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Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras
Organizado por:
João Roberto Lopes Pinto
Brasília 1a edição 2012
Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza - Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Organizado por João Roberto Lopes Pinto Brasília, 1a edição, 2012.
ISBN 978-85-88232-05-1 1. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES 2. Salvaguardas socioambientais 3. Financeirização da natureza 4. Ambientalização das Instituições Financeiras 5. Violações de Direitos Humanos 6. Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Edição: Patrícia Bonilha Revisão: Daniela Lima Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com
Apoio:
Ambientalização dos Bancos e Financeirização da Natureza Um debate sobre a política ambiental do BNDES e a responsabilização das Instituições Financeiras
Organizado por:
João Roberto Lopes Pinto
Brasília 1a edição 2012
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SUMÁRIO 7
Apresentação - Coordenação RB
9
Introdução - João Roberto Lopes Pinto
19
BNDES e violações de direitos - Marilda Teles Maracci
31
Ambientalização dos bancos: da crítica reformista à crítica contestatária - Fabrina Furtado e Gabriel Strautman
55
Banco Mundial: um exemplo para o BNDES? - Lucia Ortiz
75
A responsabilidade do BNDES pelas violações de direitos humanos - Jadir de Anunciação de Brito
94
Considerações e Recomendações - João Roberto Lopes Pinto
111
A história se repete como farsa - Diana Aguiar
Contexto Internacional
Contexto Territorial
131
BNDES e violações de direitos: fichário dos casos - Marilda Teles Maracci Caso TKCSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico Caso UHE Belo Monte Caso UHE Santo Antônio e UHE Jirau Caso Veracel Celulose Caso Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016) Caso Vale Moçambique
O Estado brasileiro tem financiado a destruição da natureza: impactos em suas populações
6
Apresentação
Coordenação Nacional da Rede Brasil*
C
om um acúmulo de quase duas décadas na articulação e
Teles Maracci, aprofundadas em um fichário apresentado no
luta contra-hegemônica no campo do monitoramento
final da publicação, colocam em xeque a abordagem da política
crítico das Instituições Financeiras Multilaterais (IFMs), a
socioambiental do BNDES.
Rede Brasil apresenta esta publicação com o objetivo de contribuir
As contradições do modelo de desenvolvimento, promovido
para o debate sobre a atuação e as políticas socioambientais
pelas IFMs e defendido pelo Estado brasileiro, capturado pelas
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
corporações que compõem os blocos hegemônicos de poder no
(BNDES). Outro propósito que se busca alcançar aqui é a
cenário nacional, são abordadas nos textos de Fabrina Furtado e
valorização das experiências de resistência nos territórios,
Gabriel Strautman, ex-secretários executivos, e por Lúcia Ortiz e
desenvolvidas pelas organizações-membros e pelas parceiras da
João Roberto Lopes Pinto, membros da Coordenação Nacional
Rede, diante de projetos e políticas destas instituições.
da Rede Brasil. Estes autores explicitam as semelhanças das
Desafiada a aportar na análise sobre as salvaguardas
políticas socioambientais em desenvolvimento pelo BNDES
socioambientais do BNDES, como estratégia potencial de controle
vis-à-vis o processo de ambientalização do financiamento ao
social de um dos maiores bancos públicos de desenvolvimento
desenvolvimento acompanhado de estratégias de financeirização
do mundo, a Rede Brasil desenvolveu este estudo com o apoio
da natureza promovidas pelo Banco Mundial.
financeiro da articulação de fundações CLUA (Climate and
Na sequência, o estudo aponta perspectivas baseadas em uma
Land Use Alliance). Aliando conhecimentos e a expertise de
estratégia política de abordagem jurídica sobre a responsabilidade
pesquisadores de diversas áreas, a Rede buscou fortalecer o
subsidiária dos agentes financeiros, apresentada por Jadir Brito,
debate interno, apresentado aqui por ex-secretários executivos
e apresenta recomendações para a atuação da Rede Brasil e dos
e membros da sua Coordenação, articulado ao acúmulo de
movimentos sociais que, de forma mais ampla, convergem para
redes parceiras, como a Plataforma BNDES e a Rede Brasileira
uma maior e necessária incidência da sociedade organizada sobre
de Integração dos Povos (Rebrip), e à valiosa colaboração
o BNDES e os rumos de desenvolvimento do país.
acadêmica de especialistas na área jurídica e de análise de
O texto complementar de Diana Aguiar apresenta uma análise do
conflitos socioambientais. São textos autorais que não expressam
contexto internacional de fortalecimento e reconfiguração das IFMs
necessariamente o posicionamento da Rede Brasil, mas que
no período pós-crise financeira de 2008. Fruto de um projeto apoiado
convergem e contribuem para as conclusões e recomendações
pela Fundação C.S. Mott, este artigo integra a proposta da Rede Brasil
deste processo de debates empreendido pela Rede.
de atualizar-se sobre o novo papel das IFMs e a atuação do G20.
O primeiro artigo é fundamentado em casos concretos que
Como parte do processo de incidir sobre o tema do
explicitam os impactos socioambientais e as violações de direitos
financiamento ao desenvolvimento e, especialmente, sobre
humanos de projetos financiados pelo BNDES, tanto dentro
o BNDES, a Rede Brasil participou de debates regionais,
como fora do Brasil. As evidências elencadas no texto de Marilda
organizou oficinas e publicou duas revistas Contra Corrente 7
com os temas da ambientalização do financiamento e da
de todo este acúmulo e dos diversos ângulos de análise brindados
financeirização da natureza. Nesse contexto, merece destaque a
pelos autores. Ela também é reforçada em um contexto em que as
oficina “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES:
estratégias e políticas socioambientais das instituições financeiras,
Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?”.
longe de garantir os direitos das populações ou reconhecer
Realizada em Rio Branco, no Acre, em outubro de 2011, esta atividade
os direitos da natureza, representam novas formas de impor a
foi promovida com o apoio do Fórum da Amazônia Ocidental
velha ideologia neoliberal e implementar, ao mesmo tempo que
(Faoc), do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação
mascarar, um novo ciclo de acumulação do capital. Tendo como
Popular (CDDHEP), da CLUA e da Fundação Heinrich Boell.
base o aprofundamento da apropriação dos espaços e serviços
Antecipada por visitas a campo, a oficina priorizou os testemunhos de organizações, pesquisadores, trabalhadores e trabalhadoras das diversas regiões da Amazônia. A partir dessa
dos bens comuns e da vida num sentido mais amplo. Neste momento de reconfiguração da economia, as mesmas
perspectiva, o debate abordou, principalmente, o distanciamento
instituições financeiras geradoras das crises se fortalecem,
entre os anseios e propostas populares para a sustentabilidade
apresentando-se como uma “solução”, a ponto de lograrem
na Amazônia e a real possibilidade de resguardo de direitos
em substituir a política e os direitos por suas condicionantes e
diante da implementação de projetos definidos pelas políticas
salvaguardas. Enquanto atuam para garantir privatizações, demissões
de aceleração do crescimento econômico, financiadas pelos
massivas, redução dos benefícios e perda dos direitos conquistados
bancos de desenvolvimento. Esta oficina também trouxe à tona o
pelos trabalhadores no Norte Global, avançam, no Sul, suas políticas
questionamento sobre a efetividade da estratégia de salvaguardas,
de privatização da gestão ambiental e de apropriação do intangível.
especialmente quando são definidas pelas instituições financeiras,
Através de reformas políticas e novas leis, permite-se classificar os
sem adequadas condições de participação e controle social e de
componentes da natureza como “capital natural” para que os bancos
respeito e incorporação das visões locais de desenvolvimento.
e as corporações os transformem em títulos financeiros que podem
A Rede Brasil, com base de definições de suas Assembleias de 2007, 2010 e 2012, como membro fundador da Plataforma BNDES
ser especulados em bolsas de valores. É, portanto, mais do que nunca necessário rever os velhos
e integrante do Grupo Operativo desta articulação, decidiu
discursos e formas de atuação das instituições financeiras e
focar sua contribuição nas estratégias de responsabilização do
fortalecer a resistência e a mobilização social no questionamento
BNDES. Neste sentido, ancora-se em sua própria experiência
do papel do Estado no atual modelo de desenvolvimento.
no monitoramento crítico das políticas e salvaguardas
Esperamos que as diversas contribuições deste estudo aportem na
socioambientais das IFMs, na articulação regional e internacional
reflexão das organizações, redes e movimentos sociais para além
com organizações sociais e redes parceiras para a denúncia dos
do âmbito da Rede Brasil e animem ações da Plataforma BNDES
impactos da atuação nacional e internacional do BNDES e no
no controle social e redirecionamento de um dos maiores bancos
papel deste Banco e das IFMs na geração de dívidas e violações
públicos na busca por justiça econômica, social e ambiental.
de direitos sociais e ambientais na implementação de projetos relacionados à infraestrutura e aos megaeventos esportivos. A tese da responsabilização subsidiária do BNDES, fortalecida nos debates realizados na IX Assembleia Geral da Rede Brasil, que contou com a presença do Ministério Público Estadual do Pará, além dos pesquisadores desta publicação, é defendida aqui a partir 8
públicos, este ciclo também se fundamenta na financeirização
* A partir de 17 de agosto de 2012, data de encerramento da IX Assembleia Geral da Rede Brasil, a sua Coordenação Nacional passou a ser composta das seguintes organizações: Amigos da Terra Brasil, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará e Instituto Mais Democracia. No entanto, é importante ressaltar que esta publicação foi concebida e produzida pela Coordenação anterior, composta por: Amigos da Terra Brasil, Centro de Pesquisa e Assessoria - Esplar, Fórum da Amazônia Ocidental (Faoc), Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e Rede Alerta Contra o Deserto Verde.
Introdução João Roberto Lopes Pinto*
O
presente estudo se inscreve no contexto de
democratizar e transformar as práticas do banco em prol do
monitoramento e incidência sobre o Banco Nacional
desenvolvimento com justiça social e ambiental.
de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
O BNDES, um dos maiores bancos de desenvolvimento
realizado, desde 2007, tanto pela Rede Brasil sobre Instituições
do mundo, não possui política de transparência, de acesso
Financeiras Multilaterais como pela Plataforma BNDES,
à informação, não aplica critérios de gênero e raça nem
articulação de organizações e movimentos sociais brasileiros
salvaguardas socioambientais que tenham sido construídas
voltada a democratizar o referido Banco, da qual a Rede Brasil é
sob o controle ou com participação da sociedade civil. Ao
membro fundador.
mesmo tempo, o Banco viabiliza projetos controversos, de alto
Em sua última reunião geral, ocorrida na Escola Florestan
risco socioambiental e com elevada concentração dos fluxos
Fernandes em junho de 2011, as organizações que compõem
financeiros a grandes empresas nacionais atuando dentro e
a Plataforma BNDES reafirmaram que “a crítica ao padrão
fora do Brasil.
de financiamento do BNDES que sustenta o modelo de
A partir da exigência de um empréstimo do Banco Mundial
desenvolvimento em curso é o ponto central de unificação
direcionado às políticas de gestão ambiental - aprovado em 2008
da Plataforma”. Após estes cinco anos de atuação, percebe-se
e um dos maiores recebidos na história das relações do Brasil com
que as questões levantadas pela Plataforma não apenas
o Banco - o BNDES comprometeu-se com o desenvolvimento de
permanecem justas e necessárias, mas ganharam um
uma política de salvaguardas sociais e ambientais, sem ter tornado
sentido de urgência dadas a escala alcançada pelo BNDES no
público e transparente o processo ou os procedimentos resultantes
financiamento ao desenvolvimento e as resistências do Banco,
deste compromisso.
ainda muito fortes, em se abrir para um debate mais amplo com a sociedade organizada. Como um dos eixos prioritários de seu plano de ação, as organizações da Plataforma defendem a “corresponsabilização e responsabilização judicial do BNDES: a Plataforma reunirá
Através de um projeto apoiado pelo consórcio Climate and Land Use Alliance (CLUA), a Rede Brasil contratou este trabalho com três objetivos/hipóteses, assim descritos no termo de referência que orientou o presente estudo: “1) Demonstrar, através de estudos de caso concretos que
argumentos para comprovar a responsabilidade judicial do
envolvam a violação de leis nacionais e acordos internacionais
BNDES pelas violações de direitos dos trabalhadores e das
e a aplicação de instrumentos jurídicos por parte do Ministério
populações atingidas pelos empreendimentos financiados
Público ou da sociedade civil organizada, que o fortalecimento
pelo Banco”. Nesse sentido, a Rede Brasil assumiu a tarefa
e aplicação das leis nacionais constituem uma via passível de
de subsidiar o processo de aprofundamento das discussões
corresponsabilização do BNDES e de pressão pela adequação
sobre salvaguardas socioambientais e corresponsabilização
das suas políticas sociais e ambientais.
do BNDES como via de controle social e de pressão pública a
2) Analisar os êxitos, falhas e desafios das políticas de critérios 9
e salvaguardas ambientais e dos instrumentos de compliance
Já na quarta seção, o pesquisador Jadir Brito empreende
por parte de Instituições Financeiras Multilaterais como o Banco
uma análise, partindo do caso do BNDES, do processo de
Mundial vis-à-vis o processo de construção de políticas e
ambientalização das instituições financeiras, bem como
salvaguardas socioambientais no BNDES.
do marco legal da “responsabilidade solidária” do agente
3) Explicitar as contradições nas políticas de salvaguardas
financeiro por danos sociais e ambientais associados aos
sociais e ambientais do Banco Mundial e sua incorporação
projetos financiados. Por fim, o pesquisador João Roberto Lopes
nas políticas do BNDES, sem transparência e por meio de
apresenta um conjunto de Considerações e Recomendações a
empréstimos que impliquem o ajuste estrutural das políticas
partir do estudo realizado, no intuito de responder não apenas
ambientais nacionais, no sentido de sua flexibilização e não de
aos objetivos/hipóteses inicialmente propostos, mas também
sua salvaguarda”.
de contribuir para a atuação da Rede Brasil no monitoramento e
Para dar conta destes objetivos, o estudo foi subdividido em quatro partes, que ficaram a cargo de diferentes
incidência sobre o BNDES. Para que se possa melhor contextualizar este estudo, é
pesquisadores. Na primeira parte, a pesquisadora Marilda
importante descrever, mesmo que brevemente, sobre o
Maracci sistematiza casos de violações de direitos associadas
histórico da Rede Brasil, o papel e a importância do BNDES,
a empreendimentos financiados pelo BNDES. O estudo
a trajetória da Plataforma BNDES e, por fim, a “Política
se baseia nos seguintes casos de megaprojetos: Usinas
Socioambiental do BNDES”.
Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Porto Velho (RO), e de Belo Monte, em Altamira (PA); Polo Siderúrgico da
Histórico da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA),
Multilaterais
no Rio de Janeiro (RJ); monoculturas de celulose da Veracel, na Bahia; Megaeventos esportivos (Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016); e o projeto da Vale de extração de carvão no
perspectiva crítica sobre o financiamento ao desenvolvimento.
distrito de Moatize na província de Tete, em Moçambique. Na
Dentre suas 80 organizações filiadas, estão movimentos sociais,
sistematização, além das características do empreendimento
entidades sindicais, institutos de pesquisa e assessoria, associações
e da participação do Banco, foram levantados os impactos
profissionais e ONGs de todas as regiões do país, com atuação
sociais e ambientais, bem como ações judiciais existentes.
em âmbito local, regional e nacional. Essas organizações
Na segunda parte, os pesquisadores Fabrina Furtado e Gabriel
trabalham em diversos temas e setores das políticas públicas,
Strautman contextualizam e analisam a efetividade do processo
como educação, saúde, trabalho, seguridade social, infância,
de construção e aplicação de salvaguardas socioambientais e de
infraestrutura, gênero, meio ambiente, agricultura, reforma agrária,
mecanismos de participação e resolução de conflito pelas IFMs,
urbanização, planejamento econômico, entre outros.
particularmente pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano
O objetivo geral da Rede Brasil é ser articuladora da sociedade
de Desenvolvimento (BID), e sua relação com o BNDES. Na terceira
civil brasileira, através de suas representações, para atuarem
parte, a pesquisadora Lúcia Ortiz recupera e avalia a influência
como sujeitos no monitoramento, na elaboração e execução
recente do Banco Mundial, através de empréstimos, estudos
das políticas públicas e no acompanhamento de ações pontuais
e cooperação técnica, na formulação das políticas públicas na
do setor privado, garantindo, principalmente, os interesses da
área de meio ambiente no Brasil, bem como a reprodução deste
sociedade diante das Instituições Financeiras.
modelo e receituário pelo BNDES. 10
A Rede Brasil tem como tema central de sua atuação uma
A constituição da Rede Brasil, em 1995, foi resultado de dois
anos de debate e avaliação crítica entre diversas organizações e
Desde a VII Assembleia Geral, realizada em 2007, a Rede
movimentos sociais sobre a atuação das Instituições Financeiras
Brasil passou a monitorar também as ações do BNDES, que,
Multilaterais (IFMs) no Brasil. Foram identificadas a amplitude,
atualmente, ocupa a posição de segundo maior banco de
a diversidade e a complexidade do conjunto de problemas
fomento do mundo. Vale dizer que foi durante a referida
em diferentes setores compreendendo políticas e projetos
Assembleia que Luciano Coutinho, presidente do BNDES,
do governo brasileiro com financiamento e assistência de
comprometeu-se com a agenda da Plataforma BNDES. Em
IFMs, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
2010, a Rede Brasil criou, no âmbito da sua coordenação, o GT
Desenvolvimento (BID).
BNDES, responsável por cuidar da agenda de acompanhamento
Ao mesmo tempo, identificou-se a ausência de mecanismos que favorecessem o enfrentamento destes problemas através de
do Banco por dentro da Rede e fazer a interlocução com a Plataforma BNDES.
processos nacionais. Era necessário compreender o tratamento de políticas e projetos financiados pelas IFMs no país como uma
O papel e a importância do BNDES
questão de interesse nacional, com ênfase nas responsabilidades das várias partes direta e indiretamente envolvidas, no governo e
Ao longo da sua história, o BNDES não assumiu apenas o papel
nas IFMs. Alguns dos marcos históricos da atuação da Rede Brasil
de vultoso financiador. Devido à qualificação técnica do seu
estão referidos nos artigos dos pesquisadores Fabrina Furtado,
corpo burocrático e do acesso às informações sobre os agentes
Gabriel Strautman e Lúcia Ortiz.
econômicos, este Banco contribuiu na modelagem das diferentes
Tal percepção levou à avaliação de que ações conjuntas ou articuladas da sociedade civil junto às IFMs e ao
etapas do desenvolvimento brasileiro. O BNDES foi peça-chave no fomento ao nacional-
governo brasileiro poderiam contribuir para a formação
desenvolvimentismo, patrocinando a investida do Estado em
de tais mecanismos e apresentar resultados mais amplos e
projetos de infraestrutura, insumos básicos e indústria de base,
eficazes para o enfrentamento e a superação dos problemas
voltados a dar suporte à industrialização do país, valendo-se do
identificados do que iniciativas individuais, fragmentadas e
modelo de “substituição de importações”. Com o esgotamento
dispersas, como vinha ocorrendo até aquele período.
deste modelo, no contexto de liberalização econômica dos anos
A Rede Brasil foi concebida basicamente para:
1990, o Banco tornou-se formulador, gestor e financiador do
::. Propiciar a socialização de informações sobre políticas
programa de desestatização, voltado a assegurar a “inserção
e projetos, fortalecendo o engajamento de grupos sociais
competitiva” do Brasil na economia global. Atualmente, o BNDES
interessados, afetados ou beneficiados, seus representantes e
tem contribuído, na esteira das privatizações, para a formação
organizações da sociedade civil em geral;
de grande grupos econômicos privados, sob o discurso dos
::. Servir como um fórum coletivo de discussão sistemática e
“campeões nacionais”, centrados no setor de commodities
permanente e facilitar a formação de consensos sobre as várias
(agropecuária, etanol, papel e celulose, mineração e siderurgia,
problemáticas identificadas;
petróleo e gás), com participações cruzadas nos setores de
::. Subsidiar a articulação entre organizações da sociedade civil
construção civil, hidroeletricidade e telecomunicações.
no país para ações e intervenções diante do governo e das IFMs;
É importante ressaltar que o BNDES foi o condutor oficial
::.Contribuir para o estabelecimento de canais de interlocução
e fornecedor de crédito para as privatizações no Brasil, que
com o governo e as IFMs sobre questões relativas a políticas e
alienaram centenas de companhias públicas a preços abaixo
projetos de desenvolvimento.
do mercado. Juntamente com consultorias internacionais, 11
o Banco elaborou os editais de privatização de estatais
mercante, saneamento, urbanização e metrôs. O PAC 2, lançado
e disponibilizou recursos públicos subsidiados para os
naquele mesmo mês, previa investimentos de R$ 958,9 bilhões
vencedores dos leilões de desestatização.
até 2014 e de mais R$ 631,6 bilhões em obras a partir de 2015 –
Como o modelo brasileiro das privatizações priorizou
totalizando R$ 1,59 trilhão (US$ 886 bilhões), para os quais o
a venda das estatais em blocos, estimulou a formação de
BNDES, a se manter a tendência atual, deve contribuir com
consórcios entre empresas, contando com a participação
mais de 50%.
também do BNDES no capital das empresas privatizadas.
Os beneficiários preferenciais do crédito do Banco têm sido os
Vários conglomerados dos setores de construção civil,
grandes grupos econômicos, forjados no contexto anteriormente
agricultura, extrativismo e energia, que hoje se expandem
descrito. Destacam-se aí os grupos Bradesco, Itaú, Votorantim/
internacionalmente graças ao crédito facilitado do BNDES,
Aracruz, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Grupo Vicunha, Queiroz
ganharam escala internacional exatamente a partir da
Galvão, Camargo Corrêa, Grupo EBX, Gerdau, Perdigão/Sadia,
incorporação do patrimônio público, via privatizações.
JBS/Bertin, Vale/Bradesco.
Nos anos 2000, com esses capitais já tendo alcançado internamente ao Brasil taxas de lucro e esquemas de acumulação
Tabela 1 - Desembolsos do BNDES
expressivos, foi ainda mais aprofundada a aliança histórica das
Valores
Ano
(em R$ bilhões)
2003
35,1
2004
40
2005
47,1
2006
52,3
2007
64,9
da Silva, os desembolsos do BNDES aumentaram em quatro
2008
92,2
vezes, tendo passado de R$ 35,1 bilhões (US$ 12,15 bilhões) para
2009
137,4
R$ 139,7 bi (US$ 74,5) no final de 2011, segundo ano do primeiro
2010
168,4
mandato de Dilma Roussef, sucessora e membro do Partido dos
2011
139,7
elites com o Estado brasileiro, que, com o impulso creditício do BNDES, dedicaram-se com vigor à internacionalização das empresas brasileiras. A concentração dos investimentos destes grandes grupos no setor de commodities responde, particularmente, à explosão de demanda por estes produtos na esteira do vigoroso e continuado crescimento chinês1. Desde 2003, primeiro ano do governo do ex-presidente Lula
Trabalhadores (PT), o mesmo de Lula (ver Tabela 1).
Fonte: sítio do BNDES na internet.
Esse crescimento da centralidade do BNDES pode ser bem exemplificado na participação do Banco no financiamento dos
Com este volume de desembolsos, o Banco é responsável
quase 400 projetos de infraestrutura que constavam da primeira
por 20%, em média, de todo o crédito no país. Sem dúvida, esta
etapa do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado
expressiva participação tem ajudado nas taxas positivas de
em 2007, que simboliza os governos Lula e Dilma e que está
crescimento da economia, mas com expressivos custos sociais
centrado em obras físicas – aquelas mais visíveis à população.
e ambientais não apreciados ou contabilizados. Os grandes
Os financiamentos do BNDES na primeira parte do PAC
12
projetos agropecuários,minerossiderúrgico, hidroelétricos e
somavam, em março de 2010, R$ 117,5 bilhões (US$ 66 bilhões)
extrativos têm gerado, por todo o país, graves impactos sobre
de um total de R$ 208 bilhões (US$ 116 bilhões) nos setores de
os territórios e o mundo do trabalho. No caso destes grandes
energia elétrica, petróleo e gás, rodovias, ferrovias e marinha
empreendimentos, o Banco se compromete, normalmente,
com o financiamento de 60 a 80% do valor total do projeto,
dos desembolsos para a região Nordeste, mas sem, contudo,
tornando-se desta forma fiador e viabilizador dele.
alterar o perfil desigual da distribuição regional: em 2010, o valor
Os recursos do Banco têm origem em quatro fontes principais: repasse do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), voltado para financiar atividades de geração de trabalho e renda e qualificação
dos desembolsos para o Sudeste foi de mais de cinco vezes o valor destinado para o Nordeste (ESTATÍSTICAS, 2012). A presença do BNDES no setor de micro e pequenas empresas
de mão de obra; o retorno dos créditos concedidos; os ganhos
é ainda menor se considerarmos que o Banco classifica como
com aplicações e participações; e repasses do Tesouro. A
microempresas empreendimentos com faturamento anual de
participação do FAT na receita do Banco é, em média, de 44%,
até R$ 2,4 milhões e pequena empresa com até R$ 16 milhões,
sendo, portanto, sua principal fonte de recursos. Sobre o peso
um valor dez vezes maior do que o que estabelece o Estatuto
dos repasses do Tesouro, vale assinalar que, de 2008 (no quadro
da Microempresa, R$ 244 mil e R$ 1,2 milhão, respectivamente.
da crise financeira internacional) até 2011, foram repassados R$
Estes dados revelam, de um lado, o reforço da desigualdade
230 bilhões por meio de emissões de títulos da dívida pública,
regional e, de outro, o insuficiente apoio aos setores mais
segundo dados do Relatório Gerencial do BNDES, de janeiro de
geradores de empregos.
2012 . Desse modo, os repasses do Tesouro já têm se constituído 2
O Banco também atua comprando ações no mercado de capitais por meio de sua subsidiária, o BNDESPar, cujo volume
na segunda fonte mais importante de receita do Banco. O Banco trabalha com diferentes taxas, sendo elas fortemente
de participações societárias em 2010 somava R$ 103 bilhões.
subsidiadas e com períodos de carência e pagamento dilatados
Com participações no capital dos principais grupos econômicos
nos empréstimos de longo prazo. Normalmente, o BNDES
privados do país, o Banco participava, em 2009, no capital de 22
trabalha com a taxa de juros de longo prazo, atualmente em 5,5%
das 30 maiores multinacionais brasileiras (ALMEIDA, 2009).
ao ano, acrescida da sua taxa de remuneração (spread) e taxa
São também conhecidos os casos de envolvimento direto do
de risco de crédito. Segundo um estudo produzido pelo próprio
Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,
Banco, a taxa média anual de remuneração, com maior peso na
como nos casos da Votorantim e Aracruz, Perdigão e Sadia, Itaú
composição da taxa final, caiu de 2,3%, em 2005, para 1,2%, em
e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin e na malfadada
2008 (GIAMBIAGI; RIECHE; AMORIM, 2009). No caso da Usina
tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês
Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, a previsão é que o consórcio
Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado
vencedor tenha cinco anos de carência e vinte para pagar.
pelo Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros. No
Segundo as estatísticas operacionais do BNDES, nos últimos dez anos, os desembolsos se concentraram, em média, 75% em empresas de grande porte e 55% na região Sudeste. No caso do porte das empresas, verifica-se, a partir de 2010, uma tendência de elevação dos desembolsos para as micro e pequenas empresas, mas que permanecem abaixo dos 20% do total desembolsado no período. Sobre a distribuição regional, verifica-se uma elevação importante, a partir de 2009,
caso, por exemplo, da Perdigão/Sadia, tal fusão representou, em
Tabela 2 Comparativo Desembolsos - US$ bilhões Ano
BNDES
BID
BID/Bird
2005
19,34
9,72
15,05
2006
24,03
11,83
18,32
2007
33,32
11,06
18,18
2008
50,26
10,49
18,1
2009
68,78
18,56
30,42
Fonte: Demonstrativos de desembolso BNDES, BID e Bird 13
publicada na imprensa, 80% dos seus financiamentos no exterior tinham como beneficiários as “quatro irmãs”: as empreiteiras Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. O Banco abriu, em 2009, um escritório de representação em Montevidéu, no Uruguai, e, em 2010, a “BNDES Limited”, na cidade de Londres. Esta nova subsidiária em território europeu tem como objetivos captar recursos e fortalecer os investimentos brasileiros no exterior. Além disso, ela foi indicada pelo próprio Luciano Coutinho como possível administradora do Fundo a ser constituído com os recursos gerados com a venda do petróleo da camada Pré-Sal. Ainda As populações têm seus direitos sistematicamente violados: em nome do lucro
em 2010, o BNDES abriu outra subsidiária, a Agência de Crédito à Exportação do Brasil SA – Exim Brasil, bem como um
alguns segmentos de produtos alimentícios, um controle de até
Fundo Garantidor do Comércio Externo. No final de 2011, o
80% do mercado, como alertado pelo Conselho Administrativo
governo brasileiro autorizou o Banco a patrocinar processos de
de Defesa Econômica (Cade), órgão responsável pela defesa da
aquisição e fusões de grupos brasileiros no exterior. Também
concorrência no país.
em 2011, o BNDES fechou, no âmbito dos BRICS (Brasil, Rússia,
A internacionalização de empresas brasileiras patrocinada
os bancos de desenvolvimento dos países do bloco. Nele,
Caribe e África Lusófona. Nesse sentido, o Banco vem
preveem-se a facilitação de transações e projetos em comum e
constituindo diferentes e agressivos mecanismos institucionais
a formulação de um arcabouço que possa prover financiamento
e financeiros para ampliar os investimentos destas mesmas
a projetos de interesse comum, visando à constituição de uma
empresas em outros países. É importante chamar a atenção
entidade interbancária no futuro.
para o fato de que a entrada do BNDES no financiamento
Se a escala alcançada hoje pela atuação do BNDES já
a projetos de empresas brasileiras no exterior não tem se
nos obriga a falar de uma nova centralidade do Banco, no
limitado à operação de linhas específicas de financiamento para
cenário que se projeta para a próxima década, seu papel
comércio exterior. Assiste-se, com efeito, a um processo rápido
tende a se agigantar em conexão com a oligopolização da
de internacionalização do próprio Banco, que hoje já supera
economia brasileira. Sem dúvida alguma, tal oligopolização,
em muito, em termos de desembolsos, o Banco Interamericano
com todos os seus passivos sociais e ambientais, vem sendo
de Desenvolvimento (BID) e o Banco Internacional para
concebida e fomentada deliberadamente como condição da
Reconstrução e Desenvolvimento (Bird),um braço do Grupo
internacionalização dos grandes grupos econômicos. Cabe
Banco Mundial (ver Tabela 2).
ressaltar, portanto, que a centralidade não se refere apenas
A partir de 2002, o Banco passa a financiar projetos fora
14
Índia, China e África do Sul), um acordo de cooperação com
pelo BNDES é notável, particularmente, na América Latina,
ao seu papel de financiador ou de mero executor de políticas
do país, com a contrapartida de que sejam contratados bens
definidas pelo governo federal. O Banco é também formulador
e serviços de empresas nacionais. A carteira do BNDES no
e compõe o centro decisório do governo sobre as políticas
exterior, somava US$ 13 bilhões em 2010. Segundo matéria
de desenvolvimento.
em duas agendas prioritárias: a adoção pelo Banco de uma Trajetória da Plataforma BNDES
política pública de informação e a adoção de critérios sociais e ambientais em seus financiamentos, particularmente
Em julho de 2007, a Plataforma BNDES nascia com o objetivo
para os setores de etanol e hidroelétrico. A forma como o
de incidir sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro, a
Banco recepcionou estas duas agendas revela o seu papel na
partir da atuação sobre o BNDES, órgão do Estado que exerce,
viabilização da concentração da economia brasileira.
historicamente, papel central no fomento e na formulação do
Após muitas pressões, o BNDES abriu, pela primeira vez na sua
desenvolvimento da base produtiva e financeira do país. O
história, de modo parcial, as informações sobre a sua carteira
documento “Plataforma BNDES”, encaminhado ao presidente do
de projetos. Em 2009, o Banco criou o “BNDES Transparente”.
Banco, Luciano Coutinho, em junho de 2007, traz um diagnóstico
No entanto, os dados constantes no sítio eletrônico do Banco
crítico sobre a atuação desta instituição financeira, bem como
cobrem apenas os projetos contratados a partir de 2008; antes
proposições no sentido da sua reorientação.
disso não se tem informação acerca dos projetos. Isso fere não
O diagnóstico já destacava a reorientação do Banco, a
apenas o princípio da publicidade na administração pública,
partir das privatizações dos anos 1990, como “agente de um
assegurado pelo Art. 37 da Constituição Federal, como também
desenvolvimento que persegue a ‘inserção competitiva‘ do País
contraria a lei de acesso à informação pública (Lei No12.527/2011),
no contexto global (...) no sentido de priorizar o atendimento
que entrou em vigor no dia 16 de maio de 2012.
dos mercados externos; favorecer setores exportadores, em
Já no caso dos critérios sociais e ambientais, o Banco vem
geral com baixa agregação de valor; e internacionalizar capitais
assumindo o “discurso verde” e a “prática cinza”. Às investidas da
de origem nacional”.
Plataforma no sentido de contribuir para a adoção de critérios e
A crítica dirigia-se ao papel do BNDES no financiamento à
salvaguardas sociais e ambientais nos procedimentos e contratos,
concentração econômica, viabilizando grandes conglomerados
o Banco foi evasivo, quando não refratário. As resistências do
empresariais e financeiros, prioritariamente nos setores de
Banco em mudar procedimentos e práticas conduziram as
mineração e siderurgia, papel e celulose, agropecuária, petróleo
organizações da Plataforma BNDES a chamar atenção para o fato
e gás, hidroelétrico e etanol, com intensos e extensos impactos
de que, ao não assumir sua responsabilidade social e ambiental,
sociais e ambientais.
o Banco agia como corresponsável pelas violações de direitos
As proposições contidas no documento apontam para a necessidade de se estabelecer mecanismos de controle social
geradas pelos projetos por ele financiados. Dessa forma, a Plataforma organizou no final de 2009 o I
sobre a atuação do Banco, bem como sua reorientação em
Encontro Sul-Americano de Populações Atingidas por Projetos
favor de uma maior diversificação produtiva e descentralização
Financiados pelo BNDES. Uma carta, resultado do Encontro,
econômica. Tais proposições foram formuladas em quatros
em que a Plataforma reafirmava suas reivindicações, foi
eixos: publicidade e transparência; mecanismos de participação
encaminhada a Luciano Coutinho, em 25 de novembro de 2009.
e controle social; critérios sociais e ambientais a serem
Ele limitou-se a dizer, diante de uma delegação de representantes
observados na análise, aprovação e acompanhamento dos
de populações atingidas pelas Hidrelétricas de Jirau e Santo
projetos; e políticas setoriais voltadas à inversão de prioridades da
Antonio, no Rio Madeira, e de Belo Monte, em Altamira, pelas
política operacional do Banco.
plantações de eucalipto no sul da Bahia e norte do Espírito Santo
Até o final de 2009, a Plataforma estabeleceu uma interlocução direta com o gabinete da presidência do Banco, concentrando-se
e pelas intervenções brasileiras na Bolívia e no Equador, que não se preocupassem porque medidas já estavam sendo tomadas 15
para a adoção de uma política socioambiental pelo Banco. Após
que já indicava a necessidade de maior eficiência, leia-se
esta conversa, a interlocução da Plataforma com a presidência
celeridade, nos processos de licenciamento ambiental. Como
do Banco foi totalmente interrompida. No final de 2010 foi
se verá ao longo deste trabalho, o SEM DPL apresenta outras
formalmente aprovada a “Política Socioambiental do Sistema do
condicionalidades que também apontam para a flexibilização
BNDES”, sem que o Banco tivesse feito uma consulta ampla com
da legislação e gestão ambiental e para a criação de um
setores organizados da sociedade.
mercado do clima no país. Diferentemente do que a formalização da iniciativa faria
Política Socioambiental do BNDES
supor, persiste no BNDES, mesmo depois de instituída a sua Política Socioambiental, a situação reconhecida em um
Embora já dispusesse de uma nomeada “política ambiental” desde os anos 1980, foi somente em novembro de 2010 que o
que o Departamento Ambiental e Social do BNDES reconhece e
BNDES incorporou, em um capítulo específico de sua Política
que luta para resolver é que a maioria dos projetos financiados
Operacional, a “Política Socioambiental”. De acordo com o
diretamente pelo BNDES não passaram pelo pleno processo de
próprio Banco, “a decisão por essa nova forma de organização
avalização ambiental e social” (grifo nosso).
da Política Operacional reforça tanto a aplicação das diretrizes
Nas diretivas da Política Socioambiental está o
socioambientais para elaboração de produtos, linhas,
comprometimento formal do Banco com o que determina a
programas e fundos do BNDES, como a prática mais alinhada
legislação ambiental brasileira, seja a observância das devidas
à incorporação das questões social e ambientais no principal
licenças (prévia, de instalação e operação), seja o compromisso
macroprocesso operacional do BNDES: o fluxo de concessão
com a avaliação e correção de impactos esperados nos projetos.
de apoio financeiro”. Tal fluxo compreende o que também
Mas, como se verá adiante, se o Banco avança em instrumentos
se chama, na linguagem do Banco, de “ciclo do projeto”,
de avaliação de riscos socioambientais, ele não deixa claro os
compreendendo as etapas de enquadramento, análise,
mecanismos contratuais de que se vale para a mitigação e/
aprovação, contratação e acompanhamento das operações.
ou correção de impactos esperados, nem tampouco de que
A “Política Socioambiental do Sistema BNDES” foi instituída
instrumentos e procedimentos de acompanhamento das
como contrapartida do Empréstimo Programático de Política
operações dispõe para a correção de tais impactos. Dito de outro
para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável
modo, o Banco avalia os riscos socioambientais dos projetos
Brasileira (SEM DPL, na sigla em inglês) do Banco Mundial,
que financia, mas não parece, de fato, levá-los em conta na
no valor de US$ 1,3 bilhão – em que a política ambiental desta
operacionalização de seus financiamentos.
instituição serve de referência para o BNDES. Os empréstimos
Para além da exigência do licenciamento, na fase de
do Bird, historicamente associados às malfadadas políticas
enquadramento e análise dos projetos, o Banco vem
de ajuste fiscal, apresentam-se agora em sua versão soft de
estabelecendo alguns mecanismos de aferição e avaliação
condicionalidades socioambientais.
dos riscos socioambientais dos projetos. Já em 2008, o Banco
Vale dizer que este empréstimo foi precedido, como
16
documento do próprio SEM DPL, do Bird, de que “um problema
anexou ao Roteiro de Informações para a Consulta Prévia dois
contextualiza a pesquisadora Lúcia Ortiz, por outro
questionários, com a finalidade de avaliar o impacto ambiental
empréstimo do Bird para o Ministério do Meio Ambiente
e social esperado do projeto (Anexos 6 e 7, respectivamente).
(MMA), intitulado Projeto de Assistência Técnica para a
O Banco se comprometeu, igualmente, em produzir “guias
Agenda de Sustentabilidade (TAL SAL, na sigla em inglês),
socioambientais setoriais” a fim de “apoiar tecnicamente as
unidades operacionais do BNDES na análise socioambiental de projetos”, com a indicação de “diretrizes de desempenho socioambiental”, bem como de “riscos socioambientais relacionados com a operação” por setor. Os primeiros guias produzidos foram para os setores de açúcar e álcool, soja e pecuária. Segundo consta na própria política, “os guias têm caráter orientador e seu conteúdo não cria obrigações adicionais às decorrentes da legislação brasileira e das resoluções da Diretoria do BNDES” (grifo nosso). Na etapa do enquadramento das operações, o Banco realiza, com base na avaliação dos aspectos sociais e ambientais dos beneficiários, a “Classificação da Categoria Ambiental” do empreendimento: A – “atividades intrinsecamente relacionadas a riscos de impacto ambiental significativos, em que o licenciamento requer estudos de impacto, medidas preventivas e ações mitigadoras”; B – “atividades envolvendo impactos ambientais mais leves ou locais e requer avaliação e medidas específicas”; C – “atividade não apresenta, em princípio, risco ambiental significativo”. Segundo o que determina a Política Socioambiental, “a Categoria Ambiental estabelecida para o empreendimento determina procedimentos distintos nas fases de Análise e Acompanhamento da operação”. Embora a Plataforma BNDES tenha reclamado sem sucesso de que o Banco desse publicidade ao enquadramento dos projetos pelas categorias ambientais, pode-se constatar, valendo-se dos casos de megaprojetos apresentados neste estudo, que tal classificação não tem redundado em procedimentos distintos nem de análise, muito menos no acompanhamento da operação. As informações sobre impactos ambientais esperados não se transformam em condicionantes ou salvaguardas nos contratos de financiamento, caracterizando-se como mero levantamento de informações a respeito dos projetos financiados e não, como deveria ser, de instrumentos efetivos de qualificação ambiental dos desembolsos do Banco. 17
Na etapa de análise, aprovação e contratação dos projetos, o
não poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia
Banco afirma realizar a “avaliação do beneficiário sobre a sua
e do Pantanal; de termelétrica a combustíveis, que estabelece
regularidade junto aos órgãos de meio ambiente, pendências
restrições na emissão de partículas na atmosfera; e da pecuária/
judiciais e efetividade da atuação ambiental”. Considerando
frigoríficos, que determina o cadastramento dos fornecedores e
novamente os casos aqui tratados, em que ocorrem graves e
a exigência da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que
recorrentes irregularidades e violações de direitos associadas a
a aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente,
projetos financiados pelo Banco, fica também evidente que esta
na autodeclaração do tomador do empréstimo, não contando
avaliação, caso efetivamente ocorra, não tem efeitos práticos.
novamente o Banco com instrumentos de monitoramento e
O Banco afirma, ainda, que nesta etapa empreende a “avaliação dos empreendimentos quanto aos principais impactos sociais e
fiscalização do seu cumprimento. Além da revisão de suas práticas operacionais, a Política
ambientais, inclusive no seu entorno, sua correspondência, quando
Socioambiental do BNDES inclui mudanças na estrutura
for o caso, com as ações preventivas e mitigadoras propostas no
organizacional do Banco. Foi instituída, também em 2010, a área
licenciamento ambiental”, bem como a “inclusão de possíveis
ambiental, que elevou o status da temática ambiental, anteriormente
condicionantes de natureza social e/ou ambiental estabelecidas a
limitada a um departamento para uma superintendência
partir da análise realizada (do cliente e do empreendimento), em
do Banco. Tal superintendência compreende hoje o antigo
complemento às exigências previstas em lei, quando for o caso”.
Departamento Ambiental do Banco e o Fundo Amazônia.
Embora nos faltem os termos dos contratos de financiamento
A regulamentação do Fundo Amazônia, em 2008, também
firmados pelo Banco e os empreendimentos estudados, pode-se
consta como uma das contrapartidas do empréstimo SEM
afirmar, tomando mais uma vez os casos deste estudo, que tais
DPL, do Banco Mundial. A gestão pelo BNDES de novos fundos
avaliações e condicionantes ou não são praticadas ou são nulas.
ambientais voltados a estruturar um mercado do clima no país,
Mas, talvez, o que mais chame a atenção na descrição da Política
como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre Mudança
Socioambiental do BNDES seja a forma como o Banco descreve a
do Clima, será tratada no artigo de Lúcia Ortiz. Outro aspecto
etapa de “acompanhamento das operações”, onde se lê que “são
da Política Socioambiental a ser abordado pela pesquisadora
verificados: o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras,
diz respeito à abertura de uma linha de crédito pelo Banco para
obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes
qualificar órgãos estaduais de licenciamento, no contexto de
presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o
avanço das reformas no sistema de concessão de licenças e
caso”. Restaria perguntar, à luz dos casos aqui estudados, quando
gestão ambiental, avaliado pelo Banco Mundial como um dos
é que o Banco entende ser o caso de ele verificar o cumprimento
principais entraves para o desenvolvimento brasileiro.
de condicionantes, pois, novamente, parece tratar-se de letra morta. Tal percepção é ainda mais reforçada pelo fato de que não há nenhuma menção do Banco sobre se há e quais seriam os mecanismos de acompanhamento dos projetos intrinsecamente impactantes em termos sociais e ambientais. Somente para três setores específicos o BNDES estabelece obrigações adicionais ao que determina a lei, o que o Banco chama de “diretrizes e critérios socioambientais setoriais específicos”. Este é o caso das salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que 18
* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de 2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil. 1 Para uma análise mais detida sobre o papel do BNDES nos últimos vinte anos, ver TAUTZ, C. Et alli, 2011. 2 Segundo o economista Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “até 2008, o estoque de empréstimos do Tesouro ao BNDES era de R$ 10 bilhões, e hoje está em R$ 311,8 bilhões (dados de fevereiro de 2012). Com os R$ 45 bilhões a mais que o governo vai emprestar ao BNDES [provavelmente, entre 2012 e 2013], o volume chegará a quase R$ 360 bilhões” (O ESTADO, 2012).
Megaprojetos e violações de direitos Marilda Teles Maracci*
E
ste texto apresenta exemplos emblemáticos de grandes empreendimentos que se caracterizam pela lógica da minimização de custos financeiros relacionados à
Atossa Soltani/Amazon Watch
Os estudos de caso apresentados nesta publicação abordam quatro setores e se aprofundam em oito megaempreendimentos, sendo um deles fora do Brasil. São eles: no setor celulósico,
mitigação e compensação dos impactos socioambientais , em
a Veracel Celulose S.A., no extremo sul da Bahia, e a CMPC
detrimento dos critérios de eficiência econômica e de justiça
Celulose Riograndense, em Guaíba, no Rio Grande do Sul; no
social e ambiental. Atuam em consonância com “um certo
setor energético, as Usinas Hidrelétricas (UHEs) Santo Antônio
padrão de acumulação do capitalismo brasileiro, inaugurado
e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia, e Belo Monte, na bacia
com as privatizações e a liberalização comercial dos anos 1990,
do Rio Xingu, no Pará; no setor da construção civil, o ProCopa,
baseado na formação e fortalecimento de conglomerados
em Fortaleza, no Ceará, e outras grandes obras urbanas nas
privados (nacionais e estrangeiros), fomentados pelos fundos
doze cidades brasileiras que sediarão a Copa do Mundo, em
públicos, via capital estatal e paraestatal (empresas estatais e
2014, e as Olimpíadas, em 2016, no Rio de Janeiro; e, por último,
1
fundos de pensão)” . 2
19
no setor da mineração/siderurgia, o conglomerado industrial-
megaempréstimos concedidos pelo Banco Nacional de
siderúrgico-portuário da ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com condições
do Atlântico (TKCSA), na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, e
incrivelmente favoráveis. No caso do projeto de exploração
a Vale Moçambique Ltda., na Bacia Carbonífera de Moatize da
de carvão mineral da Vale em Moçambique, o BNDES não
província de Tete, em Moçambique, na África. Um fichário repleto
disponibiliza informações sobre a sua participação nos
de informações e detalhes sobre estes oito casos simbólicos
investimentos. No entanto, o Banco possui aproximadamente
encontra-se no Contexto Territorial, na parte final deste livro.
10% do consórcio ValePar, controlador da Vale com 53% do capital
Eles explicitam que o mesmo padrão de sistemáticas e graves
votante. Ele é também detentor das denominadas “ações de ouro”
violações de direitos é repetido pelos mesmos conglomerados
(golden share), adquiridas no período da privatização, o que lhe
empresariais onde quer que eles se instalem, independente das
confere o poder de veto sobre as principais decisões da empresa.
diferenças de dinâmicas e da diversidade regional, cultural, social, econômica e ambiental dos povos e das regiões. Os megaprojetos em questão ilustram, de modo quase
Lula e Dilma, o papel de indutor do crescimento, promovendo a “transferência massiva de recursos públicos, acompanhada
visceral, o desenvolvimentismo historicamente praticado no
de flexibilização institucional”4. Neste sentido, “chama atenção
Brasil que é fundamentado na concepção de crescimento
os setores de mineração e siderurgia, etanol, papel e celulose,
econômico (aumento da quantidade de bens, produtos e
petróleo e gás, hidroelétrico e agropecuária, que receberam
serviços produzidos) e na busca da inserção competitiva do
juntos quase a totalidade do meio trilhão de reais desembolsados
Brasil no contexto global, através do “aumento na quantidade
pelo BNDES, no período Lula”5.
dos produtos exportados e na quantidade de grandes empresas
Desde a década de 1950, o BNDES atua como instrumento
brasileiras com presença forte no mercado internacional” (Rede
de fomento da indústria brasileira. Desse modo, favoreceu
Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais,
consideravelmente, por exemplo, a implantação de complexos
2008, p. 13) . Trata-se de um modelo que concentra renda e
agroindustriais celulósicos, como a Veracel e a Riograndense,
poder e produz elevados custos socioambientais.
que ainda hoje contam com tais fomentos. Através dos Planos
3
É oportuno observar que, no que se refere aos
de Aceleração do Crescimento (PAC I e PAC II), os governos Lula
empreendimentos produtivos, grande parte ou quase a totalidade
e Dilma direcionam prioritariamente recursos, via BNDES, na
da produção destina-se à exportação direta, a exemplo da
expansão da infraestrutura. Como é o caso da construção das
celulose, mineração e siderurgia, ou à exportação indireta, caso
criticadas usinas hidrelétricas na Amazônia, que são implantadas
das hidrelétricas em construção na Amazônia, em que grande
sobre áreas de rica sociobiodiversidade, a exemplo dos territórios
parte da energia produzida será destinada a “grandes indústrias
indígenas. Nessa mesma linha de “aceleração do crescimento”
eletrointensivas que exportam alumínio e minério de ferro com
a partir de grandes investimentos públicos, megaobras urbanas
baixo valor agregado, gerando pouquíssimos empregos na
de preparação para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016
região; e não para atender as populações mais pobres, como
são construídas seguindo referências urbanísticas das Cidades
afirma o discurso oficial do governo” (Carta da Aliança em
Globais e promovendo dramáticos deslocamentos compulsórios
Defesa dos Rios Amazônicos para Dilma Rousseff,
das populações de baixa renda.
Brasília, 8 de fevereiro de 2011). Todos os megaempreendimentos aqui abordados têm outra característica comum: contam privilegiadamente com 20
É importante ressaltar que o BNDES cumpre, nos governos
Indiferente aos questionamentos de parte da sociedade civil organizada em relação às suas prioridades de investimento, o BNDES cresce visivelmente: “desde 2005 o volume de créditos
do BNDES aumentou 391% e é maior do que o Banco Mundial” (Garcia, 2011)6. Com participação acionária na maioria das empresas envolvidas com os megaempreendimentos, o BNDES não apenas financia, como é também corresponsável pelas opções de investimentos. De janeiro a agosto de 2006, o BNDES aprovou financiamentos de R$ 3 bilhões para projetos de expansão da produção de papel e celulose, que somam R$ 5,5 bilhões7. “Para a Veracel II [ampliação da Veracel], o BNDES desembolsará R$ 1,4 bilhão8. Se compararmos este valor com a quantidade de empregos gerados, cada posto de Renato Cosentino
trabalho no novo projeto da Veracel custará R$ 486.111,009.“ Para os empreendimentos das UHEs de Santo Antônio e Jirau, em Porto
Mais de 150 mil pessoas serão removidas de suas casas por causa dos megaeventos esportivos: jogo sujo
Velho, o BNDES destinou um total de R$ 13,3 bilhões, apesar dos pesados questionamentos quanto
certo comportamento padrão ou falhas crônicas compondo as
à viabilidade econômica e ambiental dessas obras desde o
violações constatadas tanto no processo de planejamento quanto
início dos processos de licenciamento . “O valor do possível
nas fases de construção, agravando-se na fase de operação.
novo empréstimo, anunciado pelo presidente do Banco,
E, como já afirmado anteriormente, o BNDES não se vale de
Luciano Coutinho, não foi informado, mas o BNDES havia se
critérios socioambientais na análise e aprovação dos projetos,
comprometido a financiar até 80% (cerca de R$ 25 bilhões) dessas
nem tampouco de mecanismos de acompanhamento dos
obras” (Plataforma BNDES, 2011) . Segundo informações
impactos dos projetos que financia.
10
11
do Ministério Público Federal (MPF), disponibilizadas no sítio
Os megaempreendimentos são especialmente emblemáticos
eletrônico do Movimento Xingu Vivo Para Sempre, em fevereiro
no que se refere às injustiças socioambientais, pois geram uma
de 2012, “o empréstimo solicitado pela Norte Energia para
enormidade de graves impactos sociais, ambientais, fundiários,
Belo Monte é de R$ 24,5 bilhões e existem onze processos
violações sistemáticas de direitos ambientais, trabalhistas e
questionando o empreendimento que ainda não foram julgados
direitos da pessoa humana (indivíduo e coletivo), violam acordos
(...) considerando um cenário de custo total do empreendimento
internacionais, leis nacionais, políticas fiscais ou políticas
de aproximadamente R$ 30 bilhões (previsão mais recente de
setoriais específicas, além de forjar e aprofundar desigualdades
custos para Belo Monte)” .
econômicas, sociais e regionais, historicamente produzidas
12
Observa-se, em todos os empreendimentos aqui tratados, um
nas áreas de implantação dos referidos empreendimentos e 21
migração na fase da construção da UHE Belo Monte, estimada em mais de 100 mil pessoas, é um exemplo recente deste recorrente subdimensionamento. O resultado é o aumento exponencial da população e da ocupação desordenada dos aglomerados urbanos nos locais próximos à implantação da obra. Os problemas decorrentes são o aumento considerável da violência, de homicídios, do tráfico de drogas, da venda de bebidas, da prostituição (inclusive infantil), o colapso nos serviços e Alexis Bastos/Rioterra
espaços públicos (hospitais, ruas, escolas, postos de saúde, etc.), a elevação do custo de vida, entre outros. Estas violações “contribuem para a fragilização dos mecanismos de controle Antes mesmo do início das obras no Rio Madeira, a população já sofria os impactos: mercantilização da natureza
social conquistados pela sociedade civil e impactam de modo severo
seu entorno. Todas estas violações se avolumam na conta do
e, às vezes, irreversível o meio ambiente e as populações”13,
passivo das empresas financiadas pelo BNDES e, portanto, na
muitas destas já fragilizadas no campo dos direitos territoriais
conta do próprio Banco, o que o torna inquestionavelmente
e/ou socioambientais. Dentre outros feitos perversos da
corresponsável pelas violações.
implementação dos megaprojetos, destacam-se o das remoções
Este é o caso da migração de trabalhadores, recorrentemente subdimensionada nos Estudos de Impactos Ambientais
expropriação de populações das áreas rurais de seus meios de
(EIAs). Trata-se dos deslocamentos de expressivas massas de
produção, territórios e modos de viver, acentuando os níveis de
trabalhadores que ocorrem em função das ofertas temporárias
degradação ambiental e de pobreza. Este é o caso das populações
de empregos na fase de construção/implantação dos projetos.
que trabalham e vivem no meio rural em regime de economia
No entanto, após a finalização desta fase, os trabalhadores
familiar e relação comunitária, como os ribeirinhos, extrativistas,
ficam sem emprego e têm suas condições de vida agravadas no
pescadores, agricultores familiares, indígenas e quilombolas.
território que, via de regra, já é bastante limitado no provimento
Explicitamente, diversas categorias de trabalhadores envolvidos
dos serviços públicos. O subdimensionamento de problemas
nestes empreendimentos sofrem as mais variadas violações de
associados ao deslocamento de milhares de trabalhadores para
direitos, inclusive condições de trabalho análogo ao escravo,
as áreas atingidas, gerando inchaços urbanos, crescimento
conforme amplamente denunciado pelos movimentos sociais.
desordenado e falta de perspectivas, constitui uma característica comum a estes megaprojetos financiados pelo BNDES. A 22
compulsórias de comunidades urbanas empobrecidas e o da
Entre as características que compõem este quadro estão as chamadas “relações promíscuas” entre diversas escalas
governamentais e do parlamento e as grandes corporações
que se verifica, além da ausência de diálogo e transparência, a
empresariais (nacionais/transnacionais), a exemplo da relação
falta de negociação prévia de projetos de remoções populacionais
entre o setor elétrico do governo – Ministério de Minas e Energia
compulsórias, bem como das alternativas existentes. Inclui-
(MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Eletrobrás –
se, em relação aos demais casos no Brasil, o processo de
e grandes construtoras, como Odebrecht, Camargo Corrêa e
licenciamentos por órgãos ambientais de EIAs “incompletos
Andrade Gutierrez . Vale destacar também que as construtoras
e distorcidos da realidade como base para a realização de
ocupam, juntamente com o setor celulósico, mineradoras
audiências públicas” que têm apenas caráter protocolar (e não de
e siderúrgicas, lugares privilegiados no ranking dos grandes
sério e democrático debate público), conforme exaustivamente
doadores para campanhas eleitorais a cargos executivos e
denunciado pelos movimentos sociais. Incluem-se, ainda,
proporcionais. Os favorecimentos decorrentes destas relações
as desconsiderações dos parcos resultados das audiências
são viabilizados pela ausência de transparência e de vigilância
na tomada de decisões sobre a viabilidade ambiental, social
social, situação esta que se agrava “quando se tem, por um
e econômica dos empreendimentos em questão, bem como
lado, a hipertrofia do poder de algumas corporações e, de
o descumprimento das já insuficientes condicionantes
outro, a fragilidade do sistema brasileiro de financiamento de
determinadas nos EIAs, mesmo estas sendo apresentadas sempre
campanhas, abrindo brechas para que tais favorecimentos sejam
de modo subestimado nos relatórios.”Inúmeras denúncias,
recompensados por apoios de campanha, declarados ou não”
apelos, demandas e preocupações dos povos indígenas e dos
(BADIN, PINTO, TAUTZ & SISTON, 2010, p. 7) . A sobreposição
movimentos sociais são ignoradas pelo governo”, denuncia o
de interesses privados sobre os públicos torna-se ainda mais
Movimento Xingu Vivo16.
14
15
incidente se considerarmos a realidade local, de maior fragilidade
Dentre as violações envolvendo os projetos relativos à
institucional, em que, na maioria dos casos, as prefeituras
Copa e às Olimpíadas, são simulados estudos ambientais e
municipais são carentes de recursos e as possibilidades de
processos de licenciamento ambiental, em um procedimento
controle social são ainda mais frágeis.
de exceção que revela clara infração ao estado de direito
Observa-se, portanto, que em todos os casos aqui
vigente, segundo denúncias feitas pela Articulação Nacional
apresentados as decisões no planejamento das implantações
dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop),
destes megaprojetos “são tipicamente orientadas mais por
que reúne organizações populares das doze cidades-sede da
uma lógica privada do que critérios de eficiência econômica,
Copa, Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos
justiça social e sustentabilidade ambiental, ou seja, interesses
Humanos no Brasil”, verificam-se “(...)atropelos legais, aportes
públicos estratégicos, consagrados no arcabouço legal a partir da
adicionais de recursos públicos, irregularidades nos processos
Constituição Federal de 1988” (Movimento Xingu Vivo Para
de licenciamento de obras e inconsistência e incompletude de
Sempre, Carta para Dilma, 8 de fevereiro de 2011).
alguns projetos licitados sem qualquer segurança econômica,
É bastante grave a falta de acesso à informação e de
ambiental e jurídica”. Esta situação repercute nas “violações de
participação informada das populações locais e, ainda, a
direitos dos trabalhadores nas obras dos estádios e dos projetos
ausência de diálogo entre o governo e a sociedade civil no
de infraestrutura,(...) a despeito das cifras milionárias destinadas
planejamento destes setores econômicos, o que constitui outro
às obras”. Por estas e outras violações envolvendo as obras para
comportamento padrão em todos os estudos de caso abordados
a Copa e as Olimpíadas, constata-se que o padrão de violações
aqui. Nesse sentido, cabe destaque para o caso das obras de
perpetradas no campo é reproduzido no espaço urbano.
infraestrutura para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016, em
Tal procedimento revela a total desconsideração e abandono 23
agressivamente pelas transgressões aos seus direitos, negando a existência de impactos negativos e riscos associados (desconsiderando, inclusive, informações científicas disponíveis), a exemplo dos grupos indígenas que vivem especialmente nas áreas do avanço desenfreado de hidrelétricas na Amazônia. É também o que ocorre nas regiões onde enormes extensões Leonardo Melgarejo
de terras são apropriadas para o plantio da monocultura de eucalipto para indústrias de celulose, desterritorializando preferencialmente populações tradicionais camponesas e indígenas, como é o caso dos Tupinambás no extremo sul da Bahia, onde opera a transnacional Veracel Celulose20. A não realização da oitiva das comunidades indígenas, num claro descumprimento do artigo 231 da Constituição Federal e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), compõe o rol das falhas crônicas
Leonardo Melgarejo
mais evidentes nestes casos. Em relação ao costumeiro descumprimento da legislação ambiental, ocorre uma franca violação das normas que regem os procedimentos de licenciamento ambiental, a exemplo das As mulheres têm feito um enfrentamento permanente à indústria da celulose: em defesa da vida
concessões das licenças de instalação e de operação antes de serem atendidas as condições das licenças prévias. Esta
de experiências inovadoras com capacidade de propostas
violação figura como um comportamento padrão nestes tipos de
alternativas ao modelo de desenvolvimento hegemônico, tanto
empreendimentos no Brasil. Neste contexto, verifica-se uma forte
aquelas protagonizadas pelas camadas populares em suas
ocorrência de atos de improbidade administrativa envolvendo o
diferentes expressões socioculturais quanto aquelas resultantes
poder Executivo nas escalas local e federal dos empreendimentos.
de subsídios, análises e recomendações de renomados
Alguns exemplos são o favorecimento de interesses das empresas
especialistas, como o estudo crítico realizado por um Painel de
em detrimento dos direitos socioambientais, bem como o delito
Especialistas tornado público em 2008 , a Carta à Presidente
de corrupção passiva e ativa no poder Legislativo, particularmente
Dilma, enviada por Vinte Associações Científicas em 19 de maio
na escala local, conforme denúncia apresentada em fartos
de2011 , e a Carta à Dilma Rousseff, enviada por mais de 350
documentos e relatórios produzidos pelos movimentos sociais, e
acadêmicos em 1o de junho de 201119.
já mencionado anteriormente.
17
18
Ainda em relação aos estudos prévios, estes desconsideram a
24
Os processos de planejamento, implantação e operação destes
dinâmica ambiental e social dos territórios (relações territoriais
empreendimentos são fortemente marcados pela atuação do
específicas), das populações tradicionais atingidas direta e
Ministério Público (Federal e Estaduais), inclusive do Trabalho,
pelo ajuizamento de grande quantidade de Ações Civis Públicas,
problemas de transporte e segurança, incluindo demissões e
envolvendo também expressiva quantidade de disputas judiciais
ameaças de demissão.
em função de um largo espectro de crimes de violações de
Chamou a atenção da sociedade civil organizada no Brasil o
direitos trabalhistas e socioambientais, constituindo uma situação
fato de os governos do distrito de Moatize e da Província de Tete
de extrema gravidade no campo dos direitos humanos.
terem acionado a Polícia da República de Moçambique (PRM) e
Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego
a Força de Intervenção Rápida (FIR) para reprimirem de forma
no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as hidrelétricas de Santo
brutal e violenta os protestos das mais de 700 famílias reassentadas
Antônio e Jirau receberam, cada uma, mais de mil autuações
pela empresa Vale Moçambique na região de Cateme, no dia 10
por violações à legislação trabalhista. Esta situação decorre
de janeiro de 2012. A FIR é uma unidade da polícia moçambicana
do elevado nível de terceirização dos empregos e da intensa
conhecida no país pelas repressões violentas e pelo uso excessivo
precarização do trabalho, incluindo casos comprovados de
de força contra civis desprotegidos. Curiosamente, uma unidade
trabalho escravo. Também cabe destacar que a Veracel Celulose
da FIR, alimentada por fundos da empresa Vale, está instalada nas
está sob investigação do Ministério Público do Trabalho,
estradas que conduzem a Tete e Cateme22.
envolvida em 863 processos na Justiça do Trabalho (dados até 2007) e um acúmulo de multas determinadas pelos órgãos públicos ambientais, além das dezenas de Ações Civis Públicas movidas pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual da Bahia. No caso da UHE Belo Monte, já se acumulam treze ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal, no estado do Pará, contra as ilegalidades e violações de direitos humanos21, além das ações movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Neste contexto de dramáticos conflitos sociais e ambientais, as cooptações, perseguições, criminalizações e ameaças de morte, entre outras ações por parte das empresas, em parceria com forças Daniele Ribeiro, Justiça Ambiental (JA)- Amigos da Terra Moçambique
policiais militares e da área judicial, compõem praticamente o cotidiano de pessoas, comunidades, movimentos e entidades civis que integram os coletivos de resistência às violações dos direitos aqui tratados. Este processo é verificado em todos os oito casos de megaprojetos trazidos nesta publicação. É bastante fácil constatar o forte aparato policial que fornece segurança às empresas construtoras, como a situação em pleno curso vivida pelos trabalhadores da construção da UHE Belo Monte e do complexo hidrelétrico no Rio Madeira. Mais grave ainda são as denúncias do uso de milícias na segurança da TKCSA. As greves dos operários dos canteiros de obras destes empreendimentos denunciam situações de superexploração do trabalho, com longas jornadas e baixos salários, falta de atendimento adequado à saúde,
A Vale Moçambique tem impactado de modo drástico a comunidade de Moatize: acima da lei
25
A chantagem locacional também é um dos aspectos do comportamento padrão destes projetos. Ela é efetivada por meio da
se incluir o alto consumo de água pelas plantações e fábricas
fábula da geração de empregos e de “(...) informações distorcidas e
de celulose e a consequente redução de água disponível nas
enganosas sobre os empreendimentos, caracterizando-se como
comunidades vizinhas devido à rápida secagem de rios, córregos
uma espécie de panaceia para os problemas de desenvolvimento
e lagos, resultante dos cultivos de eucalipto. Alguns anos depois
regional, como se, em um passe de mágica, os empreendedores
do plantio, as plantações de monocultura têm um impacto
fossem capazes de zerar um déficit histórico de políticas públicas
considerável sobre a recarga hídrica na superfície e no lençol
(...)” (Carta da Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos
freático (REVISTA SCIENCE, 2004)25. “(...) Os rios e lagos que restam
para Dilma Rousseff; 8 de fevereiro de 2012)23 e a produção de
estão envenenados por causa do uso de veneno na plantação”,
desigualdades econômicas e sociais.
afirmam moradores da comunidade de Ponto Maneca, município
As localizações destes empreendimentos, que na sua maioria
de Eunápolis, na Bahia. É fato que a implantação da Veracel, nesta
obedecem a uma lógica de intervenções físicas de grande
região, causou uma considerável redução da sociobiodiversidade,
envergadura, resultam basicamente de escolhas que se dão
atingindo milhares de pessoas, entre indígenas, agricultores
conjuntamente ou com o aval dos governos federal, estaduais
familiares, quilombolas e pequenos povoados26.
e municipais. São áreas de vulnerabilidade social (situações de pobreza, privação social e vulnerabilidade institucional diante
Nos casos que envolvem as atividades da empresa Vale, por exemplo, são alarmantes os níveis de poluição atmosférica
da precarização de políticas públicas), áreas de vulnerabilidade
com particulados provenientes de ferro e de emissões de CO2: a
socioambiental no território, áreas com populações já
Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), uma joint venture
enraizadas desprovidas de regularização fundiária e áreas onde
da Vale com a ThyssenKrupp, “vem causando inúmeros impactos
aparecem como primeiras vítimas povos indígenas, ribeirinhos,
negativos na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de
comunidades de pescadores, quilombolas, entre outras. Foi assim
8.000 famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias
em Moçambique, na Baía de Sepetiba, no extremo sul da Bahia e
residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro” (Campanha
assim continua, sucessivamente, a acontecer. Esta mesma lógica
‘PARE A TKCSA!’, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da
está em pleno curso nas cidades brasileiras que sediarão a Copa
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia
2014 e no Rio de Janeiro, que também sediará as Olimpíadas
causou um aumento de 600% na concentração média de ferro
2016. Para estas populações, o eixo central das violações de seus
no ar na área de sua influência em relação ao período anterior
direitos está no “direito de ficar”, que se desdobra em um amplo
ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi constatado
espectro de violações dos direitos humanos e ambientais.
e denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em abril
A contaminação química (efluentes, dejetos e emissões
26
intensivo de agrotóxicos e formicidas24. Nessa conta, devem-
de 201227. De acordo com dados da própria empresa, a TKCSA
industriais,) dos solos, das águas e do ar faz parte deste vasto
também elevará em 76% as emissões de CO2, o que significa mais
espectro, comprometendo a segurança alimentar, a saúde das
de 12 vezes o total da emissão de todo o município. Reforçando as
comunidades no entorno e a própria vida nessas terras. Essa
críticas feitas pelos moradores da região, a Fiocruz constatou um
é a realidade, há décadas, nas áreas onde se estabeleceram
aumento de 1.000% 28 na concentração de ferro no ar da região”
as indústrias de celulose a partir da apropriação de largas
(Relatório de Insustentabilidade da Vale 2012). Isso
extensões de terras para o cultivo de monoculturas de eucalipto.
revela que a “CSA, sozinha, produzirá 9,7 milhões de toneladas
Nelas, é grande a contaminação química do solo, das águas
de dióxido de carbono (CO2)”, de acordo com informações do
e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados) pelo uso
Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense
(UFF), em 2010, ultrapassando em três ou quatro vezes o estipulado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo requerimento do MPRJ29. Além disso, as atividades da pesca e a renda dos pescadores estão gravemente prejudicadas pela obra da TKCSA, o que resultou em seis processos judiciais (do total de nove movidos contra a empresa) que preveem indenizações para 5.763 Rio+Tóxico 2012
pescadores da Baía de Sepetiba (Rede Brasil Atual, 18 de abril de 2012). Na Bacia Carbonífera de Moatize, na província de Tete, as comunidades atingidas denunciam a poluição gerada pelas minas da Vale Moçambique (de Chipanga e do Vale), bem como a contaminação das águas com impactos diretos à saúde, além das alterações nas relações sociais, destruição das formas
A TKCSA emitiu, sem controle, grande quantidade de substâncias tóxicas: sérios danos à saúde da população
de sustento, deslocamento de atividades econômicas locais e
involuntários) de famílias são feitas, com claras violações de
mudanças radicais nas culturas tradicionais30.
direitos humanos, nas áreas das obras de preparação para a
Os casos emblemáticos abordados nesta publicação vitimam,
Copa do Mundo e as Olimpíadas. No caso da UHE Belo Monte,
portanto, populações tradicionais e originárias cujas existências
que alagará 668 km2 e secará 100 km do rio na chamada Volta
se vinculam necessariamente a ambientes sociobiodiversos,
Grande do Xingu, está previsto o deslocamento forçado de cerca
ampliando, aprofundando ou gerando conflitos territoriais/
de 40 mil pessoas, atingindo direta e indiretamente catorze
fundiários e socioambientais. Inclui-se nesse comportamento
comunidades indígenas do Médio Xingu, incluindo também
padrão dos empreendimentos a vitimação de populações
ribeirinhos, quilombolas, agricultores familiares e outras
em situação de fragilidade econômico-social numa relação
populações que habitam ao longo dos rios amazônicos31.
direta com a segregação socioespacial urbana, decorrentes das
No caso das obras de construção dos megaprojetos de
forças do mercado seguidas de práticas discriminatórias das
mobilidade urbana no contexto da Copa do Mundo e das
agências governamentais.
Olimpíadas, as remoções compulsórias têm sido feitas de modo
Os expressivos deslocamentos populacionais, como os
dramático e, muitas vezes, truculento. Elas são feitas sem que
forçados (literalmente expulsões) ou as remoções compulsórias,
sejam providenciados os serviços e meios de subsistência nas
em áreas rurais ou urbanas, feitos inclusive com uso de
áreas de realocação dessas famílias, sem que as comunidades
violência e intimidação, figuram notadamente como
removidas tenham participado do planejamento das remoções,
comportamento padrão constatado em todos os casos aqui
sem que tenham recebido avisos sobre as remoções com
relatados. A expulsão de famílias e/ou de comunidades inteiras
antecedência suficiente e tendo indenizações bastante limitadas.
pelo uso da violência consta, por exemplo, no passivo da
“Ao invés de informações, o que recebemos foram ameaças”
empresa Veracel (esta também foi a prática empregadapela ex-
(Carta à presidenta Dilma Roussef, ao governador
Aracruz Celulose, atual Fibria, no Espírito Santo). Expulsões por
do Ceará, Cid Gomes, e à sociedade cearense. Comitê
desestruturação das economias locais podem ser constatadas
Popular da Copa - Fortaleza, 26 de fevereiro de 2012).
nas áreas de atuação da TKCSA, da Veracel e das hidrelétricas na Amazônia. Remoções compulsórias (ou reassentamentos
Os movimentos sociais urbanos que compõem os Comitês Populares da Copa são unânimes na percepção de um claro 27
processo de gentrificação fortemente relacionado à produção
dos seus investimentos. “Na percepção de muitos movimentos
da assepsia urbana, “uma vez que a adequação das cidades ao
e organizações sociais destas regiões já está ficando claro que
megaevento pressupõe a formatação de Cidades Globais” .
o BNDES vem substituindo o BID [Banco Interamericano de
Segundo o “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos
Desenvolvimento] e o Banco Mundial em financiamentos a
32
Humanos no Rio de Janeiro”, produzido pelo Comitê Popular da
projetos com graves impactos sociais e ambientais em seus
Copa e das Olimpíadas deste município (18 de abril de 2012) , a
territórios [...]” (BADIN, LOPES PINTO, TAUTZ & SISTON, 2010,
política de preparação da cidade é de militarização.
p. 3). A subordinação do direito público ao direito privado está,
33
A Vale Moçambique, por sua vez, na conclusão da primeira
sem dúvida, na raiz do conjunto destas violações. O fichário dos
fase do seu projeto de mineração, reassentou 1.313 famílias, o
estudos de casos, apresentados com riqueza de informações
equivalente a 7 mil pessoas, que estão vivendo em precárias
mais adiante neste livro, explicita a urgência de questionar e
condições, inclusive passando fome. Segundo o jornalista
transformar o atual padrão de acumulação capitalista sustentado
moçambicano Jeremias Vunjanhe , o reassentamento
pelo Estado brasileiro.
34
feito pela empresa apresenta infraestrutura de má qualidade comprometendo, desde o início, as condições mínimas de habitação. Não há transporte nem acesso à água e energia. A terra é imprópria para a agricultura, o que resulta na fome aguda e subnutrição. Esta situação é ainda agravada pelo descumprimento, por parte da empresa, dos compromissos assumidos de indenização e da “provisão trimestral de produtos alimentares durante os primeiros cinco anos de reassentamento”. O jornalista moçambicano denuncia ainda a “restrição à circulação de pessoas através da instalação de uma vedação em volta da Vila de Moatize e das vias de acesso aos recursos minerais”. Ele também critica o “permanente abandono e desamparo a que as comunidades reassentadas foram sujeitas pelas instituições de Justiça, do Estado, do governo, às quais organizações sociais têm recorrido, nos últimos dois anos, com vistas à reposição dos direitos violados, através de petições, queixas e reclamações que, infelizmente, continuam sem respostas” . 35
A remoção forçada representa, assim, uma ruptura na sociabilidade, a perda de referências e um sofrimento social que se estabelece pela involuntariedade, pelo constrangimento e por se tratar de uma transição para condições de vida invariavelmente mais precárias que as anteriores. Por fim, os casos aqui apresentados explicitam as distorções da política de financiamento do BNDES, que ignora todos os impactos e violações mencionados anteriormente e que resultam 28
* Marilda Teles Maracci é Doutora em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da Rede Alerta Contra o Deserto Verde. 1 Carta da Aliança em Defesa dos Rios Amazônicos para Dilma Rousseff. Brasília, 8 de fevereiro de 2011. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2011/10/21/referenciasutilizadas-na-elaboracao-de-cartas-de-advertencia-a-instituicoes-financeiras-sobre-ocomplexo-belo-monte/. 2 BADIN, PINTO, SISTON & TAUTZ. “O BNDES no período Lula e a reorganização do capitalismo brasileiro”. Disponível em: www.plataformabndes.org.br. 3 “BNDES – que desenvolvimento é esse?”. Por: Rede Brasil Sobre Instituições Financeiras Multilaterais, julho de 2008. Disponível e m: http://www.plataformabndes.org.br/site/index. php/biblioteca/category/11-analises-do-desenvolvimento. 4 BADIN, LOPES PINTO, TAUTZ & SISTON. “O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário”. In: Os anos Lula: Contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/ category/11-analises-do-desenvolvimento. Cf. também: “Desembolsos do BNDES crescem 568% na década”. Sabrina Lorenzi, iG RJ, 27/1/2011. http://economia.ig.com.br/desembolsos+do+bndes+cresce m+568+na+decada/n1237970078829.html. 5 ______________. “O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário”. In: Os anos Lula: Contribuições para um balanço crítico 2003-2010. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11-analisesdo-desenvolvimento. 6 GARCIA, Ana S. “BNDES e a expansão internacional de empresas com sede no Brasil”. Outubro de 2011. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/11analises-do-desenvolvimento. 7 MOTA, Marcelo. “BNDES vê investimentos de R$ 20 bi em papel e celulose até 2010”. Disponível em: www.ibtimes.com.br/articles/20060920/bndes.htm. 8 “A primeira fábrica da Veracel foi um dos maiores investimentos privados no primeiro governo de Lula. O empréstimo do BNDES foi da ordem de U$ 1,25 bilhão e a empresa gera, atualmente, um pouco mais de 3.000 empregos; sendo apenas 700 empregos diretos e o restante indiretos, precarizados” parecer crítico ao relatório de impacto ambiental do projeto Veracel II” – Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia, julho de 2011, pág. 10).
9 “Parecer crítico ao relatório de impacto ambiental do projeto Veracel II” – Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia – julho 2011 (pág.10). Parecer crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia e Fundação Padre José Koopmans. 10 Repórter Brasil. “O BNDES e sua política socioambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada”. Fevereiro de 2011. Cf. também: “Desembolsos do BNDES crescem 568% na década”: http://economia.ig.com.br/desembolsos+do+bndes+crescem+568+na+decada/ n1237970078829.html 11 “BNDES se apressa em garantir recursos para Belo Monte”. 18 de outubro de 2011. Disponível em: http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/143-bndes-se-apressa-em-garantirrecursos-para-belo-monte. 12 “Depois de recusa do Banco Central, MPF insiste em fiscalização no BNDES para Belo Monte. MPF pediu a fiscalização por causa da envergadura da operação de empréstimo, que pode ser um dos maiores da história do Banco”. Publicado em 28 de fevereiro de 2012. Disponível em: http://www. xinguvivo.org.br/2012/02/28/depois-de-recusa-do-banco-central-mpf-insiste-em-fiscalizacao-nobndes-para-belo-monte/. 13 Nota Pública de Repúdio à realização do “Workshop Internacional sobre Deslocamentos Involuntários”. Março de 2012. Disponível em: http://www.agb.org.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=121; http://comitepopulario.wordpress.com/2012/03/28/nota-publica-derepudio-a-realizacao-do-workshop-internacional-sobre-deslocamentos-involuntarios/ e outros. 14 “(...) é motivo de grande espanto e preocupação a verdadeira corrida para construir uma quantidade enorme e sem precedentes de novas hidrelétricas na Amazônia nos próximos anos: em torno de 70 grandes barragens (UHEs) e 177 PCHs, inclusive 11 grandes hidrelétricas somente na bacia do Tapajós/Teles Pires, segundo dados do PNE e do PDE” (Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Carta à Dilma, 8 de fevereiro de 2011). 15 Cf. nota 4. 16 Movimento Xingu Vivo Para Sempre. Carta à Dilma, 8 de fevereiro de 2011. 17 “Painel de Especialistas - Análise Crítica do Estudo de Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. Especialistas vinculados a diversas Instituições de Ensino e Pesquisa identificam e analisam, de acordo com a sua especialidade, graves problemas e sérias lacunas no EIA de Belo Monte”. Organizado por Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos e Francisco del Moral Hernandez. Belém, 29 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.xinguvivo.org.br/2011/10/21/ referencias-utilizadas-na-elaboracao-de-cartas-de-advertencia-a-instituicoes-financeiras-sobre-ocomplexo-belo-monte/. 18 Vinte Associações Científicas, dentre as quais a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências, já haviam enviado carta à presidente Dilma pedindo o cumprimento dos direitos constitucionais dos povos indígenas, especialmente o de consulta prévia, livre e informada. A violação deste direito resultou, em abril (2011), na recomendação da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) pela paralisação das obras de Belo Monte. Disponível em: http://www.advivo.com.br/sites/default/files/documentos/cartaassociacoescientificas.pdf. 19 Mais de 350 acadêmicos, incluindo professores, pesquisadores, cientistas e intelectuais brasileiros, enviaram uma carta à presidente Dilma Rousseff expressando sérias preocupações relativas a violações de direitos humanos e descumprimento da legislação ambiental brasileira no processo de Belo Monte (Informe nº 966: Ibama autoriza Belo Monte sem cumprimento de condicionantes. Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 2 de junho de 2011. Disponível em: http://www.cimi.org.br/ site/pt-br/?system=news&action=read&id=5595.). 20 É importante considerar que uma situação praticamente idêntica ocorre no norte do Espírito Santo, área em que a Fibria opera (antes denominada de Aracruz Celulose). Nesta região, atualmente vivem dezenas de comunidades, entre indígenas e quilombolas, que ainda resistem ilhadas em meio à monocultura de eucalipto, expostas a toda sorte de impactos socioambientais dramáticos e violações dos direitos humanos.
21 “Nota Pública sobre a ocupação do canteiro de obras de Belo Monte”. Movimento Xingu Vivo Para Sempre et all. Altamira (PA), 28 de outubro de 2011. 22 “O que vale o preço do desenvolvimento?”. Macua Blog - A opinião de Justiça Ambiental (JA!), 20 de janeiro de 2012. Disponível em: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2012/01/o-que-vale-o-pre%C3%A7o-do-desenvolvimento.html. 23 Disponível em: http://terradedireitos.org.br/biblioteca/carta-da-alianca-em-defesa-dos-riosamazonicos-para-dilma-rousseff/. 24 Uso de agrotóxicos à base de glifosato (Roundup da Monsanto) nas plantações. 25 Revista Science. “Trading Water for Carbon with Biological Sequestration”. Robert B. Jackson et al. Dezembro de 2004, vol.310 p.1944-1947 (citado por: “Parecer Crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II”, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes)) e Fundação Padre José Koopmans (Eunápolis, Bahia, julho de 2011). 26 Situação idêntica ocorre no norte do Espírito Santo (municípios de Aracruz, São Mateus e Conceição da Barra), onde a empresa Fibria (antes denominada Aracruz Celulose), uma das proprietárias da joint venture Veracel Celulose S.A. na Bahia, desenvolve a mesma atividade da monocultura de eucalipto em grandes extensões de terras. 27 “Relatório dos atingidos pela Vale cita ‘insustentabilidade’ e critica ‘incoerente posição’ da mineradora”. Virginia Toledo/Rede Brasil Atual. Publicado em 18/04/2012. Disponível em: http:// www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2012/04/relatorio-dos-atingidos-pela-vale-denunciainsustentabilidade-e-critica-a-antagonica-posicao-da-mineradora. 28 Relatório da Fiocruz caso TKCSA 2011: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”. 29 Requerimento do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) à 2ª Vara Criminal do bairro Santa Cruz, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, que faz parte da segunda ação penal contra a TKCSA, de junho de 2011, por crime ambiental, conforme a Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais). 30 Segundo o “Dossiê dos Impactos e Violações da Vale no Mundo” (abril de 2010), referindo à exumação de corpos pela Vale em Moçambique, “a população se recusa a ceder os cemitérios que se encontram dentro das áreas de concessão mineira da Vale. Enquanto a Vale se desdobra no fabrico de caixões para a exumação dos corpos, as populações entendem que é absurdo remover os corpos dos seus entes queridos, e é uma violação gravíssima a uma tradição secular”. Disponível em: http:// atingidospelavale.files.wordpress.com/2010/04/dossie_versaoweb.pdf. 31 “Vale candidata a pior empresa do mundo”. Justiça nos Trilhos, 09 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.justicanostrilhos.org/comment/reply/876. 32 “Copa do Mundo para Todos – O retrato dos vendedores ambulantes nas cidades-sede da Copa do Mundo de 2014”. Publicado em abril de 2012 por StreetNetInternational. Disponível em: http:// apublica.org/2012/04/copa-nao-e-para-pobre-os-ambulantes-zonas-de-exclusao-da-fifa/ 33 “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro. Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro”. Disponível em: https://www.dropbox.com/s/ qwd9xw10jsknc55/Dossi_Megaeventos_e_Viola_es_dos_Direitos_Humanos_no_Rio_de_Janeiro.pdf. 34 Jeremias Vunjanhe é jornalista graduado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade Eduardo Modlane de Maputo, Moçambique. Atualmente é coordenador da Área de Mídia da Justiça Ambiental (JA!) e da campanha de Monitoria do Projeto de Mineração da Vale em Moatize. 35 “Vale: novos conflitos em Moçambique. Entrevista especial com Jeremias Filipe Vunjanhe”. Instituto Humanitas Unisinos. 26 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/ entrevistas/506152-vale-novos-conflitos-em-mocambique-entrevista-especial-com-jeremias-filipevunjanhe-.
29
30
Ambientalização dos bancos: da crítica reformista à crítica contestatória Fabrina Furtado e Gabriel Strautman
O
ano de 2009 foi um marco para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES):
financiados pelo BNDES no Brasil e na América do Sul (região de
pela primeira vez a instituição ultrapassou a casa
crescente atuação do banco nos últimos anos) vivenciaram, no
dos R$ 100 bilhões em desembolsos, alcançando a marca de
Encontro do Rio de Janeiro, três dias de intensos debates e de
R$ 137,4 bilhões . Em novembro daquele mesmo ano o Rio de
um rico processo de intercâmbio de experiências de resistência
Janeiro, cidade que abriga a sede do Banco, foi também o local
e contestação aos grandes projetos de infraestrutura e empresas
do I Encontro de Populações Sul-Americanas Atingidas por
transnacionais. Ao final, eles enviaram uma importante mensagem
Projetos Financiados pelo BNDES.
à opinião pública: o BNDES, através dos projetos que financia e
1
Ao longo da última década a economia brasileira vem experimentando um expressivo ciclo de expansão, caracterizado por consecutivas taxas de crescimento econômico. Dificilmente
Guilherme Resende
Os representantes de comunidades atingidas por projetos
ajuda a conceber, é também responsável pelos irreversíveis impactos causados às comunidades e ao meio ambiente. A escalada dos conflitos sociais e ambientais em contextos
isso teria sido possível sem a existência do BNDES, instituição
de expansão da economia é algo que tem sido cada vez mais
financeira integralmente pública, fundada em 1952, e principal
comum, especialmente nos países do chamado mundo
instrumento para a implementação das políticas industrial, de
em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, a pressão de
infraestrutura e de comércio exterior brasileiras. O BNDES é a
organizações da sociedade civil e movimentos sociais pela
principal, senão a única, fonte de financiamento de longo prazo
responsabilização das instituições financeiras, a exemplo do
no Brasil. Para que conseguisse cumprir o papel de garantidor
que agora acontece com o BNDES, não é algo inédito. Desde
de recursos suficientemente capazes de sustentar a expansão da
a década de 1980, pelo menos, instituições como o Banco
economia brasileira, o Banco teve seu capital multiplicado por
Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
oito em apenas uma década. O BNDES, no entanto, não se limita
são alvo de críticas pelo envolvimento na formulação de
a ter um papel de mero financiador de projetos. Por integrar o
políticas e projetos polêmicos. Em resposta, o Banco Mundial
corpo de acionistas de várias empresas e conglomerados, este
foi o primeiro a adotar uma política de salvaguardas, passando
Banco tem um profundo conhecimento dos principais setores da
assim a exigir de seus “clientes”, como são chamados os
economia brasileira, o que lhe atribui uma enorme capacidade
países, que os impactos socioambientais dos projetos fossem
de planejamento econômico.
considerados desde a fase de concepção. 31
Este pioneirismo do Banco Mundial lhe rendeu a posição de
ambientais competentes. Além disso, como resposta às pressões
papel de porta-voz do conceito de desenvolvimento sustentável,
realizadas pela sociedade civil, o BNDES adotou em 2008
que, de acordo com o Banco, seria capaz de equilibrar o
um conjunto de cláusulas sociais que preveem a suspensão
crescimento econômico e a geração de trabalho e renda com a
antecipada de financiamentos que produzam violações de
proteção ao meio ambiente. Entretanto, quase três décadas após
direitos humanos, mas que só se aplica em condenações de
a aplicação das salvaguardas, diferentes segmentos críticos ao
última instância. Em 2009, o Banco começou a divulgar seus
caráter da atuação do Banco Mundial continuam a questionar
dados operacionais, ainda que muito insuficientes, através do seu
a suposta responsabilidade ambiental do Banco. De um lado,
“portal da transparência”.
grupos que acreditam na importância das salvaguardas defendem
Para subsidiar a elaboração de estratégias referentes à
o seu aprimoramento, de outro, grupos veem na sua criação mais
questão socioambiental e ao BNDES, uma reflexão sobre as
um instrumento de retórica das instituições financeiras.
perspectivas em torno das salvaguardas e as IFMs surge como
Considerando o exposto, a proposta deste texto é resgatar o
um instrumento importante, ainda mais considerando o
debate sobre a adoção de salvaguardas socioambientais por
histórico de atuação de diversas organizações e da própria Rede
instituições financeiras, mapeando as diferentes vertentes
Brasil neste campo. Na busca de contribuir para essa reflexão,
existentes neste debate. O objetivo central será, portanto, o de
este artigo apresentará as perspectivas de dois diferentes olhares
identificar elementos para subsidiar o debate sobre a recém-
sobre as salvaguardas. Reconhece-se que as estratégias de
anunciada Política Sociambiental do BNDES, cujas fragilidade
atuação diante das IFMs são muito mais complexas do que será
e limitação têm sido objeto de análises e questionamentos da
apresentado aqui, e que não é possível dividi-las em apenas
própria Rede Brasil. É relevante ressaltar que a referida Política
duas vertentes independentes pois envolvem, em distintos
Socioambiental do Banco se constitui como contrapartida do
momentos da história, do contexto político e das condições
Empréstimo Programático de Política para o Desenvolvimento
de ação, uma complexa rede de relações entre elas, e que
em Gestão Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em
nem uma nem a outra são implementadas de forma isolada.
inglês) do Banco Mundial, autorizado em 2009, no valor de US$
Entretanto, o interesse é compreender os possíveis usos e
1,3 bilhão – em que a política ambiental do Banco Mundial serve
riscos das salvaguardas através da escolha de perspectivas e
de referência para o BNDES.
estratégias representativas, e não realizar estudos exaustivos
Cabe destacar que o BNDES, um banco público brasileiro, se
sobre todas as perspectivas e estratégias. Para realizar este
realmente se preocupasse com parâmetros para a sua política
exercício metodológico, o texto do professor Acselrad (2010)
ambiental facilmente os encontraria na legislação federal. No
“Ambientalização das lutas sociais ‑ o caso do movimento
ordenamento jurídico brasileiro, existem dispositivos legais
por justiça ambiental” foi grande fonte de inspiração. Nele, o
que obrigam as instituições bancárias a se preocuparem com
autor analisa a apropriação da questão ambiental por parte de
aspectos ambientais em suas operações de crédito, como a lei
organizações e movimentos sociais refletindo sobre o que é
que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, e
chamado de ecologismo de resultados, pragmático e tecnicista,
a Lei de Crimes Ambientais, de 1998 (Repórter Brasil, 2011). Na
por um lado, e ecologismo combativo, contestatório, por outro.
prática, no processo de aprovação de novos financiamentos, o
As categorias utilizadas no caso deste artigo são a de crítica
Banco se limita a verificar se as diretrizes ambientais definidas
reformista e crítica contestatória.
pela legislação, como consulta prévia e avaliação de impacto 32
ambiental, dentre outras, foram cumpridas ou não pelos órgãos
modelo a ser seguido pelas demais instituições financeiras e o
Primeiramente, este artigo apresenta o debate sobre
salvaguardas, seu histórico e alguns conceitos importantes.
nos projetos, procurando evitá-los, quando possível, e mitigá-
Na segunda parte, há uma reflexão sobre a crítica reformista
los, quando necessário. Com efeito, técnicas como a avaliação
e questões como transparência, mecanismos de prestação de
prévia de impactos ambientais, consulta prévia às comunidades,
conta e participação. A terceira seção apresenta os argumentos
planos de mitigação de impactos, além de políticas específicas
do que aqui se denomina crítica contestatória, aproveitando
para projetos que envolvam reassentamento involuntário
o debate sobre salvaguardas para realizar uma análise mais
de populações ou impactos sobre comunidades indígenas
estrutural sobre o processo de ambientalização das IFMs, seus
começaram a ser aplicadas. Em alguns casos, a política de
mecanismos de participação e de investigação independente e a
salvaguardas de um banco pode também ser aplicada para
relação com a crítica. A última parte traz algumas considerações
impedir o envolvimento dele em determinados tipos de projeto.
finais e questões a serem aprofundadas.
A política de salvaguardas do Banco Mundial, por exemplo,
A construção deste artigo é resultado de mais de dez anos
veda a participação da instituição em projetos envolvendo a
de experiência do autor e da autora no monitoramento de
conversão significativa de habitats naturais ou operações com
IFMs, incluindo o papel dos dois como secretária e secretário
madeireiras comerciais.
executivos da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras
Durante a década de 1980, o Banco Mundial foi alvo de duras
Multilaterais, período durante o qual participaram de consultas
críticas de organizações da sociedade civil por sua omissão e
e reuniões do Banco Mundial, BID e BNDES, atividades de
negligência em relação aos danos sociais e ambientais causados
formação e mobilização de populações atingidas por estas
pelos projetos financiados. Pressionado, este Banco acabou
instituições, além de processos de monitoramento, avaliação e
adotando uma política de salvaguardas socioambientais (ver
denúncias de alguns dos casos aqui citados. O trabalho contou
tabela 1), sendo posteriormente seguido por outras agências de
ainda com um esforço de pesquisa em fontes secundárias para
desenvolvimento, como o (BID) e o Banco de Desenvolvimento
construir os elementos teóricos fundamentais ao debate sobre
Asiático (BDA).
salvaguardas, participação e o papel da crítica.
Por sua vez, a Corporação Financeira Internacional (IFC, do original em inglês), agência ligada ao Grupo Banco Mundial que
1. O debate sobre salvaguardas: salvaguardando o quê?
financia exclusivamente o setor privado, possui uma política de salvaguardas específica. Também como resultado da pressão
A palavra salvaguarda significa, de acordo com o dicionário
por parte de organizações da sociedade civil, em 2006 o IFC
Houaiss da Língua Portuguesa, proteção e garantia dadas por
adotou uma série de Políticas e Padrões de Desempenho sobre
uma autoridade ou instituição; o que serve de defesa, de amparo;
Sustentabilidade Socioambiental (ver tabela 2) para orientar seus
ou, ainda, privilégio ou vantagem de certa classe ou espécie.
clientes na gestão de riscos sociais e ambientais em setores como
Quando o que está em discussão é a aplicação de salvaguardas
os de petróleo, gás e mineração. A política do IFC se diferencia
por uma instituição financeira responsável pelo financiamento
das demais salvaguardas do Banco Mundial por ser “baseada em
de projetos, estamos falando de um conjunto de políticas e
resultados”. Assim, seus clientes deverão seguir uma série de
diretrizes que são aplicadas sobre estes projetos para garantir que
princípios de sustentabilidade mais amplamente definidos, em
eles “não provoquem dano algum2”.
vez de objetivos específicos. Ao proceder dessa maneira, o IFC dá
Subjacente ao conceito de salvaguardas está a noção de que os tomadores de recursos da instituição financeira devem ser capazes de se antecipar aos efeitos considerados indesejáveis
a seus clientes maior flexibilidade para escolher que ferramentas utilizar para alcançar estes resultados esperados. No entanto, a adoção de salvaguardas bem como os demais 33
instrumentos de prestação de contas e democratização não
financiados pelas instituições financeiras. Embora a maioria
livraram as (IFMs) das críticas. Com o tempo, percebeu-se
das IFMs tenha implementado políticas de acesso à informação
que as normas e procedimentos concebidos em resposta
(ou disclosure) ao longo dos últimos anos, estas ainda deixam
às pressões da sociedade civil, como condições essenciais
muito a desejar. Uma das críticas feitas aos relatórios de
para o financiamento de projetos, terminaram não sendo
acompanhamento de projetos divulgados pelo Banco Mundial,
adotadas – ou satisfatoriamente adotadas – pelos próprios
por exemplo, é a de que estes apenas apresentam dados
bancos. A partir daqui, identificam-se pelo menos dois
agregados, que impedem uma visualização mais precisa sobre
grupos críticos das IFMs com diferentes interpretações para
os impactos que estão sendo efetivamente provocados pelos
os problemas de implementação das salvaguardas: o primeiro
projetos. Além disso, a maioria destes relatórios é resultado
deles é o dos reformistas, que acreditam nas salvaguardas
das chamadas “inspeções de escritório”, ou seja, não adota
como um instrumento de reforma dos bancos e atribuem a
como fonte primária de informação o contato direto com as
falhas operacionais os problemas na implementação; o outro
comunidades (FOX, 2001; HERBERTSON, 2010).
grupo, dos contestatários, argumenta que as salvaguardas
O caso do IFC é ainda mais grave: o banco é conhecido pela
são instrumento de retórica, sendo, portanto, muito mais um
sua prática de implementar e monitorar projetos de portas
discurso do que necessariamente uma prática. Para este grupo,
fechadas e por deixar por conta das empresas beneficiárias de
o objetivo final das salvaguardas é a neutralização da crítica
seus empréstimos a comprovação dos resultados definidos
ao modelo de desenvolvimento do qual os bancos são um
pelos seus “Padrões de Performance”. Isso é particularmente
instrumento central.
problemático nas operações de financiamento que o IFC realiza através de intermediários financeiros, pois não há meios
2. A crítica reformista
de se certificar se estas instituições aplicam as diretrizes de sustentabilidade exigidas pelo IFC.
Os reformistas consideram as salvaguardas um eficiente instrumento para a promoção de um desempenho
2.2 Prestação de contas: o caso do Painel de Inspeção
ambientalmente responsável pelos bancos, mas desde que
do Banco Mundial e do Mecanismo de Investigação
aplicadas adequadamente. Neste sentido, a crítica reformista
Independente do BID
mira na falta crônica de transparência, canais de participação direta e de mecanismos eficientes de prestação de contas e
Para os críticos reformistas, a existência de canais de prestação
responsabilização como principais desafios a serem superados
de contas e accountability, complementares à política de
pelos bancos multilaterais.
transparência, é também necessária para uma aplicação eficiente das salvaguardas. Neste sentido, mecanismos de mediação de
2.1 Transparência
conflitos como o Painel de Inspeção do Banco Mundial surgem servindo como via para que os interessados nos projetos e
A falta de transparência, por exemplo, impede que se
manifestam quando deixaram de ser observadas salvaguardas
econômico-financeiro, seja do ponto de vista socioambiental.
sociais e ambientais do Banco (BANCO MUNDIAL, 2009).
Logo, sem transparência não há como saber de que forma as salvaguardas são efetivamente implementadas nos projetos 34
suas comunidades identifiquem e resolvam problemas que se
saiba como os projetos são avaliados, seja do ponto de vista
A criação do Painel de Inspeção pelo Banco Mundial em 1993 foi vista como uma das principais vitórias da sociedade
civil internacional relativas às políticas das IFMs, após intensa mobilização e pressão de
Os impactos da atuação das instituições financeiras estão presentes em todo o território: financiando a destruição
redes, ONGs e movimentos sociais de vários países. A exemplo do que aconteceu com as salvaguardas, outras IFMs seguiram a iniciativa do Banco Mundial, criando mecanismos semelhantes ao Painel de Inspeção. O BID, por exemplo, em 1994 criou o Mecanismo de Investigação Independente (MII), que em 2010 passou a se chamar Mecanismo Independente de Consulta e de Investigação (Mici). Em 1999, o IFC e a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (Agim), ambas do Grupo Banco Mundial, também criaram o Escritório do Ombudsman para a Verificação da Obediência às
Tomando como exemplo o Painel de Inspeção do Banco Mundial, o processo de funcionamento é o seguinte: duas ou mais pessoas afetadas por um projeto financiado pelo Banco, que considerem que o projeto violou as salvaguardas, podem escrever ao painel pedindo uma investigação. Uma vez recebido e registrado o pedido, o painel determina a elegibilidade desse pedido, ao qual a gerência do Banco tem a oportunidade de dar uma resposta inicial, concentrada geralmente no fato de terem sido ou não observadas as políticas pertinentes da instituição naquele projeto em particular. Caso conclua que o pedido é elegível, o painel recomenda uma investigação completa à diretoria executiva (BANCO MUNDIAL, 2009). Entretanto, a crítica reformista reconhece que é mais fácil falar do painel do que usálo efetivamente. Mesmo em casos em que as pessoas atingidas estão informadas sobre o painel e as políticas do Banco e seus pleitos ajustamse às incumbências do painel, os custos e riscos
Guilherme
CAO) (BM, 2009; BID, 2010).
Resende
Regras (Office of the Compliance Advisor Ombudsman –
de registrar uma reclamação podem ser substanciais. Os custos envolvem recursos humanos necessários para o processo, altamente técnico, de preparar uma reclamação, registrá-la e fazer lobby por ela. A percepção de riscos também depende de que potenciais reclamantes estejam sujeitos a ameaças de retaliações. Finalmente, a motivação para usar um canal institucional como o Painel de Inspeção não pode ser suposta como sempre presente. Os procedimentos do painel e a linguagem política extremamente técnica do Banco requerem tanto uma proficiência em inglês quanto um alto nível de 35
familiaridade e tolerância com a cultura legal ocidental, sem
da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, e fornecendo os produtos
mencionar uma aceitação implícita da legitimidade do Banco
derivados dos animais nos mercados brasileiro e internacional
enquanto instituição.
(REDE BRASIL, 2004; CARTA MAIOR, 2005; GREENPEACE, 2009).
A experiência revela ainda que raramente as IFMs cancelam
Caso semelhante ao da hidrelétrica no Rio Bío-Bío aconteceu
um empréstimo por uma falha na obediência de suas próprias
no Brasil com o então MII, do BID, no financiamento ao projeto
políticas de salvaguardas, o que reduz os incentivos ao
da Hidrelétrica de Cana Brava em 2005. Desde o início do projeto,
encaminhamento de queixas aos mecanismos de mediação de
vários conflitos foram gerados e denúncias foram apresentadas
conflitos. Em 1995, uma queixa feita ao Painel de Inspeção do
pelos atingidos pela obra envolvendo a empresa – a Companhia
Banco Mundial pelo financiamento pelo IFC de uma barragem
Energética Meridional (CEM), subsidiária da Tractebel Energia
hidrelétrica no Rio Bío-Bío, no Chile, abriu um lamentável
da Bélgica –, o governo e os financiadores. Após a realização de
precedente: o Banco provocou e negociou o vencimento
uma auditoria social, o BID reconheceu a sua responsabilidade
antecipado de um empréstimo e a empresa ficou desobrigada
pelas falhas operacionais do projeto, destacando a violação da
a cumprir as salvaguardas. Como já foi dito, o IFC está fora do
sua própria Política Operacional de Reassentamento Involuntário.
poder do Painel, e viria a criar o seu próprio mecanismo apenas
O Banco também se comprometeu a “continuar a ter uma
quatro anos mais tarde. Mesmo assim, a direção do Banco
obrigação moral em manter uma reputação positiva, garantindo
Mundial não quis estender o poder do Painel de Inspeção sobre
que todos os atingidos pelo projeto fossem beneficiários da
o IFC e, assim, recusou permissão para uma inspeção. Porém a
implementação do projeto”. Apesar disso, um representante do
reclamação fez James Wolfensohn, então presidente do Banco,
BID observou que dificilmente o BID poderia exigir medidas da
estabelecer uma averiguação ad hoc e independente. Mas a
Tractebel já que esta, em maio de 2005, exerceu o seu direito
companhia de energia chilena pagou, adiantadamente, a sua
de pré-pagar o empréstimo do BID inteiramente, como
dívida, evitando assim o escrutínio do Banco Mundial.
estipulado nos documentos de financiamento, livrando-se das
Vale lembrar que o IFC já foi alvo de diversas críticas também no Brasil por financiar projetos de graves impactos
obrigações assumidas junto ao Banco3, incluindo a aplicação das salvaguardas.
socioambientais. Alguns exemplos são a expansão de plantação de soja do Grupo Amaggi no leste do Mato Grosso, a Aracruz
2.3 Participação
Celulose e a ampliação de uma das maiores empresas do setor de carne bovina do país, a Bertim, na Amazônia. No caso da Aracruz,
36
Diante da observação dos problemas existentes na aplicação
a empresa antecipou o pagamento da dívida que tinha com o
das políticas de salvaguardas bem como da insuficiência dos
IFC, no valor de US$ 50 milhões, o que levou o Banco a afirmar
mecanismos de solução de conflitos das IFMs para fazer os
que, assim, estava encerrada sua relação com a multinacional
bancos respeitarem suas próprias diretrizes, as organizações
e a sua responsabilidade em torno das questões cobradas pela
da sociedade civil insistem na importância dos canais de
sociedade civil, em especial pela Rede Alerta Contra o Deserto
participação direta, como meio de promover o diálogo
Verde e a Rede Brasil. Em relação ao caso Bertim, o Banco foi
sobre o aperfeiçoamento destes instrumentos de reforma
obrigado a cancelar o empréstimo depois de denúncias e de
das instituições. Como resultado dessa pressão, as IFMs têm
uma ação movida pelo Ministério Público Federal do Pará de
realizado inúmeros processos de consulta sobre suas políticas
que a empresa estaria comprando gado de fazendas envolvidas
setoriais (revisão da política de integração do BID, da política
em desmatamento ilegal e de propriedades localizadas dentro
energética e climática do Banco Mundial), além das suas próprias
salvaguardas. No entanto, há um descontentamento por parte
várias realidades que são socialmente construídas. Ela é capaz
da sociedade civil, pois as consultas têm sérios problemas
de revelar o papel da linguagem na política; a inserção da
metodológicos (documentos de discussão são divulgados com
linguagem na prática; ilustrar por que determinadas definições
pouca antecedência das consultas, geralmente em inglês e na
tornam-se mais “populares”; e explicar os mecanismos que
internet, sem ampla divulgação, levantando dúvidas sobre o
resultam em certas políticas e não em outras. Em relação ao
caráter da representação que atende aos convites) e não há meios
discurso ambiental, não é o meio ambiente apenas que está em
de saber como efetivamente os bancos consideram as críticas
debate e sim o projeto de sociedade que é promovido sobre a
que lhes são dirigidas.
bandeira da proteção ambiental.
A crítica reformista argumenta ainda que alguns traços
Os significados atribuídos às palavras em torno do conceito
da própria cultura institucional dos bancos ajudam a
de salvaguardas como proteção, garantia, defesa e amparo são
entender a razão pela qual as IFMs não respeitam seus
apropriados de formas distintas. O que é proteção, garantia,
próprios procedimentos. Em um banco, os funcionários
defesa e amparo para o Banco Mundial é, sem dúvida, distinto do
são recompensados pela quantidade de desembolsos que
que representa para uma comunidade tradicional que há anos
conseguem realizar, e não necessariamente pela qualidade.
vive em um território ameaçado em todos os sentidos por um
Nesta mesma perspectiva, a aplicação de salvaguardas tem
projeto financiado pelo Banco. Talvez esta comunidade veja a
impactos diretos nos custos operacionais de um projeto
política de salvaguardas mais como uma forma de “privilegiar e
e também em relação à aceitação de casos pelo painel de
garantir vantagem da classe” que propõe, elabora, implementa e
inspeção. A realização de missões de monitoramento, a
financia aquele projeto em nome da proteção, defesa, garantia
produção de relatórios e a correta aplicação de avaliações de
e amparo da comunidade e de seu território. O que são efeitos
impacto e consulta aumentam os custos operacionais dos
indesejáveis? O que o Banco Mundial caracteriza como dano? O
projetos e, principalmente, levam tempo, uma variável-chave
que significa de fato “evitar, quando possível, e mitigar, quando
nos financiamentos de longo prazo. Na queda de braço entre a
necessário”? Quando é impossível e quando é desnecessário?
eficiência socioambiental e a eficiência econômica, a força da
Estas são algumas questões das quais a crítica contestatória parte.
última revela-se, portanto, ainda preponderante.
A crítica contestatória está fundamentada na percepção – também construída como resultado de anos de monitoramento
3. A crítica contestatória: da eficiência socioambiental à
das IFMs – de que estas instituições não podem ser reformadas
justiça ambiental
e de que mudanças de discurso não têm significado mudanças na prática. São vários os exemplos de violações de salvaguardas
Conceitos são apresentações gerais da realidade, portadores
nas IFMs. Além dos casos acima mencionados, os seguintes
de significados. No entanto, podem ser apropriados de forma
projetos foram alvos de denúncias por violações de salvaguardas
distinta e ter representações diferentes dependendo do ator, seu
do Banco Mundial no Brasil: Projeto de Biodiversidade do
contexto histórico cultural, seus interesses e posicionamentos
Paraná, Projeto de Gestão de Recursos Naturais de Rondônia,
ideológicos. Como define Hajer (2005), o discurso, produzido
as hidrelétricas de Yacyretá e Itaparica e o Projeto de Reforma
e reproduzido através de distintas práticas, é um conjunto
Agrária para Alívio da Pobreza. No caso do BID, o novo
de ideias, conceitos e categorias que dão significado aos
Mecanismo de Investigação Independente, criado em 2010, já
fenômenos sociais e físicos. A análise de discurso rejeita
recebeu seis denúncias, incluindo o projeto de desenvolvimento
a ideia de uma só realidade baseando-se na existência de
urbano de São José dos Campos. Além disso, processos de 37
sendo de forma indireta, através do financiamento de estudos técnicos que subsidiaram a liberação do licenciamento ambiental), o Banco respondeu que como os governos não adotaram os resultados da Comissão o Banco também não poderia. A crítica contestatória não defende o uso de nenhuma condicionalidade por parte do Banco, pois isso significaria reconhecer a legitimidade desta instituição, mas uma resposta como esta poderia ser considerada dois pesos para uma medida; um posicionamento bastante cômodo. Verena Glass
Portanto, neste debate sobre ambientalização das instituições financeiras, adota-se como A expansão da plantação de soja em Mato Grosso foi financiada pelo IFC: denunciado pelos impactos socioambientais
crítica sistêmica, para questionar,
avaliação das suas próprias políticas, tais como a Comissão
em vez de celebrar, a adoção de políticas de salvaguardas
Mundial de Barragem4 e a investigação do Grupo de Avaliação
socioambientais e a criação de mecanismos de mediação de
Independente sobre o setor extrativista do Banco Mundial ,
conflitos e de canais de participação direta pelas IFMs. Dito isso,
geraram recomendações que nunca foram incorporadas pela
é importante ressaltar que as salvaguardas, como também a
instituição. No caso da Comissão Mundial de Barragem, cujo
pressão por transparência e participação, consideradas neste
resultado evidencia a inviabilidade social, ambiental e econômica
caso como instrumento de luta e não como fim, foram utilizadas
da construção de barragens, pode-se argumentar que o Banco
pelo campo contestatório em momentos de luta em que tais
Mundial reduziu seus empréstimos diretos para tais projetos. No
instrumentos eram considerados estratégicos. É diferente utilizar
entanto, além de o Banco continuar considerando hidrelétricas
as salvaguardas como um instrumento de luta dentro de um
como energia renovável, não utilizou os resultados do estudo
objetivo central de mudança do modelo de desenvolvimento e
para eliminar outras formas de participação, inclusive política,
superação das injustiças ambientais de utilizá-las como fim, sem
na implementação de um modelo de desenvolvimento baseado
questionar os impactos negativos e os limites da sua elaboração,
na construção de grandes projetos de infraestrutura, mudando
incorporação e implementação por parte de instituições como
assim a lógica da sua política energética. Quando questionado
as IFMs. No campo da crítica contestatória, fica evidente quando
sobre o uso dos resultados da CMB em relação à sua
um instrumento como as salvaguardas torna-se um obstáculo na
participação no Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (mesmo
luta por uma mudança sistêmica e é, por isso, abandonado.
5
38
ponto de partida de análise uma
O que fundamenta essa visão é a percepção segundo a qual tais instrumentos servem de base para a apropriação
sustentável (LEFF, 2009). Para Acselrad (2008), a partir dessa construção do processo
de um discurso ambiental que contribui para a antecipação
de ambientalização, entendido como a existência de novos
e a neutralização da crítica ao padrão de desenvolvimento
fenômenos ou novas percepções de fenômenos relacionados
dominante. Sendo assim, a incorporação da questão ambiental
à interiorização da questão pública do meio ambiente pelas
por parte das IFMs precisa ser contextualizada e problematizada,
pessoas e por grupos sociais, que leva a mudanças de linguagem,
tendo em mente também a fase “social” das IFMs, na qual a
práticas sociais e processos de institucionalização, “velhos
incorporação de questões sociais se deu no contexto de um
fenômenos são renomeados como ‘ambientais’”, a partir
discurso que buscava “humanizar” o capitalismo.
dos quais surgem ações unificadas em torno da proteção
É possível afirmar que o tema ambiental começou a ser
ao meio ambiente. Com o processo de ambientalização
percebido como uma questão pública internacional nos anos
dos Estados6 e das IFMs, a estratégia passou a ser superar a
1960, quando os desafios da degradação ambiental e os limites
visão de que a questão ambiental seria um obstáculo para
do crescimento econômico foram evidenciados. Este processo
o desenvolvimento, encontrando formas de promover os
foi consolidado durante a Conferência das Nações Unidas sobre
propósitos desenvolvimentistas, como a busca por maiores
Meio Ambiente Humano, em Estocolmo em 1972. No mesmo
lucratividades dos capitais em nome da geração de emprego e
ano, o Clube de Roma, Organização Não Governamental (ONG)
renda, garantindo assim uma legitimidade para a questão.
internacional composta principalmente de representantes do
Este processo é também conhecido como modernização
setor privado e da academia, comissionou um estudo chamado
ecológica, definida por Hajer (1996) como uma resposta
Os limites do crescimento. Os autores mergulharam na velha tese
política-administrativa para a última manifestação do dilema
de Thomas Malthus sobre o perigo do crescimento populacional
ecológico, com base na suposição de que a crise ecológica pode
e na teoria da escassez dos “recursos” (entre aspas porque o uso
ser superada através da inovação tecnológica e processual, de
do termo recursos atribui uma ideia de mercado para algo não
instrumentos de mercado da colaboração e da construção do
mercantil: a natureza) naturais. As propostas foram baseadas no
consenso. As instituições políticas seriam capazes de internalizar
controle populacional e na economia de “recursos” em matéria e
preocupações ecológicas e conciliar o crescimento econômico
energia para garantir a continuidade da acumulação do capital. O
com a resolução dos problemas ambientais. Neste contexto,
debate sobre as razões pelas quais a natureza é apropriada e sobre
o meio ambiente deixa de ser um obstáculo ao crescimento,
as relações sociais de exploração que fundam tal apropriação é
passando a ser seu novo motor. É essa percepção do meio
escondido por trás da teoria da escassez (ACSELRAD, 2010).
ambiente que a crítica contestatória argumenta ser a das IFMs.
Assim, em 1984 a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
A crítica em torno da modernização ecológica se dá em
e Desenvolvimento, criada pelas Nações Unidas, realizou um
diversos níveis e está relacionada com o uso que é feito do
estudo sobre a degradação ambiental e as políticas ambientais
discurso ambiental, como também a prática. Esta modernização
que resultou no relatório Nosso Futuro Comum. O objetivo do
foi impulsionada por uma elite de políticos, especialistas e
estudo era propor meios de harmonizar o desenvolvimento
cientistas que impõe suas definições do problema e suas
econômico e a conservação ambiental. Esta publicação
soluções, buscando manter o interesse das elites industriais
aparece como um instrumento para a introdução de políticas
através de instrumentos políticos como as IFMs. Neste caso o
de sustentabilidade ecológica ao processo de globalização
discurso ambiental é utilizado como forma de legitimação e
econômica, tendo como conceito orientador o desenvolvimento
instrumento para garantir a continuação e o aprofundamento 39
de políticas neoliberais: tudo deve ser permitido em nome
por agências multilaterais, de apologia da parceria
do meio ambiente. Essa perspectiva adota como pressuposto
público-privada, de deslegitimação da esfera nacional
que a degradação ambiental é uma externalidade, uma falha
em favor da esfera local, de favorecimento das ações
do mercado e que, consequentemente, é preciso “internalizar
fragmentárias em detrimento da coerência articulada da
os custos ambientais”, valorar bens não econômicos, onde
ação política.
o mercado prevalece sobre o não mercantil. O processo de valorização da natureza gera uma nova fonte de renda capitalista,
A substituição da crítica contestatória pelo tecnicismo seria
seja através da redução de custos por causa dos programas
um propósito comum a organismos multilaterais, governos e
de sustentabilidade ambiental corporativa e ganhos em
empresas poluidoras. Em relatório para o Brasil, o Banco Mundial
competitividade, da elaboração, comercialização e dominação
dizia “reconhecer seu papel de catalisador” na promoção da
sobre novas tecnologias e das isenções fiscais, seja através da
participação da sociedade civil (GARRISON, 2000). Atuando de
criação do lucrativo mercado de “serviços e ativos ambientais”.
forma antecipada, podemos dizer que através da elaboração
Desse modo, a modernização ecológica seria um caso de
de políticas de salvaguardas, por exemplo, estas instituições
falsas soluções para problemas reais. Existe uma realidade mais
estariam capturando os movimentos de contestação ao modelo
profunda por trás da retórica oficial da modernização ecológica:
de desenvolvimento dominante no contexto do projeto de
a tecnocracia disfarçada que representa um obstáculo para as
“modernização ecológica”.
soluções verdadeiras. Como o tema ecológico foi incorporado
Em relação à ideia de neutralização da crítica, vale citar
pelos aparatos de poder, tornou-se um pretexto e um meio para
o trabalho realizado por Boltanski e Chiapello, na obra O
controlar mais ainda a vida e o ambiente social (ACSELRAD,
Novo Espírito do Capitalismo, em que a crítica é apresentada
2010; HAJER, 1996; LEFF, 2009).
como grande motor que dinamiza o espírito do capitalismo, fornecendo a sua justificação moral. Os autores mostram como
3.1 Salvaguardas –”modernização ecológica para a
o capitalismo utiliza-se da crítica, de algo que lhe é alheio ou até
neutralização da crítica”
hostil, para se justificar, mesmo quando o objetivo da crítica não seja estabelecer um espírito capaz de possibilitar a acumulação
A diferenciação entre a crítica reformista e a contestatória pode ser relacionada com o que Acselrad (2010) chama de “substituição
do capitalismo, e sim de reformar ou superar o sistema. Essa apropriação é realizada através de três formas:
do ambientalismo contestatário por um ecologismo de resultados, pragmático e tecnicista”, desenraizado, que ocorreu
1.
ao longo dos anos 1990. Embora este movimento não tenha sido
espírito do capitalismo e reduzir a sua eficácia enquanto
generalizado, houve uma tentativa de neutralização das lutas
justificativa. Por exemplo, no final dos anos 1960 o
ambientais por parte, principalmente, das IFMs, mas também
capitalismo estadunidense encontrou fortes tensões
por empresas poluidoras e governos, sobrevivendo aqueles com
entre o ascetismo protestante que pregava o valor do
fortes vínculos com os movimentos sociais. O autor (ibid, p.13)
trabalho e da poupança e um estilo de vida baseado no
sugere que:
gozo imediato do consumo, estimulado pelo crédito
A crítica serve para deslegitimar o “último”
e pela produção em massa. A crítica ao ascetismo
40
parte do “ecologismo desenraizado” respondeu
protestante acabou deslegitimando o espírito capitalista
favoravelmente ao discurso consensualista propugnado
até então dominante, colaborando para um processo de
transformação para a fase materialista da sociedade
mudando a forma imediata de obtenção de benefícios,
de consumo do capitalismo. Este processo teve
deixando a crítica sem saber como explicar o “novo”.
como resultado uma desmobilização dos trabalhadores
Um exemplo pode ser a economia verde, o atual
como consequência de uma mudança nas suas
argumento central dos governos e das IFMs para
expectativas e aspirações.
combater o que eles chamam de crise ecológica. Este
2.
movimento está, aparentemente, deixando alguns
Ao criticar o processo capitalista, a crítica obriga
seus porta-vozes a se justificarem em termos do bem
grupos ambientalistas sem crítica enquanto, no fundo,
comum. Assim, o capitalismo se legitima incorporando
aparece como uma nova “roupagem” para um velho
parte dos valores em nome dos quais foi criticado. Por
modo de produção e consumo. Outro exemplo é o
exemplo, depois das muitas críticas ao Consenso de
fato de que a agenda de instituições como o Banco
Washington, instituições como o Banco Mundial e o BID
Mundial e o BID no Brasil deixou de ser dominada por
adotaram o discurso da “humanização” do capitalismo,
financiamento direto aos projetos, passando a se dar
promovendo políticas setoriais, escolhendo uma parte
através da assistência técnica. Ou seja, em vez de investir
dos “pobres” a ser beneficiada, para justificar a sua
diretamente em projetos de hidrelétricas, fornecem
preocupação como social. Mais recentemente percebeu-
assistência técnica ao governo para implementá-los, se
se um processo de ambientalização destas instituições.
“esquivando” da crítica.
Ou seja, tanto o Banco Mundial quanto o BID elaboraram salvaguardas ambientais e implementaram investigações
Embora tendo como base a argumentação de que o
independentes de seus projetos. A hidrelétrica de Cana
capitalismo sempre se renova com a ajuda da crítica, o objetivo
Brava está entre os muitos casos de projetos financiados
de Boltanski e Chiapello (ibid) não é reduzir o papel da crítica ao
por estas instituições que resultam em conflito, mesmo
conceder força para o inimigo, e sim mostrar a sua importância
com a existência de salvaguardas ambientais e sociais.
e a necessidade dela de sempre recomeçar. O que os autores
Ainda neste caso, cada vez que o MAB elaborava uma
defendem é o fato de a crítica não poder nunca “cantar vitória”.
crítica ao Banco, este respondia com determinada “ação”,
Não se podem ignorar os defeitos dos novos dispositivos
seja ela uma auditoria social, seja a criação de um Fundo
criados para “atendê-la”. Neste sentido, é possível argumentar
de Desenvolvimento Regional. Embora o discurso e
que, em um primeiro momento, a criação de salvaguardas, de
algumas normas sejam modificadas, a estrutura, a lógica
mecanismos de investigação independente, de processos de
e a prática destas instituições permanecem a mesma, e a
participação e transparência foram importantes. No entanto,
crítica acaba sendo colocada a serviço do fortalecimento
não se pode perder de vista como no capitalismo, neste caso
da legitimidade delas.
em relação às IFMs, através da contínua implementação de
3.
determinado modelo de desenvolvimento, independente dos
Outro possível impacto da crítica se refere à
possibilidade de o capitalismo escapar da exigência
mecanismos e das políticas criadas, a crítica inicial se desatualiza
de reforçar suas justificativas, tornando-se assim mais
e, muitas vezes, acaba voltando contra si mesma. No entanto,
dificilmente decifrável, “embaralhando as cartas”,
a crítica é capaz de desnaturalizar os fenômenos sociais,
plantando a confusão e desarmando a crítica. Neste
mostrando inclusive que a mudança é possível, que as decisões
caso, o capitalismo responde à crítica não através da
– de construir ou não uma hidrelétrica, a escolha em torno de um
incorporação de dispositivos mais justos, mas sim
projeto de desenvolvimento, por exemplo – podem ser diferentes. 41
Assim sendo, resta à crítica contestatória seguir preservando o espaço de crítica contra o modelo de desenvolvimento e tratando de colocar a questão ambiental de tal forma que ela
governo; não é o de ocultar o conflito, mas dar-lhe visibilidade” (ACSELRAD, 2010, p. 106). Relacionado a esta análise, encontra-se o debate sobre a
seja parte estruturante da construção de um projeto político
importância da participação para a manutenção do capitalismo
contra-hegemônico.
contemporâneo. No contexto de uma reflexão (e proposta) sobre
Vale ressaltar também a discussão de Bolstanski em outra obra
o planejamento insurgente, Miraftab (2009) analisa a participação,
na qual o autor escreve sobre a necessidade da crítica. De acordo
através da inclusão, como instrumento de dominação. Neste
com ele, há neste mundo uma nova classe dominante, cada
sentido, o capitalismo neoliberal vem se utilizando das relações
vez mais heterogênea, que cria uma nova cultura internacional
com a sociedade civil para garantir estabilidade nas relações
baseada na economia e na gestão. Esta elite é responsável por
Estado-sociedade. Portanto, sugere a autora, o planejamento
operar o mundo como ele é e por relativizar as regras; regras
insurgente torna-se instrumento importante para contestar o
que quando necessário são flexibilizadas e violadas. São regras
terreno da inclusão e dominação.
a serem obedecidas apenas pelos outros, os dominados. Os
No seu artigo sobre planejamento insurgente, Miraftab (2009)
dominantes – que pertencem ao mundo das instituições
fala da necessidade de superar a dominação realizada através
financeiras, das grandes empresas e do Estado – dividem
da inclusão do capitalismo neoliberal, a tentativa de estabilizar
em comum uma visão secularizada das regras. Como afirma
as relações Estado-sociedade através da inclusão da sociedade
Boltanski (2009, p. 219), “pertencer a uma classe dominante
civil no processo de governança. O neoliberalismo é entendido
é, antes de tudo, estar convencido que pode-se transgredir a
aqui não como um projeto econômico, mas como um projeto
letra da regra, sem trair seu espírito. Mas esse gênero de crença
ideológico, um conjunto de políticas, ideologias, valores e
não vem à mente senão dos que pensam poder encarnar a
racionalidades. Por ser um projeto ideológico, o capitalismo
regra, pela boa razão que eles a fazem”. Por que, então, elaborar
neoliberal depende de legitimação e da percepção por parte da
salvaguardas sociais e ambientais? Seria porque são elaboradas
sociedade de que existe inclusão.
para serem violadas?
Diferentemente do capitalismo expansionista mercantil da era colonial, o capitalismo atual não depende mais
3.2 Canais de Participação Direta – “apropriação da crítica”
prioritariamente da força militar ou da coerção para se manter. Quando possível, o poder hegemônico é conquistado
Como parte do processo de neutralização da crítica estão
inclusão. Similar ao pensamento de Boltanski, Miraftab explica
parte do ecologismo pragmático acabou atuando diretamente
que argumentações econômicas não são suficientes para
nos espaços estatais, “prestando serviço” aos aparatos
justificar as políticas atuais. É necessário criar discursos com
burocráticos do “setor ambiental dos governos”, fornecendo
base em valores, como a liberdade e o progresso (ibid).
informação, informação técnica e mediando conflitos,
42
através do consentimento da sociedade e da percepção de
também os mecanismos de participação. Isso porque grande
A autora utiliza-se de leituras gramscianas para examinar por
colaborando para a ambientalização do setor privado e das
que instituições como o Banco Mundial (e o BID) começaram
IFMs. A crítica contestatória respondeu: “A nossa luta original
a incluir a participação nas suas agendas institucionais. A
era por um novo modelo de desenvolvimento e não por buscar
compreensão da hegemonia como relações normalizadas
soluções paliativas”, pois “não somos consultores, queremos
e da contra-hegemonia como práticas e forças capazes de
mudar a sociedade”e “nosso papel não é o de trabalhar para o
desestabilizar tais relações ajuda a entender o poder da inclusão
neoliberal. São vários os exemplos de como a participação de comunidades, movimentos e organizações em projetos de desenvolvimento de instituições, como o Banco Mundial e o BID, despolitizam a luta e ampliam o controle do Estado sobre a sociedade, permitindo a permanência do status quo através da estabilização das relações Estadosociedade; através da eliminação do conflito. No entanto, argumenta Miraftab, os movimentos também são capazes de se apropriarem das aberturas no sistema hegemônico para garantir suas ações contraVerena Glass
hegemônicas. Não são limitados ao que ela chama de invited spaces, espaços de participação criados pelas autoridades para os quais os movimentos são apenas convidados.
A produção de commodities para exportação é financiada pelas IFIs: investindo em um modelo infértil
Também são capazes de inventar espaços de participação e de
os programas do Banco Mundial, do Banco Interamericano
se reapropriarem de velhos espaços para exigir seus direitos e
de Desenvolvimento (BID), mas também de universidades
fortalecer a sua luta contra-hegemônica. Ou seja, trata-se de
como a de Harvard, Berkeley e Flórida (ACSELRAD e BEZERRA,
priorizar os espaços resultantes de mobilizações e ocupações,
2009). Como já mencionado, em 1993, o Banco Mundial criou
como ocorreu quando o Movimento dos Atingidos Por
o Painel de Inspeção com o objetivo de investigar projetos
Barragens (MAB) ocupou a sede do BID em Brasília por causa
financiados pelo Banco para determinar o cumprimento ou
de Cana Brava, em vez das consultas das IFMs que, para a crítica
não das políticas e procedimentos operacionais, incluindo
contestatória, em nada têm resultado a não ser legitimar o
salvaguardas sociais e ambientais e, em 1994, o BID criou um
ilegitimável.
mecanismo independente para “aumentar a transparência, responsabilidade institucional e efetividade” do Banco, que
3.3 Mecanismos de Resolução de Conflitos – “ação antecipada
foi substituído pelo Mecanismo Independente de Consulta e
e desjudicialização”
Investigação em 2010 (BANCO MUNDIAL, 2009; BID, 2010). Estes mecanismos vêm servindo como instrumentos de mediação
Neste contexto não é difícil compreender por que projetos de
de conflito entre o solicitante impactado pelo projeto, o governo
disseminação de tecnologias de resolução de conflitos tenham
e a empresa envolvida. Em 2011, o representante do Banco
sido implementados no continente nos anos 1990. Foram vários
Mundial, debatendo com representantes da sociedade civil sobre 43
os impactos da Copa do Mundo durante a consulta deste Banco
desequilíbrio a ser corrigido. Neste sentido, é possível
fornecendo seu know-how para o governo brasileiro em torno
compreender por que a resolução, a prevenção e a mediação
da resolução de conflitos como consequência das remoções7.
de conflitos ganharam vigência nos dias atuais. Vale lembrar a
Não é à toa que, em março deste ano, a Articulação Nacional
fala de um ex-presidente do Chile que, em 2003, declarou que
dos Comitês Populares da Copa, conjunto de organizações,
“um país sem coesão social é conflitivo. Um país conflitivo não
movimentos e militantes que vêm denunciando as violações
é competitivo. Para competir no exterior, é preciso coesão social”
de direitos decorrentes da realização de megaeventos, elaborou
(FOLHA DE S.PAULO, 2003, p. A27, apud. ACSELRAD e BEZERRA,
uma carta criticando um seminário realizando pelo Ministério
2009, p. 2). Logo, para garantir a competição é necessário banir o
da Cidades em parceria com o Banco Mundial. O convite dessas
conflito e para tanto é preciso banir também a política, considerada
instituições explicita o objetivo:
uma ameaça à construção de estratégias vencedoras. A política e a
O objetivo do workshop (Internacional sobre Deslocamentos) é buscar soluções concretas para o Brasil no enfrentamento
ação coletiva são substituídas pelo consensualismo. Banir o conflito significa banir a luta social, um meio através
dos desafios relacionados a deslocamentos involuntários, por
do qual grupos sociais constituem-se como sujeitos políticos,
meio da reunião de especialistas e formuladores de políticas
geram identidades, projetos e práticas coletivos e ação política
em âmbito nacional e internacional. Serão compartilhadas
autônoma (VAINER, 2007). E como ocorre a mediação? De
experiências e melhores práticas em formulação e
acordo com Acselrad e Bezerra (2007), os defensores dos
implementação de políticas, legislação e abordagens para
mecanismos de resolução e mediação de conflito os justificam
reassentamentos e deslocamentos involuntários, buscando
primeiro sem referência à compensação econômica, citando
relacioná-las com os desafios-chave para as autoridades
a carência de instituições, a redução de custos, a necessidade
brasileiras (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2012, p. 1).
de submeter os litígios à apreciação de experts e a necessidade
No entanto, o que significa resolver, prevenir ou mediar um
44
A perspectiva dominante percebe o conflito como um
sobre sua nova Estratégia País, afirmou que o Banco estaria
de participação. Vale lembrar que o documento do BID (1999)
conflito? São várias as perspectivas em torno de conflitos sociais
“Reassentamento Involuntário nos Projetos do BID: Princípios e
que vão desde a ideia do conflito como sinal de que algo está
Diretrizes”, elaborado para “apresentar os princípios e estratégias
errado, resultado de um desequilíbrio que precisa ser eliminado
a serem seguidas no caso de projetos de desenvolvimento
para garantir a coesão social, aos que defendem que a existência
financiados pelo Banco que resultam em relocação involuntária”
de conflito reflete a dinamicidade do sistema, sendo este capaz
(ibid, prefação), inclui, entre outras questões, a necessidade
de promover um aperfeiçoamento no sistema ou até a sua
de um painel independente de peritos para projetos com
superação através de reformas ou revoluções (VAINER, 2007). O
grande probabilidade de causar significativos impactos de
conceito de resolução de conflito, no entanto, tem como base a
reassentamento. Considera-se que os peritos agem em torno
perspectiva de que os conflitos ocorrem por falta de instituições
de um bem “maior”. Inclui também o princípio de “Assegurar
e que a paz e a harmonia deveriam provir de um processo de
Participação da Comunidade”. A auditoria Social também
despolitização dos litígios, através de táticas de negociação
menciona a necessidade de especialistas sociais e a importância
direta capazes de prover “ganhos mútuos”. Os conflitos devem
da participação.
ser prevenidos e seu tratamento tecnificado através de regras e
Essas justificativas desconsideram o debate sobre correlação
manuais (ACSELRAD e BEZERRA, 2009). Mas de onde surgiram
de forças. Desconsideram que são as leis e o combate às relações
estas propostas e quais os seus objetivos?
desiguais no exercício do direito que podem melhor defender
os interesses de grupos sociais em conflito contra empresas e
considerada um instrumento de esvaziamento da possibilidade
contra o governo. Como afirma Vainer (2007), a mediação supõe
de evidenciar o confronto entre diferentes modelos de
a existência de uma neutralidade, uma isenção de todos os
desenvolvimento. Ou seja, o MAB não luta apenas por
interesses, posições e condições de classe. Se essa neutralidade
compensação econômica, luta por uma transformação no
fosse possível, ela ainda teria de ser baseada em determinados
modelo energético e de desenvolvimento. Essa questão
valores e parâmetros, não passíveis de mediação. Usando o
não apareceu nos documentos do BID ou nos processos de
exemplo do BID, o documento mencionado também defende
negociação. Ocorre também que propostas como fechar a
que “A maneira mais justa de se resolver disputas é através
hidrelétrica, evitar a construção de outras com os mesmos
de procedimento de arbitragem independente envolvendo
impactos, banir a Tractebel de pelo menos receber financiamento
instituições e indivíduos considerados neutros por ambos os
novamente do BID ou do BNDES também são ignoradas a partir
lados”. Não são os valores do Banco que orientam os indivíduos
da realização da compensação. Na lógica do “modelo harvardiano”
que participam dessas iniciativas? O problema também ocorre
de negociação, conforme escrito por Fisher e Ury (1985), que
ao constatar-se que, quando tais mecanismos funcionam,
o próprio título do livro, Como chegar ao sim: a negociação de
seus resultados, sendo contrários aos interesses dos criadores,
acordos sem concessões, sugere, o objetivo da negociação é
são geralmente ignorados. Isso pode ser verificado com o caso
superar as resistências, a disputa, o conflito e garantir a aprovação
de Cana Brava: quando os resultados do Mici e da primeira
de empreendimentos (ACSELRAD e BEZERRA, 2009). O direito de
auditoria não foram divulgados, o Banco permitiu que a empresa
dizer não ao projeto não é considerado.
adiantasse a sua dívida para, assim, não ter nenhuma obrigação
O documento do Banco Mundial (2009) sobre o Painel de
com as normas do BID; e quando as irregularidades divulgadas
Inspeção não deixa dúvidas sobre o real objetivo da mediação
não foram corrigidas.
e negociação:
Existe ainda a justificativa com base na compensação
Quando membros da Gerência do Banco ou da Diretoria
econômica. Duas virtudes são enfatizadas neste caso. Primeira,
levantam a questão do “custo” do Painel de Inspeção em virtude
consideram a possibilidade de que todos os atores envolvidos
de demoras em projetos, basta apenas recordar os dias de
no conflito possam vencer, tendo algum tipo de compensação
Narmada, Polonoroeste, Transmigração e o empréstimo para o
(ACSELRAD e BEZERRA, 2009). Pode-se argumentar que no caso
Setor da Energia, no Brasil, para saber que o Banco não poderia
de Cana Brava, com a criação do Fundo de Desenvolvimento
reverter jamais à era anterior ao Painel. Alguns daqueles projetos
Regional, todos os atores ganharam alguma compensação. No
foram postergados por anos (bem mais longamente do que
entanto, como pode ser percebido pela fala do Movimento, a
uma investigação do Painel), devido a protestos locais, consultas
compensação não foi justa e muito menos igualitária.
públicas insuficientes, violações de políticas e direitos humanos,
A segunda virtude refere-se ao fato do ganho proveniente da possibilidade de evitar que os litígios cheguem à esfera judicial,
falha na elaboração do projeto, falta de supervisão ambiental e social, entre outros problemas (p. 117) .
o que seria indesejável (ibid). No entanto, recorrer ao Ministério Público é uma estratégia central dos movimentos envolvidos em
Considerações finais
conflitos. No caso de Cana Brava, a esfera judicial foi claramente evitada pela empresa, inclusive através do adiantamento do pagamento da sua dívida com o BID. Vale ressaltar que a compensação econômica pode ser
A questão ambiental não é uma questão nova. Há muitos anos ecologistas e intelectuais tentam chamar atenção para os impactos do modelo de desenvolvimento sobre a natureza, 45
levantando questionamentos sobre a relação sociedade
por estas instituições à toa. Não é necessário apelar para
e natureza sendo construída em nome deste modelo. No
teorias da conspiração para perceber que existe algo por trás
entanto, foi somente nos anos 1970 que ela se tornou uma
do discurso ambiental. Existe algo por trás do debate sobre
questão pública, uma questão política, sendo incorporada
salvaguardas ambientais porque, afinal, como salvaguardar
pelas instituições públicas e privadas, inclusive as financeiras.
algo que tem significados diferentes, representações materiais
Como novos fenômenos são construídos? Como velhos
e simbólicas diferenciadas e conflitantes? Como conciliar
fenômenos passam a ser concebidos de outra forma? O que
diferentes valores, princípios e estratégias de desenvolvimento?
gerou e como se deu a construção dessa “união” de todos pela
É possível fazer isso através de demandas por mais
“proteção ambiental”? É essa a questão central por trás deste
transparência, participação, controle social e melhorias
debate sobre salvaguardas ambientais.
técnicas, pela mediação e resolução de conflito, ou seja,
Se existe algo que o monitoramento de instituições financeiras (e políticas) tem nos ensinado é que nada é realizado
por reformas pontuais? Ou estaremos, desse modo, apenas legitimando mais uma forma de apropriação e neutralização da crítica e das lutas sociais por justiça e dando ao capitalismo outra justificativa moral? Isso não significa necessariamente negar essas estratégias por completo em todos os momentos de luta, mas sim problematizá-las e levantar os riscos de se focar nelas como fim ou como prioridade. O discurso das IFMs, muitas vezes, tenta camuflar a existência de diferentes projetos de sociedade. Para essas instituições, o conflito ocorre somente quando os diferentes interesses não foram negociados. Salvaguardas sociais e ambientais, além de processos de consulta, seriam suficientes para garantir o interesse de uma comunidade atingida. Seus interesses estariam salvaguardados e as denúncias em torno da violação de salvaguardas não estariam sendo realizadas porque os projetos de sociedade são distintos e sim porque algum interesse escapou da negociação. Para resolver, basta realizar uma consulta e um processo de negociação. Para tanto, ignora-se, o debate em torno da correlação de forças. A razão do mercado continua predominando e a negociação é controlada pelos dominantes. Ignora-se o fato de que os valores, princípios e projetos de
Em protesto contra a hidrelétrica de Cana Brava, os atingidos por barragens ocuparam a sede do BID em 2005 Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
46
sociedade não são negociáveis. Os interesses econômicos não são mais
suficientes para justificar o capitalismo. As IFMs precisaram de
atingidas, o Banco Mundial, o BID ou o ministério público? Como
mais criatividade para ganharem legitimidade. Transparência,
poderiam os especialistas do Mici ou do Painel de Inspeção
processos de participação, consultas, mecanismos de
serem neutros? O que precisa um profissional para trabalhar
investigação independente, painéis de investigação, portal da
em uma instituição como esta se não estar de acordo com seus
transparência e necessidade de participação são alguns dos
valores e princípios?
instrumentos utilizados. Muitas vezes, atores em potenciais
Instituições Financeiras Multilaterais, como o Banco Mundial
conflitos se encontram sem muita escolha a não ser acreditar
e o BID e cada vez mais o BNDES, estão, sem dúvida, entre os
neste discurso, inclusive porque algumas das questões surgem
melhores exemplos de instituições que se apropriam da crítica
das suas próprias demandas, principalmente no que diz respeito
promovendo mudanças discursivas ou criando normas a serem
ao tema da participação. No entanto o que na maioria das vezes
violadas para garantir a legitimação. Depois de anos de críticas
acaba acontecendo é a despolitização dos conflitos, passando
aos impactos sociais e ambientais de seus projetos, criou-se o
uma ideia da possibilidade da neutralidade e do consenso.
discurso do capitalismo humano e, agora, o capitalismo verde.
Mas onde existem valores, princípios e projetos não existem
Criaram-se salvaguardas sociais e ambientais e, em alguns
neutralidade nem consenso. O objetivo de tais políticas e
casos, não financiam mais diretamente os projetos reconhecidos
instrumentos, no fundo, acaba sendo o de superar as resistências,
por gerarem conflitos, fornecem ¨ajuda¨ técnica. Na maioria
a disputa, o conflito e garantir a aprovação de empreendimentos,
dos casos, é possível verificar não somente a violação de
de determinados interesses.
salvaguardas, o uso do Painel de Inspeção ou do Mici e outros
O debate sobre a adoção de salvaguardas por instituições
instrumentos para banir o conflito, mas também como as
financeiras nos ajuda a perceber e refletir sobre tais aspectos.
IFMs incorporaram determinadas demandas dos movimentos
A participação no processo de elaboração das salvaguardas e
responsáveis pelas denúncias no plano do discurso mas que,
a sistematização das denúncias geradas com a violação delas,
na prática, pouco serviram para o fortalecimento da luta para
sem dúvida, fortaleceram a ação coletiva das organizações
além de demandas materiais pontuais nem revelaram uma
da sociedade civil envolvidas no processo e também das
mudança estrutural na atuação da instituição. Tais demandas
populações atingidas pelos projetos. Cada denúncia exigiu
não deixam de ser importantes, pois afinal os atingidos e as
uma reação da empresa, do Banco e do governo, talvez mais
atingidasprecisam se alimentar e ter um teto sobre a cabeça,
do que os processos de negociação. No entanto, apesar de
mas, como bem explica Boltanski, a luta não pode cantar vitória,
mostrar diversas irregularidades, os relatórios das IFMs nos
precisa reconhecer como o dominante pode utilizar-se desta
casos mencionados aqui neste artigo não foram utilizados para
vitória para debilitar a luta maior em torno de valores e princípios.
beneficiar os atingidos e as atingidas. Afinal, como exigir das
O campo crítico não pode perder de vista que na tentativa de
instituições algo que para elas nem é considerado um problema?
se banir o conflito está a tentativa de banir a ação autônoma de
Como negociar o interesse coletivo de populações atingidas e o
sujeitos políticos que buscam justiça, contrapondo-se às relações
interesse de uma transnacional e de uma instituição financeira?
desiguais no exercício do direito, das quais depende o atual
Daí surge, inclusive, o risco de se criar instrumentos e políticas
padrão de acumulação altamente concentrador da renda, de
para estas instituições que podem servir para evitar o processo
gênero e raça e predador da natureza e da sociedade.
judicial. Mesmo reconhecendo todas as limitações do sistema
Assim sendo, é possível argumentar que promover e
judiciário na garantia e promoção de direitos, não se pode deixar
radicalizar os conflitos significa reconhecer a sua contribuição.
de questionar quem poderia defender melhor as populações
O que teria acontecido se o MAB não tivesse realizado um 47
ficam as questões: quais são as verdadeiras possibilidades de ação? Como atuar em um contexto onde por mais que a restrição, a opressão e a repressão não sejam total, tampouco é a liberdade? Qual seria o papel de uma rede de monitoramento, denúncia e mobilização frente às instituições financeiras? A transformação do capitalismo e seu sistema de justificação transformaram também o papel dos movimentos de resistência. Talvez o desafio esteja na análise das crises como elemento de refundação da crítica, da radicalização do conflito e da ação. Dito tudo isso, tem um ponto neste debate todo que é mais Gabriel Strautman
que evidente e que talvez seja a maior contribuição do autor e da autora deste artigo como resultado da experiência na Rede Brasil. O papel das organizações e de redes como a Rede Brasil precisa ser construído a partir da sua ação nos territórios. “Sem resistência, somos apenas vítimas das situações”: conflito é constitutivo do sujeito
A avaliação do uso de instrumentos como as salvaguardas precisa ser realizada com base nas realidades, demandas e
48
acampamento na frente da barragem, diversas mobilizações
necessidades de comunidades atingidas pelas IFMs, pelo
e ocupado a sede do BID? O que teria acontecido se os
BNDES e por suas políticas e projetos. Como bem questionou
moradores de Pinheirinho não tivessem resistido bravamente
nossa companheira de luta Jutta Kill, na IX Assembleia Geral
à reintegração de posse? Pode parecer que pouco mudou, mas
da Rede Brasil, o papel de uma rede ou organização é abrir
a mensagem enviada por estas lutas aos capitalistas de plantão
o espaço político ou ocupá-lo em nome de comunidades
é que a vida deles não será facilitada, outra barragem não será
atingidas? Se for só abrir o espaço político, tudo bem, mas se
construída sem resistência, moradores legítimos não serão
for ocupar, então, de onde veio este mandato? Nem o campo
retirados de suas terras sem resistência, sem luta; mostram que
da crítica reformista nem da crítica contestatória podem ter
ainda existem sujeitos políticos coletivos lutando para romper
este mandato. Assim sendo, a apropriação das reflexões aqui
com o sistema injusto e desigual e construir projetos de uma
apresentadas para a elaboração de estratégias de luta diante das
sociedade distinta. Isso passa por rejeitar políticas e estratégias
IFMs em geral só faz sentido se for construída com os sujeitos
de prevenção, resolução e mediação de conflitos. O conflito
sociais em resistência e enfrentamento, só faz sentido se for
não pode ser resolvido, prevenido nem mediado, ele deve ser
contextualizada e territorializada. É verdade que a maioria
reconhecido, fortalecido e radicalizado.
das reflexões surgiu exatamente da experiência com estes
O conflito é também constitutivo do sujeito. Na vida da
sujeitos, mas não para por aqui. Afinal, quem somos nós para
resistência e da opressão, ele serve também para colocar a
definir o que é melhor para quem, de fato, sente e enfrenta, no
força da resistência à prova, mesmo quando a resistência não
cotidiano, na pele, a dor e a luta de ser uma atingida ou um
consegue superar a opressão. Sem resistência, somos apenas
atingido? Podemos contribuir com as nossas articulações,
vítimas das situações. Como dizia o poeta maranhense Antônio
reflexões e compreensão sobre experiências passadas, suas
Gonçalves Dias “Viver é lutar”. Isso passa pela renovação da
oportunidades, limites e riscos, mas jamais definir o que não é
crítica, por “tomar de volta aquilo que nos foi apropriado”. Mas
nossa atribuição definir.
Anexos Tabela 1 – Política de Salvaguardas do Banco Mundial
Política
Principais características
Última revisão
OP4.01 Avaliação ambiental
• as consequências ambientais potencias dos projetos deveriam ser identificadas no início do ciclo do projeto • avaliações ambientais e planos de mitigação são requeridos para projetos com impactos ambientais ou reassentamento involuntário significativos • avaliações ambientais deveriam incluir a análise de desenhos ou localizações alternativos, ou considerar a “falta de opção” • requer participação pública e o fornecimento substancial de informações
1999
OP4.04 Habitats Naturais
• proíbe financiar projetos “envolvendo a conversão significativa de habitats naturaisa menos que não haja alternativas factíveis” • requer análises de custo/benefício ambientais • requer avaliação ambiental com medidas de mitigação
2001
OP4.36 Florestamento
• proíbe financiar operações de madeireiras comerciais ou a aquisição de equipamento para o uso em florestas úmidas tropicais primárias
2002
OP4.09 Manejo de pragas
• apoia manejo ambientalmente correto de pragas, incluindo manejo integrado de pragas (mas não proíbe o uso de pesticidas altamente perigosos) • o manejo de pragas é responsabilidade do tomador do empréstimo no contexto da avaliação ambiental de um projeto
1998
OP4.12 Reassentamento involuntário
• implementado em projetos que deslocam ou removem pessoas fisicamente em consequência da perda de bens produtivos, mudanças no uso da terra ou da água • requer participação pública no planejamento do reassentamento como parte da avaliação ambiental do projeto • intenciona restaurar ou melhorar a capacidade de gerar renda dos relocalizados
2001
OP4.10 Povos indígenas
• o propósito é assegurar que os povos indígenas beneficiem-se de projetos de desenvolvimento financiado pelo Banco e evitar ou mitigar efeitos potencialmente adversos sobre eles • aplica-se a projetos que podem afetar negativamente a povos indígenas (exemplo: projetos de infraestrutura como estradas, represas, indústrias extrativas, etc.) ou quando os povos indígenas são definidos como beneficiários • requer a participação dos povos indígenas na criação de planos de desenvolvimento de povos indígenas • os problemas são frequentemente identificados em EIA-RIMAS
2005
OP4.11 Patrimônio cultural
• o propósito é dar assistência na preservação do patrimônio cultural, como sítios com grande valor arqueológico, paleontológico, histórico, religioso e cultural • política geral é procurar dar assistência na sua preservação e evitar sua destruição • desencoraja o financiamento de projetos que vão causar danos ao patrimônio
2006
OP4.37 Segurança de represas
• aplica-se a grandes represas (15 metros ou mais de altura) • requer acompanhamento por especialistas independentes em todas as etapas do ciclo dos projetos • requer preparação de planos detalhados para a construção e operação e inspeções periódicas pelo Banco • requer avaliação ambiental
2001
OP7.50 Projetos em cursos de água internacionais
• cobre cursos de água que sejam fronteiras entre dois ou mais Estados, assim como qualquer baía, golfo, estreito ou canais fronteiriços a dois ou mais Estados • aplica-se a projetos de represas, de irrigação, controle de enchentes, navegação, águas e esgotos, e industriais • requer notificação, acordos entre Estados, mapas detalhados, pesquisas sobre os recursos hídricos e estudos de viabilidade
2001
OP7.60 Projetos em áreas em disputa
• aplica-se a projetos onde existem disputas territoriais • permite ao Banco continuar com um projeto se os governos concordarem que “sujeito à resolução da disputa, o projeto proposto para o país A poderá continuar, sem prejuízo para as pretensões do país B” • requer imediata identificação de disputas territoriais e descrições em toda documentação pertinente do Banco
2001
49
Tabela 2 – Padrões de Desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental do IFC Política
Principais objetivos
Última revisão
PS1: Sistemas de gestão e avaliação socioambiental
• Busca identificar e avaliar os riscos ambientais e sociais e os impactos do projeto; • Adota uma hierarquia de mitigação para antecipar e evitar ou, quando a prevenção não é possível, minimizar e, onde os impactos residuais continuam, compensar os riscos e impactos para os trabalhadores, as comunidades afetadas e o meio ambiente; • Busca promover a melhoria do desempenho ambiental e social dos clientes através do uso efetivo dos sistemas de gestão; • Busca garantir que as reivindicações das comunidades afetadas e de outras partes interessadas sejam respondidas e gerenciadas apropriadamente; • Busca promover e proporcionar meios para o engajamento adequado das comunidades afetadas durante o ciclo de projeto e garantir que as informações relevantes, do ponto de vista ambiental e social, sejam divulgadas e disseminadas.
2006
PS2: Condições de emprego e trabalho
• Busca promover o tratamento justo, não discriminatório e com igualdade de oportunidades para os trabalhadores; • Busca estabelecer, manter e melhorar a relação trabalhador-gestor; • Busca promover o cumprimento de leis nacional de emprego e direitos trabalhistas; • Busca proteger os trabalhadores, incluindo as categorias de trabalhadores vulneráveis, como crianças, trabalhadores migrantes, trabalhadores terceirizados, abrangendo os trabalhadores da cadeia de fornecimento do cliente; • Busca promover condições seguras e salubres de trabalho e a saúde dos trabalhadores; • Busca evitar o uso de trabalho forçado.
2006
PS3: Prevenção e redução da poluição
• Busca evitar ou minimizar impactos negativos na saúde humana e ao meio ambiente por evitar ou minimizar a poluição proveniente de atividades do projeto; • Busca promover o uso sustentável dos recursos, incluindo energia e água; • Busca reduzir as emissões de GEE relacionadas ao projeto.
2006
PS4: Saúde e segurança da comunidade
• Busca antecipar e evitar impactos adversos sobre a saúde e a segurança da comunidade afetada durante a vida do projeto, sejam de circunstâncias de rotina e não rotineiras; • Busca assegurar que a salvaguarda do pessoal e dos bens seja realizada de acordo com os respectivos princípios de direitos humanos e de forma a evitar ou minimizar os riscos para as comunidades afetadas.
2006
• Busca evitar e, quando a prevenção não é possível, minimizar o deslocamento ao explorar alternativas ao desenho do projeto; • Busca evitar o despejo forçado; • Busca antecipar e evitar ou, quando a prevenção não é possível, minimizar os impactos sociais e econômicos da aquisição de terras ou restrições no uso da terra por (i) proporcionar uma compensação pela perda de bens ao custo de reposição e (ii) garantir que as atividades de reassentamento sejam implementadas com a divulgação adequada de informação, consulta e participação informada das pessoas afetadas; • Busca melhorar ou restaurar as condições de vida e padrões de vida das pessoas deslocadas; • Busca melhorar as condições de vida entre as pessoas fisicamente deslocadas através da provisão de moradia adequada e com segurança da posse em locais de reassentamento.
2006
• Busca proteger e conservar a biodiversidade; • Busca manter os benefícios dos serviços do ecossistema; • Busca promover a gestão sustentável dos recursos naturais vivos através da adoção de práticas que integram as necessidades de conservação e prioridades de desenvolvimento.
2006
• Busca garantir que o processo de desenvolvimento favoreça o pleno respeito pelos direitos humanos, dignidade, aspirações, cultura e seja baseado em recursos naturais e meios de subsistência dos povos indígenas; • Busca antecipar e evitar os impactos negativos dos projetos sobre as comunidades dos povos indígenas ou, quando a prevenção não é possível, minimizar e/ou compensar tais impactos; • Busca promover benefícios de desenvolvimento sustentável e oportunidades para os povos indígenas de maneira culturalmente apropriada; • Busca estabelecer e manter um relacionamento contínuo com base em consulta informada e participação com os povos indígenas afetados por um projeto durante todo o ciclo do projeto; • Busca garantir o consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas afetadas, quando as circunstâncias descritas neste Padrão de Desempenho estiverem presentes; • Busca respeitar e preservar a cultura, o conhecimento e as práticas dos povos indígenas.
2006
• Busca proteger o patrimônio cultural dos impactos adversos das atividades do projeto e apoiar a sua preservação; • Busca promover a partilha equitativa dos benefícios provenientes do uso do patrimônio cultural.
2006
PS5: Aquisição de terra e reassentamento involuntário
PS6: Conservação da biodiversidade e gestão sustentável de recursos naturais
PS7: Povos indígenas
PS8: Patrimônio cultural
50
* Fabrina Furtado e Gabriel Strautman são economistas e foram secretários executivos da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais entre os períodos 2005-2008 e 2008-2012, respectivamente.
1 Este recorde foi novamente superado em 2010, quando o BNDES desembolsou R$ 168,4 bilhões; só a Petrobras recebeu um empréstimo de R$ 25 bilhões nesse ano. Em 2011, o volume de desembolso do Banco caiu para R$ 139,7 bilhões, uma redução de 17% justificada como esforço do governo para conter a pressão inflacionária na economia. 2 Tradução livre da expressão original do idioma inglês “do no harm”. 3 Após várias mobilizações no local do projeto e a instalação de um acampamento contínuo em frente ao portão da barragem, um confronto entre a Polícia Militar de Goiás e os agricultores, resultando na prisão de lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e no ferimento de várias pessoas, no dia 31 de maio de 2005, 300 agricultores atingidos pelas barragens de Cana Brava e Mesa da Serra ocuparam a sede do BID em Brasília. Os agricultores exigiram uma solução para o impasse em torno das 946 famílias expulsas no processo de construção da obra. A partir da ocupação, o Banco iniciou um diálogo com as prefeituras dos municípios atingidos pela barragem para identificar áreas com potencial econômico e social na região, e com o governo federal e a Tractebel-Suez para a criação de um fundo de desenvolvimento. O Fundo de Desenvolvimento Regional Serra da Mesa/Cana Brava previa um amparo de R$ 5 milhões para a implantação de programas e projetos para garantir a sobrevivência econômica das famílias de seis cidades que perderam suas casas após a construção das duas usinas hidrelétricas e que não foram enquadradas em auditorias como aptas a receber a indenização. Para Gilberto Cervinski, da coordenação do MAB, os R$ 4,5 milhões não serão suficientes para resolver a situação das famílias: “Deveria haver um programa de moradia, de instalação de luz. Este valor corresponde ao faturamento de quatro ou cinco dias de uma empresa só” (AGÊNCIA BRASIL, 2006). A última informação recebida do Movimento indicava que grande parte dos recursos estava sendo usada para atividades que desrespeitavam a história, tradição e costumes dos agricultores. 4 Ver www.dams.org 5 Ver http://www.worldbank.org/oed/extractive_industries/
Bibliografia ACSELRAD, H. A constitucionalização do meio ambiente e a ambientalização truncada do Estado brasileiro. In OLIVEN, R.; RIDENTI, G; BRANDÌO, G. (Org.). A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo: Hucitec/ANPOCS, 2008. p. 225-248. ACSERLAD, H. Ambientalização das lutas sociais – o caso do movimento por justiça ambiental. Estudos Avançados. vol. 24 n. 68, São Paulo, 2010. ACSELRAD, H.; BEZERRA, Gustavo das Neves. Inserção econômica internacional e “resolução negociada” de conflitos ambientais na América Latina. Quito, 2007. Disponível em: http://www. observaconflitos.ippur.ufrj.br. Acesso em 10 de outubro de 2011. AGÊNCIA Brasil. Fundo será criado para ajudar regiões afetadas por barragens de Cana Brava e Serra da Mesa. Brasília, 10 de fevereiro de 2006. CARTA MAIOR. Banco Mundial “se livra” de responsabilidade sobre Aracruz. 16 de março de 2006. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaImprimir.cfm?materia_id=10279. Acesso em: março de 2012. Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). O mecanismo independente de consulta e investigação. 2010. Disponível em: http://www.iadb.org/es/mici/acerca-del-mici-que-es-el-mici,1752. html. Acesso em: 23 de janeiro de 2012. _____. Reassentamento involuntário nos projetos do BID: princípios e diretrizes, 1999. _____. BID finaliza auditoria social do projeto hidrelétrico de Cana Brava no Brasil. 2004a. Disponível em: http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2004-05-25/bid-finaliza-auditoriasocial-do-projeto-hidreletrico-de-cana-brava-no-brasil,127.html. Acesso em: 23 de janeiro de 2010. _____. Relatório final da Auditoria Social – Plano de Reassentamento da Usina Hidrelétrica de Cana Brava, 2004. _____. O mecanismo independente de consulta e investigação. 2010. Disponível em: http://www.iadb. org/es/mici/acerca-del-mici-que-es-el-mici,1752.html. Acesso em: 23 de janeiro de 2012. BANCO MUNDIAL. Responsabilização do Banco Mundial. O Painel de Inspeção aos 15 anos. Banco Mundial, 2009. BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. BOLTANSKI, Luc. De la critique. Précis de sociologie de l’émancipation. Paris: Gallimard, 2009. FISCHER, Roger. Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões. Rio de Janeiro: Imago, 1985. GREENPEACE. A farra do boi na Amazônia. 2009. Disponível em: www.greenpeace.org.br/gado/ farra_boi.kmz. Acesso em: janeiro de 2011.
6 O que Acselrad (2008) caracteriza como processo truncado por ter sido ao longo do tempo interrompido, incompleto ou impedido de ser levado a cabo.
HAJER, Maarten A. Ecological Modernization as Cultural Politics. In LASH, Scott; SZERSZYNSKI, Bronislaw; WYNNE, Brian (Ed.). Risk, Environment & Modernity: Towards a New Ecology. Londres: Thousand Oak/Nova Delhi: Sage Publications, 1996.
7 A fala do representante do Banco Mundial foi captada como resultado da participação na consulta do Banco Mundial em 2010.
_____; VERSTEEG, Wytske. A Decade of Discourse Analysis of Environmental Achievements, Challenges, Perspectives. Journal of Environmental Policy & Planning. Vol. 7, n. 3. Setembro de 2005. p. 175-184. HERBERTSON, Kirk. What is the Future of the World Bank Group’s Environmental and Social Safeguards? Disponível em: http://www.wri.org/stories/2010/01/what-future-world-bank-groupsenvironmental-and-social-safeguards. Acesso em: 5 de janeiro de 2012.
51
Verena Glass
MAB. Atingidos por barragens ocupam BID. 1 de junho de 2005. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/pt/ blue/2005/06/318125.shtml. Acesso em: 23 de janeiro de 2012.
MIRAFTAB, Faranak. Insurgent Planning: situating radical planning in the Global South. Planning Theory, 2009; 8, 32-50. REDE BRASIL SOBRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS MULTILATERAIS. Banco Mundial, Participação, Transparência e Responsabilização: a experiência brasileira com o Painel de Inspeção. Flávia Barros (Org.). Brasília, 2001. _____. Carta ao BID sobre a Hidrelétrica de Cana Brava. Brasília, 2005. _____. Novo empréstimo exibe múltiplos tentáculos do Banco Mundial. Informe RB n. 03/2004. 20 de fevereiro de 2004. Repórter Brasil. O BNDES e sua política ambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada. Disponível em: www.reporterbrasil.org.br. Acesso em: fevereiro de 2011. VAINER, Carlos. Palestra no Seminário Nacional de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos. Salvador, 2007. Disponível em: http://www.observaconflitos.ippur.ufrj.br/novo/ analises/TextoVainer.pdf. Acesso em : 13 de outubro de 2011.
52
53
O Banco Mundial influencia a formulação das políticas públicas de meio ambiente no Brasil: avanço da devastação
54
Banco Mundial: um exemplo para o BNDES? Lucia Ortiz*
U
m breve olhar sobre a atuação de duas influentes
que busca o controle social para o redirecionamento do modelo
instituições financeiras no Brasil, hoje, mostra-se
de desenvolvimento promovido pelo Banco e pelo Estado
bastante revelador do modelo de sociedade que elas
brasileiro, em um contexto de flexibilização das leis ambientais.
defendem e definem. Por um lado, o Banco Mundial convoca a sociedade civil para reavaliar, de modo protocolar, a sua
políticas e operacionais do Empréstimo de Assistência Técnica
política de salvaguardas sociais e ambientais, ao mesmo
e do Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/SAL, sigla em inglês
tempo que formaliza um empréstimo de assistência técnica
para Technical Assistance Loan/Structural Adjustment Loan),
para alterar o marco regulatório de energia e mineração
financiados pelo Banco Mundial com o propósito de cooperar
no país. Por outro, o BNDES, ao passo que se consolida em
na “melhoria” das políticas de gestão ambiental do Ministério
nível regional como instituição financeira pública mais
do Meio Ambiente (MMA). Ambos precedem o Empréstimo
relevante que o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão
Desenvolvimento (BID) juntos, se projeta e às corporações
Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em inglês),
brasileiras no cenário internacional e anuncia sua nova
aprovado em março de 2009, no valor de US$ 1,3 bilhão para o
política socioambiental como uma resposta às condicionantes
SEM DPL I e US$ 700 milhões para o SEM DPL II, sendo um dos
estabelecidas por um empréstimo do próprio Banco Mundial.
maiores empréstimos do Banco Mundial já concedidos ao Brasil.
Neste contexto, cabe perguntar: quais as lições relevantes
Desrespeitando a soberania brasileira, mais uma vez, o Banco
a serem aprendidas pelo BNDES com o Banco Mundial
Mundial impôs como uma das condicionantes deste empréstimo
no sentido de salvaguardar a justiça social e ambiental da
que o BNDES desenvolva a sua Política Socioambiental, além
aplicação do modelo de desenvolvimento que promovem
do “aperfeiçoamento” do processo de licenciamento com o
estas instituições financeiras?
propósito de reduzir os índices de judicialização das licenças
Este artigo recupera e avalia a influência recente do Banco Mundial, através de empréstimos, estudos e cooperação técnica,
Daniel Beltrá/Greenpeace
Neste sentido, o texto traz uma avaliação das implicações
ambientais dos megaprojetos de geração de energia no país. Este artigo também faz um alerta sobre o significado do
na formulação das políticas públicas na área de meio ambiente
empréstimo SEM DPL outorgar ao BNDES um papel orientador
no Brasil, bem como a reprodução deste modelo e receituário
e financiador de políticas de gestão ambiental aos órgãos
pelo BNDES. Seu intuito é explorar argumentos que compõem
ambientais federal e estaduais, para além da formulação de suas
a crítica à política socioambiental do BNDES, assim como
próprias políticas operacionais.
questionar a proposição e incorporação de salvaguardas e mecanismos de verificação como parte de uma estratégia política
Na área da política de clima, contemplada de forma central pelo SEM DPL e capitalizada pelo BNDES, são analisados os impactos 55
da atuação do Banco Mundial sobre as políticas de mercados
já recebiam a roupagem do “desenvolvimento sustentável”,
climáticos e eixos setoriais da Política Nacional sobre Mudança
e as políticas de endividamento do Banco Mundial e do FMI,
do Clima (PNMC). O enfoque é dado ao Plano Agricultura
associadas às receitas e condicionantes que impunham a
(que, na verdade, trata-se do Agronegócio) de Baixo Carbono
liberalização do comércio e dos serviços e a desregulamentação
(Plano ABC) e às contradições do modelo da economia verde,
do Estado. A sociedade civil internacional também se atentava,
impulsionado pelo BNDES que, agora, atua como gestor dos
naquele momento, para a utilização de recursos públicos para
novos fundos ambientais e de clima, vis-à-vis o conjunto
efetivar privatizações e fusões, abrindo o campo de atuação
dos impactos socioambientais promovidos pela carteira de
das corporações multinacionais (no caso do Brasil, recursos
operações do Banco.
provenientes do próprio BNDES). Já nos primeiros anos 2000, a relevância política e econômica
IFMs: mais do que financiar projetos, implementar ideologias
dos bancos multilaterais passou a ser ofuscada pelas instituições financeiras públicas dos países emergentes, como o BNDES
Instituições financeiras, como o Banco Mundial e o BNDES, têm um papel que vai além do empréstimo e da geração de
de poder que se consolidam cada vez mais como decisivos
dívidas para implementar projetos de “desenvolvimento” ou da
e orientadores da economia global. Dois exemplos destes
criação de novos produtos, fundos e mercados, que interessam a
espaços são o G8 (grupo formado pelos, então, sete países mais
qualquer banco.
industrializados e desenvolvidos economicamente do mundo -
As chamadas instituições de Bretton Woods, o Banco Mundial
Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e
e o Fundo Monetário Internacional (FMI), foram criadas no
Canadá - mais a Rússia) e o G20 (grupo que reúne as 19 maiores
pós-guerra com o compromisso de atenderem às demandas
economias do mundo mais a União Europeia). Em um mundo
de reconstrução e desenvolvimento. Este último é um termo
multipolar, estas instituições financeiras passam a subordinar-se
carregado de ideologias cunhadas para justificar a polarização
aos novos blocos de poder internacionais e suas corporações,
econômica da ordem mundial daquela época e dar forma a
menos do que representar Estados “sombra” tão diretamente
uma visão de futuro a ser perseguida, vinculada ao progresso e
vinculados ao seu maior acionista, os Estados Unidos.
ao crescimento econômico, e que, atualmente, é cada vez mais questionada como intangível, injusta e insustentável. A partir dos anos 1980, impactos diretos relacionados a
A partir da crise financeira de 2008, o Banco Mundial e o FMI voltaram a se capitalizar e assumir o status de agentes reguladores, retomando seus papéis políticos na economia,
megaprojetos financiados pelas Instituições Financeiras
a serviço dos interesses dos grandes Estados-corporações,
Multilaterais (IFMs) nos chamados países em desenvolvimento,
inclusive os emergentes como o Brasil. Neste ínterim, tanto
decididos e implementados à revelia das populações locais, como
o Banco Mundial como o BID desenvolviam estratégias e
obras de irrigação e hidrelétricas, começaram a ser questionados
discursos para legitimarem-se como fornecedores de soluções-
publicamente e atingiram repercussão internacional.
empréstimos e gestores de novos recursos, negociados em
Na década seguinte, o movimento antiglobalização
56
no Brasil, e outras privadas, assim como por espaços globais
nível multilateral em resposta à consolidação da crise climática.
multissetorial juntamente com o Jubileu Sul, articulação que
Aproveitando-se da preocupação crescente da sociedade com
tem como um de seus temas principais o cancelamento das
este tema, estas instituições fomentaram novas lógicas de pensar
dívidas dos países do Sul Global, passaram a incidir e denunciar
e criaram oportunidades para os fluxos de capital financeiro,
os projetos destas instituições financeiras, inclusive os que
ainda que investindo massivamente no mesmo modelo fóssil
de desenvolvimento. Também os setores privados dos bancos
direitos de participação e controle social sobre as instituições
multilaterais, como o Departamento de Setor Privado (PRI, sigla
financeiras públicas, assim como sobre os seus projetos
em inglês), do BID, e a Corporação Financeira Internacional
políticos de desenvolvimento.
(IFC, sigla em inglês), do Banco Mundial, e os bancos públicos nacionais, como o BNDES, passaram por uma recapitalização a
Rede Brasil: pioneirismo na denúncia sobre o projeto
partir da abertura de novos ambientes de investimento.
político das IFMs
Os novos mercados ambientais, deflagrados junto com a crise climática e ambiental, e a tentativa de consensualização de um
Durante décadas, as Instituições Financeiras Multilaterais
marco político global com a promoção da economia verde,
(IFMs) definiram estratégias para os países sem que a sociedade
como via de solução e reinvenção do capitalismo financeiro,
civil nem os Parlamentos tomassem ciência de seus conteúdos.
contaram com a expertise técnica e política do Banco Mundial.
No caso do Brasil, eram documentos restritos aos bancos e aos
A partir da elaboração de arcabouços lógico, político e legal, este
ministérios da Fazenda e do Planejamento. A Rede Brasil, desde
Banco impulsionou, no Brasil, os mercados climáticos na política
a sua fundação em 1995, analisa e disponibiliza o conteúdo dos
nacional de clima, o ajuste estrutural das políticas do MMA e a
documentos de estratégia, as políticas e os projetos setoriais do
operação-piloto de fundos e programas de negócios ambientais
Banco Mundial e de outras instituições financeiras.
no BNDES. Um exemplo dessa estratégia foram as doações de cooperação
Em 1997, a Rede Brasil, através da atuação junto ao Congresso Nacional, teve acesso e divulgou pela primeira vez, e em
técnica do BID para que diversos países da América Latina
português, a Estratégia de Assistência ao País (CAS, sigla
implementassem políticas de cotas mandatórias de uso de
em inglês para Country Assistance Strategy). Considerado
agrocombustíveis, seguidas de empréstimos do PRI e do IFC
um documento secreto pelo Banco Mundial, ele explicitava
para grandes corporações para a produção de etanol e biodiesel.
as intenções da “abertura econômica aos investimentos
Mais explícitos são os estudos do Banco Mundial sobre a
internacionais”, que, de acordo com a agenda neoliberal,
Agricultura de Baixo Carbono (ABC) - adotados como base do
significava privatizações e desregulamentação, contidas
plano setorial da Política Nacional sobre Mudança do Clima, que
na forma de condicionalidades aos empréstimos ao país. A
envolve o BNDES no gerenciamento de parte dos empréstimos
iniciativa sinalizou que, a partir daquele momento, as políticas
- e os diversos fundos-piloto de REDD e mercados de carbono
e ações do Banco estariam na mira das organizações da
implementados pelo Banco Mundial, cuja lógica e modelo se
sociedade civil. Esse fato gerou a abertura de um diálogo do
reproduzem nos chamados fundos verdes do BNDES, como
Banco Mundial (e, posteriormente, do BID) com a sociedade
se verá adiante.
civil sobre suas políticas. Desde então, outros documentos
Portanto, pelo papel definidor de políticas e do modelo de
dos bancos que são de interesse da sociedade brasileira
desenvolvimento que as instituições financeiras públicas,
passaram a ser analisados pela Rede Brasil, possibilitando a
como o BNDES, desempenham, a sociedade organizada exige
organizações e movimentos sociais uma maior qualificação
que sejam salvaguardadas as condições de transparência e
para fazer resistência, intervenção e denúncias sobre os
controle social para além das suas políticas de empréstimos
impactos das políticas e dos projetos dessas instituições sobre o
e desembolsos para a implementação de projetos de
desenvolvimento humano das populações.
infraestrutura, exportação ou mesmo conservação ambiental. A demanda, antes de tudo ao Estado, é pela garantia dos
Alguns documentos analisados pela Rede Brasil que escrutinam as estratégias políticas das IFMs para o país são: 57
Estratégia de Assistência ao País 2000-2003, A Experiência
TAL/SAL: O pioneirismo do Banco Mundial no ajuste das
Brasileira com o Painel de Inspeção do Banco Mundial,
políticas públicas para o meio ambiente
Impactos Negativos da Política de Reforma Agrária de Mercado do Banco Mundial, Estratégia de Assistência ao País 2003-
de Política para o Desenvolvimento como uma forma de
Brasil, aprovado em 2004, o já mencionado Empréstimo de
condicionalidade “mais suave e gentil”, de modo a substituir
Assistência Técnica/Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/
os empréstimos de ajuste que tinham se tornado alvo da
SAL) e a Estratégia de Parceria com o Brasil 2008-2011 .
desaprovação pública nos anos 19903.
1
Além do acompanhamento de projetos financiados
Durante o primeiro mandato do governo Lula, o Empréstimo
pelos bancos públicos, a Rede Brasil apoia a resistência
de Assistência Técnica/Empréstimo de Ajuste Estrutural (TAL/
nos territórios e, por vezes, incide diretamente sobre os
SAL) apoiou uma tentativa de eficientização e de choque de
empréstimos através do uso dos mecanismos formais de
gestão do MMA. No entanto, uma avaliação de seus resultados e
informação e monitoramento das IFMs, como os painéis de
impactos nunca foi debatida publicamente.
inspeção. Sua trajetória política é, portanto, historicamente
“Incluir a sustentabilidade ambiental na formulação,
contra-hegemônica e focada no questionamento e
desenvolvimento e implementação das políticas do governo
enfrentamento das IFMs. Desse modo, a Rede Brasil não pode
federal” foi, segundo o MMA, o objetivo formal da Reforma
ser capturada ou neutralizada pelas estratégias de diálogos,
Programática da Sustentabilidade Ambiental (SAL Ambiental)4. O
participação e resolução de conflitos construídas ao longo
programa de empréstimos junto ao Banco Mundial teve como
dos anos pelo Banco Mundial, e por outras instituições
finalidade fortalecer o Sistema Nacional do Meio Ambiente
financeiras, em resposta às críticas sociais à sua atuação.
(Sisnama) e incluir a dimensão ambiental nos setores de energia,
A Rede Brasil se propõe a colocar em xeque as políticas e
saneamento, desenvolvimento agrário e turismo, entre outros.
mecanismos das IFMs e formular, com base no aprendizado
Para dar apoio a este programa foi idealizado o Projeto
e nas demandas das populações atingidas, mecanismos que
de Assistência Técnica para a Agenda da Sustentabilidade
garantam justiça na correlação de forças nos processos de
Ambiental, mais conhecido como TAL Ambiental. Coordenado
negociação; de modo geral, estes mecanismos não foram
pelo MMA, este projeto teve como objetivo apoiar a realização
internalizados por estas instituições.
de estudos, diagnósticos, análises e capacitações necessárias
Ao mesmo tempo, a Rede não perde de vista o seu propósito de construção de conhecimento e de enfrentamento crítico à atuação dos bancos nas distintas fases de implementação do
58
Desde 2004, o Banco Mundial introduziu os Empréstimos
2007, o empréstimo de ajuste do Banco Mundial para o
à consolidação e ao avanço das políticas públicas de desenvolvimento sustentável. No período da sua implementação, o MMA sofreu uma
modelo neoliberal e, consequentemente, aos seus impactos
profunda reestruturação. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
sobre os territórios e sobre as populações. É com esta mesma
e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi separado em
perspectiva que vem, desde 2010, desenvolvendo uma análise
duas entidades: uma voltada somente para o licenciamento
crítica sobre o processo de financeirização da natureza a partir
ambiental, cujo indicador de eficiência passou a ser a velocidade
do desenvolvimento de novos marcos para as políticas de
e o número de liberações de licenças ambientais; e a outra,
gestão ambiental sendo implementados no Brasil, em estreita
chamada de Instituto Chico Mendes de Conservação da
correlação com empréstimos e cooperação entre o Banco
Biodiversidade (ICMBio), foi direcionada para o gerenciamento
Mundial e o BNDES2.
de áreas de proteção ambiental e florestas.
Como consequência, ao enfrentar cortes salariais e demissões,
Desenvolvimento Sustentável (Fboms), através do seu Grupo de
os funcionários do Ibama entraram em greve em 2007 e a
Trabalho (GT) Energia. Cerca de cinquenta organizações de todo
agência empregou consultores para responsabilizarem-se pelo
o Brasil encararam o desafio pragmático de influenciar, a partir
licenciamento de grandes e polêmicas obras em tramitação,
dos seus conhecimentos técnicos e políticos, os procedimentos
como a do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira.
do licenciamento ambiental.
Nesse cenário, a pressão do governo para que o Ibama liberasse
O acordo aprofundou, no âmbito da sociedade civil, o debate
o licenciamento deste projeto foi impulsionada por um estudo
propositivo sobre os procedimentos nacionais e internacionais
financiado por outro empréstimo de assistência técnica do
de licenciamento e planejamento, com enfoque nas obras
Banco Mundial, dessa vez ao Ministério de Minas e Energia
previstas para o setor energético9. Este processo resultou em uma
(MME), através do Empréstimo de Assistência Técnica para o
série de estudos, documentos e recomendações, cujo conjunto
Setor Energético (Estal, sigla em inglês). Através da contratação
considera as avaliações de escopo e alternativas de projetos a
de um consultor indiano foi emitido um diligente e providencial
partir das realidades e potencialidades locais e, sobretudo, das
parecer técnico, referente à dinâmica dos sedimentos do Rio
demandas regionais de desenvolvimento a partir da perspectiva
Madeira, que foi capaz de eliminar uma das barreiras centrais
das populações, e não dos bancos ou das corporações.
apontadas pelos técnicos nacionais para o licenciamento. Pago,
O resultado deste exercício se aproxima do instrumento,
portanto, pelo Banco Mundial, o consultor fez um parecer após
posteriormente desenvolvido pela Rede Brasileira de Justiça
apenas dois dias de trabalho de campo que resolveu as últimas
Ambiental, conhecido como Avaliação de Equidade Ambiental10.
pendências técnicas e permitiu a concessão de uma inédita “licença parcial” para o projeto . 5 6
A Rede Brasil questionou a participação do Banco Mundial
No entanto, as recomendações feitas por este conjunto da sociedade civil nunca foram incorporadas pelo MMA. Paralelamente, este ministério contava também com o
neste episódio7 e participou também de algumas etapas de
apoio da Associação das Indústrias de Base do Brasil (ABDIB)
monitoramento do empréstimo TAL/SAL, comparecendo a
para aprimorar o licenciamento ambiental. Os resultados
reuniões no MMA8. A maior preocupação levada pela Rede
desta parceria estabelecida com o setor industrial foram
nestas ocasiões era justamente o fato de que as políticas de
visivelmente mais eficazes ao serem incorporados nas práticas e
salvaguarda, informação e transparência desenvolvidas pelo
procedimentos para uma maior agilidade do licenciamento.
Banco Mundial não se aplicavam a estas modalidades de
Ainda que calcado no discurso propagado de que todos os
empréstimos. O monitoramento, a rastreabilidade e a avaliação
setores - governo, corporações e sociedade - devem unir-se
dos impactos e resultados dos empréstimos de ajuste ou
pela proteção ambiental e no consensualismo promovido por
cooperação técnica, vis-à-vis seus objetivos e as políticas do
instituições como o Banco Mundial, este episódio explicitou
próprio Banco Mundial, eram confundidos com a aplicação
que a desigual correlação de forças e os inconciliáveis
do orçamento e dos programas de governo, por vezes sem
interesses e visões de classes impossibilitam um processo real
seguimento adequado pelos ministérios e, em especial, pela
de participação da sociedade organizada no desenvolvimento
própria sociedade civil junto ao MMA.
de políticas públicas.
Por outro lado, o empréstimo TAL/SAL resultou no
O acordo de cooperação técnica foi rompido pelo GT Energia
desenvolvimento de um acordo de cooperação técnica inédito,
do Fboms no início de 2007 devido ao “não alcance” dos
firmado em junho de 2005 entre o MMA e o Fórum Brasileiro
objetivos, seja no âmbito da implementação das propostas
de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e
de procedimentos para o licenciamento, seja na realização 59
de atividades de capacitação popular e jurídica sobre o tema.
Dilma Rousseff, em 8 de dezembro de 2011, da Lei Complementar
Politicamente, foi concomitante a mais uma derrota política do
n° 140, que regulamenta o artigo 23 da Constituição Federal
MMA, diante de um governo desenvolvimentista que anunciava,
e define as atribuições da União, estados e municípios na
goela abaixo da sociedade e do próprio ministério, o início da
proteção do meio ambiente, incluindo as competências para
construção da UHE de Santo Antônio, no Rio Madeira, em 2008.
emitir licenças ambientais e gerir o uso da fauna e da flora
A pressão do Banco Mundial em “aprimorar o licenciamento
com o processo centralizado que existia até então, dividindo
flexibilizar a legislação ambiental e reduzir os índices de conflitos
essas atribuições e competências entre estados e municípios,
e judicialização de grandes obras de infraestrutura. O estudo
ficando a maioria dos processos de licenciamento ambiental sob
Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no
responsabilidade dos municípios.
Brasil: Uma Contribuição para o Debate, publicado em março
2 - “A adoção de mecanismos de resolução de conflitos
de 2008 pelo próprio Banco Mundial, por exemplo, teve um
para o processo de licenciamento, especialmente para
considerável impacto e foi muito bem recebido pelo MME11.
grandes projetos, de modo a minimizar a transferência
Segundo Guilherme Carvalho, então membro da Coordenação
para o Judiciário de várias questões que deveriam ser
Nacional da Rede Brasil, neste estudo “os bancos multilaterais
resolvidas dentro do escopo do processo administrativo de
demonstram preocupação quanto à capacidade do Ministério
licenciamento ambiental”.
Público de criar embaraços aos empreendimentos considerados
Estratégia já comentada no artigo anterior, de Fabrina Furtado e
fundamentais pelas IFMs aos seus portfólios e às estratégias
Gabriel Strautman, em que se propõe a substituição do estado
dessas instituições para o país” .
de direito por consultas e encontros com desigual correlação de
12
Nesta publicação, o Banco Mundial questiona a legitimidade
poder, conduzidos por especialistas de suposta neutralidade.
do Ministério Público (MP) de mover determinadas ações, por
Dando seguimento à estratégia de destravar os constrangimentos
considerar que o MP não possui competência necessária para
ambientais e acelerar a realização das grandes obras, em março de
suscitá-las, enfatizando particularmente os casos relacionados
2012, o governo brasileiro e o Banco Mundial assinaram mais um
ao processo de licenciamento de hidrelétricas. A questão do
contrato de empréstimo para o MME, no valor de US$ 106 milhões.
prazo para a concessão de licenças constituía uma das maiores
O financiamento para o Projeto de Assistência Técnica dos Setores
preocupações do Banco ao considerar, portanto, que a ação do MP
de Energia e Mineral (Meta, sigla em inglês) tem como objetivo
não apenas deixaria de contribuir para a resolução de conflitos,
“contribuir para ampliar e consolidar os avanços dos setores
como adicionaria mais variáveis a um processo considerado
energético e mineral brasileiros, dando apoio à competitividade
demasiadamente demorado e um entrave ao desenvolvimento.
e ao crescimento econômico e sustentável do país”. Os recursos
Além de diagnosticar a legislação ambiental e, ainda que não
serão destinados ao desenvolvimento de projetos como o das
explicitamente, propor a regulação e o controle do MP sobre os
hidrelétricas-plataforma - aplicado no Complexo Tapajós – para
processos de licenciamento, o documento trazia recomendações
atender a requisitos e cuidados com o meio ambiente.
explícitas de propostas de leis e reformas políticas, tais como:
Na ocasião da assinatura do contrato, o diretor do Banco
1 - “Formulação e adoção de Lei Complementar,
Mundial para o Brasil, Makhtar Diop, afirmou que a matriz
esclarecendo as responsabilidades da União e dos estados
energética do Brasil é a mais limpa do mundo e um exemplo
em relação ao licenciamento ambiental”.
para o Banco13.
Proposta que, de fato, viria a resultar na sanção pela presidenta 60
silvestre. As mudanças significativas na nova legislação acabam
ambiental” se dava também através de outros esforços para
Como se vê, a atuação do Banco Mundial, ainda que possa ter
sido limitada por suas políticas de salvaguardas com relação a empréstimos diretos a projetos de grande risco socioambiental, como as hidrelétricas na Amazônia, seguiu contundente no
-
o preenchimento de 600 vagas no Ibama, no MMA e no ICMBio e o apoio aos planos de Zoneamento Ecológico e Econômico, descritos no Programa Amazônia Sustentável (PAS);
sentido de viabilizá-los através da flexibilização da legislação nacional como um projeto político embutido nos empréstimos de ajuste e cooperação técnica. SEM DPL e BNDES, rezando a cartilha do Banco Mundial
-
subsídio à elaboração do marco regulatório para o novo Fundo Amazônia e a implementação do Plano Nacional de Recursos Hídricos.
no choque de gestão ambiental Os resultados incluem os seguintes objetivos (grifados A relação do BNDES com o Banco Mundial tem se mostrado
pela autora, por apresentarem as oportunidades financeiras
estruturante, indo além do desembolso ou dos esforços políticos
decorrentes da política ambiental proposta e apoiada pelo
conjuntos na implementação de megaprojetos, como as obras do
empréstimo do Banco Mundial):
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou o Empréstimo Programático de Política para o Desenvolvimento
-
aperfeiçoamento do processo de licenciamento ambiental através da diminuição do número de licenças disputadas na justiça pelo Ministério Público em 20% em comparação com a média do período de 2002-2007;
em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, sigla em inglês) para o Brasil, com um valor de US$ 1,3 bilhão, em sua fase inicial, a serem alocados e geridos pelo BNDES. A exemplo do que foram os polêmicos empréstimos para ajustes estruturais, na fase de liberalização das economias periféricas, para
-
aumento das reduções de emissões de gás de efeito estufa planejadas, em 20 milhões de toneladas de CO2 equivalente/ano, através do Mecanismo de
a privatização e eficientização dos serviços públicos, nos anos
Desenvolvimento Limpo (MDL), do BNDES, e projetos do
1990, e dos investimentos do TAL/SAL, dos anos 2000, o SEM DPL
Plano Nacional de Mudanças Climáticas;
teve por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas e diretrizes do sistema de gestão ambiental”. As ações políticas propostas incluem: -
a formulação e aprovação de uma nova Política Institucional Socioambiental para o BNDES, que incorpore o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, o Protocolo Verde e a aplicação desta nova política para a
-
aumento da Gestão de Florestas Naturais Sustentáveis de
-
apoiar uma área de 500.000 hectares através do Fundo
áreas públicas e privadas de 27.000 km2 para 50.000 km2;
Amazônia por promover atividades de uso sustentável da terra;
carteira completa de projetos do BNDES; -
a elaboração dos procedimentos de investimentos para o BNDES gerir os riscos sociais e ambientais para os sessenta subsetores da economia (incluindo energia, agricultura e transporte);
-
redução de 110.000 toneladas de poluentes despejados nos rios, devido à aprovação dos projetos de saneamento do BNDES.
Nos documentos relativos ao empréstimo e suas condicionantes, a ausência de um processo de análise 61
de risco ambiental e social para a maioria dos projetos
de inovação tecnológica e de incentivo ao aço verde (siderurgia
financiados diretamente era apresentada como justificativa
que utiliza carvão de base florestal, um dos eixos do Plano Setorial
para a “ambientalização” do BNDES. Também se somava a
da Política Nacional sobre Mudança do Clima); e, finalmente, a
essa justificativa o fato de este Banco não exercer um papel
abertura de uma linha de crédito para qualificar órgãos estaduais
de autoridade em relação às considerações ambientais e
de licenciamento.
sociais, como parte do processo de avaliação de seus projetos.
Esta última diretriz, ao mesmo tempo que indica que o
Entretanto, desde o início da contratação do empréstimo
BNDES reconhece a fragilidade dos processos estaduais de
até hoje, a sociedade civil organizada tem expressado
licenciamento ambiental dos projetos que financia, coloca o
preocupações quanto ao processo, diretrizes e resultados
Banco em um patamar duvidoso de expertise para recomendar
concretos da aplicação de uma nova política ambiental no
processos de aprimoramento na gestão ambiental. Além
BNDES sob orientação do Banco Mundial.
disso, esta proposta pode se tornar uma via de pressão e
Apesar de não serem novas as críticas em relação à fragilidade
condicionantes para que os órgãos estaduais agilizem as
e à insuficiência do BNDES na área da gestão socioambiental,
licenças de empreendimentos financiados pelo próprio Banco,
reconhece-se que efetivamente este Banco só se mobilizou
deflagrando um conflito de interesses.
em função das condicionalidades colocadas no âmbito do empréstimo SEM DPL pelo Banco Mundial14. Contudo,
Os fundos verdes e o ABC do (agro)negócio climático
seu padrão de atuação se mantém aquém, com a exclusão no processo em curso de qualquer diálogo ou consulta a organizações e instituições da sociedade. Uma vez que a própria política ambiental do Banco Mundial
recursos financeiros para a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas (REDD). Ele lançou o
é questionada em dezenas de países, o modelo a orientar o
seu Forest Carbon Partnership Facility (FCPF) em 2007, destinado
BNDES não apresenta grandes perspectivas e torna-se mais um
a ajudar os países a “se prepararem” para o REDD e estabelecer
dos focos de ação dos grupos que atuam sobre as instituições
alguns projetos-piloto de comercialização de carbono florestal.
financeiras multilaterais, como a Rede Brasil. A política ambiental do BNDES se desenvolve em um contexto
Desde o seu início, o FCPF foi orientado para tornar-se a “entidade coordenadora geral de todas as agências de
de avanço das reformas no sistema de licenciamento e na gestão
implementação da preparação para o REDD (readiness)”, com
ambiental e de uma adequação mais profunda para que as
o Programa de Investimento Florestal (FIP), também do Banco
políticas ambientais passem a dar sustentação e sejam orientadas
Mundial, se esforçando para atingir o mesmo status no que diz
para os novos mercados ambientais. Estes, por sua vez, exigem
respeito à implementação do REDD.
também uma espécie de ajuste estrutural que libere o meio ambiente da proteção do Estado. Esta política ambiental, portanto, inclui, além da revisão de suas
62
O Banco Mundial foi pioneiro na disputa pelos promissores
Neste sentido, o financiamento foi empenhado por Noruega, Alemanha, Holanda, Japão, Austrália, Finlândia, Suíça, Espanha, Dinamarca, França, Reino Unido e Estados Unidos. Em junho
práticas operacionais, a estruturação da gestão de novos fundos
de 2010, com um total de US$ 151,8 milhões de doações, apenas
ambientais, como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional sobre
US$ 10 milhões haviam sido efetivamente gastos, caracterizando
Mudança do Clima; financiamentos para a recomposição de
um importante período de capitalização do Banco, que ocorreu
biomas associados à negociação no mercado pelo BNDES dos
de forma similar em outros fundos chamados “verdes”. O FIP
direitos aos créditos de carbono gerados; financiamentos na área
prometeu, em 2008, recursos um pouco acima de US$ 560
milhões, mas nada havia sido Rodrigo Baleia / Greenpeace
alocado até agosto de 201015. Desde antes da crise financeira deflagrada em 2008, o Banco Mundial já tinha a intenção de assumir a liderança no financiamento do clima e promover os mercados de carbono. Os Fundos de Investimento Climático do Banco Mundial (CIFs) foram estabelecidos em 2008, quando catorze países prometeram alocar US$ 6,5 bilhões para dois fundos: o de Tecnologia Limpa e o Estratégico para o Clima (Clean Technology Fund e Strategic Climate Fund.) Atualmente, 45 países em desenvolvimento estão implementando projetos de tecnologia, manejo de florestas
A proposta central da economia verde não é a defesa do meio ambiente: transformar a natureza em mercadoria
e expansão de energia renovável através dos recursos
marketing, o Banco Mundial conta com doze fundos de carbono,
gerenciados pelo Banco Mundial.
que já capitalizaram US$ 2,74 bilhões. Dezesseis governos
Os países desenvolvidos, por sua vez, optaram por ter o Banco Mundial como o gestor de suas contribuições já que, assim, teriam maior controle sobre os recursos devido à
e 66 empresas privadas de vários setores já contribuíram financeiramente para estes fundos e facilidades16. O Banco introduziu papéis de créditos verdes especificamente
estrutura de governança do Banco orientada aos doadores:
para financiar a mitigação e a adaptação climática, criando, ao
“um dólar, um voto”. E nas negociações da 16ª Conferência
mesmo tempo, um novo produto financeiro e uma fonte de
das Partes para a Convenção-Quadro das Nações Unidas
mercado para a capitalização de seus fundos sobre aquilo que
sobre a Mudança do Clima (COP 16), realizada em Cancum
deveria ser a transferência de fundos públicos, não geradora de
em 2010, eles também conferiram ao Banco o papel de
dívidas financeiras - como reconhecimento da responsabilidade
depositário do Fundo Verde do Clima.
histórica dos países industrializados na geração da dívida
Mais recursos seguem sendo mobilizados via CIFs até que o
climática. Atualmente, mais de US$ 2,3 bilhões em créditos
Fundo Verde do Clima torne-se operacional. O Banco Mundial
verdes já foram emitidos através de 43 transações em dezesseis
tem a parceria de outras IFMs nos CIFs, como o BID, o Banco
moedas diferentes.
Asiático de Desenvolvimento e o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento. Atualmente, segundo o seu próprio departamento de
O Banco também lançou um “programa multicatástrofe”, com bônus de seguro, acessível aos países em desenvolvimento e coberto pelos mercados de capitais. Orgulha-se de ser a maior 63
fonte mundial de financiamento para a redução de riscos de
merecem um exame minucioso considerando os contínuos
desastres e reconstrução, tendo emprestado, desde 2007, US$
esforços da instituição em se tornar um agente nas negociações
9,2 bilhões para 215 projetos de recuperação pós-desastre;
climáticas globais.
orgulha-se também do seu portfólio crescente nesta área. O Banco Mundial contabilizou a monetização de 9,5 milhões de
Fundo Amazônia (FA)
Certificados de Emissões Reduzidas para o Fundo de Adaptação da Organização das Nações Unidas (ONU), atingindo a captação de US$ 163 milhões, a partir destes mercados, em 2011. Sem dúvida, a crise climática contribuiu bastante, e deve seguir
doados pelo governo da Noruega e em resposta às pressões pela redução das contribuições do desmatamento da Amazônia ao
contribuindo, com a saúde financeira do Banco Mundial, um
aquecimento global, o Fundo Amazônia (FA). Com o BNDES
exemplo seguido por outras instituições financeiras.
como seu gestor, este fundo é um mecanismo de financiamento
O envolvimento do Banco nas negociações sobre a mudança
de projetos que tem como objetivo prevenir e combater o
climática e a sua estratégia de “ganha-ganha” diante do caos
desmatamento, além de promover a conservação e o uso
climático têm sido muito criticados pela sociedade civil. Com
sustentável da floresta Amazônica.
o intuito de amenizar estas críticas, o Banco criou mecanismos
Na época de sua criação, o governo empenhou-se em
de participação de observadores sobre seus fundos, incluindo
construir uma alternativa institucional nacional às alternativas
representantes da sociedade e dos povos indígenas, e uma série
multilaterais então apresentadas, como o Banco Mundial, mas
de salvaguardas. Dentre estas, estão a aplicação do princípio
contou com um empréstimo deste para estabelecer as bases para
do consentimento livre, prévio e informado e medidas para
o seu funcionamento. O FA, diferentemente dos outros fundos
salvaguardar os direitos dos povos indígenas e mecanismos de
administrados pelo BNDES, criou um Comitê Orientador do Fundo
responsabilização (accountability) do Banco, incluindo a sua
da Amazônia (Cofa), formado por representantes de governo, do
Política Operacional (OP) sobre as avaliações ambientais (OP
setor empresarial e de organizações da sociedade civil.
4.01), povos indígenas (OP 4.1), recursos culturais físicos (OP 4.11) e o reassentamento involuntário (OP 4.12). Ou seja, os mesmos mecanismos criados para supostamente
A criação do FA foi reconhecida como a primeira iniciativa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) no mundo, gerando, assim, uma grande
resguardar as populações nos países em desenvolvimento dos
expectativa e despertando a atenção internacional das
impactos dos megaprojetos financiados pelo Banco, como
agências de cooperação, governos, empresas e imprensa.
as hidrelétricas, as indústrias extrativas ou as de combustíveis
Por esse motivo, passou a haver uma exigência, ao BNDES,
fósseis, seriam também aplicáveis quando se trata de tentar
por transparência e informações que viabilizassem um
assegurar que fundos climáticos sejam, de fato, verdes. Além
acompanhamento social efetivo e pelo desenvolvimento de um
disso, novos produtos e mercados financeiros asseguram
padrão de atuação específico para este Fundo.
o staus quo das IFMs na manutenção das suas políticas de desenvolvimento.
64
O governo brasileiro criou, em agosto de 2008, com recursos
As organizações da sociedade civil no Comitê, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Federação de Órgãos para Assistência
Por esta razão, o apoio do SEM DPL para a elaboração de
Social e Educacional (Fase), indicadas pelo Fboms, pautaram sua
regulamentações para o Fundo Amazônia e outros fundos
atuação por garantir a transparência, assegurar o controle social
verdes no BNDES, bem como a legitimação do Plano Setorial da
e a democratização do acesso aos recursos do Fundo, para que as
Agricultura de Baixo Carbono pelos estudos do Banco Mundial,
organizações locais sejam, de fato, as beneficiárias dele.
Atualmente, permanece o desafio de dar maior transparência
como potencial de incorporação dos mercados de carbono
ao fluxo de avaliação e contratação dos projetos, aos pré-
florestal em desenvolvimento e lançados de forma pioneira pelo
requisitos de elegibilidade e sobre como os critérios definidos
Banco Mundial.
pelo Cofa são aplicados nos procedimentos de análise dos projetos. Também cabe ao BNDES desenvolver modelos de
Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC)
aplicação de projetos diferentes dos utilizados para a análise e contratação dos seus financiamentos que, pela sua natureza, não são apropriados para os objetivos do FA. No início da operação deste fundo, os procedimentos, as
O Fundo Clima, do BNDES, se destina a aplicar a parcela de recursos reembolsáveis do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, ou Fundo Clima, um dos instrumentos da Política
prioridades e a estrutura burocrática do BNDES acabavam por
Nacional sobre Mudança do Clima vinculado ao Ministério do
inibir o acesso a ele por parte de pequenas organizações da
Meio Ambiente, criado pela Lei 12.114 em 09 de dezembro de
sociedade civil e beneficiar aquelas de grande porte, como a The
2009 e regulamentado pelo Decreto 7.343, de 26 de outubro
Nature Conservancy (TNC), uma organização conservacionista
de 2010.
de origem estadunidense que recebeu R$ 16 milhões do FA, entre os cinco primeiros projetos contratados para o terceiro setor. O FA já contratou 23 projetos no valor total de R$ 477 milhões . Sobre os valores já contratados, R$ 876 milhões são 17
do governo da Noruega, R$ 54 milhões da Alemanha e R$ 7,9 milhões da Petrobras . 18
O grande desafio, porém, é alinhar a política de financiamento
É o primeiro fundo no mundo a utilizar recursos oriundos da participação especial dos lucros da cadeia produtiva do petróleo para financiar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e seus efeitos. Coordenado pelo MMA, o Comitê Gestor do FNMC é composto de representantes governamentais, comunidade científica, empresários, trabalhadores e organizações não governamentais
do BNDES para a região com os objetivos orientadores do FA,
e foi anunciado durante a COP 16 do Clima, em Cancum, em
para que este não se torne meramente uma via de mitigação
dezembro de 2010. As organizações representantes da sociedade
de impactos negativos dos grandes projetos financiados pelo
civil são o Vitae Civilis, membro da coordenação do GT Clima,
próprio Banco. A perspectiva conservacionista dos projetos até
indicado pelo Fboms, e a TNC, ONG internacional indicada
aqui contratados sugere que o foco tende a ser o de mitigação,
pela rede Observatório do Clima. Cabe ao comitê administrar,
articulado às oportunidades de mercados de carbono a serem
acompanhar e avaliar a aplicação dos recursos em projetos,
exploradas. Enquanto uma proposta muito mais consistente
estudos e empreendimentos de mitigação e adaptação da
e necessária seria o investimento na implementação de um
mudança do clima e seus efeitos.
desenvolvimento regional sustentável que valorize a diversidade
Para o governo, este Fundo tem um papel estratégico na
cultural e biológica da região, inserida em um contexto
“promoção do modelo de desenvolvimento sustentável de
de geração de renda e que seja alternativa ao modelo de
baixo carbono”19. Neste contexto, apoia atividades voltadas para
megaempreendimentos extrativos voltados ao mercado global.
o combate à desertificação e para a adaptação à mudança do
A meta estabelecida através do empréstimo SEM DPL, de que
clima, ações de educação e capacitação, projetos de REDD+,
a política ambiental do BNDES apoiasse “uma área de 500.000
o desenvolvimento de inclusão de tecnologias, a formulação
hectares através do Fundo Amazônia por promover atividades
de políticas públicas, as cadeias produtivas sustentáveis e o
de uso sustentável da terra”, também aponta para uma
pagamento por serviços ambientais, entre outras atividades que
contabilidade de carbono/território a ser inicialmente mapeada
abrem caminho aos mercados verdes. 65
para prevenção e controle do Guilherme Resende
desmatamento: Amazônia e Cerrado. Os outros três são específicos para os setores de energia (amplamente focado na expansão da hidroeletricidade e da agroenergia), agricultura (Plano ABC) e siderurgia (ambos focados na eficientização de grandes plantações de alimentos ou de árvores para carvão vegetal). Cabe ressaltar que estes planos setoriais têm sido criticados pelos movimentos sociais e por organizações da sociedade civil por serem considerados simples versões esverdeadas de planos setoriais do PAC. A crítica também afirma que continuam ausentes os planos específicos de redução das emissões reais que envolvem temas centrais Os bancos se apropriaram da crise climática como uma oportunidade de capitalização: saúde financeira
para a mitigação das mudanças climáticas, como a redução do uso de
O Fundo dispõe de um orçamento de R$ 229 milhões, sendo R$ 200 milhões (87%) reembolsáveis na forma de empréstimos
desenvolvimento de mercados locais; as redes comunitárias de
e financiamentos voltados para a área produtiva, gerenciados
construção de cisternas e o manejo comunitário dos recursos
pelo BNDES. Os outros R$ 29 milhões seriam administrados
hídricos; e a mobilidade e a reorganização da ocupação das
pelo MMA em projetos de pesquisa, mobilização e avaliações
áreas urbanas.
de impacto das mudanças do clima, podendo ser repassados
66
combustíveis fósseis; a agroecologia; a economia solidária e o
Ao contrário do FA, o FNMC não tem foco no apoio a ações e
para os estados e municípios por meio de convênios e termos
projetos do terceiro setor. Com os recursos a serem destinados
de cooperação. O FNMC pode ainda receber recursos de outras
na forma de financiamentos públicos pelo BNDES, ele é
fontes, inclusive doações internacionais, que venham a ser
direcionado aos setores públicos, pelo MMA, e às demandas do
estabelecidos no âmbito da Convenção do Clima.
setor privado.
O foco deste Fundo está no apoio das ações estratégicas
Desse modo, projetos do agronegócio, como o plantio
de combate às mudanças do clima identificadas nos planos
direto e a expansão dos transgênicos, são apresentados em
setoriais articulados pelo Fórum Brasileiro de Mudanças
nova roupagem como projetos inovadores de adaptação aos
Climáticas (FBMC) e previstos no Plano Nacional sobre
efeitos das mudanças climáticas. Conhecidos no jargão da
Mudança do Clima (PNMC). Dois planos trazem as ações
sociedade civil como “falsas soluções”, eles vêm na esteira da
sensibilização com a problemática do clima e da pavimentação
crescer ainda mais. Isso, somando-se ainda às oportunidades
do caminho para a chamada economia verde.
de redução de emissões com a ampliação do uso do etanol
Plano ABC – Agronegócio de Baixo Carbono
e do biodiesel, assim como as vastas oportunidades para os
O Estudo de Baixo Carbono para o Brasil, lançado pelo
negócios de “reflorestamento” (leia-se plantações de árvores),
Banco Mundial em maio de 201020, legitimou as bases dos
tanto da reserva legal e das áreas de preservação permanente
planos setoriais de mitigação de carbono no âmbito da
como de pastagens degradadas. Inclui ainda a “compensação”
Política Nacional sobre Mudança do Clima, em especial o de
com o plantio de florestas comerciais ou florestas de produção,
Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que trata do uso de solo
especialmente para produção de carvão vegetal para o aço e
para agropecuária e florestas. No ano anterior, uma consultoria
ferro através de monoculturas de espécies comerciais21.
internacional de empresas para o setor financeiro, a McKinsey
No mesmo ano de 2010, iniciaram-se as discussões do
& Company, também lançou seu estudo Caminhos para uma
governo federal para elaboração dos planos setoriais no âmbito
Economia de Baixa Emissão de Carbono no Brasil.
da PNMC, contando com a participação de ONGs indicadas
Ambos tiveram seus gráficos e “curvas de custo de
pelo Fórum Brasileiro sobre Mudanças Climáticas. O grupo de
oportunidade” amplamente utilizados por gestores e funcionários
trabalho formado para a construção do Plano ABC teve como
do governo para justificar a formulação de políticas públicas que
objetivo avaliar seus subprogramas, a acessibilidade das linhas
favorecem as opções de mercado para os negócios do clima,
de financiamento ofertadas para a agricultura de baixo carbono
calculadas com base na mudança de um “cenário de referência”
canalizadas pelo BNDES a outras instituições financeiras e
para outro, identificado como de “baixo carbono”.
debater as possibilidades e desafios para a conciliação das metas
As principais ações propostas pelo estudo no cenário de
brasileiras de redução de emissões e o aumento da produção
referência (projeção para 2030 das tendências históricas,
de alimentos, fornecendo subsídios para a transformação dos
dinâmicas e tendências atuais) são pertinentes ao maior fator
mercados em direção a uma agricultura de baixo carbono.
de emissões de gases de efeito estufa pelo Brasil: a mudança
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
do uso do solo (expansão da agricultura e pecuária) e do
(Mapa) instituiu em junho de 2010 o programa Agricultura de
consequente desmatamento. O cenário alternativo, chamado
Baixo Carbono (ABC), com ações inseridas no Plano Agrícola
de “baixo carbono” pelo Banco, não contesta a expansão do
e Pecuário que incentivam iniciativas básicas com metas e
agronegócio, da pecuária e das monoculturas para a produção
resultados previstos até 2020:
da agroenergia, fomentados amplamente pelo BNDES. Pelo contrário, parte do princípio de que estes são “motores fundamentais da economia brasileira” e trata de reforçar o crescimento continuado destes setores, tentando acomodar
-
esta expansão no cenário de “baixo carbono”, juntamente
Plantio direto na palha, com o objetivo de ampliar os atuais 25 milhões de hectares para 33 milhões de hectares, com redução relativa de emissões estimadas em 16 a 20 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;
com os compromissos ambiciosos do Brasil de redução de desmatamento. Também naturaliza o desmatamento ilegal como parte do cenário de referência, reforçando a ideia da necessidade de pagamento para o cumprimento da legislação.
-
Recuperação de pastos degradados, com previsão de
-
Integração lavoura-pecuária-floresta, aumentando a
recuperação de 15 milhões de hectares e redução de 83 a 104 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;
O estudo reforça que, com ajustes tecnológicos que reduziriam as emissões, o agronegócio e a pecuária poderiam
67
utilização do sistema em 4 milhões de hectares para evitar a liberação entre 18 e 22 milhões de toneladas de CO2 equivalentes;
responsáveis são as corporações destes mesmos setores. O que parece contraditório não é. Somente a contínua poluição e degradação da natureza pode tornar os bens comuns escassos e, assim, elevar seu preço nos mercados e nas bolsas de valores;
-
Plantio de florestas comerciais, com foco em aumentar
ou seja, no mundo das instituições financeiras que, hoje,
a área de 6 milhões de hectares para 9 milhões de
controlam a política. Assim, o Banco Mundial, que não é nenhum
hectares;
exemplo de sustentabilidade, influencia com sua agenda neoliberal a financeirização da natureza e da política ambiental
-
Fixação biológica de nitrogênio e tratamento de resíduos animais.22,23
do Brasil, adotada também pelo BNDES. Independentemente de contabilizar qualquer redução de impactos ou a efetiva aplicação de salvaguardas socioambientais
Nota-se que o estímulo à expansão do agronegócio é
nos seus projetos, o BNDES já lançou uma série de fundos e
diretamente proporcional ao cálculo de créditos de redução
produtos financeiros verdes: Fundo Amazônia, Fundo Clima,
de emissões, gerando, a partir da ficção de um cenário futuro,
Iniciativa BNDES Mata Atlântica, BNDES Florestal (destinado
uma enxurrada de títulos negociáveis no mercado de emissões
também ao “reflorestamento” com monocultura de espécies
e justificando as políticas públicas de incentivo ao modelo
exóticas comerciais), BNDES Project Finance (engenharia
agroindustrial exportador, em detrimento de outros setores
financeira suportada contratualmente pelo fluxo de caixa de
não contemplados nos planos de mitigação das mudanças do
um projeto, servindo como garantia os ativos e recebíveis desse
clima, como o da agroecologia. Os recursos públicos, para o
mesmo empreendimento), BNDES Compensação Florestal (de
Plano ABC, disponíveis via BNDES, alcançaram, para a safra
apoio à regularização do passivo de reserva legal em propriedades
2011/2012, R$ 3,150 bilhões, contemplados no plano agrícola e
rurais destinadas ao agronegócio e à preservação e valorização
pecuário, com limite de financiamento de R$ 1 milhão, taxas
das florestas nativas e dos ecossistemas remanescentes), BNDES
de juros de 5,5% ao ano e prazo para pagamento de cinco a
Proplástico - Socioambiental (apoio a investimentos envolvendo
quinze anos .
a racionalização do uso de recursos naturais, MDL, sistemas de
24
gestão e recuperação de passivos ambientais e financiamento Bolha dos fundos verdes: novo negócio para o BNDES e as
de projetos e programas de investimentos sociais realizados por
corporações brasileiras
empresas da cadeia produtiva do plástico), ECOO11 - iShares Índice de Carbono Eficiente Brasil (constituído por ações de
Como já afirmado anteriormente, o empréstimo SEM DPL,
empresas brasileiras que divulgam suas emissões de CO2), BNDES
anunciado em 2008 e aprovado em março de 2009, apresentou
Empresas Sustentáveis na Amazônia, BNDES Fundo de Inovação
como uma condicionalidade do Banco Mundial a criação de uma
em Meio Ambiente, FIP Brasil Sustentabilidade (foco em projetos
política socioambiental pelo BNDES.
de MDL e com potencial para gerar Reduções Certificadas de
Apesar de este Banco não ter deixado de concentrar o dinheiro público nas grandes corporações, como a Vale (mineração), a Fibria (celulose) e a Cosan (agrocombustíveis, hoje pertencente
68
Emissões) e FIP Vale Florestar (em áreas degradadas na região de abrangência de Carajás). A aprovação do Novo Código Florestal, com o lançamento
à Shell), ele, paralelamente, criou uma série de fundos verdes
de um novo e gigante mercado de Certificados de Reserva
para lucrar com as crises do clima e da biodiversidade, cujas
Ambiental (CRA), ou seja, de compensação (offseting) de
biodiversidade, registrados em títulos que serão também
ambientais, significa deslocar o foco do debate sobre o modelo
produtos financeiros, é um fato emblemático que explicita
de desenvolvimento e do papel central que as instituições
como as leis podem criar mais oportunidades de mercado do
financeiras vêm desempenhando na sua promoção.
que de proteção ambiental. Os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, como os PLs sobre REDD e sobre
Salvaguardas do Banco Mundial e critérios setoriais do
Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), estão também
BNDES: dois pesos e duas medidas
orientados para lançar novas bolhas verdes, cuja operação exige ajustes profundos na lógica das políticas ambientais. Eles passam
As salvaguardas socioambientais do Banco Mundial foram
pela revisão do papel do Estado na gestão ambiental e na garantia
elaboradas como uma resposta às criticas sobre a atuação da
dos direitos dos cidadãos a um ambiente equilibrado para o
instituição e a seu duplo padrão ao lidar com legislações, ou
de regulador de mercados verdes, e pela perda de direitos e de
mesmo a falta de resguardos legais às populações e à natureza,
soberania das populações nos territórios, em um favorecimento
em países em desenvolvimento diante da implementação de
de novos direitos das corporações, dos investidores, dos
megaprojetos financiados pelas IFMs em seus territórios.
mercados e das instituições financeiras. É importante ressaltar que estas instituições influenciam
As salvaguardas, como políticas de aquisição de terras, reassentamento involuntário de povos indígenas ou de redução
políticas públicas que flexibilizam a proteção ambiental e
da poluição, davam conta de nivelar ou padronizar os guias de
enfraquecem os direitos sociais conquistados, ao mesmo tempo
operação do Banco em diferentes países com (ou sem) políticas
que sugerem sua gradual substituição por critérios, salvaguardas,
distintas quanto à propriedade territorial, populações tradicionais
práticas operacionais e novas oportunidades, produtos
ou limites e controle da poluição. Tais limites, padrões ou
financeiros e fundos verdes que resultam no aumento e na
restrições, aliados a uma política de informação pública sobre
concentração do seu poder político e no menor controle social
os projetos, as operações e sobre as instâncias e momentos
das políticas de desenvolvimento.
decisórios no Banco, dariam à sociedade organizada meios para
Em outras palavras, as políticas ambientais, orientadas pela
acionar os instrumentos de monitoramento (compliance) como
cooperação técnica de instituições como o Banco Mundial ou
estratégia complementar dos movimentos de resistência às IFMs
geridas por instituições financeiras como o BNDES, tornam
e seus projetos.
contraditória qualquer iniciativa de regulamentação através
No caso do Brasil, até pouco tempo atrás, as política nacionais
de critérios e salvaguardas porque implicam um processo que
de gestão ambiental e territorial, inclusive o Código Florestal, que
se aprofunda na perda de direitos e na contínua deterioração
incide sobre a propriedade privada reconhecendo a função social
do papel do Estado como garantidor deles, em detrimento
e ambiental da terra, eram vistas como completas e avançadas
dos interesses e novos direitos do mercado, sendo agora
em comparação à maioria dos países em desenvolvimento. Isto
assegurados por lei.
antes dos ataques ideológicos, técnicos e políticos do próprio
Tal como o Banco Mundial, o BNDES tem se utilizado de uma
Banco Mundial ao Sisnama, ao sistema de licenciamento
estratégia de capitalização diante da crise ambiental como central
ambiental e ao desmonte ruralista do Código Florestal, que se
à sua política socioambiental. Fortalecer essa lógica através da
tornou um marco para o mercado financeiro de compensações
criação de critérios e salvaguardas, seja para o financiamento
de biodiversidade e pagamentos por serviços ambientais.
de grandes obras e projetos, seja para aqueles produtos e fundos que deveriam ter como premissa a proteção e conservação
Mesmo assim, se o BNDES se propusesse a simplesmente observar e respeitar a legislação brasileira nos financiamentos 69
que concede aos projetos no Brasil e no exterior, e fornecesse
cunho social e ambiental e incorporar critérios socioambientais
acesso à informação para o seu monitoramento, salvaguardaria
aos demais produtos, quando couber”. Além disso, estabelece três
as comunidades de situações tais como o cercamento e a
critérios setoriais, analisados aqui com brevidade, que tampouco
proibição de acesso das populações às áreas próximas da mina
são denominados salvaguardas.
de carvão da Vale em Moatize, por exemplo. Quanto ao financiamento no Brasil, o BNDES reafirma seu
elétrica”, ao contrário de responderem a uma das demandas
compromisso com a legislação nacional25, em especial com a
formais apresentadas ao Banco pela Plataforma BNDES para
“avaliação do atendimento a exigências ambientais legais, em
a adoção de uma política pública de informação e de critérios
especial o zoneamento ecológico-econômico e o zoneamento
sociais e ambientais em seus financiamentos para o setor
agroecológico, e a verificação da inexistência de práticas de atos
hidroelétrico, definem somente limites máximos elegíveis
que importem em crime contra o meio ambiente”. Também,
para termelétricas alimentadas por combustíveis fósseis (óleo e
como resposta a sucessivas denúncias, se compromete com
carvão mineral).
a “pesquisa cadastral do beneficiário que inclui verificação de
Como a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente
apontamentos referentes a trabalho análogo a escravo (consulta
(Conama) 382, de 2006, não incluiu as termelétricas quando
aos dados do Ministério do Trabalho e Emprego) e a crimes
estabeleceu limites de emissão de poluentes à atmosfera por
ambientais”, sem, contudo, explicitar se e quando os resultados
fontes fixas, como fez para as indústrias de celulose, cimento
dessa pesquisa levam a recusar ou limitar os financiamentos às
e siderurgia, delegou o estabelecimento de normas específicas
empresas (ou beneficiários) solicitantes, a não ser em diretrizes
para fontes com relevância regional, como o carvão mineral,
setoriais específicas, como as desenvolvidas para o setor da
aos estados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a articulação
pecuária e da cana-de-açúcar.
das indústrias do setor carbonífero buscou, a partir de 2007 no
O BNDES estabelece ainda uma “avaliação do atendimento
Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), a definição
a exigências sociais legais e a verificação do atendimento
de limites máximos acima dos permitidos nos licenciamentos
às políticas do BNDES relativas às medidas de qualificação e
dados pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)
recolocação de trabalhadores se, em função do empreendimento
nas últimas décadas. O objetivo era a criação de um novo
apoiado, ocorrer redução do quadro de pessoal; à proteção de
mercado de licenças de poluição para aqueles empreendimentos
pessoas portadoras de deficiência; e à inexistência de práticas
que, ao contribuírem com a poluição instalando novas
de atos que importem em discriminação de raça ou gênero,
termelétricas a carvão, pudessem ainda assim negociar “créditos
trabalho infantil ou trabalho escravo ou de outros atos que
de poluição” por não usarem uma cota máxima e extremamente
caracterizem assédio moral ou sexual”. Tais políticas internas
permissiva estabelecida sob sua influência por resolução
não são claramente divulgadas ou passíveis de monitoramente
estadual. Já o BNDES, responsavelmente, estabelece limites mais
e verificação pela sociedade civil a ponto de considerarem-se
restritivos em comparação a esta malfadada iniciativa, visando à
salvaguardas no sentido em que se aplicam ao Banco Mundial.
utilização das melhores tecnologias disponíveis, ainda que com
Por fim, o BNDES estabelece ainda diretrizes para a política socioambiental, entre as quais: “atuar alinhado com as políticas públicas e legislações vigentes, em especial com o disposto na
70
Os “critérios socioambientais para o apoio ao setor de geração
limites duas vezes superiores ao recomendado na época por técnicos da Fepam26. Todavia, cabe questionar o papel do BNDES na definição
Política Nacional de Meio Ambiente” e “desenvolver e aperfeiçoar
de tais limites em substituição às políticas de saúde pública e
permanentemente produtos financeiros voltados a objetivos de
meio ambiente que o Estado teria o dever de promover para
assegurar o direito constitucional dos cidadãos a um ambiente equilibrado. Nesse sentido, cabe questionar também o seu
questões tramitem em julgado. O BNDES divulgou na sua política setorial para a cana, em
financiamento à expansão de empreendimentos que usam
2012, o acolhimento de parte destas recomendações, assim
fontes obsoletas e altamente poluentes de geração de eletricidade
como das Resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN)
e com reconhecidos passivos ambientais no Brasil, como o
nº 3.813 e 3.814, de 26 de novembro de 2009, que condicionam
carvão mineral, além de empresas com registro de passivos já
o crédito rural e agroindustrial para a expansão da produção
reconhecidos pelo próprio BNDES e que exploram os leilões de
e da industrialização da cana-de-açúcar ao Zoneamento
termelétricas fósseis, como a Bertin e a MPX .
Agroecológico e vedam o financiamento da expansão do
27
Já as “diretrizes e critérios ambientais para o apoio ao açúcar
plantio nos biomas Amazônia e Pantanal e na Bacia do Alto
e ao álcool” tiveram como clara motivação as denúncias
Paraguai, entre outras áreas. O BNDES informa que a falsidade
dos movimentos reunidos no I Encontro Sul-Americano de
das declarações e/ou informações requeridas por parte do
Populações Impactadas por Projetos Financiados pelo BNDES,
beneficiário poderia acarretar o vencimento antecipado dos
realizado em novembro de 2009, no Rio de Janeiro, e as
contratos, sem prejuízo da aplicação das sanções legais cabíveis,
proposições elaboradas pela ONG Repórter Brasil, em 2011 . 28
Esta organização avalia que as políticas de salvaguarda do BNDES carecem de transparência e foco, ainda que tenham
mas não especifica seus próprios mecanismos de avaliação de conformidade com tais critérios. Por fim, as “diretrizes específicas para a concessão de apoio
avançado com a criação de critérios específicos para o
ao setor de pecuária bovina” respondem a um processo
financiamento do setor da pecuária e a assinatura de um termo
de campanhas e denúncias da sociedade civil organizada,
de cooperação com o Ministério Público do Trabalho (MPT), de
que contou também com o apoio do Ministério Público e
modo a não financiar empresas que praticam trabalho escravo
denúncias do Tribunal de Contas da União (TCU), envolvendo
ou infantil.
o BNDES, grandes empresas como a Bertin e as ações de
Para o ramo sucroalcooleiro, a Repórter Brasil sugeriu mecanismos específicos para a análise de riscos socioambientais
desmatamento ilegal29. Tais exemplos, ao mesmo tempo que expõem as fragilidades
e o acesso e controle públicos dos critérios e das operações para
do BNDES, sua preocupação diante das críticas da sociedade
este setor. Além disso, demandou procedimentos de cobrança
civil organizada e a efetividade das denúncias e protestos sociais,
de cumprimento de suas salvaguardas, medidas cabíveis de
explicita os limites e as contradições entre os interesses do Banco
ajustes e sanções e condições de monitoramento dos impactos
e sua tentativa de adequação e legitimação destes através de sua
dos projetos financiados, dando publicidade às ações de
política socioambiental.
auditoria e de sua metodologia, bem como às sanções aplicadas.
Indica também que a setorização de diretrizes ou salvaguardas
Quanto aos casos com condenação por crimes ambientais e
confere um duplo padrão ao Banco ao lidar com determinados
de trabalho escravo, sugere a adoção de medidas por parte do
setores em detrimento de outros que não estejam sob a mira da
BNDES independente de sua inclusão nas listas do MTE e do
sociedade organizada ou com pressão suficiente para influenciar
Ibama e a adoção de uma política de acolhimento de denúncias
as ações do Banco.
e recomendações dos ministérios públicos, considerando,
Desta forma, a Plenária dos Movimentos Sociais, realizada
prioritariamente, a tramitação de ações correntes na justiça
em Brasília em maio de 201230, defendeu e desafiou o BNDES
que possam implicar o impedimento do desenvolvimento da
a: ampliar a aplicação da determinação do TCU quanto às
atividade fim como barreira para o repasse de recursos, até que as
salvaguardas contratuais para casos de superfaturamento para 71
todos os projetos financiados pelo Banco, e não apenas para aqueles realizados no âmbito da Copa do Mundo de 2014;
populações atingidas no campo, na cidade ou na floresta. A Rede Brasil, ao longo dos seus 17 anos de atuação, se pautou
não financiar empresas com ações tramitando na justiça, e
pela construção dos caminhos da transparência, do controle
a suspender suas atividades fins, não se limitando aos casos
social e da incidência, tendo como aliados atores políticos
de empresas condenadas em última instância; financiar
nacionais, como os movimentos sociais e o Parlamento, e redes
massivamente a agricultura familiar e campesina, a diversificação
internacionais, de modo a escrutinar, denunciar e resistir às
da matriz energética e produtiva do país, a infraestrutura social
formas de implementação do modelo neoliberal pelo Banco
de transporte e saneamento públicos, o micro e pequeno
Mundial e suas consequências.
empreendimento e os empreendimentos da economia solidária.
Já o BNDES não tem política de informação suficiente sobre sua carteira de projetos. Não tem mecanismos de participação
Considerações finais
e transparência na discussão e construção de sua política socioambiental. Esta foi resultado de uma condicionante de
O Banco Mundial nunca teve salvaguardas para o seu projeto
um empréstimo do Banco Mundial para eficientizar a gestão
neoliberal. Soube muito bem capturar a crítica da sociedade civil e
ambiental no Brasil. Tal como o Banco Mundial se reinventou
neutralizá-la em processos de consulta, participação, construção
e se recapitalizou com o discurso da crise climática e a
e tentativas frustradas de uso de mecanismos complexos de
preocupação ambiental, e agora se fortaleceu assim como o
transparência e responsabilidade (accountability), bem como criar
FMI com a crise financeira, o BNDES segue a mesma cartilha.
os caminhos para desviar-se da sua própria burocracia para a
Cresce privilegiando grandes conglomerados de corporações
execução de projetos polêmicos e o aprofundamento do modelo
nacionais e aprofundando o modelo agroexportador
de “desenvolvimento”, entre eles o repasse de recursos para outras
extrativista, ao mesmo tempo que cria novos fundos e
instituições financeiras como o BNDES.
produtos financeiros para lucrar com os mercados da escassez
Através da sua capacidade de formulador de opinião, de
os grande projetos desenvolvimentistas nacionais, como
aceitação social às suas teses, velhas ou novas. Atua nesse
a exploração do pré-sal, e geram ativos e saúde financeira
sentido desde a disseminação da ideologia dos pós-guerra,
para o Banco, assim como para estas próprias corporações
passando pelos processos de privatização e liberalização da
que têm, por força das políticas públicas de nova geração
economia, pela maquiagem do desenvolvimento sustentável
recomendadas, entre outros pelo Banco Mundial, obrigação
e, mais recentemente, pela forçada união de setores e classes
de adquirir títulos no mercado para a compensação de seus
em nome da proteção ambiental e do enfrentamento da crise
impactos sociais e ambientais não evitados pela burocrática
do clima. Também é parte do modus operandi do Banco a
política de salvaguardas.
forçosa tentativa de conciliação contraditória entre crescimento
72
ambiental. Estes fundos captam recursos no exterior e com
pensamentos e de políticas liberais, forjou consensos e a
Cria-se, assim, um complexo círculo vicioso, que não
econômico, degradação ambiental e aumento da lucratividade
dispensa uma intrincada arquitetura financeira e de
com a escassez dos serviços ambientais dos bens comuns,
comunicação para maquiar a realidade de verde e impor
promovida pela economia verde. O Banco atua também
uma tênue, porém eficaz, aceitação social, apresentada como
com o claro propósito de invisibilizar a luta e a emergência e
suposto consenso e capaz de abafar, neutralizar e invisibilizar
convergência de novas classes, para além dos trabalhadores
conflitos latentes e a resistência à imposição do modelo
formalizados, como mulheres, indígenas, camponeses e
neoliberal sobre os territórios e a vida das pessoas.
* Lucia Ortiz é Coordenadora do Programa Justiça Econômica – Resistência ao Neoliberalismo – Amigos da Terra Internacional e Membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.
18 Dados do Fundo Amazônia em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/ Esquerdo/Doacoes/ 19 Ver sobre o Fundo Clima, em: http://www.ecodebate.com.br/2010/10/27/decreto-regulamentafundo-nacional-sobre-mudanca-do-clima-fnmc-ou-fundo-clima/
1 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da guerra de movimento à guerra de posição Análise do documento ‘Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011’. Rede Brasil, janeiro de 2009, em: http;//www.rbrasil.org.br 2 Ver edições III e IV da revista Contra Corrente, da Rede Brasil em: http://www.rbrasil.org.br 3 MC ELHINNY, Vincent. Empréstimos de política ambiental do Banco Mundial ao BNDES deslocando o dinheiro ou o meio ambiente? Movendo dinheiro ou consolidando uma política ambiental? Bank Information Center, setembro de 2009, em: http://www.bicusa.org/es/Article.11453. aspx
20 WORLD BANK. Brazil low carbon country case study, maio de 2010 em: http://siteresources. worldbank.org/BRAZILEXTN/Resources/Brazil_LowcarbonStudy.pdf 21 Ver entrevista com análise sobre o estudo ABC, do Banco Mundial, em: ohttp://www.ecodebate. com.br/2010/07/02/estudo-de-baixo-carbono-brasil-uma-reciclagem-do-discurso-dos-velhosatores-entrevista-com-lucia-ortiz-e-camila-moreno/ 22 Dados do Programa ABC em: http://www.agricultura.gov.br/desenvolvimento-sustentavel/ programa-abc
4 http://www.mma.gov.br/apoio-a-projetos/tal-ambiental-assistencia-para-agenda-sustentavel
23 Dados do Programa AB em: http://www.agricultura.gov.br/abc/
5 ALAM, Sultan. Projeto Rio Madeira – Estudos Hidráulicos e de Sedimentos: Relatório Preliminar. Ministério das Minas e Energia. Brasília, janeiro de 2007.
24 Dados do BNDES em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_ Financeiro/Programas_e_Fundos/abc.html
6 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: a tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Adital, julho de 2009, em: http:// www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=40702&lang=PT
25 Da Política Socioambiental do BNDES em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/ Institucional/Apoio_Financeiro/Politicas_Transversais/Politica_Socioambiental/analise_ambiental. html
7 Ver correspondência entre Rede Brasil e Banco Mundial em: http://www.riosvivos.org.br/Noticia/Resposta+do+Banco+Mundial+a+carta+da+sociedade/10653
26 ECOAGÊNCIA. Governo do RS muda representantes em colegiado para tentar aprovar limites de poluentes das usinas a carvão fora de qualquer bom-senso em: http://nejrs.blogspot.com.br/2008/08/ governo-do-rs-muda-representantes-em.html e Ambiente Já, 2008: Governo Yeda manipula Consema para aumentar tolerância com poluição de termelétricas em: http://ambienteja.info/ ver_cliente.asp?id=130859
8 Em Brasília, 22 de dezembro de 2005, 10 e 23 de fevereiro e 21 de junho de 2006, do Relatório da Rede Brasil 2006. 9 Ver sobre o Termo de Cooperação entre MMA e Fboms em: http://www.fboms.org.br/files/energia/ Termo_coopFBOMS_MMA.pdf 10 Ver sobre Avaliação de Equidade Ambiental em: http://www.justicaambiental.org.br/projetos/ clientes/noar/noar/UserFiles/17/File/Encarte_AEA_2ed.pdf 11 BANCO MUNDIAL. Licenciamento Ambiental de Empreendimentos Hidrelétricos no Brasil: uma contribuição para o debate. Banco Mundial, março de 2008, em: http://siteresources.worldbank.org/INTLACBRAZILINPOR/Resources/Relatorio_PRINCIPAL.pdf 12 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: a tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Adital, julho de 2009, em: http:// www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?cod=40702&lang=PT 13 Ver notícia sobre empréstimo do Banco Mundial para o Projeto de Assistência Técnica dos Setores de Energia e Mineral (Meta) em: http://pmdb.jusbrasil.com.br/politica/8446719/lobao-contrato-quebeneficia-projetos-no-setores-de-energia-e-mineral
27 Com dificuldades para tocar seus projetos, Bertin negocia venda de ativos Grupo ofereceu usinas termoelétricas a alguns investidores, entre eles a MPX, de Eike Batista, 23 de fevereiro de 2011, em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,com-dificuldades-paratocar-seus-projetos-bertin-negocia-venda-de-ativos,683229,0.htm 28 REPÓRTER BRASIL. O BNDES e sua política socioambiental: uma crítica sob a perspectiva da sociedade civil organizada, fevereiro de 2011, em: http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/ BNDES_Relatorio_CMA_ReporterBrasil_2011.pdf 29 BNDES ajudou a patrocinar desmatamento da Amazônia, diz TCU: a auditoria aponta falha na coordenação dos programas do governo, a cargo da Casa Civil, 23 de outubro de 2010, em: http:// www.estadao.com.br/noticias/vidae,bndes-ajudou-a-patrocinar-desmatamento-da-amazonia-diztcu,628829,0.htm 30 Carta aberta da Plenária dos Movimentos Sociais ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, 2 de maio de 2012, em: http://cupuladospovos.org.br/wp-content/ uploads/2012/05/CartaAberta-1.pdf
14 TAUTZ, C.; Siston, F.; Lopes Pinto, J. B.; Badin, L. O BNDES no período Lula e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. In: CORECON e Centro de Estudos para o Desenvolvimento. Os anos Lula - contribuições para um balanço crítico 2003/2010. Ed. Garamond, 2010, em: http://www.plataformabndes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_ view&gid=67&Itemid=29 15 AMIGOS DA TERRA INTERNACIONAL. REDD, as realidades em branco e preto, novembro de 2010, em: http://www.foei.org/redd-realities-pt 16 Dados do Banco Mundial em: http://climatechange.worldbank.org/content/climate-finance-andworld-bank-facts 17 Dados do Fundo Amazônia em: http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/export/sites/ default/site_pt/Galerias/Arquivos/Informes_Portugues/2012_07_20_informe_15jul12_portugues.pdf
73
O BNDES financia a transnacionalização das empresas brasileiras: exportação de violações
74
A responsabilidade do BNDES pelas violações aos direitos humanos Jadir Anunciação de Brito*
O
presente estudo examina os efeitos causados pelos
Breve resumo histórico
contratos de financiamento de instituições financeiras na violação de normas nacionais e internacionais
de proteção e promoção dos Direitos Humanos Econômicos,
ecológica nos seus negócios através de mecanismos de
Sociais, Culturais e Ambientais (Dhescas) de grupos e populações
mercado que favoreceram a apropriação do capital sobre a
vulneráveis. São também examinadas as possibilidades de
natureza por instrumentos financeiros. Para uma compreensão
aplicação dos instrumentos jurídicos, por parte do Ministério
desta financeirização da natureza é importante compreender
Publico ou da sociedade civil, para o fortalecimento da
que naquele período crescia o debate internacional sobre o
implementação dos Dhescas na promoção da justiça ambiental1,
desenvolvimento sustentável, sobretudo em decorrência dos
sob a perspectiva da responsabilidade solidária dos bancos,
inúmeros impactos socioambientais das atividades econômicas
especialmente do Banco Nacional de Desenvolvimento
e das decisões da I Conferência da Organização das Nações
Econômico e Social (BNDES), por se tratar de uma instituição
Unidas (ONU) sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
financeira pública.
Estocolmo, na Suécia, em 1972. Estas medidas contratuais
Diante das desigualdades econômicas e das injustiças Daniele Ribeiro, Justiça Ambiental (JA) - Amigos da Terra Moçambique
O BNDES, a partir de 19763, passou a incoporar a variável
ambientais do BNDES passaram a ser implementadas mesmo
ambientais2 a que estão submetidas as comunidades pobres
antes da Lei 6938/81, que estabeleceu o conceito de “poluidor-
no Brasil, a Rede Brasil solicitou que este estudo examinasse as
pagador”, bem como o modelo regulatório de responsabilidade
seguintes questões:
bancária sobre o destino dos financiamentos, e criou os marcos
a) Como avançar no acesso das comunidades afetadas e organizações sociais às vias legais de corresponsabilização dos agentes financeiros por violações de acordos e leis sociais e ambientais? b) As vias legais de corresponsabilização podem ser formas de
gerais dos condicionantes para a regulação do uso da natureza na perspectiva formal do desenvolvimento sustentável. Na década de 1980, a conjuntura internacional passou cada vez mais a incorporar o debate ambiental, inclusive associando-o aos interesses de mercado. Esta conjuntura foi pressionada
pressão política por mudanças nos rumos e nas práticas
pelos movimentos sociais internacionais e também pelos
do BNDES?
crescentes impactos na natureza e nas populações mais pobres, 75
que passaram a sofrer diretamente os danos das externalidades
variável ecológica nos contratos de financiamento bancário foi
ambientais e sociais geradas pelo capitalismo industrial.
um instrumento de revalorização do capital, da renda da terra
A demanda por uma regulação ambiental internacional
e da expansão da indústria, especialmente da construção civil,
caracaterizadora da responsabilidade ambiental das instituições
do agronegócio e do comércio, causando conflitos ambientais,
financeiras passou a ser pautada em vários países. A inclusão
supressão de direitos historicamente conquistados e impactos
da variável ecológica nas atividades das instituições financeiras,
que agravaram a pobreza e as desigualdades social e ambiental6.
em especial o BNDES, ganhou organicidade a partir do
Nos anos 1990, o governo brasileiro instituiu, por meio da Lei
intercâmbio destas com o Banco Mundial, que promoveu a
6938/81, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), ainda
inclusão institucional da agenda ecológica nos bancos a partir
em vigor. Esta Política criou os conceitos de poluidor-pagador
da criação de requisitos formais de sustentabilidade como
e de responsabilidade financeira ambiental e, formalmente,
condição para apoio aos projetos de financiamento. Houve,
estabeleceu condicionantes ambientais para a contratação
inclusive, a criação de linhas específicas de financiamento
de operações bancárias, para atividades industriais, para o
para a implementação de projetos industriais de conservação e
licenciamento ambiental, o Sistema Nacional do Meio Ambiente
recuperação do meio ambiente sem nenhuma vinculação com
(Sisnama) e a fiscalização administrativa dos órgãos ambientais.
compromissos no combate das desigualdades e da pobreza
O licencimento ambiental, prescrito no modelo regulatório
causadas pelos danos ambientais.
brasileiro dos anos 1980, já estabelecia condições “verdes” para
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
os condicionantes ecológicos e sociais para o financiamento
de atores políticos dos movimentos sociais e das Organizações
bancário a empreendimentos geradores de impactos ambientais
Não Governamentais (ONGs), aprovou princípios e mecanismos
e violações de direitos. A instituição da responsabilidade
formais para a promoção do denominado desenvolvimento
bancária solidária pelo destino dos financiamentos, de forma
sustentável. Embora com baixa implementação e poucos
adversa, fortaleceu uma financeirização das políticas públicas
impactos sobre as externalidades ambientais, os princípios e
ambientais, seja pelas condicionantes ambientais estabelecidas
mecanismos formais, entre outras funções, estabeleceram a
como critérios para a liberação de financiamentos bancários,
regulação das instituições financeiras através da possibilidade da
seja pelo favorecimento de uma ambientalização das instituições
sua responsabilidade solidária no destino dos financiamentos4.
financeiras por meio da retórica ambiental para a expansão do
Entretanto, estes mecanismos tiveram um efeito adverso ao
capital financeiro.
favorecer o surgimento de uma espécie de mercado da natureza
Houve uma baixa eficácia da implementação da
institucionalizado, pelo qual os recursos ambientais passaram a
responsabilidade bancária. Por outro lado, houve um aumento
ser mais um ativo da revalorização e da reprodução do capital.
das normas contratuais bancárias relativas à responsabilidade das instituições financeiras. Dois exemplos são as disposições
No Brasil, a Rio 92 favoreceu uma crescente retórica do desenvolvimento sustentável ou da sustentabilidade ambiental,
aplicáveis aos contratos do BNDES e as normas e instruções
presente nas concepções das políticas públicas, nos modelos
de acompanhamento previstas na resolução nº 665/877. Estas
regulatórios e nos projetos de desenvolvimento econômico
disposições aumentaram o controle sobre a liberação dos
que se dirigiram para a criação de condições do surgimento
recursos financeiros e dos condicionantes contratuais formais
do chamado “mercado verde”, da capitalização da natureza
para essa liberação sem, contudo, inovarem na aplicabilidade
ou ainda do indeterminado conceito de “economia verde”. A
e na fiscalização dos impactos da aplicação deles. Estes
5
76
a apropriação capitalista da natureza, especialmente ao regular
o Desenvolvimento, a Rio 92, influenciada por uma grande rede
condicionantes significam que o próprio banco, por imposição
fiscalização de controle, de manejo, uso dos serviços e recursos
legal, reconheceu os riscos ambientais e sociais dos seus
ambientais, tampouco estabeleceu um desenho institucional
financiamentos e, consequentemente, a sua corresponsabilidade
justo e democrático de apropriação social da natureza capaz de
ou responsabilidade solidária pelo destino deles. No entanto,
orientar condições para a sustentabilidade fora dos parâmetros
embora tenha prescrito condicionantes contratuais, o BNDES
de desenvolvimento orientado pela mercantilização da natureza
não estabeleceu mecanismos bancários de monitoramento,
e da vida. Assim, o BNDES, mesmo antes da Rio 92 e sob a
fiscalização e controle dos impactos gerados na destinação dos
orientação do Banco Muncial, já buscava condições de liberação
recursos liberados. Essa circunstância transcorreu apesar de o
de financiamento de modo que permitisse condições formais de
Banco possuir mecanismos legais, contratuais, para a resilição
inclusão da variável ambiental na liberação de financiamento:
ou rescisão contratual, bem como outros, a exemplo dos Termos
“Em 1989, foi criada a primeira unidade ambiental do BNDES,
de Ajustamento de Conduta (TACs) e do ajuizamento de ações
cuja atribuição foi coordenar o processo de internalização da
de responsabilização dos seus financiados pelo descumprimento
variável ambiental nos procedimentos operacionais do Banco. As
dos condicionantes socioambientais contratuais e pelos
operações passaram a receber classificação de acordo com o seu
impactos gerados. Não há informações de precedentes da
impacto ambiental”.
utilização destas medidas jurídicas legais e contratuais para
Sob a influência da Rio 92 e da retórica do desenvolvimento
fins de exigir dos financiados o cumprimento de cláusulas
sustentável, o capital financeiro é estruturado juridicamente de
contratuais relativas aos eventuais danos socioambientais
forma a possuir mais segurança para a sua reprodução. O BNDES
decorrentes da aplicação dos recursos.
declarou que “assinou acordos internacionais que visavam à
Ainda na década de 1990, os marcos regulatórios ambientais
recuperação de áreas ambientalmente degradadas, como o
brasileiros favoreceram o aprofundamento da financeirização
contrato de financiamento do Programa Nacional de Controle da
das políticas públicas ambientais e da ambientalização dos
Poluição Industrial, assinado com o Banco Mundial e o Eximbank
investimentos econômicos. Este processo é consolidado por
do Japão (atual JBIC), no valor total de US$ 100 milhões”10.
meio de várias iniciativas institucionais, a exemplo do Protocolo
O Banco Mundial criou um conjunto de estratégias adotadas
Verde e das resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente
pelo BNDES através de mecanismos como o Empréstimo
(Conama), que estabeleceram condicionantes para a liberação de
Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão
financiamentos por meio de resoluções, como as nº 001/86, nº
Ambiental Sustentável (SEM DPL, sigla em inglês de Sustainable
006/86 e nº 237/97.
Environmental Management Development Policy Loan), que
A legislação da responsabilidade ambiental brasileira, formada
permitiram a consolidação da organização do capitalismo
nos anos 1980 e 1990, permitiu ao setor financeiro, a exemplo
financeiro “verde” no Brasil através da financeirização das
do BNDES, desenvolver, mais recentemente, um conjunto de
políticas públicas ambientais, da flexibilização da legislação
ativos financeiros para a denominada “economia verde”8, cujo
ambiental e da minimização da promoção e da proteção
objetivo imediato era a reprodução do capital financeiro no
dos Dhescas nos conflitos ambientais11. A introdução dos
Brasil, que favoreceu a consolidação de um mercado da natureza
Empréstimos de Política para o Desenvolvimento (DPLs, sigla em
que expandiu os seus investimentos mesmo com violações dos
inglês), como uma forma de condicionalidade flexibilizada12 para
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
os negócios das instituições financeiras, criou condições “verdes”
(Dhescas) . A responsabilidade ambiental bancária brasileira
para a reprodução do capital, especialmente na América Latina.
pouco favocereu a implementação das políticas públicas de
No Brasil, a criação da Diretoria de Meio Ambiente no BNDES
9
77
está relacionada à implementação do SEM DPL, cuja função
CAPÍTULOVI
seria criar instrumentos para o desenvolvimento em Gestão
DO MEIO AMBIENTE
Ambiental Sustentável no Brasil, com apoio financeiro
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
do Banco Mundial. Entretanto, os SEM DPLs representam
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
mais do que exigências formais de contratos para a
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se
liberação de recursos do capital financeiro internacional,
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
ou aportes de recursos financeiros internacionais. Os
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
SEM DPLs se constituíram em um modelo de política ambiental e financeira com a introdução de instrumentos
(...) § 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica
da chamada ecoeficiência, a exemplo dos Mecanismos
obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de
de Desenvolvimento Limpo (MDLs), das tecnologias para
acordo com solução técnica exigida pelo órgão público
a redução do desmatamento na Amazônia e dos usos
competente, na forma da lei.
dos recursos hídricos, entre outros, que expressamente permitiram uma apropriação da natureza pelo capital13. O comprometimento da política de salvaguardas
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas
socioambientais do BNDES, a partir de 2008, não atendeu aos
físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
princípios da informação e da participação ambiental, sendo
independentemente da obrigação de reparar os danos
as resultantes desta política a revalorização do capital no
causados.
mercado contemporâneo, e não propriamente a construção de instrumentos capazes de combater as desigualdades e
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização
injustiças socioambientais14, assegurando a apropriação social
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
da natureza pelas populações mais pobres15, para acesso,
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
manejo e uso sustentável dos recursos e serviços ambientais16.
da justiça social, observados os seguintes princípios:
Os MDLs não favoreceram a implementação dos Dhescas, posto que estes mecanismos são instrumentos de políticas
VII - redução das desigualdades regionais e sociais.
públicas de mercado cuja centralidade não é a sustentabilidade socioambiental, mas sim a reprodução do capital financeiro
Conforme dispõem os artigos 225 e 170, inciso VII da
por meio da “economia verde” . Além disso, eles causam mais
Constituição Federal, as condutas e atividades consideradas
injustiças ambientais às populações vulneráveis18.
lesivas que possam causar danos sociais e ambientais sujeitam
17
os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e Marco regulatório sobre a responsabilidade ambiental
administrativas, independente da obrigação de reparação dos
dos agentes financeiros
danos. Os danos causados pelo poluidor ao ambiente e às populações, inclusive por instituições financeiras como o BNDES,
O marco regulatório da responsabilidade ambiental do capital, inclusive o financeiro, por danos socioambientais, entre
78
são uma responsabilidade Civil Objetiva, Cumulativa e Solidária. Estes danos acarretarão a responsabilidade civil objetiva, na
outros dispositivos, está contido no artigo 225, parágrafo 3º da
qual não será permitido ao poluidor alegar as excludentes de
Constituição Federal de 198819:
caso fortuito, força maior ou culpa de terceiros para se excluir
das obrigações de reparação dos impactos sociais e ambientais
pode ser causada pelo poluidor direto e indireto. Na hipótese
gerados por suas atividades. Comprovada a autoria dos danos,
de poluidor indireto – a exemplo das instituições financeiras
poderão ser aplicadas, de forma cumulativa, sanções civis – para
responsáveis por financiamentos causadores de danos à natureza
reparação em dinheiro ou in natura; sanções penais – inclusive
e às populações –, juridicamente, a responsabilidade civil será
para as empresas e bancos; e sanções administrativas, que
solidária, ou seja, todos que na cadeia causal tenham contribuído
também podem ser aplicadas em conjunto com as anteriores
para a atividade que causou o dano social e ambiental são
e poderão levar à interdição definitiva das atividades da pessoa
considerados passíveis de serem corresponsáveis na reparação
jurídica. A responsabilidade ambiental pelos impactos sociais e
dos danos. É importante mencionar que a responsabilidade
ambientais é considerada solidária, pois o poluidor indireto, a
civil do poluidor, além de solidária, é objetiva, nos termos da
exemplo das instituições financeiras, pode ser responsabilizado
Constituição e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,
conforme a Lei 6938/81.
posto § 1º do artigo 14, que estabelece que a obrigação de reparar
A responsabilidade das instituições financeiras pelo destino dos financiamentos ambientais é expressamente prevista
os danos ambientais surge, independentemente da existência de culpa, ou seja, da imperícia, da imprudência e da negligência:
nesta mesma Lei , que disciplina a Política Nacional do Meio 20
Ambiente nos seus artigos 3, 4, 12 e 14. Em seu artigo 3, esta Lei
“Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas
prescreve que os poluidores podem ser os responsáveis diretos
pela legislação federal, estadual e municipal, o não
ou indiretos pelos impactos sociais e ambientais. No artigo 12,
cumprimento das medidas necessárias à preservação
prescreve expressamente que as entidades de financiamento,
ou correção dos inconvenientes e danos causados
bem como os órgãos de financiamento e incentivo
pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os
governamental, condicionarão a aprovação de projetos às
transgressores:
normas estabelecidas pelo Conama. O mesmo artigo prescreve,
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
ainda, que estas entidades condicionarão a aprovação de projetos
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
expedidos pelo Conama. O artigo 14 afirma que “sem obstar a
por sua atividade. O Ministério Público da União e
aplicação de penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
dos estados terá legitimidade para propor ação de
obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao
ou reparar os danos causados no meio ambiente”.
meio ambiente”21.
Outro fundamento jurídico para a responsabilidade bancária ambiental é o decreto regulamentador no 99.274/90,
Como expõem os estudos e pesquisas jurídicas22, a interpretação
que regulamenta a Lei 6938/81 e define o “poluidor” como:
das instituições financeiras de serem consideradas solidárias
pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
com o destino do financiamento do projeto que cause danos
responsável direta ou indiretamente por atividade causadora
sociais e ambientais pressupõe a relação entre a responsabilidade
de degradação ambiental. Sob esta premissa surge uma
civil objetiva e a teoria do risco integral. Para tanto, para que
vertente interpretativa da responsabilidade socioambiental
se considere a hipótese da reparação do dano ambiental, as
das instituições financeiras.
instituições financeiras devem ser consideradas responsáveis pelas
A responsabilidade ambiental por danos sociais e ambientais
consequências do destino dos seus financiamentos. 79
A Lei 6938/81 estabelece ainda no seu texto a hipótese
exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes
normativa da responsabilidade das instituições pelos recursos
do mesmo fato. Ou seja, poderá haver responsabilidade penal
destinados ao financiamento de projetos que tenham risco
ambiental das instituições financeiras, por danos ambientais e
de causarem impactos ambientais, à medida que estabelece
sociais diretos ou indiretos, desde que provada a culpabilidade
que cabem obrigações pelo estabelecimento de exigências
dos acusados. Assim, nos casos de financiamentos ambientais
contratuais para diminuir os riscos ambientais por meio
causadores de poluição indireta, as instituições financeiras
de condicionantes. Trata-se da teoria do risco integral que,
poderiam ser denunciadas por meio das figuras penais de
agregada com a variável da natureza, implica o conceito do risco
partícipe ou da coautoria de crimes ambientais pelos impactos
socioambiental do investimento, conforme o artigo 12 desta
socioambientais gerados.
mesma Lei:
Este exame da legislação brasileira leva à conclusão de que as instituições financeiras, ao liberarem
“Art. 12 - As entidades e órgãos de financiamento e
financiamentos para projetos com potencial poluidor ou
incentivos governamentais condicionarão a aprovação de
causador de efetivo dano social e ambiental, poderão ser
projetos habilitados a esses benefícios de licenciamento,
responsabilizadas de forma objetiva, cumulativa e solidária
na forma desta Lei, e ao cumprimento das normas, dos
na fase de pré-aprovação e concessão de financiamento,
critérios e dos padrões expedidos pelo Conama.
na fase pós-concessão de financiamento e respectiva
Parágrafo único. As entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de equipamentos
assinatura do contrato de financiamento ou na aplicação das verbas financiadas. Outro argumento relevante para a responsabilização das
destinados ao controle de degradação ambiental e à
instituições financeiras por impactos ambientais e a criação
melhoria de qualidade do meio ambiente”.
de desigualdades sociais é a regulação do sistema financeiro nacional, que expressamente prescreve a possibilidade da
Os condicionantes legais, assim como as licenças ambientais estabelecidas pela Política Nacional do Meio Ambiente para a
das instituições financeiras e seus diretores pelos danos
concessão de financiamentos por instituições financeiras para
causados por suas atividades de financiamento ou por
atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, caracterizam
qualquer irregularidade na sua concessão de crédito que
a responsabilidade ambiental das instituições financeiras pelo
contrarie a legislação. Além disso, compete ao Banco Central
destino do financiamento ambiental.
fiscalizar os contratos bancários de concessão de crédito para
Esta responsabilidade não está circunscrita aos aspectos
80
corresponsabilidade ou da responsabilidade civil solidária
apurar atos irregulares das instituições e de seus diretores,
civis e administrativos, mas também abrange a imputabilidade
havendo prescrições expressas para que, independente das
penal da pessoa jurídica e seus diretores nos termos da Lei
sanções penais e administrativas, haja a possibilidade da
9.605/98, de Crimes Ambientais e sanções administrativas. Os
responsabilidade civil objetiva e solidária por irregularidades
impactos ambientais gerados pelas instituições financeiras
na liberação do financiamento bancário23. Ora, esta hipótese
poderão gerar a aplicação da responsabilidade ambiental
consolida os argumentos da possibilidade da responsabilidade
conforme os artigos 2, 3 e 4 da Lei de Crimes Ambientais. É
civil bancária, objetiva e solidária pelos financiamentos
importante destacar que o parágrafo único do artigo 3 desta
ambientais causadores de impactos socioambientais e
Lei prescreve que a responsabilidade das pessoas jurídicas não
desigualdades sociais.
Salvaguardas do BNDES: flexibilização
casos dos litígios nas comunidades indígenas dos Tupiniquim
da legislação socioambiental e financeirização
e dos Guarani26 e na quilombola de Linharinho27. As disputas
das políticas públicas ambientais
nestes territórios transcorrem contra as políticas da apropriação capitalista sobre os territórios e ambientes, que prejudicam a vida
Uma das linhas de financiamento do BNDES que causam
das populações e a natureza presente nestas regiões. Conforme
danos socioambientais é aquela dirigida para os projetos de
informações dos estudos de caso apresentados no final desta
implantação da silvicultura do eucalipto que, face à natureza dos
publicação, os movimentos sociais resistem contra este modelo
modelos dos empreendimentos agrários, são caracterizados como
dominante da monocultura do eucalipto e, de forma propositiva,
monoculturas. A monocultura do eucalipto requer cultivo em
fazem uso da política e do direito para reivindicar o uso adequado
largas extensões territoriais, comprometendo o desenvolvimento
do patrimônio natural da biodiversidade28.
de culturas agrícolas de pequenas escalas. Como aponta
No Rio de Janeiro, a aprovação da Lei 5.067/2007, que autoriza
Vandana Shiva , as monoculturas são consideradas geradoras
a silvicultura do eucalipto, causou forte reação dos movimentos
de impactos territoriais e ambientais materiais e imateriais. Estes
sociais, sobretudo dos integrantes da Rede Alerta Contra o
impactos ocasionam o empobrecimento territorial, a diminuição
Deserto Verde. Esta legislação é o principal instrumento formal
da biodiversidade e desigualdades sociais e econômicas no
para a implantação da monocultura do eucalipto neste estado.
desenvolvimento das populações devido à sua insustentabilidade
Ela criou uma contrapartida reduzida de 30% para até 15% de área
como modo de produção .
vegetal nativa a ser reflorestada pelas empresas, sem nenhuma
24
25
Na dimensão simbólica, as monoculturas fomentam
obrigação de compensações socioambientais para as populações
reducionismos ideológicos sobre a produção e causam a
locais. Esta Lei permite a demarcação de áreas para a implantação
invisibilidade de sujeitos sociais e de seus saberes, reduzindo o
da monocultura do eucalipto, sem que haja participação social
seu poder político. Os recursos financeiros aplicados no estado
e, em alguns casos, sem a elaboração do Estudo de Impacto
do Espírito Santo nos empreendimentos relativos à monocultura
Ambiental (EIA) nem licenciamento ambiental. Atualmente,
são geradores de severos conflitos socioambientais, como os
esta Lei está sendo questionada por uma Ação Direta de
81
Inconstitucionalidade (ADIn) no Supremo Tribunal Federal (STF),
Brasil, famílias Tupiniquim e Guarani, passaram a ocupar
de autoria da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
apenas 40 hectares de terras, cercadas por plantações de
Agricultura (Contag) .
eucalipto. A partir dos anos 1970, estas comunidades indígenas
29
A monocultura de eucalipto cresce no Brasil a partir do vultoso
organizaram-se em movimentos de resistência. As comunidades
estímulo do capital financeiro público. Em 2005, a área ocupada
autodeclaradas remanescentes de quilombos também se
por esta atividade era de cerca de 3,4 milhões de hectares do
envolveram em vários conflitos com a Aracruz Celulose para
território nacional (65% das áreas de “florestas” plantadas). A
que fossem respeitados os seus direitos33. Conforme o relatório
Aracruz Celulose, fundada em 1972, mas que já atuava no Espírito
da Plataforma Dhesca, existem cerca de cem comunidades
Santo sob o nome de Aracruz Florestal, é a principal empresa
quilombolas no Espírito Santo. Somente nos municípios de
a realizar apropriações privadas de territórios para a expansão
Conceição da Barra e de São Mateus há 32 comunidades
da produção do eucalipto em larga escala. Em 2006, a área de
quilombolas, agregando cerca de 1.200 famílias. Nesta área, a
apropriação privada para o plantio do eucalipto em larga escala,
situação jurídica é de uma apropriação privada por sobreposições
somente no Espírito Santo, já era de 208 mil hectares. A Aracruz
territoriais, com plantio de eucalipto, com uma taxa de ocupação
Celulose apresenta-se como uma significativa expressão do
de 68% do total do seu território34. Nestes municípios, na área
capital financeiro fundiário no Brasil30 pois o seu controle
do Sapê do Norte, encontram-se Linharinho, São Jorge, São
acionário é exercido pelos grupos Safra (28%), Lorentzen (28%),
Domingos/Córrego de Santana (12.596 hectares), São Cristovão/
Votorantin (28% - participação contraída da Mondi, em 4 de
Serraria (8.500 hectares) e Córrego Angelim (12.945 hectares).
outubro de 2001) e pelo BNDES (12,5%). Vale salientar que a
A Aracruz apropria-se de áreas destinadas à agricultura, o
financeirização do capital fundiário indica ser caracterizada por
que eleva os valores das terras, dificultando a implementação
negociações de suas ações preferenciais nas Bolsas de Valores de
da reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e
São Paulo, Nova Iorque e Madri31.
Reforma Agrária (Incra), conforme denuncia o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Em 2003, havia cerca de 65
Conflitos territoriais e resistência social às políticas
mil famílias esperando serem assentadas no Espírito Santo35.
ambientais e financeiras do BNDES
Além dos múltiplos e conflituosos marcos de regulação de uso do território, observa-se que os agentes do Estado por
Os negócios da monocultura do eucalipto, financiados pelo BNDES, causaram conhecidos impactos sociais e ambientais no
aplicação destas normas nos conflitos de apropriação territorial,
norte do Espírito Santo, como substituição da floresta de Mata
tomam decisões amparados em regras de sustentabilidade
Atlântica por eucalipto; conflitos fundiários com comunidades
constantes em procedimentos de licenciamentos ambientais.
e povos autodeclarados tradicionais, com apropriações
Estas favorecem o avanço da liberação do financiamento das
privadas sobrepostas em áreas reivindicadas para preservação
apropriações e dos usos privados em detrimento da apropriação
permanente, como matas ciliares e terras ocupadas por pequenos
social da terra e dos ambientes no Espírito Santo.
agricultores; alto consumo de recursos hídricos na produção do
O capital financeiro do BNDES possui um papel ativo na
eucalipto; devastação de nascentes e matas ciliares; e interrupção
expansão da monocultura do eucalipto no Espírito Santo e
de rios por barragens e estradas32.
na Bahia, seja pela liberação de financiamentos públicos,
Devido às apropriações indevidas da Aracruz Celulose, as comunidades indígenas de Comboios, Caieiras Velhas e Pau 82
meio dos poderes Judiciário e Executivo, na interpretação e
seja por decisões judiciais e administrativas justificadas em legislações fundiárias e ambientais que permitem usos e
apropriações privadas de territórios e ambientes sobrepostas
O enfrentamento aos impactos da crise ambiental45 e do
a áreas historicamente ocupadas por povos e comunidades
financiamento do desenvolvimento sustentável46 envolve
autodeclaradas tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores
também disputas no campo ideológico do desenvolvimento e
artesanais), pequenos agricultores e trabalhadores sem-terra.
da sustentabilidade. Incluem-se aí o “credo da ecoeficiência” e
Percebe-se também que a atual flexibilização ou liberalização
a expertocracria47 como componentes presentes nas retóricas
da legislação ambiental e as interpretações restritivas da função
dos sujeitos sociais capitalistas. Como aponta Leff, o discurso
social e ambiental da terra são outros fatores justificadores das
do desenvolvimento sustentável simplifica a complexidade
ações do Estado em favor da expansão do capital da monocultura
dos processos naturais, destrói as identidades culturais, pois
do eucalipto no Espírito Santo.
as submete ao universalismo da tecnologia ambiental para
No capitalismo, a terra não possui valor econômico
readaptar a natureza como meio de produção e riqueza48. A razão
próprio para a acumulação produtiva. O seu valor monetário
instrumental do capitalismo, diante da crise ambiental, propõe
decorre da força de trabalho sobre o território. No campo, o
enfrentá-la por meio da criação das denominadas “tecnologias
capital financeiro se dirigiu para investimentos fundiários,
limpas”, das biotecnologias das sementes transgênicas49, das
empreendendo relações entre capital e propriedade da terra,
monoculturas e dos mecanismos de mercados de carbono
tomando a forma de capital financeiro fundiário36. Assim, a
como os MDLs (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) - que
valoração da terra como renda capitalizada decorre não só da
impulsionam o mercado dos recursos naturais, a exemplo dos
exploração da mais-valia dos trabalhadores, como também
“mercados do ar”. Nas áreas urbanas o racionalismo instrumental
dos encargos e lucros agregados à produção agrícola37 e das
formula “respostas” à degradação ambiental, através de ações
possibilidades de valoração ambiental de territórios pelo capital
políticas amparadas nos conceitos abstratos de cidades
financeiro fundiário.
sustentáveis e de sociedade de riscos50, sob a desconsideração
No contexto da crise ambiental do capitalismo contemporâneo,
das injustiças socioambientais51. Todos estes conceitos e práticas
os recursos ambientais são cada vez mais incorporados à
integram a objetividade da crise ambiental52. Assim, a degradação
renda da terra como ativos financeiros de sua valorização. E as
é reduzida a um colapso objetivo, como consequência da
instituições financeiras, sob o véu da retórica da sustentabilidade
entropia do meio ambiente na produção capitalista.
ambiental, cada vez mais liberam financiamentos que atribuem
Desse modo, a variável ambiental é incorporada à renda da
valor econômico às terras, aumentando, assim, as desigualdades
terra como um ativo financeiro para a sua valorização. Essa
sobre as populações que as habitam38.
representação do capital, discursivamente, toma contornos preservacionistas nas apropriações do capital. Os processos de
Desse modo, a terra e o ambiente de bem natural se constituem em mercadoria. A “mercantilização da natureza”
globalização ou de mundialização53 firmam “consensos” verticais
não é um fenômeno novo39, foi um dos vetores da expansão
sobre os modos de desenvolvimento, organização e participação
colonial, na qual o meio ambiente era matéria-prima para o
de sujeitos sociais na apropriação e uso de territórios e
empreendimento do “progresso” do capital. A teoria da renda da
ambientes. A expansão do capital sobre os territórios é legitimado
terra passa a ser reelaborada pela “renda da natureza” , conforme
nos modelos de Estados territoriais54, instituidor de demarcações
o modelo do neoliberalismo ambiental contido no conceito
de territórios jurídicos sobrepostos aos territórios ocupados
de desenvolvimento sustentável . O imaginário da natureza
historicamente por povos e comunidades praticantes de relações
capitalizada como discurso de apropriação da biodiversidade
materiais e simbólicas55 com a natureza.
40
41
42
43
está presente, por exemplo, nos projetos de monocultura . 44
Contudo, na dimensão local, os “consensos” verticais globais 83
convivem com as multiterritorialidades56. Neste sentido, Milton
a exemplo dos casos da implantação da monocultura do
Santos afirma: “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma
eucalipto e de empreendimentos imobiliários em áreas
razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente” .
ambientais. O “fechamento” de territórios através da cerca
A ordem global e a local são geneticamente opostas, mas há
da terra73 requer processos, instrumentos normativos, atores
aspectos de uma presentes na outra . Os conflitos territoriais e
institucionais e de autoridades do Estado: juízes, promotores,
ambientais podem ser caracterizados como litígios de políticas de
desembargadores, executantes das decisões judiciais e
escalas59, pois a ordem global externa dos interesses econômicos
legisladores para assegurar proteção à renda da terra ao capital.
57
58
As apropriações de territórios e ambientes são implementadas
transnacionais se impõe aos interesses locais. Assim, os globalismos e localismos constituem-se campos de disputas
através do imaginário da natureza capitalizada74 nas implantações
entre identidades múltiplas62, ora pelo domínio, ora pela
de monoculturas75, no uso de sementes transgênicas, na
resistência às apropriações mercantis de territórios e ambientes.
privatização da biodiversidade76 e nos projetos imobiliários em
No âmbito local é possível identificar práticas de resistência
sítios ambientais. Vandana Shiva sustenta argumentos de que
60
61
contra-hegemônicas63 de descolonização epistemológica64.
as monoculturas negam a importância da diversidade para a
No Brasil, a exemplo de outros países periféricos, observa-se a
sustentabilidade e, com isso, não reconhecem as comunidades
criação de movimentos sociais constituídos por sujeitos sociais
distintas participativas e descentralizadas dos modelos
com referenciais identidades territorializadas, como indígenas,
hegemônicos de desenvolvimento77.
quilombolas, sem-terra, populações ribeirinhas, atingidos por
As instituições financeiras, enquanto atores hegemônicos,
barragens, entre outros sujeitos, cujas identidades moldam os
também formulam estratégias, a exemplo das tecnologias de
territórios, e os territórios moldam suas identidades65. Destas
consensos78 nos conflitos da produção79. Contudo, identificam-
relações entre identidades culturais de defesa de territórios e
se a afirmação de políticas territoriais participativas e a
ambientes são formadas representações sociais de resistência às
corporificação de direitos: a apropriação socialmente justa do
apropriações do capital demarcadas pela cartografia dominante .
espaço herdado, dependente da ação coletiva, e a subjetivação
O território tem que ser entendido como o território usado, não
de direitos, que sustenta a afirmação de sujeitos plenos80 de
66
o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A
direitos coletivos de propriedade intelectual, reconhecimento
identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence .
cultural e desenvolvimento como direitos humanos na
67
O BNDES libera financiamentos, expandindo os seus negócios por meio da promoção de processos de
o reconhecimento de identidades culturais territoriais, de
territorialização-desterritorialização-reterritorialização
regularização territorial e de garantia de acesso ao patrimônio
(TDR)68 de povos e comunidades para a relocalização da sua
da biodiversidade82.
produção69. Nas construções recentes de grandes usinas
Os movimentos sociais reagem à mercantilização da natureza
hidrelétricas, como Jirau e Santo Antônio, os negócios
por meio de práticas coletivas de resistência. O sentido do
das instituições financeiras causaram também o efeito
termo resistência é interpretado como direitos coletivos de
da relocalização da produção . Os processos de TDRs
oposição aos modelos hegemônicos de apropriação mercantil
são facultados no Brasil pelo denominado “fechamento”71
e dominação cultural. A crítica ambiental83 está presente na
de territórios e ambientes para assegurar a rentabilidade
ambientalização do MST, do Movimento de Atingidos por
financeira da terra. Esse “fechamento” é identificado no
Barragens (MAB) e de povos e comunidades tradicionais, entre
cercamento72 material e imaterial de territórios e ambientes,
outros, como meio de resistência.
70
84
categoria dos Dhescas81. Mas há inúmeros obstáculos para
Instrumentos processuais e administrativos de proteção
estabeleceu mecanismos processuais para sanar as omissões dos
às comunidades afetadas
poderes Legislativo e Executivo. Estes mecanismos foram sendo lentamente apropriados pelos cidadãos e pelos movimentos
Retomando a primeira questão da Rede Brasil expressa no
sociais, como as ações judiciais que transferiam as lutas
início deste texto sobre como as comunidades afetadas e as
políticas e sociais disputadas no interior da sociedade e das suas
organizações sociais podem “avançar no acesso às vias legais
instituições para os tribunais.
de corresponsabilização dos agentes financeiros por violações
É importante destacar que este processo de transferência
de acordos e leis sociais e ambientais”, é importante perceber
de poderes para o Judiciário, denominado de judicialização84,
que este avanço passa em primeiro plano pela política e não
implicava não só a ampliação do número de ações judiciais
propriamente pelo direito. É neste sentido que pode se dar,
a interferir nas relações sociais, como também nas decisões
efetivamente, o avanço no acesso das comunidades afetadas
políticas, pela substituição do poder político da sociedade pelos
e de organizações sociais aos mecanismos processuais e
procedimentos do poder Judiciário nas decisões dos conflitos.
administrativos para caracterização da responsabilidade
Este processo põe em risco a própria democracia, pois cada vez
ambiental (civil, administrativa e penal) dos agentes financeiros
mais as decisões políticas, típicas de serem solucionadas por
por violações de convenções internacionais de proteção aos
poderes estatais constituídos por critérios eletivos, passaram a ser
Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais
tomadas pelo poder Judiciário, caracterizando o ativismo judicial.
(Dhescas), da Constituição Federal e do ordenamento jurídico na
Não são apenas os movimentos sociais que estão submetidos
proteção social e ambiental.
à judicialização. As corporações e as elites representantes do
A sociedade civil organizada em movimentos sociais
capital, ao longo dos anos 1990 e 2000, cada vez mais também
construiu uma agenda de reivindicações de direitos
utilizaram os mecanismos judiciais para garantir os seus
individuais e de reformas sociais, econômicas, ambientais
interesses políticos, sociais, econômicos e culturais.
e culturais que, formalmente, foram asseguradas como
As demandas envolvendo a resistência social aos agentes
um projeto na Constituição de 1988. Porém para muitos
financeiros na liberação de recursos ao financiamento de
juristas os direitos sociais e econômicos constitucionais que
projetos potencialmente poluidores ou causadores de efetivo
estabeleciam um projeto de reformas na sociedade brasileira
impacto ambiental envolvem disputas no poder Judiciário e
não teriam autoaplicabilidade por serem considerados normas
conflitos políticos no seio da sociedade por meio de organizações
programáticas como meras intenções ou projetos sociais
do terceiro setor85, ONGs 86 e movimentos sociais87.
contidos na Constituição. Para outros, os direitos sociais, dentre
As reformas sociais e econômicas previstas na última
eles os ambientais, os culturais e os econômicos de natureza
Constituição, devido ao processo de globalização econômica
redistributiva, dependeriam de regulações do poder Legislativo
do neoliberalismo por meio de organismos financeiros
ou de intervenções do poder Executivo através de políticas
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI)
públicas e dotações orçamentárias.
e o Banco Mundial, estabeleceram para o Brasil e outros países
Em face da interpretação da falta de autoaplicabilidade de
“do terceiro mundo” uma agenda de reformas constitucionais
vários dispositivos sociais da Constituição Federal de 1988, a
que suprimiu ou alterou direitos sociais e econômicos,
concretização de direitos sociais passa por disputas políticas na
especialmente os Dhescas, para favorecer a reprodução e a
administração pública e no poder judiciário. Entretanto, diante
ampliação do capital no Brasil.
da possibilidade da ausência de regulação, esta Constituição
Estas reformas constitucionais neoliberais foram enfrentadas 85
sociais, papel central nas resoluções de disputas de interesses. Esta opção pelo Direito como meio de transformação ocorreu em detrimento do papel da política – das mobilizações e organizações sociais populares – nas lutas de resistência e insurgência direta em defesa da agenda das reformas sociais e econômicas. Em face desse papel central do Direito, os movimentos sociais passaram a mudar as suas agendas da reforma no campo político para as lutas “pela cultura de direitos” e “pela efetividade judicial de direitos e Verena Glass
políticas”. Estas agendas produziram uma maior demanda de ações judiciais individuais e coletivas A estratégia para garantir as reformas sociais deve priorizar a luta política: de volta para as ruas
no primeiro grau de jurisdição e um aumento de ações diretas no
por estratégias distintas de resistência e de insurgência dos
controle de constitucionalidade no STF. A opção de privilegiar
movimentos sociais. De um lado, algumas organizações sociais
o Direito à política por parte de segmentos dos movimentos
optaram pela resistência e insurgência direta na cidade e no
sociais produziu um efeito adverso aos seus fins, pois favoreceu
campo para a garantia das reformas sociais. Por outro, houve
a judicialização e a hegemonia do papel político decisório do
a ação de movimentos sociais por novos eixos de luta: “a
Judiciário, o denominado ativismo judicial, na resolução dos
transformação da exploração de classes e das discriminações
litígios por reformas sociais, questões ético-morais, econômicas,
pelo direito”, “a construção de uma cultura de direitos” e “o
políticas e culturais referidas ao Direito, especialmente o
reconhecimento de direitos e sua efetividade judicial para
constitucional, cuja arena própria de decisão política seriam os
a transformação social”. Nestes eixos de atuação, a luta de
poderes Legislativo e Executivo ou mesmo a própria manifestação
transformação social deixou cada vez mais a arena política
direta da soberania popular. Como exemplo, é possível identificar
e foi dirigida para o palco institucional do poder Judiciário,
a judicialização da resistência dos movimentos sociais nas lutas
especialmente os autos dos processos judiciais, com suas regras
contra as privatizações ocorridas nos últimos governos federais na
procedimentais próprias que limitam o pleno exercício das
chamada “guerras de liminares”.
disputas políticas em defesa das reivindicações populares. Assim, o Direito – fundamentalmente, seus mecanismos processuais – passa a ter, nos segmentos de movimentos 86
A judicialização é caracterizada pela exacerbação da atividade judiciária, por meio da “naturalização social e política” do poder Judiciário como única ou última instância nas decisões
sobre quais valores e interesses são os direitos admitidos
sem implementação devido às omissões dos poderes
pela Constituição. Uma das causas da judicialização foram as
Legislativo e Executivo, e, por outro, o aumento do acesso
conquistas processuais dos movimentos sociais que aprovaram
popular às jurisdições coletiva e individual e ao controle de
na Assembleia Constituinte de 1987/88 a ampliação do acesso
constitucionalidade. Este ativismo judicial pode ser identificado
à justiça através do alargamento da jurisdição coletiva, por
em casos recentemente julgados pelo STF, entre eles: a
mecanismos processuais de tutela de interesses difusos e
demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no qual o
coletivos: ação popular, ação civil pública,ação civil coletiva,
STF criou o estatuto da demarcação com dezoito condições; a
dissídios coletivos, mandado de injunção, habeas data e outras;
questão sobre a suplência parlamentar pertencer aos partidos ou
e, por outro lado, a ampliação da participação da sociedade
às coligações; a Lei da Ficha Limpa; a Lei da Biossegurança, que
civil e instituições estatais e não estatais no controle de
permitia pesquisa em células-tronco; e o direito de greve dos
constitucionalidade por via de ações diretas: ação direta de
servidores públicos.
inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade,
O ativismo judicial, além de intervir na vida social e política
reclamação Constitucional, arguição de descumprimento de
por meio de processos e procedimentos formais, também se
preceito fundamental e outras.
expressa pela “politização do poder Judiciário”. Esta politização
Dentre os efeitos do surgimento da judicialização e do
transcorre também fora dos processos judiciais, no seio da
ativismo judicial, o mais intenso é a consolidação de uma
sociedade. Nesse sentido, são exemplares as declarações de
hegemonia discursiva e processual do poder Judiciário em
magistrados e chefes de tribunais, para veículos de imprensa,
decisões próprias do poder político acerca de valores ético-
expressando opiniões sobre temas em processo de discussão na
morais, interesses socioeconômicos e culturais em disputas na
sociedade e no próprio Judiciário.
sociedade brasileira. Outro efeito desta hegemonia são os riscos
São exemplos das opções de judicialização das disputas
ao funcionamento da democracia, com o açambarcamento lento
econômicas e sociais pelo capital: os casos de construção de
e gradual da manifestação da soberania popular e das instituições
empreendimentos econômicos que demandam licenciamento
da democracia representativa brasileira na argumentação,
ambiental e urbanístico; a expansão do agronegócio em área
interpretação e decisão acerca de quais os valores e interesses são
de proteção ambiental; os litígios socioambientais em torno
admitidos como direitos constitucionais.
das grandes obras de construção de hidrelétricas; as disputas
O ativismo judicial, devido a esta intensificação da hegemonia
em torno da implementação das políticas públicas de reforma
política do Judiciário, coloca em risco o funcionamento da
agrária; os empreendimentos dos megaeventos para a Copa
ordem democrática, especialmente a divisão e autonomia entre
do Mundo e as Olimpíadas e a defesa de interesses sociais da
os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), a vontade do
moradia; a edificação de grandes indústrias na área de metalurgia
poder constituinte originário e as manifestações da mutação
e mineração e os conflitos de interesses com populações
constitucional oriundas da sociedade civil nos temas de decisões
tradicionais, como indígenas e quilombolas; e as disputas em
políticas fundamentais.
torno das ações afirmativas. Ou seja, observa-se que o próprio
No ativismo judicial, a exemplo da judicialização, há a
capital opta cada vez mais pela judicialização e pelo ativismo
transferência de poderes decisórios da sociedade para o
judicial nas questões econômicas e sociais que poderiam ser
STF. As causas que contribuem para esta situação são as
decididas no campo das instituições políticas.
mesmas da judicialização: por um lado, a existência de rol de direitos fundamentais – individuais e sociais – conquistados
Uma das influências do processo de judicialização das lutas políticas dos movimentos sociais decorreu, em parte, da 87
defesa da mudança da realidade pelo Direito. A esta percepção
de participação popular nas decisões políticas, reformas,
de Constituição deu-se o nome de Constituição Dirigente,
direitos, valores ético-morais, culturais, interesses sociais e
que, na Europa e mesmo no Brasil, atribuiu à Constituição a
econômicos a serem interpretados como direitos construídos
tarefa de ser portadora de um projeto de transformação social.
a partir da Constituição. A construção do diálogo democrático
Os movimentos críticos do Direito, especialmente o “Direito
institucional e social só poderá transcorrer com a superação da
alternativo” e, dentro dele, a corrente do “Positivismo de
hegemonia decisória e retórica do poder Judiciário na sociedade
combate”, apostaram na efetivação dos direitos fundamentais e
contemporânea. Para tanto, o aspecto relevante é a discussão
no exercício da cidadania previstos no novo texto constitucional,
de um novo papel a ser atribuído ao juiz – poder Judiciário, não
por meio do uso alternativo de mecanismos processuais.
enquanto guardião último ou exclusivo da Constituição, mas
Distintamente do movimento crítico do Direito denominado
como uma das instituições da sua proteção. A superação do
“Direito achado na rua” ou “Direito Insurgente”, que formulava a
ativismo judicial do “Estado-Juiz” passa pelo aprofundamento do
luta pelo Direito nos conflitos sociais no campo das lutas políticas
entendimento que as atribuições do poder Judiciário não estão
não institucionais, o “Positivismo de combate”, por exemplo, por
acima do exercício da soberania popular, mas sim circunscritas
efeito adverso das suas estratégias, fortaleceu a ampliação das
aos limites da democracia constitucional e das suas atribuições
lutas institucionais pelo Direito por meio do estímulo à ampliação
no arranjo da divisão de poderes do regime democrático.
do acesso à justiça, o que gerou a judicialização das lutas sociais e fortaleceu o papel mais ativo dos tribunais e do Supremo
Conclusão
na resolução de litígios políticos e sociais. Estas condições de estímulo de acesso à justiça para assegurar a eficácia do Direito
modelo de política ambiental que aponta para a flexibilização
palco das mobilizações das lutas sociais das “ruas” e do campo
da legislação ambiental e a apropriação do mercado sobre a
para o poder Judiciário, através dos mecanismos processuais.
natureza, com o aumento das desigualdades ambientais sobre
A resposta da sociedade civil organizada à judicialização e
as populações vulneráveis. A resistência das comunidades que
ao ativismo judicial passa pelo fortalecimento das instituições
sofrem os impactos sociais e ambientais das instituições que
democráticas, a exemplo dos movimentos sociais, com a
financiam este modelo deve passar além da outorga ao poder
redefinição das formas sociais e institucionais e o controle social
Judiciário da possibilidade de resolução dos conflitos.
e popular das instituições públicas, em particular das financeiras como o BNDES.
88
As salvaguardas ambientais do BNDES expressam um
e as reivindicações sociais favoreceram a lenta transferência do
Não se trata de abandonar os mecanismos procedimentais administrativos e processuais para a responsabilização dos
As possibilidades para a superação da judicialização e do
agentes financeiros por violações dos Dhescas e Direitos
ativismo judicial do “Estado-Juiz” passa pela garantia efetiva
Constitucionais. Estes são instrumentos importantes para
de um Estado de Direito Justo e Democrático, com volta à
a resistência; porém não pode haver uma substituição
sociedade do poder de decidir em última palavra sobre a política
da luta política pelo Direito, tampouco pelo Judiciário,
e o reconhecimento de direitos constitucionais. Em outras
marcadamente integrado por segmentos das elites
palavras, as possibilidades de superação da judicialização e do
dominantes. Apesar disso, é importante destacar que há
ativismo passam pelo fortalecimento da democracia participativa.
vários mecanismos materiais e processuais de proteção
Este processo implica a ampliação dos mecanismos decisórios
aos interesses sociais e ambientais das comunidades
da soberania popular, com efetiva utilização dos instrumentos
atingidas por projetos financiados pelo BNDES, a exemplo
dos seguintes: Ação Civil Pública, Ação Popular, Mandado de Segurança Coletivo, Habeas Data, Ação Civil Coletiva, Controle de Constitucionalidade, Termo de Ajustamento de Conduta, Audiência Pública no Licenciamento Ambiental e Tutela Processual Penal. Em relação à outra postulação gerada “se as vias legais para a responsabilidade ambiental do BNDES podem ser formas de pressão política por mudanças nos rumos e nas práticas do BNDES”, a resposta seria “em termos”. Pois estas vias, como meio de pressão, dependem das condições externas ao processo judicial ou administrativo, Mitchell Anderson
a exemplo dos interesses do capital em relação aos empreendimentos que utilizam recursos e serviços ambientais e como estes estão articulados com a mídia. Não é possível assegurar se os processos judiciais
A responsabilização dos agentes financeiros deve ser feita como complemento da via política: resistência e enfrentamento
e administrativos podem ser instrumentos de pressão por mudanças nas práticas do BNDES, até porque tais alterações demandam ações dos poderes Legislativo e Executivo na implementação das políticas públicas e articulação política para a formação de novas agendas. A via política das organizações sociais e comunidades atingidas por projetos e empreendimentos do capital indica ser mais eficaz do que a judicial. Contudo, a via judicial, inclusive a internacional, poderá ser eventualmente instrumento de reconhecimento dos Dhescas e de questionamento de políticas públicas, a exemplo da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, pelo STF88, e da Comissão Interamericana89 de Direitos Humanos acerca da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. Jadir Anunciação de Brito é Doutor em Direito do Estado pela Pontífice Universidade Católica (PUCSP), Professor da Escola de Ciências Jurídicas e do Programa de Pós-Graduação em Direito, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e Coordenador do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH)-Unirio
1 “Por Justiça Ambiental entende-se o conjunto de princípios que asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como resultantes da ausência ou omissão de tais políticas.” HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre Justiça Ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. http://www.professores.uff.br/seleneherculano/ publicacoes/resenhando-debate-justica-ambiental.htm 2 “Entende-se por Injustiça Ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, populações de baixa renda, grupos raciais discriminados, populações marginalizadas e mais vulneráveis.” HERCULANO, Selene. Resenhando o debate sobre Justiça Ambiental: produção teórica, breve acervo de casos e criação da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. http://www.professores.uff.br/ seleneherculano/publicacoes/resenhando-debate-justica-ambiental.htm 3 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/historico. html 4 “A importância que os aspectos ambientais começaram a ter nos anos 1970 e 1980 implicou também o surgimento de legislação ambiental nos Estados Unidos (EUA) e no Reino Unido, ligada aos bancos. Em 1980, os EUA criaram a legislação Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (Cercla, sigla em inglês, que mais tarde ficou conhecida como a Superfund Law), na qual os bancos poderiam ficar responsáveis pela limpeza dos danos ambientais causados pelos seus devedores. Os bancos europeus não foram expostos a este tipo de responsabilidades até aos anos 1990 (BOUMA et al., 2001). Em 1995 o Reino Unido cria o UK Environmental Act, onde os bancos poderiam ter uma responsabilidade de segundo nível relativamente aos danos ambientais os seus devedores.” http://www.bancaeambiente.org/pdf/doc. Inclusao.pdf
89
5 LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patrick de Araújo. Direito ambiental na sociedade de risco. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. SOARES, Guido. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. 6 http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/ 7 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/produtos/ download/disaplic.pdf 8 O BNDES possui também participação em três Fundos de Investimentos em Participações (FIPs) voltados a projetos ambientais: FIP Brasil Sustentabilidade: Foco em projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e com potencial para gerar Reduções Certificadas de Emissões (RCE); Capital comprometido do Fundo: R$ 410 milhões; Participação do BNDES: 48,6%; Gestores do fundo: Latour Capital e BRZ Investimentos; FIP Caixa Ambiental: Foco em saneamento, tratamento de resíduos sólidos, geração de energia limpa e biodiesel; Capital comprometido do Fundo: R$ 400 milhões; Participação do BNDES: 17%; Gestor do fundo: Banco Santander; FIP Vale Florestar: Atuação preferencialmente em áreas degradadas na região de abrangência de Carajás; Volume estimado do Fundo: R$ 605 milhões; Participação do BNDES: 20%; Gestor do fundo: Global Equity. http://www. bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/ 9 http://www.dhescbrasil.org.br 10 http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/ historico.html 11 “Empréstimo do Banco Mundial para o BNDES. Em novembro de 2008, o Banco Mundial anunciou um Empréstimo Programático para o Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM DPL, na sigla em inglês) de US$ 1,3 bilhão para o governo brasileiro, a serem alocados no BNDES. Os DPLs fazem parte de uma nova modalidade de empréstimos voltados para as Políticas de Desenvolvimento e substituem os tão criticados empréstimos para ajustes estruturais dos anos 1990. O SEM DPL tem por objetivo “melhorar a efetividade e a eficiência das políticas e diretrizes do sistema brasileiro de gestão ambiental” e dentre as propostas apresentadas estão apontadas mudanças na legislação ambiental, reformas no Ministério de Meio Ambiente (MMA) e a elaboração de uma nova política ambiental e social do BNDES. A implementação, o monitoramento e a avaliação serão realizados de forma conjunta pelo MMA e BNDES.” TAUTZ, Carlos; SISTON, Felipe; PINTO, João Roberto Lopes; BADIN, Luciana. O BNDES e a reorganização do capitalismo brasileiro: um debate necessário. Disponível em: www.plataformabndes.org.br 12 http://www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx 13 “O que é mais impressionante em relação ao SEM DPL é a sua conexão com quase todas as principais iniciativas políticas ou legislativas relacionadas ao clima no Brasil. O empréstimo lista como ações prioritárias ou gatilhos (a forma como o Banco define condições) a reestruturação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para acelerar o licenciamento ambiental; a aprovação e implementação de um Plano Nacional de Mudanças Climáticas; uma Política Institucional Socioambiental para o BNDES, incluindo a formulação de procedimentos ambientais e sociais subsetoriais para os principais setores de investimento, como energia, cana-de-açúcar – biocombustíveis – e pecuária, dentre outros; a regulação do Fundo Amazônia;[iv] apoio e implementação da Lei de Gestão das Florestas Públicas Brasileiras.” http:// www.bicusa.org/es/Article.11453.aspx 14 “Em conformidade com as suas políticas e diretrizes, o BNDES dispensa especial atenção aos aspectos sociais e ambientais inerentes ao cliente e ao empreendimento. Para a concessão do apoio financeiro, são observados: as legislações aplicáveis; as normas setoriais específicas; a política de responsaibilidade social e ambiental do beneficiário; a regularidade ambiental; o risco ambiental do empreendimento; além de práticas socioambientais que elevem o patamar de competitividade das organizações e dos setores econômicos e contribuam para a melhoria de indicadores sociais e ambientais não só dos empreendimentos, mas também do país. Com base em toda essa análise, o Banco pode realizar estudos complementares e solicitar informações adicionais e, ainda: recomendar a reformulação do projeto; ofertar recursos para reforço das medidas mitigadoras; estimular a realização de investimentos sociais e ambientais voltados para o âmbito interno (funcionários e cadeia de fornecedores) e externo (desenvolvimento local, sociedade e meio ambiente) dos beneficiários; e, em casos extremos, não conceder o apoio financeiro em face da não conformidade
90
ou do risco social e ambiental. Nas operações indiretas automáticas, realizadas por meio de instituições financeiras credenciadas, cabe aos agentes financeiros verificar a regularidade social e ambiental do cliente e do empreendimento apoiado e o atendimento a normativos relacionados aos aspectos sociais e ambientais, em consonância com as diretrizes da Política Socioambiental do BNDES.” http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Meio_Ambiente/ Politica_Socioambiental/analise_ambiental.html 15 “A política ambiental do BNDES afirma que ‘os investimentos em melhoria no desenvolvimento socioambiental são indutores do desenvolvimento econômico e social’. Os investimentos em ecoeficiência, gestão ambiental, inovação tecnológica das empresas com benefícios ambientais, apesar de estarem associados a um aumento de custos no curto prazo, representam a passagem para uma nova etapa no médio e longo prazo”, enfatiza Marcio Macedo da Costa, Chefe do Departamento de Políticas e Estudos Ambientais da Área de Meio Ambiente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). http://www.febraban.org.br/financassustentaveis/Painel1-marcio.html 16 Meio ambiente pela metade. A nota média parcial dos bancos no bloco de questões referentes ao meio ambiente foi de 2,19, sendo a mais alta a do ABN Amro Real (3,50 ou “regular”), e a mais baixa a do Santander (1,00 ou “péssimo”). No bloco de questões voltadas ao meio ambiente, foram verificadas sobretudo as políticas de meio ambiente e consumo sustentável das instituições, bem como a existência ou não de critérios socioambientais na concessão de crédito. Somente o ABN Amro Real apresentou critérios específicos para a concessão de crédito, além da criação de fundos éticos, e ficou com a melhor colocação, ainda dentro do conceito “regular”. Itaú e Bradesco ficaram logo em seguida - também com conceito “regular” - por apresentar indicadores de sustentabilidade e ações ambientais, embora restritas a algumas agências. Mas os dois bancos também declararam realizar análises de risco ambiental na concessão de crédito. Os demais bancos tiveram avaliação abaixo de “regular”, pois possuem apenas algum tipo de ação de ecoeficiência, isto é, dedicam-se a reduzir o consumo de água, energia, papel ou plástico em suas atividades rotineiras. Foram genéricos na menção a critérios ambientais para conceder crédito. Já o Santander, que recebeu a pior colocação nesse bloco de questões, relatou não possuir nenhum critério ou processo de gestão de risco socioambiental. Ainda que algumas instituições tenham ficado à frente de outras, a nota média geral obtida pelos bancos foi bastante baixa, de 2,08. Apenas duas instituições ficaram acima da mediana (2,5 em uma escala de 0 a 5), que é o limite entre “ruim” e “regular”: Bradesco, com 2,60, e ABN Amro Real, com 2,75. http://www.idec.org.br/arquivos/RSE_bancos_RelatorioFinal.pdf 17 “Alguns órgãos oferecem a possibilidade de financiamento integral ou parcial de atividades de projetos no âmbito do MDL. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), oferece um Programa de Apoio a Projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o Pró-MDL, que financia o pré-investimento e o desenvolvimento científico e tecnológico de atividades de projeto no âmbito do MDL por meio de linhas de financiamento reembolsáveis e não reembolsáveis (http://www.finep.gov.br/pro- gramas/pro_mdl.asp). O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece uma linha de crédito para “estudos de viabilidade, custos de elaboração do projeto, Documentos de Concepção de Projeto (PDD) e demais custos relativos ao processo de validação e registro” (http://www.bndes.gov.br/ambiente/ meio_ambiente.asp), além do Programa BNDES Desenvolvimento Limpo, que é um programa para a seleção de Gestores de Fundos de Investimento, com foco direcionado para empresas/projetos com potencial de gerar Reduções Certificadas de Emissão (RCEs) no âmbito do MDL. (Português: http:// www.bndes.gov.br/programas/outros/desenvolvimento_limpo.asp; Inglês: http://www.bndes.gov.br/ english/clean_development.asp). Adicionalmente, a Caixa Econômica Federal conta com uma linha de crédito para o financiamento integral de atividades de projetos no âmbito do MDL em áreas como saneamento, bombeamento de água e pequenas hidrelétricas, por exemplo.” http://www.mct.gov.br/ index.php/content/view/61463.html 18 Entendemos por injustiça ambiental o mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis. Por justiça ambiental, ao contrário, designamos o conjunto de princípios e práticas que: a - asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas; b - asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país; c - asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e a destinação de rejeitos e localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas,
planos, programas e projetos que lhes dizem respeito; d - favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento, que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso. Declaração de princípios disponível em: http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/pagina.php?id=229>
32 Eucalipto / Aracruz Celulose e Violações de Direitos Humanos – PAD 2007. Maria Elena Rodriguez e Daniel Silvestre. 33 “Violações...” op.cit.
19 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm
34 “Violações de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais…”, op. cit.
20 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm
35 FASE: The Case of Aracruz Celulose in Brazil: Export Credit Agencies exporting unsustainability. Vitória, 2003. p. 18.
21 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm 22 ADAMI, Humberto. A Responsabilidade Ambiental dos Bancos. http://www.ibap.org/ direitoambiental/artigos/ha.htm 23 Art.10 (...) VI - Exercer o controle do crédito sob todas as suas formas (Renumerado pela Lei nº 7.730, de 31/01/1989) Art. 42. O art. 2 da Lei nº 1808, de 7 de janeiro de 1953, terá a seguinte redação: “Art. 2. Os diretores e gerentes das instituições financeiras respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pelas mesmas durante sua gestão, até que elas se cumpram. Parágrafo único. Havendo prejuízos, a responsabilidade solidária se circunscreverá ao respectivo montante” (Vide Lei nº 6.024, de 1974). Art. 43. O responsável pela instituição financeira que autorizar a concessão de empréstimo ou adiantamento vedado nesta lei, se o fato não constituir crime, ficará sujeito, sem prejuízo das sanções administrativas ou civis cabíveis, à multa igual ao dobro do valor do empréstimo ou adiantamento concedido, cujo processamento obedecerá, no que couber, ao disposto no art. 44, desta lei. Art. 44. As infrações aos dispositivos desta lei sujeitam as instituições financeiras, seus diretores, membros de conselhos administrativos, fiscais e semelhantes e gerentes às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - Advertência. II - Multa pecuniária variável. III - Suspensão do exercício de cargos. IV - Inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargos de direção na administração ou gerência em instituições financeiras. V Cassação da autorização de funcionamento das instituições financeiras públicas, exceto as federais, ou privadas. VI - Detenção, nos termos do § 7º, deste artigo. VII - Reclusão, nos termos dos artigos 34 e 38, desta lei. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4595compilado.htm 24 “A ‘silvicultura científica’ foi a falsa universalização de uma tradição local de exploração dos recursos florestais que nasceu dos interesses comerciais limitados que viam a floresta somente em termos de madeira com valor comercial. (...) O reducionismo do paradigma da silvicultura científica criado pelos interesses industriais e comerciais violentam tanto a integridade das florestas quanto a integridade das culturas florestais que precisam das florestas e de sua diversidade para satisfazer suas necessidades de alimento, fibras e moradia.” SHIVA, Vandana. Monocultura da mente, op. cit., p.33. 25 “(...) O paradigma da Revolução Verde substituiu o ciclo dos nutrientes por fluxos lineares de insumos de fertilizantes químicos comprados de fábricas e produtos comercializados de bens agrícolas.” SHIVA, Vandana. Idem, p. 75 e 77. 26 Disponível em: http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 14/2/2007. 27 Disponível em: http://www.midiaindependente.org. Acesso em: 20/8/2007. 28 PARDO, Arturo Escobar. Movimentos sociais e biodiversidade no Pacífico colombiano. In: SANTOS, Boaventura (Org.). Semear outras soluções, os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 368. 29 http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoDetalhe.asp?incidente=2611341 30 MEDEIROS, Leonilde Servolo. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado. Rio de Janeiro: CPDA/UFRJ e UNRISD, 2002. 31 Disponível em: http://www.aracruz.com.br/show_arz.do?act=stcNews&id=4&lastRoot=258&menu =true&lang=1. Último acesso em: 19/11/2008.
36 MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Movimentos sociais, disputas políticas e reforma agrária de mercado no Brasil. Rio de Janeiro: CPDA/UFRJ e UNRISD, 2002. p. 10. 37 MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Ciências humanas, 1979. p. 15. 38 MOREIRA, Roberto. Terra, poder e território. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 193. 39 Cf. PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição. Pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 40 “A ressignificação da teoria da renda da terra ‘como renda da natureza’ e a compreensão das produções do conhecimento tecnológico, da imagem e da cultura impõem mudanças no entendimento da terra e da questão agrária. MOREIRA, op.cit., 2005. p. 82. 41 MOREIRA, Roberto José. Economia política da sustentabilidade: uma perspectiva neomarxista. MOREIRA, Roberto José (Org.). In: Mundo rural e tempo presente. Rio de Janeiro: PRONEX, CPDA, UFRRJ, Tempo Presente, 1999. 42 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente. São Paulo: Editora Gaia, 2003. p. 89 43 Cf. O‘CONNOR, Martín. El mercadeo de la Naturaleza. Sobre los infortunios de la naturaleza capitalista. In: Ecología Política. n. 7. Barcelona: Editorial Icaria, 1994. 44 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 92. 45 “A crise ambiental se torna evidente nos anos 1960, refletindo-se na irracionalidade ecológica dos padrões dominantes de produção e consumo, e marcando os limites do crescimento econômico. (...) a degradação ambiental se manifesta como sintoma de uma crise de modernidade regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da natureza.” LEFF, Enrique. Saber ambiental, p. 17. 46 “O discurso da sustentabilidade monta um simulacro que, ao negar os limites do crescimento, acelera a corrida desenfreada do processo econômico para a morte entrópica”. Idem, p. 23. 47 “Tomar em cuenta las obligaçiones ecológicas se traduce así, en el contexto del industrialismo y la lógica del mercado, en una extensión del poder tecno-burocrático”. GORZ, Andre. Ecologia Política. Experttocracia autolimitación. Ecology As Politics. South End Press, 1979. 48 LEFF, Enrique. Saber ambiental. p. 26. 49 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 70. 50 Cf. SMITH, Denis. Business and the environment: towards a paradigm shift. In: Business and Environment:implications of a new environmentalism. New York: St. Martins Press, 1993. BECK, Ulrich. Risk Society: towards a new modernity. Sage Publications: Great Britain, 1992. 51 MOREIRA, Roberto. Ecologia e economia política: meio ambiente e condições de vida (mimeo). Rio de Janeiro, outubro de 1989, p. 20.
91
52 ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o campo dos conflitos ambientais. In: Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará. p. 13.
72 COSTA, Maria de Fátima Tardin. A cerca jurídica da terra na produção capitalista da cidade. Mestrado (Dissertação em Direito da Cidade). Rio de Janeiro: UERJ, 2005.
53 ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo, 1996. p. 9.
73 BALDEZ, Miguel Lanzellotti. A terra no campo: a questão agrária. Direito achado na rua. v. 3. Introdução Crítica ao Direito Agrário. São Paulo: Imprensa Oficial, 2002.
54 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Invenção de novas geografias: a natureza e o homem em novos paradigmas. Território, Territórios, Ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 377.
74 O´CONNOR, Martín. El mercadeo de la Naturaleza. Sobre los infortunios de la naturaleza capitalista. In: Ecología Política. n. 7. Barcelona: Editorial Icaria, 1994.
55 ALIER, Joan Martínez. Ecologismo dos pobres. São Paulo: Contexto, 2007. p.77-79.
75 SHIVA, Vandana. Biopirataria. A pilhagem da natureza de do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 92.
56 HAESBAERT, Rogério. Identidades territoriais da multiterritorialidade à “reclusão” territorial (ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). Disponível em: http://tercud.ulusofona.pt/ GeoForum/Ficheiros/23GeoForum.pdf. Acesso em: 10/2/2008. 57 SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2004. p. 339. 58 Idem, ibidem, p. 339. 59 ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Cidades, ambiente e política. Rio de Janeiro: Garamond. p. 14. 60 Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. Uma concepção multicultural de Direitos Humanos. In: Lua Nova, n. 39, 1997, p. 108. 61 ROS, Carlos Javier. Roberto José Moreira. A construção de contra-hegemonias nas sociedades contemporâneas: uma perspectiva analítica. In: Globalismos, localismo e identidades sociais. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José. Rio de Janeiro: Imprima Express, 2007. p. 19. 62 MOREIRA, Roberto José. Identidades sociais em territórios rurais fluminenses . Identidades sociais. In: MOREIRA, Roberto José (org.). Ruralidades no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 19. 63 Cf. ROS, Carlos Javier; MOREIRA, Roberto José. A Construção de contra-hegemonias nas sociedades contemporâneas: uma perspectiva analítica. In: Globalismos, localismo e identidades sociais. COSTA, Luiz Flávio de Carvalho; MOREIRA, Roberto José. Rio de Janeiro: Imprima Express, 2007. p. 19. 64 GROSFOGUEL, Ramón. La Descolonizacion de La Economia Política y los Estúdios Post Coloniales. Transmodernidad, pensamiento fronterizo y colonialidad global. In: Revista del Centro de Estúdios Latinosamericanos (CELA), “Justo Arosemena”. Panamá: R. Panamá, 1994.
77 “A diversidade é chave da sustentabilidade (...) a conservação da biodiversidade requer a existência de comunidades com sistemas agrícolas e médicos distintos (...) a descentralização econômica e a diversificação são condições necessárias à biodiversidade.” SHIVA, Vandana. Biopirataria, op.cit, p. 113. 78 “Tecnologias de formação de consenso são então formuladas de modo a caracterizar todo litígio como problema a ser eliminado. E todo conflito remanescente, por sua vez, será visto como resultante de carência de capacitação para o consenso e não como expressão de diferenças reais entre atores e projetos sociais, a serem trabalhadas no espaço público.” ACSERALD, op.cit, 2006, p. 25. 79 “(...) a utilização das estratégias socioambientais como um fator importante de legitimação da dinâmica competitiva defendeu-se que o entendimento, a priori, do processo formador das estratégias técnico-concorrenciais corporativas da Aracruz seria considerado imperativo à compreensão posteriori da dimensão político institucional das suas estratégias socioambientais.” ANDRADE, José Célio Silveira; DIAS, Camila Carneiro. Conflito Cooperação. Análise das estratégias socioambientais da Aracruz Celulose S.A. Ilhéus-Bahia: Editora da Uesc, 2003. p. 315. 80 RIBEIRO, Ana Clara Torres, op.cit, p. 102. 81 http://www.dhescbrasil.org.br/_plataforma. Acesso em: 7/7/2006. 82 CASTILHO, Ela Wiecko. Disponível em: WWW3. esmpu.gov.br/linha_editorial/outras-publicações 83 LEFF, Enrique. Racionalidade. p. 227.
67 SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: Território, Territórios, Ensaios sobre ordenamento territorial. SANTOS, Milton; BECKER, Bertha K. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 383.
84 “O termo judicialização refere-se à ampliação das interferências do poder Judiciário nos assuntos e decisões sobre as quais valores ético-morais, interesses sociais, políticos e econômicos são interpretados e admitidos como direitos pela Constituição. A judicialização é caracterizada por processos institucionais (processos, conciliações e mediações) e não institucionais (manifestações discursivas na mídia do Judiciário). Nesses processos, o poder Judiciário – especialmente o Supremo Tribunal Federal – substituiu, por um lado, a sociedade civil organizada e os seus mecanismos de democracia direta (plebiscito, referendo e deliberações da iniciativa popular de leis) e, por outro, as instituições políticas da democracia representativa (poder Legislativo ou poder Executivo) nos debates e decisões (...)”. BRITO, Jadir Anunciação de. Judicialização. In: Dicionário da Educação no Campo. CALDART, PEREIRA, Isabel Brasil. ALENTEJANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. Rio de Janeiro/ São Paulo: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Valêncio/ Expressão Popular, 2012.
68 Bernardo Mançano Fernandes. osal.clacso.org/espanol/html/documentos/Fernandez.doc
85 http://www.socioambiental.org/prg/pol.shtm
69 ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Op.cit, p. 13.
86 http://www.dhescbrasil.org.br
70 “A velocidade dos fluxos de mercadorias acelerou-se a níveis sem precedentes e propagou o processo de desterriorialização e reterritorialização de capitais” ACSERALD, Henri. Território, localismo e política de escalas. Op. cit, p. 13.
87 http://www.mabnacional.org.br/?q=noticia/conquistas-da-campesina-com-jornada-lutas
71 PRATT, Maru Louise. Olhos do Império: relatos de viagem e transculturação. São Paulo: Edusc, 1999. p.72.
89 http://global.org.br/programas/belo-monte-cidh-convoca-governo-a-responder-sobre-naocumprimento-de-medidas-cautelares/
65 HAESBAERT, Rogério, op. cit. 66 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A Invenção de novas geografias: a natureza e o homem em novos paradigmas. Território, Territórios, Ensaios sobre o ordenamento territorial. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 377.
92
76 SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente. São Paulo: Editora Gaia, 2003. p. 89.
88 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/pet3388CB.pdf
Amigos da Terra Internacional
O Estado brasileiro financia massivamente os megaprojetos das corporaçþes: megaimpactos
93
Considerações e Recomendações João Roberto Lopes Pinto*
Para apresentar da forma mais objetiva possível as Considerações e Recomendações, no intuito de contribuir para o debate quanto aos resultados deste estudo, passamos abaixo a elencá-las pontualmente. Considerações
da pessoa humana (indivíduo e coletivo). Violam Acordos Internacionais, Leis Nacionais, Políticas Fiscais
1. As violações de direitos associadas aos projetos financiados
ou Políticas Setoriais específicas, forjam e aprofundam
pelo BNDES, nos casos aqui sistematizados, são variadas,
desigualdades econômicas, sociais e regionais
extensas e sistemáticas. Embora sejam observadas diferenças
historicamente produzidas nas áreas de implantação dos
entre os casos, considerando o meio rural e o urbano, bem
referidos empreendimentos e seu entorno.
como a distinção de setores beneficiados, pode-se dizer que os megaprojetos que foram objeto do presente estudo seguem
Entre as formas de violação constatadas, que aprofundam o
um padrão de violação de direitos associado a um modelo de
quadro de desigualdade econômica, social e regional nas áreas
desenvolvimento econômico. Tal padrão está relacionado à
de implantação destes megaprojetos, destacam-se: condições
escala destes megaprojetos, normalmente nos setores intensivos
de trabalho análogas à escravidão; remoções forçadas de
em natureza, ligados invariavelmente aos mesmos grupos
comunidades urbanas pobres; expropriação de populações de
econômicos, que concentram grande poder de ingerência sobre
áreas rurais dos seus meios de produção, territórios e modos de
as instituições públicas locais e nacionais, a exemplo do BNDES.
viver; desmatamento, contaminação dos solos, da água e do ar,
Tal como afirma Marilda Teles:
com comprometimento da biodiversidade, disponibilidade e qualidade de recursos naturais; desestruturação das economias
94
os empreendimentos em questão são especialmente
locais e fragilização da agricultura familiar, comprometendo
emblemáticos no que se refere às injustiças
a segurança alimentar; falta de informações e de participação
socioambientais, pois geram uma enormidade de graves
informada das populações locais sobre os projetos; migrações
impactos sociais, ambientais, fundiários, violações
massivas de trabalhadores no período de construção das obras,
sistemáticas de direitos ambientais, trabalhistas e direitos
gerando inchaços urbanos, aumento da violência, precarização
dos serviços públicos locais, alto custo de vida; especulação
responsabilidade direta, subsidiária, do agente financeiro em
imobiliária, gerando a expulsão de populações para áreas
relação ao risco gerado pela atividade econômica é um dado
de periferia das cidades; irregularidades nos processos de
de realidade, inclusive no âmbito jurídico e administrativo. Ao
licenciamento ambiental; passivos trabalhistas e fiscais das
não assumir esta responsabilidade em seus procedimentos de
empresas beneficiárias; enfraquecimento das instituições
análise e acompanhamento, bem como nos seus contratos de
públicas e legislações locais em favor dos interesses das
financiamento, de forma a evitar, corrigir ou compensar eventuais
empresas beneficiárias; e criminalização de movimentos sociais,
danos, o agente financeiro se torna tão responsável quanto a
com perseguições e ameaças de morte.
empresa pelas violações de direitos humanos.
Este mesmo padrão de violações é reproduzido fora do país.
Conforme chama a atenção Jadir Brito, a responsabilidade
Atualmente, o BNDES é o principal fiador da internacionalização
solidária do agente financeiro é algo já previsto em nossa
de grupos privados nacionais, particularmente em direção à
legislação ambiental. A Lei 6938/81, que disciplina a Política
América Latina e à África Lusófona. No caso, apresentado em
Nacional do Meio Ambiente (PNMA), é clara em determinar
detalhes ao final desta publicação, da exploração de carvão
que o risco integral de uma atividade econômica, no sentido da
mineral a céu aberto pela Vale em Moatize, em Moçambique,
geração do dano ambiental, é de responsabilidade da empresa –
repete-se o padrão de violações com restrição de circulação
princípio do “poluidor pagador” –, mas que também é assumido,
e movimentação das comunidades atingidas pelo projeto,
solidariamente, pelo agente que financia a atividade. Não por
violações dos direitos à informação, reassentamento de 1.500
acaso a lei determina que cabe ao agente financeiro não apenas
famílias em condições desumanas, crescimento populacional
observar se há ou não licenciamento ambiental, mas também
desordenado do distrito de Moatize e da província de Tete e o
fiscalizar o cumprimento do que ele determina.
domínio da empresa Vale sobre as instituições públicas locais e, mesmo, as nacionais. Importante também chamar a atenção para o fato de que este
Segundo o inciso IV do Art. 3 da Lei 6938/81, entende-se por “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade
padrão de violação resulta do que bem identifica Jadir Brito em
causadora de degradação ambiental”. Já o Art. 12 afirma
seu texto como “fechamento” de territórios e ambientes para
que “as entidades e órgãos de financiamento e incentivos
assegurar a rentabilidade financeira da terra. “Esse ‘fechamento’
governamentais condicionarão a aprovação de projetos
é identificado no cercamento material e imaterial de territórios e
habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma desta
ambientes, a exemplo dos casos da implantação da monocultura
Lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões
do eucalipto e de empreendimentos imobiliários em áreas
expedidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”.
ambientais urbanas. O ‘fechamento’ de territórios através da
De acordo com o parágrafo único deste mesmo artigo, “as
cerca da terra requer processos, instrumentos normativos, atores
entidades e órgãos referidos no caput deste artigo deverão
institucionais e de autoridades do Estado: juízes, promotores,
fazer constar dos projetos a realização de obras e aquisição de
desembargadores, executantes das decisões judiciais e
equipamentos destinados ao controle de degradação ambiental
legisladores para assegurar proteção à renda da terra ao capital.”
e à melhoria da qualidade do meio ambiente”. No § 1º do Art. 14
Dito de outro modo, as violações seguem um padrão de
lê-se “é o poluidor obrigado, independentemente da existência
subordinação da vida em um dado território aos interesses de
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio
acumulação privada.
ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”.
2. A responsabilidade solidária e, em alguns casos, a
Além disso, a responsabilidade das instituições financeiras não 95
está circunscrita aos aspectos civis e administrativos, mas abrange
efeito prático, que busca responder às condicionantes legais
também a responsabilização penal da pessoa jurídica e de seus
para a concessão de financiamento à atividade potencialmente
diretores, nos termos da Lei 9605/98, de Crimes Ambientais. De
poluidora. Ao responder à formalidade de prever condicionantes
acordo com o Art. 2 da Lei 9605/98, “quem, de qualquer forma,
em seus financiamentos, o BNDES está assumindo a sua
concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas
corresponsabilidade, pois elas somente se justificam por ser o
penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem
agente financeiro reconhecido pela Lei como solidariamente
como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de
responsável pelos riscos gerados pela atividade.
órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de
Vale aqui retomar o argumento de Jadir Brito:
deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la”.
Estes condicionantes significam que o próprio banco,
Já o Art. 3 acrescenta “as pessoas jurídicas serão responsabilizadas
por imposição legal, reconheceu os riscos ambientais e
administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei,
sociais dos seus financiamentos e, consequentemente,
nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu
a sua corresponsabilidade ou responsabilidade solidária
representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no
pelo destino deles. No entanto, embora tenha prescrito
interesse ou benefício da sua entidade”.
condicionantes contratuais, o BNDES não estabeleceu mecanismos bancários de monitoramento, fiscalização
3. No final de 2010 foi formalmente aprovada a Política
e controle dos impactos gerados na destinação dos
Socioambiental do Sistema do BNDES, sem que o Banco tivesse
recursos liberados. Essa circunstância transcorreu apesar
feito uma ampla consulta com os setores organizados da
de o Banco possuir mecanismos legais, contratuais, para
sociedade. Chama a atenção que essa Política Socioambiental
a resilição ou rescisão contratual, bem como outros, a
foi realizada como uma das contrapartidas do Banco Mundial,
exemplo dos Termos de Ajustamento de Conduta (TACs)
através do Empréstimo Programático de Política para o
e do ajuizamento de ações de responsabilização dos seus
Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável (SEM
financiados pelo descumprimento dos condicionantes
DPL), de US$ 1,3 bilhão em sua primeira fase, para o governo
socioambientais contratuais e pelos impactos gerados.
federal, a ser gerido pelo BNDES. Os conhecidos “Empréstimos
Não há informações de precedentes da utilização
de Política para o Desenvolvimento” do Banco Internacional
destas medidas jurídicas legais e contratuais para fins
para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), historicamente
de exigir dos financiados o cumprimento de cláusulas
associados às malfadadas políticas de ajuste fiscal, apresentam-
contratuais relativas aos eventuais danos socioambientais
se agora em sua versão soft de condicionantes socioambientais,
decorrentes da aplicação dos recursos.
voltados a promover a financeirização e, por conseguinte, a flexibilização das políticas sociais e ambientais. O BNDES afirma em sua nova política socioambiental que
96
Mesmo no caso dos três únicos setores para os quais o Banco define “obrigações adicionais” ao que consta da lei
procede a avaliação do beneficiário sobre a sua regularidade com
ambiental brasileira, a fragilidade dos mecanismos de controle
a legislação ambiental, inclusive avaliando e acompanhando
e acompanhamento as torna pouco efetivas. Este é o caso das
os principais impactos esperados e o cumprimento de ações
salvaguardas estabelecidas para os setores de etanol, que não
preventivas e mitigadoras previstas no licenciamento ambiental.
poderiam ser beneficiados em áreas dos biomas da Amazônia
Contudo, verifica-se que se trata de uma política formal e sem
e do Pantanal; de termelétrica, que estabelece restrições na
Daniel Beltrá/ Greenpeace
pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem,
O desrespeito à legislação é característica comum dos empreendimentos no Brasil: sintomático
emissão de partículas na atmosfera; e de frigoríficos, que determina o cadastramento dos fornecedores e a exigência da rastreabilidade progressiva do gado. Vale dizer que a aplicação de tais salvaguardas está baseada, invariavelmente, na
possui licenciamento, negligenciando todas as outras exigências
autodeclaração do tomador dos empréstimos, não contando o
da Lei, inclusive a que determina aos agentes financeiros que
Banco com instrumentos de monitoramento e fiscalização do
“deverão fazer constar dos projetos a realização de obras e a
seu cumprimento.
aquisição de equipamentos destinados ao controle de degradação
Há limitações evidentes na referida política socioambiental, marcada por orientações indicativas e ausência de
ambiental e à melhoria da qualidade do meio ambiente”. Além do fato de que o licenciamento não é um salvo
mecanismos transparentes e efetivos de avaliação, controle e
conduto, pois a execução do projeto precisa ser acompanhada
acompanhamento de impactos esperados dos projetos, bem
e fiscalizada, a recorrência de graves irregularidades nos
como do cumprimento de eventuais condicionantes previstas
processos de licenciamento de grandes projetos financiados
nos licenciamentos. Ao mesmo tempo, o BNDES não prevê
pelo Banco exigiria uma postura ainda mais criteriosa do BNDES.
sanções contratuais no caso de eventuais danos e passivos
Infelizmente, o que se verifica é o contrário disso. Isso fica
socioambientais gerados pelo projeto.
evidente pelo fato de ele seguir liberando os financiamentos
A exigência do Banco se limita, na prática, a verificar se o projeto
mesmo quando os projetos são objeto de ações judiciais por 97
irregularidades nos licenciamentos e violações de direitos, como
desenvolvimento, encontrando formas de promover
fartamente documentado nos casos sistematizados neste estudo.
os propósitos desenvolvimentistas, como a busca por
O Banco trabalha menos na perspectiva de condicionalidades
maior lucratividade dos capitais em nome da geração de
e mais na de incentivos às chamadas “boas práticas
emprego e renda, e garantindo, assim, uma legitimidade
socioambientais”, estabelecendo linhas de financiamento,
para a questão.
com spread zero para projetos de responsabilidade social e
Em complemento, segue a afirmação de Lúcia Ortiz:
ambiental pelas empresas. Com isso, em vez de estabelecer limites e eventuais sanções, o BNDES acaba premiando as
Os novos mercados ambientais, deflagrados junto
empresas com novos e baratos recursos. Cria também, valendo-
com a crise climática e ambiental, e a tentativa de
se da conscientização sobre as crises ambiental e climática e
consensualização de um marco político global com a
da escassez ambiental provocada inclusive pela degradação
promoção da economia verde, como via de solução
decorrente dos megaprojetos que financia, uma série de novos
e reinvenção do capitalismo financeiro, contaram
produtos financeiros de compensação ambiental, através dos
com a expertise técnica e política do Banco Mundial
quais se capitaliza com novos recursos, públicos ou privados, e
na elaboração de arcabouços lógico, político e legal
os pinta de verde. Tais contradições tornam-se ainda maiores
que impulsionaram, no Brasil, os mercados climáticos
quando se sabe que os recursos do seu Fundo Social, não
na política nacional de clima, o ajuste estrutural das
reembolsável e composto de um percentual do lucro líquido do
políticas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a
Banco, têm sido destinados para fundações empresariais.
operação piloto de fundos e programas de negócios
Ao não estabelecer salvaguardas sociais e ambientais efetivas
ambientais no BNDES.
para seus desembolsos e financeirizar relações que deveriam se pautar pela observância de direitos, o BNDES ajuda a fragilizar
Tal estratégia fica patente ao se considerar as outras
ainda mais a legislação ambiental brasileira. Essa estratégia se
contrapartidas associadas ao referido empréstimo do Banco
articula com outras iniciativas nos campos do Executivo e do
Mundial, como a reestruturação do Ibama para acelerar
Legislativo, como, por exemplo, a desqualificação do processo de
o licenciamento ambiental e a implementação da Lei de
licenciamento de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio
Gestão das Florestas Públicas Brasileiras, que regulamenta
Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a aprovação
mecanismos de arrendamento e privatização das florestas.
do novo Código Florestal.
Esta contrapartida conecta-se a outra que diz respeito à regulamentação do Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES,
4. O formalismo da resposta do BNDES ao que determina
composto de recursos não reembolsáveis fruto de doações e
a legislação ambiental brasileira se inscreve no contexto
destinado a “contribuir para o combate ao desmatamento da
do que autores deste estudo chamam de ambientalização
floresta, além de iniciativas que promovam a conservação e o
das instituições financeiras ou financeirização das políticas
uso sustentável da região”. Esta, que talvez seja, da perspectiva
socioambientais. Como afirmam Gabriel e Fabrina:
do Banco, a sua principal política ambiental proativa, está voltada a preparar um mercado de serviços ambientais a
(...) com o processo de ambientalização dos Estados e das IFMs, a estratégia passou a ser superar a visão de que a questão ambiental seria um obstáculo para o 98
serem transformados em certificados e créditos negociados nas bolsas de valores. Um exemplo concreto está a ser implementado pelo
governo do Acre, que recebeu do Fundo Amazônia o valor de
Carbono na BM&F Bovespa, formado por ações de empresas
R$ 60 milhões para “fomentar práticas sustentáveis de redução
que compõem o Índice de Carbono Eficiente (ICO2). Destaque
do desmatamento, com pagamento por serviços ambientais,
também para o Programa BNDES Desenvolvimento Limpo,
valorizando o ativo ambiental e florestal para consolidar uma
que é um programa para a seleção de Gestores de Fundos de
economia limpa, justa e competitiva (...)”. É justamente neste
Investimento com foco direcionado para empresas/projetos
estado que as bases da “economia verde” encontram-se mais
com potencial de gerar Reduções Certificadas de Emissão
avançadas no mundo.
(RCEs) no âmbito dos Mecanismos de Desenvolvimento
Em 2010, foi instituída no Acre uma lei estadual, antes mesmo da aprovação de uma legislação em âmbito nacional,
Limpo (MDL). Vale dizer que tais iniciativas também se inscrevem no
que regulamenta o pagamento e a certificação de serviços
contexto de outro plano setorial da PNMC, em especial o
ambientais para efeito de comercialização de títulos em
Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), diretamente
bolsa de valores. Os recursos repassados pelo BNDES, via
referida ao “Estudo de Baixo Carbono para o Brasil”, lançado
Fundo Amazônia, para o governo do Acre visam exatamente
pelo Banco Mundial, em 2010.
constituir o mercado de serviços ambientais. Ou seja, o governo entra estruturando e regulamentando o mercado
Segundo Lúcia Ortiz:
para permitir a posterior entrada do setor privado. Vale dizer que o governo do Acre estabeleceu um acordo com
(...) o cenário alternativo, chamado de “baixo carbono”
o governo do estado da Califórnia, nos Estados Unidos,
pelo Bird, não contesta a expansão do agronegócio,
envolvendo também a província de Chiapas, no México,
da pecuária e das monoculturas para agroenergia,
para o fornecimento de créditos por pagamento de serviços
fomentados amplamente pelo BNDES (...) Nota-se que
ambientais para a compensação de emissões de CO2 pela
o estímulo à expansão do agronegócio é diretamente
indústria da Califórnia.
proporcional ao cálculo de créditos de redução de
Além do Fundo Amazônia, o Banco vem constituindo e
emissões, gerando, a partir da ficção de um cenário
operando outros fundos voltados a promover o mercado de
futuro, uma enxurrada de títulos negociáveis no mercado
carbono e serviços ambientais. O Fundo Clima do BNDES
de emissões e justificando as políticas públicas de
se destina a aplicar a parcela de recursos reembolsáveis do
intensificação do incentivo e do crédito ao modelo
Fundo Nacional sobre Mudança do Clima, ou Fundo Clima,
agroindustrial exportador, em detrimento de outros
um dos instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do
setores não contemplados nos planos de mitigação das
Clima, criado em 2009 e vinculado ao MMA. O foco do fundo
mudanças do clima, como agroecologia, por exemplo.
está no apoio, ao setor privado e ao próprio MMA, por vezes substituindo sem adicionalidade seus recursos orçamentários
Assiste-se, como alertam os autores, a um processo de
para ações estratégicas de combate às mudanças do clima
financeirização das políticas ambientais e, por conseguinte,
identificadas nos planos setoriais do Plano Nacional sobre
da própria natureza, esvaziando dramaticamente o sentido
Mudança do Clima (PNMC), previstos por Lei, assim como
público do direito e dos bens comuns. Uma financeirização não
o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) e a
apenas na transformação dos contratos de financiamento em
Política Nacional sobre Mudança do Clima.
mecanismos “extralegais” de viabilização de projetos social e
Em janeiro de 2011, o Banco lançou o Fundo do Índice
ambientalmente impactantes, mas também de abertura de um 99
novo mercado, da chamada “economia verde”, que, mantendo
daí podendo surgir responsabilidade solidária para o referido
a mesma lógica compensatória, vai servir para justificar a
Banco, pelo ilícitos ambientais praticados em parceria”.
continuidade da degradação socioambiental. Degradação operada e controlada pelos setores intensivos em natureza, que,
6. Se olharmos para além dos projetos, focando os grandes
por sua vez, terão neste mercado novas fontes de acumulação.
grupos econômicos beneficiários do crédito do Banco, veremos
Nos dizeres da referida pesquisadora:
que o BNDES e o seu braço de participações, o BNDESPar, que acumulava em 2010 aplicações de R$ 100 bilhões, atuam
O que parece contraditório não é. Somente a contínua
como viabilizadores das próprias estratégias de concentração
poluição e degradação da natureza pode tornar os
e conglomeração destas empresas. Isso se dá para além
bens comuns escassos e, assim, elevar seu preço nos
dos financiamentos, seja por meio de capitalizações, de
mercados e nas bolsas de valores; ou seja, no mundo das
patrocínio a processos de fusões e aquisições, seja pelo apoio à
instituições financeiras que, hoje, controlam a política.
internacionalização de capitais.
Assim, o Banco Mundial, que não é nenhum exemplo de
Alguns estudos que têm se dedicado a olhar a rede de
sustentabilidade, influencia com sua agenda neoliberal
proprietários últimos na estrutura societária destes grandes
a financeirização da natureza e da política ambiental do
grupos econômicos demonstram que o BNDES, juntamente
Brasil, adotada também pelo BNDES.
com os fundos de pensão das estatais (Previ, Petros, Funcef), representam os principais elos que sustentam esta rede
5. O principal argumento que se levanta contrariamente à tese
oligopolista, onde figuram Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade
da corresponsabilização do agente financeiro é o de que não
Gutierrez, Queiroz Galvão, Gerdau, Ultra, Vicunha, Itaú, Bradesco,
seria possível estabelecer o elo causal entre o financiamento
Votorantim, EBX, JBS e Perdigão, com participações cruzadas nos
e o dano causado. Se este pode ser um argumento passível de
referidos setores.
contendas judiciais, no caso do BNDES e dos projetos estudados
São também conhecidos os casos de envolvimento direto do
ele de forma alguma se aplica. O Banco financia de 60% a 80%
Banco no financiamento e formatação das fusões e aquisições,
do valor dos projetos, ou seja, sem o financiamento do BNDES
como nos casos de Votorantim e Aracruz (Fibria), Perdigão e Sadia
não haveria projeto. Além de viabilizador dos projetos, o Banco
(Brasil Foods), Itaú e Unibanco, Brasil Telecom e Oi, JBS e Bertin
é, em muitos dos casos, acionista das empresas que compõem
e na tentativa de aliança entre o Pão de Açúcar e o grupo francês
os consórcios ou grupos responsáveis pela implementação dos
Carrefour. O nível de concentração da economia patrocinado pelo
projetos. Nestes casos, a responsabilidade do Banco pelo dano
Banco tem efeitos diretos sobre a vida dos brasileiros.
não é indireta ou solidária, mas direta e subsidiária. No caso da Veracel, sistematizado neste estudo, em que o
100
7. O Banco não possui, como já afirmado, uma política de
Ministério Público Estadual (MPE) da Bahia acabou por suspender
divulgação de informações relativas ao Sistema BNDES. Em
o processo de licenciamento ambiental para ampliação do
2009, o Banco adotou o chamado “BNDES Transparente”, que
plantio de pinus e eucalipto por conta de graves irregularidades,
dá publicidade somente a projetos privados contratados a partir
o Banco possui 30% do capital da Fibria, detentora de 50% da
de 2008 e não inclui os projetos fora do país. A não publicidade
referida empresa. Por conta disso o MPE apresentou uma
da totalidade da carteira de projetos é algo que fere o princípio
notificação judicial ao Banco alertando, em conformidade com a
constitucional da publicidade no uso do recurso público,
legislação ambiental, o financiamento a “ações ilícitas da Veracel,
bem como desrespeita a recém-aprovada Lei de Acesso à
Informação (Lei 12.527/2011). Considerando o exposto acima, corre-se o risco de assistirmos
Ainda sobre as questões de raça e gênero, chama a atenção a recorrente determinação da Lei de Diretrizes Orçamentárias
ao BNDES se precavendo e adotando medidas protelatórias na
(LDO) que, desde 2007, explicita a necessidade do Banco de
prestação de informação à sociedade brasileira. E já há sinais
avançar na observância destas questões. Vale citar, no Art. 86 da
disso. Com a oportunidade da entrada em vigor da Lei de Acesso
LDO 2012:
à Informação e da já consolidada pauta da Plataforma BNDES de defesa de adoção de uma política pública de informação
(...) as agências financeiras oficiais de fomento,
pelo BNDES, o Instituto Mais Democracia tomou a iniciativa
respeitadas suas especificidades, observarão as
de encaminhar ao Serviço de Informação ao Cidadão da
seguintes prioridades: (…) IV - para o Banco Nacional
Controladoria Geral da União (CGU) um pedido de informações
de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES:
sobre o Banco. O pedido reproduz a histórica pauta por
(...) b) financiamento de programas do Plano Plurianual
transparência do Banco, expressa no documento de fundação da
2012-2015, especialmente as atividades produtivas que
Plataforma (2007) e reforçada em diversos outros documentos
propiciem a redução das desigualdades de gênero e
nestes últimos cinco anos.
étnico-raciais; (…) g) redução das desigualdades regionais,
A resposta do Banco à solicitação do Mais Democracia foi
sociais, étnico-raciais e de gênero, por meio do apoio
evasiva e protocolar, onde se lê “esclarecemos que o BNDES
à implantação e expansão das atividades produtivas;
está envidando seus melhores esforços no sentido de atender
(...) h) financiamento para o apoio à expansão e ao
às proposições colocadas”. Na resposta, o Banco não se
desenvolvimento das empresas de economia solidária,
compromete com prazos e informações a serem divulgadas. Vale
dos arranjos produtivos locais e das cooperativas, bem
lembrar que, conforme faculta a Lei de Acesso, caso a resposta ao
como dos empreendimentos afro-brasileiros e indígenas.
pedido de informação não seja satisfatória cabe recurso. Em que pese tais exigências da Lei, o Banco, simplesmente, 8. Sobre as cláusulas sociais existentes no Banco, desde 2008,
não tem gerado ações nesta direção.
verifica-se o comprometimento em realizar o vencimento antecipado do crédito caso a empresa beneficiária seja
9. O que explicaria esta não efetividade do BNDES em termos
condenada, em última instância, por questões relativas à
sociais e ambientais? Como é possível imaginar que uma
discriminação de raça ou gênero e às condições de trabalho
política socioambiental seja anunciada sem apresentar
análogas à escravidão. Ou seja, a condenação deverá ter
instrumentos e procedimentos que a tornem efetiva? Como
transitado em julgado, sem possibilidade de recurso.
justificar o desrespeito pelo Banco à própria legislação
Considerando as diferentes formas de violação de direitos
ambiental brasileira, quando ele segue, por exemplo,
trabalhistas nos projetos aqui estudados, bem como as
comprometido com o financiamento de obras na Amazônia,
centenas de ações judiciais impetradas pelo Ministério
como a do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (Rondônia) e
Público, a hesitação do Banco em responder a situações
a da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (Pará),
de violação não apenas contribui para persistências e
que, entre várias irregularidades, clara e sabidamente
agravamento delas, como acaba por comprometê-lo com
desrespeitam as condicionantes contidas em seus respectivos
situações de insegurança jurídica, potencialmente prejudiciais
licenciamentos ambientais?
ao próprio retorno dos investimentos.
Alguns atribuem a falta de efetividade da política 101
socioambiental do Banco à falta de interesse e de uma cultura
sim de uma coincidência de propósitos entre o BNDES e as
institucional, refletidas em falhas operacionais e despreparo
grandes corporações destes setores intensivos em natureza e
técnico, e que caberia, portanto, às organizações da Plataforma
de infraestrutura, em favor da flexibilização da legislação e dos
BNDES a discussão e posterior proposta ao Banco de
direitos sociais e ambientais.
salvaguardas sociais e ambientais em seus procedimentos de
Neste contexto, cabe indagar a validade, bem como os
análise e nos contratos de financiamento. Segundo esta visão
riscos, de uma estratégia voltada a estabelecer recomendações
haveria uma brecha para “mostrar ao Banco o que fazer”, dada
e salvaguardas para o Banco. Concentrarmos nossa atuação
pelo momento de maior visibilidade dos seus financiamentos e
no debate sobre salvaguardas é aceitar que haverá impactos
da formalização de uma política socioambiental.
negativos, que serão – em alguma medida – evitados ou
As evidências aqui elencadas de violações associadas a projetos
mitigados. É aceitar que não cabe discutir a pertinência do
financiados pelo Banco parecem demonstrar que não há brechas.
projeto a ser financiado. Corre-se, pois, um duplo risco. De
Não se trata apenas de uma falta de interesse do Banco, mas
um lado, de dispersar esforços, capturando nossa capacidade técnica e política necessárias a uma atuação mais efetiva sobre o Banco. De outro, de corroborar, no limite, compactuar, com a natureza rebaixada da atuação do Banco em termos socioambientais, como alertam, em artigo anterior, Fabrina Furtado e Gabriel Strautman sobre a “agenda reformista”, voltada a aperfeiçoar as salvaguardas e os procedimentos de participação e resolução de conflitos das Instituições Financeiras Multilaterias (IFMs).
A floresta Amazônica é destruída para dar lugar à construção de Belo Monte: que desenvolvimento é esse?
102
Segundo os referidos autores:
chegaram a suspender a compra de carne da JBS. Não se pode esquecer, neste caso, que o Banco é também controlador de 31%
(...) identificam-se pelo menos dois grupos críticos
do capital da JBS. Embora as salvaguardas estabelecidas para o
das IFMs com diferentes interpretações para os
setor da pecuária apresentem, como já dito, limitações, deve-
problemas de implementação das salvaguardas: o
se ter claro que foram fatores alheios ao Banco que acabaram
primeiro deles é o dos reformistas, que acreditam nas
por constrangê-lo a adotá-las, pois, do contrário, a própria
salvaguardas como um instrumento de reforma dos
rentabilidade do negócio estaria ameaçada.
bancos e atribuem a falhas operacionais os problemas
Já o TCU, juntamente com o MPF e a CGU, conseguiu
na implementação; o outro grupo, dos contestatários,
avançar no estabelecimento de salvaguardas nos contratos de
argumenta que as salvaguardas são instrumento de
financiamento do BNDES para os megaeventos. Conforme
retórica, sendo, portanto, muito mais um discurso do que
relato de documentos públicos deste Tribunal, o Banco
necessariamente uma prática. Para este grupo, o objetivo
declarou não possuir competência instalada para analisar
final das salvaguardas é a neutralização da crítica ao
os orçamentos dos projetos, avaliando apenas as garantias
modelo de desenvolvimento do qual os bancos são um
oferecidas pelo beneficiário. Desta forma, o TCU instou o
instrumento central.
Banco a não liberar recursos acima de 20% do valor do projeto, sem que antes o Tribunal fornecesse a informação sobre a
Tais limites não invalidam a necessidade de se trabalhar com
sobrepreço, conforme ocorreu nos casos das obras nos estádios
ambientais, inclusive como forma de organização da luta das
do Maracanã, no Rio de Janeiro, e da Arena Amazônica, em
populações atingidas. Mas deve-se ter claro que a questão não é a
Manaus, o Banco somente liberará o recurso após a revisão
falta de alternativas, mas sim o não reconhecimento pelo BNDES
do orçamento. Caso o orçamento permaneça superestimado,
de que as violações geradas pelo atual padrão de acumulação
o Banco deverá descontar no valor do empréstimo o valor do
configuram, de fato, um problema.
sobrepreço. Além desta salvaguarda inédita, o TCU também
Prova disso é que o Banco somente aceitou tratar de
instou o Banco a suspender o financiamento para a segunda
salvaguardas, como nos exemplos das exigências do Tribunal
etapa da Transcarioca, obra de mobilidade urbana no Rio de
de Contas da União (TCU) para os projetos relacionados
Janeiro, em decorrência de irregularidades no processo de
aos megaeventos esportivos e dos procedimentos para o
licenciamento ambiental da obra.
financiamento dos frigoríficos, quando a ausência delas tornou-
Mas não se deve perder de vista o contexto de financeirização
se um problema público. Por pressão ou de outras instâncias do
da política ambiental em que se propõe discutir salvaguardas
próprio governo federal, ou de agentes do mercado externo, ou
sociais e ambientais. Como esclarece Lúcia Ortiz:
de compradores da carne brasileira. O caso dos frigoríficos ficou mais conhecido por conta da Daniel Beltrá/ Greenpeace
adequação do orçamento do projeto. Caso o TCU constate
alternativas em termos de critérios e salvaguardas sociais e
As políticas ambientais, orientadas pela cooperação técnica de instituições como o Banco Mundial ou geridas
repercussão na imprensa. Com as denúncias do Greenpeace
por instituições financeiras como o BNDES, tornam
junto ao Ministério Público Federal do Pará de que os frigoríficos,
contraditória qualquer iniciativa de regulamentação
a exemplo da JBS, financiados pelo Banco, estavam comprando
através de critérios e salvaguardas. Elas implicam um
gado de pecuaristas que desmatam a Amazônia, houve forte
processo que se aprofunda na perda de direitos e
pressão das empresas, como a Wal-Mart e o Carrefour, que
na contínua deterioração do papel do Estado como 103
garantidor deles, em favor dos interesses e novos direitos
enfrentado é preciso muita pressão pública e, neste sentido,
do mercado sendo agora assegurados por lei. Tal como
a escolha do caso faz diferença. Além das evidências e da
o Banco Mundial, o BNDES tem se utilizado de uma
extensão de violações de direitos, a identificação do caso a ser
estratégia de capitalização diante da crise ambiental
considerado deve levar em conta: mobilização e organização
como central à sua política socioambiental. Fortalecer
social na resistência ao projeto; irregularidades no processo de
essa lógica através da criação de critérios e salvaguardas,
licenciamento; presença financeira do Banco no projeto; grupo
seja para o financiamento de grandes obras e projetos,
econômico envolvido e sua conexão com o Banco; sensibilidade
seja para aqueles produtos e fundos que deveriam ter
do ponto de vista internacional, seja por desrespeito a tratados
como premissa a proteção e conservação ambientais,
internacionais, seja pela presença de capitais estrangeiros.
significa deslocar o foco do debate sobre o modelo de
Entre os casos sistematizados neste estudo, destacam-se por
desenvolvimento e do papel central que as instituições
estes critérios a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e o Complexo
financeiras vêm desempenhando na sua promoção.
Siderúrgico do Atlântico (TKCSA). No caso de Belo Monte, trata-se do maior financiamento a
Recomendações
um único projeto a ser desembolsado pelo Banco – estimado em R$ 24 bilhões –, com claras irregularidades no processo
1. Embora a responsabilidade solidária do agente financeiro
de licenciamento, envolvendo empresas estrangeiras no
pelos danos sociais e ambientais do projeto financiado seja
fornecimento de equipamentos, com forte mobilização local
algo previsto na legislação ambiental brasileira, até hoje o
e nacional contrária à obra, com graves e extensos impactos
BNDES não chegou a ser interpelado judicialmente sobre sua
sobre o território, particularmente sobre os povos indígenas.
responsabilidade por violações de direitos por qualquer projeto
Em 2011, o Ministério Público Federal do Pará pediu a anulação
por ele financiado. Recomendamos que as organizações da
da licença de instalação da hidrelétrica em uma ação ajuizada
Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES, acionem o
contra o consórcio Norte Energia e o Ibama, já que, além
Ministério Público Federal instando-o a impetrar uma ação civil
de as condicionantes estarem sendo descumpridas e serem
pública que interpele o Banco nesta direção.
insuficientes, elas são mal fiscalizadas pelo órgão ambiental. Um
Certamente, uma ação civil pública que se baseie na tese
realização das oitivas indígenas, em desrespeito à Convenção
ter diferentes objetos: solicitação do vencimento antecipado
169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
do financiamento; suspensão da liberação de parcelas do
motivou a solicitação pela Organização dos Estados Americanos
financiamento até que os danos sejam reparados; desconto no
(OEA) ao governo brasileiro de suspensão tanto do processo
valor do financiamento correspondente ao valor da reparação
de licenciamento como da construção da usina hidrelétrica.
dos passivos sociais e ambientais gerados; revisão nos termos
Chama a atenção também que o consórcio Norte Energia tem
do contrato de financiamento; e, mesmo, a combinação
a participação da Vale, cuja atuação vem sendo questionada
deles. Contudo, para além do objeto da ação, cabe chamar a
pela Campanha dos Atingidos pela Vale, que poderia se somar à
atenção para a escolha do caso a ser trabalhado, para efeito da
iniciativa da Rede Brasil.
interpelação judicial ao Banco. Conforme afirmado anteriormente, para que o Banco reconheça as violações de direitos como problema a ser 104
dos exemplos de condicionantes não atendidas refere-se à não
da responsabilidade solidária por violações de direitos pode
No dia 23 de agosto de 2012, a Norte Energia foi obrigada a paralisar as obras em Altamira e em Vitória do Xingu, depois de receber o acórdão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região (TRF-1), que atendeu pedido do MPF do Pará e anulou o decreto legislativo 788/2005 e todas as licenças concedidas pelo Ibama para o empreendimento. O voto do relator Antonio Souza Prudente, acolhido por unanimidade pela 5ª Turma, afirmou: “Não podemos admitir um ato congressual no estado democrático de direito que seja um ato de ditadura, um ato autoritário, um ato que imponha Amigos da Terra Internacional
às comunidades indígenas um regime de força”. No entanto, apenas quatro dias depois, na noite do dia 27, ao analisar o pedido feito pela Advocacia Geral da União (AGU), que entrou com reclamação contra a decisão do TRF-1, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto,
O coquetel de poluentes emitidos pela TKCSA ainda não foi totalmente decifrado: "chuva de prata" que assusta a comunidade vizinha
concedeu uma liminar que permitiu a retomada das obras de Belo Monte. A decisão de Britto vale até
constatado e denunciado pelo Ministério Público do Rio de
que o STF analise e julgue o mérito da questão, em plenário. Mas
Janeiro em abril de 20121. De acordo com dados da própria
não há previsão para que isso aconteça.
empresa, a TKCSA também elevará em 76% as emissões
Já no caso da TKCSA, em que o Banco está comprometido
de CO2, o que significa mais de 12 vezes o total da emissão
com R$ 2,4 bilhões, equivalente a 30% do projeto, “são
de todo o município. Reforçando as críticas feitas pelos
alarmantes”, como informa neste estudo Marilda Teles, “os
moradores da região, a Fiocruz constatou um aumento de
níveis de poluição atmosférica com particulados provenientes
1.000%2 na concentração de ferro no ar da região (Relatório
de ferro e de emissões de CO2: a Companhia Siderúrgica
de Insustentabilidade da Vale 2012). Isso revela que a ‘CSA,
do Atlântico (TKCSA), uma joint venture da Vale com a
sozinha, produzirá 9,7 milhões de toneladas de dióxido de
ThyssenKrupp, ‘vem causando inúmeros impactos negativos
carbono (CO2)’, de acordo com informações do Departamento
na saúde, no meio ambiente e na renda de cerca de 8 mil
de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), em
famílias de pescadores artesanais e centenas de famílias
2010, ultrapassando em três ou quatro vezes o estipulado pela
residentes em Santa Cruz, no Rio de Janeiro’ (Campanha
Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo requerimento
Pare a TKCSA!, 2012). Segundo o Instituto de Geociências da
do MPRJ”.
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), esta companhia
Além disso, as atividades da pesca e a renda dos pescadores
causou um aumento de 600% na concentração média de
estão gravemente prejudicadas pela TKCSA, o que resultou em
ferro no ar na área de sua influência em relação ao período
seis processos judiciais (dos nove movidos contra a empresa) que
anterior ao início da pré-operação. Este crime ambiental foi
preveem indenizações para 5.763 pescadores da Baía de Sepetiba 105
(Virgínia Toledo, Rede Brasil Atual, 18 de abril de 2012). Os
2. Considerando as limitações já anunciadas pelos próprios
licenciamentos concedidos pelo Instituto Estadual do Ambiente
órgãos públicos em responder às exigências por transparência
(Inea) estão repletos de irregularidades, conforme denúncias do
estabelecidas pela Lei de Acesso e, particularmente, a resistência
Ministério Público Estadual (MPE). Até o momento a empresa
das empresas estatais, torna-se oportuna a publicidade desta
não obteve a licença de operação, por não conformidade com as
agenda de informações, tal como tem pleiteado a Plataforma
condicionantes estabelecidas nas licenças prévias e de instalação.
BNDES. Elas são condição para conhecermos e incidirmos
Vale acrescentar que, no caso da TKCSA, a ThyssenKrupp já manifestou o interesse de vender sua parte no empreendimento. Como principal credor da empresa, o BNDES precisa dar a sua
sobre o BNDES, de forma que, além de estatal, ele seja efetivamente público. Desta forma, recomendamos que as organizações que
anuência à venda. Caso haja alguma restrição por parte do
compõem a Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES
Banco, ele poderá sair do negócio, realizando o vencimento
e organizações aliadas, tracem uma estratégia conjunta para
antecipado do financiamento ou mesmo alterando os
assegurar, pelos meios cabíveis, o amplo acesso e a publicação
termos do contrato, no sentido de elevar as garantias. A
pelo Banco das seguintes informações:
venda da participação da ThyssenKrupp apresenta-se como uma oportunidade para que os movimentos de resistência,
2.1 - Sobre a carteira de projetos privados contratados pelo
envolvendo comunidades de pescadores, população local e
Banco, por meio de operações diretas e indiretas
a Fiocruz, exijam, por via legal, que o Banco revise o contrato
todos os projetos que dizem respeito a empréstimos que
reparação e eliminação dos passivos sociais e ambientais do
ainda não foram pagos pelos beneficiários, além dos
empreendimento pelo(s) futuro(s) comprador(es).
desembolsos futuros já aprovados;
Importante deixar claro que a recomendação em favor
b) para cada projeto, o Banco deverá informar – além das
de uma ação civil pública não tem a intenção de reduzir e
informações já constantes no “BNDES Transparente”: nome
limitar a luta política à arena judicial, como bem alerta Jadir
e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do cliente,
Brito, quando trata das tendências recentes à “judicialização
objetivo, data da contratação, unidade federativa e valor do
da política” e ao “ativismo jurídico”. Na verdade, trata-se
projeto – as seguintes informações: valor total do projeto;
exatamente do contrário. A via jurídica, aqui, busca servir de
localização do projeto, considerando como referência o(s)
instrumento de pressão pública a fim de constranger o Banco a
município(s); condições do financiamento (juros, carência,
reconhecer e assumir sua responsabilidade social e ambiental,
prazos e garantias); classificação de risco ambiental; impactos
tal como determina a Lei.
ambientais e sociais esperados (em conformidade com os
Trata-se da defesa intransigente da lei, garantindo que o direito
Anexos 6 e 7 do “Roteiro de Informações para a Consulta
privado não se sobreponha ao direito público, como vem ocorrendo
Prévia”); indicar a existência ou não de licenciamento
no caso do BNDES. Este “o que fazer” aponta para o reconhecimento
ambiental; em que etapa do processo de licenciamento
e a valorização do conflito social – da luta das populações atingidas
ambiental o empreendimento em questão se encontra
direta e indiretamente pelos megaprojetos de grandes grupos
(Licença Prévia, de Instalação ou Operação), nomes e
econômicos e do Banco – como gerador de sujeitos coletivos
contatos dos responsáveis no Banco pelo financiamento e de
capazes de fazer a defesa de seus direitos, não se submetendo à ação
representantes das empresas tomadoras dos empréstimos;
discricionária daqueles que se julgam acima da lei. 106
a) a totalidade da carteira de projetos privados, ou seja,
de financiamento no sentido de estabelecer garantias da
c) quando existir, informar relação de contrapartidas por
parte do tomador dos empréstimos; d) quando existir, informar financiamentos paralelos ao
para as operações diretas e indiretas no país; b) as iniciativas de captação e financiamento realizadas no
financiamento principal e que visem atender a dimensão
âmbito do BNDES Limited, em Londres, contemplando as
social do projeto (escolas, postos de saúde, etc.), observando
informações acima elencadas sobre as operações no país;
as mesmas informações solicitadas acima quanto ao financiamento principal.
c) os termos de todos os acordos firmados pelo Banco no âmbito do memorando de cooperação técnica assinado em 15 de abril de 2010 pelo BNDES e suas contrapartes na China,
2.2 - Sobre a governança do BNDES
Rússia, Índia e África do Sul.
a) “Relatórios de Análise”, que orientam a decisão da diretoria do Banco sobre a aprovação de projetos; b) agenda, pauta e decisões das reuniões de diretoria e do
3. Recomendamos que a Rede Brasil, em articulação com a Plataforma BNDES, por meio de gestão no Congresso brasileiro,
Conselho de Administração, com antecedência e amplitude
questione a legitimidade e mesmo legalidade do Empréstimo
suficientes para garantir o exercício do controle público;
Programático de Política para o Desenvolvimento em Gestão
c) mecanismos de avaliação, acompanhamento técnico e
Ambiental Sustentável Brasileira (SEM DPL, sigla em inglês) do
financeiro e fiscalização dos projetos contratados pelo Banco,
Banco Mundial, no valor de US$ 1,3 bilhão, em sua primeira
em observância à legislação brasileira, em especial, à legislação
fase – em que a política ambiental do Bird, braço do Grupo
ambiental;
Banco Mundial, serve de referência para o BNDES. O grau de
d) participação de funcionários e ex-funcionários do BNDES,
ingerência do Bird nos assuntos internos, por mais que haja
em atividade e aposentados, ao longo de toda a história do
uma coincidência de propósitos com a orientação do atual
Banco, em conselhos de administração de empresas e de
governo, atenta contra o Estado de direito, pois fere os institutos
associações de empresa em qualquer área ou com qualquer
constitucionais garantidores de direitos sociais e ambientais.
objetivo, informando o nome da pessoa e de qual conselho fez ou faz parte.
O questionamento ao referido empréstimo deve ser acompanhado da exigência de que o BNDES realize audiências públicas para discutir e detalhar sua política socioambiental.
2.3 - Sobre os fundos não reembolsáveis do Banco, Fundo
Tais audiências deverão prever a participação de representações
Social e Funtec (Fundo Tecnológico)
de órgãos públicos de licenciamento, de organizações civis, de
a) nome dos beneficiários, os objetivos do projeto apoiado e o valor liberado.
movimentos sociais e populações impactadas por megaprojetos. Caberia também à Rede Brasil retomar, neste contexto, a proposta de “Avaliação de Equidade Ambiental”, construída no âmbito da
2.4 - Sobre o BNDESPar a) a composição da carteira de ações do BNDESPar por empresa, indicando o valor aplicado e a participação percentual no capital total e votante das empresas.
Rede Brasileira de Justiça Ambiental, como forma de se contrapor ao processo de planejamento de projetos de desenvolvimento e à flexibilização da legislação e gestão ambiental no país. Em sintonia com esta estratégia, seria importante que a Rede Brasil pudesse seguir com os processos de formação/
2.5 - Sobre a atuação internacional do BNDES a) a totalidade dos projetos privados contratados fora do país, contemplando o conjunto das informações acima elencadas
capacitação nos territórios, a exemplo da oficina que realizou no Acre, em outubro de 2011, sobre o avanço dos mecanismos de estruturação do mercado de clima no contexto da chamada 107
megaprojetos com graves impactos ambientais, o Banco deveria cobrar e fiscalizar as empresas beneficiárias quanto à observância do que determina as condicionalidades indicadas nos licenciamentos e, no caso de passivos, prever sanções contratuais de vencimento antecipado ou abatimento do crédito, a fim de preservar o interesse público. Ou seja, trata-se da atuação do Banco de concorrer para o reconhecimento e fortalecimento do papel institucional do Ibama, bem como dos órgãos de fiscalização estaduais. Nos projetos financiados fora do país, o BNDES deverá seguir, como padrão Rio + Tóxico 2012
mínimo, o que determina a legislação
As irregularidades e ilegalidades marcam o histórico da TKCSA: não agiria assim na Alemanha
ambiental brasileira. Nos seus financiamentos, o Banco não deveria solicitar somente a autodeclaração do beneficiário de que não descumpre a legislação trabalhista referente à saúde
“economia verde”. A complexidade dos processos e mecanismos
do trabalhador. Deve solicitar informações junto aos órgãos
de financeirização da questão ambiental exige um grande
competentes do Ministério da Saúde, Previdência e do Trabalho
esforço de conhecimento, comunicação e disseminação pública.
e Emprego para poder melhor orientar sua avaliação dos projetos no setor. Ao financiar o setor do agronegócio, o Banco
4. Recomendamos, também, estender a atuação do TCU, de
deve buscar informações também junto à Agência Nacional
caráter preventivo e hoje limitada aos financiamentos da Copa do
de Vigilância Sanitária (Anvisa), para saber como e o quanto a
Mundo, para todos os grandes projetos financiados pelo BNDES.
produção de alimentos, particularmente os transgênicos, estão
Como ficou demonstrado neste caso, o Banco não possui
comprometidos pela introdução de elementos tóxicos na sua
capacidade de análise dos orçamentos, por isso se viu impelido a
produção – ainda mais, considerando que o Brasil é o país que
aceitar a orientação do órgão público competente. Cabe, pois, ao
mais consome agrotóxico no mundo.
Banco respeitar as orientações de outros órgãos do Estado, que atuam em defesa de direitos constitucionais, no direcionamento
Estado, no sentido do cumprimento do que determina a lei e o
de seus financiamentos.
direito, evitaria que o Banco atuasse contrário ao direito, como
Antes de financiar e patrocinar processos de fusão e aquisição, o Banco deve ouvir o Cade sobre os efeitos esperados destes processos sobre a concorrência e os preços. Ao financiar 108
Esta atuação concernente com as políticas de outros órgãos do
nos casos aqui assinalados demonstram. Em linha com esta proposta, recomenda-se, também, a criação de uma comissão independente do Banco, porém mantida com
recursos do BNDES, que analise a pertinência de a instituição
o que estabelece a LDO federal, desde 2007. Além disso,
aceitar o pedido de financiamento a projetos que encerrem riscos
recomenda-se que a Rede Brasil atue junto ao próprio BNDES
potenciais extremos aos territórios em que serão implantados.
no sentido de que as “cláusulas sociais” adotadas pelo Banco
Em caso de aceitação do financiamento, sugere-se, também, que
sejam acionadas em caso de abertura de processos judiciais, não
a comissão continue a trabalhar durante o desenvolvimento da
precisando que o processo alcance a última instância.
obra, observando o respeito a todas as condicionantes assumidas
Expostas as Considerações e Recomendações, resta-nos o
pelos titulares do projeto. Esta comissão, com poder vinculante,
debate e a ação que sirva ao bom combate em defesa do Estado
deveria ser composta de representantes das populações direta e
de direito, que parece não valer quando estão em jogo relações
indiretamente atingidas pelas obras, superintendentes do Banco
entre órgãos públicos e interesses de grandes grupos privados.
e de membros dos órgãos de controle do Estado. Exemplos de casos extremos são, mais uma vez, o da usina Belo Monte e o da siderúrgica TKCSA, que desde a fase de licenciamento ambiental demonstravam seu potencial de risco para o conjunto das populações e do ambiente físico das regiões em que foram implantadas. É também tarefa da universidade e das organizações civis colocar em debate os rumos do desenvolvimento brasileiro e
* Responsável pela organização desta publicação, João Roberto Lopes Pinto é Coordenador do Instituto Mais Democracia e desde a IX Assembleia Geral da Rede Brasil, realizada em agosto de 2012, é membro da Coordenação Nacional da Rede Brasil. 1 “Relatório dos atingidos pela Vale cita ‘insustentabilidade’ e critica ‘incoerente posição’ da mineradora”. Virginia Toledo/Rede Brasil Atual. Publicado em 18/4/2012. Disponível em: http:// www.redebrasilatual.com.br/temas/ambiente/2012/04/relatorio-dos-atingidos-pela-vale-denunciainsustentabilidade-e-critica-a-antagonica-posicao-da-mineradora. 2 Relatório da Fiocruz caso TKCSA 2011: “Avaliação dos impactos socioambientais e de saúde em Santa Cruz decorrentes da instalação e operação da empresa TKCSA”. 2011.
seus principais beneficiários. No caso das instituições públicas de ensino superior, há uma ampla agenda de pesquisa e extensão cuja ociosidade contrasta com sua urgência. Esta agenda precisa estar comprometida com a vida social, em conexão com movimentos sociais, não apenas aqueles com certo grau de institucionalização, mas também com as novas dinâmicas organizativas e de mobilização vinculadas a conflitos nos territórios e no mundo do trabalho. Cabe o desafio da academia de ir além dos indicadores de eficiência e proficiência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), conectando-se com as demandas e questões mais emergentes e urgentes da sociedade brasileira neste início de século. Quanto à questão dos recursos, vale lembrar que o Fundo Social do BNDES, não reembolsável, pode e deve contribuir com a produção acadêmica de avaliações, indicadores Verena Glass
e recomendações sobre os rumos do desenvolvimento brasileiro. Sobre a observância das questões relativas a raça e gênero, recomenda-se a atuação da Rede Brasil junto ao Congresso brasileiro no sentido de instar e constranger o Banco a responder
As ensecadeiras simbolizam o início da transformação do Rio Xingu: morte da vida
109
Efe
110
Contexto Internacional
A história se repete como farsa Diana Aguiar*
A
s crises econômico-financeira, social e ecológica se
privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns
inserem no contexto mais amplo de financeirização
como falsas soluções de mercado à crise, desvelando a face
da economia, processo intensificado desde os anos
social e ecológica desta crise sistêmica.
1980 com a crescente desregulamentação do setor financeiro,
Neste contexto de múltiplas crises econômico-financeira,
em particular o desmantelamento dos controles de atividades
social e ecológica, que papel têm assumido as Instituições
financeiras entre as economias nacionais e a abertura das contas
Financeiras Internacionais (IFIs) na arquitetura de “soluções”
de capitais . Neste processo de financeirização, a rentabilidade das
à crise sistêmica? Como se reconfiguraram desde 2008?
transações com dinheiro, riscos e produtos associados tornou-se
Fizeram mudanças significativas em seu modus operandi, sua
significativamente superior à rentabilidade da produção de riqueza
governança e em seu receituário neoliberal como resposta às
1
tangível na forma de bens e serviços . Isso implica um alargamento
crises? Como as crises têm afetado sua relação com os diversos
dos mercados financeiros em relação aos mercados de bens e
países, especialmente com os chamados “emergentes”? O que
serviços e um aumento exponencial de atividades especulativas
essas mudanças implicam para a política externa do Brasil, que
arriscadas, como as que levaram a um ciclo de crises financeiras
”se entende como país emergente”?
2
3
desde à da tequila em 1994 até o colapso financeiro de 2008. Desde 2008, a crise econômico-financeira já avançou em
Geopolítica internacional pós-2008
diversos sentidos. De, inicialmente, uma crise financeira no coração do capitalismo, esta se transmitiu a outras regiões e
Quase quatro anos depois do colapso financeiro, uma aparente
esferas através: da contração do crédito, dos investimentos
reconfiguração geopolítica parece estar em curso. Nunca ouvimos
e da demanda por bens e serviços, gerando desaceleração
falar tanto de China e as reuniões do G20 (grupo que reúne
do crescimento e recessão, com fortes impactos sociais; do
as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia)
aumento exponencial do endividamento público, gerando crises
parecem ter realmente suplantado as do G8 (grupo formado
de dívida soberana; da ditadura dos agentes financeiros sobre
pelos, então, sete países mais industrializados e desenvolvidos
os regimes políticos supostamente democráticos, traduzindo-se
economicamente do mundo – Estados Unidos, Japão, Alemanha,
em uma crise institucional e política de incapacidade e, acima de
Reino Unido, França, Itália e Canadá – mais a Rússia) em
tudo, desinteresse de restabelecer um pacto social que coloque
importância na governança econômica global. Mas o que isso
os mercados financeiros a serviço das necessidades de produção
representa em termos de mudanças reais na estrutura de poder?
e consumo sustentáveis dos povos; da intensificação da
Do ponto de vista da reconfiguração da correlação de forças 111
entre os países e considerando o fato de o G20, na Cúpula de
dívida estadunidense como o principal caso de “grande demais
Pittsburgh em setembro de 2009, ter se autointitulado o “principal
para falir” e como isso impõe uma situação de continuado
fórum para a cooperação econômica internacional”, representa
financiamento desta dívida através do sistema de reservas. Desta
um reconhecimento das economias avançadas da necessidade
forma, não se questiona o poder do dólar, mantendo intocado o
de que qualquer “reforma” da arquitetura financeira internacional
sistema monetário internacional de câmbio flexível pós-Bretton
deve incluir as economias emergentes na mesa de negociação,
Woods, que, na prática, força os países superavitários a manterem
em particular a China.
reservas em dólares para proteger suas moedas de possíveis
De fato, a China e, em menor escala, os demais BRICS
4
aumentaram seu poder de barganha no sistema, embora ainda
que poderiam ser investidos nos próprios países e que têm um
haja muito mais expectativa do que concretude neste aumento
custo financeiro alto, como explicado em seguida7.
de poder. A crise da zona do euro e o financiamento dos
A crise do euro pode ter passado da pauta do G8 para a
pacotes de resgate via injeção de recursos, também dos países
pauta do G20 em um claro reconhecimento da necessidade
emergentes, no Fundo Monetário Internacional (FMI) reforçam
potencial dos recursos dos emergentes para os programas de
a aparência de que os países BRICS representam os poderes em
resgate das dívidas públicas europeias. Porém, temas centrais
ascensão na governança global. No entanto, apesar da inegável
ficam de fora, como: a dívida pública dos Estados Unidos; a
força da China como motor da economia mundial, os demais
forma como a disputa partidária neste país coloca as reservas
BRICS não têm o mesmo papel, tampouco o grupo parece ter
dos países superavitários sob risco de desvalorização (fazendo
coerência de posições. Além disso, o fato de estes países deterem
que o congresso estadunidense detenha significativa parte
tantas reservas denominadas em títulos da dívida estadunidense
da governança de fato da economia mundial); a manutenção
sinaliza mais um cenário de codependência com o centro do
de instrumentos financeiros de alta capacidade especulativa,
sistema econômico do que uma possível ascensão de um novo
como o high frequency trading8, com pouca ou nenhuma
hegemon5 ou de um bloco histórico alternativo.
supervisão; e o contínuo poder das agências de avaliação
Neste sentido, os Estados Unidos (EUA) e a sua dívida
de risco9, apesar da sua contribuição para o surgimento e
pública e privada são o principal exemplo de “grande demais
a gravidade da crise de 2008, ao ter classificado de forma
para falir”. Esta expressão surgiu, a princípio, em referência às
sistemática títulos podres como sendo investment grade.
instituições financeiras que têm um peso sistêmico tão forte
Assim, a governança econômica e financeira que trouxe o
que, na iminência de quebra, os governos “deveriam” organizar
mundo à crise atual está longe de ser questionada10.
programas de salvamento de urgência para evitar que esta
Em relação à articulação regional dentro e fora do grupo
possível falência tivesse impactos devastadores sobre o sistema
dos 20, o governo brasileiro tem afirmado que o governo
financeiro, tal qual o caso do banco Lehman Brothers em 2008.
argentino tem sido parceiro nas negociações do G20. O tema
Atualmente, como resposta a essa prática, os países do G20
da especulação das commodities agrícolas, por exemplo, de
discutem os planos de falência das instituições financeiras
grande interesse para os dois países agroexportadores, tem sido
globais que consideram “sistemicamente importantes” para
uma das pautas de trabalho comum. Por outro lado, o governo
evitar a necessidade de futuros programas de salvamento
brasileiro também afirma que o Brasil e a Argentina têm feito
(realidade ainda distante, dado o anúncio recente do pacote
esforços dialogando com outros países da região sobre os
bilionário de resgate aos bancos espanhóis).
posicionamentos no grupo. Neste sentido, foram realizadas
6
No entanto, na pauta do G20, nada se menciona sobre a 112
ataques especulativos. Essas reservas são, no entanto, recursos
algumas rodadas de consultas sobre o tema, mas não de
forma sistemática. Além disto, é notável a lentidão com que os
sólidas. O fato de, apesar disto, perceberem que estavam sujeitos
processos de integração sul-americana têm sido conduzidos pela
a ataques especulativos, tanto quanto outros países, lhes levou a
política externa brasileira desde a crise de 2008 e a redinamização
questionar as políticas até então adotadas e o próprio Fundo.
do G20, sendo o Banco do Sul um dos casos mais evidentes . 11
Além da reconfiguração da relação de forças entre os
Outro ponto importante: estes países asiáticos que
diferentes países, a mudança fundamental está, provavelmente,
estavam sofrendo a crise financeira, na verdade, estavam
representada na repactuação da aliança entre o capital financeiro
dentro também de um processo de reconfiguração
e o poder político institucional em diversos níveis.
produtiva na Ásia que os conectava com a China e
O poder de influência do capital financeiro sobre a esfera da
com o Japão, países que tinham, no caso da China,
política institucional, chamado por Noam Chomsky de “senado
um nível de reservas crescentes – que não era tanto
virtual”, é instrumental neste processo.
quanto o atual, mas considerável –, e, no caso do Japão,
Ao contrário do que determina o senso comum, a ideologia
que tinha uma moeda conversível que dá razoável
neoliberal não implica mera redução do papel do Estado
tranquilidade nesta área financeira. Esta fragilidade
como regulador do mercado. De fato, o Estado e suas diversas
financeira acabava afetando esta configuração de uma
representações institucionais – como as IFIs em escala global
integração produtiva, ou de cadeias produtivas, que já
– têm sido fundamentais na criação e manutenção de marcos
acontecia no âmbito asiático. Neste momento, você
regulatórios permissivos e promotores da financeirização,
tem os primeiros tipos de medidas, como a iniciativa de
assim como da privatização e da comodificação de novos ativos
Chiang Mai, que acontecem dentro deste cenário. Aí,
financeiros . A crise sistêmica iniciada em 2008, em vez de frear
você já tem uma semente desta mudança estratégica da
este processo, tem consolidado tais mecanismos.
área de produção mundial do Atlântico para o Pacífico.
12
Neste contexto, a pergunta fundamental a se fazer, no caso de
Isso ajuda a entender esta resistência aos ditames do
um país como o Brasil, não é somente sobre o papel das IFIs na
Fundo, que refletem o consenso que existia entre a City
política econômica nacional. O foco passa a ser também sobre a
de Londres e Wall Street, os atores que ditam as regras do
estratégia geopolítica da política externa do “Brasil que se entende
FMI fundamentalmente. [...] Os países asiáticos passam
como país emergente” de aprofundamento da influência do país
a ter uma estratégia de uso coletivo de reservas, o que
na correlação de forças destas instituições.
implica que as reservas da China e do Japão sirvam para a proteção das menores, processo que culmina com a
As IFIs, o colapso financeiro de 2008 e a reconfiguração
iniciativa Chiang Mai14.
estratégica do Brasil Além disso, muitos países africanos e latino-americanos, A crise atual se insere em um contexto de sucessão de crises
que sofreram com os programas de ajuste estrutural atrelados
financeiras desde os anos 1990, quando surgem as crises
aos empréstimos do Fundo no passado, descreviam como
causadas pelos vários ataques especulativos , especialmente
“humilhante” a atuação dos agentes do FMI. Estes economistas,
as crises no sudeste asiático no fim da década, possibilitados
treinados dentro da ideologia neoliberal, impunham a política
pela forte desregulamentação dos fluxos financeiros. Até então,
econômica a ser adotada pelo país contraindo empréstimos sem
estes países asiáticos tinham sido elogiados pelo FMI por terem,
considerar a especificidade da realidade econômica, política e
de maneira geral, situações fiscais e de transações correntes
social de cada país em questão e sem espaço para a discussão de
13
113
políticas alternativas. O pacote de políticas econômicas exigidas como condicionante para os empréstimos incluía a liberalização
De qualquer forma, como o FMI depende de um alto volume
comercial e financeira, a privatização de serviços públicos
de empréstimos para obter o retorno necessário para a sua
essenciais, políticas de controle inflacionário com altas taxas de
solvência, a situação começou a se complicar. Assim, pouco
juros, entre outras. Este pacote de políticas, que ficou conhecido
antes dos encontros de primavera entre o Fundo e o Banco
corriqueiramente como o “Consenso de Washington”, acabou
Mundial, em abril de 2007, a situação era especialmente crítica. O
tendo consequências sociais e econômicas nefastas em países
FMI enfrentava uma crise de legitimidade e, como consequência,
como a Argentina, menina dos olhos deste receituário durante
até de solvência, com a iminência de declarar sua primeira perda
a década de 1990, e representava o instrumental da ideologia
em décadas: US$ 100 milhões somente no ano de 200718.
neoliberal dominante nas IFIs. Para fugir da imposição deste pacote nas políticas econômicas
No caso dos países africanos, a situação era – e continua sendo – bem mais crítica. Ao contrário das economias emergentes e
nacionais, os países asiáticos iniciaram uma estratégia de
dos países que podiam contar com arranjos regionais, como
acumular reservas como um seguro para diminuir sua
Chiang Mai na Ásia, os países de renda baixa – muitos dos
vulnerabilidade e evitar os impactos de futuras crises financeiras
quais africanos – não têm acesso aos mercados privados de
globais que pudessem significar a necessidade de novos
capitais. As IFIs acabam sendo a mais acessível ou a única fonte
empréstimos do FMI. O Fundo estava desacreditado em seu
de financiamento externo e a aprovação da política econômica
mandato de credor de última instância.
destes países pelo Fundo é condição necessária para que
Essa reconfiguração culmina com o fato de que dois de seus
recebam a Ajuda Oficial ao Desenvolvimento e até mesmo para
maiores devedores, Brasil e Argentina, resolvem quitar suas
receberem os investimentos privados19. Por esta razão, em abril
dívidas com o Fundo em dezembro de 2005, antes do prazo.
de 2008, antes do colapso financeiro, quando o montante de
Nestor Kirchner, então presidente argentino, declarou que isso
empréstimos do FMI era muito pequeno, eram os países de renda
representava uma emancipação das condicionantes sufocantes
baixa, especialmente os africanos, os poucos que continuavam
impostas pelo Fundo durante décadas. Sérvia, Indonésia, Uruguai
a receber empréstimos do Fundo, que se configurava como um
e Filipinas seguiram o exemplo e anunciaram que também
credor de países pobres com economias frágeis.
quitariam suas dívidas . 15
No entanto, o argumento de que o pagamento antecipado
Desta forma, antes do início do colapso financeiro em 2008, o FMI enfrentava a pior crise da sua história. Em abril
da dívida gera aumento da autonomia do país é controverso16.
de 2008, o FMI tinha empréstimos concedidos a serem pagos
Naquele momento, a Rede Brasil se posicionou afirmando
no montante de 9,843 bilhões de SDRs20 (o equivalente a
que a dívida era ilegítima – e, portanto, não deveria ser paga;
US$ 15,256 bilhões)21, muito pouco quando comparado aos
que, ao contrário de uma decisão de rejeição dos governos ao
70,469 milhões de SDRs (o equivalente a US$ 109,226 bilhões)
Fundo, o pagamento antecipado era, na verdade, uma resposta
concedidos em dezembro de 200222.
destes países a um processo alavancado pelo próprio Fundo
114
sujeito a suas políticas de supervisão e controle17.
A situação mudou no outono de 2008 em Wall Street. Depois
de incentivo à quitação de dívidas de grande volume; que o
do colapso financeiro, este valor subiu exponencialmente
Brasil trocou uma dívida de juros menores por outra, contraída
para 24,625 bilhões de SDRs (US$ 38,168 bilhões) já em abril de
posteriormente, com juros muito maiores no mercado; e que
2009 e para 98,136 bilhões de SDRs (US$ 152,110 bilhões) em
quitar a dívida não representava o fim da intervenção do FMI no
maio de 201223. Neste processo, por meio do G20, o FMI foi
país já que, ao permanecer integrando ao Fundo, o Brasil seguiria
consistentemente recapitalizado, apesar de ter consistentemente
promovido as políticas neoliberais de financeirização,
200226, quando Turquia (16,245 bilhões de SDRs), Brasil (15,319
liberalização e desregulamentação como panaceia para a
bilhões de SDRs), Argentina (10,547 bilhões de SDRs) e Indonésia
estabilidade econômica e o desenvolvimento.
(6,518 bilhões de SDRs), países hoje considerados “economias
Assim, quatro anos depois da quebra do banco estadunidense
emergentes”, somavam os maiores empréstimos em vigência do
Lehman Brothers, marco do colapso financeiro, a extensão com
Fundo, pode-se perceber uma mudança considerável no perfil
a qual o paradigma do capitalismo financeirizado neoliberal vem
dos devedores27.
sendo reinventado é assustadora e representativa da captura da
No caso do Banco Mundial e do Banco Interamericano de
política pelos interesses do capital financeiro. A reinvenção das
Desenvolvimento (BID), o processo de reconfiguração também
IFIs dentro dos marcos da hegemonia neoliberal é parte deste
tem antecedentes que precedem o colapso financeiro pelas
processo, como se verá mais adiante.
mesmas dificuldades que enfrentava o FMI de continuar fazendo empréstimos com o mesmo tipo de condicionantes de antes.
Mudam as aparências, permanece o conteúdo O Banco Mundial, já antes da crise, começou a mudar A reconfiguração geopolítica não representou uma mudança
a estratégia, passando a priorizar as negociações das
no paradigma dominante – e sim um aprofundamento
prioridades políticas com cada país, uma espécie de
dos marcos regulatórios que permitem e promovem este
orientação geral do país, e, dentro desta orientação geral,
paradigma – e, por outro lado, mudou a “classe” da relação
quais os projetos que interessavam àquele país, em
de algumas economias avançadas (especialmente dos países
vez de discutir programa por programa. Essa mudança
europeus mediterrâneos em crise da dívida soberana) e dos
acontece quando eles percebem a dificuldade de fazer os
chamados países emergentes com as IFIs. Os primeiros foram
empréstimos condicionados. Eles fazem, portanto, uma
obrigados a adotar políticas de austeridades. Em alguns casos
discussão mais política; claro que, na discussão política,
(Grécia, Irlanda, Portugal, Chipre), elas estavam atreladas aos
tentando também fazer um enquadramento28.
programas de salvamento da troika (como ficou conhecida a tríade formada por Comissão Europeia, FMI e Banco Central
O volume dos desembolsos do Banco Mundial em relação
Europeu) no mesmo modelo conhecido das condicionantes do
ao total de investimentos no país sempre foi pequeno. E no
FMI e, frequentemente, com o apoio da tecnocracia nacional,
período pré-crise estava reduzindo-se significativamente (de
determinada a defender os interesses do capital financeiro
US$ 2,163 bilhões, em 2006, para US$ 742 milhões, em 2008).
transnacional. Já os chamados países emergentes passaram a
Isso poderia justificar parcialmente o alinhamento do Banco
negociar a injeção de recursos no FMI e no Banco Mundial em
em seu documento Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-
troca de reformas na governança.
2011 com os enfoques do próprio governo brasileiro para o
Em maio de 2012, os maiores empréstimos em vigência com
desenvolvimento do país e com a demanda do governo Lula de
o Fundo eram para Grécia (18,940 bilhões de SDRs), Portugal
que o programa do Banco para o país mudasse para um perfil
(15,946 bilhões de SDRs), Irlanda (13,836 bilhões de SDRs),
de assistência técnica ao governo federal e direcionamento do
Romênia (10,569 bilhões de SDRs) e Ucrânia (8,500 bilhões de
volume de financiamento para estados, e, em menor escala,
SDRs) . Nenhum país sul-americano e quase nenhum do sul ou
para municípios (a estimativa, na época, era que 70% do volume
sudeste asiático (à exceção de Sri Lanka) tinham empréstimos
dos recursos do Banco se dirigiria aos governos subnacionais).
em vigência com o FMI. Se compararmos com dezembro de
Cabe observar que, em todos os casos, a União é garantidora e
24
25
115
qualquer empréstimo a um governo subnacional deve passar
direcionamento para a esfera subnacional causou uma pressão
pelo aval do Executivo e do Senado Federal. Em decorrência
mais direta em governadores e prefeitos no sentido de realizar
desta mudança, o Banco temia, em sua avaliação da mudança de
reformas liberalizantes. Em relação ao financiamento privado,
estratégia, a redução da relação com o governo federal. O risco
através da Corporação Financeira Internacional (IFC, sigla em
de redução do poder de pressão da organização estava realmente
inglês), o braço de financiamento privado do Grupo Banco
dado pela importância relativa reduzida dos recursos do Banco
Mundial, a principal mudança de diretriz para o período 2008-
para os programas de investimento da União29.
2011 se dá no sentido de direcionar os investimentos de empresas de grande porte para empresas de médio e pequeno porte32.
Neste sentido, por exemplo, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)30 possui mais de
No caso do BID, onde a disputa entre os Estados Unidos e os
dez vezes mais recursos para financiar projetos do que o Banco
países que estavam buscando alternativas na América do Sul
Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), braço
aparece de forma mais clara, isso se expressa na eleição em 2005
do Grupo Banco Mundial, e o BID juntos. Somando a isso os
do atual presidente do BID, o colombiano Luis Alberto Moreno,
créditos do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além
com o apoio dos Estados Unidos e contra a candidatura de João
dos recursos disponíveis para investimento da União, dos estados
Sayad promovida pelo Brasil.
e dos municípios, o montante destas IFIs é ínfimo em relação ao total disponível no país. No entanto, através da assessoria técnica
Isso já se dá neste contexto da disputa de fundo –
ao governo federal, o Bird e o BID encontraram o principal canal
por exemplo da própria ALCA [Área de Livre Comércio
para incentivar a desregulamentação e interferir nas políticas de
das Américas] – da reconfiguração da América Latina,
desenvolvimento do país .
especialmente da América do Sul. Mas também, no caso
31
do BID, há uma alteração deste processo de escolha
Do ponto de vista da crítica aos programas do Bird, o
dos projetos, que fica expressa no documento de país, dando mais ênfase a essa negociação política do que na discussão do projeto caso a caso33. No entanto, como dito anteriormente, não é consenso que essa mudança implique maior autonomia do país em relação ao BID e ao Bird já que, em seus documentos de estratégia para o país e em sua forte presença na assessoria técnica em diversos programas do governo (dos investimentos da Copa à política energética), estas IFIs ditam diretrizes de como implementar políticas no país34. José Cruz/Agência Brasil
Assim, apesar do baixo volume de investimentos no país, estas
O protesto contra as instituições financeiras estava na agenda da sociedade civil brasileira na década de 1990: hora de retomar
116
IFIs têm forte influência, pois “são geradoras de conhecimentos que, apropriadas pelas classes dirigentes do país, passam a orientar a agenda de debates nacional”; “são formadoras da tecnoburocracia que comanda postos-chave da administração pública, particularmente a área econômica”; e “têm grande influência na determinação de políticas e projetos considerados
relevantes ao país, a partir dos serviços de assessoria
Mundial. Lógico, nós só entramos lá como pedintes. Nós temos
disponibilizadas por eles”35.
que colocar a nossa fatia para podermos exigir. Nós temos que
No caso do FMI, a estratégia do Brasil também se modificou
entender que, embora tenha problemas, o Brasil tem condições de
ao longo da década e não só pós-2008, com basicamente dois
ajudar os países mais pobres”. Desta forma, o governo afirmava a
momentos de marco neste processo. O primeiro momento,
nova estratégia em relação ao Fundo, além de buscar se qualificar
em 2005, já mencionado, foi quando o país antecipou o
como “jogador global no sistema” (global player). O Brasil passa
pagamento do empréstimo com o Fundo, passando a não estar
a seguir, de forma mais clara, as regras que as economias
submetido da mesma forma às inspeções deste, já que, embora
hegemônicas determinam para a governança do sistema,
o Fundo continue a fazer relatórios anuais representativos e
deixando de ser uma voz crítica em potencial. Mais importante
determinantes na avaliação dos investidores sobre a situação
ainda para o antigo G7 é a inclusão da China neste jogo, país que
econômica do país, ao não ser mais devedor, o país adquire certa
já detinha importância financeira sistêmica substantiva.
margem de questionamento da avaliação do Fundo.
No entanto, esta reconfiguração estratégica do Brasil em relação às IFIs, e em especial ao FMI, não está calcada em uma
Ali você tem uma primeira mudança importante
homogeneidade interna. As correlações de forças na economia
que permite que o Brasil, especialmente a partir de
política nacional neste período, desde 2008, representam ao
2006, discuta, por exemplo, a questão do cálculo do
menos três perspectivas diferentes sobre a estratégia do país em
superávit primário e de se os investimentos públicos em
relação às IFIs, o que também permite às IFIs jogar com essas
infraestrutura deveriam entrar ou não neste cálculo. Isso
diferenças na política interna37.
abre uma certa margem, que é um aumento do grau de
Por um lado, existe uma posição de establishment, do setor
liberdade do Brasil em relação a estas instituições, na
mais ligado ao mercado financeiro no Brasil, representado,
medida em que ele não era mais sujeito a um programa
por exemplo, por grande parte do Banco Central (BC) e pela
de ajuste. Neste período, permanentemente, o nível de
Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Estes atores são
reservas vai evoluindo e, à medida que isso acontece, o
extremamente simpáticos às IFIs e acreditam, de maneira
país pode ir “falando mais grosso” .
geral, que o Brasil deve procurar ser um país liberalizado, mas
36
com instituições reguladoras e supervisoras que garantam o O segundo momento de reconfiguração da estratégia do Brasil com o Fundo foi, justamente, no pós-2008. Por um lado, o país
funcionamento do sistema financeiro com menos riscos38. Outro campo da política interna tem uma perspectiva
passa a se articular com os demais BRICS no questionamento
intermediária, representada amplamente pelo Ministério da
da governança do Fundo e sobre a necessidade de reformar
Fazenda e pelo BNDES. Estes atores defendem que o Brasil
o sistema de cotas. Por outro lado, ao escolher fazer a disputa
deve se mover com autonomia, não se subordinando às IFIs e
interna, o país abre mão de questionar estas IFIs de forma mais
garantindo um grau maior de liberdade para a ação, mas também
estrutural. Isso se expressa fortemente na pergunta do então
sem buscar conflitos ou transformá-las profundamente. Este
presidente Lula a jornalistas em uma coletiva de imprensa sobre
campo reconhece como boa a existência destas IFIs para o Brasil,
a Cúpula do G20, em Londres, em abril de 2009: “Você não acha
já que o sistema financeiro do país está se internacionalizando
muito chique o Brasil emprestar dinheiro para o FMI?”.
e seria, portanto, positivo para os investidores brasileiros no
Nesta mesma ocasião Lula afirmou: “Depois a gente se queixa de que os países ricos querem mandar no FMI e no Banco
cenário internacional que as regras de garantia de investimento existam também para estes39. 117
Por fim, um campo mais crítico, representado por Paulo
passou a fazer parte do grupo central. Antes era o G7,
Nogueira Batista (diretor executivo do Brasil no FMI) e Nelson
do qual fazem parte apenas países desenvolvidos, que
Barbosa (secretário executivo do Ministério da Fazenda), vai
servia como o principal foro de cooperação para assuntos
no sentido da reforma destas instituições. Embora apenas
econômicos internacionais. Para o Fundo essa mudança
recentemente, a partir do G20 presidencial, as IFIs tenham
também foi positiva. Com a crise, o G20 assumiu um
entrado na pauta do Itamaraty, algumas das lideranças deste
papel de coordenação e, na prática, o FMI se tornou uma
ministério também têm posições críticas em relação a estas
espécie de braço direito, de secretariado do G2040.
instituições. Vale salientar que estas lideranças se ressentem de que este é um dos ambientes do setor externo em que não
Assim, de forma geral, uma linha comum entre as diversas
representam o governo brasileiro – o Ministério da Fazenda e o
perspectivas internas em relação às IFIs, e em especial ao Fundo,
BC representam o país no FMI e o Ministério do Planejamento no
é justamente a defesa de que o Brasil siga uma estratégia de
Banco Mundial e no BID. A visão crítica do Itamaraty em relação
engajamento com estas IFIs, embora o nível de autonomia e
às IFIs era, possivelmente, mais forte quando Celso Amorim e
a agenda deste engajamento variem desde uma defesa dos
Samuel Pinheiro Guimarães estavam no Ministério das Relações
interesses do mercado financeiro nacional a uma visão nacional-
Exteriores do que na gestão do Ministro Antonio Patriota.
desenvolvimentista calcada em uma política externa de “Brasil
Em entrevista concedida ao Instituto de Pesquisa Econômica
que se entende como país emergente”.
Aplicada (Ipea) em 2011, Paulo Nogueira deixa clara uma leitura positiva da ascensão do G20, de modo a estabelecer papel
Os programas de resgate econômico pós-2008
renovado para o Brasil e para o FMI, além de defender que tem havido mudanças graduais na imagem do Fundo:
A reconfiguração geopolítica pós-2008 determinou, portanto, não só uma mudança na relação com as IFIs, como também se
O FMI foi criado por europeus e americanos e, até
118
refletiu na autonomia relativa de cada país na determinação de
hoje, é dominado por eles. Isso só começa a mudar nos
seus programas de aquecimento da economia. Assim, as políticas
últimos anos, por vários motivos: por causa da crise,
de recuperação econômicas pós-2008 não foram homogêneas.
que abalou muito as potências tradicionais, por causa da
Os países que dependeram de empréstimos externos – das IFIs
atuação conjunta dos BRICS e por causa do crescimento
ou de outros países – para a execução de seus programas de
dos países de economia emergente, entre outros fatores.
recuperação econômica, como o caso emblemático da Grécia,
É um processo que está em andamento e que está
sofreram a imposição de políticas de austeridade fiscal como
levando a uma mudança da governança global. Uma
condicionante para os empréstimos.
parte importante disso foi a ascensão do G20 à condição
O resultado disto tem sido o aprofundamento da recessão e a
de principal foro econômico internacional. Outro aspecto
deterioração das condições de vida, um processo que a América
é a reforma do Fundo, que está em andamento, com
Latina conheceu bem através dos programas de ajuste estrutural
uma primeira etapa negociada em 2008 e outra agora
do FMI e do Banco Mundial na década de 1990. Diversos
em 2010. O ritmo das mudanças se acelerou com a crise.
estudos41 mostram que os programas atuais do Fundo pouco
À medida que os países perceberem que as mudanças
mudaram em termos do seu receituário neoliberal42, exigindo,
estão ocorrendo, a confiança no Fundo aumentará. [A
em larga medida, como condicionantes para os empréstimos: a
ascensão do G20] foi positiva para o Brasil, porque ele
não intervenção no câmbio e no fluxo de capitais, política fiscal
restritiva reduzindo gastos públicos e privatizações. A existência de um fundo ao qual os Estados-membros possam
alternativa ao FMI e a seus condicionantes de empréstimos. No entanto, estas iniciativas (no caso do Fundo do Sul ainda
recorrer em caso de déficits de conta corrente é necessária, mas
uma proposta do governo do Equador), embora representem
insuficiente para a transformação da arquitetura monetária atual,
um avanço no sentido de afastamento das políticas do Fundo,
que está baseada na dominação de uma única moeda, o dólar.
perpetuam dois problemas fundamentais da atual arquitetura
Esta situação gera distorções permanentes.
monetária baseada no sistema de reservas: estes fundos regionais
Por um lado, os déficits estruturais de alguns países geram
continuam sendo denominados em dólar e estas reservas
desequilíbrio estrutural no sistema, enquanto outros acumulam
continuam sendo aplicadas no exterior em detrimento de serem
superávits recorrentes. Os países que emitem moedas de
utilizadas em políticas públicas necessárias para estes países.
reserva no sistema, como Estados Unidos, Reino Unido, União
Assim, ao contrário dos países que foram obrigados a adotar
Europeia e Japão, podem adotar políticas de alívio quantitativo
políticas pró-cíclicas (cortes de gastos, juros altos para conter
(quantitative easing ou emissão de moeda) para estimular suas
inflação, etc.) pelo FMI, os países que, por acúmulo de reservas
economias como estratégia de aumentar a competitividade da
ou por emitir moeda sistemicamente importante, tiveram relativa
sua economia, o que acarreta excesso de liquidez no sistema e
autonomia no desenho de seus programas de recuperação
desvalorização cambiária artificial de suas moedas.
econômica adotaram, de forma diversificada: políticas de alívio
Os países superavitários e que não emitem moedas de reserva
quantitativo para estimular sua economia e provocar uma
(por exemplo, China, Brasil e Índia) encontram-se na situação
desvalorização cambiária (tornando assim suas exportações mais
de acúmulo excessivo de reservas para absorver a entrada de
competitivas), controles de capitais (como o Brasil na tributação
capitais causada em parte pelas políticas de alívio quantitativo das
unilateral das transações financeiras através do IOF44), políticas
economias deficitárias. Na prática, estes países que acumulam
fiscais contracíclicas (incentivando o consumo através de isenções
reservas estão fazendo uma transferência de recursos a taxas
de impostos direcionadas a setores específicos e aumentando o
de juros próximas a zero (a taxa de juros dos títulos da dívida
gasto público para aquecer a economia), entre outras.
estadunidense), para os países que emitem moedas de reserva, especialmente os Estados Unidos . 43
Por outro lado, os países em déficit que não emitem moedas
Estes países tiveram uma recuperação inicial com essas medidas já em 2010, embora a ameaça do colapso financeiro grego e de outros países mediterrâneos europeus, além da
de reserva se veem obrigados a recorrer ao FMI para obter fundos
desaceleração da economia chinesa, continue causando
para cobrir seus déficits. E, como detalhado mais adiante, estes
apreensão. No caso do Brasil, a recuperação naquele momento se
empréstimos estão atrelados a condicionantes inerentes a um
deveu à adoção de uma série de medidas, como: o aumento do
paradigma neoliberal que só aprofunda a recessão e as condições
valor real do salário mínimo ao longo da década e, consequente,
iniciais dos desequilíbrios. Portanto, apesar da necessidade de
o aumento da demanda agregada interna, os pacotes de isenção
um fundo multilateral para empréstimos de última instância,
tributária em setores específicos para estimular o consumo e
o modelo vigente está tão falido que somente uma mudança
o aumento do crédito pelos bancos públicos. O aumento do
estrutural poderia justificar a continuidade de uma arquitetura
IOF também colocou o Brasil como um dos países que mais
monetária que conte com este tipo de fundo multilateral.
ativamente gerenciam o fluxo de capitais (apesar de especialistas
A iniciativa Chiang Mai, na Ásia, e a proposta do Fundo do
apontarem que a mera tributação não é suficiente para conter
Sul, na América do Sul, são tentativas de organizar fundos
o fluxo, sendo necessárias políticas de quarentena, ou seja,
multilaterais regionalmente, avançando na integração financeira
depósito compulsório de uma porcentagem do capital que entra 119
por um período predeterminado45).
amplamente excluída no modelo de desenvolvimento vigente.
No entanto, o atraso em mudar a política de juros altos tem tido um custo muito grande para o endividamento público. O IOF
O Estado a serviço das elites financeiras transnacionais
não tem sido suficiente para conter a entrada de capitais e o país continuou absorvendo o excesso através da compra por emissão
Há anos, um banco fornece à administração dos
de títulos da dívida pública, ainda com uma das maiores taxas de
Estados Unidos seus mais influentes funcionários,
juros reais do mundo, mesmo com a política do governo de se
encarregados principalmente da liberalização dos
aproveitar da crise global para reduzir os juros, implementada a
mercados financeiros. Ele aconselha os governos
partir de agosto de 2011.
endividados (como a Grécia, a quem ajuda a maquiar
Assim, a euforia vigente com a quantidade de reservas que
as contas), mas também seus credores. Seus dirigentes
o país detém, qualificando-se assim como “país emergente”
precipitaram a crise dos subprimes ao inundar seus
no sistema, não dá conta do fator de endividamento público
investidores com títulos “podres”; depois, garantiram
interno crescente inerente ao sistema de reservas nacional e dos
lucros fecundos ao apostar em sua baixa. Esse banco
impactos disto no serviço da dívida sobre o orçamento anual da
tem um nome – Goldman Sachs – e um endereço – 200
União. A política de diminuição dos juros é um passo positivo
West Street, em Nova York46.
no sentido de desafiar os lucros estratosféricos do oligopólio bancário brasileiro, mas ainda absolutamente insuficiente diante
ditames de financiadores externos – no caso especialmente
de desconcentração do mercado financeiro nacional, de revisão
das economias ditas avançadas, nas quais os mercados
do sistema de reservas (recursos que poderiam estar sendo
financeiros nacionais estavam altamente comprometidos
usados para políticas sociais necessárias ao país), entre outros.
pelos ativos tóxicos que vieram à tona com o estouro de bolhas
Além destes problemas, a obsolescência da infraestrutura
especulativas em 2008 –, as perdas privadas dos mercados
nacional, o parco investimento em ciência e tecnologia, o
financeiros foram socializadas, ou seja, assumidas amplamente
risco de reprimarização da pauta exportadora e os riscos
pelos cofres públicos através da compra de ativos financeiros
de desindustrialização da economia, os investimentos na
tóxicos (sem real valor de mercado) e de políticas de injeção
indústria extrativista depredadora e intensiva em energia e os
de liquidez na economia. O pacote de resgate estadunidense
megaprojetos com seus nefastos impactos sociais e ambientais,
(Troubled Asset Relief Program – Tarp, mais conhecido como
etc. são elementos centrais de um modelo de desenvolvimento
bail-out program), aprovado em outubro de 2008, implicou
falido, mas no qual se segue insistindo.
US$ 415 bilhões emprestados ou utilizados na compra de ativos
Assim, enquanto a estratégia geopolítica da política externa do
financeiros de alguns bancos, da seguradora AIG e da indústria
“Brasil que se entende como país emergente” estiver baseada nestes
automobilística47. Alguns dos escândalos associados envolveram
pilares, o país somente se qualifica para continuar financiando
a descoberta posterior de que estes bancos estavam dando bônus
o endividamento das economias avançadas, a manutenção do
milionários para seus executivos no fim do mesmo ano em que
paradigma neoliberal nas IFIs e a continuidade da sua posição
os recursos públicos tinham sido repassados48.
de exportador de produtos primários na divisão internacional
120
Mesmo quando havia relativa autonomia em relação aos
do tamanho do problema: a necessidade de auditoria da dívida,
A Espanha anunciou, em junho de 2012, um programa de
do trabalho, através da espoliação de suas riquezas naturais em
recapitalização dos bancos do país de até 100 bilhões de euros49.
detrimento das condições de vida da população, que segue
Os recursos virão do Mecanismo Europeu de Estabilidade
Amigos da Terra Internacional
a desregulamentação financeira continua amplamente praticada, os programas de austeridade fiscal marcam a tônica dos programas de recuperação econômica de uma Europa em recessão e com graves crises de dívidas soberanas e as IFIs passaram de moribundas a fortalecidas e recapitalizadas. Imediatamente após o colapso do Lehman Brothers, as lideranças políticas mundiais criticaram duramente a irresponsabilidade do setor financeiro e prometeram tomar medidas duras para responsabilizá-lo e evitar uma repetição deste comportamento. Mas esta determinação não durou muito e tudo voltou como era antes com alguns ajustes. A reconfiguração das IFIs pós-2008 A rapidez com que os ideólogos do sistema que trouxe o mundo à atual crise se reinventaram é assustadora. Por um lado, Financeira, que não exigirá condicionantes macroeconômicas da
corporações financeiras privadas, como as agências de avaliação
Espanha50. Considerando-se o tamanho da economia espanhola
de risco que antes do colapso financeiro recomendavam o
em comparação com a estadunidense, o programa espanhol
investimento nos ativos que mais tarde se mostraram “tóxicos”,
é ainda mais crítico. Estas transferências de recursos públicos
não perderam sua credibilidade. Ao contrário, seguem avaliando
para os bancos e outras corporações financeiras privadas estão
o risco não só de ativos financeiros privados como dos títulos
premiando diretamente os agentes financeiros que criaram as
de dívida pública dos países – uma boa parte dos quais foram
bolhas especulativas.
emitidos para financiar a recuperação econômica e salvar os
De fato, algumas falências à parte, as elites financeiras
mercados financeiros. Para estas agências de avaliação de
transnacionais conseguiram fazer que os trabalhadores
risco, ironicamente “detentoras do bom julgamento” sobre
pagassem a conta da crise causada pelos comportamentos de
o comportamento financeiro de risco, os Estados que foram
alto risco que lhes geraram lucros estratosféricos – estes sempre
chamados a recapitalizar os bancos e as IFIs tornaram-se os vilões
protegidos pela santidade da propriedade privada. Através da
dos excessos financeiros, representados nas dívidas soberanas em
opacidade de modelos matemáticos complexos, estas elites
crise (especialmente nos países periféricos da zona do euro).
financeiras conseguiram em larga medida disfarçar os fatos mais
As demais corporações financeiras continuam em seu
simples. Como o de que, cotidianamente, estas elites atuam em
comportamento especulativo, apostando no cassino financeiro,
um verdadeiro cassino financeiro, apostando a rentabilidade da
quase nada rerregulado desde 2008. Apesar de iniciativas
riqueza produzida pelo trabalho de bilhões de trabalhadores e
unilaterais, como a lei Dodd-Frank, nos Estados Unidos
trabalhadoras ao redor do mundo.
(que encontrou grande resistência e dificuldade para a sua
Seria de se esperar que esta trama macabra fosse alvo
implementação), nenhuma iniciativa multilateral coordenada de
de críticas generalizadas no sentido de revisão das atuais
peso no sentido de uma maior regulação foi implementada pelas
práticas. No entanto, quatro anos depois do início do colapso,
IFIs. Pelo contrário, as IFIs têm sido instrumentais na manutenção 121
e aprofundamento de marcos regulatórios que permitem ou
existem dados consolidados para depois deste período, mas com
promovem a continuidade da desregulamentação financeira.
a aprovação na última reunião do G20 em Los Cabos, México,
A reconfiguração das IFIs não se restringiu à recapitalização do FMI. Como dito anteriormente, em um contexto de crise de acumulação, as IFIs se fortaleceram como instrumento
em junho de 2012, de recursos adicionais esse montante será seguramente ainda maior. Esta recapitalização do FMI, no entanto, não representou
de garantia da infraestrutura econômico-financeira para a
mudanças significativas nas condicionantes dos empréstimos,
privatização, a comodificação e a financeirização necessárias às
apesar das críticas. Historicamente, o Fundo aplica dois tipos
elites financeiras transnacionais.
de condicionantes para seus empréstimos: condicionantes
Assim, desde o colapso financeiro de 2008, algumas mudanças fundamentais na configuração das IFIs incluíram:
quantitativas e estruturais. As condicionantes quantitativas são um conjunto de metas macroeconômicas que determinam, por exemplo, os níveis de déficit fiscal aceitáveis. Não alcançar
1. A recapitalização do FMI e de outras IFIs com aumento
estas metas pode significar que novas parcelas do empréstimo
da capacidade de crédito, dentro dos mesmos moldes de
sejam canceladas. As condicionantes estruturais são reformas
condicionantes de empréstimos:
institucionais e legislativas, por exemplo, a liberalização
Como afirmado anteriormente, desde o colapso financeiro de 2008, o FMI, que estava naquele momento quase sem
Segundo um estudo da Third World Network (TWN)57, ao menos
empréstimos concedidos, saiu fortalecido com o aumento de
um tipo de condicionante estrutural foi aparentemente eliminado
crédito disponível e empréstimos bilionários para os países
nos empréstimos desde o colapso financeiro de 2008: o critério de
europeus periféricos.
performance estrutural. Só que o estudo aponta que esta aparente
Sucessivas Cúpulas do G20, desde o início da crise, aprovaram
eliminação se traduz em aumento dos precondicionantes, aqueles
a duplicação dos SDRs e diversos países concederam crédito
anteriores à concessão dos empréstimos. Além disto, o Fundo
ao Fundo através de arranjos bilaterais que não implicam
aumentou os níveis de déficit fiscal permitidos, mas como medida
aumento das cotas, sendo o mais importante deles os NABs (New
temporária, e, na prática, a falta de recursos deteve estes países de
Arrangements to Borrow). As linhas de crédito através de NABs
aumentarem o gasto público. Analisando diversos empréstimos
e GABs (General Arrangements to Borrow) aumentaram de US$
concedidos desde 2008, o estudo conclui que o objetivo continua
55 bilhões, em abril de 2008, para US$ 573 bilhões, em abril de
sendo assegurar o pagamento das dívidas soberanas por meio da
2012 . Através deste novo mecanismo (NAB) se dá a maior parte
“estabilidade macroeconômica” através de “políticas monetárias
da recapitalização do Fundo, com a Cúpula do G20 de Londres
e fiscais restritivas”, que é justamente o contrário das medidas
anunciando, já em abril de 2009, aumentar o montante deste
adotadas pelos países que tiveram recursos próprios para
mecanismo em US$ 500 bilhões, o que triplicou o crédito total
financiar seus programas de resgate da economia. No caso do
disponível (de GABs e outras fontes) naquele momento53. Os
Banco Mundial, o primeiro incremento no volume de capital da
NABs tornam-se também uma forma de garantir o aporte dos
instituição em 20 anos aconteceu depois do colapso financeiro, na
países emergentes.
reunião de primavera entre este Banco e o FMI, em abril de 2010. O
51
52
122
financeira e comercial e privatizações56.
A quantidade total de recursos do Fundo contando SDRs,
aumento de capital no Bird foi de US$ 86,2 bilhões e na IFC foi de
moeda dos Estados-membros, reservas em ouro e fundos de
US$ 200 milhões. Este incremento de capital foi acompanhado
NABs, entre outros ativos, aumentou de US$ 364 bilhões, em
de mudanças na governança da instituição, como se detalhará
abril de 2008,55 para US$ 845,4 bilhões, em abril de 2012. Não
mais adiante58.
O BID também teve incremento de capital acordado em sua última reunião de Conselho, em julho de 2010, em um total de
cotas e no poder de voto. A China vai praticamente duplicar o seu poder de voto,
US$ 70 bilhões de dólares, o maior da história da instituição.
passando a 6.071, o segundo maior, somente atrás dos Estados
Este incremento entrou em efeito em fevereiro de 2012 e deve
Unidos, que terá 16.479 depois da reforma. Os EUA continuam
ser completamente implementado até 201559. Considerando-
com o poder de veto de fato, dado que as alterações estatutárias
se o papel destas instituições no país, que, como afirmado
requerem 85% dos votos. Com a reforma de 2010 implementada,
anteriormente, hoje se dá mais pela via da assessoria técnica e
o Brasil terá o seu poder de voto aumentado de 1.714 para 2.218, já
influência política do que via condicionantes de empréstimos,
os BRICS, em conjunto, terão o seu poder de voto aumentado de
estes incrementos históricos de capital são representativos de
11.013 para 14.139 (a China representa quase metade desse valor)61.
seu reforço pós-2008, mas também do fortalecimento de sua
Considerando-se a manutenção das condicionantes
capacidade de influência no modelo de desenvolvimento em
neoliberais nos programas do Fundo, o Brasil está utilizando
curso no Brasil.
recursos públicos62 para injetar fundos em um FMI que não revê em nada seu modus operandi ou receituário. A pretensa
2. A falsa ampliação da governança e o fortalecimento de
aliança entre o Brasil e os demais BRICS – que se sustenta sobre
institucionalidades:
interesses comuns altamente questionáveis – poderia dar maior
A demanda pela reforma da governança do FMI é antiga e precede o colapso financeiro de 2008. Mas, com a crise, os países emergentes ganharam um novo instrumento de barganha no
poder de barganha aos emergentes, mas há dúvidas com relação ao interesse real do governo da China em reforçar esta aliança. Há também um acordo vigente de revisar a fórmula de
sentido da consecução desta reforma: a promessa de injetar
determinação das cotas até janeiro de 2013 e implementar uma
novos recursos no Fundo.
nova reforma das cotas até janeiro de 2014 para “melhor refletir
Ainda antes do colapso financeiro, em março de 2008, uma
os pesos relativos dos membros do FMI na economia mundial,
reforma parcial das cotas foi aprovada, mas só entrou em vigor
que mudaram substancialmente em razão do forte crescimento
em março de 2011, três anos depois. A mudança nas cotas
do PIB nos mercados emergentes dinâmicos”63 (tradução da
ou no poder de voto foi muito pequena e os Estados Unidos
autora). Há um reconhecimento crescente da importância das
mantiveram seu poder de veto de fato, com um poder de voto
economias emergentes e da necessidade de que a governança
de 16.727 após a reforma de 2008�, uma vez que alterações
do Fundo reflita as reconfigurações geopolíticas pós-2008.
estatutárias exigem 85% dos votos.
No entanto, é muito pouco provável que estas mudanças
Uma nova reforma foi aprovada em novembro de 2010, mas
incluam outra nova moeda que não o Renminbi chinês na
ainda não entrou em vigor. Na última Cúpula do G20, no México,
cesta de composição dos SDRs ou como moeda de reserva
a nova injeção de recursos no FMI anunciada – em valor superior
internacional. Sem este aumento de status para o Real, por
a US$ 450 bilhões na forma de empréstimos bilaterais que não
exemplo, e em uma arquitetura monetária baseada em um
implicam diretamente aumento de SDRs ou cotas – teve como
sistema de reservas falido, o poder de barganha do Brasil
condição de barganha a implementação da reforma das cotas
permanece bastante reduzido. E, para piorar, o Brasil tem adotado
aprovada em 2010, a ser realizada na reunião anual do FMI e do
uma estratégia de política externa de quem está “feliz por fazer
Banco Mundial no segundo semestre de 2012. Esta reforma será
parte do clube”, mesmo que isto implique apoiar uma arquitetura
mais significativa, pois duplica o montante dos SDRs para US$
financeira assimétrica e baseada em pilares neoliberais. Desta
732 bilhões, mas implica uma reconfiguração ainda pequena nas
forma, os países da região e do Sul Global correm o risco de 123
perder uma voz de potencial liderança crítica no sistema
controle interno dos bancos e da disciplina imposta pelo poder
multilateral mais amplo.
crescente dos investidores e das agências de avaliação de
O Banco Mundial levou a cabo uma reforma das cotas em 2010.
risco66. Basileia III mantém uma falha fundamental dos acordos
Mas seus resultados são reduzidos. Países de renda alta detêm
anteriores: regula os bancos de depósito e não o sistema
60% do poder de voto, países de renda média – incluindo Índia,
bancário paralelo (shadow banking system)67, onde circulam
China e Brasil – detêm um terço e países de renda baixa detêm
os derivativos e as operações do mercado de balcão (over the
apenas 6% dos votos64. Além disso, apesar das crescentes críticas,
counter), justamente os instrumentos financeiros que causaram
a prática feudal de apontar um presidente estadunidense no
o colapso financeiro de 2008. Para piorar, as normas de Basileia
Banco e um presidente europeu ao FMI tem se mantido.
III só serão aplicadas a partir de 2018, período durante o qual
Além do FMI e do Banco Mundial, outros organismos financeiros internacionais menos conhecidos tiveram suas governanças ampliadas: A) O Comitê de Basileia para Supervisão Bancária (Basel
novas crises podem ocorrer. B) O Fórum de Estabilidade Financeira (Financial Stability Forum – FSF) foi criado em 1999, devido à crise asiática, para discutir mecanismos de estabilidade financeira. Tinha sua
Committee on Banking Supervision – BCBS) foi criado em
governança formada por um fórum tripartite que contava com
1974 para a coordenação da supervisão do setor bancário,
o Ministério das Finanças, o Banco Central e uma agência
originalmente formado por 13 países-membros: Estados Unidos,
reguladora nacional dos países do G7 e um representante de
Reino Unido, Itália, Canadá, França, Luxemburgo, Holanda, Suíça,
outros cinco centros financeiros importantes: Cingapura, Suíça,
Alemanha, Bélgica, Japão, Suécia e Espanha65 (basicamente
Holanda, Austrália e Hong Kong, além da representação de IFIs
o G7 e algumas economias importantes). Nenhum país em
(dois do Banco Mundial, dois do FMI, um da Organização para a
desenvolvimento era membro do Comitê. Logo após o colapso
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE – e um do
financeiro, em sua reunião de março de 2009, o Comitê passou
Banco de Compensações Internacionais – BIS, sigla em inglês
a incluir como membros: Austrália, Brasil, China, Índia, Coreia
para Bank of International Settlements). Na Cúpula do G20 em
do Sul, México e Rússia. Em junho de 2009, o Comitê se ampliou
Londres, em abril de 2009, decidiu-se transformar este Fórum
mais uma vez para incluir os países do G20 que ainda não eram
(FSF) no Conselho de Estabilidade Financeira (Financial Stability
membros: Argentina, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul e
Board – FSB), entidade estabelecida de Direito Internacional com
Turquia. Além destes, Hong Kong e Cingapura também foram
status separado do BIS e que passou a incluir todos os países do
incluídos. Com esta última ampliação, a governança do Comitê
G20 e a Comissão Europeia.
chegou à sua conformação atual de 27 países-membros. Desde o colapso financeiro de 2008, o Comitê de Basileia avançou no sentido dos Acordos de Basileia III – em teoria
Em pronunciamento na Casa Branca sobre a Cúpula do G20 em Pittsburgh, em setembro de 2009, o Secretário do Tesouro estadunidense Timothy Geithner afirmou:
voluntários, pois não possuem poder oficial de regulamentação. Estes acordos propõem um aprofundamento nos mecanismos
124
A coisa importante que fizemos em Londres, e vocês
de autorregulação aos sistemas bancários nacionais, no
verão progresso adicional substantivo aqui hoje, foi
sentido de padrões de segurança que protejam de possíveis
adicionar, de fato, um quarto pilar à arquitetura de
instabilidades sistêmicas. Os Acordos de Basileia I (1988) e II
cooperação que nós estabelecemos na II Guerra Mundial.
(2004) já tinham inaugurado uma era neoliberal de “regulação”
Depois da II Guerra Mundial, nós nos reunimos e
que implica uma autorregulação dos mercados – através do
estabelecemos o FMI, o Banco Mundial e o GATT [Acordo
Geral de Tarifas e Comércio] que se tornou a OMC
dos BRICS será complementar e, de certa forma, concorrente
[Organização Mundial do Comércio]. Mas o Conselho de
do Banco Mundial. O impacto desta iniciativa é de fundamental
Estabilidade Financeira é, de fato, um quarto pilar desta
importância para os movimentos sociais brasileiros.
arquitetura (tradução da autora). 68
D) Além do fortalecimento das IFIs, ao menos uma nova instituição financeira foi criada desde o colapso financeiro
Apesar do mandato do G20 para a execução de estudos sobre
de 2008: o Clube Internacional de Financiamento do
a regulação financeira, o FSB não tem capacidade legal de
Desenvolvimento (International Development Finance Club –
implementação de suas recomendações. Na prática, os países
IDFC), uma rede de dezenove bancos nacionais e regionais de
do G20 fortaleceram a governança de instituições que somente
desenvolvimento, que inclui o BNDES. O propósito declarado
reforçam os marcos regulatórios que permitem e promovem a
da instituição é “fortalecer a voz dos bancos nacionais e
desregulamentação financeira e a financeirização. Estas IFIs, que
sub-regionais em um ambiente dominado por instituições
junto com o FMI saíram fortalecidas como pilares da arquitetura
multilaterais de financiamento” (tradução da autora)69, claramente
financeira internacional, são representativas do nível de captura
uma estratégia de contraponto ao Banco Mundial. Com reuniões
corporativa das políticas públicas.
anuais desde 2010 e propósitos pouco transparentes, o IDFC
Em termos de governança, estas instituições incorporaram os
constitui um desafio para os movimentos sociais e tem sido
países do G20 que não faziam parte de seus corpos diretivos, sem
instrumental nas estratégias de financeirização dos bens comuns
melhorar em nada a sua prestação de contas ao público. Assim,
promovidas pelas elites financeiras transnacionais no B20
como é o caso do próprio G20, a inclusão dos países emergentes,
(Business 20)70. Paralela à Cúpula do G20 em Los Cabos, o B20 se
longe de significar uma mudança de paradigma, tem servido
reuniu e anunciou uma Aliança para o Crescimento Verde (Green
como elemento fragmentador das perspectivas do Sul Global –
Growth Alliance). Segundo o relatório prévio do B20:
entre os que foram falsamente incluídos e os que ficaram de fora –, facilitando, acima de tudo, a manutenção do status quo no conteúdo político e na forma de trabalho. C) A insatisfação dos emergentes com a falta de reformas
Durante a Cúpula de Los Cabos, o B20 anunciará um novo clube de instituições financeiras internacionais, bancos de desenvolvimento (International Development
consistentes na governança do Banco Mundial foi,
Finance Club - IDFC), empresas, bancos e investidores
possivelmente, o maior motivador do anúncio feito na última
privados destinados a fazer progressos práticos sobre
reunião dos BRICS, em março de 2012, de que os países do
essa agenda nos próximos 36 meses, com foco
grupo estavam analisando a criação de um Banco Multilateral
inicial em financiamento. Convidamos ministros
de Desenvolvimento. Já havia dentro do agrupamento uma
de Desenvolvimento e de Finanças e instituições
iniciativa de reunião dos bancos de desenvolvimento dos
financeiras internacionais a se envolver com esta nova
respectivos países, mas este Banco, se fundado, representará
parceria para dinamizar estruturas de financiamento
um passo estratégico dos BRICS. A Índia e a África do Sul são
público-privado para o crescimento verde e a energia
entusiastas da iniciativa, enquanto a China e a Rússia têm tido
sustentável das Nações Unidas para todas as prioridades
maior resistência à ideia. Diversas questões ainda estão em
de investimento, e apresentar um relatório para futuras
aberto, como em que países atuaria, a fonte dos recursos e a
Cúpulas do G20. Com os marcos políticos corretos, este
governança do Banco. O principal alvo dos financiamentos serão
novo clube ajudará as empresas a fazer os investimentos
projetos em países em desenvolvimento e, com isso, o Banco
necessários, assumir riscos relevantes e abraçar as novas 125
oportunidades que a transformação econômica verde
fluxo intenso de investimentos provoca crescente especulação
promete (tradução da autora).
com os preços das commodities, o que tem efeitos nocivos sobre a soberania alimentar dos povos.
Ficam claros, neste relatório, a aliança entre os países do G20 e
Não satisfeitos, os investidores, que têm força para influenciar
os interesses corporativos das elites financeiras transnacionais.
a pauta dos governos do G20, necessitam de novas fronteiras de
Na declaração dos líderes do G20, estes “dão as boas-vindas à
acumulação. Isto ficou bastante evidente quando estes países
Aliança de Ação para o Crescimento Verde do B20”71 (tradução da
promoveram o paradigma do “crescimento verde” na Cúpula
autora) De acordo com o relatório, o IDFC tem papel importante
do G20 no México ou da “economia verde” na Cúpula Rio+20.
nas parcerias público-privadas de estruturas de financiamento
Os nomes podem ser ligeiramente diferentes, mas o conteúdo
em “investimentos verdes”, ou seja, o financiamento com
político é semelhante: encontrar maneiras de privatizar os bens
recursos públicos de infraestrutura econômico-financeira
comuns da natureza e transformá-los em novas mercadorias.
para a criação de novos mercados de investimento baseado na privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns.
O paradigma da “economia verde” remonta às análises da iniciativa TEEB (sigla em inglês para A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade), liderada por Pavan
3. A garantia da infraestrutura econômico-financeira para a
Sukhdev, um economista do mercado financeiro indiano.
privatização, comodificação e financeirização de mais recursos
Com um histórico de anos de trabalho no mercado financeiro,
públicos e dos bens comuns:
especialmente no Deutsche Bank, Sukhdev foi também quem
A Cúpula do G20 no México ocorreu pouco antes da Cúpula Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (Pnuma). A
Sustentável. Embora, à primeira vista, as duas cúpulas pudessem
relação dessas iniciativas com os interesses das elites financeiras
parecer tratar de questões diversas, uma análise cuidadosa
transnacionais não poderia estar mais clara.
revela o que estava em debate nas duas reuniões: o modelo de
De acordo com as premissas da TEEB e da “economia verde”,
desenvolvimento que os governos, capturados por interesses
é necessário dar valor monetário aos serviços ecossistêmicos
corporativos, estão promovendo como uma falsa solução para as
que a natureza oferece gratuitamente e que não são atualmente
crises econômico-financeira, social e ecológica.
comercializados ou não eram comercializados até muito
Para entender o contexto, é necessário reafirmar o
recentemente. Por exemplo, coloca-se um preço sobre o trabalho
anteriormente dito: nas últimas três décadas, um crescente
da floresta para captar o excesso de carbono na atmosfera para
processo de financeirização da economia global se aprofundou.
indústrias poluentes poderem continuar a emiti-lo, só precisando
Como parte deste processo de financeirização, o tamanho dos
pagar aos “protetores” das florestas – como as comunidades
mercados financeiros tem aumentado exponencialmente em
indígenas – pelo “serviço” ecossistêmico de capturar a poluição
relação à economia de bens e serviços, a chamada economia real.
emitida. Estas indústrias continuam a poluir comprando este
Este desnível faz que os investidores financeiros busquem
direito no mercado. Isto criou um mercado de carbono para a
novos espaços de acumulação, necessitando especialmente que
especulação financeira por parte dos investidores. Vários outros
se criem novas commodities para investir. Parte disto explica,
mercados similares de “pagamentos por serviços ambientais”
por exemplo, a especulação nos preços dos alimentos e de
serão criados no âmbito dessas iniciativas.
petróleo: com o colapso do mercado imobiliário nos EUA, muitos investidores voltaram sua atenção para produtos primários. Este 126
escreveu o documento de fundo sobre a “economia verde” do
O Banco Mundial, o BID, entre outros72, já estão liderando a gestão dos recursos dos fundos de adaptação e mitigação das
mudanças climáticas. Em 2010, foram US$ 10 bilhões em todo o mundo e a expectativa do Bird é a de que este valor chegue a US$ 275 bilhões anuais até 203073. Desse modo, a mudança climática e a criação do mercado de carbono, como uma falsa solução, geraram um novo tipo de programa de financiamento para estas IFIs74. Este é um exemplo emblemático de como elas aproveitam as crises do capitalismo e as transformam em oportunidades de negócio. Além de bolhas financeiras, este processo demotix.com
de financeirização da natureza causa muitos outros impactos, que as pessoas já estão enfrentando nos territórios. Este tipo de mercado implica a privatização de riquezas naturais que antes eram usadas coletivamente.
O Banco Mundial promove a privatização dos bens comuns: pagar pelos “serviços” prestados pela natureza
As florestas, o ar que respiramos e a água dos rios são alguns exemplos, mas toda a biodiversidade do planeta corre o risco de ser submetida à lógica
commodities, novas fronteiras de acumulação dos mercados
de acumulação privada no âmbito desta estratégia da aliança
financeiros via especulação desregulada.
entre os governos e os mercados financeiros. Este processo de privatização significa que o acesso a
Por exemplo, a Estratégia de Parceira de País 2012-2015 do Banco Mundial para o Brasil tem entre seus objetivos: “melhorar
determinados recursos se tornará mais caro, atingindo as
a gestão sustentável de recursos naturais”, o que inclui os
famílias mais pobres, principalmente as mulheres, que, em razão
programas de Pagamento por Serviços Ambientais75. Este
de desempenhar majoritariamente o trabalho de reprodução
propósito explicita a prioridade em avançar no processo de
social não remunerado, contam, mais ativamente, com o
privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns,
aporte do uso dos bens comuns em seu cotidiano. Além disto,
tendo a natureza como um dos principais espaços de extensão
a privatização também gera mais disputas por territórios, o
das fronteiras de acumulação do capital transnacional.
que aumenta a propensão dos conflitos sociais no campo.
O Banco Mundial tem colaborado com a iniciativa TEEB do
Na verdade, não se sabe, de fato, todos os impactos que este
Pnuma, por exemplo, através de seu programa Waves (sigla
processo de financeirização e privatização dos bens comuns
para Wealth Accounting and Valuation of Ecosystem Services76),
pode ter sobre a vida dos povos.
que promove a atribuição de valores monetários aos recursos
Neste sentido, as IFIs não têm sido instrumentais somente
naturais para fins de contabilidade nas contas públicas nacionais,
na manutenção do status quo da governança econômica
favorecendo a criação de commodities a partir destes recursos,
global, da desregulamentação financeira e das políticas
e os mecanismos de mercado como a solução para a crise
econômicas neoliberais. Agora, através de alguns de
ambiental. Estas novas commodities, baseadas na chamada
seus programas, as IFIs têm apoiado a criação de novas
“indústria de serviços ambientais”, constituem uma nova 127
fronteira de especulação para os mercados financeiros, uma
Comentários finais
verdadeira privatização financeira dos bens comuns. Este é somente um exemplo de como as IFIs representam os interesses
Esta análise sobre a reconfiguração das IFIs, especialmente após
das elites financeiras na agenda da chamada “economia verde”.
o colapso financeiro de 2008, não objetiva ser exaustiva a respeito
Além disso, como já afirmado, as IFIs têm sido fundamentais
das diversas formas através das quais as IFIs têm se reconfigurado
na criação e manutenção de marcos regulatórios permissivos
dentro da continuidade do paradigma capitalista neoliberal. O que
e promotores da financeirização, assim como da privatização
se busca mostrar aqui é que este processo de reconfiguração – em
e da comodificação dos bens comuns . E isso se dá também
um contexto de gradual mudança geopolítica com a ascensão
via assessoria técnica, que promove diretrizes de política e
dos chamados países emergentes e o estabelecimento do G20
desregulamentação, favorecendo uma infraestrutura econômico-
como principal fórum da governança econômica global – está
financeira de acordo com o interesse dos investidores.
para além da reconfiguração da relação de forças interestatal. Está
77
especialmente calcada em um aprofundamento da aliança entre o O BID tem grande influência na determinação das
capital financeiro e o poder político institucional. As IFIs têm sido
diretrizes da IIRSA [Iniciativa para a Integração da
fundamentais na criação e manutenção de marcos regulatórios
Infraestrutura Regional Sul-Americana], através da
permissivos e promotores da financeirização, assim como da
ocupação de postos-chave na estrutura de gestão e
privatização e da comodificação dos bens comuns.
de assistência técnica, áreas importantes na definição
Neste contexto, a questão de como a estratégia da política
do arcabouço institucional da IIRSA, dos projetos
externa do Brasil “que se entende como país emergente” para
considerados prioritários, bem como das diretrizes para o
as IFIs tem mudado surge como central. O papel que o país
financiamento deles, incluindo os estudos de viabilidade.
tem jogado na disputa por mais poder na governança destas
Em relação ao modelo energético brasileiro, as IFIs têm
instituições pode ter implicado maior autonomia relativa, mas
investido pesadamente para a construção de um marco
também tem prevenido o Brasil de ter uma voz mais crítica em
regulatório que preserve os interesses da iniciativa
relação a elas. Esta estratégia avançada tem um custo político, não
privada que atua no setor: segurança jurídica, retorno dos
só para o país, mas para o Sul Global, os países que permanecem
investimentos e liberdade para remessa de lucros. Isto
excluídos do G20 e das IFIs e que dependeriam de países como
sem falar na alteração da legislação ambiental, bem como
o Brasil para liderar o campo mais crítico. Além disso, o escasso
do processo de licenciamento .
debate público sobre a atuação do Brasil no G20 é representativo
78
do déficit democrático da política externa brasileira. Assim, através de suas recomendações técnicas, o Banco
A mobilização dos movimentos sociais e das organizações
Mundial tem criticado o processo de licenciamento ambiental
brasileiras é central no questionamento desta estratégia que tem
no Brasil e o Ministério Público como entraves aos projetos de
favorecido a reinvenção das IFIs dentro de um aprofundamento
infraestrutura do país , em uma demonstração clara de que a
do paradigma neoliberal e de um modelo de globalização
criação de um “ambiente favorável” aos investidores é prioritária,
dominado pelas elites financeiras transnacionais.
79
em detrimento dos impactos sociais e ambientais causados pelos próprios projetos de infraestrutura e pelo processo de privatização, comodificação e financeirização dos bens comuns associado a estes projetos. 128
* Diana Aguiar é mestre em Relações Internacionais pela Pontífice Universidade Católica (PUC-Rio), facilitadora do Grupo de Trabalho sobre Arquitetura Econômica Internacional (GT-AEI) da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) e Facilitadora de Projeto da Campanha Global contra o Poder Corporativo (Global Corporate Power Campaign Network)
Agradecimento: A autora agradece aos comentários recebidos de Adhemar Mineiro (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - Dieese - e Rede Brasileira pela Integração dos Povos - Rebrip), Gabriel Strautman (Justiça Global), Magnólia Said (Esplar/Rede Brasil), Fabrina Furtado (Doutoranda do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Ippur, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ) e Giorgio Romano (Universidade do ABC UFABC) durante o período de elaboração deste artigo. A análise contida é, no entanto, de inteira responsabilidade da autora.
da dívida pública de um país, vendendo e comprando rapidamente em grandes volumes e espalhando boatos no mercado sobre o valor dessas moedas e títulos. George Soros ficou famoso por fazer fortuna arquitetando ataques assim contra moedas de distintos países, em um exemplo de como as elites financeiras transnacionais lucram com as instabilidades e desregulamentação do sistema financeiro.
1 A Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) defende que as economias que tiveram melhor desempenho nas últimas três décadas são justamente aquelas que rejeitaram esse modelo de globalização financeirizada (finance-driven globalization) e adotaram políticas heterodoxas adequadas ao contexto nacional/local. Unctad Policy Brief. The Paradox of Finance-Driven Globalization. Janeiro de 2012.
15 AMBROSE, Soren. IMF Confidence Crisis. Foreign Policy in Focus. Abril de 2007. www.fpif.org/ articles/imf_confidence_crisis
2 Antonio Tricarico. The “financial enclosure” of the commons. Outubro de 2011. 3 De fato, a partir do início dos anos 1980, quando o processo de financeirização se intensifica, o volume do fluxo de capitais ultrapassa o comércio internacional. Unctad Policy Brief. The Paradox of Finance-Driven Globalization. Janeiro de 2012.
14 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012.
16 Entrevista de Fabrina Furtado (Doutoranda Ippur/UFRJ) à autora em julho de 2012. 17 La vida antes que la deuda! Argentina/Brasil. Dezembro de 2005. www.jubileosuramericas.org/item-info.shtml?x=90394 18 AMBROSE, Soren. IMF Confidence Crisis. Foreign Policy in Focus.Abril de 2007. wwww.fpif.org/ articles/imf_confidence_crisis
4 O bloco BRICS é formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
19 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.
5 AGUIAR, Diana. Cúpula dos Povos frente ao G20 2011. “Os Povos Primeiro, Não os Mercados Financeiros!”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012.
20 Special Drawing Rights ou Direitos Especiais de Saque, a unidade de conta do FMI.
6 G-SIFIs – Global Sistemically Important Financial Institutions. 7 Idem. 8 GOWER, Richard. Financial Crisis 2: Rise of the Machines. Robin Hood Tax Campaign. Setembro de 2011. High frequency trading ou “transações de alta frequência” são, hoje, a realidade da maior parte das transações nos mercados financeiros. São as transações em alta velocidade, feitas por computadores extremamente rápidos, que chegam a negociar ativos financeiros centenas ou milhares de vezes por segundo, com base em modelos matemáticos preestabelecidos. Este tipo de transação tem levado as corporações dos mercados financeiros a uma verdadeira “corrida tecnológica” para estar milésimos de segundo à frente de seus concorrentes. Neste tipo de transação, o que se sobressai é a capacidade de investimento em inovação tecnológica e expertise matemática para maximizar os lucros em um ambiente de alta competitividade que favorece a concentração do mercado em grandes corporações com capacidade técnica, em detrimento da estabilidade financeira ou do uso dos recursos dos mercados financeiros a serviço das necessidades produtivas. robinhoodtax.org.uk/ sites/default/files/Rise%20of%20the%20Machines_1.pdf) 9 WARDE, Ibrahim. O reinado das agências de classificação de risco. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 10. Ano 2, julho/agosto 2012. A avaliação das três mais poderosas agências de classificação de risco (Moody’s, Standard&Poors e Fitch Ratings) das dívidas soberanas dos países e das grandes corporações financeiras é acompanhada de perto pelos mercados financeiros e determina, em grande medida, o “ânimo” dos mercados. Exemplo disso, quando em agosto de 2011 e em janeiro de 2012, a Standard&Poors rebaixou a nota dos Estados Unidos e de nove países da zona do euro, os portavozes das políticas econômicas desses países não tardaram em fazer declarações em defesa de sua segurança financeira. 10 AGUIAR, Diana. Cúpula dos Povos frente ao G20 2011. “Os Povos Primeiro, Não os Mercados Financeiros!”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012. 11 AGUIAR, Diana. Seminário Regional “A América Latina no G20”. In: G20: Novo Cenário para a política externa do Brasil. Perspectivas dos Movimentos Sociais. Rebrip, 2012. 12 A financeirização não é o mesmo que a privatização e a comodificação, embora dependa destas. 13 Ataques especulativos contra a moeda ou a dívida de um país referem-se à aposta, como em um grande cassino, de grandes investidores em torno da cotação de uma moeda específica ou de títulos
21 A taxa de conversão atual é de 1,55 US$ para cada SDR. 22 www.imf.org/external/np/fin/tad/extcred1.aspx 23 Idem. 24 Empréstimos a serem pagos. O valor dos empréstimos aprovados é ainda maior, já que parte dos fundos ainda não foi repassada. 25 www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr11.aspx?memberKey1=ZZZZ&date1key=2012-05-31 26 www.imf.org/external/np/fin/tad/extarr11.aspx?memberKey1=ZZZZ&date1key=2002-12-31 27 Um mapa dos principais devedores do Fundo hoje ilustra essa mudança: www.imf.org/external/np/ exr/map/lending/index.htm 28 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012. 29 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da Guerra de Movimento à Guerra de Posição. Análise do documento “Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011”. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Janeiro de 2009. 30 A importância do BNDES no atual modelo de desenvolvimento do país é central, ainda que não o foco desta análise, centrada nas IFIs. 31 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009. 32 GONÇALVES, Reinaldo. O Banco Mundial no Brasil: da Guerra de Movimento à Guerra de Posição. Análise do documento “Estratégia de Parceria com o Brasil, 2008-2011”. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais. Janeiro de 2009. 33 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012. 34 Entrevista de Fabrina Furtado (Doutoranda Ippur/UFRJ) à autora em julho de 2012. 35 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir
129
o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009.
57 Idem. 58 blogs.worldbank.org/voices/world-bank-gets-capital-increase-and-reforms-voting-power
36 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012. 59 www.iadb.org/en/capital-increase/ninth-capital-increase-idb-9,1874.html 37 Idem. 60 www.imf.org/external/np/sec/pr/2011/pdfs/quota_tbl.pdf 38 Idem. 61 Idem. 39 Idem. 40 www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1374:entrevistasmaterias&Itemid=41 41 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.Bretton Woods Project. IMF policy recommendations: not enough change after the crisis. Bretton Woods Update, n. 80, março/abril de 2012.
62 Dos US$ 75 bilhões prometidos pelos BRICS na última reunião do G20, no México, US$ 10 bilhões virão do Brasil. 63 Declaração dos Líderes do G20. Cúpula do G20 no México, 18 e19 de junho de 2012. g20.org/ images/stories/docs/g20/conclu/G20_Leaders_Declaration_2012_1.pdf 64 www.brettonwoodsproject.org/art-566281 www.brettonwoodsproject.org/art-566696
42 Essa ideia será mais bem desenvolvida adiante.
65 A Espanha só foi convidada em 2001.
43 AMBROSE, Soren; MUCHHALA, Bhumika. Fruits of the Crisis: Leveraging the Economic Crisis to Secure Development Resources and Reserve Reform. Third World Network, 2010.
66 PLIHON, Dominique. Pobres normas internacionais. Dossiê Le Monde Diplomatique 08, novembro/ dezembro de 2011.
44 Imposto sobre Operações Financeiras.
67 Dossiê Le Monde Diplomatique 08, novembro/dezembro de 2011. “Sistema bancário paralelo constituído não por bancos de depósito [usados pelo grande público para conta corrente e poupança], mas por fundos de investimentos, bancos de negócios, seguradores que escapam das regulações do sistema bancário tradicional (do qual, às vezes, são subsidiários...). Fontes de instabilidade financeira em escala mundial, esses atores drenam uma massa considerável de capital e fazem extenso uso de derivativos.” Os Acordos de Basileia somente regulamentam o sistema bancário tradicional. No entanto, é no sistema bancário sombra que acontecem as transações financeiras com derivativos e mercado de balcão.
45 Conversa da autora com Fernando Cardim, maio de 2012. 46 BRÉVILLE, Benoit; LAMBERT, Renaud. Um nome e um endereço. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 10. Ano 2, julho/agosto de 2012. 47 O montante aprovado inicialmente foi de US$ 700 bilhões, que acabaram não sendo utilizados em sua totalidade. topics.nytimes.com/top/reference/timestopics/subjects/c/credit_crisis/bailout_plan/ index.html
68 www.whitehouse.gov/the-press-office/press-briefing-treasury-secretary-geithner-g20-meetings 69 www.idfc.org/Our-Objectives/our-objectives.aspx
48 WARDE, Ibrahim. Prêmios e castigos dos negociadores do mercado financeiro. Dossiê Le Monde Diplomatique Brasil 08, novembro/dezembro de 2011. 49 www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120609_espanha_emprestimo_entenda_rw.shtml
70 Business 20 ou B20 é a reunião paralela ao G20 de corporações transnacionais dos 20 países do grupo. 71 Declaração dos Líderes do G20. Cúpula do G20 no México, 18 e19 de junho de 2012. g20.org/ images/stories/docs/g20/conclu/G20_Leaders_Declaration_2012_1.pdf
50 www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/07/120701_euro_entenda_pai.shtml 51 New Arrangements to Borrow (NAB) e General Arrangements to Borrow (GAB) são arranjos bilaterais de crédito entre o FMI e alguns de seus membros, que não afetam as cotas ou o poder de voto. GAB foi originalmente estabelecido em 1962 e foi utilizado amplamente até o final dos anos 1990. Atualmente, só podem ser acionados se a ativação dos NABs for recusada. Os NABs foram criados em 1997 e só podem ser usados quando os recursos das cotas não forem suficientes. www. brettonwoodsproject.org/art-569552 52 www.imf.org/external/np/tre/liquid/2008/0408.htm www.imf.org/external/np/tre/liquid/2012/0412.htm#note
72 FURTADO, Fabrina. Salvando o planeta ou o capitalismo? Contra Corrente, I Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, janeiro de 2009. 73 STRAUTMAN, Gabriel. Os Bancos já entraram na “farra” do clima. Contra Corrente, III Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, outubro de 2011. 74 JUBILEU SUL. Banco Mundial Fora do Clima!... e de nossos países. Contra Corrente, III Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, outubro de 2011. 75 FURTADO, Fabrina. Banco Mundial: regularizar para controlar. Contra Corrente, IV Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, junho de 2012.
53 www.imf.org/external/np/exr/facts/gabnab.htm 76 www.wavespartnership.org/waves/ 54 Entrevista de Adhemar Mineiro (Dieese/Rebrip) à autora em julho de 2012. 55 www.imf.org/external/np/tre/liquid/2008/0408.htm www.imf.org/external/np/tre/liquid/2012/0412.htm#note 56 MOLINA-GALLART, Nuria; MUCHHALA, Bhumika. Strings Attached: How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010.
77 ORTIZ, Lúcia; OVERBEEK, Winnie. Valorando o que não tem valor. Contra Corrente, IV Edição. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, junho de 2012. 78 CARVALHO, Guilherme. Os Bancos Multilaterais e o Complexo Rio Madeira: A tentativa de garantir o controle dos recursos naturais da Amazônia para o grande capital. Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, 2009. 79 Idem.
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Contexto Territorial
BNDES e violações de direitos: fichários de estudos de casos
A
proposta deste Contexto Territorial é apresentar seis casos emblemáticos de megaprojetos de “desenvolvimento” que têm como característica comum a violação de direitos e o financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Estes estudos de caso explicitam a perversidade de um modelo fundamentado na
parceria entre as corporações e o Estado, em que elas recebem deste, inclusive, o financiamento massivo para os projetos que resultam em graves e irreversíveis impactos socioambientais, culturais e econômicos. Realizados nos estados do Rio de Janeiro, Pará, Rondônia e Bahia e nas doze cidades-sede da Copa do Mundo, os empreendimentos aqui apresentados nos trazem elementos da realidade das cinco regiões do país. Neste sentido, ajudam a formar um dos seus possíveis retratos neste início de século: o de um Brasil em que os direitos de grande parte de suas populações e da natureza são totalmente desrespeitados em nome da garantia do lucro de algumas corporações transnacionais. Este é o caso dos indígenas, camponeses, quilombolas, populações tradicionais, das periferias dos grandes centros e das que estão financeiramente mais vulneráveis. Infelizmente, devido ao atual estágio de concentração e oligopolização da economia brasileira, este padrão está sendo exportado para países da América Latina e da África. É importante ressaltar que estes estudos de caso são o resultado da compilação e sistematização, feitos pela pesquisadora Marilda Teles Maracci, de relatórios, denúncias, publicações e diversas ações efetivadas por outras organizações, redes e movimentos da sociedade civil, com o propósito de fortalecer a resistência ao atual modelo de desenvolvimento. Neste sentido, gostaríamos de agradecer a colaboração das seguintes organizações e redes: Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs); Justiça Global; Amigos da Terra Brasil; Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes); Centro de Pesquisa e Assessoria Esplar; Plataforma Dhesca; Fórum de Articulação da Amazônia Oriental (Faor); Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop); Rede Alerta Contra o Deserto Verde; Plataforma BNDES; Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), Repórter Brasil e a organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!). Por se tratar de uma compilação de outros estudos e publicações, e considerando a agilidade dos acontecimentos e processos de alguns dos casos apresentados aqui, além do próprio tempo transcorrido para finalizar esta publicação, é possível que algumas informações e dados apresentados aqui não sejam as mais atualizadas. Independente disso, a contundência dos casos demonstra quão insustentável e ilegítimo se apresenta o atual padrão de acumulação no país.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico1 1- Descrição do empreendimento Conglomerado industrial-siderúrgico-portuário da TKCSA (ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico) formado pela Vale (CVRD), que detém 27% das ações votantes, e a empresa alemã ThyssenKrupp Steel (TKS) com 73%. Tratase de uma joint venture. É considerado o maior investimento estrangeiro privado feito no Brasil nos últimos dez anos e o maior projeto do setor siderúrgico no país. Área de intervenção: Bairro de Santa Cruz, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, nas margens da Baía de Sepetiba. O Conglomerado é composto de: 1 – Usina siderúrgica integrada com capacidade de produção prevista de 10 milhões de toneladas de placas de aço/ano; 2 – Usina termoelétrica para a geração de 490 MW de energia elétrica; 3 – Um porto com dois terminais, composto de uma ponte de acesso de cerca de 4 km e um píer de 700 m para recebimento de 4 milhões de toneladas de carvão mineral importado e para o escoamento da produção para o mercado externo. Produção: 5,5 milhões de toneladas de placas de aço/ano. Capacidade produtiva total: 10 milhões de toneladas de placas de aço/ ano. Área total: 9 km2. Início das operações: 18 de junho de 2010 – com a entrada em operação da planta da TKCSA. Pessoas impactadas diretamente: 8.070 famílias de pescadores e mais de 20 conjuntos habitacionais vizinhos à planta industrial. Investimento total: o valor saltou de 4,5 bilhões de euros para 5 bilhões de euros devido às despesas operacionais para o início de operação do projeto.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico Além das obras da TKCSA, encontram-se em processo de licenciamento os seguintes projetos na região: 1) portuários: o Porto Sudeste, da LLX Logística, com capacidade de escoamento de 50 milhões de toneladas de minério do quadrilátero ferrífero; a ampliação do Porto de Itaguaí; a construção de um grande porto e estaleiro para a construção de submarinos da Marinha do Brasil; e a construção de um megaporto compartilhado entre Petrobras, Gerdau e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), segundo memorando de entendimento assinado em agosto de 2008. 2) siderúrgicos: expansão da capacidade produtiva da Gerdau Cosigua e a construção de uma nova usina de aço – Gerdau Aços Especiais Rio. A ThyssenKrupp Steel é uma das maiores companhias siderúrgicas do mundo, com um faturamento anual de 39 bilhões de euros. As empresas Thyssen e Krupp se uniram em 1998 para ganhar força no mercado. Ambas eram gigantes do setor siderúrgico alemão, com mais de um século de tradição: a Thyssen foi fundada em 1811 e a Krupp, em 1867. Em todo o mundo, a ThyssenKrupp emprega 184 mil trabalhadores. No Brasil, emprega cerca de 9 mil trabalhadores, distribuídos em 22 subsidiárias espalhadas pelo país, que são a base de operações do grupo empresarial na América do Sul. A Vale, atualmente detentora de 26,85% do projeto, é considerada uma das maiores mineradoras do mundo. Trata-se de uma empresa global, com sede no Brasil, com mais de 100 mil empregados. A empresa produz e comercializa minério de ferro, pelotas, níquel, concentrado de cobre, carvão, bauxita, alumina, alumínio, potássio, caulim, manganês e ferro-liga. Realiza também atividades em mineração, com investimentos em pesquisa mineral e novas tecnologias. Entre seus maiores diferenciais, resultando na redução de seus custos operacionais, está a atuação e a expertise acumuladas como operadora logística que favorece o escoamento de sua produção. Uma de suas principais estratégias é fazer que a produção ganhe o mercado global, encurtando distâncias e criando corredores de exportação em regiões estratégicas. 2- Valor do empréstimo O empreendimento conta com um amplo apoio dos governos municipal, estadual e federal por meio de isenções fiscais e do financiamento direto de R$ 2,4 bilhões (aproximadamente US$ 1,2 bilhão) do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)2, o que representa 30% do valor total do projeto e se dá mediante dois contratos, um assinado em 2007 (destinado à aquisição de máquinas e equipamentos nacionais, obras civis, instalações e montagens associadas) e outro assinado em 2010. O Banco também financiará parte das atividades de responsabilidade social da empresa, num montante estimado em R$ 10,5 milhões. Em relação aos incentivos fiscais, haverá a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por doze anos. De acordo com a Secretaria Estadual da Fazenda, o governo do estado concedeu R$ 695 milhões à TKCSA, de 2007 a 2010. A isenção de pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) foi concedida pela Lei n° 4.372, de 13 de junho de 2006. O terreno em que a empresa está localizada também foi concedido pelo governo federal.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
3- Impactos socioambientais A região da zona oeste do Rio de Janeiro é formada pelas Regiões Administrativas de Bangu, Barra da Tijuca, Campo Grande, Guaratiba, Jacarepaguá, Realengo e Santa Cruz. Trata-se de uma região que apresenta grandes contrastes, abrigando áreas de intensa urbanização e ocupação, como Realengo e Santa Cruz, e regiões que ainda apresentam muitas áreas naturais. Acentua-se sobre estas áreas a pressão sobre os recursos naturais, refletindo-se em altos níveis de poluição de rios e áreas verdes, além da destruição de ecossistemas da Mata Atlântica, como manguezais e outros biomas marítimos. A zona oeste do Rio de Janeiro é a área com maior concentração de população negra e de baixa renda do estado. Este quadro configura situações diretas de racismo ambiental ou injustiça ambiental, e as parcelas mais empobrecidas e excluídas ficam expostas a maiores riscos ambientais e sobre a sua saúde. A Baía de Sepetiba abrange, além de parte da zona oeste do Rio de Janeiro, os municípios de Itaguaí e Mangaratiba, com área de aproximadamente 450 km2. Do ponto de vista ambiental, em seu entorno existem importantes ecossistemas ainda preservados de florestas, restingas, como a da Marambaia, e manguezais. Podem ser encontradas áreas remanescentes da Mata Atlântica, principalmente na Serra do Mar, considerada atualmente uma das 25 áreas mais importantes para a conservação da biodiversidade em todo o mundo. A região litorânea da Baía de Sepetiba foi declarada Área de Proteção Ambiental (APA)3. A economia e a vida social dos demais municípios, com exceção do bairro de Santa Cruz, encontram-se pautadas, principalmente, pelas atividades da pesca – artesanal, industrial e maricultura – e do turismo. A região apresenta um universo composto de quilombolas, índios, pescadores artesanais e caiçaras. Trata-se, portanto, de área caracterizada por profundas riquezas ambiental, social e cultural, mas também empobrecida e credora de uma dívida social e ambiental crescente. Crimes ambientais Desrespeito à legislação ambiental – Desde o início das atividades de implantação e planejamento da obra, o Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) do empreendimento viola a Lei Federal no 7661/88. Descumpre também o Decreto de Regulamentação no 5.300/2004 (Gerenciamento Costeiro), que determina que o licenciamento de empreendimentos na zona costeira seja realizado exclusivamente pelo órgão ambiental federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais renováveis (Ibama), e não pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), como foi realizado no caso do empreendimento em questão. Ilegalidades e falta de transparência no processo de licenciamento ambiental, com manipulação da participação popular durante as audiências públicas. Em 2006, por exemplo, durante as audiências públicas, a TKCSA mobilizou pessoas que nem mesmo moravam na região para participar das audiências públicas, chegando a pagar um valor que variou de R$ 30 a R$ 50 pela participação.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico Cooptação de autoridades públicas (poder Executivo: prefeituras e governo estadual e federal) e cooptação de lideranças comunitárias por meio de “contratos de prestação de serviço” em troca de assinaturas de documentos de apoio à empresa. Violação dos direitos humanos – A TKCSA viola o direito de ir e vir de pescadores e outros indivíduos que se oponham ao empreendimento na região (violação do artigo XII da Declaração dos Direitos Universal dos Direitos Humanos, de dezembro de 1948, da Assembleia Geral das Nações Unidas): “Os pescadores não podem trabalhar porque a empresa instala equipamentos nos rios e no mar. A ponte de 4 km, que compõe o terminal portuário privado, impede os pescadores de navegar dentro da Baía. Eles precisam contornar toda a ponte (cerca de 8 milhas). A movimentação de enormes navios pelo Canal de São Francisco e pelo mar, além de reduzir a quantidade e a variedade de peixes pela movimentação e poluição, cria zonas de exclusão da pesca, impedindo os pescadores de trabalhar”4. Violação dos direitos dos imigrantes – Com o objetivo de reduzir os custos com a mão de obra, a empresa vem contratando sistematicamente imigrantes (nordestinos e chineses). Os chineses são parte de um acordo assinado com o grupo chinês Citic (Cooperação Internacional do Brasil Consultoria de Projetos Ltda.) para a compra de máquinas e fornecimento dos trabalhadores. Cerca de 600 chineses já trabalharam no canteiro de obras da empresa, enfrentando péssimas condições de vida e de trabalho, bem como constantes ameaças da milícia que atua na zona oeste. Em uma visita do Ministério Público do Trabalho (MPT) ao canteiro de obras, foram encontrados 120 chineses sem documentos e sem contratos de trabalho. Destruição ambiental na Baía de Sepetiba e desmatamento de extensa área de manguezais: essas áreas são consideradas pela legislação brasileira Áreas de Preservação Permanente (APPs) e são protegidas pelo Código Florestal em vigor na época das violações e pelas Constituições federal e estadual. A empresa vem desmatando o manguezal e provocando o extermínio da fauna terrestre e marinha na região. Morte de peixes – A Baía de Sepetiba é uma importante área de reprodução para as diversas espécies de peixes. Inspetores do Ibama, em visita ao canteiro de obras, encontraram, junto ao material dragado, muitos peixes e moluscos no período de reprodução e de defeso, mortos pelas atividades de dragagem empreendidas pela TKCSA. Contaminação das águas por metais pesados – A TKCSA retirou cerca de 21.810.000 m3 de lama contaminada do fundo da Baía e do Canal de São Francisco com o objetivo de aumentar a sua profundidade e permitir o acesso aos navios, o que provocou o revolvimento do lixo químico de metais pesados (chumbo, cádmio e zinco) deixados pela antiga companhia Ingá Mercantil, que já estavam sedimentados no assoalho oceânico.5
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico Lançamento de lama contaminada no interior da Baía de Sepetiba – A TKCSA depositou parte do material contaminado no canteiro de obras da empresa para o aterro do terreno de implantação da usina, sendo altos os riscos de contaminação do solo e dos lençóis freáticos. Para tratar o restante do material contaminado retirado pela empresa do fundo do mar – aproximadamente 200.000 m3 de lama – a empresa utiliza a tecnologia Confined Disposal Facility (CDF), que prevê a construção de enormes cavas ou fossas no fundo da Baía, onde este material será “enterrado”. No entanto, o local onde as covas estão localizadas corresponde a uma área de costumeiras manobras de navios e embarcações, o que eleva o risco de rompimento dessas covas6. Área de Proteção Ambiental – O canteiro de obras foi implantado num manguezal considerado Área de Proteção Ambiental (APA). Desmatamento – O Ministério Público, após investigação, confirmou a destruição pela empresa de pelo menos sete hectares de manguezal sem autorização, o dobro do que foi licenciado. Saúde – O funcionamento da usina representa um sério risco para a saúde de toda a população da região da Baía de Sepetiba e do estado do Rio de Janeiro. A atividade de produção de aço eleva a poluição atmosférica, a partir da emissão de poluentes que fazem muito mal à saúde, especialmente das crianças. Em relatório divulgado em setembro de 2011, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que o nível de poluição atmosférica na região metropolitana do Rio de Janeiro é duas vezes maior que o da região metropolitana de São Paulo e supera os níveis de Nova Iorque, Londres e Paris. Os níveis de poluição atmosférica no Rio são três vezes maiores do que os níveis recomendados pela OMS7. Evidências de poluição – Ainda em 2008, a montadora sul-coreana Hyundai recusou espaço em Santa Cruz, pois foi considerado muito próximo do local de construção da CSA. Os sul-coreanos alegaram que os resíduos liberados pela siderúrgica poderiam comprometer a qualidade da pintura de seus automóveis8. Inundações constantes do Canal de São Francisco – Desde as obras de instalação da TKCSA, os moradores do conjunto São Fernando convivem sistematicamente com situações de alagamento. Atualmente, esses moradores convivem com cinco bombas instaladas pela TKCSA para tirar a água das casas. No entanto, elas não são suficientes para resolver o problema, e as situações de alagamento permanecem. A Associação Rural Nipo-Brasileira de Santa Cruz denunciou que, desde a chegada da TKCSA, a colônia japonesa, instalada no território desde 1938, tem enfrentado graves problemas relacionados à perda de produção e de transtornos nas residências em consequência de transbordamentos do Canal de São Fernando. O desvio do Canal de São Francisco para o Rio Guandu, pela TKCSA, tem causado refluxo das águas para o canal nas cheias e nas marés altas, ocasionando transbordamento.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico
Populações locais impactadas indiretamente – Além da poluição, o projeto TKCSA tem impedido a realização de atividades turísticas e pesqueiras, com grandes impactos sobre a vida e a cultura das populações locais. Cerca de 8 mil famílias de pescadores (mais de 40 mil pessoas) tiveram seu modo de vida afetado. Os pescadores não podem trabalhar porque a empresa instala equipamentos nos rios e no mar9. A ponte de 4 km, que compõe o terminal portuário privado, impede os pescadores de navegar dentro da Baía. Para pescar, eles precisam contornar toda a ponte (cerca de 8 milhas). A movimentação de enormes navios pelo Canal de São Francisco e pelo mar, além de reduzir a quantidade e a variedade de peixes pela movimentação e poluição, cria zonas de exclusão da pesca, impedindo os pescadores de trabalhar. O funcionamento do polo siderúrgico afeta a população das cidades do Rio de Janeiro, Itaguaí, Mangaratiba e Seropédica. Em 2005, 75 famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) foram pressionadas a sair do terreno no qual a TKCSA se instalou, utilizando-se de ameaças feitas pela milícia e pressão da polícia militar. Deterioração do tecido social local e perda da identidade social – A pesca na Baía de Sepetiba, que antes era uma profissão valorizada, passada por herança entre os membros de uma mesma família, sendo um forte componente da identidade social, atualmente vem sendo abandonada pelas famílias como meio de vida. De acordo com a Federação das Associações de Pescadores Artesanais (Fapesca), este quadro significa, em média, uma redução de 70% na renda familiar. Segundo reportagem publicada em 31 de maio de 2008 no jornal O Dia (versão eletrônica), em todo o estado do Rio de Janeiro, os pescadores estariam ameaçados pela poluição e correndo o risco de se tornarem refugiados ambientais. Violação de direito dos trabalhadores/Acidentes de trabalho – A empresa conduz os trabalhos de construção da usina siderúrgica sem respeitar as mínimas condições de segurança impostas pela Lei do Trabalho. Operários são subcontratados em condições degradantes de trabalho; alguns deles dormiam em alojamentos sem cama nem acesso à água limpa e recebiam apenas uma refeição por dia10. Milícias armadas – Há fortes indícios na região de que a empresa vem atuando em conjunto com a milícia (grupos de extermínio, extorsão financeira e controle social formados por policiais, ex-policiais, ex-bombeiros e matadores de aluguel), o que, por si, se consolida em ameaças diárias aos pescadores e à população local, críticos ao empreendimento. Denúncias referentes a ameaças, intimidações e acidentes de trabalho foram feitas ao Ministério Público Federal pela Fapesca-RJ. Destacam-se as ameaças de morte sofridas por lideranças de pescadores, como os ataques à casa do presidente da Associação de Pescadores Canto dos Rios (Apescari), Luís Carlos, em janeiro de 2009. Ele se encontra, atualmente, sob proteção do Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico 4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES Não há nenhuma informação que conste que o BNDES cumpriu suas obrigações neste sentido. 5- Condicionantes dos órgãos ambientais Nenhuma das condições estipuladas pelo Estado foi cumprida pela TKCSA11. Seguem abaixo informações sobre fatos importantes relacionados aos impactos socioambientais decorrentes da instalação e operação da TKCSA12:
13/7/2006 – Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema) concede a primeira Licença Prévia (LP) para o empreendimento. 5/9/2006 – Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) delibera pela concessão da Licença de Instalação (LI) da CSA, após apenas cinquenta dias da concessão da LP. 7/9/2006 – TKCSA apresenta o Projeto Básico Ambiental (PBA) do empreendimento. Posteriormente, técnicos do Ibama criticam, através de relatório, a celeridade incomum no processo de licenciamento. Outubro/2006 – Início das dragagens impactantes da TKCSA, “marco zero” do estabelecimento dos conflitos e das ameaças às lideranças que se opõem ao projeto. Dezembro/2007 – Operação de fiscalização do Ibama por determinação do Procurador do Ministério Público Federal, Dr. Maurício Manso, que resulta no embargo das obras da TKCSA (Relatório de Fiscalização no 236/2007, de 27 de janeiro de 2007, e Auto de Infração no 512869 de 20 de dezembro de 2007, do Ibama). Processo do Embargo: 02022.000010/2008-88, emitido em 3 de janeiro de 2008, resultado da vistoria realizada no dia 20 de dezembro de 200713. Nesta ocasião, a empresa foi multada em R$ 100 mil por ter suprimido áreas de manguezais não previstas no Eia-Rima ou no PBA e intervenção em margem de rios, sem nenhuma autorização legal. Justificativa para o embargo/interdição:”Fica embargada qualquer atividade de intervenção no manguezal, bem como construção, obras ou serviços que implique degradação da biota nativa da área do empreendimento, devendo o empreendedor promover a recuperação da área suprimida de 2 ha (dois hectares), extrapolada em dobro na autorização IEF/RJ nº 17/2006. Obs.: de acordo com o relatório de vistoria DITEC/SUPES”. Abril/2008 – Após receber denúncias de ocorrências de acidentes dentro do canteiro de obras da TKCSA, o Ministério Público do Trabalho interdita as obras. Foram constatadas irregularidades relativas ao ambiente de trabalho, como falta de
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico equipamentos apropriados e destinados à segurança do trabalhador. No entanto, mesmo com seu canteiro de obras embargado, a empresa continua a obra, o que foi constatado pelo MPT em outra visita à TKCSA, dias após a interdição. Nesta ocasião, em junho de 2008, a empresa assina junto ao MPT um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). 23/8/2010 – Inea14 multa a TKCSA em R$ 1,8 milhão pela poluição atmosférica com material particulado, proveniente da deposição de ferro-gusa em cavas abertas. Este valor é, posteriormente, reduzido para R$ 1,3 milhão. 17/12/2010 – Governo estadual autoriza a entrada em operação do Alto Forno 2 da TKCSA, mediante apenas um laudo emitido pela empresa estadunidense de consultoria em engenharia Ch2M Hill, e sem nenhum posicionamento do Inea. 5/1/2011 – Inea multa a TKCSA em R$ 2,8 milhões pela poluição atmosférica e em R$ 14 milhões por uma compensação socioambiental indenizatória. 1o/3/2011 – Ato da Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), publicado no Diário Oficial, institui um Grupo de Trabalho para avaliar os danos à saúde causados em virtude da emissão de fuligem na atmosfera pela empresa TKCSA, composto das entidades: SEA, Secretaria de Estado da Saúde (SES), Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). 20/5/2011 – Inea autoriza a ampliação da TKCSA, mediante apresentação de projeto de exaustor que terá sua implantação finalizada em um ano. 24/5/2011 – Primeira Audiência Pública (AP) realizada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), convocada por uma Comissão Especial desta instituição instaurada para apurar possíveis irregularidades e imprevidências do governo do estado e do Inea no processo de concessão de licenciamento ambiental para a implantação da TKCSA, com participação de pesquisadores da Fiocruz. Várias denúncias graves foram feitas nesta AP. 14/6/2011 – Oitiva de Audiência Pública convocada pela Comissão Especial da Alerj, com os temas saúde e atividade pesqueira, com a convocatória e relato de pesquisadores da Fiocruz. 21/6/2011 – Oitiva de audiência pública convocada pela Comissão Especial da Alerj, com a convocatória da presidente do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), Marilene Ramos.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico 30/3/2012 – Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é assinado entre a Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), a Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), de um lado, e a ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), de outro. O instrumento tem o objetivo de estabelecer ações e condições para a adequação das instalações da TKCSA e a concessão, por parte dos órgãos ambientais do estado do Rio de Janeiro, da Licença de Operação (LO) definitiva para a siderúrgica. O Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) apresenta, em agosto de 2012, uma análise crítica do TAC na 107a Reunião Ordinária do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), solicitando que o Conselho tome as providências cabíveis, clamando pela responsabilização dos órgãos competentes e pela execução de medidas e condições cabíveis para que a TKCSA no Rio de Janeiro respeite a legislação ambiental brasileira. Na análise do Pacs são apontadas evidências que questionam a efetiva aplicação, credibilidade e eficácia do referido TAC, entre elas: “descumprimento e pouco caso com a transparência e publicização do TAC”; “o TAC é um instrumento que impede que a Licença de Operação da TKCSA seja negada, como estabelece a legislação ambiental brasileira”; “o Inea e a SEA não têm demonstrado eficiência em fiscalizar a TKCSA”; “o TAC não define nem estabelece como será feito o controle, monitoramento e fiscalização das suas condicionalidades, tendo em vista que em ocasiões anteriores a SEA e o Inea se mostraram insuficientes nessa empreitada”; “o TAC oficializa a transferência das ações de fiscalização e monitoramento dos impactos da TKCSA para a própria empresa”; “o TAC ignora os impactos sociais e ambientais graves ocasionados pela TKCSA, não obstante o relatório elaborado pela Fiocruz, as ações penais por crimes ambientais do MPRJ e as muitas ações abertas pela Defensoria Pública de Santa Cruz, e não define nenhuma medida para compensar os danos sofridos até o momento pelos moradores e pescadores impactados pelo empreendimento”15.
6- Duplo padrão A Fiocruz, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV) produziram o estudo Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz Decorrentes da Instalação e Operação da Empresa TKCSA, publicado em 2011. Anteriormente, em um relatório feito em 2010, eles afirmam: “Em 2009, foi realizado por dois pesquisadores da ENSP/Fiocruz, ligados à RBJA [Rede Brasileira de Justiça Ambiental], um parecer sobre o Rima da TKCSA utilizado para o licenciamento. O parecer analisa, sob a perspectiva da saúde pública e da saúde ambiental, diversas lacunas existentes”. Entre os destaques do parecer apontados pelo relatório, identifica-se “a fragmentação da avaliação do empreendimento, ignorando a possibilidade de exposição cumulativa e simultânea da população aos diferentes poluentes”. O parecer aponta ainda “inúmeros detalhes de grande relevância para a saúde pública que foram ignorados ou abordados superficialmente pelo Rima”, como a utilização do benzeno (entre tantos), “um hidrocarboneto cíclico aromático que se apresenta como um líquido incolor, volátil e altamente inflamável”. Sendo assim, “o parecer conclui apontando para um possível duplo padrão, já que um empreendimento deste tipo não teria seu licenciamento concedido na União Europeia em condições similares”. Eis os argumentos:
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (1) “A falta de uma descrição quantitativa sobre a situação da qualidade ambiental na região do empreendimento após o início das operações da siderúrgica, bem como os efeitos da redução da qualidade ambiental sobre a saúde das pessoas. A legislação na Europa exige que empresas que desejem instalar unidades produtivas em qualquer país da União Europeia (incluindo, obviamente, a Alemanha, onde a ThyssenKrupp possui sede) devem incluir no pedido de licenciamento ambiental uma descrição – do tipo e volume das emissões previsíveis da instalação para os diferentes meios físicos e de quais os efeitos significativos dessas emissões no ambiente16. Como a apresentação do Rima é uma etapa do licenciamento, de acordo com as regras europeias, seria de se esperar que estes dados fossem incluídos no relatório para permitir o debate com a população atingida”. (2) “O segundo diz respeito à concentração de poluentes na região do empreendimento. Conforme apresentado na Tabela 1 do parecer, ao menos com relação às Partículas Inaláveis, a qualidade do ar em Santa Cruz e no Distrito Industrial apresenta uma qualidade inferior àquela recomendada pelos padrões europeus. Em outras palavras, a qualidade do ar na região onde foi instalada a usina siderúrgica já é considerada ruim o suficiente pelos padrões europeus para causar impactos negativos sobre a saúde das pessoas e ao meio ambiente. Caso Santa Cruz fosse localizada na Alemanha, ou em outro país da Europa, a região provavelmente seria alvo de programas de despoluição e melhoria da qualidade do ar e dificilmente seria permitida a implantação de uma usina siderúrgica. A partir dessa constatação, torna-se questionável, do ponto de vista ético, a decisão de uma empresa europeia instalar esse tipo de empreendimento em um local que apresente tal saturação de poluentes”. 7- Atuação do Ministério Público Encontram-se em andamento quatro volumosos Inquéritos Civis e um Criminal no âmbito do Ministério Público Federal e Estadual do Rio de Janeiro, sendo o do MPF de quase 4 mil folhas. Alguns exemplos de violações que constam nestes inquéritos: Violação de direito dos trabalhadores/Acidentes de trabalho – As obras da empresa foram interditadas pelo MPT por conta de acidentes de trabalho. O MPT também iniciou duas ações civis públicas contra a companhia. Instauração de Inquérito Criminal no MPT contra a empresa levou a incursões diárias de fiscais na localidade da Baía de Sepetiba. Na primeira visita, a Procuradoria do Trabalho interditou as obras da TKCSA por irregularidades como ausência de condições de segurança no trabalho e de Equipamentos de Proteção Individual (EPI). Dias depois, o MPT retornou ao canteiro de obras para outra blitz e constatou que as irregularidades continuavam. Na ocasião, promoveu a interdição das obras da TKCSA por violação de cláusulas trabalhistas e de segurança no trabalho. Ficou determinado, posteriormente, que
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico a TKCSA comparecesse ao MPT para assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), sob pena de multa. Ministério Púbico Federal move, em 7 de abril de 2006, ação civil pública contra a Companhia Docas do Rio de Janeiro e a Feema, com pedido de liminar, e acumulada com uma ação de improbidade administrativa e pleiteia, entre outros, para que o material retirado das obras de dragagem do canal de acesso ao Porto de Sepetiba seja depositado, após tratamento necessário, em local situado a pelo menos seis milhas da costa e a condenação dos réus a pagamento de indenização. Ligação da empresa com grupos milicianos na região – Uma das denúncias mais graves contra a TKCSA foi feita durante a Audiência Pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro pela Comissão de Direitos Humanos, em março de 2009. Essa ligação foi denunciada pelos pescadores e pelo advogado deles ao Ministério Público e a outras autoridades locais, em março de 2008, por meio de cartas e comunicados. Em comunicação oficial, o advogado Victor Mattar Mucare solicitou ao Ministério Público Federal/RJ, no âmbito do Procedimento no 1.30.012.000035/2006-19, a apuração de denúncias de ameaças contra a integridade dos pescadores. Solicitou que esta instituição tomasse providências imediatas para proteger e garantir a segurança dos cidadãos e pescadores da Baía de Sepetiba. Ministério Público Federal, em março de 2008, apontou irregularidades cometidas pela TKCSA na construção da ponte de 4 km na Baía de Sepetiba, que não teve autorização da Secretaria do Patrimônio da União, exigência legal por se tratar de terreno da Marinha e do mar territorial. Em junho de 2008, o Ministério Público Federal advertiu o Estado e o Ibama sobre irregularidades no licenciamento ambiental das obras de implantação da usina e que recomendou ao Estado a suspensão da licença concedida pela Feema. Neste mesmo mês, o Ministério Público Federal, através de inquérito civil, questionou o processo de licenciamento da TKCSA, por exemplo, pelo fato de o empreendimento não ter sido licenciado pela instância federal, o Ibama, e apresentar uma celeridade pouco vista no andamento de processos desta natureza, ainda mais se tratando da maior usina siderúrgica do mundo. O Procurador do Ministério Público Federal, Dr. Maurício Manso, determinou fiscalização pelo Ibama, o que resultou no embargo das obras da TKCSA. Processo 02022.000010/2008-88, emitido em 3 de janeiro de 2008. Em agosto, o Ministério Público do Trabalho denunciou a TKCSA por problemas trabalhistas referentes a 120 trabalhadores chineses mobilizados para a construção da usina sem contrato de trabalho17. Em vistoria realizada nas obras da TKCSA pelos Técnicos Periciais do Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate) do Ministério Público Estadual (MPE), nos dias 13 e 14 de agosto de 2007, foram constados danos ambientais relevantes e várias não conformidades ambientais, todas documentadas através de registro fotográfico. Também houve a constatação de que a empresa vinha conduzindo as obras sem o menor respeito ao que teria sido definido no EIA-Rima. Segundo o relatório do Gate do MPE, além das inúmeras irregularidades, o EIA-Rima conteria até mesmo assinaturas falsificadas. Principais pontos
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico destacados pelo relatório do Gate: traçado da ponte; contaminação dos solos e da água na Baía de Sepetiba; lançamento dos efluentes da usina termelétrica; validades das licenças prévias; programa de manejo da avifauna; programa de monitoramento das comunidades aquáticas; programa de monitoramento e preservação dos manguezais; programa de compensação pela exclusão da atividade de pesca; modificações no Canal de São Fernando; falsificação de assinaturas. Ação penal do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (Gate/CAOp), em dezembro de 2010, denuncia a TKCSA, o diretor de projetos Friedrich-Wilhelm Schaefer e o gerente ambiental Álvaro Barta Boechat por crimes ambientais (pena de até 19 anos). A denúncia foi complementada por diversos relatórios técnicos do Inea, além de um estudo realizado pelo Instituto de Geociências da UFRJ, atestando aumento de 600% na concentração média de ferro na área de influencia da TKCSA. Em junho de 2011, a TKCSA é denunciada pelo Ministério Público Estadual por crimes ambientais pela segunda vez. De acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPRJ, os réus não adotaram medidas de precaução ao acionar o Alto Forno 2, em dezembro, tampouco comunicaram os órgãos ambientais competentes sobre os impactos ambientais que seriam gerados. Neste mesmo mês, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou por crimes ambientais a Usiminas e cinco de seus prepostos, Bruno Menezes de Melo, Ricardo Salgado e Silva, Marta Russo Blazek, Monica Silveira e Consta Chang, por apresentarem relatório de auditoria ambiental parcialmente falso e enganoso, inclusive por omissão, ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), para instruir o processo de licenciamento da TKCSA.
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CASO TKCSA – ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico 1 As principais fontes de informação desta seção são: 1 - Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo; 2 - Avaliação dos Impactos Socioambientais e de Saúde em Santa Cruz Decorrentes da Instalação e Operação da Empresa TKCSA. Fiocruz, ENSP e Escola Joaquim Venâncio (por membros do GT ENSP e do GT EPSJV). 22 de setembro de 2011. Rio de Janeiro; 3 - website da própria ThyssenKrupp CSA: http://www.ThyssenKrupp-steel-europe.com/csa/pt/. Agradecemos aos comentários de Karina Kato, pesquisadora do Pacs. 2 Esta informação foi obtida pelo Instituto Mais Democracia, no dia 12 de setembro de 2012, através da lei de acesso à informação. 3 Projeto de autoria do vereador Oswaldo Luís, Lei no 1208/88 de 23 de março de 1988. 4 Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo. 5 Devido a um acidente na década de 1990 envolvendo a antiga companhia Ingá Mercantil, que produzia lingotes de zinco, a Baía de Sepetiba apresenta um grande passivo ambiental. A empresa faliu em 1998, deixando a céu aberto na Ilha da Madeira cerca de 3 milhões de toneladas de lixo químico – chumbo, cádmio e zinco. Houve vazamento desses produtos ao longo dos últimos anos em sucessivos desastres ambientais. Segundo uma estimativa da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema), a Baía de Sepetiba recebeu em suas águas, durante anos, cerca de 100 toneladas de metais pesados a cada ano, oriundos do dique da Ingá. Apesar da ausência de medidas de reparação ao meio ambiente por parte do governo do estado e dos dirigentes da falida companhia, nos últimos anos, esses resíduos passaram por um processo de sedimentação no fundo da Baía, reduzindo a contaminação do local com o passar do tempo. 6 Existem outras tecnologias mais seguras para tratar o material contaminado que nem sequer foram consideradas pela empresa, como o encapsulamento ou a disposição final do material em aterros industriais licenciados. 7 G1, “Relatório da OMS diz que Grande Rio tem ar mais poluído que Grande SP”, 26 de setembro de 2011. 8 O Globo, “Estado ofereceu terreno em Campo Grande à Hyundai e à Toyota áreas em Resende e no Açu”, 6 de maio de 2008. 9 O Globo, “Dragagens e circulação de navios tiram o ganha-pão dos pescadores – resultaram na interrupção da geração de renda dos pescadores”, 10 de agosto de 2008. 10 O Dia, “Trabalhadores sem salário e com uma refeição por dia”, 13 de agosto de 2009. 11 Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA) - Impactos e irregularidades na zona oeste do Rio de Janeiro. Novembro de 2009. 2ª edição revisada e atualizada. Pág. 57. Instituto de Políticas Alternativas do Cone Sul (Pacs) e Fundação Rosa Luxemburgo. 12 A partir do documento Linha do Tempo Sobre o Caso TKCSA - 2005 a 2011. In: plataformabndes.org.br/Biblioteca/Publicações/Análises do Desenvolvimento). 13 O Dia, “Obra parada na CSA - O Ibama embarga obra uma vez que a TKCSA havia suprimido o dobro da área de mangue licenciada para a construção de uma ponte”, 21 de dezembro de 2007. 14 Feema é extinta e dá lugar ao Inea no RJ. O governo do estado do Rio de Janeiro criou através da Lei nº 5.101, de 4 de outubro de 2007, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) com a missão de proteger, conservar e recuperar o meio ambiente para promover o desenvolvimento sustentável. O novo instituto, instalado em 12 de janeiro de 2009, unifica e amplia a ação dos três órgãos ambientais vinculados à Secretaria de Estado do Ambiente (SEA): a Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (Feema), a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de Florestas (IEF). Disponível em: http://www.pmanalysis.com.br/noticias/83-feema-e-extinta-e-da-lugar-ao-inea-no-rj. Acesso em: 21 de setembro de 2011. 15 “Solicitação para que o Conama tome as providências cabíveis, clamando pela responsabilização dos órgãos competentes e pela execução de medidas e condições cabíveis, para que a TKCSA no Rio de Janeiro respeite a legislação ambiental brasileira.” Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs). Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2012. 16 “Ver: Parlamento Europeu. Directiva 2008/1/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de janeiro de 2008, relativa à prevenção e ao controle integrados da poluição 2008” [Nota no original]. 17 O Globo, “Procuradoria entra com ação civil pública contra CSA”, 13 de agosto de 2008.
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UHE Belo Monte
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1- Descrição do empreendimento Empreendimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a UHE Belo Monte, construída no Rio Xingu, Pará, é considerada a terceira maior hidrelétrica do mundo. Sua potência instalada será de 11.233,1 MW/ano, O custo estimado da obra é de R$ 26 bilhões, e o reservatório alagará pelo menos 516 km². Belo Monte impactará direta e indiretamente onze municípios: Altamira, Anapu, Brasil Novo, Gurupá, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu. Estes municípios perfazem uma área total de mais de 25
Mitchell Anderson/Jungle Dispatch
apesar de sua produção média ser de apenas 4.571 MW/ano.
milhões de hectares, correspondendo a cerca de 20% do estado do Pará. Cerca de 70% desta área é constituída de unidades de gestão especial (unidades de conservação, terras indígenas, terras quilombolas e áreas militares). Mais de 300 mil pessoas vivem na região, que tem como elementos integradores a rodovia Transamazônica e o Rio Xingu. Altamira é o maior centro urbano local, com mais de 70 mil habitantes. O leilão de Belo Monte ocorreu em abril de 2010, com vitória do Consórcio Norte Energia S.A. (Nesa). Atualmente, o empreendimento é composto do Grupo Eletrobras (Eletrobras: 15%, Chesf: 15% e Eletronorte: 19,98%), de Entidades de Previdência Complementar (Petros: 10%, Funcef: 5%), do Fundo de Investimento em Participações (Caixa FIP Cevix: 5%), da Sociedade de Propósito Específico Belo Monte Participações S.A. (Neoenergia S.A.): 10,%, Amazônia (Cemig e Light): 9,77%), de Autoprodutoras (Vale: 9%, Sinobras: 1%) e da J. Malucelli Energia (0,25%). Responsável pelas obras de Belo Monte, o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM) é formado por 10 empresas: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, OAS, Contern, Galvão, Serveng, J. Malucelli e Cetenco. 2- Valor do empréstimo Em abril de 2010, a diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou que assumiria o financiamento de 80% das obras de Belo Monte – R$ 24,5 bilhões –, com condições especiais de pagamento (carência de até seis meses após a data prevista para o início comercial de cada conjunto de turbinas, amortização de até 25 anos, com periodicidade mensal, através do Sistema de Amortização Constante (SAC) ou PRICE, com prazo estendido de até trinta anos). Quanto ao custo financeiro, serão aplicadas a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), com Remuneração Básica do BNDES de 0,5%/ano, a Taxa de Risco de Crédito de 0,46%/ano até 2,54%/ano, dependendo da classificação de risco do projeto, a Taxa de Intermediação Financeira de 0,5%/ano e a remuneração da Instituição Financeira Credenciada negociada entre as partes.
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UHE Belo Monte Em meados de 2011, o Banco concedeu um primeiro empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão à Norte Energia, sem análise de risco econômico e ambiental. Um segundo empréstimo-ponte de R$ 1,8 bilhão foi concedido em fevereiro de 2012. Os repassadores dos recursos foram a Caixa Econômica Federal (que repassou R$ 1,5 bilhão) e o banco líbio ABC (que repassou R$ 300 milhões). Ainda em janeiro de 2012, portanto pouco antes da concessão do segundo empréstimo-ponte, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou ao Banco Central (BC) que analisasse o primeiro aporte do BNDES em Belo Monte para verificar a regularidade do empréstimo em face da envergadura da operação, que pode ser a maior da história do BNDES. O Banco Central negou o pedido do MPF alegando que uma fiscalização do financiamento de Belo Monte não estaria “enquadrado entre as prioridades incluídas na sua programação”. Em fevereiro, o MPF pediu reconsideração alegando que a operação envolve “empreendimento questionado em diversas ações judiciais, em área de atividade em que as alterações de custo são frequentes e, portanto, possuem potencialidade considerável de afetar a própria análise de risco”. Mesmo assim, nenhuma medida concreta neste sentido foi encaminhada. Somado o repasse de R$ 3,7 bilhões via Plano de Sustentação do Investimento aos dois empréstimos-ponte, o BNDES já aportou R$ 6,6 bilhões em Belo Monte sem a realização de nenhum estudo de risco e viabilidade econômicos do financiamento. É importante frisar que o segundo empréstimo-ponte foi concedido apesar de pesar sobre a Norte Energia uma autuação com multa de R$ 7 milhões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por descumprimento de condicionantes socioambientais, o que fere as salvaguardas do próprio banco. De acordo com o BNDES, entre os critérios que deve aplicar em operações de financiamento estão a análise das “regularidades fiscal, previdenciária e ambiental do beneficiário e do empreendimento” e “o cumprimento de eventuais medidas mitigadoras, obrigações em termos de ajuste de conduta e condicionantes presentes no contrato e nas licenças ambientais, quando for o caso” . 3- Impactos socioambientais Contabilizando agricultores e moradores das áreas rurais e urbanas, o Ministério Publico Federal no Pará estima que 40 mil pessoas terão suas casas e terras desapropriadas e/ou impactadas por Belo Monte. De acordo com o último levantamento da Universidade Federal do Pará (UFPA), realizado a pedido do MPF no início de 2012, o número de pessoas a serem desalojadas apenas na zona urbana de Altamira, município-sede de Belo Monte, ultrapassa 25 mil. Este dado contradiz a estimativa inicial da Norte Energia que previu a expulsão de 16,4 mil pessoas de suas moradias. Concomitantemente aos despejos das populações da região de impacto de Belo Monte, a chegada a Altamira de milhares de pessoas (a estimativa do MPF é que 100 mil migrantes podem chegar no período de construção da usina), atraídas pela perspectiva de emprego, instalou um estado de caos no município-sede da hidrelétrica. Além de hospitais e escolas terem entrado em colapso, a violência na cidade ter dobrado e os casos de estupros se multiplicado, Altamira bateu recorde de desmatamento nos últimos dois anos. Bastante grave é que, em meio a tantos impactos irreversíveis, as populações indígenas seguem ignoradas no seu direito constitucional, previsto também na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de serem consultadas sobre a usina pelo Congresso Nacional.
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UHE Belo Monte Para mitigar minimamente os impactos previstos de Belo Monte, foram anexadas às licenças ambientais da usina várias condicionantes (a Licença Prévia previu 40 condicionantes ambientais e 26 condicionantes indígenas, e a Licença de Instalação, 22 condicionantes ambientais) que não foram cumpridas pelo Consórcio Norte Energia. De acordo com o MPF, as condicionantes estabelecidas para a liberação da Licença Prévia acabaram sendo incorporadas em uma licença parcial de instalação e, posteriormente, na Licença de Instalação. Um levantamento oficial do Ibama, divulgado em janeiro de 2012 e que avaliou as 22 condicionantes da Licença de Instalação (concedida em junho de 2011), aponta que apenas uma havia sido atendida até este prazo. Aos problemas estruturais (falta de escolas, hospitais e saneamento, caos na saúde, violência, etc.), somam-se os problemas causados diretamente pelo empreendimento. Entre os setores mais atingidos pelo estágio inicial da obra, destacam-se: Moradores de Altamira Em função da atração de centenas de trabalhadores e migrantes para a região de Altamira (ao menos 10 mil em 2011), desde 2010 a cidade tem vivido um boom imobiliário que aumentou o preço do aluguel de todos os tipos de imóveis, inclusive das moradias mais simples nas áreas alagadas da cidade. De acordo com denúncias colhidas pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS), principal organização de oposição à usina na região, aluguéis que custavam R$ 50/mês passaram a mais de R$ 200, desalojando parte da população mais pobre do município. Em junho de 2011, centenas de famílias despejadas fizeram vários movimentos de ocupação de terrenos em Altamira, mas foram violentamente reprimidas pela polícia. Nenhuma família urbana havia sido reassentada até meados de 2012, e as populações virtualmente atingidas pelo alagamento da cidade no final do processo de construção do lago de Belo Monte ainda não receberam nenhuma informação concreta sobre projetos de desalojo e realocação. Agricultores e ribeirinhos da Volta Grande do Xingu Das 1.540 propriedades rurais na área de impacto de Belo Monte, 600 foram desapropriadas pela Norte Energia até meados de 2012. Desde 2010, quando se iniciou o processo de despejo destas famílias através de coerção, negociação ou ordens judiciais, muitas não receberam indenizações (principalmente as que não detêm a titulação da terra ou moram em áreas arrendadas) ou receberam indenizações mínimas. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo de agosto de 2012, “a Defensoria Pública do Pará ajuizou treze ações pedindo o reassentamento de pessoas excluídas da indenização. Outras dezenas de casos estão em análise. Já houve três decisões liminares a favor dos moradores e cinco contrárias. Além disso, a Norte Energia entrou com 28 ações de desapropriação. Destas, 26 tiveram liminar pela expulsão das famílias. A indenização é depositada na Justiça, sem previsão de pagamento”. Pescadores da Volta Grande do Xingu Em setembro de 2011, a Colônia de Pescadores Z-57, de Altamira, ajuizou uma Ação Ordinária (processo nº 3455702.2011.4.01.3900) contra o Ibama e a Norte Energia “alegando que as obras da usina, em especial a construção de ensecadeiras, impediriam a pesca e a trafegabilidade no Rio Xingu, que os igarapés ficariam secos e a água, imprópria para o consumo e para
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UHE Belo Monte a vida dos peixes, o que prejudicaria a ictiofauna e os pescadores, sem que nenhum tipo de abordagem aos seus filiados tivesse sido realizado quanto ao monitoramento, questionamento e pesquisa dos impactos negativos”. Na ação, a Colônia pediu a “indenização dos seus quase 1.200 filiados, levando-se em consideração o tempo de cinco anos para a repovoação das espécies de peixe e de sete anos de perdas de atividades de pesca, pleiteando, em sede de liminar, que fosse proibida a continuidade das obras no leito do Rio Xingu até que ocorresse a justa e prévia indenização, ou a condenação dos réus ao pagamento de perdas e danos no valor de mais de R$ 218 milhões de reais”. O pedido de liminar foi indeferido pela Justiça. Em pouco tempo, porém, os impactos previstos se confirmaram. De acordo com depoimentos de pescadores da Vila de Santo Antônio, comunidade já desalojada pela Norte Energia, a pesca teve uma queda de mais de 80% nos seis primeiros meses de 2012. Por não serem proprietários de títulos patrimoniais, como agricultores e ribeirinhos, os pescadores ainda não têm assegurado nenhum tipo de compensação. Advogados da Norte Energia têm tentado negociar isoladamente alguns acordos de indenização, rejeitados inicialmente pelos pescadores tanto de Altamira quanto de Vitória do Xingu. Populações indígenas A Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias que ocupam trinta Terras Indígenas (TIs) (doze no Mato Grosso e dezoito no Pará). Todas estas populações serão direta ou indiretamente afetadas à medida que o Rio Xingu e sua fauna e flora, além do seu entorno, serão alterados pela usina. Na região de influência direta da usina, três Terras Indígenas estão sendo diretamente impactadas: a TI Paquiçamba, dos índios Juruna; a área dos Arara da Volta Grande, que se situa no trecho de 100 km do rio que terá sua vazão drasticamente reduzida; e a TI Trincheira Bacajá, localizada às margens do Rio Bacajá, afluente do Xingu, que deve sofrer impactos diretos, mas os estudos referentes a esta área, habitada majoritariamente por indígenas da etnia Xikrin, ainda estão inconclusos. A principal violação dos direitos indígenas pela usina de Belo Monte foi a autorização do início das obras sem que se tivesse cumprido o processo de consultas (oitivas indígenas) previstas na Constituição Federal e na Convenção 169 da OIT. O fato levou o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) a cancelar, em agosto de 2012, o decreto do Congresso Nacional que autorizou as obras da usina e as licenças de Belo Monte, decisão posteriormente invalidada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Além deste desacato constitucional – que levou a questionamentos do Brasil pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em abril de 2011 –, as condicionantes indígenas também seguem descumpridas. Em dezembro de 2011, o MPF oficiou a Norte Energia sobre o fato. Entre as medidas não cumpridas, constavam a reestruturação do atendimento à saúde indígena, a demarcação e regularização de áreas, a retirada de não indígenas das terras indígenas, a implementação de corredores ecológicos, a melhorias nos serviços de educação, entre outras. Em junho de 2012, a falta de cumprimento das condicionantes levou à ocupação da principal barragem provisória (ensecadeira)
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UHE Belo Monte de Belo Monte, no canteiro de obras Pimental. Os indígenas permaneceram no local por mais de duas semanas, mas os acordos firmados com a Norte Energia seguiram descumpridos nos meses seguintes. Em agosto, nova ação dos indígenas levou à retenção de três engenheiros da Norte Energia na TI Paquiçamba, uma vez que não houve esclarecimento satisfatório sobre os mecanismos que deverão permitir a transposição da ensecadeira de Pimental com o fechamento total da barragem, pleiteado pela Norte Energia. O Consórcio e a Fundação Nacional do Índio (Funai) foram instados a fornecer estas explicações, o que não foi cumprido no período conseguinte, apesar da promessa das duas instituições. Trabalhadores do consórcio construtor Belo Monte Três grandes greves, motivadas por violações de direitos trabalhistas, paralisaram as obras de Belo Monte no processo inicial de construção da usina. Em novembro de 2011, os trabalhadores cruzaram os braços para exigir o pagamento de horas extras aos sábados, o cumprimento do acordo sobre as folgas de noventa dias, o aumento do vale-alimentação e a instalação de telefones no canteiro. Os operários também pediam o aumento do contingente de fiscalização de seguranças do trabalho, que garantiria a coibição de desvio de função. Cerca de 400 operários foram demitidos antes de o Consórcio fechar os acordos e aceitar o atendimento parcial das reivindicações. Já no final de março de 2012, cerca de 5 mil trabalhadores entraram em greve geral após a morte de um trabalhador no canteiro de obras do Sítio Pimental. As reivindicações foram aumento salarial, redução dos intervalos entre as baixadas (visita dos trabalhadores a suas famílias) de seis pra três meses, não rebaixamento do pagamento e solução de problemas com a comida e a água. A paralisação foi suspensa nove dias depois e houve a demissão de 170 funcionários. Em 23 de abril, porém, nova greve parou as obras. Criminalização dos ativistas sociais O Movimento Xingu Vivo Para Sempre (MXVPS) tem sido constante alvo de ações de criminalização e tentativas de coerção por parte do consórcio Norte Energia. Durante a cobertura da greve de novembro de 2011, o jornalista do movimento chegou a ser ameaçado de morte por dois homens que supostamente estavam a serviço da empresa. Nesta primeira greve, este jornalista e uma coordenadora do MXVPS, além de outros dois integrantes do movimento, foram alvo de uma ação de interdito proibitório da Norte Energia, que os acusou de molestar seu patrimônio, interditar a BR-230 “numa espécie de parede humana, invadindo os ônibus da empresa e provocando distúrbios, tais como bater nos vidros e laterais dos ônibus [e] obrigar que os motoristas abandonassem os veículos, gritando palavras intimidatórias”. Além de fazer tais acusações fantasiosas, o consórcio construtor exigiu que os réus fossem proibidos de circular em vias públicas e de impedir o andamento das obras. A liminar foi parcialmente deferida pela Justiça.
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UHE Belo Monte No início de junho de 2012, um novo interdito contra os mesmos ativistas e contra o MXVPS proibiu-os de fazer qualquer ação nas propriedades desapropriadas pela Nesa na Vila de Santo Antônio, de onde despejou cerca de 200 famílias, destruindo casas e interditando o cemitério. No final daquele mesmo mês, o consórcio pediu a prisão preventiva de onze pessoas ligadas ao movimento por danos causados a sua estrutura durante o encontro Xingu+23, preparatório para a Cúpula Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Até o final de agosto, o processo não havia sido encaminhado à Justiça pelo Ministério Público Federal. Danos ambientais A construção de Belo Monte diminuirá drasticamente a vazão de 100 km do Rio Xingu, tornando virtualmente impossível a sua navegação, a pesca e demais usos do rio após o fechamento da barragem da usina. O barramento provisório do rio desde o início de 2012 já tornou suas águas impróprias para consumo nas aldeias indígenas Paquiçamba e Arara da Volta Grande, causou a diminuição drástica da população de peixes na Volta Grande e, em junho de 2012, causou a morte de milhares de filhotes de tartaruga no Tabuleiro do Embaubal, conjunto de praias sazonais do Rio Xingu, entre os municípios de Vitória do Xingu e Senador José Porfírio. O Tabuleiro é considerado a maior área de reprodução da espécie tartaruga amazônica (Podocnemis expansa). Já em relação ao desmatamento, Altamira liderou o ranking do desmatamento na Amazônia em maio e outubro de 2011 e em julho de 2012 (mês em que foram destruídos 48,96 km² de floresta no município). Segundo a Organização Não Governamental Imazon, a expectativa da construção de Belo Monte é o fator que melhor explica estes números. 4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES Não há nenhuma informação que conste que o BNDES cumpriu suas obrigações neste sentido. 5- Condicionantes dos órgãos ambientais (estadual ou federal) A Licença Prévia (LP) de Belo Monte foi concedida pelo Ibama, em fevereiro de 2010, com quarenta condicionantes ambientais e 26 indígenas. Entre as condicionantes ambientais, constavam início da construção e reforma de equipamentos de educação/saúde em Altamira e Vitória do Xingu; início das obras de saneamento básico nesses municípios; implantação do saneamento básico em Belo Monte antes da construção dos alojamentos; entre outras. Já entre as condicionantes indígenas, destacam-se demarcação física das Terras Indígenas (TIs) Arara da Volta Grande e Cachoeira Seca; levantamento
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UHE Belo Monte fundiário e desintrusão da TI Apyterewa; redefinição de limites da TI Paquiçamba, com acesso ao reservatório; ilhas no Rio Xingu entre as TIs Paquiçamba e Arara da Volta Grande para usufruto exclusivo dessas comunidades; todas as TIs regularizadas (demarcadas e homologadas); entre outras. Nenhuma destas condicionantes foi cumprida no prazo estipulado e muitas não saíram do papel dois anos após o primeiro licenciamento. Quando o Ibama concedeu ao empreendimento a Licença de Instalação (LI) em junho de 2011, o fez atropelando seus próprios critérios e restabeleceu novo quadro de condicionantes a ser cumprido no período pós LI. Para os indígenas, as novas medidas previam: - Criação de um comitê indígena para controle e monitoramento da vazão que inclua mecanismos de acompanhamento, preferencialmente nas terras indígenas, além de treinamento e capacitação, com ampla participação das comunidades – prazo de 45 dias após a LI; - Formação de um Comitê Gestor Indígena para as ações referentes aos programas de compensação da AHE Belo Monte – prazo de 30 dias após a LI; - Definição clara de mecanismos de transposição das embarcações pelo barramento – prazo de 20 dias após a LI; - Implementação do Plano de Proteção das TIs – prazo de 40 dias após a LI; - Apresentar estudo complementar do Rio Bacajá – prazo de 310 dias após a LI; - Apresentar plano operativo com cronograma de execução das atividades do PBA, após manifestação da Funai – prazo de 35 dias após a LI; - Apresentar trimestralmente modelagem sobre o adensamento da população na região - prazo de 90 dias após a LI. Novamente, nenhuma destas condicionantes foi cumprida no prazo. O mesmo se deu com as novas 23 condicionantes ambientais da LI, que previam, entre outras: finalização das obras de saneamento, um programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos nas áreas de saúde e educação; implantação dos equipamentos de saúde e educação; recuperação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) do Rio Xingu e de seus afluentes. Nenhuma delas foi cumprida até junho de 2012, mais de um ano após a concessão da Licença de Instalação.
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UHE Belo Monte 6- Atuação do Ministério Público Desde 2011, o Ministério Público Federal no Pará impetrou quinze ações contra Belo Monte, conforme tabela abaixo:
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1 Agradecemos à jornalista Verena Glass pelas importantes contribuições e comentários.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau 1
1- Descrição do empreendimento O projeto do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira é composto de duas usinas de grande porte: Santo Antônio, a 5 km da capital de Rondônia, Porto Velho, e Jirau, a 135 km de Porto Velho. Juntas, as duas hidrelétricas devem inundar cerca de 530 km2 (Santo Antônio alagará 271 km2 e Jirau, 258
UHE Santo Antônio Santo Antônio, a maior das duas usinas do Madeira, terá uma potência instalada de 3.150 MW e energia média de 2.218
Alexis Bastos/Rioterra
km2) e têm previsão de custo de R$ 28,6 bilhões.
MW. Com custo estimado de R$ 15,1 bilhões, a tarifa média da energia produzida pela usina será de R$ 78,87 por MW/hora. Vencedor do leilão de concessão do projeto hidrelétrico Santo Antônio, realizado em dezembro de 2007, o Consórcio Santo Antônio Energia S.A. é formado pelas empresas Furnas Centrais Elétricas (39%); Fundo de Investimento (FIP) formado por Banif, Santander e FI-FGTS (20%); Odebrecht Investimentos em Infraestrutura (18,4%), Odebrecht Engenharia e Construção (1%); Andrade Gutierrez (11,6%); e Cemig (10%). O Consórcio Construtor Santo Antônio (CCSA), contratado pela Santo Antônio Energia S.A. para realizar as obras, é composto do Consórcio Santo Antônio Civil (CSAC), do Grupo Industrial do Complexo Rio Madeira (Gicom) e da Construtora Norberto Odebrecht (CNO). UHE Jirau A hidrelétrica de Jirau terá uma potência instalada de 3.300 MW e energia média de 1.975 MW. A um custo estimado de R$ 13,5 bilhões, a usina está sendo construída pela empresa Energia Sustentável do Brasil S.A., vencedora da licitação realizada em maio de 2008. O Consórcio Energia Sustentável do Brasil é formado pelas empresas GDF Suez (50,1%); Eletrosul (20%); Chesf (20%); e Camargo Corrêa Investimento em Infraestrutura (9,9%). 2- Valor do empréstimo As duas usinas do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira foram incluídas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal e receberam financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 13,3
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau bilhões. As Sociedades de Propósito Específico (SPEs) criadas para a construção das UHES de Santo Antônio e Jirau podem ter do BNDES até 85% dos itens financiáveis, com o limite de 75% do investimento total. Metade desse financiamento pode ser concedido diretamente pelo BNDES e os outros 50% repassados pela rede de agentes financeiros credenciada, entre eles Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste, Bradesco e Itaú-Unibanco. Os tetos dos desembolsos para cada um dos empreendimentos já foram predefinidos, mas ainda podem ser dilatados. Em dezembro de 2008 foi aprovado pelo BNDES um empréstimo no valor de R$ 6,1 bilhões para a Santo Antônio Energia (Saesa). Em fevereiro de 2009, o BNDES aprovou R$ 7,2 bilhões para o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pela construção da UHE de Jirau, maior valor financiado pelo Banco para um único projeto até então (R$ 3,6 bilhões foram desembolsados em 29 de junho do mesmo ano, e os outros R$ 3,6 bilhões são financiamentos indiretos, repassados ao grupo dos seguintes bancos: Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Bradesco BBI, Unibanco e Banco do Nordeste)2. O valor total de financiamento de cada um dos projetos foi estimado em R$ 9 bilhões, faltando pouco, em ambos os casos, para que se chegasse ao limite máximo estabelecido (75% sobre o total) pelo BNDES. Além dos empréstimos diretos do BNDES chegando a 60% e 70% dos investimentos totais das duas UHES, o Conselho Deliberativo da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) aprovou, em 2008, um empréstimo de R$ 503 milhões com recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) para a construção da hidrelétrica de Santo Antônio. O Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FI-FGTS) garantiu uma participação na Saesa, sucedendo a participação do Banco Santander no Fundo de Investimento em Participações (FIP) Amazônia Energia, e também adquiriu R$ 1,5 bilhão em debêntures emitidas pelo Consórcio3. Quanto às condições de pagamento, o complexo Madeira prevê que a receita futura (direitos de receber em fluxos de energia) seja transformada em recebíveis, antecipadamente. Assim, a amortização dos juros e do principal poderá começar antes mesmo da operação, desde que todos os riscos estejam, desde o começo, identificados, compartilhados, geridos e mitigados. Cristaliza-se um compromisso de todos os atores envolvidos (nesse caso, especialmente o BNDES e o governo federal) em “administrar” os riscos previamente, o que de antemão significa uma postura defensiva diante dos custos sociais e ambientais das obras. A consequência já verificável é o enrijecimento dos custos e riscos dentro dos parâmetros de rentabilidade já acordados. Além disso, nos leilões de Santo Antônio e Jirau, foi a margem potencial de lucro no mercado livre, hoje oferecendo o MW/h a R$ 130, em média, que definiu o valor oferecido ao mercado cativo (R$ 78,87 e R$ 71,40, respectivamente). Desse modo, entram na composição da taxa de retorno a antecipação da operação das usinas e a consequente flexibilização da regulamentação setorial, trabalhista, ambiental e social, bem como a fiscalização correspondente, para que se obtenha o máximo aproveitamento no mais curto espaço de tempo.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau Os dois consórcios pretendiam, por isso, antecipar a operação em até onze meses e contavam com a anuência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do Ministério das Minas e Energia (MME). A velocidade de execução das obras tornou-se uma variável crucial para a viabilidade econômica dos empreendimentos, na contramão das precauções e garantias sociais e ambientais. Acelerados cronogramas de execução das obras são a contraparte da letargia na aplicação dos programas de compensação e de mitigação, desproporção que evidencia negligência ante a população que vive ao longo do Rio Madeira e seu meio ambiente4. 3- Impactos socioambientais Violações trabalhistas Segundo a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de Rondônia (SRTE/RO), as obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau acumulam mais de mil autuações por violação à legislação trabalhista, incluindo várias mortes nos canteiros das duas obras. Entre as principais violações trabalhistas ocorridas desde o início das obras, constam uso ilegal de medidas coercitivas pela segurança patrimonial; utilização de um “cartão fidelidade” para o pagamento de vantagens fora da folha de pagamento “para empregados que não faltam, não tiram férias, não adoecem e não visitam a família”; jornadas de mais de dez horas diárias; desrespeito ao intervalo intrajornada de onze horas e repouso semanal remunerado; e tratamento diferenciado e inferior para trabalhadores contratados fora do estado de Rondônia, por intermediadores de mão de obra. Em 2009 foram libertados 38 trabalhadores de uma empreiteira contratada para a prestação de serviços na obra da hidrelétrica de Jirau, encontrados em condição análoga a de escravo5. Greves e revolta dos trabalhadores O conjunto de violações de direitos levou à eclosão de uma greve nas obras das duas usinas em setembro de 2009, com uma revolta na obra da usina de Santo Antônio. Os problemas trabalhistas também motivaram uma intensa revolta em Jirau, em março de 2011, que resultou na queima de 54 ônibus e de 70% do acampamento de trabalhadores na obra. A paralisação dos trabalhos nas duas usinas perdurou até abril, com registros do uso excessivo de força pela Polícia Militar de Rondônia. A Justiça do Trabalho concedeu medida liminar que determinou o embargo da obra e o envio desses trabalhadores para seus locais de origem, sob pena de multa de R$ 5 mil por trabalhador em caso de descumprimento. A situação de conflitos também levou o Ministério do Trabalho a interferir para diminuir o número de trabalhadores nos canteiros e restaurar o cronograma original das obras. No início de 2012, a tensão voltou a aumentar nas hidrelétricas do Rio Madeira e em fevereiro um operário de Jirau morreu
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau baleado em confronto com a polícia. Em março, um ano depois da primeira revolta, operários de Jirau entraram novamente em greve, exigindo aumento no valor do auxílio-assiduidade e antecipação da data-base da categoria, atualmente em 1º de maio6. Apesar de ter sido declarada ilegal pelo Tribunal Regional Federal da 14ª Região, a greve continuou e atingiu os canteiros de Santo Antônio, onde também foi declarada ilegal. A paralisação só terminou no início de abril, quando as empresas concederam 7% de aumento antes da data-base, em maio, e um acréscimo de R$ 50 no valor da cesta básica para quem ganha até R$ 1.500. Em decorrência das denúncias de violência contra trabalhadores do Complexo Madeira, em maio de 2011 a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca), elaborou um documento que aponta inúmeras violações aos direitos humanos nas obras de Jirau e Santo Antônio. O relatório é resultado de uma missão emergencial realizada em abril, motivada pelo levante dos operários de Jirau em março. Segundo o documento, “em Porto Velho o índice de migração foi 22% maior que o previsto, os casos de estupro aumentaram em 208% e quase 200 crianças permanecem fora da escola. (...) Centenas de crianças estão fora da sala de aula, a qualidade de vida das comunidades piorou, houve aumento expressivo nos índices de violência, incluindo ocorrências de estupro. Apenas na usina de Jirau eram 21 mil trabalhadores compartilhando alojamentos, denunciando surtos de viroses, jornada excessiva de trabalho e outras más condições que a magnitude e a pressa em acabar a obra ocasionaram. As comunidades realocadas reclamam da piora na qualidade de vida: estão em casas de alvenaria de má qualidade, longe de suas terras, onde plantavam e colhiam, e do rio, onde pescavam. Elas afirmam que a renda hoje é muito inferior ao que recebiam antes”.7 Impactos sobre as populações indígenas As populações indígenas afetadas pelas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio podem ser divididas em três categorias; as terras e os grupos indígenas diretamente impactados e identificados: Karitiana, Karipuna, Urueu-Wau-Wau e Katawixi; os indiretamente afetados: Parintintin, Tenharim, Pirahã, Jiahui, Tora, Apurinã, Mura, Oro Ari, Oro Bom, Cassupá e Salamãi; os grupos de índios isolados, cuja presença foi confirmada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no final de 2011. No processo de licenciamento das usinas do Madeira, não houve consulta aos indígenas, como prevê a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), de Rondônia, destaca dezoito situações, na Bacia do Rio Madeira, onde o extermínio indígena é iminente. Em relação às crianças indígenas, a prostituição, o abuso sexual, o cárcere privado e a corrupção são alguns dos impactos sociais detectados pelo Juizado da Infância nas proximidades das áreas onde são construídas as usinas hidrelétricas do Madeira. Apesar de os Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio mencionarem a presença de grupos indígenas isolados nas áreas de impacto, as licenças autorizando a construção das usinas, avalizadas pela Funai, não fazem menção a esta presença.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau Processo de reassentamento e indenização de comunidades removidas Cerca de 270 famílias ribeirinhas foram removidas das margens do Rio Madeira para dar lugar ao reservatório de água da hidrelétrica de Santo Antônio. No reassentamento de populações removidas verificou-se reclamação generalizada de piora das condições de vida por redução da receita, assim como de má qualidade na construção das casas e vias públicas, subindenização de terras e benfeitorias, alteração do modo de vida dos reassentados (com redução significativa da renda familiar), concessão de lotes muito pequenos (de 3 a 9 hectares) e em área de baixa fertilidade, entre outras. Alguns casos são considerados exemplares da piora da qualidade de vida das populações afetadas No caso da comunidade de pescadores de Engenho Velho, as famílias tiveram o seu local de pesca interditado para a realização das obras pela Santo Antônio Energia, além de terem sido deslocados para uma área que já tinha outros pescadores. Já os moradores de Jaci Paraná, distrito de Porto Velho atingido pela hidrelétrica de Santo Antônio, estão sofrendo com alagamentos. Segundo os atingidos, toda a área onde ocorreu o alagamento é pantanosa e foi modificada pela construção da usina. “Nós tínhamos uma mata que protegia nós; eles fecharam essa área e agora quando o rio enche não dá conta de segurar e nós ficamos alagados. (...) eu moro aqui há dez anos, tem uma senhora que mora há cinquenta e nunca aconteceu isso”, contou uma moradora8. Impactos ambientais Os impactos do Complexo Madeira sobre a ictiofauna do rio – personificada no “bagre” ameaçado de extinção – geraram a primeira grande polêmica envolvendo Jirau e Santo Antônio ao serem considerados pelo presidente Lula apenas um empecilho ao projeto energético nacional. Já em dezembro de 2008, no entanto, a construção da barragem de Santo Antônio causou a morte de onze toneladas de peixes, e nos últimos quatro anos, segundo os pescadores, a pesca, que produzia cerca de 29 mil toneladas/ano antes das obras das hidrelétricas, está inviabilizada. Além disso, os pescadores enfrentam dificuldades para produzir nos assentamentos e ainda dependem da ajuda financeira da concessionária para sobreviver. Com o enchimento do lago de Santo Antônio no final de 2011, a mortandade de animais se estendeu também aos mamíferos. Em abril de 2012, o jornal Rondônia ao Vivo publicou uma série de denúncias sobre o extermínio em massa de tatus, pacas, cotias e outros animais silvestres. De acordo com o jornal o contrato com a empresa YKS, que fazia o resgate, foi cancelado sem ter sido finalizado o trabalho. Por fim, de acordo com levantamentos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), as hidrelétricas do Madeira têm sido um dos principais vetores do desmatamento na Amazônia nos últimos anos. Violação da legislação Uma primeira violação de acordo internacional se detecta com a falta das oitivas indígenas, impactadas pelo Complexo Madeira. Além da própria Constituição Federal, a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, garante às populações tradicionais e indígenas o direito de oitivas sobre projetos que afetem seu território. Tal consulta não ocorreu.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau Também o licenciamento ambiental das usinas do Rio Madeira ocorreu em franca violação das normas que regem os procedimentos, contrariando, inclusive, um parecer técnico do próprio Ibama (Parecer Técnico nº 014/2007 – Cohid/CGENE/ Dilic/Ibama). Neste sentido, a autorização da mudança do eixo da hidrelétrica de Jirau em 9 km e a elevação da cota da hidrelétrica de Santo Antônio foram feitas sem a realização de novos estudos de impacto ambiental e audiências públicas para apresentação dessas alterações, assim como foi concedida licença parcial de instalação, que não está prevista na legislação brasileira. No geral, como detectado anteriormente pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em missão de 2006, sobre violações em obras de hidrelétricas, aplicam-se a Santo Antônio e Jirau as mesmas conclusões referentes ao desrespeito ao: 1. Direito à informação e à participação; 2. Direito à liberdade de reunião, associação e expressão; 3. Direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; 4. Direito à moradia adequada; 5. Direito à educação; 6. Direito a um ambiente saudável e à saúde; 7. Direito à melhoria contínua das condições de vida; 8. Direito à plena reparação das perdas; 9. Direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; 10. Direito de ir e vir; 11. Direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais; 12. Direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais; 13. Direito de grupos vulneráveis à proteção especial; 14. Direito de acesso à justiça e à razoável duração do processo judicial; 15. Direito à reparação por perdas passadas; 16. Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária. 4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES Apesar da ocorrência de trabalhado escravo nas usinas, do não cumprimento de condicionantes, da existência de ações civis públicas contra o licenciamento ambiental de Jirau, da multa de R$ 475 mil por desmatamento ilegal aplicado ao empreendimento no início de 2009 e das denúncias de caos social – aumento da violência, do uso de drogas, prostituição
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infantil, piora dos serviços de saúde, etc. –, não consta que o BNDES tenha tomado alguma medida no sentido de implementar suas alegadas salvaguardas socioambientais. 5- Condicionantes dos órgãos ambientais No total, o licenciamento das duas usinas no Rio Madeira estipulou 144 condicionantes, mas não há monitoramento de seu cumprimento Condicionantes de Santo Antônio A Licença de Instalação (LI) da hidrelétrica de Santo Antônio previu 48 condicionantes socioambientais para a obra, como: a implantação de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA); solução definitiva para o projeto do sistema interceptor de troncos e flutuantes; revisão da área de inundação do reservatório considerando os efeitos de remanso derivados; realizar diagnóstico do desequilíbrio sedimentológico e as cíclicas alterações da concentração de sedimentos com a abertura das comportas; realizar a recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs); averbar as Reservas Legais relocadas e as das propriedades adquiridas para reassentamento da população afetada pelo empreendimento; identificar áreas com potencial para retenção de peixes, durante o enchimento e operação da usina; elaborar, em substituição do Subprograma de Monitoramento da Atividade P esqueira, o Programa de Compensação Social da Atividade Pesqueira; prestar contas sobre os processos de remanejamento de populações atingidas, entre outras. Condicionantes de Jirau
Na Licença Prévia (LP) da usina de Jirau foram fixadas 33 condicionantes que deveriam ser cumpridas para a emissão da Licença de Instalação (LI). Não atendidas estas medidas, em 3 de junho de 2009, com a publicação da LI nº 621/2009 pelo Ibama e, posteriormente, do Ofício nº 577/2009 – Dilic/Ibama, datado de 4 de junho de 2009, foram apresentadas novas condicionantes ambientais e exigências complementares à LI para diversos programas ambientais relacionados ao aproveitamento em questão, como garantir a reprodução de peixes, avaliar o comportamento hidráulico geral do rio, demolir e retirar todas as estruturas das ensecadeiras e demais obstáculos ao fluxo físico /biótico do rio, além de programas de recuperação de áreas degradadas, de remanejamento da população atingida e do programa de compensação social.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau 6- Atuação do Ministério Público Cada uma das obras do complexo hidrelétrico no Rio Madeira já recebeu mil autuações da Superintendência Regional do Trabalho por violação à legislação trabalhista. O Ministério Público do Trabalho conduz diversos Inquéritos Civis Públicos em que estão sendo investigadas as condições de trabalho nessas obras. A construção das hidrelétricas do Rio Madeira motivou o ajuizamento de sete Ações Civis Públicas pelo Ministério Público Federal, além da abertura de pelo menos sete Inquéritos Civis Públicos no âmbito do Ministério Público Federal para averiguação de violação de direitos. Diferente de outros empreendimentos semelhantes, em que também foram movidas ações judiciais impugnando ilegalidades no processo de licenciamento e na construção, a Justiça Federal de 1º grau indeferiu a maior parte dos pleitos apresentados. Ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal contra as usinas do Rio Madeira9: 1 - Ação Cautelar Ambiental 2006.41.00.004390-1 – 5ª Vara Federal de Rondônia (7/11/2006) – Objeto: Garantia do direito à informação da sociedade rondoniense e sua possibilidade de participação na discussão do projeto – a reavaliação dos estudos de impacto ambiental sendo a questão principal. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: não houve. 2 - Ação Civil Pública 2006.41.00.004844-1 (dependente 2006.41.00.004390-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (5/12/2006) – Objeto: Garantia do direito à informação da sociedade rondoniense e sua possibilidade de participação na discussão do projeto. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: não houve. 3 - Ação Civil Pública 2006.41.00.000730-9 – 1ª Vara Federal de Rondônia (17/2/2006) – Objeto: Defender a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, tombada pela Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e pela Assembleia Constituinte do Estado de Rondônia, das obras de prospecção em Santo Antônio e Jirau, no Alto Rio Madeira, para a instalação das hidrelétricas. Decisão 1º Grau (3/7/2009): “(...), II - Determino, de conseguinte, a extinção do processo, sem julgamento meritório, nos termos do Código de Processo Civil, artigo 267, inciso VIII. III - Deixo de fixar condenação em honorários advocatícios e custas processuais (Lei 7.347/85, art. 18). IV - Observadas as formalidades legais, arquivem-se, com baixa na distribuição. V - Publique-se. Registrese e intimem-se”. Interposição: em 29/1/2009 – pendente.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau 4 - Ação Civil Pública 2007.41.00.001160-0 (dependente 2006.41.00.004844-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (14/3/2007) – Objeto: Anulação do processo de licenciamento ambiental do Complexo do Rio Madeira – Usinas de Jirau e Santo Antônio – devido à ausência de estudo de impacto ambiental da Linha de Transmissão, dos impactos do empreendimento sobre os usos e costumes das populações indígenas e de participação da sociedade rondoniense no debate. Decisão 1º Grau (17/12/2009): “Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, julgo improcedente o pedido inicial. Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé do autor. Arquivem-se os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intime-se”. Interposição: em 4/2/2010) – pendente. 5 - Ação Civil Pública 2008.41.00.005474-0 (dependente 2006.41.00.004390-1) – 5ª Vara Federal de Rondônia (25/8/2008) – Objeto: Contesta a alteração do local de implementação da Usina de Jirau, após os Estudos de Viabilidade Ambiental e Estudo de Impacto Ambiental já feitos terem anuído com a realização da obra em local diverso, realizada pelo consórcio vencedor da licitação sob o argumento de menores custos, o que decorreria da menor quantidade de escavação e importaria em menor dano ambiental. Decisão 1º Grau: pendente. 6 - Ação Civil Pública 2008.41.00.007770-3– 5ª Vara Federal de Rondônia (início: 11/12/2008) – Objeto: Contesta a expedição de Licença de Instalação da Usina Hidrelétrica de Jirau após a proposição da Ação Civil Pública 2008.41.00.005474-0 e antes de uma decisão do Poder Judiciário, solicitando a ilegalidade desta licença e pedindo a imposição de multa aos responsáveis por ela. Decisão 1º Grau (16/9/2009): “Os atos administrativos só se revestem de improbidade se ostentarem indícios de desonestidade ou má-fé. Daí a ausência de elementos indicativos da prática de ato ímprobo, conducente ao indeferimento da inicial”; “III - Nestas condições, à vista da fundamentação expendida, rejeito a inicial e determino a extinção do processo, nos exatos termos da Lei 8.429/92, art. 17, § 8º(7). Deixo de fixar verba de patrocínio, ausente má-fé dos autores. Arquivemse os autos, a tempo e modo. Publique-se. Registre-se. Intimem-se”. Interposição: em 21/10/2009. Recurso (15/10/2010): Apelação Provida – “a petição da ação de improbidade encontra-se revestida de suporte fático e jurídico suficiente para sua admissibilidade. Com efeito, a petição inicial descreve fatos que estão a configurar, em tese, atos de improbidade administrativa descritos na Lei nº 8.429/92, sendo prematura a rejeição da inicial da peça de ingresso”; “Diante disso, dou provimento à apelação, para o fim de, tornando insubsistente a v. sentença apelada, determinar o retorno dos autos ao MM. Juízo Federal a quo, a fim de que o processo tenha o seu regular prosseguimento”. 7 - Ação Civil Pública 16372- 29.2010.4.01.4100 – 5ª Vara Federal de Rondônia (22/10/2010) – Objeto: Sanar as irregularidades no processo de compensação aos moradores da área de Mutum Paraná removidos em virtude da instalação da Usina de Jirau, no que diz respeito tanto à falta de transparência no pagamento de indenizações quanto à falta de infraestrutura básica no local de remanejamento dos moradores. Decisão 1º Grau: pendente.
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Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau Inquéritos Civis em curso no Ministério Público Federal sobre as usinas do Rio Madeira10 Data
Resumo
19/1/2009
1.31.000.000054/2009-90
Apurar a responsabilidade civil pela morte de onze toneladas de peixes de várias espécies, por ocasião da construção das ensecadeiras da usina hidrelétrica de Santo Antônio.
11/2/2009
1.31.000.000115/2009-19
Apurar a regularidade do processo de licenciamento ambiental das obras da usina hidrelétrica de Jirau.
11/5/2010
1.31.000.000565/2010-45
Acompanhar a implementação das medidas mitigadoras e compensatórias sociais, ambientais e econômicas pelas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, estado de Rondônia.
21/5/2009
1.31.000.000611/2009-72
Apurar a construção de obras de ensecadeiras na usina hidrelétrica de Jirau, utilizadora de recursos ambientais e potencialmente poluidora, deixando de atender à condicionante 2.2 da Licença de Instalação nº 563/2008.
1.31.000.000750/2009-04
Apurar a regularidade do processo de renúncia da licença ambiental concedida à Cooperativa- Coogarima, à Cooperativa Minaccop e a Geomário Leitão de Sena pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, em favor de possível concessão à empresa Madeira Energia S.A. para a construção da usina hidrelétrica de Santo Antônio e da eventual doação de equipamentos.
28/7/2009
1.31.000.001115/2009-36
Acompanhar o cumprimento do Oficio 067/09-Gepan/Depan/ Iphan, encaminhado ao Diretor de Licenciamento Ambiental do Ibama, que estabelece medidas mitigatórias e compensatórias à concessão da Licença de Instalação da usina hidrelétrica de Jirau, de forma a proteger e preservar o patrimônio arqueológico da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
16/9/2010
1.31.000.001218/2010-30
Acompanhar o processo de licenciamento ambiental do empreendimento denominado Linha de Transmissão de 600 KV, coletora Porto Velho-Araraquara nº 2, que vai interligar as usinas Santo Antônio e Jirau ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
1o/6/2009
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Número
Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira UHE Santo Antônio e UHE Jirau
As principais fontes de informação desta seção são: 1 PLATAFORMA DHESCA BRASIL/Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente. Violações de Direitos Humanos nas Hidrelétricas do Rio Madeira. Relatório Preliminar de Missão de Monitoramento. Porto Velho (RO), abril de 2011. Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/direitos-humanos/violacoes-dh-rio-madeira; Asociación Interamericana para la Defensa del Ambiente (Ainda). Estudo de Caso Rio Madeira. Disponível em: http://dev.aida-americas.org/sites/default/files/Estudo_de_caso_Madeira.pdf. SWITKES, Glenn. A Pedra Fundamental da IIRSA. In: SWITKES, Glenn; BONILHA, Patrícia. Águas Turvas: Alertas sobre as Consequências de Barrar o Maior Afluente do Amazonas. São Paulo: International Rivers, 2008. p. 16. FURNAS, ODEBRECHT, LEME. Relatório de Impacto Ambiental das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, 2005. p. 36-38. Disponível em: http://www.amazonia.org.br/arquivos/195010.zip. Nota Técnica 071/2007, 4a Câmara da Procuradoria da República – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. GOULDING, Michael et al. Las Fuentes del Amazonas: Ríos, Vida y Conservación de la Cuenca de Madre de Dios. Asociación para la Conservación de la Cuenca Amazónica, 2003. p. 13. 2 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3A jirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156. 3 Idem. 4 Idem. 5 Trabalho escravo é encontrado em obra ligada à usina do Madeira. Publicado em 26 de outubro de 2009. Disponível em: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1664. 6 Um ano depois de quebra-quebra, operários da hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, entram em greve. Publicado em 14 de março de 2012. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimasnoticias/2012/03/14/operarios-da-hidreletrica-de-jirau-em-rondonia-voltam-a-cruzar-os-bracos-apos-um-ano.htm.. 7 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3A jirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156. 8 Atingidos por hidrelétrica Santo Antônio sofrem com alagamentos. http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/noticias/31-destaque/281-atingidos-por-hidreletrica-financiada-pelo-bndessofrem-com-alagamentos 9 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3A jirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156. 10 PLATAFORMA DHESCA. Relatório de Missão: Jirau Hoje, Belo Monte Amanhã. Maio de 2011. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=450%3 Ajirau-hoje-belo-monte-amanha-relatorio-aponta-violacoes-em-jirau-e-preve-repeticao-em-belo-monte-&catid=69%3Aantiga-rok-stories&Itemid=156. Agradecemos à jornalista Verena Glass pelas importantes contribuições e comentários.
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CASO VERACEL 1- Descrição do empreendimento O Projeto Veracel II pretende aumentar a produção da atual fábrica da empresa transnacional Veracel Celulose, uma das líderes mundiais no setor de celulose e papel, em mais 1,5 milhão de toneladas anuais. Para isso, ela solicitou licença para plantar mais 107 mil hectares de terra, totalizando uma área de cerca de 200 mil hectares de eucalipto em 17 municípios na região do sul
O complexo fabril da Veracel está sediado em Eunápolis desde 2005 e suas operações abrangem os municípios Canavieiras,
Verena Glass
da Bahia1.
Belmonte, Guaratinga, Itabela, Itagimirim, Itapebi, Mascote, Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, além de Eunápolis, todos com plantações de eucalipto2. No seu Relatório Anual de Sustentabilidade 2011, a empresa declara uma produção de 1,054 milhão de toneladas em 2011, com meta de 1,1 milhão de toneladas para 2012. Declara também que o total de terras em sua propriedade é de 211.424 hectares, que o plantio de eucalipto ocupa 90.453 hectares e que o seu Programa Produtor Florestal abrange um total de área plantada (2003 a 2011) de 20.442 hectares, totalizando 104 produtores rurais3. Apenas em Eunápolis, por exemplo, a área que a Veracel ocupa totaliza 40% das terras agricultáveis e 20,14%4 da área do município5. A empresa conta com o Terminal Marítimo de Belmonte (TMB), que viabiliza o escoamento da produção para o Portocel (Terminal Especializado Barra do Riacho S.A., no Espírito Santo), de onde a celulose segue para o mercado internacional, especialmente Europa, Estados Unidos e Ásia6. Originalmente com o nome de Veracruz Florestal, então subsidiária da Odebrecht, esta empresa começou a comprar terras no extremo sul da Bahia em 1991 e a plantar eucalipto em 1992. Cinco anos depois, a Odebrecht e a empresa sueca Stora se associaram. No ano seguinte, a razão social da empresa mudou para Veracel Celulose S.A. A fusão entre a Stora e a finlandesa Enso se concretizou em 1999. A Aracruz ingressou no empreendimento no ano seguinte, enquanto a Odebrecht diminuía a sua participação. Em 2000, as empresas proprietárias da joint venture Veracel Celulose S.A. eram a sueco-finlandesa Stora Enso, com 50% das ações, e a Aracruz Celulose S.A. (atualmente Fibria)7, com os outros 50%. A Fibria foi criada em 2009 como resultado da compra da VCP – Votorantim Papel e Celulose S.A., das ações do Grupo Lorentzen e do Banco Safra, que compunham a Aracruz Celulose. Com isso, o Grupo Votorantim e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se tornaram os proprietários da empresa, com mais de 1 milhão de hectares de terra no Brasil.
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CASO VERACEL Com uma área de 875 mil hectares plantados com eucalipto, a Fibria tem operações no Espírito Santo, em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Bahia. Ela opera quatro fábricas com capacidade de 5,25 milhões de toneladas de celulose por ano8. A estrutura societária da Fibria é composta da Votorantim Industrial S.A.9, com 29,34% das ações, da BNDESPar, com 30,42%10, e free float (ações em circulação no mercado). Ela participa com 51% da Portocel, além dos 50% da Veracel Celulose S.A.11. 2- Valor do empréstimo O BNDES concedeu um empréstimo à Veracel Celulose no valor de R$ 1,45 bilhão, aprovado em dezembro de 200312 (ano do início das obras de construção da fábrica, que entrou em operação em 2005)13. Este foi o maior investimento do BNDES para uma empresa privada no governo Lula14. Segundo informações disponibilizadas no site da então empresa Aracruz Celulose, a viabilização do projeto da fábrica da Veracel Celulose foi possível através dos subsídios dos seguintes bancos estatais de investimentos: R$ 1,4 bilhão do BNDES, US$ 80 milhões do Banco Europeu de Investimento (EIB) e US$ 70 milhões do Banco Nórdico de Investimento (NIB)15. O BNDES possui uma carteira para o financiamento a investimentos sociais de empresas, os propalados “programas sociais”, desde 2006. Segundo um parecer do Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia “a Linha de Investimentos Sociais de Empresas veio substituir o antigo Programa de Apoio ao Investimento Social (PAIS). Esta nova linha de financiamento está destinada à implantação, expansão e consolidação de projetos sociais realizados pelas empresas ou em parceria com instituições públicas ou organizações sem fins lucrativos. Esta linha se divide em duas modalidades: apoio a investimentos no âmbito das comunidades localizadas na área de influência geográfica da empresa e apoio a investimentos dentro da própria empresa. Para as ações destinadas às comunidades não são cobradas taxas de remuneração, apenas a Taxa de Juros a Longo Prazo (TJLP). O nível de participação do Banco vai até 100% do projeto”16. A Veracel foi beneficiada com um investimento social de R$ 19,7 milhões financiados pelo BNDES, diz o parecer. “Estes dados permitem refletir que o processo de legitimação da empresa junto às comunidades passa necessariamente pelo financiamento do Estado. Neste quadro, os programas de responsabilidades socioambientais das empresas não representariam uma ausência do Estado, mas sua forte presença monetária, administrada, entretanto, sob os critérios e auspícios da empresa”17. 3- Impactos socioambientais O processo de implantação da Veracel Celulose S.A., a partir de 1991 (então Veracruz Florestal), os plantios de eucalipto e a construção da fábrica de celulose promovem, desde o início, uma série significativa de crimes socioambientais, irregularidades e ilegalidades, amplamente denunciados por comunidades locais e vizinhas (população urbana, camponeses e indígenas), por trabalhadores e por organizações da sociedade civil18. Estas denúncias foram confirmadas pelo Instituto Brasileiro de
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CASO VERACEL Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Porto Seguro, constatadas e acionadas as responsabilidades pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), pela Justiça Federal e, mais recentemente, pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MPE), bem como pelo Ministério Público Federal (MPF). Em 2006, o MPF julgou uma ação civil pública e anulou todas as resoluções do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) referentes às licenças, além de ter condenado a Veracel à obrigação de recuperar todas as áreas plantadas com eucalipto. Apesar das denúncias e constatações oficiais, a implantação do empreendimento Veracel II foi facilitada e beneficiada por diversas concessões de licenças ambientais ilegais (com violações de leis ambientais de âmbito municipal, estadual e federal) por parte de órgãos ambientais locais, como o Cepram e o Centro de Recursos Ambientais da Bahia (CRA)19. Fábula da geração de empregos20 Na fase de implantação, a empresa divulgou a promessa de geração de mais de 12 mil empregos diretos e indiretos, porém, após o término das obras de instalação, a redução de empregos foi drástica. Trata-se de um setor altamente mecanizado que emprega poucos trabalhadores (em 2006, apenas 741). Considerando o investimento de US$ 1,5 bilhão aplicado na fábrica, o custo por emprego direto gerado é de US$ 2,02 milhões. Considerando a quantidade de terras, a relação é de um emprego direto para cada 103 hectares. O elevado nível de terceirização dos empregos torna-se um agravante por conta da intensa precarização do trabalho e da ausência de respeito aos direitos trabalhistas, afetando trabalhadores diretos e, sobretudo, indiretos. Em um levantamento feito pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), em 2007, junto ao Tribunal Regional do Trabalho, 5ª Região, constatou-se que a Veracel Celulose está envolvida em 863 processos na Justiça do Trabalho, parte deles sob a investigação do Ministério Público do Trabalho, além da alta taxa de LER/Dort21. Monocultura de eucalipto em grande escala, manejo e consequências socioambientais 22 Plantações em grande escala de espécies de árvores de rápido crescimento, como é o caso do eucalipto manejado no Brasil, aumentam a pressão sobre a vegetação nativa e as terras agricultáveis de grande valor e causam desastres ambientais e sociais, desestruturando economias locais. Desmatamento, plantio e violação de direitos socioambientais A Veracel cometeu os seguintes crimes/irregularidades: a) desmatamento da Mata Atlântica23 para o plantio de eucalipto nos anos 1990 (com ausência de conectividade entre as ilhas de vegetação nativa imersas no mar de eucaliptos). A empresa continua desmatando as áreas de regeneração; b) plantio de eucalipto dentro de perímetros urbanos (distritos e cidades) e dentro de cemitérios, com evidências de suborno de vereadores24 diante das tentativas de elaboração de leis limitantes por vereadores preocupados com a expansão desorganizada do eucalipto, a exemplo dos municípios de Canavieiras, Itagimirim, Santa Cruz de Cabrália,
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CASO VERACEL Porto Seguro e Eunápolis, de modo que o MPE25 chegou a instaurar inquérito26; c) plantios dentro de áreas das comunidades rurais, nas Áreas de Preservação Permanente (APPs), em encostas, margens de córregos, lagoas e rios, nas zonas de amortecimento de Unidades de Conservação (UCs), segundo o Ibama/2006, contrariando Recomendação nº 1 do Ministério Público Federal/Ilhéus/2005). Invasão de áreas tradicionalmente ocupadas a) Povo Indígena Pataxó – A Frente de Resistência Pataxó denuncia que, dos 120 mil hectares do Território Pataxó, a Veracel invadiu cerca de 30 mil hectares; somente dentro da Terra Indígena, identificada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) com 52.748 mil hectares 27, há 1.645 hectares com eucalipto da Veracel. Grave comprometimento da segurança alimentar a) destruição da agricultura tradicional familiar (pequenas e diversificadas produções de alimentos) e das lavouras de subsistências (situação diagnosticada já em 1998 pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia - SEP) e isolamento das poucas famílias restantes que permanecem ilhadas pelo plantio e sob grande pressão para venderem suas terras; b) migração de milhares de famílias da pequena produção rural para as periferias das cidades (famílias sem habilidades e qualificações para sobrevivência no espaço urbano), em função da crescente concentração de terras verificada da década de 1960 a 1980, portanto intensificada nos anos 1990 com a compra de vastas extensões de terras pelas grandes empresas do ramo da celulose28 e a invasão das terras devolutas com expulsão de posseiros29 – só o município de Eunápolis perdeu cerca de 7 mil famílias camponesas de 1996 a 2000 e a sua população urbana cresceu 33% entre 1991 e 200730; c) invasão de áreas do Estado – terras devolutas – que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária, bem como a supervalorização das terras dificultando a viabilização da Reforma Agrária. Inchaço e falta de perspectivas nas áreas urbanas atingidas a) no período da instalação da empresa na região (1991-1996), com a atração de mão de obra na construção da empresa (aproximadamente 4 mil trabalhadores), houve uma intensificação dos fluxos de migração a ponto de o crescimento demográfico da área urbana chegar a ser o mais alto do estado da Bahia31; b) aumento vertiginoso da prostituição e grande número dos chamados “filhos da Veracel” na época da construção da fábrica32; c) eliminação de oportunidades de emprego ou de ganhos para pequenos produtores independentes e pauperizados, atingidos pelas grandes perdas da população rural, em fenômeno conhecido como “expulsão do homem do campo”; d) crescimento desordenado das cidades na região atingida.
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CASO VERACEL Contaminação química do solo, das águas e dos trabalhadores (especialmente os terceirizados) a) uso de agrotóxicos nas plantações – o Roundup (da Monsanto), cujo princípio ativo é o Glifosato – e a Isca Mirex, cujo principio ativo é a sulfuramida33; b) a utilização de cloro na produção de celulose, utilização em 100% da tecnologia ECF (livre do cloro elementar e utilização do dióxido de cloro), que diminui mas não elimina totalmente a formação de dioxina (organoclorado altamente tóxico carcinogênico e teratogênico que leva de anos a séculos para se degradar), apesar de no EIA-Rima da construção da fábrica de celulose constar que a tecnologia a ser utilizada pela empresa seria a TCF (Totalmente Livre de Cloro), a empresa optou pela tecnologia ECF anos depois sem estudos complementares e nenhuma providência do órgão licenciador, o CRA, que manteve a licença34. Segundo informações do Cepedes, na região do extremo sul da Bahia, são cerca de 700 mil hectares de eucaliptos plantados, e, segundo informações da Veracel, são usados 9 litros de Roundup por hectare. Sobre a Isca Mirex, a empresa apenas informa que seu uso se dá em “quantidades seguras”35. O Glifosato e o Mirex são substâncias consideradas perigosas para a saúde pública e o meio ambiente em função de propriedades como a elevada persistência no meio ambiente, a capacidade de serem transportadas por longas distâncias através do ar e da água, além de serem substâncias altamente tóxicas e bioacumulativas. Na Convenção de Estocolmo passaram a ter sua produção e uso proibidos em nível global. Esta é mais uma das situações graves provocadas pela monocultura de eucalipto36. Impactos sobre os recursos hídricos (quantidade e qualidade)37 a) descumprimento de condicionantes, tal como a Resolução 707/93 do CRA em função do alto consumo de água pelas plantações e fábricas; b) redução de água disponível em comunidades vizinhas – verifica-se secagem rápida de rios, córregos e lagos após o plantio de eucalipto; c) elevado consumo de água na fabricação de celulose – água retirada do Rio Jequitinhonha, sendo 94 mil m3/dia – 100 mil habitantes consomem 6 mil m3/dia; d) lançamento de efluentes industriais nos rios Mucuri e Jequitinhonha (sob o controle da própria empresa); o Rio Santa Cruz foi afetado pelo uso ilegal por parte da Veracel de substância tóxica (multada pelo Ibama em 2007); e) a limpeza da lagoa de tratamento de efluentes só funciona se a fábrica estiver em funcionamento. Atualmente, várias centenas de milhares de metros cúbicos de sedimentos tóxicos encontram-se no fundo da lagoa. Em suma, hoje o extremo sul da Bahia é marcado pelo aprofundamento das desigualdades sociais e regionais provocado pela monocultura de eucalipto e pela produção de celulose que fornecem pouco trabalho e não produzem alimentos, forjando a cada ano um amplo rastro de violações de direitos humanos e socioambientais.
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CASO VERACEL 4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES Não há o conhecimento de condicionantes ou salvaguardas ambientais do BNDES. Porém, cabe citar que a empresa Veracel tem utilizado estratégias para legitimar suas atuações através de investimentos em saúde, educação, saneamento, segurança pública. Segundo consta em site da empresa, por meio do Instituto Veracel (criado em 2002, instaura e implementa a atuação da empresa na área de ação social), foram investidos milhões em ações consideradas sociais (“projetos sociais”) na área de influência de seu empreendimento. O Cepedes, em 2008, denunciou “fatos absurdos” sobre a orientação de coordenadores do Instituto Veracel e seus “projetos sociais”, como o projeto de educação envolvendo mais de 1.300 crianças, cujo funcionamento se deu quando foi conveniente para a empresa (nas visitas do BNDES e de visitantes estrangeiros e certificações), bem como o uso destas ações como marketing, além da cooptação de lideranças comunitárias e da promoção de conflitos no seio das comunidades38. A Veracel também tem financiado as polícias (Federal, Civil e Militar) da região, através da construção de quartéis e compra de viaturas como parte de “um programa de apoio ao desenvolvimento das atividades destas corporações”. Parte dos recursos destas ações, embora sejam apresentados como projetos apenas da empresa, conta com financiamento do BNDES, enfraquecendo o papel do Estado e lhe conferindo uma imagem de “responsabilidade social”. 5- Condicionantes dos órgãos ambientais Uma das alegações do Ministério Público Estadual (MPE) para se opor à duplicação da Veracel (Veracel II) é que as condicionantes da Veracel I ainda não foram cumpridas em diversos aspectos. Por isso, o MPE tem ajuizado contra a Veracel um grande número de ações ambientais e outras. Foi feito um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2010, mas, segundo o MPE, ele não foi cumprido e esse foi um dos motivos e forte argumento para o MPE elaborar uma consistente Notificação Judicial39 sobre a ampliação, na qual estão citadas as principais ações judiciais que existem. Com relação às condicionantes ambientais, a Veracel acumula descumprimentos, a exemplo: a) Resolução 707/1993 do CRA – Condicionante – “Plano de Manejo de preservação e manutenção da reserva florestal” – o descumprimento refere-se ao plantio de eucalipto “em áreas onde a vegetação nativa seja de Mata Atlântica, Cerrado e restinga ou áreas de tensão ecológica”; b) Resolução 1.239 do CRA – 19/7/1996 – comunidades rurais – Condicionante – “apoiar programas de incentivo à permanência e às atividades econômicas já existentes, sem lhes causar danos ou contribuir para a exclusão das áreas”; c) Limite máximo de ocupação de terras com eucalipto – Condicionante – máximo “15% das terras dos municípios litorâneos e 20% das terras dos demais municípios das áreas de influência direta” – a empresa não as cumpre ao promover concentração de terras, êxodo do campo e monocultura excedendo os limites.
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CASO VERACEL Para o projeto Veracel II, o EIA-Rima, assim como o da proposta inicial, apresentou graves e repetidas inconsistências. O Parecer Crítico referente ao Relatório de Impacto Ambiental do Projeto Veracel II, realizado pelo Cepedes e pela Fundação Padre José Koopmans, em julho de 2011, observa que “o Rima não preenche minimamente os itens básicos prescritos na resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) n° 001 de 23/1/1986, artigo 9, que enumera o que deve conter em um Rima”. Entre outras constatações de irregularidades, o Parecer destaca ainda: a) “A empresa que elaborou o EIA-Rima é a Cepemar, grupo formado por cinco empresas que trabalham com serviços ambientais, indústria do petróleo e gás, operação de portos e aeroportos e educação. A Suzano Bahia Sul, empresa produtora de celulose também localizada no extremo sul da Bahia, possui 55% das ações da Cepemar40. Esta empresa havia realizado o EIA-Rima do Plano de Expansão Portocel II (modernização e ampliação do porto) [no Espírito Santo] e da construção da terceira fábrica da Aracruz Celulose (atual Fibria)” (p. 5). b) “No contexto do licenciamento da nova fábrica da Veracel, a empresa contratou a consultoria chamada Ruschel & Associados. Esta empresa oferece, entre outros serviços, o ‘suporte em audiências públicas’” (p. 5). c) “O Rima carece de informações e análises sobre o que é umas das suas funções básicas – identificar os impactos ambientais. Não são mencionados quais agrotóxicos e formicidas e em quais quantidades a empresa vai utilizar para o cultivo dos eucaliptos (sabe-se que a Veracel faz uso corrente do Roundup)” (p. 7). Segundo o Parecer, muitas falhas graves foram encontradas, como a falta de ART’s para a prestação de serviços relacionados ao EIA-Rima conforme determina a resolução Cepram nº 3.961/2009. “Dez técnicos que integraram a equipe, inclusive o coordenador geral, estão com registros irregulares no Conselho Regional Engenharia Arquitetura (Crea). Através de consultas no sítio do Crea (regionais SP, MG, ES e BA) e por informações do Crea-BA vimos que seis técnicos estão irregulares em seu Crea de origem e quatro deles não possuem o visto para trabalhar na Bahia, conforme requer a resolução do Conselho Federal nº 191/70, no Artigo I: o profissional que pretende exercer atividade em qualquer região que não a de registro de origem deve requerer o visto na carteira profissional (Crea) ou na carteira de registro provisório”41. O Parecer aponta ainda que “conforme o diagnóstico sobre a silvicultura no extremo sul, elaborado pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA), a Veracel Celulose S.A. apresenta graves problemas em seu programa Fomento Florestal”. Segundo o Parecer, foram identificadas irregularidades em 85 propriedades em dez municípios: • Em relação às licenças municipais, a maioria dos plantios está sem licença ou com ela vencida. • Em relação à Reserva Legal
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CASO VERACEL – 60% não possuem RL averbada; – 32% – RL estão preservadas; – 15% não possuem área para RL, pois todo o empreendimento possui eucalipto ou pastagens. • Em relação à Área de Preservação Permanente (APP) – 70% estão ocupadas com pastagens, eucalipto ou estão completamente antropizadas; – 30% – totalmente preservadas ou com pequenas áreas em regeneração; – 1% não possui APP. Com relação ao Programa Produtor Florestal (Fomento Florestal), o Cepedes informa que “diversos problemas foram levantados nas plantações de eucalipto dos fomentos na região. Muitas licenças foram canceladas devido à origem irregular, como em Eunápolis, que teve licenças suspensas e plantios sequestrados pela justiça. No município de Itabela, todas as licenças estão canceladas através do decreto 1064/2011, publicado em 14 de julho de 2011”. “Neste contexto, a Veracel pretende ainda que 30% da madeira venha de áreas de fomento. O Rima silencia diante de todas essas graves irregularidades. E ainda ignora totalmente os casos judiciais, movidos pelo Ministério Público Estadual, envolvendo irregularidades de fomento na região e na empresa”42. Multas aplicadas Há várias multas aplicadas, ações judiciais e procedimentos administrativos, inclusive em andamento, contra as empresas Veracel e sua proprietária Aracruz/Fibria43 (por ilegalidades, irregularidades e crimes ambientais). Alguns exemplos relatados até 200844: a) Ibama – Auto de Infração 368874, 13/3/2007 – Multa de R$ 400 mil – uso ilegal (Lei nº 9.605/1998 e Decreto 3179/99) de substância tóxica (herbicida stout-NA – princípio ativo glifosato – fabricado pela Monsanto do Brasil) em 31,6 hectares de “área de preservação permanente, cabeceiras de nascentes, margens de córregos, matando toda a vegetação” (Relatório de Fiscalização do Ibama, 26/3/2007). Após parecer do Ibama, o Ministério Público Estadual (MPE) denunciou a empresa Veracel Celulose S.A. à Justiça Federal por crime ambiental; b) Ibama – Auto de Infração 212132, 22/12/2007 – Multa de R$ 360.900 – plantio em área de regeneração de Mata Atlântica (1.203 hectares) em desacordo com licença e autorizações recebidas. O TAC entre Veracel e CRA para revegetação de parte da área devastada não foi cumprido;
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CASO VERACEL c) Ibama – Multa de R$ 606 mil, em 2006 – plantio em 4,4% de área de amortecimento do Parque Nacional do Descobrimento e do Parque Nacional Pau Brasil – descumprimento da Lei nº 9.985/2002 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação – Snuc) e da Lei nº 013/90 (Conama) – os plantios tiveram licença do CRA45; d) MPF – Multa de R$ 20 milhões por crimes ambientais. (ver item 7) 6- Duplo padrão Essa questão se aplica à transnacional Stora Enso como proprietária da empresa Veracel Celulose, que aplica seus recursos em diversos países, inclusive o Brasil. Podemos afirmar que a Stora Enso se comporta de modo totalmente diferente nos seus países de origem (Finlândia e Suécia) se comparada com o Brasil. Lembrando alguns aspectos e fatos que já repercutiram na Suécia: (1) Financiamento direto de campanhas políticas (presidente, governador de estado, deputados federal e estadual, senador, prefeitos e vereadores). Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, em 2006, a Stora Enso financiou R$ 1.006.604,0046. Na Suécia não é permitido o financiamento privado de campanhas políticas; (2) As maiores doações diretas das papeleiras para campanhas eleitorais foram feitas pela Aracruz Celulose/Fibria (R$ 4,7 milhões em 2010)47, empresa sócia da multinacional sueco-finlandesa Stora Enso, ambas proprietárias da Veracel Celulose; o governador da Bahia, Jaques Wagner, recebeu R$ 250 mil na eleição de 201048; (3) Sobre as atividades destas empresas no Brasil, é importante destacar que seu processo industrial poluidor utiliza produtos químicos perigosos. A escolha do Brasil é interessante para estas empresas porque a fiscalização ambiental é mais frágil, e há certamente menos condicionamentos ambientais do que nos países nórdicos em relação a isso; (4) a Veracel tem financiado as corporações policiais (Federal, Civil e Militar) no extremo sul da Bahia, também uma prática que os nórdicos consideram, no mínimo, estranha. Podemos citar também que, em 2007, a Stora Enso demitiu 2.109 trabalhadores na Europa, enquanto anunciava a construção de nova fábrica de celulose na Bahia (Veracel II) e no Uruguai, sem intervenção do governo sueco, pois “Os negócios externos são o fundamento do bem-estar da Suécia” (palavras do governo da Suécia)49. (5) Processo de certificação selo FSC (sigla em inglês para Conselho de Manejo Florestal) – A Veracel nunca poderia ter sido certificada pelos inúmeros problemas já listados neste documento. Há anos que Organizações Não Governamentais (ONG) como a Timberwatch Coalition (África do Sul), o FSC-Watch e fóruns de movimentos sociais como a Rede Alerta Contra o Deserto Verde (Brasil) e o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicas (WRM, sigla em inglês) pressionam o FSC, sem sucesso, para parar de certificar monoculturas em larga escala. O Cepedes, junto com quarenta outras ONGs, sindicatos, movimentos ambientalistas e comunidades indígenas, enviou uma carta para informar o FSC sobre os impactos negativos da Veracel. Contudo, a Veracel recebeu o certificado/selo50. Diante das ilegalidades e irregularidades, o Cepedes afirma que o selo FSC serve apenas para enganar os consumidores no
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CASO VERACEL Norte Global. “Esta certificação comprova que todo processo produtivo de uma empresa, desde a produção de sementes de eucalipto até a fabricação de celulose, é realizado de forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável. E pelo que podemos verificar ela é apenas economicamente viável... e economicamente viável para os seus acionistas estrangeiros! Restam apenas miséria, fome e desemprego para o povo brasileiro!”51 7- Atuação do Ministério Público MPF (Ministério Público Federal) – Subseção Judiciária de Eunápolis a) Processo 2006.33.10.005010-8 (Diário Oficial da União - DOU 17/06/2008) – Decorrência de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), em 199352, contra: Veracel (Veracruz Florestal na origem do processo), Ibama, IMA e CRA. Sentença: multa de R$ 20 milhões por crimes ambientais (desmatamentos da floresta nativa de 96 mil hectares nos municípios de Eunápolis, Belmonte e Santa Cruz Cabrália nos anos 1990); sentença: reflorestamento da área desmatada com vegetação nativa do bioma da Mata Atlântica. A sentença judicial desqualifica o CRA como órgão competente para licenciar as atividades da Veracel e anula as licenças ambientais concedidas entre 1993 e 1996 (Estado da Bahia e pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente – Cepram); sentença: obriga elaboração do EIA-Rima. Ministério Público Estadual a) Procedimento Administrativo Portaria nº 15/26/052008 – Promotoria de Justiça da Comarca de Eunápolis/BA – para
que a empresa revegetasse a área total devastada, 1.203 hectares;
b) Recomendação nº 001/2008 – parte do Inquérito Civil nº 03/2008 – omissão do Estado da Bahia em proceder
com o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) [artigo 46 do Código Florestal], omissão do CRA em proceder com a
fiscalização efetiva da degradação ambiental provocada pela Veracel (plantio indiscriminado de eucaliptos) prejudicando a sustentabilidade econômica do município de Eunápolis/BA, que o CRA reconsidere os limites de 20% para plantio de eucalipto no município (condicionante), pois a Veracel ocupa (2008) 15,1% da área do município com eucaliptos e 40% das terras agricultáveis;
C) Ação Civil Pública nº 1081418-5/2006 contra Veracel e o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Eunápolis
(Comdau) – pedido de nulidade de votação de licenças ambientais para quatro projetos de Fomento Florestal: não é
competência do município, mas do estado, conceder este tipo de licenciamento; a Veracel influenciou votação das
licenças; faltou EIA-Rima – havia várias áreas com proposta acima de 100 hectares (Resolução 001 do Conama); o
presidente do Comdau “passou a ser Secretário [Municipal] do Meio Ambiente por exigência da empresa, da qual o
gestor do Município esperava receber adiantamento de impostos, o que não foi conseguido em razão da intervenção deste signatário já nas proximidades da eleição de 2004, que enviou ofício à empresa advertindo-a que tal conduta era crime”;
D) Ação Civil Pública nº 1081431-8/2006 – improbidade administrativa contra o prefeito de Eunápolis e dois conselheiros
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CASO VERACEL
do Comdau, Veracel e outros, por favorecimento de interesses da empresa;
E) Portaria 14/16-04-2008 – 2ª Promotoria Pública/BA – inquérito/subornos: “caracteriza ato de improbidade previsto
no artigo 11 da Lei 8.429/92, pois tal conduta caracteriza o delito de corrupção passiva e ativa por parte dos vereadores”,
por ocasião da votação de leis municipais limitantes do plantio/eucalipto;
F) Ação Civil Pública nº 2497100-2 2009 – Decisão (29/9/2009) do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, acatando
pedido de liminar proposta pelo MPE na citada Ação Civil Pública contra a empresa Veracel Celulose e autoridades
ambientais da Bahia. O juiz decidiu: proibição do plantio de eucalipto da Veracel em Eunápolis, até a “adequação das
áreas que lhe foram legalmente licenciadas”; que o IMA e o Cepram da Bahia não poderiam mais conceder licenças
para o plantio em Eunápolis até que fosse concluída uma Avaliação Ambiental Estratégica e implementado
um Zoneamento
Ecológico e Econômico do município; o limite máximo no município de Eunápolis de 20% de plantio de eucalipto,
conforme o condicionante 1.239 de 1996, sendo plantio próprio da empresa e também o plantio terceirizado através
do chamado “fomento florestal”; determinou que apenas as terras agricultáveis fossem consideradas e não toda a área
do município; que sejam excluídas as áreas urbanas, as de reserva legal e de preservação permanentes; que os órgãos
competentes façam uma avaliação ambiental estratégica conforme as necessidades do município em termos da
expansão das atividades “agropecuárias”, com ênfase nas atividades de agricultura de subsistência, preocupação com a
segurança alimentar do município; que sejam divulgados o nome e a qualificação das empresas que assumirão
a tarefa de realizar essa avaliação ambiental estratégica. O juiz baseia essa determinação numa constatação do próprio
IMA, que existem 37 mil hectares de “plantio clandestino”, sem falar dos plantios do fomento, “que estão regulares
ou ilegais, os quais conduzem ao enriquecimento ilícito da aludido empresa, por meio de aquisição de matéria
prima de origem ilícita (...), com enormes prejuízos para o meio ambiente”; o juiz determinou ainda que é preciso um
acompanhamento “a cada corte” (licença permite um máximo de 96 mil hectares); que o Cepram cobre recursos
financeiros da Veracel como compensação ambiental pelo plantio de eucalipto “autorizado aleatoriamente”, para ser
usado para criação de unidades de conservação, e para que reveja o licenciamento ambiental do fomento; por fim,
determinou que o Banco do Brasil e o BNDES não liberem novos recursos para o plantio de eucalipto no município de
Eunápolis que tenha como beneficiário a Veracel, considerando que tais plantios são considerados ilícitos. Por fim,
requer que seja aplicado aos requeridos os ônus da sucumbência. Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.000.000,00
(um bilhão de reais)53;
G) Processo nº 0002057-50.2011.805.0079 – Notificação Judicial (art. 867 e SS. do CPC), 18/7/2011; Ordem nº 2189/20-
07-2011 – dirigida ao Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Eunápolis/BA, contra a Veracel Celulose S.A.; o Estado da Bahia; o Cepram – Conselho Estadual do Meio Ambiente, órgão consultivo, deliberativo e recursivo do Sistema de Administração dos Recursos Ambientais, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente (Sema); o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema); a Cepemar Serviços de Consultoria de Meio Ambiente Ltda.,
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CASO VERACEL pessoa jurídica de direito privado, com sede em Vitória (ES); e a Cosmos Engenharia e Planejamento Ltda., pessoa jurídica de direito privado, com sede em Lauro de Freitas/BA. Refere-se: a uma série de pendências legais mediante diversos processos de crimes ambientais, promovendo a miséria a centenas de famílias que gravitam sem seu entorno; ao enganoso e irregular EIA-Rima, além da obtenção de licenças ambientais contínuas e de procedência ilegal no
processo assombroso de expansão das atividades da empresa sem os EIAs-Rimas; às transgressões normativas que não
se limitam a irregularidades ambientais, mas também outras, de natureza imobiliária igualmente preocupantes,
e “a Veracel, como empreendedora, não poderia cogitar de ampliação nas suas atividades de silvicultura, enquanto
não resolvesse o seu extenso passivo ambiental”. A Notificação, tratando de prevenir responsabilidades e garantir
direitos difusos, se reporta, aos bilhões de dólares injetados pela Veracel em seu empreendimento, “valendo-se
dos recursos públicos que lhe são repassados pelo BNDES, sem nenhum controle e em detrimento ao meio ambiente
e ao desenvolvimento sustentável”. A Notificação corresponsabiliza o BNDES por financiar “ações ilícitas da Veracel
– daí podendo surgir responsabilidade solidária para o referido banco, pelos ilícitos ambientais praticados em parceria
(...); e determina que seja dado aos notificados (...) conhecimento dos termos desta notificação judicial, para que adote
providências em relação aos novos financiamentos ou novos repasses de créditos para plantio de eucalipto, ou para a
ampliação da fábrica de celulose da Veracel, no município de Eunápolis/BA” - Eunápolis, Bahia, 18 de julho de 2011.
MPF e MPE (conjuntamente) a) Processo nº 1697-69.2011 – 9/8/2011 – Ação Civil Pública – contra a Veracel Celulose S.A., o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), estado da Bahia, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) e o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Determina: suspensão do processo de licenciamento ambiental em curso no Inema e Cepram para a ampliação das atividades de plantação de eucalipto da Veracel Celulose S.A., no estado da Bahia (nº do processo no Inema: 2007-008437/TEC/LL-0084), “bem como que se oficie ao Ibama, para o cumprimento de suas atribuições, e ao BNDES, para se acautelar em proceder com financiamentos de empreendimentos ilícitos” (Eunápolis/BA, 9/8/2011). b) Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado da Bahia, que suspendeu (9/8/2011) o processo de licenciamento ambiental em curso no Inema e Cepram para a ampliação das atividades de plantação de eucalipto da Veracel Celulose S.A., no estado da Bahia, oficiando-se ao Ibama para o cumprimento de suas obrigações e ao BNDES que se acautele em proceder com financiamentos de empreendimentos ilícitos. Posteriormente, a liminar foi derrubada e a licença prévia concedida (portaria 2,253/2012 (http://ceas.com.br/?p=860)). Impunidade Não há conhecimento de casos em que a empresa tenha cumprido as condenações judiciais (descritas) e, quanto às multas, a empresa não costuma pagá-las54.
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CASO VERACEL
1 Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) Veracel II. 2 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011. 3 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011. 4 Instituto de Meio Ambiente (IMA) – apresentação em março de 2009, (fonte: Cepedes, 2012). 5 CEPEDES; SOUZA, Ivonete G.; OVERBEEK, Winfridus. Violações socioambientais promovidas pela Veracel Celulose, propriedade da Stora Enso e Aracruz Celulose: uma história de ilegalidades, descaso e ganância. São Paulo: Expressão Popular, 2008. 6 Disponível em: www.veracel.com.br. Acesso em 2011. 7 GOMES, Helder; OVERBEEK, Winfridus. Aracruz Credo - 40 anos de violações e resistência no ES. Rede Alerta Contra o Deserto Verde e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Vitória, 1a Edição, 2011. 8 Disponível em: http://www.fibria.com.br/web/pt/institucional/quem.htm. Acesso em: novembro de 2011. 9 “(...) o Grupo Votorantim é atualmente o quarto maior grupo privado do Brasil, concentra operações em setores de base da economia que demandam capital intensivo e alta escala de produção, como cimento, mineração e metalurgia (alumínio, zinco e níquel), siderurgia, celulose e papel, suco concentrado de laranja e autogeração de energia. No mercado financeiro, atua por intermédio da Votorantim Finanças e, em Novos Negócios, investe em empresas e projetos de biotecnologia, pesquisas minerais e especialidades químicas. (...) em 2001, criou a holding Votorantim Participações (VPar).” Disponível em: http://www.votorantim.com.br. Acesso em: novembro de 2011. 10 “Posição acionária em 31 de julho de 2011. O BNDESPar tem uma participação de 21% vinculada a um acordo de acionistas com a VID (Votorantim) durante os primeiros três anos, e 10,9% nos dois anos seguintes.” http://fibria.infoinvest.com.br/ptb/4540/ApresentaoCorporativaAgo2011.pdf. Apresentação Corporativa, agosto, 2011. 11 FIBRIA. Apresentação Corporativa, agosto, 2011. Disponível em: http://fibria.infoinvest.com.br/ptb/4540/ApresentaoCorporativaAgo2011.pdf. Acesso em: novembro de 2011. 12 “Com financiamentos totais do BNDES de R$ 1,45 bilhão, o projeto Veracel contempla, também, o plantio de 84 mil hectares de florestas e programas sociais nas áreas de educação, saúde e infraestrutura”, Relatório Anual BNDES 2004. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_es/Galerias/RelAnualEspanol/ra2004/cap/estrutura.swf?-39000. Acesso em: 7 de setembro de 2012.
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13 “Em 2004, os desembolsos do BNDES para projetos de empresas do setor de papel e celulose alcançaram R$ 1,05 bilhão, com aumento de 144% em relação ao ano anterior”, Relatório Anual BNDES 2004. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_es/Galerias/RelAnualEspanol/ra2004/cap/estrutura.swf?-39000. Acesso em: 7 de setembro de 2012. “Diretamente, o BNDES desembolsou R$ 13,8 bilhões [de 2001 a 2010], sobretudo para os grandes projetos de celulose e para a operação de renda variável da fusão da VCP com a Aracruz, que originou a Fibria, maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo. (...) A média de desembolso no período foi alta: R$ 1,3 bilhão por ano. A maior liberação (R$ 3,6 bilhões) foi em 2009, um ano atípico, tanto por causa da crise financeira internacional quanto pela operação de renda variável que deu origem à Fibria, impulsionando os desembolsos em R$ 2,4 bilhões.” VIDAL, A. C.; HORA, A. A atuação do BNDES nos setores de florestas plantadas, painéis de madeira, celulose e papéis: o período 2001-2010. p. 133 e 147. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set3404.pdf. Acesso em: 7 de setembro de 2012. 14 O então presidente Lula recebeu financiamento da Veracel Celulose para sua campanha (CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008). 15 http://www.aracruz.com.br/show_inv.do?act=news&id=1000348&lang=1 e Relatório Anual Aracruz Celulose e da Veracel Celulose, 2004 (apud CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008, p. 34). 16 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. 17 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. 18 Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rede Alerta Contra o Deserto Verde (RACDV), Greenpeace, entre outras. 19 O CRA foi transformado em Instituto do Meio Ambiente (IMA), pela Lei nº 11.050, de 6 de junho de 2008. Recentemente, o IMA foi extinto na junção com o Ingá (Instituto de Gestão das Águas e Clima) pela Lei Estadual 12.212 de 4/5/2011, que criou o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), uma autarquia vinculada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema). 20 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008 e Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Celulose e Papel (Sindicelpa). 21 LER – Lesões por Esforços Repetitivos – e Dort – Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho. 22 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. World Rainforest Movement (WRM); Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba); Instituto de Estudos do Sul da Bahia (Iesb). 23 O centro de pesquisas Cepedes em Eunápolis tem imagens da Veracel – anos 1990 – na época ainda chamada de Veracruz, desmatando a Mata Atlântica com trator e correntões.
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24 “O Ministério Público tem provas de crimes ambientais, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e corrupção. Temos um depoimento de um vereador que foi comprado pela Veracel para convencer seus colegas a aprovar leis favoráveis”, Promotor de Justiça João Alves da Silva Neto. Entrevista a Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse An-Katrien. Revista Mondiaal Nieuws (MO*) em 2010; Ministério Público do Estado da Bahia – Portaria 14/2008, 16/4/2008 – 2ª Promotoria Pública da Bahia; Jornal Brasil de Fato – Veracel compra servidores na Bahia para plantio irregular de eucalipto, edição 285, 14 a 20 de agosto de 2008. www.nossacara.com, atualização em 31 de março de 2008. 25 Ministério Público do Estado da Bahia. 2ª Promotoria Pública da Bahia. Portaria 14/2008, de 16 de abril de 2008. 26 www.nossacara.com, 31 de março de 2008, apud CEPEDES, SOUZA, OVERBEEK , 2008. 27 Publicação pela Funai no Diário Oficial da União nº 41, de 29 de fevereiro de 2008, p. 109-113 28 Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEP), 2008. 29 Organizações sociais da região afirmam que a Veracel plantou eucalipto em cerca de 30 mil hectares de terras devolutas. 30 SEP, 1998; CEPEDES, 2005; CEPEDES, 2008. 31 SEP, 1998. 32 Os Filhos esquecidos da Veracel, Correio Brasiliense, 28 de agosto de 2008. Conselho Tutelar do Município de Itapebi/Ba; CEPEDES, 2008. 33 “Por hectare plantamos 833 árvores. Em sete anos elas atingem uma altura de trinta metros e estão prontas para a colheita. Durante o primeiro ano pulverizamos por hectare nove litros de glifosato”, David Fernandes, funcionário da Veracel. Entrevista a Leopold Broers e An-Katrien Lecluyse An-Katrien. Revista Mondiaal Nieuws (MO*), 2010. 34 O Greenpeace, na época da Conferência Rio 92, fechou o porto de exportação da Aracruz Celulose (atual Fibria), denunciando contaminação indiscriminada no mar pelo efluente da fábrica de celulose, inclusive com organoclorados como a dioxina. 35 VERACEL. Relatório Anual de Sustentabilidade 2011. 36 CEPEDES, 2011. 37 Revista Science. Trading Water for Carbon with Biological Sequestration. Robert B. Jakson ET AL. Dezembro de 2004, vol. 310, p.1944-1947; Livro do Cepedes, 2008. 38 CEPEDES, 2008, p. 83-87. 39 Notificação Judicial/MPE (art.867 e SS. Do CPC), Eunápolis/BA, 18 de julho de 2011. Disponível em: http://www.4shared.com/document/GM0vBKC8/Notificao_Ampliao_-__VERACEL.html.
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40 “A Suzano surpreende o mercado com uma nova aquisição. O grupo informou nesta terça-feira (7), a aquisição de 55% das empresas da área ambiental do Grupo Cepemar, através da criação de uma nova holding, que inclui a Cepemar Meio Ambiente, a Marine Survey, a Unimar, a Terramar, a Cepemar Enviromental Services (EUA) e a participação na empresa Brasil Supply. Com essa iniciativa, o grupo marca, definitivamente, sua entrada no setor relacionado ao Meio Ambiente”. Disponível em: http://pop.celuloseonline.com.br/noticias/Nova+holding+da+Suzano+prev+investimen tos+de+R+50+milhes. Acesso em: 4 de setembro de 2011. 41 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. 42 CEPEDES; SOUZA, OVERBEEK, 2008. 43 “Cabe observar que a atuação da Fibria não é diferente da Veracel, com diversos casos de abusos dos Direitos Humanos, como invasão de terras indígenas e quilombolas no estado do Espírito Santo, desvio do cursos de água, envenenamento de águas, desrespeito às comunidades Indígenas e quilombolas, entre muitos outros”. Cf. GOMES, Helder; OVERBEEK, Winfridus. Aracruz Credo - 40 anos de violações e resistência no ES. Rede Alerta Contra o Deserto Verde e Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, Vitória, 1a Edição, 2011. 44 CEPEDES, 2008. 45 Ibama multa Aracruz em R$ 606 mil, Jornal da Tarde, 4 de abril de 2006. 46 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br. 47 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br. 48 Tribunal Superior Eleitoral, www.tse.gov.br. 49 DVD Porque nós não comemos eucalipto?, Escola Nórdica, UbV, MST, 2007. 50 DVD Porque nós não comemos eucalipto?, Escola Nórdica, UbV, MST, 2007. 51 CEPEDES. Carta Aberta às mulheres e homens de boa vontade. 20 de junho de 2007. 52 Ministério Público Federal da Bahia. Nota à Imprensa: Veracel é condenada a pagar R$ 20 milhões por desmatamento. Assessoria de Comunicação, 10 de julho de 2008. 53 Fonte: Informativo Cepedes, 5 de outubro de 2009. 54 CEPEDES, 2008.
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Megaeventos Esportivos 1- Descrição do empreendimento Megaprojetos de infraestrutura, mobilidade urbana, reformas e/ou construções de estádios de futebol e projetos de urbanização a serem realizados com a alegação de que são necessários para que o Brasil receba a Copa do Mundo de futebol, a ser sediada por 12 cidades brasileiras (Manaus, Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre), em 2014, e as Olimpíadas, na cidade do Rio de Janeiro, em 2016. Grande parte dessas megaobras será construída, com financiamento público, pelas sete maiores empreiteiras do país: Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, Delta e Galvão Engenharia. Juntas, elas somaram, em 2010, uma receita bruta de R$ 28,5 bilhões1. O estudo de viabilidade dos projetos ficou a cargo do Consórcio Copa 2014. O Consórcio “consiste em uma entidade consultiva formada por empresas privadas e voltada a auxiliar o poder público federal a tomar decisões relacionadas ao evento. Neste âmbito consta apenas o chamado Consórcio Copa 2014. Segundo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), de 2010, sobre os preparativos para a Copa do Mundo, a Empresa Brasileira de Engenharia de Infraestrutura Ltda. (Ebei), a Galo Publicidade, Produção e Marketing Ltda., a Value Partners Brasil Ltda., a Value Partners Management Consulting Ltda. e a Enerconsult S.A. foram conjuntamente contratadas pelo Ministério dos Esportes para realizarem os primeiros estudos de viabilidade demonstrando as necessidades de cada uma das cidades-sede brasileiras para o fornecimento da infraestrutura demandada pela Federação Internacional de Futebol (Fifa)”2. 2- Valor do empréstimo Cerca de 50% dos recursos destinados aos empreendimentos provêm do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Caixa Econômica Federal (CEF), com utilização de recursos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)3.
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Megaeventos Esportivos Segundo o BNDES, estas são as ações empreendidas em relação à Copa 2014, no exercício de 2010: “Lançamento dos Programas BNDES ProCopa Turismo e BNDES ProCopa Arenas. O primeiro tem dotação orçamentária de R$ 1 bilhão e é destinado à construção, reforma e ampliação da rede hoteleira no Brasil, tendo em vista a demanda projetada pela realização da Copa do Mundo de 2014. (...) Os prazos de financiamento poderão chegar a até 12 anos, em caso de modernização, e até 18 anos para construção de novas unidades. Para grandes empresas, a participação máxima do Banco será de 80%. Para micro, pequenas e médias empresas (MPMEs), o percentual pode atingir 100%. O segundo programa possui dotação orçamentária de R$ 4,8 bilhões para apoio a projetos de construção e reforma das arenas que receberão os jogos da Copa e de urbanização do seu entorno. (...) Os prazos de financiamento são de até 180 meses, já incluído o período de carência de até 36 meses. A participação máxima do BNDES é de até 75% do custo total, limitada a R$ 400 milhões por projeto, incluindo os investimentos no entorno” (BNDES, Relatório de Gestão/Exercício 2010, p. 15)4. Acrescente-se ainda, segundo o Relatório do Tribunal de Contas, o empréstimo do BNDES de R$ 1,3 bilhão para a obra da Transcarioca ou Corredor T5, única obra de mobilidade urbana em que o Banco estaria envolvido, que fará a ligação do bairro Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Além destas obras, já se tem a previsão, conforme estudo do Instituto Mais Democracia, de comprometimento do BNDES no financiamento aos investimentos que serão necessários no caso das privatizações dos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, em São Paulo, e Juscelino Kubitschek, em Brasília – a estimativa é de algo em torno de RS 10 bilhões. 3- Impactos socioambientais Modelo de planejamento importado, sem raízes e fora do contexto As demandas de intervenções urbanas têm sido dadas emergencialmente para atender aos critérios exigidos pelos patrocinadores e não pela população e pelos planejadores locais, no contexto das reais necessidades das cidades e de seus moradores e para além da realização desses dois eventos esportivos. Além disso, os megaeventos têm se apresentado como a oportunidade ideal para a realização de um processo de “higienização”, já em curso, nas cidades-sede da Copa e no Rio de Janeiro5. Violação do direito à moradia A combinação da insegurança da posse da propriedade com o fato de serem comunidades de baixa renda localizadas em frentes de expansão imobiliária tem feito dessas comunidades focos preferenciais para a passagem de obras como a do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) ou mesmo de projetos de urbanização que retiram a população desses lugares6. A realização dos megaeventos esportivos “agrega um novo elemento: grandes projetos urbanos com extraordinários impactos
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Megaeventos Esportivos econômicos, fundiários, urbanísticos, ambientais e sociais. Dentre estes últimos sobressai a remoção forçada, em massa, de 150.000 a 170.000 pessoas (os governos se recusam a dar informações precisas). Dentre os inúmeros casos relatados pelos Comitês Populares da Copa destas cidades, emerge um padrão claro e de abrangência nacional. As ações governamentais são, em sua maioria, comandadas pelo poder público municipal com o apoio das instâncias estaduais e, em alguns casos, federais, tendo como objetivo específico a retirada de moradias utilizadas de maneira mansa e pacífica, ininterruptamente, sem oposição do proprietário e por prazo superior a cinco anos (premissas para a usucapião urbana). Com o objetivo mais geral de limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fins comerciais”7. Remoções e despejos Não há uma estimativa nacional oficial de quanto será gasto, de quantas famílias ou de quantas comunidades devem ser removidas pelas obras ligadas à Copa do Mundo, às Olimpíadas e às Paraolimpíadas de 2016. De acordo com dados do dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), até o início de dezembro de 2011, havia 21 casos de vilas e favelas que foram desocupadas nas cidades de Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo os relatos presentes no estudo, os despejos aconteceram sem respeitar legislação sobre o tema8. Segundo o dossiê, estes são “alguns dos casos mais alarmantes, já que trata da atividade fim, quando o poder público já não mais negocia, apenas mostra sua força diante do cidadão mais desprovido. São aplicadas estratégias de guerra e perseguição, como a marcação de casas a tinta sem esclarecimentos, a invasão de domicílios sem mandados judiciais, a apropriação indevida e a destruição de bens móveis, a terceirização da violência verbal contra os moradores, as ameaças à integridade física e aos direitos fundamentais das famílias, o corte dos serviços públicos ou a demolição e o abandono dos escombros de uma em cada três casas subsequentes, para que toda e qualquer família tenha como vizinho o cenário de terror”9. Entre outros casos, o dossiê cita ainda o caso emblemático do Parque Linear Várzeas do Tietê, em São Paulo, onde mais de 4 mil famílias já foram removidas do local sem serem consultadas sobre a implantação do parque e sem saber para onde iriam. Outras 6 mil famílias aguardam sem saber seu destino10. Reassentamentos problemáticos Segundo os moradores, em geral, estão sendo oferecidas alternativas de moradia em locais muito distantes do original, onde não existem postos de saúde nem rede de transporte público. Também há relatos sobre conjuntos habitacionais que estão sendo construídos em aterros sanitários ou em locais onde funcionaram lixões, como é o caso de um conjunto que ficará muito próximo do antigo lixão do Jangurussu, em Fortaleza11.
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Megaeventos Esportivos Falta de informação e de canais de diálogo com o poder público “A falta de informações, de conhecimento dos projetos e de canais de diálogo com o poder público é também uma constante em todas as comunidades. Sem nenhuma conversa prévia, de repente, um morador acorda de manhã cedo e vê pessoas medindo e marcando sua casa, sem saber o que se passa.”12 De acordo com o dossiê da Ancop, as estratégias utilizadas uniformemente em todo o território nacional se iniciam quase sempre pela produção sistemática da desinformação, que se alimenta de notícias truncadas ou falsas, a que se somam propaganda enganosa e boatos. “Em seguida, começam a aparecer as ameaças. Caso se manifeste alguma resistência, mesmo que desorganizada, advém o recrudescimento da pressão política e psicológica. Ato final: a retirada dos serviços públicos e a remoção violenta. Em todas as fases há uma variada combinação de violações aos direitos humanos: direito à moradia e direito à informação nestas situações caminham juntos, como juntas caminham as violações que se concretizam.”13 Mudanças recentes no plano diretor municipal Propostas pelo poder Executivo, estas mudanças dificultaram bastante a situação das comunidades mais vulneráveis. “Com elas, foram retirados das áreas de ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) os imóveis vazios próximos às áreas onde estão comunidades que foram definidas como ZEIS para que pudessem ser urbanizadas e consolidadas. Ou seja, nestas áreas, agora, será ainda mais difícil transformar imóveis vazios em habitação de interesse social. E nas proximidades de muitas das comunidades que hoje estão sendo removidas existem muitos terrenos e imóveis vazios que poderiam ser reutilizados e servir de alternativa de moradia a essas pessoas.”14 Violações cometidas em relação aos acordos internacionais 1 - Organização das Nações Unidas sobre o Direito à Cidade e à Moradia Digna – Comentário Geral nº 4, sobre o Direito à moradia adequada, trazido pelo Art. 11 do Pacto Internacional pelos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Segurança Jurídica da Posse; Disponibilidade de Serviços e Infraestrutura; Custo da Moradia Acessível; Habitabilidade; Acessibilidade; Localização; Adequação Cultural. Em maio de 2012, Estados integrantes do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) recomendaram ao Brasil que não permitisse que as obras de preparação do país para a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 gerassem violações do direito à moradia ao provocarem remoções forçadas. “A discussão se deu no âmbito da participação do país na Revisão Periódica Universal (UPR), um mecanismo criado pela Assembleia Geral da ONU em conjunto com o Conselho para avaliar, a cada quatro anos, a situação dos direitos humanos em cada país. O tema do direito à moradia no contexto dos megaeventos foi um dos principais objetos das recomendações que a ONU enviará ao Brasil. (...) Em março de 2010, este órgão aprovou uma resolução sobre megaeventos esportivos e direito à moradia, na qual ‘clama os Estados, no contexto dos megaeventos, a promover o direito à moradia adequada e a criar um legado habitacional sustentável’.”15
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Megaeventos Esportivos 2 - Na Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada, existem, desde 2007, os “Princípios básicos e orientações para remoções e despejos causados por projetos de desenvolvimento”16. 3 - Além disso, em 1997, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que monitora a implementação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), do qual o Brasil é signatário, publicou o Comentário Geral nº 7, que trata de despejos e remoções forçadas17. Trabalho e precarização Em relação ao comércio ambulante e/ou trabalhadores informais, as prefeituras têm atuado de modo autoritário, higienista e excludente. Segundo a primeira edição do dossiê da Ancop, “o impacto para os trabalhadores informais já vem sendo sentido nas cidadessede para a Copa do Mundo, e não se restringe à impossibilidade de atuar em vias de acesso e no entorno dos estádios. Com uma perspectiva criminalizadora da pobreza e sob um discurso de incentivo ao turismo e de ordenação e limpeza de áreas valorizadas das cidades, muitas prefeituras estão implementando medidas de repressão ao trabalho informal. Mesmo antes de a Copa iniciar e de ser aprovada a Lei Geral da Copa, já são constatadas restrições ao direito ao trabalho no entorno dos estádios e nas cercanias de eventos relacionados”. O dossiê destaca os casos de Belo Horizonte, São Paulo, Brasília e Salvador18. De modo geral, conforme o dossiê, “espaços tradicionais de comércio informal, como ruas movimentadas, praças, parques, praias, camelódromos, feiras e mercados livres, estão sendo restringidos através de regulamentações excessivas e exigências descabidas ou abusivas. Com isso, vendedores ambulantes, artesãos, artistas de rua, feirantes, profissionais do sexo e outros trabalhadores estão tendo suas atividades prejudicadas ou mesmo inviabilizadas, em claro desrespeito do direito ao trabalho. (...) Também aqui, verificam-se violações ao direito à informação e à participação, pois os trabalhadores informais não são consultados sobre os planos oficiais de remanejamento e zoneamento urbano do comércio”19. “Sejam operários empregados e subempregados nas grandes obras, como estádios e rodovias, sejam trabalhadores informais reprimidos no exercício de sua atividade econômica, observa-se um padrão de crescente precarização, conduzido por empresas e consórcios contratantes – sob a omissão dos órgãos fiscalizadores – e pelo próprio Estado.”20 No plano supranacional, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificado pelo Brasil em 1992, prevê em seu art. 6, 1, que “Os Estados Partes do Presente Pacto reconhecem o direito ao trabalho, que compreende o direito de toda pessoa de ter a possibilidade de ganhar a vida mediante um trabalho livremente escolhido ou aceito, e tomarão medidas apropriadas para salvaguarda esse direito”. E ainda estabelece, no dispositivo seguinte, “o direito de toda pessoa de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis”, destacando a necessidade de remuneração adequada, segurança, iguais oportunidades, descanso, lazer, férias, etc. Nesse sentido, o país aderiu ainda a grande parte das convenções da Organização
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Megaeventos Esportivos Internacional do Trabalho (OIT). Tanto o direito ‘ao’ quanto o direito ‘do’ trabalho encontram também proteção no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 resguarda o primeiro enquanto direito fundamental social destacado no caput do art. 6, ao passo que o art. 7 discrimina em espécie o rol de garantias e princípios relativos ao direito do trabalho e sua proteção integral, regulados também em legislações próprias como a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). “A despeito de todo esse sistema, porém, os casos de graves violações de direitos em nome da Copa do Mundo e das Olimpíadas se acumulam e avançam para a perseguição a líderes sindicais e desrespeito às liberdades de organização, greve e manifestação”, afirma o mencionado dossiê21. Greves e paralisações Um dos capítulos do dossiê22 é dedicado a questões trabalhistas nas obras da Copa. Ao todo, até o final de 2011, ocorreram dez paralisações de trabalhadores nas obras de seis dos doze estádios que serão usados no Mundial (em Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Fortaleza, Recife e no Rio de Janeiro): Arena Pantanal – Estádio Governador José Fragelli, “Verdão”, Cuiabá (MT) Empresas responsáveis: Santa Bárbara e Mendes Júnior Paralisação: 18 de março de 2011; duração: 30 minutos Arena Fonte Nova, Salvador (BA) Empresas responsáveis: Odebrecht e OAS Ameaças de paralisação: abril, agosto e setembro de 2011 Estádio Plácido Aderaldo Castelo – Castelão, Fortaleza (CE) Empresas responsáveis: Galvão Engenharia S.A. e Andrade Mendonça Construtora Ltda. Paralisação: 13 de junho de 2011; duração: um dia Estádio Governador Magalhães Pinto – Mineirão, Belo Horizonte (MG) Empresas responsáveis: Construcap, Egesa e Hap Paralisação: 15 a 20 de junho de 2011; duração: cinco dias Arena Pernambuco, São Lourenço da Mata, região metropolitana de Recife (PE) Empresa responsável: Odebrecht 1a paralisação: 30 de junho de 2011; duração: três horas 2a paralisação: 19 de outubro de 2011; duração: um dia 3a paralisação: 1o a 6 de novembro de 2011; duração: seis dias
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Megaeventos Esportivos Estádio Mário Filho – Maracanã, Rio de Janeiro (RJ) Empresas responsáveis: Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez 1a paralisação: 17 a 22 de agosto de 2011; duração: cinco dias 2a paralisação: 1o a 19 de setembro de 2011; duração: dezenove dias Estádio Nacional de Brasília – Mané Garrincha, Brasília (DF) Empresas responsáveis: Via Engenharia e Andrade Gutierrez Paralisação: 26 de outubro a 4 de novembro de 2011; duração: dez dias Exceções e ilegalidades “Conhecida como ‘Ato Olímpico’, a Lei n. 12.035, de 1o de outubro de 2009 é a primeira de uma longa lista de medidas legais e dispositivos normativos que instauram as bases de um ordenamento e institucionalidade que não podem ser compreendidos senão como uma infração ao estado de direito vigente. Nesta lei, entre outras coisas, são asseguradas condições excepcionais e privilégios para a obtenção de vistos, exercício profissional de pessoal credenciado pelo COI [Comitê Olímpico Internacional] e empresas que o patrocinam, cessão de patrimônio público imobiliário, proteção de marcas e símbolos relacionados aos Jogos Rio 2016, concessão de exclusividade para o uso (e venda) de espaços publicitários e prestação de serviços vários sem nenhum custo para o Comitê Organizador. Ademais, num capitalismo do qual o risco teria sido totalmente banido, a lei autoriza genericamente ‘destinação de recursos para cobrir eventuais déficits operacionais do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016’. Segue-se, a partir daí, a nível federal, estadual e municipal, uma interminável lista de leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, portarias e atos administrativos de vários tipos que instauram o que vem sendo chamado de ‘cidade de exceção’. Todas as isenções fiscais e tributárias são oferecidas às entidades organizadoras, mas também a uma infinidade de ‘cidadãos mais iguais’, que não precisam pagar impostos sobre serviços, tributos territoriais urbanos, taxas alfandegárias. Planos diretores e outros diplomas, muitos deles resultado de longos e ricos debates na sociedade, caducam em ritmo vertiginoso diante do apetite de empreiteiras, especuladores imobiliários, capitais do setor hoteleiro e turístico e, evidentemente, os patrocinadores dos megaeventos.”23 Recursos públicos para interesses privados “Empresários, políticos, bancos nacionais e internacionais estão faturando alto com a Copa e, o pior de tudo, com o nosso dinheiro, em nome de todo o povo brasileiro sem que possamos decidir como será aplicado e quanto de recurso será destinado para estas megaobras. Aqueles que já lucram todos os dias (banqueiros, empreiteiros, e ‘donos’ do futebol) continuam sendo beneficiados com a política adotada para a Copa, benefícios que saem da prefeitura, do governo estadual e/ou federal. Sob o pretexto da realização da Copa, uma série de favorecimentos ocorre por parte do Estado brasileiro (prefeituras, governos estadual e federal), como as licitações obscuras e a privatização. O dinheiro público, que deveria ser usado para os serviços de
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Megaeventos Esportivos saúde, educação, moradia, transporte, entre outros, passa a ser remanejado para dar conta da falsa ‘urgência’ das obras da Copa. Temos escutado dos ‘donos do futebol’ que as empresas e bancos vão ajudar no desenvolvimento. Isso não é verdade, eles investem onde podem lucrar! Cartão vermelho para eles (empresas, bancos e aos ‘donos do futebol’).”24 Criminalização e repressão A segunda edição do dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil, lançada em junho de 2012 pela Ancop, denuncia tentativas de repressão aos movimentos grevistas: em Brasília e Pernambuco, funcionários ligados às paralisações foram demitidos arbitrariamente. Nas obras da Arena Pernambuco há relatos de ação truculenta da polícia para impedir as manifestações. Autoritarismo, sonegação de informações e vedação à participação popular “Em sua maioria, as decisões sobre destinação orçamentária, prioridades eleitas e projetos previstos para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 não foram, em nenhum momento, submetidas ao escrutínio e ao debate públicos, sendo não raro implementadas através de medidas administrativas que passam ao largo tanto dos espaços consolidados de participação da sociedade civil, tais como os Conselhos da Cidade e de Política Urbana, quanto da apreciação dos próprios sujeitos afetados, primeiros interessados em manifestar-se. (...) Nos poucos casos em que se verificou a realização de audiências públicas e estudos de impacto, argumentos tecnocráticos e a falta de vontade política dos gestores tornaram inócuas as tentativas populares de problematização dos projetos, desprezando denúncias de irregularidades e alternativas indicadas.”25 Segundo o dossiê, “quanto aos conflitos judicializados, a tendência predominante é de desconsideração dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 5, inciso LV), com processos de tramitação sumária e decisões liminares que minam as possibilidades de intervenção das partes hipossuficientes, deixando-as à mercê da arbitrariedade dos gestores públicos. (...) os agentes não apenas escondem dados, como intencionalmente disseminam falsas informações”26. Violação do direito ao acesso a serviços públicos O dossiê denuncia que “entre as várias estratégias utilizadas pelo poder público para pressionar comunidades inteiras ou ainda pior, esfaceladas, divididas, está o corte ou a interposição de dificuldades de acesso aos serviços essenciais à moradia adequada (...). A suspensão de coleta de lixo é prática adotada nacionalmente, enquanto em alguns casos a municipalidade e o estado suspendem também (ou não instalam a infraestrutura necessária) o fornecimento de energia, água tratada, esgotamento e comunicações. A permanência por tempo indeterminado de escombros resultantes da demolição de unidades habitacionais em áreas de remoção, causando terror, risco de doenças e desabamentos, foi praticada sistematicamente na cidade do Rio de Janeiro”27.
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Megaeventos Esportivos Mobilidade urbana “Se é verdade que uma parcela importante dos recursos púbicos a serem investidos para a Copa e as Olimpíadas estão voltados para a mobilidade urbana, é lamentável constatar que, quase sempre, os projetos privilegiam a circulação e acesso das áreas nobres, em processo de valorização, em vez de atenderem à demanda insatisfeita acumulada ao longo das últimas décadas de crescimento urbano, e que penaliza as condições de transporte e circulação dos bairros populares e comunidades periféricas mais pobres.”28 4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES As exigências do Banco para o Pro-Copa Arenas são, entre outras: estudo de viabilidade econômico-financeira da Arena, contemplando, sobretudo, sua sustentabilidade financeira em longo prazo; aprovação dos projetos também por entidade certificadora de qualidade ambiental, reconhecida internacionalmente ou acreditada pelo Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Sinmetro). A linha de crédito BNDES Pro-Copa Turismo disponibiliza recursos para: construção, reforma, ampliação e modernização de hotéis. O Banco diz que oferecerá condições mais favoráveis aos projetos que levem em conta a preocupação com a eficiência energética e a sustentabilidade ambiental. Por exemplo, a ampliação do prazo de financiamento para quem obtiver certificação nos dois itens29. Importa acrescentar que o Banco disponibiliza, diferentemente do que faz no caso dos empréstimos a empresas privadas, os contratos de financiamento com entes públicos. A exemplo do contrato de financiamento com a prefeitura do Rio de Janeiro para a realização da obra da Transcarioca. No referido contrato, o BNDES insta a prefeitura a não apenas observar o cumprimento do que determina a legislação ambiental quanto à observância dos licenciamentos, mas a “adotar, durante o período de vigência deste contrato, medidas e ações destinadas a corrigir danos ao meio ambiente”. 5- Condicionantes dos órgãos ambientais Estudos de Impacto Ambiental e Licenciamento “Por ocasião da crise energética de 2001, a Resolução Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] nº 279/01 possibilitou a realização do Relatório Ambiental Simplificado (RAS), com tempo de tramitação reduzido, para obras do setor elétrico de pequeno porte. Para as obras da Copa e das Olimpíadas, foi aberta mais uma exceção. Conforme apresentado no capítulo Acesso à informação, participação e representação popular, criou-se o Grupo de Trabalho Meio Ambiente para propor e articular ações de sustentabilidade ambiental para a Copa 2014. Na prática, o grupo tem buscado formas de facilitação em
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Megaeventos Esportivos processos de licenciamento ambiental para os megaeventos. Apesar desta ‘flexibilização’, as prefeituras não abrem mão de burlar a legislação ambiental, utilizando-se do Relatório Ambiental Simplificado (RAS) para obras complexas e desconhecendo de maneira grosseira os impactos sociais e ambientais.” Como se verifica no caso da Transcarioca, no Rio de Janeiro, em que o TCU instou o Banco a não liberar a segunda parcela do financiamento, referente à Etapa 2 da obra, por falta de relatório de impacto ambiental, além de questionar o uso do RAS para uma obra com extenso impacto socioambiental30. A revisão do Código Florestal aprovou uma emenda que permite o desmatamento de Áreas de Preservação Permanente (APPs) para os megaeventos: “estádios e demais instalações necessárias à realização de competições esportivas municipais, estaduais, nacionais ou internacionais”. A justificativa da inserção é “garantir com urgência as construções necessárias para viabilizar a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, pois o Brasil tem pressa”31. Ainda referindo-se ao novo Código Florestal, o dossiê relata que “mantém-se uma lista extensa de exceções, que permitem a supressão de vegetação e realização de obras em APPs, para citar algumas: Casos de utilidade pública: b) as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos municípios, saneamento, gestão de resíduos, salineiras, energia, telecomunicações, radiodifusão, estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho. Casos de interesse social: c) a implantação de infraestrutura pública destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre em áreas urbanas e rurais consolidadas, observadas as condições estabelecidas nesta Lei32”. Com relação às APPs, o dossiê destaca as “arbitrariedades cometidas e as justificativas para acionar a legislação ambiental contra populações vulneráveis (inclusive no sentido de retirar seu direito à moradia) e favorecer empreendimentos de interesse do mercado, como: a redução de APPs e alteração de leis urbanísticas sem estudos de impacto e a simplificação de procedimentos de licenciamento ambiental para projetos de ‘interesse público’”33. 6- Atuação do Ministério Público O MPF, juntamente com o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União, constituiu o Grupo de Trabalho da Copa para acompanhar a aplicação dos recursos públicos nas obras referentes a este evento. Vale dizer que, por conta de irregularidades nas obras dos estádios Amazonas (AM) e Maracanã (RJ), em que se identificou sobrepreço em seus orçamentos, o TCU instou o BNDES a introduzir cláusulas em seus contratos, que estabelecem que as liberações acima de 20% do valor do financiamento estarão condicionadas à aprovação pelo TCU dos orçamentos dos projetos. No caso de persistir o sobrepreço, caberá ao Banco descontar o valor acrescido indevidamente no valor do empréstimo.
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Megaeventos Esportivos 1 Dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, realizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), com duas edições, a primeira em dezembro de 2011 e a segunda em junho de 2012. Disponíveis em: http:// www.ippur.ufrj.br/index.php?option=com_content&view=article&id=451:laborator io-etternippur-publica-dossie-megaeventos-e-violacoes-de-direitos-humanos-no-brasil&catid=67:outros&Itemid=7 e http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_ k2&view=item&id=198:dossi%C3%AA-nacional-de-viola%C3%A7%C3%B5es-de-direitoshumanos, respectivamente. 2 Idem. 3 Idem. 4 Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/ Arquivos/empresa/download/Relat_Gestao_BNDES_BPAR_FINAME_2010.pdf. 5 Idem à nota de rodapé 1. 6 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012. 7 Idem à nota de rodapé 1. 8 Idem à nota de rodapé 1. 9 Idem à nota de rodapé 1. 10 Idem à nota de rodapé 1. 11 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.
19 Idem à nota de rodapé 1. 20 Idem à nota de rodapé 1. 21 Idem à nota de rodapé 1. 22 Idem à nota de rodapé 1. 23 “Lei Geral da Copa: um ‘chute no traseiro’ do povo”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 8 de março de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/ index.php?option=com_k2&view=item&id=230:lei-geral-da-copa-um-%E2%80%9Cchuteno-traseiro%E2%80%9D. “Dilma sanciona Lei Geral da Copa, veta ‘ingresso popular’ e dá brecha para meia-entrada”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de junho de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_ k2&view=item&id=253:dilma-sanciona-lei-geral-da-copa-veta-ingresso-popular-ed%C3%A1-brecha-para-meia-entrada. “Brasil será avaliado na ONU por violações decorrentes de megaeventos esportivos”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 26 de maio de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_ k2&view=item&id=251:brasil-ser%C3%A1-avaliado-na-onu-por-viola%C3%A7%C3%B5esdecorrentes-de-megaeventos-esportivos>. “Lei Geral da Copa: O Jogo dos 7 Erros”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de maio de2012: http://www. portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=247:lei-geral-dacopa-o-jogo-dos-7-erros. Idem à nota de rodapé 1. 24 Baseado em texto introdutório sobre financiamento de cartilha do Comitê Popular da Copa São Paulo: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_content&vie w=article&id=372&Itemid=273). “Auditoria indica superfaturamento de R$ 10,7 milhões nos custos do estádio de Brasília”, Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), 10 de fevereiro de 2012: http://www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_ k2&view=item&id=220:auditoria-indica-superfaturamento-estadio-brasilia. “Areia movediça: a Copa sob as dunas”, Comitê Popular da Copa de Natal, em 13 de junho de 2012: http:// www.portalpopulardacopa.org.br/index.php?option=com_k2&view=item&id=256:areiamovedi%C3%A7a-a-copa-sob-as-dunas-1. 25 Idem à nota de rodapé 1, p. 52
12 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012.
26 Idem à nota de rodapé 1, p. 54. 27 Idem à nota de rodapé 1, p. 65-66.
13 Idem à nota de rodapé 1. 28 Idem à nota de rodapé 1, p. 73. 14 “Fortaleza: no olho do furacão da Copa”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 18 de junho de 2012. 15 “ONU questiona o Brasil sobre violações do direito à moradia em obras da Copa e das Olimpíadas”, blog de Raquel Rolnik, urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada, em 29 de maio de 2012.
29 “BNDES cria programas para arenas da Copa e hotéis”, publicado em 13 de janeiro de 2010. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/ Sala_de_Imprensa/Noticias/2010/todas/20100113_programas.html. 30 Idem à nota de rodapé 1, p. 57. 31 http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/codigo-florestal-permite-desmatamento-para-obrasda-copa. Idem à nota de rodapé 1, p. 58.
16 Disponível em: http://direitoamoradia.org/?p=7535&lang=pt).
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17 Disponível em: http://direitoamoradia.org/?p=13642&lang=pt.
32 Projeto de Lei para o Novo Código Florestal, 6 de dezembro de 2011. Idem à nota de rodapé 1, p. 58.
18 Idem à nota de rodapé 1.
33 Idem à nota de rodapé 1, p. 58.
Vale Moçambique 1- Descrição do empreendimento1 O projeto da Vale Moçambique consiste na pesquisa, prospecção e exploração mineira na bacia carbonífera de Moatize, cuja licença foi concedida à empresa, em julho de 2007, para operação em uma área de 23.780 hectares. O jazigo mineral concedido é avaliado como uma das maiores reservas do mundo, com 838 milhões de toneladas métricas, correspondentes a 35 anos de exploração. Está situado em uma das maiores reservas carboníferas do mundo, no distrito de Moatize, província de Tete, centro de Moçambique, a aproximadamente 1.700 km ao norte de Maputo, capital do país. A Vale Moçambique Ltda. é um consórcio composto da Vale, que detém 85% do projeto, sendo os outros 15% de opção de compra que pode ser exercida por empresários moçambicanos, que ainda não foram tornados públicos, e pelo governo de Moçambique. O investimento inicial é de US$ 1,3 bilhão, e a Vale vai aumentá-lo para US$ 4 bilhões2. A produção anual é de 26 milhões de toneladas de carvão bruto na fase de plena exploração que vão gerar cerca de 11 milhões de toneladas de carvão metalúrgico e carvão energético, dos quais 8,5 milhões de toneladas (Mtpa) de carvão metalúrgico (hard coking coal) e 2,5 Mtpa de carvão térmico. O carvão remanescente do processo de tratamento do carvão bruto tem um teor de cinzas demasiado elevado para poder ser comercializado. A Vale pretende utilizá-lo numa central térmica de 2.600 MW a ser instalada em Moatize, cujo investimento é estimado em US$ 2 bilhões3. As operações de extração do carvão mineral tomaram força no primeiro semestre de 2011. O primeiro comboio de 42 vagões e três locomotivas, com cerca de 2.700 toneladas de carvão mineral extraído pela Vale Moçambique, chegou no dia 8 de agosto deste ano ao porto da Beira, a 600 km da mina de Moatize, onde permaneceu a céu aberto no terminal marítimo até que se atingiram 50 mil toneladas. De acordo com a previsão de Rosário Mualeia, diretor da companhia dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM)4, a primeira exportação de carvão mineral de Tete deveria ocorrer no dia 28 de agosto, tendo como destino os mercados brasileiro, indiano, japonês e sul-africano. Segundo o Ministério Moçambicano dos Recursos Minerais (Mirem), em 2003, entendendo que o panorama político do país era estável e atraente para o Investimento Direto Estrangeiro (IDE)5, o governo moçambicano lançou o concurso internacional de adjudicação das minas de carvão de Moatize, bem como da linha férrea de Sena. É de notar que estes dois projetos estão interligados6. Vários consórcios de diferentes países participaram do concurso. O resultado foi anunciado em 2004, sendo a
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Vale Moçambique Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, a vencedora, através de critérios não transparentes e razões desconhecidas7. Em 2004 foi assinado entre o governo e a CVRD (Vale) um Memorando de Entendimento sobre o Projeto de Carvão de Moatize com um bônus de US$ 122 milhões, valor que nunca foi inscrito no orçamento daquele Estado. Em junho de 2007, foi assinado um contrato entre o governo de Moçambique e a Vale Moçambique Ltda. que atribuiu a concessão mineira de Moatize até 2030 ao grupo empresarial de origem brasileira. Sabe-se que, por este contrato, foram concedidos benefícios fiscais ao abrigo do Código de Benefícios Fiscais (Decreto 16/2002), em vigor antes da nova legislação fiscal mineira aprovada em julho de 2007, considerados prejudiciais para a economia e para o desenvolvimento do país por muitos setores da sociedade moçambicana. Neste mesmo ano foi concedida a licença e tiveram início os primeiros investimentos nas áreas de infraestrutura, equipamento e reassentamento das populações afetadas. No ano seguinte, foi iniciada a instalação do parque industrial da Vale. E em 2009 teve início o processo de reassentamento da população atingida. Ainda que tenha surgido uma concorrência alternativa da Riversdale à liderança da Vale, a ideia de uma concorrência parece imprópria, na medida em que o dinheiro e o poder da Vale fizeram dela um empresa-Estado no país. Seja como for, Moatize, Tete e Moçambique continuam como um dos espaços centrais do poder e da economia mundiais nos marcos de uma acelerada política externa de alguns países como Brasil, China e Estados Unidos, em meio à globalização e às delirantes insuficiências energéticas do mundo. Constam dos planos de expansão da Vale: a ampliação da mina de carvão de Moatize (Moatize II) e da mina de fosfato de Evate e o escoamento do Copperbelt da Zâmbia; e a construção da linha-férrea Motize-Malawi-Nacala-Porto, visando maximizar a eficiência operacional e a redução de custos. 2- Valor do empréstimo Não há informações sobre o valor do empréstimo bancário contraído pela Vale para a realização do projeto de carvão em Moatize. Embora não se tenham informações sobre a presença do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento direto ao referido empreendimento – já que o Banco não torna públicos os investimentos que faz fora do país –, importa chamar atenção para o fato de que o BNDES é detentor de 10% do grupo Valepar, responsável pelo controle de 52% das ações com direito a voto da Vale – como já afirmado neste estudo. O Banco é também possuidor de ações de ouro (golden shares) da Vale, que conferem ao BNDES poder de veto sobre decisões da empresa. Importante acrescentar que em 2008 o Banco aprovou um financiamento de R$ 7 bilhões para a Vale, destinado a apoiar o plano de expansão de investimentos da empresa. Àquela altura, este se constituiu no maior financiamento já dado pelo Banco a uma só empresa.
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Vale Moçambique Isenções fiscais e falta de transparência Apesar da assinatura de um contrato secreto e confidencial, sabe-se que a Vale tem isenções de taxas sobre o rendimento, sobre o Imposto do Valor Acrescentado (IVA), bem como sobre taxas alfandegárias. “A lei moçambicana prevê compensações financeiras para as comunidades afetadas, mas não há notícia sobre o cumprimento desta lei tanto para o caso da Vale como para outras empresas. A Vale beneficiou-se de isenção sobre os equipamento da classe ‘K’ da pauta aduaneira previsto no artigo 13 da Lei n° 4/2009 de 12 de Janeiro8. Isenções de impostos sobre rendimentos de pessoas coletivas (IRPC), de imposto sobre transmissões onerosas de imóveis e direitos de propriedade (Sisa), de imposto do selo previstos no n° 1 do artigo 29 da mesma Lei. Os incentivos a que se refere o n° 1 da referida lei são concedidos por um período de vigência de até dez anos a partir da data da celebração do contrato entre a empresa e o governo moçambicano, segundo o previsto no artigo 2 do n° 29”9. 3- Impactos socioambientais Dada a sua capacidade de propaganda, a instalação da Vale foi vista como promissora e despertou muitas expectativas no povo moçambicano, esperançados por oportunidades de emprego e de desenvolvimento do país. No entanto, este projeto tem suscitado críticas e discussões envolvendo governo, ambientalistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil, devido ao total e recorrente desrespeito aos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas consagradas na Constituição da República de Moçambique e demais legislação em vigor no país10. Ausência de informação O processo de reativação e o concurso internacional de exploração da Mina de Moatize, planificação e implantação da Vale em Moatize, foram precedidos e acompanhados de informação insuficiente, inconsistente, incompleta e omissa, configurandose em uma campanha publicitária que visava simplesmente conquistar adesão, em vez de promover a conscientização das comunidades afetadas preocupadas com a dimensão das mudanças sociais e ambientais. Consultas públicas irregulares Os processos de consulta pública para a implantação do projeto da Vale registraram várias irregularidades. Não houve participação efetiva das comunidades afetadas e da sociedade civil na definição de prioridades e áreas de reassentamento e na aplicação de investimentos propostos pela Vale. Não foram fornecidas informações prévias detalhadas, qualificadas, inteligíveis e efetivamente acessíveis a todas as comunidades afetadas. As informações produzidas e disponibilizadas não consideraram as especificidades socioeconômicas e culturais dos diferentes grupos sociais afetados. Quando as informações chegavam às comunidades e aos interessados, etapas importantes do processo de planejamento e de decisão já haviam sido concluídas,
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Vale Moçambique dificultando e até impedindo que as comunidades e outros setores da sociedade pudessem agir e participar de uma forma organizada e informada, e, desta forma, exercer o seu direito de participação e consentimento informado. Cumplicidade da mídia Segundo Jeremias Vunjanhe, jornalista e coordenador de imprensa da organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!), embora seja significativo o surgimento de mídias independentes nas últimas décadas, o posicionamento de cumplicidade da grande mídia moçambicana a torna um verdadeiro instrumento de propaganda da Vale. Reassentamento extremamente problemático Cerca de 1.500 famílias foram reassentadas em condições muito precárias e, de certa forma, desumanas. São muitos os problemas decorrentes do processo de realocação da população, como: yy Apropriação das terras das comunidades locais e sua respectiva desestruturação; yy Não cumprimento das promessas feitas. A Vale não cumpre os prazos nem os acordos de reassentamento; yy A restrição da livre circulação e movimentação dos cidadãos das comunidades de Moatize, através da fixação de vedação em volta da vila de Moatize, violando o artigo 55 da Constituição da República, relativo à liberdade de residência e de circulação11; yy Violação dos direitos à informação, à habitação adequada, ao trabalho e ao digno padrão de vida, às práticas e modos de vida tradicionais, comunitários, bem como o acesso a patrimônios culturais materiais e imateriais e sua preservação; yy A população reassentada pela Vale enfrenta uma grave situação de fome porque, desde 2009, as famílias foram impedidas de produzir nas áreas agrícolas em que moravam antes do reassentamento. Na nova área, a terra é imprópria para a prática da agricultura e a Vale não cumpriu com a promessa de distribuição regular de comida; yy Especulação imobiliária; elevação do custo de vida; aumento das desigualdades sociais; elevação do índice de criminalidade e prostituição; perda dos meios de subsistência das famílias; conflitos culturais entre os trabalhadores de diversas nacionalidades e estes com as comunidades locais; yy A destruição de valores e hábitos tradicionais, essenciais para a sustentação da solidariedade e unidade das famílias nas comunidades; yy Privação das mulheres de seus meios de ocupação tradicionais, tornando-se cada vez mais dependentes dos homens.
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Vale Moçambique Desrespeito dos mais elementares direitos humanos e liberdades básicas Apesar de consagrados na Constituição da República de Moçambique e demais legislações em vigor, estes direitos são continuamente desrespeitados pela Vale. Há grandes dificuldades de acesso à informação e falta de transparência na gestão do projeto de Moatize, numa continuada atitude de arrogância, falta de diálogo e da inobservância dos direitos dos trabalhadores por parte dos responsáveis pelo projeto com a conivência de setores importantes do governo de Moçambique. A maioria dos trabalhadores, com pouca instrução e experiência profissional, encontra-se numa situação extremamente precária e com salários muito baixos. Há uma onda de descontentamento entre os trabalhadores que se espalha por quase todas as empresas contratadas pela Vale para a prestação de serviços em diversos setores. A empresa mantém um vínculo contratual precário e de curta duração com muitos trabalhadores, impondo a eles uma situação de constante insegurança. Várias são as denúncias feitas por trabalhadores e populares sobre a violação da lei do trabalho moçambicana, a exemplo das demissões em massa sem justa causa e sem justa indenização. Os trabalhadores queixam-se de serem forçados a refeições que lhes provocam alergias e dores no estômago e denunciam os descontos injustos a que são submetidos para o pagamento das refeições. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Indústria de Construção Civil, Madeiras e Minas de Moçambique (Sinticim), que lida com a possibilidade de greve e das reivindicações dos trabalhadores da Vale, é financiado e controlado pela Vale e nada faz para defender os direitos dos trabalhadores. O provimento de recursos à intervenção de forças especiais da Polícia da República de Moçambique (PRM) é frequente por parte da Vale, com o objetivo de persuadir e reprimir os trabalhadores que se manifestarem. Explosão populacional A cidade de Tete, a Vila de Moatize e as zonas mais próximas ao complexo mineiro de Moatize passam por rápidas e indesejáveis transformações relativas ao crescimento da população proveniente de quase todos os cantos do país, motivado pela expectativa de empregabilidade e por outras oportunidades de geração de renda. Em 2007, segundo dados oficiais do recenseamento da população, Moatize tinha 39.073 habitantes e em 2011 a estimativa era de um população de mais de 270 mil pessoas. Em 2007, segundo dados oficiais do recenseamento da população, Tete tinha 183.2339 habitantes e a estimativa era de mais de 2 milhões em 2011. Em decorrência, o caos se instalou na região e houve aumento expressivo do número de acidentes e mortes no trânsito.
4- Condicionantes ou salvaguardas do BNDES Como afirmado anteriormente, o Banco não dá publicidade a informações relativas a projetos financiados fora do país.
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Vale Moçambique 5- Condicionantes dos órgãos ambientais O projeto de carvão de Moatize cuja concessão foi atribuída à Vale foi classificado como de Categoria A. De acordo com a legislação moçambicana, o licenciamento ambiental é da competência do Ministério para a Coordenação da Ação Ambiental (Micoa) e baseia-se no Processo de Avaliação de Impacto Ambiental e antecede qualquer outra licença legalmente exigida para a atividade. Para atividades classificadas como de Categoria A, este processo de avaliação compreende, em uma primeira fase, um Estudo de Pré-Viabilidade e Definição de Âmbito (EPDA), em que são definidos os termos de referências do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que constitui a segunda fase do processo de licenciamento. O projeto da Vale, formalmente, seguiu todos os procedimentos exigidos pela lei em Moçambique, já que a Vale se comprometeu a ter um Plano de Gestão Ambiental, exigido pela lei moçambicana. Apesar da previsão de auditorias ambientais regulares no empreendimento pelo Micoa, ainda não há registro da realização de nenhuma ação dessa natureza por parte desta entidade governamental ou da sua representante local, a Direção Provincial para a Coordenação da Ação Ambiental, em Tete. 6- Duplo padrão “Há graves violações de leis, regulamentos, documentos da Organização das Nações Unidas (ONU), tratados de direitos humanos e convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) perpetrados pela Vale, dada a inoperância das autoridades governamentais moçambicanas em fiscalizar a correta aplicação da legislação e fazê-la respeitar. No que tange à contratação de mão de obra há reclamações das comunidades locais, que denunciam a contratação de brasileiros, sul-africanos, zimbabuanos, zambianos e malaviados em prejuízo dos moçambicanos, por estes não dominarem a língua inglesa e pela falta de experiência. (...) Dentre documentos que são ignorados pela Vale constam: Convenção n° 111 sobre a Discriminação (emprego e profissão), de 1958; Convenção n° 155 sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores; Convenção n° 148 sobre o Meio Ambiente de Trabalho (contaminação do ar, ruído e vibrações), de 1977; Convenção n° 174 da OIT; Convenção sobre a Prevenção de Acidentes Industriais Maiores; Convenção n° 81 sobre Fiscalização Do Trabalho.”12 Embora estas violações possam, eventualmente, se verificar na atuação da Vale no Brasil, fica evidente que, a se considerar o frágil ambiente institucional em Moçambique e a dependência da economia do país diante dos recursos extrativistas, os abusos cometidos pela empresa são ainda mais graves. Com relação à presença da Vale Moçambique na gestão dos interesses nacionais moçambicanos, verifica-se que a Vale se converteu em proprietária absoluta das unidades hoteleiras e dos restaurantes, das vias de acesso, do aeroporto local, enfim do destino da província. As instituições do governo de Tete parece que perderam o controle da situação13.
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Vale Moçambique Por sua importância econômica no investimento nacional, pelo seu expressivo peso na política externa do Brasil e pela sua capacidade de penetração nos corredores políticos de Maputo (até sua saída do Conselho de Administração da Vale, Roger Agneli era um dos principais assessores do presidente de Moçambique, Armando Guebuza), a Vale está interferindo no funcionamento normal das instituições oficiais, impondo-se, com maior relevância do que a maioria dos órgãos públicos nacionais, como ator nos processos de decisões políticas, econômicas e sociais14. De acordo com o jornal O País, de 23 de fevereiro de 201015, “as relações da Vale junto às autoridades moçambicanas são fortes, sendo que Roger Agnelli, o presidente-executivo da empresa, é assessor do Chefe de Estado, Armando Guebuza, para questões de âmbito internacional”16. Neste contexto, a ausência de políticas e práticas do Estado que protejam os interesses da população fica explicada pelo conflito de interesse e pelas “costas quentes” de que goza o capital estrangeiro, fatores que tornam os governantes de baixo nível incapazes de agir por medo de ferir interesses “dos chefes de Maputo”17. No caso particular de Tete, a Vale financia a elaboração do Plano Diretor, que, obviamente, obedecerá às vontades da empresa, escondidas por trás das ações de responsabilidade social18.
7- Atuação do Ministério Público Pelo que se tem conhecimento, até o momento, não há registro de processo referente a uma disputa judicial.
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Vale Moçambique 1- A maioria das informações deste estudo de caso da Vale Moçambique foi obtida em: 1 - entrevista com Jeremias Vunjanhe, jornalista e coordenador de imprensa da organização moçambicana Justiça Ambiental (JA!) - Amigos da Terra Moçambique, dada à autora por meio de e-mail em agosto de 2011; 2 - na entrevista especial Moçambique: “O menino bonito” da Vale, com Jeremias Vunjanhe, por Patricia Fachin, Instituto Humanitas Unisinos (IHU), São Leopoldo-RS, em 6 de outubro de 2011 . Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/500479-mocambique-omenino-bonito-da-vale-entrevista-especial-com-jeremias-vunjanhe. (Referência indicada no texto: como IHU, 6 de outubro de 2011). 2- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011. 3- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011. 4- Jornal Notícias, 9 de agosto. 5- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011: “O início da exploração do carvão de Moatize data do ano 1949, quando Moçambique era colônia de Portugal. Em 1983, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), movimento armado formado em 1976, desencadeou um conflito terminado em 1992, o que fez com que a exploração do carvão diminuísse vertiginosamente com o encerramento de algumas minas. Com a instauração da paz no final de 1992, foram relançadas as condições necessárias para a reativação da extração do carvão de Moatize”. 6- Dados da Mirem obtidos em 11 de outubro de 2007, através de entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011. 7- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011. 8- Lei nº 4/2009, de 12 de janeiro, que aprova o Código dos Benefícios Fiscais em Moçambique. 9- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dosimpactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/. 10- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011. 11- Segundo o n° 2 do Artigo 55 da Constituição da República de Moçambique, “Todos os cidadãos são livres de circular no interior e para o exterior de território nacional, excepto os judicialmente privados desse direito” (Jeremias Vunjanhe, 2011). 12- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dosimpactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/. 13- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011. 14- Entrevista com Jeremias Vunjanhe, 2011, e IHU, 6 de outubro de 2011. 15- “Vale investe US$ 595 milhões este ano no projecto de Moatize”, jornal O País online, 23 de fevereiro de 2010. Disponível em: http://opais.co.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/4809-valeinveste-595-milhoes-usd-este-ano-no-projecto-de-moatize.html. 16- SELEMANE, Tomás. Questões à volta da Mineração em Moçambique: relatório de monitoria das actividades mineiras em Moma, Moatize, Manica e Sussundenga. Edição: Centro de Integridade Pública (CIP). Maputo, setembro de 2010. 17- Idem. 18- Dossiê “Impactos e Violações da Vale no Mundo”, da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale, 2010. Disponível em: http://atingidospelavale.wordpress.com/2010/04/27/dossie-dosimpactos-e-violacoes-da-vale-no-mundo/.
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