Almanaque124_especial

Page 1


Texto: Bruno Hoffmann Arte: Guilherme Resende

20

Não adianta tentar escapar. Mesmo os mais céticos são um pouco supersticiosos. “Evitar superstição já é outra superstição”, dizia o filósofo inglês Francis Bacon. A máxima vale ainda mais em terras brasileiras. A mistura de lendas indígenas, europeias e africanas criou vasto cardápio de crenças e mandingas. oa parte de nossas crendices está ligada a religiões populares do Brasil, como catolicismo, umbanda e candomblé – e, em muitos casos, a uma mistura das três. A superstição baseia-se na fé ou no medo. Se tal ritual não for cumprido, “coisas más hão de acontecer”. E que ninguém ouse desafiar as forças ocultas. Mesmo os “doutores” não a deixam de lado. “Joaquim Nabuco não era supersticioso. Mas não passava por debaixo de uma escada. Nem o Barão do Rio Branco. Nem João Pessoa, presidente da Paraíba, ministro do Supremo Tribunal Militar”, narra o escritor Afonso Lopes de Almeida. De cidadezinhas a grandes metrópoles, o povo não esquece dos rituais que trazem sorte. Há quem corta o bolo de aniversário de baixo pra cima (pra subir na vida). Quem não oferece a primeira bolacha do pacote (pra não perder o namorado). Quem bate na madeira (pra evitar que algo dito

www.almanaquebrasil.com.br

aconteça). Quem se apavora ao cruzar com um gato preto, e quem não esquece o amuleto da sorte. O folclorista Câmara Cascudo explica: “As superstições participam da própria essência intelectual humana. Não há momento na história do mundo sem a sua inevitável presença”. Mas, claro, há os mais exagerados, que incorporam o hábito para toda a vida. O dicionário Houaiss não dá uma definição muito simpática para o termo. Superstição: crença ou noção sem base na razão ou no conhecimento, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas, sem nenhuma relação racional entre os fatos e as supostas causas a eles associadas; crendice, misticismo. Pelo sim, pelo não, o povo continua com suas crendices e misticismos. Afinal, como reza a sabedoria popular: se bem não faz, mal não há de fazer.


A

A MAIS POPULAR DO BR FITINHA

SIL

inha nega / vai ao Bonfim, m em Qu a: sin en i ta sorte tem / Dorival Caymm ta sorte teve / Mui ui M / r lta vo er o? / Então vá. Nunca mais qu Bahia, nega? / Nã à i fo já cê Vo / do Senhor do Muita sorte terá prar uma fitinha m co se a nd ai e Terá mais sort pulares do País. amuletos mais po s do um , m nfi Bo 10 centavos. ada: não passa de ar m a ca é o eç pr O brasileiro, é usad etismo religioso cr sin á, do al lo Ox e bo m m Sí do Bonfi s Cristo, Senhor su ou ao tornozelo Je r lso ta pu al ex ao ra -la pa rá ar am iso ec sim que a orixás. É pr será atendido as e o pai de todos os qu , do di pe um dão, agora ra cada nó, cia. Antes de algo ên com três nós. Pa ci pa a nh te as um ano ralmente. M demorar mais de m fitinha cair natu de Po o. tic té material sin elas são feitas de . er nd para se despre

“Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminaria empatado.”

Querendo casar? Coloque uma imagem de santo Antônio de ponta-cabeça dentro de um recipiente cheio de água. E só desafogue o santinho depois que ele lhe arrumar um par.

Neném Prancha, técnico de futebol

Revólver descarregado e praga de meio-dia Meio-dia é um horário temido para muitos. “É uma das horas abertas em que o Diabo se solta, os doentes pioram, os feitiços ganham poderio nas encruzilhadas desertas”, explica Câmara Cascudo. Ele ainda sugere que não se pragueje, cante alto, assobie e tampouco abra os braços quando os ponteiros do relógio marcarem meio-dia. O folclorista ainda lembra da frase de um professor: “Só temo neste mundo a revólver descarregado e praga ao meio-dia!”.

E que tudo mais vá pro paraíso A vida de Roberto Carlos é cercada de manias e superstições. O cantor evita a cor marrom, passa longe do número 13 e adora se vestir de azul. Nunca usou a expressão “fita demo”, aquelas fitinhas cassete para demonstrar o trabalho. Prefere “fita amo”. Durante anos se recusou a tocar um dos principais sucessos do início da carreira, Quero que Vá Tudo pro Inferno, por causa da palavrinha diabólica. Certa vez, numa coletiva de imprensa, o organizador colocou a canção para tocar. Na hora do refrão, em vez de entrar a palavra da discórdia, surgiu a voz de Cid Moreira recitando um salmo da Bíblia.

Da Europa veio a crença de que gato preto dá azar. Saiba o que falam sobre o pobre bichano: O patuá é um amulet Transmite asma e coqueluche. Só curáveis ao comer a carne do gato assada. Não ama seus donos, mas sim a casa em que vive. Por isso, ao se mudar, é preciso levar o gato dentro de um saco para que não saiba aonde está indo. Também é preciso passar azeite no focinho do bichano, para que perca o faro e não encontre o caminho de volta. O diabo constantemente toma a forma de um gato preto. Se pisar no rabo de um gato, o sujeito não se casará durante um ano.

o fe com a cor e o nome ito de determinado orixá. Pode conter conchas,. ou ervaso. s a g n a ç i m roteçã p r e t b ara o Serve p Agosto 2009

21


relha o a r i t n Se se ardendo, alguém está faland o mal de vo Imediata cê. mente de v e-se m cola

rinho da order o camisa. O morderá fofoqueir a própria o língua.

Lampião se deu mal em Mossoró

Em 1927, um comparsa de Lampião sugeriu atacar Mossoró, no Rio Grande do Norte. Ideia rechaçada pelo capitão. Primeiro por ser devoto de santa Luzia, a padroeira do município. E depois por não gostar de atacar cidades que tivessem quatro igrejas – ou “quatro torres”, como dizia. Mas, de tanto insistir, acabou aceitando o ataque, sob a justificativa de que o povo da cidade era pacato, até covarde. Resultado: o capitão sofreu uma vexatória derrota no embate com os mossoroenses. 22

Entrar na casa de Santos Dumont? Só com o pé direito Quer saber mais uma invenção de Santos Dumont? Na casa que construiu, em Petrópolis, a escada de acesso tinha apenas um pedaço de madeira do lado direito – o equivalente a meio degrau. Ou seja: o visitante era obrigado a começar a visita com o pé direito. A casa existe até hoje, e se tornou um museu em memória do supersticioso pai da aviação.

asta f a a d

Arru

maus espíritos,

doenças e outras enf ermidade s.

www.almanaquebrasil.com.br

nuário O sapo de São Ja

Em 1937, estava marcado um jogo entre Vasco da Gama e Andaraí. Mas a delegação vascaína se atrasou devido a um acidente de trânsito. O árbitro já cogitava encerrar a partida e proclamar o Andaraí vencedor. Mas os jogadores, compreensivos, pediram para esperar um pouco mais. Mesmo sob uma chuva torrencial. Os vascaínos chegaram e fizeram pouco caso do fair play: meteram impiedosos 12 a 0. O ponta-esquerda Arubinha resolveu se vingar. Afirmou que havia enterrado um sapo no campo do Vasco e rogado uma praga: “Se houver um Deus no céu, o Vasco da Gama há de ficar 12 anos sem ganhar”. Um ano por gol sofrido naquela tarde chuvosa. E, de fato, o Vasco passou a não ganhar nada. Até que um dia um dirigente do clube chamou Arubinha para conversar. “Vamos esquecer aquela história. A partir de agora você trabalhará aqui no clube, com um ordenado bom. Mas me diga uma coisa: onde está o sapo?” Arubinha confessou que não havia sapo algum, e prometeu retirar a praga. Oito anos depois do massacre do Andaraí, o Vasco se tornou campeão invicto.

, amazônica m e ig r o e D o muiraquitã simboliza a felicidade no ca samento. O amulet o era ofer pelas ecido í aos h ndias icam iabas que omens visit avam a trib o.

A figa surgiu na Roma antiga e m culto à fertilid ade.

O polegar entr e o indicador e o dedo méd simboliza o at io o sexual. Tem pos depois passou a ser u sada para afas tar maus-olh e feitiços. Se ados perder uma fi ga, não se preo em procurá-l cupe a. Toda a carg a negativa qu recairia sobre e você foi embo ra com ela.


Azar ou sorte?

É notório que o número 13 dá azar, certo? Menos para o técnico Zagallo, que vê o 13 em tudo – e sempre como um sinal de bom presságio. Após vencer a Copa América de 2004 contra a Argentina, o Velho Lobo disparou a pérola: “‘Argentina vice’ tem 13 letras!”. “‘Brasil sem hexa’ também”, lembrou um argentino maldoso, dois anos depois.

Passa ra um há virada do an bito in spirad o de branco de orige é o em r m africa na. Simb eligiões ol pureza e paiza z. Mas muita gente não esquece e amarelo de um detalh rair dinheiro. para at

Além das bruxas Para afastar visitas indesejáveis, recomenda-se colocar uma vassoura de ponta-cabeça atrás da porta. Não se deve deixar crianças brincarem de montar nelas, sob pena de tornarem-se infelizes. Varrer à noite afasta a tranquilidade da casa. Quando a vassoura ficar velha, deve-se queimá-la em vez de jogar fora. É para manter a felicidade do lar.

A cibernética (e assustadora) menina Samara As correntes de internet já se tornaram uma praga dos nossos tempos. E existe de todos os tipos: para encontrar o amor, se tornar rico, achar um bom emprego. Basta que o internauta repasse a mensagem para determinado número de e-mails. Uma das correntes mais assustadoras – ou cômica – é a da menina Samara: Oi, meu nome é Samara, tenho 14 anos (teria se estivesse viva), morri aos 13 em Cascavel-PR [...] Envie isso para 20 amigos e minha alma estará sendo salva por você e pelos outros 20 que receberão. Caso não repasse essa mensagem vou visitar-lhe hoje à noite. Não quebre essa corrente por favor, a não ser que queira sentir a minha presença. Pelo sim, pelo não, Samara tornou-se uma celebridade da internet.

es s embarcaçõ a d te r a p a o B ncisco traz a do rio São Fra imagem de uma assustadora carranca na proa. Os ribeirinhos acreditam que a imagem ajuda a espantar os seres misteriosos que vivem nas águas do rio.

Que a seleçã o brasileira se cuide

Uma feiticeira local diz ter a re ceita para fazer a se leção da África do Sul vencer a Copa de 2010. “Basta eu pass ar sangue de co elho nos jogadores antes das partid as.”

Sal: confiança ou traição?

23

Tanto na Europa quanto no Brasil, o sal é um símbolo da amizade. “Não te deves fiar senão daquele com quem já comeste um moio de sal”, relembra o folclorista Pedro Chaves. Agora derramar o sal é um símbolo do repúdio e da traição. Não à toa, Leonardo da Vinci retratou a Santa Ceia com o saleiro caído diante de Judas. Também era hábito cobrir de sal o chão da propriedade dos condenados. Foi o que aconteceu com Tiradentes antes do enforcamento. Para que nada mais cresça, impõem os detratores.

o prato

deve ser o c r o p e Carne d incipal do réveillon.

pr

Como o animal fuça pra frente, garante prosperida de o ano tod o. Já o per u deve s Ele cisca er evita do. pra trás .

(Global, 20 01) . s da Câmara Cascudo tição no Brasil, de Luí ers Sup is Ma iba Sa ns do Globo Repórter E, assista a report age No site do AL MA NAQU sobre supers tições.

Agosto 2009


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.