Menina

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Luis Dolhnikoff desenho

Guilher me Zamoner


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or que as coisas têm os nomes que têm? Bem, essa é a grande questão que a pequena Elvira coloca para seu estranho amigo, um sujeito grandalhão, bonachão, coloridão e cheio de palavras. Seus diálogos, que tentam ir ao fundo do problema, enquanto o esclarecem (ao menos de certa forma...), vão também esclarecendo alguma coisa do mundo. Por exemplo, que ele é uma enorme confusão. Ou talvez não. Uma coisa fica com certeza inteiramente clara neste livro: o que é a linguagem poética. Pois os diálogos da pequena Elvira e de seu amigo coloridão, bonachão e grandalhão são em versos, sem perderem nada de naturalidade e espontaneidade. Mas ganhando muito em prazer estético, beleza sonora e jogos instigantes de sentidos.


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Luis Dolhnikoff desenho

Guilher me Zamoner


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Copyright © Luis Dolhnikoff (texto) Guilherme Zamoner (desenho) Todos os direitos reservados aos autores.

Projeto gráfico e capa: Guilherme Zamoner Coordenação editorial: Josely Vianna Baptista Dados internacionais de catalogação na publicação (CIP) Bibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira Dolhnikoff, Luis. A menina que media as palavras / texto: Luis Dolhnikoff ; desenho: Guilherme Zamoner. Curitiba : Edição do autor, 2009. 36 p. : il. ; 21 x 22cm.

1. Literatura infanto-juvenil brasileira. I. Zamoner, Guilherme. II. Título. CDD ( 22ª ed.) 08.899282 2009 Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, transmitida ou gravada, por qualquer meio mecânico, eletrônico, por fotocópia ou outros meios sem a prévia autorização, por escrito, dos detentores do copyright.

ZoB (z@zob.com.br)


para a Clara e a Laura, que rimam

para a Maria, a Julia e a Guimel, que riem


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F O


R M I G A, O BOI, A BOLA E ELVIRA F ormiga é uma palavra comprida, Mas boi é uma palavra mínima... Eu disse para mim certo dia. Hmm... Mas o que é mínima? Perguntou então uma menina Que estava ali e eu não vira, Pequena de verdade E vestida só de verde, Mais parecendo uma ervilha: Ora! Antes que eu lhe diga, Poderia ter a sorte De saber seu nome? Elvira, ela sorrindo respondeu, Então quem deu a resposta fui eu: Mínima? É “bem pequenina”, Como você perto de mim, Como eu junto de um boi, Como a palavra boi na página, Ou como a formiga No meio de um jardim. Se é assim, por que o boi não é formiga E a formiga não é boi?

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F

oi o que a pequena Elvira Me perguntou em seguida: Porque a formiga é pequena Como a palavra boi ! E o boi, da mesma maneira, É grande como a palavra formiga, Também é bom que se diga, Eu disse. Não sei mesmo como foi Que as coisas ficaram assim. A formiga é grande na página, Porém pequena no jardim. O boi é grande no pasto, Porém pequeno na página...


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odas as coisas têm nome, ora bolas, Mas os nomes, que são coisas sonoras, Pois feitas de som, Não são como as coisas são. Bola, aliás, é uma coisa redonda, Mas a palavra bola tem a forma De uma letra b, De uma letra o, De uma letra l, De uma letra a, Que formam a Palavra bola... E não é que o o Parece mesmo uma bola? Então por que bola Não é o?



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isse a pequena Elvira, Verde como uma ervilha: Vamos jogar o? É verdade que o o Parece a bola na página, Mas não parece na fala: Afinal o som do o É agudo ou grave, não redondo… Oh, assim é mesmo melhor: Pois não foi Que o mesmo o de bola Acabou dentro do boi? É, suspirou a minha amiga: E também dentro da formiga...



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F O R M I G A, A FLOR E A MINHA AMIGA


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erta vez uma menina, Bem pequenina, Me perguntou por que a formiga Formiga se dizia. Eu não sabia... Sei que não seria Porque ela fosse Da flor amiga. Pois as formigas, Quando lhe fazem visitas, É por serem amigas Das próprias barrigas. As formigas, Eu disse à pequena Elvira, Cortam fora a flor E a devoram.

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M

as se não são Da flor amigas, Também não são Suas inimigas. Porque as plantas Não sentem dores Quando perdem folhas E flores. Depois, basta que chova (Quando as nuvens Se derramam de alegria) E nascem folhas novas. As formigas nas plantas São sempre muitas. Mas nunca tantas Como as gotas de chuva.



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F O R M I


G A, A FLOR E O SOM DO MEU NARIZ QUANDO CAFUNGO “A formiga Não é amiga da flor: Pois apesar do nome Quem for amiga

Da flor de verdade Não mata a fome Comendo partes De quem lhe alimenta a amizade.” Disso que eu disse À minha amiga A parte de mentira Era nenhuma. Porém não era, também, A verdade pura: Pois as formigas Apenas parecem comer plantas. Afinal são tantas Cortando as folhas E depois as flores Que levam embora... Mas embora as formigas Levem leves pedaços de folhas Bem presos pela boca Ainda assim não os comem.



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orque as formigas Como os homens São agricultoras: Elas plantam. Não plantam plantas, É verdade, como os homens, Mas uma coisa parecida, Que comem. São os fungos, Muito pequenos, Crescendo no fundo Do formigueiro. Fungos que parecem Pequenas plantinhas, Quase iguais àquelas Que tantas folhas tinham. Fungos que ficam Sobre os pedaços de folha E então os comem, Mesmo sem ter boca...


P

or isso os fungos Comem as folhas pelos pés! Pois é: Há umas coisas esquisitas no mundo... Uma das mais estranhas É mesmo esse tal de fungo, Que não é uma planta Mas parece com ela, Além de comê-la Mesmo sem boca, E de ter um nome Como o som do meu nariz quando cafungo... O fungo… Seja como for, Disse enfim à minha amiga, É por ele que a formiga foi à flor.



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F O R M I G A, A FLOR, O FUNGO E A CONFUSãO DA MINHA AMIGA Q ue grande confusão!, Disse-me então A pequena Elvira: Pois a formiga

Se chama formiga Mas não é da flor amiga! Também não é Sua inimiga, Porque a planta Se perde uma flor Não sente dor E logo outra flor fabrica,

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Quando chove. O pior é que a formiga Leva pedaços da planta na boca Mas não os come. Porque a formiga Come outra coisa parecida, Um tal de fungo, Que vive no fundo



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FUN


do formigueiro, E ali devora As flores e as folhas Que a formiga levou na boca...

Por isso o fungo Come os pedaços de folha Que a formiga levou na boca, Mas pelos pés!

Porém esse tal de fungo Não tem boca, Como a formiga, Que tem boca mas não come as folhas...

Estranho, não é?, Respondi à minha amiga: Mas não é assim tão confuso, Afinal assim é o mundo.

Afinal o fungo Parece uma plantinha, E plantas não têm bocas, Como as pessoas não têm folhas.

No fundo, Ela então me disse, Disso tudo, O que entendo menos

É o que tem o nome Desse tal de fungo Com o som que faz O seu nariz quando cafunga... Então apertei a ponta Do meu nariz com as pontas Dos dedos e dei um sopro: Não é que o som que saiu foi fun?


ELVIRA E CIA. A

Elvira era a menina Mais viva que eu já vira. A Clara era a mais iluminada. A Sofia, a que mais sofria. A Maria eu amaria. A Dora toda gente adora. A Mara amava o mar. A Bruna gosta da bruma. A Nívea prefere a neve. A Vera espera o verão. A Solange anseia o sol. A Luana anda na lua. A Andréia anda com ideias. A Cláudia claudica. A Dolores sempre com dores. A Sônia com insônia. Já a Antônia vive atônita. E a Lola é meio louca. A Mônica, muito cômica. A Clarice, uma chatice. A Rita me irrita. A Rute é um tanto rude. A Ester um pouco histérica. A Serena, calmaria morena.


A Laura uma alegria loira. A Dulce, um doce. A Cida é ácida. A Aparecida parece a Cida. A Carolina é a cara da Lina. A Maria José é irmã do José Maria. A Judite ajuda a tia. A Camila camela. A Carmela adora caramelo. A Letícia acha leite uma delícia. A Débora devora tudo. A Vitória não perde nada. A Fátima acha sempre ótimo. A Simone diz sim aos montes. A Olga logo se empolga. A Rosa é muito prosa. A Leila, meu poema. A Taís, uma atriz. A Ivete, que vedete. A Renata é a nata da nata. A Margarida, uma flor. A Ângela é um anjo. A Carmem, um charme. Mas que olhar tem a Íris...


A BORBOLHENTA Era uma vez uma borboleta Que voava, lenta, sobre uma flor. T達o lenta, sobre a flor e a folha, Que mais parecia uma bolha De sab達o. Mas ent達o


NĂŁo seria uma borbolenta? Uma borbolheta? Borbolhenta? Mas o que ĂŠ uma borbolhenta?! Uma borboleta lenta E leve como uma bolha, Ora bolas! (Ou melhor: ora bolhas!)


?

AU


!

gRR SORRIDENTES SEM DENTES

É que os cães e as cadelas, Quando mostram os dentes, Estão bravos com a gente.

Cachorros têm dentes Mas não mostram os dentes Quando estão sorridentes.

Cachorros têm dentes Mas não mostram os dentes Quando estão sorridentes.

Cachorros, então, Sorriem sem dentes, Mesmo sem ser banguelas.

Quando então mostram os dentes, Eles estão bravos: Pois sorriem balançando o rabo.


PÉ DE PIPI

Meninas fazem pipi sentadas Meninos fazem pipi de pĂŠ


!

já fiz

Mas isso não importa nada Se ninguém fizer pipi no pé


O ARCO DE CO

uns outros alguns outros

s ma

tod os

s達o


RES DAS Ă?RIS

marrons pretos verdes azuis

lu r e v de

z


!

!


Os poemas-diálogos de A menina que media as palavras foram escritos pelo poeta paulistano Luis Dolhnikoff. Já a materialização da pequena Elvira e de seu amigo em ão é obra do premiado artista gráfico paranaense Guilherme Zamoner. Ele criou todo um mundo habitado por seres e coisas que são, ao mesmo tempo, muito conhecidas e muito inusitadas. E assim como as palavras se misturam às coisas do mundo, e assim como as palavras se misturam umas às outras nas sonoridades dos poemas, as coisas e seres criados por ele se misturam página a página, cena a cena, tecendo uma verdadeira tapeçaria de surpresas. A maior delas talvez seja responder por que as coisas têm os nomes que têm. Ou talvez não.


F

ormiga é uma palavra comprida. Boi, uma palavra pequena. Mas a formiga é que é pequena, enquanto o boi é bem grande. A formiga, então, não deveria se chamar boi, ou oi, ou i, ou mesmo apenas o ponto do i, que se parece mais com ela? Por que, afinal, as coisas têm os nomes que têm?


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