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Texto: Bruno Hoffmann Arte: Guilherme Resende
Arena, Oficina, TBC, Macunaíma. Estes e outros grupos paulistanos ajudaram a criar uma nova cara para o teatro brasileiro. Incorporaram o espírito de vanguarda para transformar a cidade no pólo mais efervescente das artes cênicas do País. Sente-se e faça algum silêncio. Este Especial vai contar a história do moderno teatro paulistano a partir de suas notórias companhias. O terceiro sinal já vai soar. Que se abram as cortinas...
K.D. CZERNY/ARQUIVO FUNARTE
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o grupo os comediantes em VESTIDO DE NOIVA: INSPIRAÇÃO para o moderno teatro paulistano.
ue o leitor não se espante. Já no primeiro século de Brasil se fazia teatro por estas terras. Padres jesuítas promoviam a catequização dos índios com apresentações cênicas que misturavam temas do dia-a-dia das tribos com símbolos religiosos. Padre Anchieta, por exemplo, escreveu autos encenados por séculos. Depois, com a chegada da Família Real no século 19, houve um momento de intenso avanço. Um dos primeiros decretos reais exigia a construção de “teatros decentes”. Passou-se por fases de nacionalismo, realismo e comédia de costumes. Até que, em 1943, um grupo de intelectuais cariocas, batizado de Os Comediantes, resolveu nos colocar na era
da vanguarda. A encenação de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, foi o marco inicial do que conhecemos como teatro moderno. Apesar de serem do Rio, a inspiração estava nos ideais da Semana de Arte Moderna de 1922, ocorrida em São Paulo. Logo depois, a via se inverteu: foi a vez de São Paulo se inspirar nos cariocas para consolidar um teatro vanguardista na cidade. Nascia o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). De lá para cá, a capital paulista se tornou o pólo mais efervescente das artes cênicas do Brasil, sempre interagindo com o teatro de alta qualidade que foi e continua sendo feito nos quatro cantos do País – assunto para pelo menos mais 10 anos de A lmanaque.
FOLHA IMAGEM
Se Os Comediantes inauguraram o teatro moderno, o paulistano Teatro Brasileiro de Comédia o profissionalizou, a partir do ideal do italiano Franco Zampari. Em meados dos anos 1940, Zampari produziu diversas peças na cidade, mas se ressentia da falta de estrutura para as artes cênicas. Era tudo mambemFRANCO ZAMPARI be demais. Decidiu mudar a história. Com a ajuda de empresários, comprou um casarão no bairro da Bela Vista e inaugurou o TBC. O lugar tinha estrutura de causar inveja até nos mais abastados grupos atuais. Havia 18 camarins, sa-
ARQUIVO FREDI KLEEMANN/IDART
O PROFISSIONALISMO INAUGURAL DO TBC
MONTAGEM DE A DAMA DAS CAMÉLIAS (1951).
las de ensaio, de leitura, marcenaria – sem contar toda a equipe de apoio necessária. E, claro, os melhores atores da época. As montagens eram modernas e sofisticadas, quase todas de autores estrangeiros. Não havia espaço para experimentalismos. Afinal, era preciso pagar as contas. Ao longo de sua existência, o TBC reuniu sucessos extraordinários e fracassos retumbantes. Fechou as portas em 1964.
QUEM PASSOU PELO TBC Walmor Chagas
Nydia Lícia Cleyde Yáconis
Sérgio Cardoso
Tônia Carrero
Paulo Autran
Cacilda Becker
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FOLHA IMAGEM
O NACIONALISMO ENGAJADO DO ARENA O Teatro de Arena havia colecionado péssimos momentos. Suas encenações, que ainda não tinham uma linha definida, ELENCO DE BLACK-TIE. ora atraíam público, ora ficavam às moscas. A situação se alterou em 1958, com a primeira apresentação de Eles não Usam Black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Nela, a classe operária era mostrada às claras, sem rebuscamentos
ou artificialismos. Os temas sociais passaram a ser o principal assunto do grupo. “O Teatro de Arena evoca, de imediato, o abrasileiramento do nosso palco”, explicou o crítico Sábato Magaldi. As peças nesse estilo foram se somando, uma após a outra. Revolução na América do Sul (1960), O Testamento do Cangaceiro (1961), Arena Conta Zumbi (1965), Arena Conta Tiradentes (1967). Com a opressão militar cada vez mais intensa, aos poucos seus integrantes foram se afastando; uns voluntariamente, outros para o exílio. Ainda assim, a marca de brasilidade nos palcos continuou inspirando grupos pelo País afora.
ASSOU PELO AREN A EM P U Q
Ahn?
Milton Gonçalves
Gianfrancesc
Flávio Migliaccio Augusto Boal
o Guarnieri
Joana Fomm Juca de Oliveira
Lima Duarte
I
magine-se num ônibus em São Paulo. Em dado momento, embarca um passageiro com curativo no olho esquerdo. Até aí, normal. Ele desce após dois pontos e sobe outro, também com um dos olhos encobertos. Dois pontos depois, a mesma coisa. E de novo. E de novo. E de novo. Até o ponto final. Os passageiros de verdade nada entendiam. Era apenas uma das intervenções que o grupo Viajou sem Passaporte fazia no fim dos anos 1970.
Dina Sfat
Setembro 2008
O PROVOCATIVO OFICINA Direito do Largo São Francisco, da USP. A companhia ultrapassou o tempo (e o assombro dos mais conservadores) e existe até hoje, comandada por seu polêmico e inventivo diretor. Desde 1958 levou ao palco peças como O Rei da Vela (1967), de Oswald de Andrade, Pequenos Burgueses (1963), de Máximo Gorki e Os Sertões (2002-2006), baseado na obra de Euclides da Cunha. Leia mais sobre o Oficina na página 7 deste Almanaque.
acervo uh/folha imagem
Fim dos anos 1960, início da pior fase da repressão militar. A peça Roda Viva, de Chico Buarque, estava em cartaz em São Paulo. No fim de uma das apresentações, depois de exaustivos aplausos, o público dá lugar a uma nova audiência. Eram os membros do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), uma organização de extrema direita, dispostos a destruir o cenário e CENA DE RODA VIVA. espancar os atores. Sentiam-se ofendidos com a montagem provocativa, visceral e desconcertante de Zé Celso Martinez Corrêa, diretor da peça e do Teatro Oficina. Sacudir a platéia com apresentações surpreendentes sempre foi característica do grupo fundado em 1958, na Faculdade de
QUEM PASSOU PELO OFICINA
Renato Borghi
Raul Cortez
Célia Helena
Bete Coelho
integrantes do união e olho vivo.
que viviam sob o Viaduto Guadalajara, na zona leste de São Paulo. O União e Olho Vivo foi criado em 1968, da junção dos grupos Teatro Onze – de estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco – e Teatro Casarão, formado por porteiros de clube, guardas de banco, engraxates e operários.
O LIBERTÁRIO MACUNAÍMA Antunes Filho já era um diretor rede oferecer melhores condições para conhecido no meio teatral quando, pesquisas, ensaios e apresentações. em 1977, decidiu montar o espetácuA tal ponto que a história de ambos lo Macunaíma, de Mário de Andrade. se confundem. Os atores, todos jovens, davam pitacos à A característica predominante do vontade durante os ensaios. O resultado Macunaíma é a busca da liberdade dessa criação coletiva é considerado um total do ator. Ou seja, que se livrem marco nas artes cênicas nacionais. Com dos dogmas aprendidos nas escocerca de 900 apresentações no País e no exlas de teatro. Antunes Filho eximontagem da peça que dÁ nome ao grupo. terior em 10 anos. ge profissionais expressivos, aberSe as diversas encenações eram sinais de sucesso, também eram tos a experimentos e sem vícios nas interpretações. um transtorno logístico para o Grupo Macunaíma, que começou São notórias as preparações, que vão da psicologia ao a se aproximar do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc-SP, capaz zen-budismo. FOLHA IMAGEM
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O grupo paulistano de teatro amador União e Olho Vivo, comandado por César Vieira, é um dos raros que podem afirmar já ter se apresentado para papas e mendigos. Em 1996, a trupe encenou Us Juãos i os Magalis para João Paulo II em sua casa de campo na Itália. Meses depois, apresentava Barbosinha Futebó Crúbi para 100 mendigos
aRQUIVO/AE
HOLOFOTES NA PERIFERIA
QUEM PASSOU PELO MACUNAÍMA Cacá Car valho
Flavia Pucci
Giulia Gam
Luis Melo
Laura Cardoso
Praça Franklin Roosevelt. O espaço da região central da cidade que há poucas décadas estava em franca decadência é o lugar onde ocorre uma das cenas mais importantes do teatro paulistano atual. Os Satyros resolveram que lá seria seu novo endereço em 2000. A novidade agitou o local, antes famoso apenas pela freqüência de prostitutas e traficantes. Além do surgimento de outras salas, receberam um novo vizinho poucos anos depois: a companhia Parlapatões, de forte influência da linguagem circense. Criou-se então uma outra cara para o lugar. Espetáculos de domingo a domingo e simpáticos bares evocam os áureos tempos teatrais da região do Bixiga, a poucas quadras dali. No início do ano, Os Satyros estavam com 20 peças em cartaz. A situação
LUCIANA CAMARGO
A PRAÇA É NOSSA
OS SATYROS, EM DIVINAS PALAVRAS (1997).
deve ficar ainda melhor. A Prefeitura promete uma reforma urbanística radical na praça, que atualmente possui uma aparência pouco convidativa.
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MANDRÁGORA/DIVULGAÇÃO
Algumas das inúmeras companhias que se destacam na atual cena paulistana.
O CÍRCULO DE GIZ CAUCASIANO/ DIVULGAÇÃO
Considerado um dos mais importantes grupos teatrais surgidos nos anos 1990, o Teatro da Vertigem se notabilizou por montar uma épica trilogia bíblica: Paraíso Perdido, O Livro de Jó e Apocalipse 1,11.
O LIVRO DE JÓ /FOLHA IMAGEM
Liderado pelo diretor Eduardo Tolentino, o Grupo TAPA nasceu no Rio, mas se transferiu para São Paulo. Mantém uma rigorosa dramaturgia, com intensa e criteriosa pesquisa de autores nacionais e estrangeiros.
Boa parte das peças do Grupo XIX de Teatro é encenada num casarão de uma ex-vila operária do bairro do Belenzinho, na zona leste da capital. A arquitetura e a iluminação natural entram nos enredos, baseados em dramas humanos e sociais.
I SA BA MAIS
HYSTERIA/ADALBERTO LIMA
Donos de uma linguagem crítica e criadores de encenações desprovidas de demasiados efeitos cenográficos, há 11 anos os integrantes da Companhia do Latão montam peças nas quais discutem, de forma implícita ou explícita, a mercantilização da cultura.
Cem Anos de Teatro em São Paulo, de Sábato Magaldi e Maria Thereza Vargas (Senac, 2001). Imagens do Teatro Paulista, organização de Mariângela Muraro Alves de Lima (Imprensa Oficial,1985).
Setembro 2008