidas
nenhuma
às autoridades milanesas. Trata-se
improvável
de exemplos escolhidos ao acaso,
Perguntou-se às testemunhas se
que
se
Menocchio “folara sério ou brincando
um
ou se imitara alguém”; pediu-se a
elemento em comum: dizem respeito
Menocchio que revelasse os nomes
todos, ou quase todos, à cidade. É
dos
um indício, entre muitos outros, da
ambos os casos a resposta foi
profunda separação que já havia
negativa. Menocchio, em particular,
muito tempo se verificara na Itália
declarou
entre cidade e campo. A conquista
nunca encontrei alguém que tivesse
religiosa do campo italiano, que os
essas opiniões.As minhas opiniões
anabatistas teriam talvez tentado se
saíram da minha própria cabeça”."
poderiam
multiplicar.
Mas
facilmente eles
têm
das
correntes,
influência, aos
“companheiros”.
sem
inquisidores.
Porém,
resolutamente:
em
“Senhor,
"Nicola “contava que ele próprio tinha
decênios depois, de forma bem
quebrado umas estatuetas usadas
diversa, pelas ordens religiosas da
para a decoração de uma igrejinha,
Contra-Reforma,
não
os
jesuítas,
em
primeiro lugar."
muito
a
relação
entre
uma
distante
de
Porcia,
pôr
Associamos
imagens
na
igreja”.
imediatamente
tal
qual
imagens sacras feita por Menocchio.
nascem vermes que são os anjos —
Mas não fora só isso que ele
e a Reforma? Como remeter à
aprendera com Nicola da Porcia."
Reforma
afirmações
do
como
as
as apregoadas pelos frades e que se tornaram moda também entre os incultos: Muito ignaro, que passa por doutor com só falar das santas Escrituras em barbeiros, ferreiros, alfaiates, teologizando sem qualquer medida, levando o vulgo a uma porção de enganos; a predestinação lhes dá pavor assim como o juízo e o livre-arbítrio; que a poeira do salitre queime
a
todos.
A
estes
dizer o Padre Nosso e não da fé fazer mil desatinos, buscando coisas que jamais com tinta foram escritas nem com pena afiada.
via plana e certa de ir-se ao céu.
—
primordial
Nada de sutilezas teológicas, como
eram [...] mercadorias [...] que não é
declaração à áspera condenação das
queijo
discurso
Pois os Evangelistas já mostraram a
cosmogonia como a de Menocchio o
insistente
dizendo que eram malfeitas, que preciso
"Qual
e
obreirinhos bastaria crer no Credo e
alguns
efetuada
amplo
religioso."
os
de imediato, pela repressão política e foi
um
pareceu
não houvessem sido alijados, quase
religiosa,
mistura é bem carnavalesca — por
Não é mister, Zampolo, por sutil, buscar pêlos em ovo de galinha [...]"
"E, entretanto, ele lera o Sogno mais de
quarenta
anos
após
a
sua
publicação,
numa
situação
"Junto com o raciocínio estavam os
exíguos, passando os livros de mão
completamente diversa. O concílio
livros. O caso do SognodilCaravia
em mão"
que deveria ter esclarecido o conflito
não é isolado. “Tendo por várias
entre “papistas” e Lutero — conflito
vezes me confessado com um padre
que Caravia comparava ao existente
de
entre as duas facções friulanas dos
primeiro
Strumieri e dos Zamberlani — havia
perguntei: ‘É possível que Cristo
previsível),
acontecido, mas como um concílio
tenha sido concebido pelo Espírito
mulheres. Sabe-se que em Udine,
de condenação e não de concórdia."
Santo e nascido da Virgem Maria?’,
desde o início do século XVI, havia
contando-lhe que eu acreditava que
sido aberta uma escola, sob a
fosse assim, mas que às vezes o
orientação
demônio me tentava.” A atribuição
“para ler e ensinar, sem exceção,
das próprias dúvidas à tentação
filhos de cidadãos assim como de
demoníaca
atitude
artesãos e populares, grandes ou
Barcis”,
declarou
durante
interrogatório,
refletia
“eu
a
o
"Uma larga rede de circulação que
lhe
envolve não só padres (como seria mas
de
até
mesmo
GerolamoAmaseo,
"Teria sido então Nicola da Porcia
relativamente
de
pequenos, sem nenhum tipo de
quem falara sobre essas coisas com
Menocchio no início do processo. E
pagamento”. Existiam, além dessas,
Menocchio?
à
de fato, logo depois, expôs a dupla
escolas
de
tolerância, parece que sim — se a
fundamentação do seu pensamento:
centros
não
identificação de Nicola de Melchiori
“A base deste meu pensamento
Montereale, como Aviano e Por-
com Nicola da Porcia for correta.
estava no fato de tantos homens
denone. Surpreende, entretanto, que
Todavia, todos os testemunhos dos
terem vindo ao mundo e nenhum ter
numa aldeia tão pequena de colina
habitantes de Montereale indicam
nascido de mulher virgem; e, como
se lesse tanto."
que as idéias de Menocchio, em sua
eu tinha lido que a gloriosa Virgem
grande
sido
se casara com são José, achava que
formadas num período muito anterior
Jesus Cristo fosse seu filho; além
"O fato de que mais da metade dos
à data do primeiro processo. E
disso, li histórias em que são José
livros
verdade que não sabemos qual a
chamava Nosso Senhor Jesus Cristo
tivessem sido emprestados também
data do início das relações entre ele
de filhinho. Li isso num livro que se
deve ser levado em conta na análise
e Nicola, mas a obstinação de Me-
chamava II Fioretto delia Bib- bia”[...]"
dessa lista. Na verdade, só para o
No
que
maioria,
toca
haviam
cautelosa
nível
elementar
em
distantes
de
muito
citados
por
nocchio demonstra que não estamos
Fioretto
diante de alguém que recebesse
postular, com certeza, a existência
passivamente idéias alheias."
delia
Menocchio
Bibbia
podemos
"Vejamos antes de mais nada de que
de uma autêntica escolha, que o
modo esses livros chegaram às
levou a comprar esse livro entre os
mãos de Menocchio. O único que
tantos
"Manter tal posição divergente por
sabemos
sido
depósito ou na banca de um ignoto
um período tão longo (talvez por
comprado é o Fioretto delia Bibbia, “o
livreiro veneziano. E significativo que
quase trinta anos), primeiro numa
qual", disse Menocchio, “comprei em
o Fioretto tenha sido para ele uma
pequena aldeia, Montereale, depois
Veneza por dois soldos”. Dos outros
espécie de livre de chevet (livro de
diante do tribunal do Santo Ofício,
três — Historia dei Giudicio, Lunario
cabeceira). Ao contrário, havia sido o
requer
e
e o suposto Alcorão — não se tem
acaso que fizera o padre Andrea
intelectual que não é exagero definir
indicação alguma. O Supplementum,
Bionima topar com o volume de
como extraordinária. A desconfiança
de Foresti, foi um presente de
Mandavilla entre os “documentos
dos
as
Tomaso Mero da Malmins para
notariais”
reprovações do pároco, as ameaças
Menocchio. Os outros todos — e
indiscriminada fome de leituras, mais
dos inquisidores, nada conseguira
eram seis entre onze, mais da
do que um interesse específico, foi o
abalar a segurança de Menocchio.
metade
emprestados.
que levou o livro para as mãos de
Mas o que é que o tomava tão
Numa aldeia tão pequena como
Menocchio. Isso provavelmente vale
seguro? Em nome do que falava?"
Montereale,
para
uma
parentes
energia
e
moral
amigos,
com
—
certeza
foram
tais
ter
dados
são
outros
todos
amontoados
de
Maniago.
os A
livros lista
a
no
A
ele
significativos e apontam para uma
emprestados.
que
rede de leitores que superam o
reconstruímos reflete, acima de tudo,
obstáculo dos recursos financeiros
os livros que Menocchio teve à sua
disposição
—
não,
decerto,
um
quadro de predileções e escolhas conscientes."
reconstruímos
com
base
nos
documentos processuais."
levam Maria, que está morta, e cantam ao seu redor essa melodia
"No final do interrogatório de 28 de
que vocês estão ouvindo’."
abril, depois de ter expresso sem "O Foresti e o Mandeville, por exemplo, faziam parte da biblioteca de um outro “homem desconhecedor das
letras”,
quer
dizer,
desconhecedor do latim, ainda que muito diferente: Leonardo da Vinci. E a Historia dei Giudido figura entre os livros de um famoso naturalista, UlisseAldovandi (que por sua vez tivera problemas com a Inquisição em virtude de suas relações, quando jovem, com grupos heréticos). E evidente que o Alcorão se sobressai nessa lista (caso Menocchio de fato o tivesse lido), porém essa é uma exceção que será considerada ã parte. Os outros são títulos bastante óbvios, aparentemente incapazes de nos dar indicações sobre o modo como Menocchio chegou a formular o que um conhecido seu definiu como “opiniões fantásticas”."
nenhuma restrição suas acusações contra
a
Igreja,
sacramentos
os
e
padres,
as
os
cerimônias
eclesiásticas, respondendo a uma pergunta do inquisidor, Menocchio declarou:
“Eu
acredito
que
a
imperatriz neste mundo seja mais importante que Nossa Senhora, mas lá Nossa Senhora é maior, porque de lá nós somos invisíveis”. A pergunta do inquisidor nascera de um episódio narrado
por
confirmado,
uma sem
testemunha hesitação,
e por
Menocchio: “Sim, senhor, é verdade que eu disse, enquanto a imperatriz passava, que ela era mais importante que Nossa Senhora, mas eu estava me
referindo
a
este
mundo;
e
naquele livro da Nossa Senhora lhe
honras; quando a levavam para ser sepultada, alguém quis desonrá-la,
apóstolos, e esse teve as mãos
de estar num beco sem saída. Antes,
grudadas nela. Tudo isso está no livro da vida de Nossa Senhora”."
um momento, como já o fizera o vigário- geral, se não se tratava do discurso de um louco. Descartada essa hipótese, o exame de sua eclesiologia
sugeriu
uma
outra:
talvez Menocchio fosse anabatista. Abandonada
também
essa
possibilidade, defrontamos com a informação de que Menocchio se julgava um mártir “luterano”: daí o problema de suas relações com a Reforma. Entretanto, a proposta de inserir
as
idéias
e
crenças
de
Menocchio num veio profundo de radicalismo camponês trazido à luz pela Reforma (mas independente dela) parece ter sido ostensivamente contradita pela lista de leituras que
resolve, para o autor do Legendário, com a descrição de uma
cura
milagrosa e, por fim, com a exaltação da Virgem Maria, mãe de Cristo. Mas a
Menocchio,
evidentemente,
a
narração do milagre não interessa, e menos
ainda
a
reafirmação
da
virgindade de Maria, a qual negou repetidas vezes. O que ele retém é apenas
o
gesto
do
chefe
dos
sacerdotes, a “desonra” feita a Maria durante seu enterro, testemunho da sua condição miserável. O filtro da memória de Menocchio transforma a narração
de
Varagine
em
seu
Menocchio
era,
contrário."
"A
leitura
de
evidentemente, parcial e arbitrária — quase
uma
mera
procura
de
confirmação para idéias e convicções já estabelecidas de maneira sólida. Nesse caso, a certeza de que “Cristo
diante da extravagante cosmogonia de Menocchio, nos perguntamos por
sacerdotes ao cadáver de Maria se
foram prestadas e feitas muitas
tentando tirá-la dos ombros dos
"Mais uma vez, temos a impressão
"A afronta feita pelo chefe dos
era um homem nascido como todos " A passagem se acha, todavia, num outro livro lido por Menocchio, o Legendário dellevite de tutti li santi, de Jacopo da Varagine, no capítulo intitulado “De Fassumptione de la beata
Vergine
Maria”,
nós”. Irracional era acreditar que Cristo
tivesse
nascido
de
uma
virgem, que houvesse morrido na cruz: “Se era Deus eterno, não podia se deixar prender e ser crucificado”."
uma
reelaboração de “um certo livrinho [...] apócrifo, consagrado ao beato João
Evangelista”.
Segue
a
"Evangelhos apócrifos e evangelhos
descrição das exéquias de Maria
canônicos
eram
feita por Varagine: “Anjos e apóstolos
mesmo nível e considerados textos
seguiram cantando e enchendo a
meramente humanos. Por outro lado,
terra toda com as maravilhas da vida
ao contrário do que se poderia
de Maria. Todos os que foram
esperar
acordados por tão doce melodia
habitantes
saíram das cidades perguntando,
sempre discutindo com um e com
curiosos, o que era aquilo, quando
outro, possui a Bíblia em vulgar, e
alguém lhes explicou: ‘Os discípulos
imagina
pelos de
que
colocados
testemunhos Montereale
a
base
de
no
dos (“Está
seus
argumentos esteja ali”), durante os
isso basta para chegarmos lá”) não
interrogatórios
fez
podia ser aceita pelo inquisidor:
à
“Quais são os mandamentos de
pouquíssimas
Menocchio alusões
diretas
Deus?”.
Escritura."
“Acho”,
respondeu
Menocchio, “que são aqueles que eu acabei de citar.” “Evocar o nome de "[...]“Acho que amar o próximo é um
Deus, santificar as festas não são
preceito mais importante do que
preceitos de Deus?” “Isso eu não
amar
afirmação
sei.”Na verdade, era justamente a
também se apoiava num texto. De
insistência exclusiva na mensagem
fato,
evangélica
a
Deus”.
logo
Essa
depois
Menocchio
em
sua
forma
mais
acrescentou: “[...] porque eu li na
simples e nua que permitia deduções
Historia dei Giudicio que, quando
extremas como as formuladas por
chegar o dia do Juízo, [Deus] dirá a
Menocchio. Esse risco tinha sido
um anjo: ‘Você é mau, nunca fez o
pressentido com excepcional clareza,
bem para mim’; e o anjo responde:
quase cinqüenta anos antes, por um
‘Senhor, nunca o vi para fazer-lhe o
dos textos mais significativos do
bem’. ‘Eu tinha fome, e não me deu o
evan-
que comer, eu tinha sede e não me
opúsculo
deu o que beber, estava nu e não me
Veneza
vestiu, quando estava na prisão, não
Alcuneragionideiperdonare."
gelismo
—
um
publicado
em
italiano
anônimo sob
o
título
vinha me visitar.’ E por isso eu “O perdoar é um remédio tão grande e poderoso que Deus, ao fazer essa lei, pôs em perigo toda a fé que a ele "Todavia, a atitude de Menocchio em
se deve e até mesmo parece uma lei
relação a esse tipo de prédica — se
feita pelos homens, em nome de
é que, como é provável, tenha
todos os homens, através da qual se
chegado aos seus ouvidos — não
diz
era apenas receptiva.
considera
Uma
tendência,
claramente
detectável, em reduzir a religião à moralidade aflora com freqüência em seus
discursos.
argumentação repleta
de
Com
incrível, imagens
em
uma geral
concretas,
Menocchio explicou ao inquisidor que blasfemar não é pecado “porque faz mal só a si próprio e não ao próximo, da mesma forma que, se eu tenho uma manta e decido desmanchá-la, faço mal só a mim mesmo e não aos outros, e acredito que quem não faz mal
ao
próximo,
não
comete
pecado[...]"
abertamente as
que injúrias
Deus
não
que
lhe
fazemos, ainda que sejam tantas, desde que entre nós nos amemos e perdoemos. E de fato, se essa lei não desse a quem perdoa a graça de sair dos pecados e de ser homem de bem, poderia julgar-se que essa lei não fosse lei de Deus para governar os homens, e sim, unicamente, lei
não se preocupam com delitos ou pecados que são cometidos em segredo, de acordo ou de modo que não disturbem a paz e o viver no mundo. Mas, vendo que quem pela honra de Deus perdoa obtém o que
favorito, tomando-se apto só para as
(“Fazendo isso, se vai para o céu e
Menocchio
Ragioni
dei
conhecesse
perdmare.
o
Contudo,
existia na Itália do século XVI, nos ambientes mais heterogêneos, uma tendência (captada com perspicácia por Crispoldi) em reduzir a religião a uma realidade puramente mundana — a um vínculo moral ou político. Essa tendência era expressa por diferentes linguagens, partindo de pressupostos diversos. E, apesar disso,
nesse
caso
talvez
seja
possível perceber uma convergência parcial
entre
os
círculos
mais
avançados da alta cultura e os grupos
populares
de
tendência
radical."
partes,
com
conteúdos
muito
diversos. A primeira é um itinerário para a Terra Santa, uma espécie de guia turístico para peregrinos. A segunda é a descrição de uma viagem para o Oriente que atinge ilhas cada vez mais longínquas, até a índia e Catai, isto é, a China. O livro termina com a descrição do paraíso terrestre e das ilhas que costeiam o reino do mítico Preste João. Ambas as partes são apresentadas como testemunhos diretos, mas, enquanto a primeira é rica em observações precisas e documentadas, a segunda é repleta de fantasia."
dos homens que, para viver em paz,
deseja de Deus e que é de Deus o
"A religião simplificada de Menocchio
que
"As viagens estão divididas em duas
achava que Deus fosse o próximo, porque disse ‘Eu era aquele pobre”’."
"Naturalmente nada nos leva a supor
obras boas, fugindo das ruins, as pessoas confirmam e reconhecem a bondade de Deus conosco”.
"Sua recusa do valor sacramental da confissão terá sido confirmada, ou talvez estimulada, pela descrição feita por Mandeville da doutrina dos jacobitas, assim chamados porque foram convertidos por são Tiago (Jacopo):
“Dizem
que
se
deve
confessar só a Deus e só a ele prometer se corrigir; quando querem se confessar, porém, acendem o
fogo e ali jogam incenso e outras
muitos que se diziam seguidores de
vulgar. Ele me emprestou há uns
espécies odoríferas e entre a fumaça
Cristo estavam debaixo dos seus
cinco ou seis anos, mas eu já o
se confessam a Deus, pedem sua
olhos a cada dia. Nas palavras do
devolvi há dois anos. Esse livro
misericórdia”."
sultão, Menocchio pôde encontrar
tratava da viagem para Jerusalém e
mais
de
"Ora,
—
Menocchio
colocasse
no
ainda
mesmo
que plano
confessar-se ao padre ou a uma
uma
confirmação
e
uma
algumas
divergências
entre
legitimação da sua crítica aguda à
gregos e o papa; tratava também do
Igreja e não, com certeza, um motivo
grande Khan, da cidade da Babilônia,
de
do Preste João, de Jerusalém e de
perturbação.
Esse
deve
ser
procurado em outro lugar."
muitas ilhas, cada uma vivendo à sua
árvore — admitiu, como vimos, que o
maneira."
padre poderia dar a quem não sabia o “conhecimento da penitência”: “Se
"No desprezo dos pigmeus pela
esta árvore conhecesse a penitência,
“gente grande como nós” concentra-
daria no mesmo; alguns homens
se a estranha sensação provocada
procuram os padres porque não
em Menocchio por esse livro. A
sabem que penitências devem ser
diversidade
feitas para seus pecados, esperando
costumes registrados por Mandeville
que os padres as ensinem, mas, se
levou-o a se interrogar sobre o
eles
fundamento
soubessem,
não
teriam
necessidade de procurá-los”."
das
crenças
de
e
suas
dos
próprias
crenças, de seu comportamento. Aquelas ilhas, em grande parte imaginárias, lhe deram um ponto de apoio a partir do qual passou a olhar
"Segundo
o
Alcorão,
relatava
Mandeville, “entre todos os profetas, Jesus foi o mais excelente e o mais próximo de Deus”.Menocchio, quase repetindo
suas
“Alinha
palavras:
dúvida é [...] que não tivesse sido Deus, mas um profeta qualquer, um homem de bem, que Deus mandou pregar neste mundo”. Ainda em Mandeville, encontrar
Menocchio uma
clara
pudera
recusa
da
crucificação de Cristo, tida como impossível porque contraditória com
o mundo em que nascera e crescera. “Tantas raças, e [...] tão diversas leis”, “muitas ilhas, cada uma vivendo à sua maneira”, “muitos e diversos tipos de nações, uns acreditando de um
modo,
durante insistiu
o
outros de
outro”
processo,
Menocchio
nesse
ponto,
—
retornando
sempre a ele. Na mesma época, um nobre
de
Montaigne,
Périgord, sofria
Michel um
de
choque
melhor, Deus o fez ascender a ele, sem
morte,
sem
mácula,
e
transformou-o em outro, chamado Judas
Iscariotes;
crucificado
pelos
esse
sim
judeus,
foi que
pensaram que fosse Jesus, o qual subira aos céus para julgar o mundo e dizem [...]"
sobre os indígenas do Novo Mundo."
"O
vigário-geral
perguntou
pela
enésima vez: “Diga-me quais eram seus
companheiros
Menocchio
de
respondeu:
idéias”. “Senhor,
nunca encontrei ninguém com estas opiniões; as minhas opiniões saíram da minha própria cabeça. E verdade que li um livro que foi emprestado
da Maren, que hoje vive em Monte
privilégios,
as
prevaricações
dos
fundira,
transpusera,
modelara palavras e frases. O morto de carne muito magra transformarase, sem mais, em ruim (de ser comido); o de carne gorda, bom (de ser
comido).
A
ambigüidadegastronômi-
co-moral
desses termos {bom, ruim) atraíra a referência aos pecados, deslocandoa do matador para o morto. Portanto, quem era bom (de ser comido) não tinha pecados; quem era ruim (de ser comido) estava cheio de pecados. Nesse
ponto
precipitara-se
a
dedução de Menocchio: não existe o além,
não
existem
penas
ou
recompensas futuras, o paraíso e o inferno são desta terra, a alma é mortal."
"Com
um
tom
de
sóbrio
distanciamento, quase etnográfico,
pelo nosso capelão, messer Andrea
"A avidez dos padres e frades, os
Menocchio
relativista análogo lendo os relatórios
a justiça de Deus: “Mas não foi jamais crucificado como dizem, ou
"Mais uma vez a ardente memória de
Real, intitulado II cavaüierZuanne de Mandavilla;
acredito
que
fosse
francês, impresso em língua italiana
Mandeville registra realidades ou crenças exóticas, mostrando como por trás de suas monstruosidades ou absurdos se ocultava um núcleo racional. habitantes
É
verdade da
ilha
que de
os
Chana
adoravam uma divindade que era metade boi, metade homem. Porém, eles consideravam o boi “o mais santo entre os animais que existem sobre a terra e, entre todos os outros, o mais útil”, enquanto o homem “é a mais nobre das criaturas
e senhor de todos os animais”. Mas os cristãos também não atribuíam supersticiosamente benéficas
qualidades
ou
malévolas
a
determinados animais? “Então não há por que se maravilhar se os pagãos,
os quais, dada
a
sua
simplicidade, não têm outra doutrina a não ser a natural, acreditam mais profundamente naqueles.”
mais remotas, mais disformes e "A forma pela qual Menocchio se utilizara da semelhança entre os três anéis tornava a situação ainda mais paradoxal. Ele declarou tê-la lido
interrogatório seguinte o inquisidor percebeu de que livro se tratava: “Está num livro proibido”. Quase um título: “Li no livro Cento novel- le, de
Mandeville, essa inocente narração intrincada de elementos fabulosos, traduzida e reimpressa inúmeras vezes, um eco da tolerância religiosa medieval chegava até a idade das guerras
religiosas,
excomunhões,
da
dos
heréticos. Era provavelmente apenas um
dos
múltiplos
canais
que
alimentavam a corrente popular — até hoje muito pouco conhecida — favorável à tolerância, cujas pistas, raras,
se
podem
Boccaccio”, que lhe fora emprestado por
“Nicolò
de
Mel-
chiori”
—
possivelmente o tal pintor Nicola da Porcia, com quem, segundo uma testemunha, vimos, Menocchio tinha “aprendido as heresias”."
distinguir
no
decorrer do século xvi. Outro canal consistia no persistente sucesso da lenda medieval dos três anéis."
vários filhos que ama, isto é, os cristãos, os turcos e os judeus, e a todos deu a vontade de viver dentro
"
Assim,
o
GerolamoAsteo,
choque
nascido
cristão,
quero
continuar
cristão e, se tivesse nascido turco, ia querer viver como turco”. “O senhor acredita então”, insistiu o inquisidor, “que não se saiba qual seja a melhor lei?” Menocchio respondeu: “Senhor, eu penso que cada um acha que a sua fé seja a melhor, mas não se sabe qual é a melhor; mas, porque meu avô, meu pai e os meus são cristãos, eu quero continuar cristão e acreditar que essa seja a melhor fé”."
"Menocchio triturava e reelaborava suas leituras, indo muito além de qualquer
modelo
Suas
preestabelecido.
afirmações
mais
desconcertantes nasciam do contato com
textos
inócuos,
como
As
viagens, de Mandevil- le, ou a Historia dei Giudicio. Não o livro em si, mas o encontro da página escrita com a cultura oral é que formava, na
entre
inquisidor
e
canônico, e o moleiro Dome- nico Scandella, conhecido por Menocchio, a respeito do conto dos três anéis e sua exaltação à tolerância foi, de alguma forma, simbólico. A Igreja católica nesse período combatia em duas frentes: contra a cultura erudita velha
e
nova,
irredutível
contra-reformísticos,
aos e
contra a cultura popular. Entre esses dois inimigos tão diversos às vezes existiam, como vimos, convergências subterrâneas."
"O capítulo rv do Fioretto, “Como Deus criou o homem a partir dos quatro
elementos”,
começa
da
seguinte maneira: “Como está dito, Deus no princípio fez uma grande matéria, a qual não tinha forma, nem feição, e fez tanta que podia dali tirar ou fazer o que quisesse; dividiu-a e distribuiu-a e dela retirou o homem formado pelos quatro elementos [...]”. Aqui, como se vê, é postulada a indistinção primordial dos elementos, o que de fato exclui a criação exnibilo, todavia o caos não é
da própria lei e não se sabe qual seja a melhor. Mas eu disse que, tendo
do mundo."
explosiva."
esquemas "Do mesmo modo, Deus possui
rejeitado a idéia de um Deus criador
cabeça de Menocchio, uma mistura
das
queima
veremos, Menocchio tenha de fato
“não sei em que livro”. Só no
mês depois, Menocchio confessou o
"Portanto, através das Viagens de
monstruosas — mesmo que, como
mencionado. " "[...]“A majestade de Deus distribuiu o Espírito Santo para todos: cristãos, heréticos, turcos, judeus, tem a mesma consideração por todos, e de algum modo todos se salvarão”. Mais do que tolerância em sentido estrito, tratava-se
do
reconhecimento
explícito da equivalência de todas as fés, em nome de uma religião simplificada,
sem
caracterizações
dogmáticas ou confessionais. Algo parecido com a fé no “Deus da natureza” que Mandeville encontrara em todas as populações, até nas
"Fores- ti escreveu: “[...] e está dito, no princípio Deus fez o céu e a terra: não que este existisse realmente, mas porque existia em potencial, para que depois se escrevesse que o céu
fora
feito;
é
como
se,
considerando as sementes de uma árvore, já falássemos em raiz, tronco, ramos, frutos e folhas: não que já existam, mas porque vão existir. E assim se diz que no princípio Deus fez o céu e a terra, quando a matéria do céu e da terra ainda estava
fundida, mas, como estava certo de
caos?” “Eu acredito que sempre
"Assim, na sua linguagem densa,
que seria o céu e a terra, tal matéria
tenham
nunca
recheada de metáforas ligadas ao
já foi chamada de céu e terra. Essa
separados, isto é, nem o caos sem
cotidiano, Menocchio explicava sua
forma enorme, sem figuras definidas,
Deus, nem Deus sem o caos.” Diante
cosmogonia
foi chamada por Ovídio, no início de
dessa
inquisidor
segurança,
seu livro mais volumoso, e também
tentou (era 12 de maio) obter um
estupefatos
por alguns filósofos, de Caos, o qual
pouco de clareza antes de concluir
contrário, por que teriam conduzido
Ovídio menciona nesse mesmo livro,
definitivamente o processo."
um interrogatório tão detalhado?).
estado
juntos,
miscelânea,
o
tranqüilamente, aos e
com
inquisidores
curiosos
(caso
dizendo: ‘Antes da terra, do mar, do
Apesar da grande variedade de
céu que tudo cobre, a natureza era
termos
teológicos,
um
ponto
filósofos
"Acredito que tenha acontecido com
permanecia constante: a recusa em
chamavam Caos, uma grande e
Deus o mesmo que acontece às
atribuir à divindade a criação do
indigesta matéria: e não era mais do
coisas deste mundo, que vão da
mundo — e, ao mesmo tempo, a
que uma massa incerta e inerte
imperfeição à perfeição, como uma
obstinada reafirmação do elemento
reunindo num mesmo círculo, e as
criança, por exemplo, que, enquanto
aparentemente
sementes discordantes de coisas
está
queijo, os vermes-anjos nascidos do
não bem combinadas”’."
compreende, nem vive, mas logo que
uma
massa
que
os
no
ventre
da
mãe,
não
muito
bizarro:
o
queijo."
sai começa a viver e, à medida que cresce, começa a entender; assim "Porém,
na
versão
dada
por
Deus, que era imperfeito enquanto
"Na verdade, Menocchio não havia
Menocchio, a referência à espuma
estava no caos, não compreendia
retirado sua cosmogonia dos livros.
batida da água do mar não estava
nem
se
“Foram produzidos pela natureza [os
presente. Impossível que Povoledo a
expandindo nesse caos, começou a
anjos], a partir da mais perfeita
tivesse inventado. A seqüência do
viver e a compreender."
substância do mundo, assim como
vivia,
mas
depois,
processo mostrou claramente que
os vermes nascem do queijo, e
Menocchio estava pronto a variar
quando "INQUISIDOR:
tivesse
vontade, intelecto e memória de
cosmogonia, desde que mantivesse
existido a substância da qual foram
Deus, que os abençoou”: parece
intacto seu caráter essencial. Assim,
produzidos todos os anjos, se não
claro pela resposta de Menocchio
à indagação do vigário-geral — “O
tivesse existido o caos, Deus teria
que a insistente remissão ao queijo e
que era essa santíssima majestade?”
podido fazer toda a máquina do
aos
— respondeu: “Eu entendo a san-
mundo sozinho?
puramente analógico-explicativa."
Deus, que sempre existiu”. Num interrogatório
subseqüente
ainda
precisou: no dia do Juízo, os homens serão
julgados
“por
aquela
não
receberam
este ou aquele elemento da sua
tíssima majestade como o espírito de
Se
apareceram
vermes
tinha
uma
função
MENOCCHIO: Eu acredito que não se possa fazer nada sem matéria e Deus também não poderia ter feito coisa alguma sem matéria.
"Porém,
não
experiências
é
através
cotidianas
das de
Menocchio que obteremos todas as
santíssima majestade que eu citei
INQUISIDOR: Aquele que o senhor
explicações; talvez, melhor dizendo,
antes, que existia antes que existisse
chama de Deus foi feito, produzido
elas não expliquem nada. A analogia
o caos”. "
por alguém?
entre a coagulação do queijo e a
MENOCCHIO: Não foi produzido por outros, mas recebe seu movimento "Esse Deus estava no caos como alguém que está na água e quer se
das mudanças do caos e vai da imperfeição à perfeição.
expandir, como alguém que está
condensação da nebulosa destinada a formar o globo terrestre pode parecer óbvia para nós, mas com certeza não era para Menocchio. E não apenas isso. Sugerindo essa
num bosque e quer se expandir: seu
INQUISIDOR: E o caos, quem o
analogia, ele estava reproduzindo,
intelecto,
move?
sem
tendo
recebido
conhecimento, quis se expandir para criar este mundo”. “Mas então”, perguntou o inquisidor, “Deus foi sempre eterno e esteve sempre no
MENOCCHIO: Ele se move sozinho."
saber,
remotos."
mitos
antiqüíssimos,
"Decerto, Menocchio falava de um
corpo; a outra é “coisa da mente”. A
diversida-
queijo bem real, nada mítico, o queijo
vitória da cultura escrita sobre a oral
unidade, e as combina em cada
que vira ser feito (ou que talvez ele
foi, acima de tudo, a vitória da
corpo,
próprio tivesse feito) inúmeras vezes.
abstração sobre o empirismo. Na
combina
Os pastores do Altai, entretanto,
possibilidade de emancipar-se das
sementes.
haviam
mesma
situações particulares está a raiz do
homem e da mulher, engendra as
experiência num mito cosmogônico.
eixo que sempre ligou de modo
criaturas segundo o curso natural.
Apesar da diversidade, que não deve
inextricável escritura e poder. Casos
Júpiter
ser
como o Egito e a China, onde castas
através de Júpiter, outras criaturas
permanece. Não se pode excluir o
respectivamente
e
são geradas de acordo com a ordem
fato de que ela constitua uma das
burocráticas monopolizaram durante
da natureza. Entretanto, pode-se ver
provas, fragmentária e em parte
milênios a escritura hieroglífica e
que
extinta,
uma
ideográfica, deixam isso claro. A
Deus...”."
que,
invenção do alfabeto — que cerca de
traduzido
subestimada,
da
a
a
coincidência
existência
tradição
de
cosmológica
ultrapassando
as
diferenças
de
quinze
séculos
sacerdotais
antes
de
des
em
são
cada
substância:
também Pela
gera
a
reduzidas
em
combinação
outras
natureza
plantas
criaturas
está
sujeita
à
e e do
e,
a
Cristo
linguagem, combina mito e ciência. E
quebrou pela primeira vez esse
"Alguns conceitos cruciais e alguns
curioso que a metáfora do queijo que
monopólio — não foi suficiente,
dos
gira reapareça um século depois do
contudo,
tradição cultural da Antiguidade e da
processo de Menocchio num livro
disposição de todos. Somente a
Idade
(destinado
imprensa tomou mais concreta essa
Menocchio através de um pobre e
possibilidade."
desordenado compêndio, o Fioretto
a
criar
grandes
polêmicas) em que o teólogo inglês
para
pôr a
palavra
à
temas
mais
Média
discutidos
chegaram
na
até
Thomas Burnet procurava aproximar
delia Bibbia. É difícil supervalorizar
a Escritura da ciência do seu tempo."
sua importância. Antes de mais "O horizonte de sua polêmica era
nada, deu a Menocchio instrumentos
mais amplo. “O que é que você
lingüísticos e conceituais para que
Menocchio,
pensa, os inquisidores não querem
ele elaborasse e exprimisse sua
portanto, vemos emergir, como que
que nós saibamos o que eles sabem”
visão de mundo. Além disso, com um
por uma fenda no terreno, um estrato
— exclamou muitos anos depois da
método ex- positivo à maneira dos
cultural profundo, tão pouco comum
ocorrência dos fatos que estamos
escolásticos
que se toma quase incompreensível.
contando,
um
subseqüente refutação de opiniões
Esse
dos
conterrâneo, Daniel Jacomel. Entre
errôneas —, contribuiu certamente
outros examinados até aqui, envolve
“nós” e “eles” a contraposição era
para
não só uma reação filtrada pela
clara, “Eles” eram os “superiores”, os
curiosidade intelectual."
página escrita, mas também um
poderosos — não só os situados no
resíduo irredutível de cultura oral.
vértice da hierarquia eclesiástica.
Para
“Nós”, os camponeses. "
"Nos
discursos
caso,
que
de
diferentemente
essa
cultura
diversa
dirigindo-se
a
pudesse vir à luz, foram necessárias "[...]“Deus não pode querer o mal nem
recebê-lo,
porque
ordenou
esses elementos de forma que um não interferisse no outro e assim estarão enquanto o mundo durar. "Desse modo, viveu pessoalmente o
Alguns dizem que o mundo durará
salto histórico de peso incalculável
eternamente, dando como razão que,
que separa a linguagem gesticulada,
quando um corpo morre, a carne e
murmurada, gritada, da cultura oral,
os ossos voltam àquela matéria da
da linguagem da cultura escrita,
qual foram criados [...]. Podemos ver
desprovida
facilmente a função da natureza,
entonação
e
enunciação
desencadear
sua
e
voraz
" Tudo isso são erros e quem os
a Reforma e a difusão da imprensa."
de
—
cristalizada nas páginas dos livros.
como
Uma é como um prolongamento do
discordantes de modo que todas as
ela
concilia
as
coisas
disse
são
pagãos,
heréticos,
cismáticos, ifiimigos da verdade e da fé,
desconhecedores
das
coisas
divinas. Respondendo aos primeiros que dizem...”. Mas Menocchio não se deixava intimidar pelos ataques do Fioretto. E sobre essa questão não hesitou em se manifestar. O exemplo dos “muitos filósofos”, em vez de fazê-lo submeter-se à interpretação da autoridade, levava-o a “procurar coisas maiores”, a seguir a linha do seu próprio pensamento."
teimosamente "Porém, a principal característica dos senhores é não trabalhar, porque têm quem trabalhe por eles. E esse o caso
de
Deus:
“Quanto
às
indulgências, acredito que sejam
materialista
não
admitia a presença de um Deus
e mandou perdoar, isto é bom, porque é como se recebêssemos de Deus, já que são dadas por seu representante”. Contudo, o papa não é o único agente de Deus: o Espírito Santo também “é como se fosse um feitor de Deus; esse Espírito Santo elegeu depois quatro capitães, quer dizer,
agentes
entre
os
anjos
criados...”. Os homens foram feitos “pelo
Espírito
vontade
de
Santo Deus
segundo e
de
a
seus
ministros; e, como um feitor que participa da obra dos ministros, o Espírito Santo também pôs sua mão”."
um Deus distante, como um patrão que deixa suas terras nas mãos dos
"O pressuposto do seu panteísmo
“feitores” e dos “trabalhadores”."
era a tese da presença operante do Espírito no homem e em toda a realidade.
que
declarara
aos
inquisidores que suas profissões,
Montereale negando a existência de
ligado aos erros dos filósofos, “suf-
Deus — o outro, o Menocchio do
ficiebat mihi si tertiamillamrem in
processo, um disfarce. Porém, essa
quodam angulo esse intelli- gerem.
suposição
uma
Sed nunc seio quod ipse dixit: ‘Deus
Se
de propinquo ego sum, et non Deus
se
choca
dificuldade
com
substancial.
Menocchio
quisesse
realmente
não se possa fazer nada sem matéria e Deus também não poderia ter feito coisa alguma sem matéria” —, um trabalho manual."
“Vejam, porém, que a natureza é submissa a Deus, assim como o martelo e a bigorna ao ferreiro que fabrica o que quer, uma espada, uma faca ou outras coisas, e, embora use martelo e bigorna, não é o martelo que
faz,
mas
o
ferreiro”.
Isso,
todavia, não podia aceitar. Sua visão
de
longínquo’.
Nunc
mais radicais de seu pensamento,
rbemterrarum, continetomnia, et in
por que insistia tanto na afirmação da
singu-
mortalidade
propheta exclamare libet ‘Quo ibo
da
alma?
Por
que
spiritus
quod
amplissimus
lis
Dei
seio
esconder dos juizes os aspectos
repleto
operaturvirtutes;
Domine
divindade de Cristo? Na verdade,
sursum necdeorsum est locusspiritu
afora alguma reticência ocasional no
Dei vacuus” (Ao falar do Espírito de
primeiro
Deus
interrogatório, de
o
a
era
spiritutuo?’
cum
continuava irredutível, negando a
suficiente
quianec
para
eu
Menocchio
compreender que a terceira pessoa
durante o processo parece guiado
era um tipo de ângulo. Mas agora sei
por qualquer coisa, exceto pela
que ele próprio disse: “Sou um Deus
prudência ou simulação."
próximo, não um Deus distante”; agora sei que o espírito universal de Deus enche a terra, abarca todas as coisas e produz virtude em cada homem. Com o profeta proclamaria:
um pedreiro. Mas, da efervescência
ação material — “Eu acredito que
Dei
da época na qual ainda ele estava
comparou Deus a um carpinteiro, a
é mais uma vez, literalmente, uma
spiritu
aquele que rodava pelas ruas de
“carpinteiro, marceneiro, pedreiro”,
mais profundo. A “criação do mundo”
de
eratsermo”, escreveu, lembrando-se
além da de moleiro, eram as de
das metáforas, emerge um conteúdo
“Dum
"O “verdadeiro” Menocchio seria
comportamento
"Menocchio,
filho”."
criador. De um Deus, sim — mas era
boas, porque, se Deus pôs um homem em seu lugar, que é o papa,
Espírito Santo escolhê-lo como seu
“O
senhor,
onde
encontro
teu
"No centro da primeira obra de
espírito?” não há lugar acima ou
Servet está a reivindicação da plena
abaixo sem o espírito de Deus). "
humanidade
de
—
Cristo
humanidade deificada através do Espírito Santo. Ora, no primeiro
"Por trás dos livros que Menocchio
interrogatório,
afirmou:
ruminava, identificamos um código
“Minha dúvida é que [Cristo] [...] não
de leitura e, por trás dele, um estrato
tivesse sido Deus, mas um profeta
sólido de cultura oral que, ao menos
qualquer, um homem de bem que
no
Deus
aflorar
Menocchio
mandou
pregar
neste
caso
da
cosmogonia,
diretamente.
vimos
Quando
foi
mundo...”. Em seguida, precisou: “Eu
lançada a suposição de que uma
acredito que seja homem como nós,
parte dos discursos de Menocchio
nascido de um homem e de uma
era um longínquo reflexo de um texto
mulher como nós, e que não tinha
de nível elevadíssimo como o De
nada além do que recebera do
Trinitatiserroribus,
homem e da mulher, mas é bem
refazer, em sentido contrário, o
verdade
caminho já percorrido. Os eventuais
que
Deus
mandara
o
não
se
quis
reflexos seriam de qualquer forma
considerados como uma tradução,
encontrava nas páginas do Fioretto
exemplo, as hóstias consagradas).
em termos de materialismo popular
delia Bibbia: “E é verdade que a alma
Contudo, o ponto que nos interessa é
(posteriormente simplificado para os
tem vários nomes no corpo, de
outro:
conterrâneos), de uma concepção
acordo com as diversas funções que
Menocchio, quando falava com os
culta cujo componente materialista
nele desempenha: se a alma dá vida
concidadãos na praça da aldeia, que
era muito forte. Deus, o Espírito
ao corpo, é chamada de substância;
“vai- se para o paraíso só no dia do
Santo, a alma não existem como
se é a vontade, é chamada de
Juízo”. "
substâncias
existe
coração; quando o corpo expira, é o
somente a matéria impregnada de
espírito; enquanto ela entende e
divindade, a mistura dos quatro
sente, pode-se dizer que é o juízo;
"Mesmo não tendo o volume à mão,
elementos. Mais uma vez estamos
enquanto ela imagina e pensa, é a
Menocchio se lembrava muito bem
diante da cultura oral de Menocchio."
imaginação ou memória; mas a
— até mesmo literalmente — do seu
inteligência está colocada na parte
conteúdo. De fato, era assim que
mais alta da alma, onde recebemos
aparecia
"Deus e o homem, o homem e o
razão e conhecimento, já que nos
“Prédicas para uma vida cristã”,
mundo pareciam-lhe ligados por uma
assemelhamos a Deus...3’. Essa
manual
rede
enumeração
em
pregadores, redigido pelo frade (não
[os
parte à de Menocchio, porém as
padre) ermitão Sebastião Ammiani
homens] sejam feitos de terra, porém
analogias não deixam dúvidas. O
da Fano. Mas naquele jogo calculado
do melhor metal que se possa
ponto de divergência mais grave é
de
encontrar, e isso porque se vê que o
dado pela presença, entre os nomes
retóricas, Menocchio havia isolado
homem deseja os metais, sobretudo
da alma, do espírito — além do mais
justamente a frase que permitia uma
o ouro.São compostos pelos quatro
com referência etimológica ao ato
interpretação herética: “A morte dos
elementos,
corpóreo de respirar."
ruins se chama morte, a morte dos
separadas:
de
reveladoras:
correspondências “Acredito
que
participam
dos
sete
corresponde
só
a
afirmação
no
muito
inocentes
feita
capítulo
difundido
por
XXXIV,
entre
contraposições
planetas; entretanto, um participa
bons se chama sono”. Sem dúvida,
mais de um planeta que o outro e um
tinha consciência das implicações
é
mais
mercurial
jovem,
"E preciso voltar às discussões sobre
dessas palavras, já que chegara a
dependendo de ter nascido nesse ou
o problema da imortalidade da alma
afirmar que “vai-se para o paraíso só
naquele planeta”. Nessa imagem
surgidas
durante
no dia do Juízo”."
perpassada pelo divino justificam-se
décadas
do
até
ambientes
mesmo
as
bênçãos
século
primeiras XVI
averroístas,
nos
sobretudo
entre os professores de Pádua,
costuma entrar nas coisas e ali
influenciados pelo pensamento de
deixar o veneno” e “a água benta
Pomponazzi. Filósofos e médicos
pelo sacerdote põe o diabo para fora”
concordavam abertamente que, com
— embora acrescentasse: “Acredito
a morte do corpo, a alma individual
que
—
todas
as
“o
dos
as
demônio
sacerdotes,
porque
e
águas
sejam
abençoadas por Deus”, e, “se um
distinta
do
intelecto
ativo
postulado por Averróis — perece."
"Fora interrogado sobre Cristo: “O filho, o que ele era: homem, anjo ou o Deus verdadeiro?”. “Um homem”, respondera Menocchio, “mas nele estava o espírito.” E em seguida: “A alma de Cristo ou era um daqueles
leigo soubesse as palavras, valeriam
anjos antigos ou então foi feita de
tanto quanto as do sacerdote, porque Deus distribuiu a virtude igualmente
" Em 1579-1580, ou seja, poucos
para todos e não mais a um que a
anos
outro”. Tratava-se, resumindo, de
Menocchio, ele havia sido submetido
uma religião camponesa que tinha
a
muito pouco em comum com a que o
Inquisição
pároco pregava do púlpito. "
reconhecido
antes
do
julgamento
processo
pelo
de
contra
tribunal
da
Concórdia
e
como
ligeiramente
suspeito de heresia. As acusações dos paroquianos contra ele eram "Assim como a relação entre o corpo
muitas e variadas: desde “ser de
e os quatro elementos, também a
putaria e rufião” até tratar sem
enumeração das várias “almas” já se
respeito
as
coisas
sacras
(por
novo pelo Espírito Santo com os quatro elementos, ou da natureza mesmo. Não se podem fazer bem as coisas se não são em três, e assim como Deus havia dado o saber, o querer e o poder ao Espírito Santo, deu também a Cristo, para que pudessem se consolar juntos [...]. Quando dois não concordam numa opinião, existe um terceiro; quando dois dos três concordam, o terceiro
os segue: e então o Pai deu querer,
corresponde
acentuada
que era de sangue muito nobre e
saber e poder a Cristo para que ele
imobilidade da imagem do passado.
tinha grande reputação com todos,
também julgasse...”."
As coisas sempre foram assim; o
começou
mundo é o que é. Apenas nos
contra as indulgências, dizendo que
períodos de aguda transformação
eram falsas e injustas. Em pouco
"Menocchio repetia o que já havia
social emerge a imagem, em geral
tempo
dito,
omitia,
mítica, de um passado diverso e
avesso."
contradizia-se. Cristo era “homem
melhor — um modelo de perfeição,
como nós, nascido de um homem e
diante do qual o presente aparece
de uma mulher como nós [...], mas é
como
bem verdade que Deus mandara o
“Quando Adão cavava e Eva tecia,
escrever, discutir, Menocchio parecia
Espírito Santo escolhê-lo como seu
quem
para
a Melchiorre ter à sua volta um halo
filho [...]. Como Deus o elegeu
transformar a ordem social torna-se
quase mágico. Com uma Bíblia que
profeta e lhe deu a grande sabedoria
então uma tentativa consciente de
lhe
e a inspiração do Espírito Santo,
retorno àquele mítico passado."
Melchiorre
acrescentava,
uma
declínio, era
degeneração.
nobre?” A
luta
"
a
pregar
tinha
Pela
sua
publicamente
revirado
tudo
capacidade
havia
sido
pelo
de
ler,
emprestada,
andara
pela
cidade
acredito que tenha feito milagres [...].
dizendo com ar de mistério que
Acredito que tenha o espírito como o
Menocchio tinha um livro com o qual
nosso, porque alma e espírito são a
podia “fazer coisas maravilhosas”.
mesma coisa”."
"O Fioretto delia Bibbia, em parte, mas
"Deus, como um carpinteiro que, querendo fazer suas obras, usa o machado e a serra, a lenha e outros instrumentos,
assim
Deus
deu
algumas coisas ao homem, para este fazer sua tarefã”, são inúteis: “Lá em cima
não
são
necessárias”.
No
paraíso a matéria se torna dócil, transparente: “Os olhos corporais não podem ver todas as coisas, mas com os olhos da mente todas as coisas
serão
montes,
transpas-
muralhas,
sadas,
todas
as
coisas...”."
o
Supplementumsupplementidellecrmic he, de Foresti, traziam uma narração analítica das vicissitudes humanas desde a criação do mundo até o presente, misturando história sacra e história profana, mitologia e teologia,
listas
de
hereges
príncipes e
artistas.
e
filósofos,
Não
temos
testemunhos explícitos das reações de Menoc- chio a essas leituras. Com
certeza
“confuso”
como
não as
o
deixaram
viagens
de
Mandeville. A crise do etnocentrismo passava, no século xvi (e assim seria
"Além de fantasiar sobre o paraíso, desejava
um
“mundo
novo”: “Meu espírito era elevado”, dissera ao inquisidor, “e desejava que existisse um mundo novo e um
muito
tempo
ainda),
pela
geografia, mesmo sendo fantástica, e não pela história. Apesar disso, uma pista quase imperceptível talvez nos permita detectar o ânimo com o qual
pompa”. O que Menocchio queria dizer com essas palavras? Nas sociedades baseadas na tradição oral, a memória da comunidade tende involuntariamente a mascarar e a reabsorver as mudanças. A relativa plasticidade da vida material
eles. “Este aqui [...] é suspeito de heresia, mas não igual ao tal de Menocchio” — alguém comentara, falando de Melchiorre. Um outro observara: “Disse tais coisas mais por ser louco e porque bebe”. "
"Essa
explosão
desespero
diz
de
tudo
impotente sobre
seu
isolamento. A única reação que lhe viera diante da injustiça que o atingira fora a violência individual, imediatamente reprimida. Vingar-se dos
seus
algozes,
destruir
os
símbolos da opressão e se tornar bandido. Uma geração antes, os camponeses incendiaram os castelos dos nobres friulanos. Mas os tempos eram outros."
Menocchio lia a crônica de Foresti."
novo modo de viver, pois a Igreja não vai bem e não deveria ter tanta
bem que existiam diferenças entre
descrições de batalhas e de países,
por
Menocchio
sobretudo
Porém, as pessoas sabiam muito
"O deslocamento da metáfora do " Entre eles estava Martinho Lutero, o qual era de fato um homem culto e instruído...”. A origem do cisma para o tal anônimo estava nas “loucuras” da ordem rival que, diante da justa reação de Lutero, o excomungou. “Depois disso, o tal Martinho Lutero,
“mundo novo” do contexto geográfico para o social foi explicitado, contudo, pela literatura utopista em vários níveis. Tomemos o Capitolo, qual narra
tuttoPessere
d'un
mondo
nuovo, trovatonel mar Oceano, cosa bella, et dilet- tevole, que surgiu
anônimo em Modena, por volta de
momentos à
profundas
verdade e assim eu confesso ter
meados do século XVI. "
raízes populares da utopia, tanto
pensado, acreditado, dito o falso e
cultas
plebéias,
não a verdade, e assim dei a minha
freqüentemente consideradas meros
opinião, mas não disse que ela é a
" A alusão àquelas terras estava
exercícios
verdade. "
implícita, somente: o mundo descrito
imagem
por Doni era apenas “um mundo
contivesse algo de muito velho,
novo diverso deste”. Graças a essa
ligado a uma memória mítica de uma
"Deus quis que eu fosse conduzido
ambígua expressão, pela primeira
remota era de bem-estar. Quer dizer,
a este Santo Ofício por quatro
vez na literatura utópica o modelo da
não rompia a imagem cíclica da
razões:
sociedade
ser
história humana, o que era de
confessasse meus erros; segundo,
projetado no tempo, no futuro, e não
esperar de uma época que via
para que eu fizesse penitência por
no espaço, numa terra inacessível,
firmarem-se os mitos da ^nascença,
meus pecados; terceiro, para me
Mas as características mais notáveis
da üeforma, da Nova Jerusalém. Não
livrar do falso espírito; quarto, para
desse “mundo novo” foram extraídas
podemos
disso.
dar exemplo a meus filhos e a todos
dos relatórios dos viajantes (assim
Todavia, permanece o feto de que a
os meus irmãos espirituais para que
como da Utopia, de Thomas More,
imagem de uma sociedade mais
não
que o próprio Doni publicara, com
justa
Entretanto, se eu pensei, acreditei,
uma introdução): a comunhão das
consciente
não
falei e fui contra os mandamentos de
mulheres e dos bens. Como vimos,
escatológico. Não o Filho do Homem
Deus e da Santa Igreja, estou doente
essa fazia parte também da imagem
no alto, sobre as nuvens, mas
e aflito, arrependido e infeliz e digo
do país da Cocanha."
homens como Menocchio — os
meacolpameamasimacolpa, e peço
camponeses de Montereale que ele
perdão e misericórdia, pela remissão
tentara inutilmente convencer, por
dos meus pecados, à Santíssima
" E verdade que Menocchio, acusado
exemplo —, através de sua luta,
Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo,
de ter violado o preceito quaresmal,
deveriam ser os mensageiros do
e também à gloriosa Virgem Maria, a
justificou
“mundo novo”."
todos os santos e santas do paraíso
perfeita
seu
jejum
podia
em
termos
tona
as
como
literários. de
um
Talvez “mundo
excluir
era
novo”
nada
projetada num
de
essa
maneira
futuro
primeiro,
para
incorressem
que
nesses
eu
erros.
dietéticos e não religiosos: “O jejum
e à sua santíssima, reverendíssima e
foi feito para o intelecto, para que os
ilustríssima justiça que me perdoe e
humores não caiam; eu, por mim,
"Eu,
gostaria que se comesse três ou
cognominado Menocchio de Mon-
quatro vezes ao dia e não se
tereale, sou cristão batizado, sempre
bebesse vinho para que os humores
vivi como cristão, fiz sempre obras
não caíssem mais”. Mas uma tal
de cristão, sempre fui obediente aos
apologia
era
meus superiores e aos meus pais
instantaneamente transformada num
espirituais tanto quanto eu podia, e
ataque polêmico, dirigido talvez (a
sempre, manhã e noite, me colocava
transcrição
está
sob o sinal-da-cruz, dizendo ‘em
incompleta) contra os frades que
nome do Pai, do Filho e do Espírito
estavam à sua frente: “[...] e não
Santo’; eu dizia o pai-nosso e a ave-
fãzer como estes [...] que comem
maria e acredito que sejam, uma,
numa refeição o que não comeriam
oração do Senhor, e, outra, da Nossa
em três”. Num mundo cheio de
Senhora, embora seja verdade que
injustiças sociais, mortificado pela
pensei,
ameaça constrangedora da fome, a
aparece
imagem de uma vida sóbria soava
coisas contra os mandamentos de
como um protesto."
Deus e da Santa Igreja. Eu disse isso
da
sobriedade
neste
ponto
DomenegoScandela,
acreditei nas
e
disse,
minhas
como
confissões,
por vontade do falso espírito, o qual me cegara o intelecto, a memória e a "De qualquer modo, as palavras de
vontade,
Menocchio
acreditar e falar no falso e não na
trazem
por
alguns
fazendo-
me
pensar,
tenha misericórdia. " "O próprio aspecto das páginas escritas por Menocchio, com as letras coladas umas às outras, mal ligadas entre si (segundo um tratado contemporâneo de caligrafia, assim fariam
“os
mulheres
e
transmontanos, os
velhos”),
as
mostra
claramente que o autor não tinha muita familiaridade com a escrita. Impressão bem diferente causa o traçado fluente e nervoso de dom CurzioCelli-
na,
escrivão
em
Montereale e um dos acusadores de Menocchio no período do segundo processo."
"Nela
podemos
distinguir
as
seguintes passagens: 1. Menoc- chio afirma ter sempre vivido como bom
ter
sedetiamheresiar- cam” (não só um
digno
violado os mandamentos de Deus e
herético formal [...] mas também um
permitisse fazer melhor a penitência
da Igreja; 2. declara que a origem de
heresiarca). E assim, no dia 17 de
pelos meus erros, retorno agora,
tal contradição está no “falso espírito”
maio, a sentença foi promulgada."
forçado pela extrema necessidade, a
cristão,
embora
reconheça
de
sua
graça,
implorar-lhes
— apresentado por ele, porém, como
consideração
“opinião” e não como verdade; 3.
transcorreram três anos desde que
quatro causas pelas quais Deus quis que
ele
fosse
compara
os
aprisionado; juizes
a
5.
Cristo
misericordioso; 6. implora o perdão dos juizes; 7. enumera as seis causas dos próprios erros."
"O espanto dos juizes era tanto que transparecia sob a seca linguagem
Naturalmente
et
fere
inexqui-
sita
hereticapravitatedeprehensum” (pudemos constatar que te deixaste envolver numa perversão herética
Menocchio
fazia
retórica sem saber, assim como ignorava que as primeiras quatro “causas” que ele enumerou eram causas finais e as outras seis causas eficientes. Mas a densidade das
processo extraordinário terminava, portanto,
com
uma
sentença
igualmente
extraordinária
(acompanhada
de
sua
correspondente abjuração, também muito longa)."
pela exigência de se expressar numa linguagem
capaz
de
se
fixar
facilmente na memória. Antes de se tomarem
sinais
numa
página,
aquelas palavras devem ter sido ruminadas por muito tempo. Todavia, desde o início haviam sido pensadas como palavras escritas. "
"Algumas asserções de Menocchio pareceram
aos
juizes
não
a
carta,
os
juizes se
reuniram para emitir a sentença. Durante o processo, a atitude deles mudara
imperceptivelmente.
De
início, fizeram Menocchio notar as contradições em que caíra; depois, tentaram reconduzi- lo ao caminho certo; por fim, em vista de sua obstinação, renunciaram a qualquer tentativa
de
convencê-lo
e
se
heréticas como contrárias à própria razão natural, como, por exemplo: “Quando estamos no ventre da mãe, somos como que nada, carne morta”, ou outra, sobre a inexistência de Deus:
“circainfusio-
nem non
sedetiamomnibusfilosofantibus [...] Id quod omnes consentiunt, nec quis negareaudet,
tu
ausus
es
cum
insipiente dicere ‘non est Deus’...” (a respeito
da
infusão
da
alma,
contrarias não só o ensino da Santa Igreja
como
o
de
todos
os
pensadores [...] o que todos admitem e ninguém ousa negar, tu, a exemplo do tolo, ousaste dizer: “Deus não existe”)."
quadro
completo
aberrações.
E
de
suas
unanimemente
declararam Menocchio “non modo formalemhereticum
[...]
fui
condenado a tão cruel prisão."
" Falara com freqüência ao carcereiro “daquelas loucuras de antes, dizendo que sabia muito bem que eram loucuras, mas que não se afastara jamais a ponto de crer firmemente nelas, mas, por tentação do diabo, tão
extravagantes
pensamentos
tinham penetrado sua mente”. Em suma, parecia de feto arrependido, mesmo
que
(observou
com
dos homens; só Deus é que pode”."
"Retomou seu lugar na comunidade. Apesar dos problemas que tivera com o Santo Ofício, apesar da condenação e da prisão, em 1590 foi novamente
nomeado
cameraro
(administrador) da igreja de Santa Maria de Montereale. O novo pároco, Giovan Daniele Melchiori, amigo de infância
de
Menocchio
(veremos
mais para a frente o que havia acontecido com o pároco anterior, Odorico
Vorai,
que
denunciara
Menocchio ao Santo Ofício), deve ter intervindo
para
Aparentemente
tal
nomeação.
ninguém
se
escandalizava com o fato de que um herege,
ou
melhor,
heresiarca,
administrasse os fundos da paróquia, uma vez que o próprio pároco já
limitaram a perguntas exploratórias, como se desejassem chegar a um
e
só
solumEcclesiaesanctae,
entregou
casa
se
possa conhecer facilmente o coração
animaecontrariaris
"No mesmo dia em que Menocchio
minha
já
prudência o carcereiro) “não se
aliterações e figuras retóricas de sua carta não era casual, e sim imposta
deixei
que
em
judicial: “invenimus te [...] in multiplici
múltipla e quase inaudita). Esse "
eu
levem
me
que o levou a crer e a falar no falso
compara-se a José; 4. enumera
que
que
tivera problemas com a Inquisição." "[...]“Embora
eu,
DomenegoScandella
pobre prisioneiro,
tenha outras vezes suplicado ao Santo Ofício da Inquisição, se era
"Os arrendatários recebiam o moinho em consignação, equipado com dois asnos “bons e úteis”, uma roda
para
importantíssimas sobre a fé”: que os
assim, mas não sei se é a verdade, e
se
Evangelhos haviam sido escritos
acredito que os espíritos que estão
restituí-lo
pelos padres e frades “porque vivem
no ar combatem entre eles e que os
“melhorado em vez de deteriorado”
no ócio” e que Nossa Senhora, antes
raios sejam sua raiva”."
aos locadores, que eram os tutores
de se casar com José, “tinha tido
dos herdeiros de Pietro de Macris. O
duas outras crianças e por isso são
arrendatário
Floritodi
José não queria aceitá-la como
"Na
insolvente,
esposa”. Tratava-se, na essência,
criador e criatura, e a própria idéia de
aluguéis
dos mesmos temas sobre os quais
um
atrasados nos cinco anos seguintes:
se pusera a conversar com Lunardo
profundamente
Menocchio e Stefano, atendendo a
na praça de Udine: a polêmica contra
muito claro para ele que suas idéias
pedidos dele, declararam-se seus
o parasitismo do clero, a recusa do
eram
fiadores."
Evangelho, a negação da divindade
inquisidor, mas num certo ponto as
de Cristo. Além disso, falara naquela
palavras para exprimir tal diversidade
noite de um “livro lindíssimo”, que,
lhe faltavam. Decerto as armadilhas
"Deus pai e patrão; que “faz e
infelizmente, perdera e que Simon
lógicas de frade GerolamoAsteo não
desfaz”;
“achou que fosse o Alcorão”."
conseguiriam convencê-lo de que
(leviera)
e
seis
beneficiamento
máquinas
de
comprometiam
tecido, a
precedente,
Benedetto,
declarado
prometeu
pagar
Cristo
os
e
homem;
os
verdade,
Deus
a
distinção
criador
lhe
eram
estranhas.
muito
entre
diversas
Estava
das
do
Evangelhos obra de padres e frades
estava errado, da mesma maneira
ociosos; a equivalência das religiões.
que os juizes que o processaram
Portanto, apesar do processo, da
"No Supplementum, de Foresti, lera
quinze anos antes não conseguiram.
infâmia da abjuração, do cárcere,
que “vários fizeram os Evangelhos,
Tentou de imediato tomar a dianteira,
das clamorosas manifestações de
como são Pedro, são Tiago e outros,
procurando inverter o mecanismo do
arrependimento,
nocchio
mas foram suprimidos pela justiça”.
interrogatório: “Façam o favor de me
recomeçara a defender suas velhas
Mais uma vez, a força corrosiva da
escutar,
opiniões, que evidentemente seu
analogia pusera-se em ação em sua
lenda dos três anéis, Menocchio
coração jamais renegara."
mente. Se alguns Evangelhos são
reforçou a doutrina da tolerância, que
apócrifos, obra humana e não divina,
já
por que não seriam todos os outros?
interrogatório.
sentia-se
Dessa maneira, afloravam todas as
argumentação era religiosa: todas as
excluído — talvez também por causa
implicações da afirmação defendida
fés
das dificuldades econômicas que
quinze anos antes, isto é, que a
heresias), já que
enfrentara
O
Escritura era redutível a “quatro
Espírito Santo a todos”. "
símbolo tangível dessa exclusão era
palavras”. Evidentemente, durante
o hábito penitencial. Menocchio vivia
todo esse tempo, continuara a seguir
com
sei”,
o fio de suas velhas idéias. E agora,
"Trata-se de conjecturas. Não temos
comentou Cellina, “que ele usou
mais uma vez, se apresentava a
provas de que o “livro lindíssimo” do
durante muito tempo um hábito com
possibilidade de exprimi-las a quem
qual
a cruz, dada pelo Santo Ofício, e que
(pensava ele) era capaz de entendê-
entusiasmo era de fato o Alcorão; e,
colocava por debaixo da sua roupa”.
las.
toda
mesmo se tivéssemos certeza, não
E Menocchio lhe dissera que “queria
prudência, toda cautela: “Eu acredito
poderíamos reconstruir a leitura feita
ir até o Santo Oficio para obter uma
que Deus tenha feito todas as coisas,
por Menocchio. Um texto totalmente
licença para não usá-lo mais; dizia
terra, água e ar”. “Mas e o fogo, onde
distante de sua experiência e de sua
que, por usar aquele hábito, os
é que o metemos”, interviu com
cultura
homens se recusavam a conversar e
irônica superioridade o vigário do
indecifrável — e, por isso, induzi-lo a
discutir com ele”. Era só impressão,
bispo de Concórdia, “por quem é que
projetar
é claro."
foi feito?” “O fogo está em todos os
pensamentos
lugares, como Deus, mas os outros
dessas
três elementos são as três pessoas:
existiram) não sabemos nada. "
"Mas,
apesar
nos
essa
Me-
disso,
últimos
obsessão.
anos.
“Eu
Cegamente
esqueceu
"Durante uma noite inteira os dois
o Pai é o ar, o Filho a terra e o
falaram
Espírito
de
Menocchio
questões disse
religiosas. “coisas
Santo
a
água.”
E
acrescentou: “Eu acho que seja
senhores...”.
formulara
se
Através
no Ali,
equivalem
Menocchio
primeiro porém,
(incluídas
e
projeções
a
as
“Deus deu o
falara
deveria
sobre
da
com
parecer-lhe
suas
páginas
fantasias. (se
é
Mas que
"No pé da página desse “escrito”, o
quando dizia “ter lido por conta
na condenação moralista da cultura
pároco
própria”, decerto não estava muito
urbana, no desejo vago de uma
longe da verdade."
sociedade igualitária e patriarcal.
de
Montereale,
Giovan
Daniele Melchiori, fizera algumas anotações
a
pedido
do
próprio
Menocchio, datadas de 22 de janeiro de 1597. Declarava-se que, “se o interior
puder
ser
julgado
pelo
exterior”, Menocchio levava uma vida de “cristão e ortodoxo”. Tal cautela, como
sabemos
(e
como
talvez
soubesse o pároco também), era mais que oportuna. Mas a vontade de submissão expressa no “escrito” era com certeza sincera. Evitado pelos filhos, que o consideravam um peso, uma desonra para a aldeia, uma ruína para a família, Menocchio procurava com afã ser reintegrado à Igreja que por uma vez já o afastara, marcando-o
visivelmente
como
réprobo. "
"Percebe-se aqui um eco do paraíso do Alcorão — associado ao sonho camponês da opulência material, que é expresso logo em seguida através de elementos que relembram um mito já encontrado. O Deus que aparece para Scolio é uma divindade andrógina, uma donnhoma, com “as mãos abertas, os dedos erguidos”. De cada dedo, simbolizando um dos dez mandamentos, brota um rio no qual beberão os seres viventes: De mel suave é cheio o rio primeiro, de duro e fluido açúcar o segundo, ambrosia tinha o terceiro, e o quarto néctar, maná o quinto, o sexto pão: tão branco e leve não se viu no mundo,
faz
até
morto
reviver
jocundo.Bem disse, e com verdade, "Em 2 de agosto a congregação do Santo Ofício se reuniu: Menocchio foi declarado,
por
unanimidade,
um
“relapso”,
um
reincidente.
O
processo terminara. Decidiu-se, no entanto, submeter o réu a tortura, para
arrancar-lhe
o
nome
dos
cúmplices. Isso aconteceu em 5 de agosto; no dia anterior, a casa de Menocchio
fora
revistada
e,
na
um homem, pio que na cara do pão Deus se figura. De águas preciosas é composto o sétimo, o oitavo de manteiga branca e fresca, o nono de perdizes
saborosas,
gordas,
do
próprio paraíso vindas; de leite o décimo, com ricas pedras é feito o leito deles a que aspiro, as ribas de ouro, lírios, violetas, rosas, prata, flores e esplendor do sol."
confiscados
“todos
os
livros
e
“mundo
novo”
desejado
por
Menocchio, cremos que podemos imaginá-lo, ao menos em parte, diverso do representado pela utopia desesperadamente
anacrônica
de
Scolio." . "Finalmente,
a
posição
social
particular dos moleiros tendia a isolálos da comunidade em que viviam. Já
mencionamos
a
tradicional
hostilidade dos camponeses. A ela é preciso acrescentar o vínculo de dependência direta que ligava os moleiros
aos
feudatá-
durante
séculos
rios,
que
mantiveram
o
privilégio da moagem. Não sabemos se esse era também o caso de Montereale: o moinho para beneficiar os tecidos, alugado por Menocchio e seu
filho,
era,
propriedade
por
de
exemplo, particulares.
Entretanto, uma tentativa como a de convencer o senhor do lugar, Giovan Francesco, conde de Montereale, de que “não se sabia qual era a fé verdadeira”, usando como argumento a lenda dos três anéis, fora possível
presença de testemunhas, haviam sido abertas todas as caixas e
Mesmo desconhecendo os traços do
justamente pela adpicidade da figura "Menocchio comprara o Fioretto delia pedira
"E foi aos Bolognetti que se referiu
e
as
numa passagem da Apologia, a qual
Viagens de Mandevílle; afirmara que
escreveu em 1540 para se defender
a Escritura poderia ser resumida em
das acusações do Santo Ofício.
quatro palavras, todavia sentira a
Nesta, Fileno partia das crenças
necessidade de se apropriar ainda
ingenuamente antropomórficas dos
"Assim, nem mesmo a dor física fora
do patrimônio de conhecimentos de
camponeses e da massa em geral
capaz de abater Menoc- chio. Não
seus adversários, os inquisidores.
que atribuíam a Nossa Senhora
dera os nomes — ou melhor, dera
Percebe-se, portanto, no caso de
poder igual ou superior ao de Cristo,
um só, o do senhor de Montereale, o
Menocchio,
e
que
agressivo, decidido a acertar contas
escritos”. De que escritos se tratava, infelizmente não sabemos."
parecia
ter
sido
feito
Bibbia,
mas
emprestado
o
também
social de Menocchio."
Decameron
um
espírito
livre
e
intencionalmente para dissuadir os
com
juizes de uma investigação mais
dominantes; no caso de Scolio, a
aprofundada.
posição
Sem
dúvida
tinha
alguma coisa para esconder, mas,
a
cultura
é
mais
das
classes
reservada
—
esgotando a própria carga polêmica
propunha
uma
religião
cristocêntrica, livre de superstições: “Iterum rustici fere omnes et cunctaplebs, et ego hismeis auribus audi- vi, firmitercredit parem esse divaeMariae cum Iesu Christo potestatem in distribuendis gratiis, alii etiam maiorem. Causa est
quiainquiunt: terrena mater non solum rogare sed etiam cogerefilium ad praestandu Mali quid potest; ita nam queius mater- nitatis ex igit, maior est filio mater. Ita, in quiunt, credimus esse in coelo interbeatam Virginem Mariam et Iesum Christum filium”
apontada pelos inquisidores, tanto no
significativamente
Friuli como em Ferrara: qual o
intensificação das diferenças sociais
sentido do paraíso se se nega a
sob a influência da revolução dos
imortalidade da alma? Vimos como
preços. Mas a crise decisiva ocorrera
essas objeções jogavam Menocchio
algumas décadas antes, com a
(Quase todos os camponeses e todo
num
de
guerra dos camponeses e o reino
o povo simples da cidade, e eu os
contradições.
a
anabatista de Münster. Então se
ouvi com os meus próprios ouvidos,
questão falando
paraíso
impôs às classes dominantes, de
crêem
terrestre, seguido da aniquilação final
maneira dramática, a necessidade de
das almas."
recuperar, mesmo ideologicamente,
firmemente
que
o
poder
divinal de Maria é igual ao de Jesus
turbilhão
inextricável
Pighino
resolveu
de
um
Cristo na distribuição das graças;
as
outros crêem até que é maior. O
ameaçavam
massas
com
a
populares
escapar
a
que
qualquer
motivo é porque, dizem, a mãe
"Muitas vezes vimos aflorar, através
forma de controle vindo de cima —
terrena pode não só pedir como
das profundíssimas diferenças de
porém mantendo e até acentuando
também forçar o filho a prestar algum
linguagem, analogias surpreendentes
as distâncias sociais."
favor; assim postula o direito da
entre as tendências que norteiam a
maternidade, a mãe é maior que o
cultura camponesa que tentamos
filho. Cremos, dizem, que no céu o
reconstruir e as de setores mais
"Apesar da conclusão do processo, o
mesmo se dá com a bem-aventurada
avançados da cultura quinhentista.
caso Menocchio ainda não estava
Virgem Maria e seu filho Jesus
Explicar essas semelhanças como
encerrado; num certo sentido, a parte
Cristo).
mera difusão de cima para baixo
mais
Na
“Bononiae
margem
audita
anotou:
mdxl
Bolognetti”
in
domo
significa
aderir
à
tese
extraordinária
começava
—
justamente agora. Vendo que os
(ouvido
em
insustentável — segundo a qual as
depoimentos contra Menocchio, pela
casa
do
idéias nascem exclusivamente no
segunda vez, se acumulavam, o
âmbito das classes dominantes. Por
inquisidor de Aquiléia e Concórdia
outro lado, a recusa dessa tese
escrevera para a congregação do
simplista implica uma hipótese muito
Santo Ofício, em Roma, a fim de
"Mas, depois de tudo o que foi dito
mais complexa sobre as relações
informá-la do que acontecia. Em 5 de
até
que permeavam, nesse período, as
junho de 1599, uma das maiores
duas
equitis Bolonha,
1540,
na
cavalheiro Bolognetti)." .
aqui,
será
impossibilidade
inútil de
insistir
atribuir
na
esses
culturas:
fenômenos de radicalismo religioso
dominantes
camponês a influências externas — e
subalternas."
e
a
das
classes
autoridades
a
das
classes
cardeal
de
da
congregação, Santa
o
Severina,
respondeu, insistindo em que se
de cima. Os discursos de Pighino
chegasse o mais rápido possível à
também são testemunhos de uma
prisão “daquele tal da diocese de
aceitação não passiva dos temas
"Figuras como Rabelais e Bruegel
Concórdia que negara a divindade de
que circulavam então nos ambientes
não foram, provavelmente, exceções
Cristo Senhor Nosso”, “por ser seu
heréticos,
mais
notáveis. Todavia, fecharam uma
caso extremamente grave, desde
originais — como a da origem servil
época caracterizada pela presença
que já havia sido condenado por
de
heresia”."
Suas
Maria,
igualdade
dos
de fecundas trocas subterrâneas, em
“pequenos”
no
ambas as direções, entre a alta
paraíso — refletem claramente o
cultura e a cultura popular. O período
igualitarismo
subseqüente,
“grandes”
a
afirmações
da
e
dos
camponês
que
nos
foi
"O chefe supremo dos católicos, o
assinalado tanto por uma distinção
papa em pessoa, Clemente VHI, se
cada vez mais rígida entre cultura
inclinava para Menocchio, que se
das classes dominantes e cultura
tornara um membro infectado do
arte- sanal e camponesa como pela
corpo de Cristo, exigindo sua morte.
"Atribuir a Pighino uma leitura do
doutrinação das massas populares,
Naqueles mesmos meses, em Roma
Fioretto semelhante à de Menocchio
vinda de cima. Podemos localizar o
estava se concluindo o processo
pode
é
corte cronológico entre esses dois
contra o ex-frade Giordano Bruno. E
significativo que ambos caíssem na
períodos na segunda metade do
uma
mesma contradição, imediatamente
século
simbolizar a dupla batalha, para cima
mesmos
anos
aparecia
no
Settennario, de Scolio. "
parecer
arbitrário.
Mas
xvi,
ao
contrário,
que
coincide
coincidência
que
poderia
e
para
baixo,
conduzida
pela
movimentos
de
justaposição,
hierarquia católica naqueles anos,
paralaxe,
paralelismo
para impor as doutrinas aprovadas
superposição.
e
pelo concílio de Trento. Só pode partir daqui a fúria, de outra maneira velho
Concluímos, com denodo que, num
moleiro. Pouco tempo depois (13 de
processo lento e gradual, que ele
novembro),
Santa
explicita por meio de sua analise,
Severina voltou a atacar: “Que Vossa
traçada a partir das leituras de
Reverendíssima
Menochio,
incompreensível,
o
contra
cardeal
procedimentos
não no
o
de
falte
caso
aos
daquele
e
do
que
em
sua
interpretação devesse pertencer a
camponês da diocese de Concórdia,
esta
indiciado por ter negado a virgindade
supracitada,
da
a
julgamento e vida deste, Menochio,
divindade de Cristo, Nosso Senhor, e
pode-se perceber sua afinidade com
a providência de Deus, como já lhe
a leitura de títulos que não sendo de
escrevi por ordem expressa de Sua
simples acesso as massas, ainda
Santidade. A jurisdição do Santo
assim
Oficio
aproveitamento
beatíssima
em
Virgem
casos
de
Maria,
tamanha
ou
aquela
classe
durante
tem
por
cultural, todo
o
ele
um
heterodoxo,
pois
modo
“tritura” as palavras e as justapõe,
algum ser posta em dúvida. Assim,
superpõe, mistura em seu discurso
execute implacavelmente tudo o que
alusivo
for necessário de acordo com os
interrogatório.
termos da lei”."
estudo de um processo inquisitorial
importância
não
pode
de
em
argüição Ora,
ao
sendo
este
do período da aurora da idade
CONSIDERAÇÕES:
moderna, podemos observar que,
Depreendemos pois, que Guinsburg ,
não só o personagem-objeto de
novamente,
em
estudo é perspicaz como ainda se
inextrincável
de
sua tecer
habilidade grandes
mostra
deveras
encharcado
da
investigações em sua área favorita,
cultura plural e variada de seu
diga-se a micro história, alcançou
tempo, além disso pareceu-nos de
boa parte de suas prerrogativas, ora
uma
sendo estas em nosso ver, expor
conceitos
relativos
divindade,
e
conexos,
dos
mais
profunda
compreensão
de
espirito-santo,
santidade,
mercadoria,
variados pontos de vista possíveis,
das
àquelas
imaginário
reprodução das estruturas divinas,
medievo, arraigado amplamente nas
sendo que estes são conceitos de
mentes e culturas da recém nascida
alguma abstração.
questões
do
modernidade, que como bem pôde nos mostrar imiscuiu-se pouco a pouco com a realidade literária, como as alusões a Divina comedia ou ao Decamerão, e filosófica ou mesmo filológica
em
tendências,
ora
suas
conclusões
averroistas
ora
anabatistas. Em cada tempo de seu “romance verdadeiro” pode-se tanto mais que compreender conceitos como cultura erudita, popular, oral, escrita, média, que percebê-los em seus
múltiplos
e
dinâmicos
hierarquias
dos
sociais
como
Critica roedora
their most basic principles when in
and stirring up a dangerous anti-
government
European
MANIFESTO DEMOCRACY IN EUROPE MOVEMENT
•
Por: DiEM
defeating austerity
Nationalism, extremism and racism
• Media moguls who have turned
are being re-awakened.
Governments
inequality
by
that
fuel
implementing
cruel
backlash. Proud peoples are being
self-
turned
against
each
other.
(The EU will be democratised. Or it will disintegrate! DiEM25 - The European Union will be democratised. Or it will disintegrate!)
A
MANIFESTO
FOR
DEMOCRATISING EUROPE
migration
and
terrorism, only one prospect truly terrifies
the
Powers
Democracy!
of
They
a magnificent
Europe:
speak
in
democracy’s name but only to deny,
•
Corporations
seek
to
mystify,
co-opt, usurp
evade, and
cahoots
with
democracy
secrecy and a culture of surveillance that bend public opinion to their will. European
Union
was
achievement,
an
bringing
together in peace European peoples speaking
different
submersed
in
languages,
different
cultures,
in order to break its energy and arrest
For
rule
by
a shared framework of human rights Europe’s
peoples,
across a continent that was, not long ago, home to murderous
government by the demos, is the chauvinism, racism and barbarity.
shared nightmare of: • The Brussels bureaucracy (and its more than 10,000 lobbyists)
Troika they formed together with unelected ‘technocrats’ from
other
The European Union could have been the proverbial Beacon on the
showing the world how peace and solidarity may be snatched from the jaws of centuries-long conflict
international
and
standing in law or treaty
and resurgent oligarchies perpetually contemptuous
expression •
Political
appealing
to
liberalism, democracy, freedom and solidarity to betray
democratic control over their money, finance,
working
conditions
and
environment. The price of this deceit is not merely the end of democracy but also poor economic policies: • The Eurozone economies are being marched off the cliff of competitive austerity, resulting in permanent recession in the weaker countries and low investment in the core countries
Eurozone
are
alienated,
seeking
inspiration and partners in suspect quarters
trade deals that undermine their
and
sovereignty.
a
common
beginning
currency
divide
to
unite
• Unprecedented inequality, declining
despite
our
different languages and cultures. A
economically financially
parties
exercising
Alas, today, a common bureaucracy
confederacy of myopic politicians,
of the multitudes and their organised
from
greeted with opaque, coercive free
European peoples that were
• Bailed out bankers, fund managers
Europeans
where they are most likely to be
and bigotry.
European institutions • The powerful Eurogroup that has no
is to prevent
• EU member-states outside the
Hill,
• Its hit-squad inspectorates and the
is
‘procedural’ and ‘neutral’. Its purpose
proving that it was possible to create its possibilities.
process
the same fear to promote
corrupt,
manipulate
decision-making
presented as ‘apolitical’, ‘technical’,
exceptional and suppress it in practice. They
in
political, top-down, opaque
secretive public agencies investing in
The
exorcise
At the heart of our disintegrating EU there lies a guilty deceit: A highly
source of power and profit
For all their concerns with global competitiveness,
fear-mongering into an art form, and
naïve
officials
incompetent
and
and
misanthropy
flourish
throughout Europe Two dreadful options dominate:
and
‘experts’
submit slavishly to the edicts of financial
hope
industrial
conglomerates, alienating Europeans
• Retreat into the cocoon of our nation-states • Or surrender to the Brussels democracy-free zone
There must be another course. And
In the post-war decades during which
simple
there is!
the EU was initially constructed,
confident
It is the one official ‘Europe’ resists
national cultures were revitalised
with every sinew of its authoritarian
in
a
spirit
mind-set:
disappearing
of
shared
prosperity and raised standards that
A surge of democracy!
brought
Our movement, DiEM25, seeks to call forth just such a surge.
Europeans
together.
But,
the
serpent’s egg was at the heart of the
One simple, radical idea is the motivating force behind DiEM25: Democratise Europe! For the EU will
began life as a cartel of heavy
either be democratised or it will
industry (later co-opting farm
Our goal to democratise Europe is
to
realistic. It is no more utopian than
through its Brussels bureaucracy.
the initial construction of the
The
emergent
more
been abandoned: •
Rules
should
exist
to
serve
Europeans, not the other way round • Currencies should be instruments, not ends-in-themselves
oligopoly
cartel,
democracy only if it features common defences of the weaker Europeans, and of the environment,
owners) determined to fix prices and re-distribute
a
• A single market is consistent with
integration process. From an economic viewpoint, the EU
disintegrate!
that
Europe once understood, have now
internationalism,
borders,
principles
profits
that are democratically chosen and built • Democracy cannot be a luxury
and
its
afforded to creditors while refused to debtors
European Union was. Indeed, it is
Brussels-based
less utopian than the attempt to keep
feared the demos and despised the
• Democracy is essential for limiting
alive the current, anti-democratic,
idea of
capitalism’s
fragmenting European Union.
government-by-the-people.
Our goal to democratise Europe is
Patiently and methodically, a process
terribly urgent, for without a swift start
of
it may be impossible to chisel
was put in place, the result being
away
a draining but relentless drive toward
at
resistance
the in
good
institutionalised time,
before
Europe goes past the point of no return.
administrators,
de-politicising
decision-making
taking-the-demos-out-of-democracy
If we fail to democratise Europe
fatalism.
National politicians were rewarded
within, at most, a decade; if Europe’s
handsomely for their acquiescence to
autocratic powers succeed
turning the Commission, the Council,
in stifling democratisation, then the
the Ecofin, the Eurogroup
EU will crumble under its hubris, it
and the ECB, into politics-free zones.
will splinter, and its fall will cause
Anyone opposing this process of de-
untold hardship everywhere – not just
DiEM25 - The European Union will be
democratised.
politicisation was labelled ‘un-European’
in Europe.
Or
it
will
disintegrate! WHY IS EUROPE LOSING ITS INTEGRITY AND ITS SOUL?
and
treated
as
a
jarring dissonance.
yielding
harmony
and
sustainable
development In response to the inevitable failure of Europe’s cartelised social economy
Great
Recession,
the
EU’s
institutions that caused this failure have been resorting to escalating authoritarianism. asphyxiate
The
democracy,
more
they
the
less
legitimate their political authority becomes, the stronger the forces of economic recession, and the greater their need for further authoritarianism. Thus the enemies of democracy gather renewed power while losing legitimacy
Thus the deceit at the EU’s heart was born,
a window onto new vistas of social
to rebound from the post-2008
and cloaking
pseudo-technocratic
self-destructive
drives and opening up
all policy-making in a pervasive
We give it a decade, by 2025.
worst,
an
institutional
commitment to policies that generate depressing
economic
data
and
avoidable
hardship.
Meanwhile,
and confining hope and prosperity to the very few (who may only enjoy it behind the gates and the fences needed to shield them from the rest of society).
DiEM25 - The European Union will be
democratised.
Or
it
will
disintegrate!
Europe’s crisis is turning our peoples inwards, against each other, pre-existing
xenophobia.
The
jingoism,
privatisation
of
anxiety, the fear of the ‘other’, the nationalisation of ambition, and the
re-nationalisation
of
policy
threaten a toxic disintegration of common interests from which Europe can only suffer. Europe’s pitiful reaction to its banking and debt crises, to the refugee crisis, to the need for a coherent foreign, migration and anti-terrorism policy, are all examples of what happens
• The injury to Europe’s integrity caused by the crushing of the Athens
imposition of an economic ‘reform’ program that was designed to fail • The customary assumption that, whenever a state budget must be bolstered or a bank bailed out, society’s weakest must pay for the sins of the wealthiest rentiers • The constant drive to commodify labour and drive democracy out of the workplace scandalous
backyard’
attitude
‘not of
in
our
most
EU
member-states to the refugees landing
on
Europe’s
illustrating how a broken European governance
model
yields
• The ease with which European governments decided after the awful
in re-erecting borders, when most of the attackers were EU citizens – yet another sign of the moral panic
to unite Europeans to forge common
ethical
decline and political paralysis, as well as evidence that xenophobia towards non-Europeans follows the demise
streamed
DiEM25 - The European Union will democratised.
Or
it
after the meetings have taken place
negotiations (e.g. trade-TTIP, ‘bailout’ loans, Britain’s status)
citizens’ future to be uploaded on the web • A compulsory register for lobbyists
responses to common problems.
will
disintegrate!
that includes their clients’ names, their remuneration, and a record of meetings with officials (both elected and unelected)
What must be done? Our horizon
toward reaching milestones within a realistic timeframe.
WITHIN
TWELVE
utilising existing institutions and within existing EU Treaties Europe’s
order to bring about
unfolding
a fully democratic, functional Europe
immediate
Now, today, Europeans are feeling let
• Banking
from Dublin to Crete, from Leipzig to Aberdeen. Europeans sense that a stark choice is approaching fast. between
democracy
and
in
is five
realms: • Public debt
From Helsinki to Lisbon,
crisis
simultaneously
by 2025.
down by EU institutions everywhere.
MONTHS:
Address the on-going economic crisis
breakthroughs at regular intervals in
• Inadequate Investment, and • Migration • Rising Poverty All five realms are currently left in the
authentic
hands
insidious
powerless to act upon them.
disintegration. We must resolve to
ensure
live-
affecting every facet of European
engulfing a European Union unable
choice
be
• All documents pertinent to crucial
Paris attacks that the solution lies
The
to
published a few weeks
unite to
shores,
Meetings
governing council meetings to be
‘foreign’ and ‘policy’
be
Eurogroup
• Minutes of European Central Bank
This is why DiEM25 will aim for four
Spring, and by the subsequent
The
words ‘European’,
Realism demands that we work
when solidarity loses its meaning:
•
• The comical phrase we end up with when we put together the three
This is the unseen process by which
amplifying
• EU Council, Ecofin, FTT and
of intra-European solidarity
of
national
governments
DiEM25 will present detailed policy proposals to Europeanise all five
that
obvious
Europe
makes
choice:
the
Authentic
democracy! When asked what we want, and when we want it, we reply:
while limiting Brussels’ discretionary powers and returning power to national Parliaments, to regional councils, to city halls and to communities. The proposed
IMMEDIATELY: Full transparency in
policies will be aimed at re-deploying
decision-making.
existing institutions (through
a creative re-interpretation of existing
We, the peoples of Europe, have a
With our hearts, minds and wills
treaties and charters) in order to
duty to regain control over our
dedicated to these commitments, and
stabilise the crises of public
Europe from unaccountable
determined to make
debt,
‘technocrats’, complicit politicians and
a difference, we declare that.
banking,
inadequate
investment, and rising poverty.
shadowy institutions.
WITHIN TWO YEARS: Constitutional
We come from every part of the
be
Assembly
continent and are united by different
disintegrate!
The people of Europe have a right to
DiEM25 - The European Union will
cultures, languages, accents, political party affiliations,
to transform Europe
ideologies,
(by
2025)
democracy
into
a
full-fledged
with
a
sovereign
Parliament respecting national selfdetermination
Parliaments, regional assemblies and municipal councils.
gender
identities, faiths and conceptions
democratised.
Or
it
will
of the good society.
To do this, an Assembly of their
We are forming DiEM25 intent on Governments’, and ‘We the
representatives must be convened. DiEM25 will promote a Constitutional Assembly
consisting
of
as another’s democracy
is
violated • No European people can live in dignity as long as another is denied it
national
prosperity if another is pushed into
when
universities apply
permanent insolvency
to Brussels for research funding, they
and depression
must form alliances across nations. Similarly, election to the Constitutional
Assembly
should
require tickets featuring candidates from
a
majority
of
European
countries. The
Constitutional
on
a
future
democratic
constitution
BY 2025: Enactment of the decisions of the Constitutional Assembly Who will bring change?
To
fight
European
the
together,
against
establishment
a
deeply
power
masquerading as merely technical decisions • To subject the EU’s bureaucracy to the
will
of
sovereign
European
peoples •
To
dismantle
the
habitual
domination of corporate power over
without basic goods for its weakest
currency
citizens, human development, balance
create
to democratise the European Union
our
and
single
market
and
common
We consider the model of national a
determination to become fossil-fuel
its ways – not the planet’s climate We join in a magnificent tradition of
parties which form flimsy alliances at the level of the European Parliament to be obsolete.
While
the
fight
for
democracy-from below (at the
fellow Europeans who have struggled
local, regional or national levels) is
for centuries against
necessary,
that will replace all existing European Treaties within a decade.
•
• No European people can grow
ecological
to
• To re-politicise the rules that govern
Assembly will be empowered to decide
forthwith
the will of citizens
free in a world that changes
resulting
us
relations into relations of
• No European people can hope for
Today,
join
• To end the reduction of all political
Our four principles:
representatives elected on transtickets.
We call on our fellow Europeans to
contemptuous of democracy,
Technocrats’, to a Europe of ‘We, the
long
will
which we call DiEM25.
• No European people can be free as
disintegrate!
it
European movement
peoples of Europe’.
DiEM25 - The European Union will be
colours,
moving from a Europe of ‘We the
and sharing power with national
Or
Our pledge
consider the union’s future and a duty
skin
democratised.
the ‘wisdom’ that democracy is a
it
is
nevertheless
insufficient if it is conducted
luxury and that the weak must suffer
without an internationalist strategy
what they must.
toward a pan-European coalition for democratising Europe.
European together
democrats first,
come
• A Pluralist Europe of regions,
• An Internationalist Europe that
common
ethnicities, faiths, nations, languages
treats non-Europeans as ends-in-
and cultures
themselves
must
forge
a
agenda, and then find ways of
connecting
it
with
local
•
An
Egalitarian
Europe
ends
tensions in its East and in the
celebrates
national level.
discrimination based on gender,
Mediterranean, acting as a bulwark
Our overarching aim to democratise
skin colour, social class or sexual
against the sirens of militarism and
the European Union is intertwined
orientation
expansionism
• A Cultured Europe that harnesses
• An Open Europe that is alive to
its people’s cultural diversity and
ideas, people and inspiration from all
promotes not only its
over the world, recognising
invaluable heritage but also the work
fences and borders as signs of
and national levels; to throw open the
of
weakness spreading insecurity in the
corridors of power to the public; to
musicians, writers and poets
name of security
• A Social Europe that recognises
• A Liberated Europe where privilege,
movements; and to emancipate all
that liberty necessitates not only
prejudice, deprivation and the threat
levels
freedom from interference
of violence wither,
but also the basic goods that render
allowing Europeans to be born into
one free from need and exploitation
fewer stereotypical roles, to enjoy
to
promote
self-government
(economic, political and social) at the local, municipal, regional
embrace social and civic
of
government
from
bureaucratic and corporate power. We are inspired by a Europe of Reason,
Liberty,
Tolerance
and
Imagination made possible by
comprehensive
real
Solidarity
and
authentic
Democracy.
dissident
artists,
DiEM25 - The European Union will be
Transparency,
Europe’s
and
• A Peaceful Europe de-escalating
communities and at the regional and
with an ambition
difference
that
democratised.
Or
it
will
disintegrate! • A Productive Europe that directs investment into a shared, green
We aspire to:
prosperity
• A Democratic Europe in which all
• A Sustainable Europe that lives
political
within the planet’s means, minimising
authority
stems
from
Europe’s sovereign peoples
its environmental impact,
• A Transparent Europe where all
and leaving as much fossil fuel in the
decision-making takes place under
earth
the citizens’ scrutiny
• An Ecological Europe engaged in
• A United Europe whose citizens have as much in common across nations as within them • A Realistic Europe that sets itself the task of radical, yet achievable, democratic reforms
central
power
to
maximise
democracy in workplaces, towns, cities, regions and states
their potential, and to be free to choose more of their partners in life, work and society. Carpe DiEM25 www.diem25.org DiEM25 - The European Union will be
democratised.
Or
it
will
disintegrate!
ETHOS E PHRONESIS
• A Creative Europe that releases the
Por:Gisele da Silva Rezende 4 e Guilherme Orestes Canarim.
innovative powers of its citizens’
Discussões sobre ética na sala de
imagination
aula e nas práticas pedagógicas
genuine world-wide green transition
• A Technological Europe pressing new technologies in the service of
• A Decentralised Europe that uses
even chances to develop
solidarity
estão em alta, e o mercado oferece soluções “práticas”, mas a única ética possível na contemporaneidade deve
se
sustentar
pelo
diálogo
• A Historically-minded Europe that
colaborativo,
seeks a bright future without hiding
formação aberta, ampla e integral de
from its past
todas as pessoas, e da pessoa 4
com
vistas
a
uma
Docente pesquisadora do GEFOCS (Grupo de estudo e pesquisa em educação, formação cultura e sociedade).
humana
como um todo. É preciso
determinados
debates,
está
utilização
para
comunicação,
refletir sobre sua atuação profissional
condicionada ao agir com base nos
entender-s-ia que o letramento não
com a base moral, que cabe ao
códigos estatutários que regem uma
difere deste conceito, portanto é
exercício de identificar a pessoa não
ou outra dimensão territorial comum
irrelevante.
como um número, mas em seu lócus
a este profissional.
de manifestação em direção ao
Ideias sobre a generalização de
Um termo que surgiu na Grécia
comportamentos morais de uma ou
antiga,
outras
outra civilização, vão de encontro
O crescimento gradual do indivíduo
civilizações ocidentais acabou por
com sua reflexão ética, o pensar
dar-se- á na medida em que seu
perder raison d'etre. O que antes
sobre. O mercado procura vender
comportamento
serviu para descentralizar o poder,
como via de regra para a harmonia
comprometido com sua ética, que
retirando
de
poderá compreender seus limites
monarquia
independente
social.
helênicas por meio da atividade
Estamos implementando ideias sem
daqueles cidadãos, o que um dia
fazer
questionamento,
serviu ao modelo de sociedade
compreendendo oconceito a partir de
ocidental, a saber Montesquieu, hoje
uma liberdade condicionada pela
dá o poder a estes de forma quase
operação da sua concretização.
natural. Atribuímos nossa reflexão e
exercício da autonomia.
moral
da
qualquer
esteja
classe
tão
É preciso refletir sobre o impacto dos conceitos
que
mundo,
apresentamos
entendendo
o
ao
preparo
necessário para a elaboração das ideias. Vivenciamos relacionamentos inseguros,
com
um
comprometimento moral duvidoso,
democracia,
o
domínio e
em
político
das
da
oligarquias
tomadas de decisões econômicas e políticas a quem não se preocupa com nosso bem estar. Pessoas que deveriam estar subordinadas a toda uma população, deliberando sobre o bem estar da maioria, hoje servemse por plebeus reprimidos.
reflexo de uma ética confusa, que
Há
historicamente vem se condensando
quanto às regras prescritas pela
na forma de normativas extrínsecas
autoridade soberana constituída pela
aos elementos contendais daquilo a
sociedade onde vivemos. Quer seja
que se refrem, de modo que os
por
indivíduos podem, via de regra,
indevida,
simplesmente
norma
adequar leis de acordo com sua
procedimental sem necessariamente
necessidade a fim de justificar os
compreenderem o que nela lhes diz
meios. “Novos” conceitos passam a
respeitou, ou ainda em que implica
ser modelados para reunir partes
para si e para os outros animais do
cada vez mais complexas ao sentido
gênero humano as suas atividades
de origem e muitas vezes com um
nesse sentido.
novo nome para sugerir um novo
seguir uma
Em dada medida, pode ser que tais
um
grande
incertezas o
desentendimento
ou
apropriação
indivíduo
costuma
objeto de estudo.
discussões sobre ética no espaço
Assim é o caso do termo letramento,
escolar,
ausência,
que foi gerado a partir da ineficiência
tanto quanto a da autonomia do
da alfabetização (segundo alguns
educador. Seu comportamento moral
autores), contudo sua função foi
respeitará
que
alcançada e vigora até hoje com os
variam de acordo com cada tipo de
denominados analfabetos funcionais
agrupamento
propósito,
(termo criado nos Estados Unidos na
impossibilitando um pensar sobre,
década de 30 e depois utilizado pela
necessário para o entendimento da
UNESCO), que se apreendido na
ética.
sua característica mais importante,
insinuem
estes
Sua
e
esta
ambientes
seu
participação
em
toda
uma
parcialmente prontas.
nação
ideias
Ensayos
tortura e flagela aonde quer que vá.
final para concretizar no além seu
Esse segundo, independe de classe,
amor, viver em seu paraíso, desfrutar
DE AMOR E TREVAS (A TALE OF LOVE AND DARKNESS)
religião,
tudo
indivíduo (self, consigo mesmo) e
expectativas
Por: Danilo Barruda
como ele interage consigo mesmo e
frustrados, como num momento de
com o mundo exterior.
fuga da realidade e, finalmente,
origem,
panorama, O comentário aqui desenvolvido não
a
pois
recai
no
Nesse
ambivalência
de
que
êxtase
estava
represado,
criadas,
ao
sonhos
experimentar
essa
sentimentos que oscilam entre o
dimensão do eu saciado. Tudo isso
nacionalismo judeu e a constituição
conduz ao fim trágico do afogamento
do
na
da personagem, que sucumbe aos
contradição de perpetuar um conflito
delírios e devaneios para confortar a
para assegurar a permanência de
mente
seus cidadãos.
extirpando sua breve vida.
na construção dessa visão sobre De
É simbólico enxergar que o pior
Amor e Trevas traz uma conotação
inimigo
diferenciada,
mesma!
A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NA PESQUISA CIENTÍFICA NA FASE PRÉ-CLÍNICA E O ESPIRITISMO KARDECISTA
tem o objetivo de abordar, na íntegra, o filme. Ele se propõe a analisar o inferno mental que a protagonista da película criou, seu labirinto e as conseqüências para si. Assim sendo,
Estado
de
Israel
recai
e
a
alma,
mesmo
que
a interface e intertextualidade usados
perspectiva
outros e
aspectos,
abordagem
do
da
protagonista
Apesar
das
era
ela
condições
adversas, das reiteradas perdas e
humano. No início do filme uma
desilusões,
cabia
Polônia exuberante se mostrava um
manter-se
íntegra,
lugar
a
projetos e planos, viva, humana para
Segunda Guerra Mundial instaurou o
dar vazão ao espectro cíclico da
pânico, a fuga, o medo e a morte.
humanidade (início, meio e fim), altos
Num cenário agora sombrio, Fania
e baixos, pacote completo que inclui
(Natalie Portman) foi obrigada a se
alegrias, tristezas, dor, felicidade,
mudar para Israel. O Estado em
gozo, luto, ou seja, tudo.
de
encantos,
todavia,
ebulição impingiu mais dor e trevas para
a
família
de
Fania,
especialmente ela mesma, que já havia escapado de uma guerra.
A partir de então, todos os sonhos e expectativas
vão
se
esvaindo,
deteriorando com o tempo e as marcas de tanto massacre. Ela se permite
perder
a
dignidade,
a
compostura e vaidade que podem manter o equilíbrio mínimo para se viver. Numa Israel em construção, assolada por conflitos étnicos e religiosos, a promessa de uma Terra Prometida, idílica e segura cede espaço para um inferno. Saliente-se dois infernos, o físico-estrutural, da guerra, do imanente conflito por água,
terra,
reconhecimento
território, político
e
internacional entre árabes e judeus, mas, acima de tudo, o inferno mental que a prende, aflige, atormenta,
a
si
mesma
digna,
com
Por: Jean Pedro Barbizan Betiatto Desde os primórdios da pesquisa científica a experimentação animal foi usada para propor novos métodos terapêuticos e farmacológicos para o posterior uso na espécie humana, após a fase clínica da pesquisa, tendo em vista a sua sobrevida, bem como a qualidade de vida dos seres
Entrementes, no seu âmago, Fania
correlacionados
tenta refazer sua vida arrasada num
permeiam a vida humana, como as
lócus
diametralmente
doenças, que muitas vezes são
oposto à sua Polônia. A insistência
relacionadas aos vícios e hábitos
em manter as aparências, mesmo
mundanos
sem se conhecer e saber quem são
humanos são adeptos. Para isso, a
os outros ao redor, denota muito
aprovação em comitês de ética para
esforço
o
distante
e
para
romper
seus
uso
aos
aos
males
quais
racional
de
que
os
seres
animais
pensamentos depressivos. O quadro
criteriosamente
depressivo da personagem faz ela
ponto chave para o início de uma
(re)viver num mundo à parte, uma
pesquisa científica, que envolva os
espécie de universo paralelo onde
mesmos
ela oscila quanto aos delírios dos
partida para novas descobertas para
sonhos subjacentes e a realidade
a
atroz, ainda que permeada do alívio
onde supostamente, trariam avanços
de uma nova família e seu amado
para a humanidade, criando assim,
filho. Mas, não aceitar o presente e
eixos de extensão na qualidade de
se colocar num outro momento, outro
vida dos seres humanos, bem como,
lugar, a faz querer veementemente
a viabilização de seu bem estar físico
viver
e pessoal. Em contrapartida, temos
atrelada
ao
limbo,
ao
como
comunidade
cobaias,
como
dando
médico-científica,
impossível sonho que a retira da
ideologias,
realidade.
perspectiva,
contrárias no que diz respeito ao uso
quando ela se cansa de lutar contra
de animais, o que é para muitos uma
si própria abraça a morte como um
grande
refúgio ou alívio, como uma solução
determinadas espécies, e acarretaria
Nessa
que
analisado
é
tomam
atrocidade
a
vertentes
vida
de
então, um dano de cunho ideológico
que para que a ciência médico-
animais em benefícios de si próprio e
e posteriormente social com tais
científico chegue até o mundo sob a
do homem, e o ato de não causar
fatores
forma de suas descobertas é preciso
sofrimento e dor animal. O equilíbrio
realização de tais atos, envolvendo a
que
dos valores propostos é conflitante, e
eutanásia de animais.
primordial
determinante
para
a
A experimentação animal faz
se
ultrapasse no
pesquisador
atual,
de
sugere
o
deve
conter
quanto mais danos o experimento causar ao animal, mais difícil será
É de se entender que o
produtos que possuímos no mercado
produtos
que
requisito
seguimento ideológico proposto.
parte da fase pré-clínica de vários
tais
um
compor a sua justificativa.
uma
Os
contrapontos
ficam
como,
cosméticos,
orientação específica quanto ao trato
evidenciados quando chegamos ao
higiene
pessoa,
humanitário
ponto
e
com
os
animais
x
da
questão
que
é
a
evidentemente fármacos. Devemos
empregados em pesquisa e não
relevância de um trabalho científico
ressaltar os fármacos, não somente
somente a orientação técnica. Fica
em relação a condição da espécie e
pela sua importância na qualidade de
evidenciada
a
vida
dos
profilaxia
a
necessidade
de
manutenção
de
ideologias
seres humanos e
na
preenchimento com conhecimentos
contrárias. Mediante à isto, podemos
dos
os
básicos
diversas
afirmar que a pesquisa científica é
que
um
males
que
no
manejo
acometem, mas também, pelo fato
espécies
de que a indústria farmacêutica trata-
lacunas
em
humanos na busca por uma melhor
se de uma das mais poderosas do
fatores que impliquem no estresse
qualidade de vida, questão que
mundo,
animal,
a
muitas
a
ideologia do espiritismo Kardecista,
resultados
seguida por milhares de pessoas. Na
economicamente
falando,
animais,
de
sejam
o
para
preenchidas
que
dá
margem
gerando bilhões de reais e fazendo
questionamentos
com que ideologias caiam por terra
confiabilidade
pela visão lucrativa de mercado
alcançados em sua pesquisa.
enquanto a proposta maior deveria ser o bem estar dos seres, mas esta visão fica distorcida quando há o impulsionamento
por
uma
competitividade mercantil que visa o retorno
através
da
ascensão
financeira e não a qualidade de vida humana. Uma pergunta básica que poderíamos nos fazer, então, seria, o que vale mais: a sua ideologia ou o avanço científico e tecnológico? A vida ou a ciência? Devemos analisar, então, contextos ideológicos que possuem sua fundamentação em considerações históricas, que foram construídas ao longo do tempo, bem como o campo da ciência, onde sua fundamentação
se
dá
pelas
evidencias apresentadas ao homem e que devem ser comprovadas pelo mesmo,
pelo
método
experimentação anteriormente ideologias
da animal,
já
citado.
doutrinistas
Se
as
como
o
espiritismo, são as preservadoras da vida, seja ela de qualquer espécie, podemos dizer então que não há uma coesão entre esta e a ciência, já
No
as
quanto dos
espiritismo
Kardecista
dos atributos que fazem parte do espírito, mesmo nos animais que demonstrando
inteligência
racional ou não racional, através de seus
instintos,
onde
as
fases
evolutivas apresentam-se de forma diferente em relação aos humanos. Traz-nos então o conceito de que os animais sofrem porque seu livre arbítrio é muito restrito, e não para compensar ou resgatar seus erros, mas
para
que
sua
consciência
alcance maior conhecimento e se expanda. O primeiro filósofo da modernidade através da observação dos
animais
defendeu
que
os
mesmos não eram como máquinas foi o inglês John Locke, que fundou o empirismo,
levando
com
seu
pensamento a afirmação de que causar
dor
e
morte
era
vezes
aliado
é
dos
seres
sobreposta
na
prática, há uma certa hipocrisia
considera-se que a inteligência é um
agem
grande
algo
moralmente errado. As problemáticas éticas que envolvem ideologias como
recorrente entre seguir uma ideologia e aplica-la em sua vida de maneira coerente, o que no mundo atual torna-se difícil pelo bombardeamento de criações que seguem um fluxo continuadamente crescente e rápido, aos
quais
os
humanos
são
submetidos. Quem está imerso no meio científico, muitas vezes entra em conflito pessoal entre a ideologia de vida proposta a si mesmo e a produção de trabalhos relevantes em sua profissão, visando o avanço tecnológico nas áreas da ciência da saúde. Como seria então, cometer a eutanásia em camundongos para a análise
de
seus
receptores
neurológicos para a obtenção de novos adventos farmacológicos que viabilizem humana,
a
qualidade
seguindo
de
uma
vida
doutrina
espírita, onde a vida de toda e qualquer
espécie
deve
ser
preservada? Partindo desse pressuposto,
o espiritismo Kardecista que surgem
poderíamos
dizer
então, no âmbito ao conflito entre as
nenhuma
justificativas usadas para o uso de
aceitável, se a manutenção da vida,
justificativa
então,
que
tornaria-se
seja ela de qualquer espécie, torna-
Esta é a verdade. Este é o empasse.
se o pilar para a construção de uma
Este é o conflito.
ideologia
que
impõe
um
comportamento ético mediante ao mundo. Como prosseguir, então, com
avanços
que
viabilizem
a
manutenção da vida e a descoberta de
novas
tecnologias
sem
o
NOTAS SOBRE UMA LEITURA DE DANIEL QUINN E WALTER BENJAMIN. Por: Guilherme Orestes Canarim
envolvimento do uso de animais em pesquisas pré-clínicas? Busca-se reflexão
a
Este Texto sobre o conceito de
obtenção
sempre
que
da
estamos
trabalhando com seres sensíveis onde a rotina não nos faça perder a sensibilidade. É passível de se levar em
consideração
através
da
legislação que preza pela ética com o objetivo da moral e do bem estar, tendo
em
vista
o
estudo
das
preferências animais, onde há as descobertas
das
comportamentais consideração
anomalias levando
critérios
em
fisiológicos,
zoopatológicos e zootécnicos que são indicadores de conforto e bem estar na organização de dados, análise e categorização na fase exploratória até que se chegue a seleção de um método de eutanásia levando em conta tais critérios que
historia traduzido pelo Sérgio Paulo Rouanet, que esta no livro “Walter Benjamin - Obras escolhidas. Vol. 1. Magia
e
técnica,
artee
política.
Ensaios sobre literatura e história da cultura” com
prefácio de Jeanne
Marie Gagnebin especialista no brasil em estudos benjaminianos da editora Brasiliense,
1987,
p.
222-232.As
“Teses sobre o conceito da história”, ultimo
dos
textos
trabalho
de
Benjamin,que caracterizam-se pelo seu caráter inovador na historiografia geral e da historiografia literária. O primeiro desafio de sua leitura, já que se apresentam como fragmentos do pensamento do autor, não mantendo relações
sintáticas
entre
si,
estabelecidas principalmente pelas conjunções.
mesmo assim não sobrepõem-se a
O
conceito
de
historia
manutenção das vidas das espécies
sustentáculo
das
estruturas
amplamente tida como base para o
sociometabolismo do capital, pois
Espiritismo Kardecista que preza o
que dele emanam as substancias
espírito
dos
sendo
este
a
parte
fundamental de todo e qualquer ser. Ao mesmo tempo em que passamos
por
cima
de
nossas
ideologias, prosseguiremos fazendo ciência. Parece rude, mas o que torna-se mais relevante para sua própria existência humana, o seu bem
estar
espiritual
ou
a
sua
contribuição para o avanço científico da humanidade? Estaríamos nos tornando prisioneiros das próprias correntes
ideológicas
ou
meras
máquinas de produção científicas, ora relevantes, ora descartáveis?
discursos
é
hegemônicos
o do
do
monopólio e a impossibilidade da emancipação da humanidade, por conta disso é precípuo a qualquer compreensão
da
contemporâneas
e
sociedades a
realização
daquele ideário kantiano da saída da menoridade
que
debrucemo-nos
sobre este pilar do tártaro sobre o qual vivemos e no qual funcionamos como que concluídos no maquinário do colapso da exploração que o capital esta vivendo.