Sustentabilidade: De que mudança estamos falando ?

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Programa FGV Management MBA em Gestão de Sustentabilidade

SUSTENTABILIDADE: DE QUE MUDANÇA ESTAMOS FALANDO?

Fernanda Cassab Carreira

São Paulo, 30 de setembro de 2010


FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Programa FGV Management MBA em Gestão de Sustentabilidade

SUSTENTABILIDADE: DE QUE MUDANÇA ESTAMOS FALANDO?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao MBA em Gestão de Sustentabilidade, Pósgraduação lato sensu, Nível de Especialização Programa FGV Management. Fernanda Cassab Carreira

São Paulo, 30 de setembro de 2010

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS Programa FGV Management MBA em Gestão de Sustentabilidade

O Trabalho de Conclusão de Curso: Sustentabilidade: de que mudança estamos falando? Elaborado por: Fernanda Cassab Carreira e aprovado pela Coordenação Acadêmica do MBA em Gestão de Sustentabilidade, foi aceito como requisito parcial para a obtenção do certificado do curso de pós-graduação, nível de especialização, do Programa FGV Management.

Data:

___________________________________ Prof. Dr. Mario Monzoni

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Termo de Compromisso

A aluna Fernanda Cassab Carreira, abaixo assinada, do MBA em Gestão de Sustentabilidade, do Programa FGV Management, realizado nas dependências da instituição conveniada Av. Paulista, 548, no período de abril de 2009 a julho de 2010, declara que o conteúdo do trabalho de conclusão de curso intitulado: Sustentabilidade: de que mudança estamos falando? é autêntico, original e de sua autoria exclusiva.

São Paulo, 30 de setembro de 2010

Assinatura

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Ao meu companheiro nas infindáveis leituras, nos silêncios reflexivos, nas calorosas discussões, nas dúvidas sem respostas. Ao meu professor, conselheiro, orientador e crítico. Ao amor da minha vida.

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RESUMO Não há dúvida de que as organizações modernas tem passado por constantes mudanças e necessidades de adaptação. Esse processo se dá a cada dia de forma mais veloz e complexa. Seja pelo advento de novas tecnologias, pela busca incessante de diferenciação e vantagem competitiva ou pelas próprias crises conjunturais, faz parte da rotina das empresas na contemporaneidade se reinventarem para assim sobreviverem e maximizarem seus resultados. Porém, um novo desafio de grandes proporções se coloca neste início de século: a busca pelo desenvolvimento econômico tem esbarrado nos limites ambientais, sociais e éticos que surgem em um planeta que não caminha na mesma velocidade que as ambições de seus “mais evoluídos” habitantes. Encontrar uma solução para essa “barreira ao progresso”, mesmo que isso signifique manter ou ampliar a “barreira” para impedir novos entrantes, como pensariam os tradicionais estrategistas, trouxe para o meio empresarial o debate da sustentabilidade. Os dirigentes das empresas que tem mergulhado verdadeiramente nesse desafio estão notando que a mudança em jogo é complexa e vai muito além da alteração de processos produtivos, da busca pela eficiência ambiental, da inovação tecnológica ou do investimento social. A tão falada sustentabilidade se apresenta como um novo paradigma que exige um repensar na lógica de se fazer negócios e na ética que rege a relação das empresas com a sociedade e com o planeta. Considerando que nos últimos 200 anos a responsabilidade social da empresa esteve associada apenas a geração de lucro ao acionista, independente de prejuízos sociais e ambientais que pudesse gerar, o que está em jogo agora com a sustentabilidade é a discussão sobre a perenidade dos negócios em meio a uma nova lógica valorativa. Antes de tudo, a sustentabilidade está ligada a uma mudança de valores de uma sociedade em transição e que demanda das empresas a quebra de alguns paradigmas que as caracterizaram durante toda a modernidade. Refletindo sobre isso, Doppelt (2010) afirma que o desafio das corporações está na migração da tradicional lógica do take-make-waste para a complexa lógica do borrow-use-return. Mas o que essa mudança significa de fato para as empresas? E mais, como deve ser conduzida para que seja efetiva? Há algumas décadas, a ciência da Administração vem estudando a Gestão da Mudança, ou seja, como as transformações organizacionais devem ser conduzidas para que sejam efetivas utilizando a menor quantia de recursos (financeiros, humanos, materiais e de tempo) possível, conforme a racionalidade tradicional que rege o mundo dos negócios. Considerando que a sustentabilidade representa uma mudança complexa e radical na forma de se fazer negócios, o presente trabalho busca: a) entender e conceituar de que mudança estamos falando; e b) analisar se a Gestão da Mudança, da forma como foi concebida até agora, é capaz de endereçar essa transformação de forma efetiva. Palavras-chave: Sustentabilidade, Gestão da Mudança, Liderança, Inovação, Cultura Organizacional.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .....................................................................................................................8 CAPITULO 1 – SUSTENTABILIDADE: A MUDANÇA QUE ESTÁ EM JOGO .............. 12 1.1

AMBIENTAL, ECONÔMICA, SOCIAL, ÉTICA: AS VÁRIAS SUSTENTABILIDADES......................................... 12

1.2

TRAZENDO A SUSTENTABILIDADE PARA O CONTEXTO EMPRESARIAL ..................................................... 16

CAPITULO 2 – ENCARANDO O NOVO PARADIGMA .................................................. 20 2.1

O QUE AS EMPRESAS ENTENDEM POR SUSTENTABILIDADE? .................................................................... 21

2.2

POR QUE INVESTIR EM SUSTENTABILIDADE?............................................................................................ 23

2.3

O QUE AS EMPRESAS TEM FEITO EM PROL DA SUSTENTABILIDADE?........................................................ 24

CAPITULO 3 – MAKING CHANGE STICK ........................................................................ 26 3.1

POR QUE AS ORGANIZAÇÕES MUDAM? ..................................................................................................... 26

3.2

O EFEITO DOMINÓ DA MUDANÇA ORGANIZACIONAL ............................................................................... 27

3.3

A METÁFORA DO ORGANISMO................................................................................................................... 29

3.4

GESTÃO DA MUDANÇA: FACILITANDO A TRANSFORMAÇÃO ORGANIZACIONAL ..................................... 31

CAPÍTULO 4 – SERÁ MESMO POSSÍVEL? ..................................................................... 37 4.1

LIDERANDO PARA A SUSTENTABILIDADE ................................................................................................. 39

4.2

ORGANIZAÇÕES SUSTENTÁVEIS SÃO ORGANIZAÇÕES QUE APRENDEM E INOVAM .................................. 44

4.3

POR FIM, UMA CULTURA ORGANIZACIONAL BASEADA NO VALOR DA SUSTENTABILIDADE .................... 48

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 54 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................. 56

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INTRODUÇÃO A sustentabilidade é uma questão que começa a ser amplamente debatida no meio empresarial. No entanto, uma boa parte das organizações que participam desse debate e levam para suas reuniões de planejamento estratégico a preocupação com o tema ainda acreditam que o principal desafio é desenvolver produtos e processos “verdes”, mas que sejam compatíveis com os padrões de rentabilidade da atual economia. Ou seja, a lógica dominante permanece sendo a de que modelos de negócios precisam manter os patamares de lucratividade ou não importará quão bom sejam no campo ambiental e social (SENGE, 2001). Isso nos coloca uma reflexão: será que as organizações entendem de fato o que significa a mudança para a sustentabilidade? Será que a gestão orientada à sustentabilidade trata apenas de desenvolver “produtos verdes” ou de rever processos para torná-los ecoeficientes contanto que isso não comprometa o resultado econômico? Ou será que a sustentabilidade não passaria antes por uma reflexão mais profunda, e, porque não, ética, sobre o próprio valor de se fazer negócios? O que está em jogo com a sustentabilidade, afinal: um conjunto de produtos, processos e procedimentos ou a velha cultura de se fazer negócios que ficou conhecida pelo lema business is business? Essa reflexão inicial talvez nos ajude a responder outras duas questões fundamentais: 1) por que um número tão reduzido de organizações conseguiu ter sucesso na adoção de políticas e práticas sustentáveis em seus negócios?; e 2) Quando essas políticas e práticas são de fato lançadas, por que tantos esforços são deixados de lado após um tempo e não conseguem atingir um patamar de excelência?1 No âmbito deste trabalho, acredita-se que as respostas para essas perguntas passam por dois pontos cruciais que serão tratados por meio de uma reflexão teórico-conceitual. O primeiro deles diz respeito aos modelos pelos quais os líderes das organizações podem enxergar a questão da sustentabilidade – se por uma ótica bottom-up, ou seja, mudança de processos, estrutura e/ou comunicação; ou se por uma ótica top-down, em que os valores, estratégias e o entendimento da lógica de se fazer negócio são repensados. O segundo ponto passa pela

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Perguntas como essas foram discutidas no livro “Leading Change Toward Sustainability: a ChangeManagement Guide for Business, Government and Civil Society”, de Bob Doppelt. 8


análise de modelos pelos quais as organizações concebem e gerem os seus processos de mudança e da validade destas práticas na mudança para a sustentabilidade. Neste momento, as sociedades modernas estão entrando em uma nova etapa de sua evolução, uma mudança tão significativa quanto aquela que permitiu às sociedades européias deixarem a ordem social agrária para entrarem na industrial (VEIGA, 2008, p.208). Porém, essa evolução ainda esbarra em dois desafios. O primeiro é admitir que o paradigma2 hegemônico da produção econômica vive uma profunda crise, ou seja, considerar que o modelo empregado até aqui não oferece as respostas de que precisamos. O segundo é o exercício de se delinear e definir como a sustentabilidade se tornará o novo paradigma capaz de resolver o complexo dilema entre crescimento econômico, finitude dos recursos naturais e desigualdades sociais, aqui entendidas como ausência de liberdades humanas (SEN, 1999). Traduzindo tal dilema para a realidade das corporações, a dificuldade que essa evolução - ou, ao olhar da autora, essa ruptura radical - traz está no fato das mesmas terem de repensar a própria lógica valorativa de se fazer negócios, não se baseando mais na busca exclusiva e exaustiva pelo lucro, mas tentando compreender o verdadeiro papel social das empresas (STOUT, 2002). A partir da década de 80, enquanto ganhava corpo o debate político-conceitual sobre o aparente paradoxo entre crescimento econômico e sustentabilidade, inúmeras iniciativas nos setores público e privado, baseadas no ainda nebuloso conceito de desenvolvimento sustentável, se espalharam pelo mundo. Este movimento se intensificou após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992, quando a temática entrou de vez na pauta dos diálogos públicos internacionais. Deste debate surgiram iniciativas como o Pacto Global da ONU, que passaram a mobilizar a comunidade empresarial internacional para a adoção de práticas relativas a direitos humanos, relações de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção entre outras externalidades3 negativas geradas pelas organizações modernas. Foi por conta dos movimentos da sociedade civil, traduzidos em pressão externa, que algumas organizações tomaram consciência de seus impactos e começaram a agir.

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“Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, forneceram problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (KUNH, 2003, p.13). 3 Este termo é uma adaptação do inglês “externality”. “Externalizar um impacto significa não considerá-lo sua responsabilidade ou parte de seu processo, ignorando os custos e perdas inerentes”. (Aliança Capoava. Responsabilidade Social Empresarial: por que o guarda-chuva ficou pequeno?, São Paulo, 2010) 9


Pressionados, alguns líderes vislumbraram não só ameaças, mas também oportunidades de novos negócios, de redução de custos e de valorização da marca por meio de ações cidadãs e responsáveis. Assim, por meio da ecoeficiência e da responsabilidade social, as empresas deram seus primeiros passos em direção à sustentabilidade. Doppelt (2010, p.33), no entanto, ressalta em seu livro Leading change towards Sustainability que, apesar do enfoque atribuído nos últimos anos à questão da sustentabilidade, o progresso obtido ainda é bastante modesto. Alguns esforços representaram avanço e geraram benefícios econômicos, sociais e ambientais, enquanto outros simplesmente não deram resultados. As pessoas envolvidas nessas iniciativas por vezes reclamam que as mudanças são lentas e decepcionantes, levando a desperdício de recursos e gerando frustração. O autor (idem, p.34) também coloca que muito se discute sobre “o que” fazer – por exemplo, quais inovações tecnológicas e políticas aplicar - e pouco sobre “como” as organizações devem mudar seus processos internos, valores e comportamentos para adotar as novas ferramentas e tecnologias desenvolvidas. É justamente essa lacuna que gera os inúmeros problemas vivenciados pelas empresas quando tentam colocar em prática a sustentabilidade. No campo da Administração, a discussão do “como” promover mudanças é tratada em uma abordagem conhecida por Gestão da Mudança, que se ocupa exatamente do estudo do “como” promover efetivamente a mudança organizacional, seja ela qual for. Os estudiosos dessa abordagem pregam que as organizações são dotadas de valores e práticas que compõem a sua cultura, sendo que essa rege o comportamento das pessoas que delas fazem parte. Logo, para que novos modelos, processos, sistemas (ou o que for) sejam exitosamente implementados é preciso que haja mudanças na cultura organizacional e, assim, no comportamento das pessoas. A mudança para a sustentabilidade, mais do que a revisão de processos e produtos, parece se dar no campo da cultura. Mas será que os líderes empresariais tem clareza disso e entendem as transformações que são necessárias para que uma organização se torne sustentável? Esse entendimento não seria um passo inicial e condição sine qua non para que se possa planejar e promover a mudança organizacional em direção à sustentabilidade? O primeiro capítulo traz então o debate sobre o que significa para as empresas a mudança proposta pela sustentabilidade, o que, no âmbito deste trabalho, se inicia por um repensar 10


ético da lógica com que se operam os negócios. Se considerarmos que a mudança em jogo não requer apenas a ecoeficiência ou a operação socialmente responsável, mas principalmente uma nova relação da empresa com o mundo que a cerca, os impactos da sustentabilidade na organização se tornam mais complexos na medida em que sinalizam para uma ruptura com os valores da lógica capitalista tradicional. Vale lembrar que Adam Smith em seu livro “A Riqueza das Nações” afirmava que o egoísmo se torna útil à sociedade uma vez que quando uma pessoa busca o melhor para si, toda a sociedade é beneficiada. Foi dentro dessa proposta valorativa que as corporações se desenvolveram, ignorando os impactos negativos de sua atuação, os limites naturais do planeta e mesmo a dimensão do bem-estar coletivo, tendo o lucro como seu único objetivo. A sustentabilidade só será efetiva se for capaz de romper com essa lógica e isso ainda não parece claro para a maioria das empresas, executivos ou teóricos do assunto. Em alguns casos, no entanto, o esforço em busca de um novo paradigma vem sendo realizado. Assim, o segundo capítulo traz uma análise de alguns dos principais motivadores para as empresas pensarem em mudanças voltadas para a sustentabilidade. Alguns estudos e pesquisas serão analisados para questionar se os investimentos e mudanças organizacionais ainda refletem a lógica do take-make-waste4 ou se de fato rompem com o business as usual. Após a reflexão sobre a complexidade que representa a mudança para a sustentabilidade e como as empresas estão entendendo esse desafio, o terceiro capítulo buscará entender porque as organizações mudam, qual o papel do indivíduo nessa mudança, analisando a Gestão da Mudança, abordagem da ciência da Administração que propõe modelos e ferramentas para conduzir processos de transformação organizacional de qualquer natureza. Tendo sido apresentados alguns dos principais modelos de Gestão da Mudança e de suas ferramentas, o quarto capítulo será dedicado a analisar se esta abordagem apresenta a elasticidade necessária para promover as complexas transformações propostas pela sustentabilidade, transformando valores em práticas e garantindo uma mudança efetiva na cultura organizacional.

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Expressão em inglês usada para caracterizar o processo produtivo moderno. Sua tradução seria algo parecido com “extrair-produzir-descartar” 11


CAPITULO 1 – SUSTENTABILIDADE: A MUDANÇA QUE ESTÁ EM JOGO O primeiro capítulo deste trabalho não poderia dedicar-se a outra coisa se não à tentativa de mostrar como a correta compreensão do conceito sustentabilidade é fundamental para que as organizações sejam bem sucedidas na transição para a gestão sustentável. Esta reflexão conceitual pode explicitar o desafio que existe na correta compreensão do tema e explicar porque muitos líderes não conseguem transformar suas empresas em negócios sustentáveis. Se entrássemos em qualquer empresa e colocássemos a seguinte pergunta ao CEO: como a sua empresa poderia se tornar sustentável?; ou ainda, se perguntássemos se é possível fazer diferente, sem gerar ou gerando o menor impacto possível, dificilmente a resposta viria de forma natural. É provável que, em uma atitude defensiva, ele sacaria um relatório de ações pontuais que alteram ou tornam mais eficientes alguns dos processos produtivos para afirmar que já está minimizando os impactos da empresa. Mas dificilmente ele apresentaria uma abordagem sistêmica da temática e uma visão de futuro que pudesse conduzir a empresa aos objetivos do desenvolvimento sustentável. Isso porque muitos dos líderes sequer entendem que o business as usual não dialoga mais com os limites impostos pelo planeta, que as externalidades geradas por suas empresas deveriam ser internalizadas e inseridas em seus balanços e que a sociedade atual não aceita mais que sua finalidade seja apenas gerar lucro. Com base nessa percepção, é fundamental que se faça uma revisão crítica das definições e reflexões propostas por estudiosos acerca do tema com o objetivo de entendermos o que significa sustentabilidade e quais os impactos que uma mudança direcionada a ela trará para as organizações. Sem que haja um forte entendimento conceitual, as empresas continuarão a investir em ações paliativas, focadas nos sintomas e não nas causas.

1.1 Ambiental, econômica, social, ética: as várias sustentabilidades A urgência em se propor um significado, de preferência tangível e prático, para sustentabilidade representa a busca de parte da sociedade por clarear esse conceito que tem suscitado reflexões desde as mais filosóficas, como o questionamento de ordem ética e moral que marca o sujeito pós-moderno, até as mais materiais, como a escolha entre usar ou não sacolas plásticas em um supermercado. O fato é que há a necessidade de se traduzir em 12


palavras o que representa a mudança para a sustentabilidade, um passo fundamental para que a ruptura com o sistema vigente se torne efetivo e de fácil assimilação. A discussão sobre a idéia de sustentabilidade - não ainda a tentativa de conceituar o termo teve seu berço no movimento ambientalista, mais especificamente a partir da divulgação do Relatório “Os Limites do Crescimento”, elaborado pelo MIT a pedido do Clube de Roma, na década de 70. O relatório trazia modelos matemáticos que mostravam que o desenvolvimento da humanidade estava em risco devido ao fato de a Terra não suportar mais a exploração dos recursos naturais por sua crescente população humana. Ou seja, a sustentabilidade estava, desde o início, intrinsicamente relacionada à questão ambiental, com a capacidade de suporte do planeta e com a manutenção dos recursos naturais em primeiro plano. O crescente interesse dos cientistas nos impactos negativos causados pela atividade humana levou a outras constatações além do fim iminente dos recursos naturais, nossas matériasprimas. Descobriu-se também que os processos produtivos emitem gases que agravam o efeito estufa, aumentando a temperatura da Terra em uma escala e rapidez muito maiores do que naturalmente ocorreria. As consequências são imprevisíveis, mas já se pode apontar alguns dos desdobramentos do que está por vir: derretimento das calotas polares, elevação dos níveis do mar, inundações em alguns lugares, estiagens em outros, alteração das correntes marítimas e a consequente extinção de determinadas espécies de peixes, formação de tempestades e tornados, aumento de gases tóxicos na atmosfera, entre outros desastres. Os alertas dos ambientalistas quanto ao esgotamento dos recursos naturais e às externalidades negativas geradas pelos processos produtivos da sociedade industrial trouxeram para o debate da sustentabilidade os economistas que, com novas abordagens, começaram a examinar o dilema entre conservação ambiental e crescimento econômico. Já na década de 70, surgem três tendências de análise. A linha mais otimista, representada por Robert M. Solow, pregava que a natureza jamais representaria um obstáculo ao crescimento econômico, pois o progresso científico-tecnológico traria, sempre que preciso, alternativas de substituição aos recursos escassos. Ainda que se admita essa possibilidade, cabe indagar se esse progresso acontecerá na velocidade necessária para evitar catástrofes naturais e o sofrimento de milhões de pessoas. Já a linha intermediária, representada aqui por Herman E. Daly, falava em “condição estacionária”, ou seja, o crescimento econômico se daria de forma qualitativa, substituindo 13


recursos finitos por renováveis. Esse movimento é o que se observa hoje em certos processos produtivos. No entanto, ainda há muita resistência em abandonar os padrões do velho paradigma e pensar novas formas menos impactantes de produção, como veremos adiante. Em outro extremo, a linha dos pessimistas, encabeçada por Nicholas Georgescu-Roegen, recorria à lei da termodinâmica (entropia) para afirmar que, como qualquer atividade econômica transforma energia em formas de calor tão difusas que se tornam inutilizáveis, em algum momento, a humanidade teria que se desenvolver na retração, diminuindo assim sua produção. Não é preciso dizer que isso causou grande polêmica, pois propunha, pela primeira vez na história do capitalismo, a necessidade de redução drástica do processo produtivo. Todo esse dilema levantado no âmbito da ciência econômica mobilizou diversos atores políticos a refletir sobre a questão da sustentabilidade também no âmbito social: que impactos a escassez de recursos naturais ou a possível alteração no modelo econômico vigente terão sobre a sociedade? De que forma a sustentabilidade se relaciona com a pobreza, com a desigualdade social, com o acesso ao consumo, com a democracia ou com os direitos humanos? Surgem as primeiras discussões sobre um termo que deriva da sustentabilidade, mas que passa a incluir também os aspectos sociais: o desenvolvimento sustentável. O World Comission on Environment and Development (WCED) se reuniu em 1987 na tentativa de conceituar o desenvolvimento sustentável e seus objetivos. Dessa reunião surgiu o Relatório Brundtland, conhecido como “Nosso Futuro Comum”, que trouxe a primeira versão global do termo: desenvolvimento sustentável é o que atende as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras atenderem as suas. Essa definição, como não poderia ser diferente, gerou uma série de debates acerca do que seriam as necessidades presentes e como estabelecer as necessidades das gerações futuras. Controverso ou não, esse foi mais um ingrediente para uma série de outras discussões que buscam tornar mais clara e evidente a constatação de que o sistema vigente apresenta suas imperfeições e necessidades de adaptação, ou mesmo, de ruptura. Filósofos, cientistas sociais e políticos, antropólogos, economistas e pensadores das mais diversas disciplinas passaram a propor pilares que sustentariam o novo conceito de sustentabilidade. No início seriam três, o famoso triple bottom line social-econômico14


ambiental proposto pelo inglês John Elkington. Nesta proposta, o desenvolvimento sustentável é resultado de processos produtivos que consideram os três aspectos de maneira integrada, representando uma ruptura fundamental com sistema capitalista, que sempre considerou o crescimento econômico como o único objetivo de um empreendimento. Aprofundando a discussão conceitual, Sachs (2008) propõe cinco pilares para a sustentabilidade: além dos três propostos por Elkington ele acrescenta o territorial, relacionado à distribuição espacial dos recursos, das populações e das atividades, e o político, já que a governança democrática é um valor fundamental e instrumento necessário para garantir a liberdade e a igualdade. Há ainda estudiosos e ativistas que desejam incluir a dimensão cultural como mais um pilar do conceito. Independente das linhas e propostas sustentadas por estudiosos e militantes de diversos campos que interagem neste debate, o mais importante é notar que este ainda é um conceito em construção (ESTEVES, 2009). Além das contribuições mais concretas para a conceituação do termo feitas por ambientalistas, economistas, cientistas políticos e sociais, há uma reflexão ética e filosófica em torno da sustentabilidade. Esse é um debate que se insere no contexto mais amplo das análises sobre a sociedade contemporânea, líquido-moderna para alguns autores como Zygmunt Bauman (2001), hipermoderna para outros como Gilles Lipovetsky (2004B). Não há dúvida de que a modernidade líquida ou a hipermodernidade é caracterizada por uma sociedade em transição que, por vezes, se materializa no individualismo, no consumismo, numa ética hedonista, na fluidez das relações e que sinaliza constantes mudanças e instabilidades geradas por valores em mutação. Nesse sentido, já se pode dizer que os indivíduos, consumidores em maior ou menor grau, vivem marcados pelo dilema. Ter o carro do ano ou utilizar o transporte público, abrindo mão do conforto e prazer individual em prol de um meio ambiente coletivo mais saudável, é um exemplo que traz à luz uma das principais questões morais da sociedade atual: o individualismo e o consumismo são aceitáveis quando ameaçam a sobrevivência coletiva? Grande parte da responsabilidade na mudança para a sustentabilidade recai então sobre o sujeito moderno e sua cultura consumista. Mas como seria possível alterarmos essa realidade se, como diz Bauman (2001), vivemos em uma sociedade na qual o consumo é parte fundamental da experiência de estar no mundo? Diante dessa perspectiva, não resta alternativa a não ser reconhecer que por trás da 15


sustentabilidade há uma mudança complexa que exige uma revisão profunda nos valores que regem a sociedade capitalista. Neste sentido, Lipovetsky (2004A, p.13) nos aponta um caminho de esperança e afirma que “o desafio das nossas sociedades modernas não é de reabilitar a moral (já está feito), mas de favorecer, em seu interior, um individualismo responsável, tentando diminuir a irresponsabilidade individual”. Veremos mais adiante como as empresas se enquadram nesse contexto. Ainda na discussão de dimensão ética, José Eli da Veiga, em entrevista para a Revista Página 22 (julho de 2010), analisa a sustentabilidade como um valor emergente que desperta nossa atenção para “a ideia de futuro”, independente do uso que dela se faça. A seu ver, nenhum outro valor tinha trazido até aqui a dimensão de responsabilidade como o futuro, “a nossa atual responsabilidade para com o que ocorrerá com nossos tataranetos”. Diante de tantas reflexões possíveis, devemos concordar com Hart (2006) quando afirma que o campo da sustentabilidade está ocupado por grupos distintos e, por vezes, concorrentes, de defensores, praticantes e teóricos. Ainda que falte um consenso em relação ao termo e, conforme veremos a seguir, em relação aos possíveis caminhos para a sociedade a partir dele, há uma convergência inegável: o paradigma econômico e a cultura individualista da sociedade capitalista estão em xeque diante dos limites do planeta, o que nos impõe a necessidade de desenhar um novo modelo de desenvolvimento.

1.2 Trazendo a sustentabilidade para o contexto empresarial A análise prévia sobre as origens da idéia de sustentabilidade e as tentativas de estudiosos de todas as áreas em conceituá-la servem para mostrar que esse novo paradigma - apesar de parecer óbvio quando um cálculo matemático mostra que o consumo da população é muito maior do que a capacidade do planeta em produzir novos recursos e absorver os resíduos gerados - ainda está longe de ser compreendido e incorporado pela sociedade. Fato que se agrava quando consideramos o mundo corporativo, nosso objeto de estudo.

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No entanto, é fundamental que as empresas rompam com o business as usual, conscientizemse e procurem por novas práticas na lógica do borrow-use-return5 para que a sustentabilidade se concretize. Para Almeida (2007), as empresas globais, mais do que quaisquer outras instituições, tem um papel fundamental a desempenhar no enfrentamento dos grandes desafios sociais e ambientais, evoluindo da responsabilidade legal para a responsabilidade moral. Seguindo essa linha, Lipovetsky (2004A, p.14) afirma que “num mundo de economia desregulada, onde o capitalismo tomou uma forma utilitarista tacanha, a ética dos negócios aparece como uma vontade de recolocar a dimensão humana nas empresas”. Mas quais as implicações da sustentabilidade no mundo dos negócios? As organizações modernas tem como objetivo-fim gerar lucro para seus acionistas. E no sistema capitalista esse lucro vem sendo gerado facilmente, na medida em que: a) A mais valia descrita Karl Marx - diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao trabalhador – rege as relações de trabalho e, em alguns países, há frequentes denúncias de trabalho escravo ou análogo ao escravo de adultos e crianças; b) Os recursos naturais - água, petróleo, minérios, recursos florestais, enfim, as matériasprimas usadas na produção - são exaustivamente extraídos e fornecidos gratuitamente ou a baixo custo pelo planeta e pela humanidade para serem privatizados pelas empresas; c) Os resíduos resultantes dos processos produtivos – emissões de gases, resíduos sólidos, tóxicos, efluentes, etc. - são despejados no meio ambiente em que vivemos, muitas vezes sem nenhum tratamento ou ônus para a empresa; d) As estratégias de marketing e os meios de comunicação, aliados ao entendimento cada vez mais profundo do consumidor, alimentam um processo voraz e infindável de consumo; e e) A especulação financeira no mercado de capitais se torna uma forma recorrente de multiplicar ganhos, mesmo que nos últimos anos tenhamos conhecido seu potencial de periculosidade para as economias do mundo. De maneira bastante simples pode-se dizer que a economia mundial opera com a seguinte lógica: preocupação exclusiva com o lucro; visão de curto prazo; produção de bens e serviços que muitas vezes não precisamos, mas que a roda perversa do “ter para ser” nos impõe; descaso com as pessoas e com o meio ambiente; crença de que a tecnologia resolverá tudo. Doppelt (2010, p.34) faz uma análise: 5

Expressão em inglês usada na proposta de processos produtivos sustentáveis. Sua tradução literal seria “pegar emprestado-usar-devolver” 17


“Our current economic system is fundamentally linear in nature. It focuses on producing products and services and delivering them to the customer in the fastest and cheapest way possible. Not much else matters. Humans extract resources from the Earth’s surface, turn them into goods, and them discharge the massive amounts of often highly toxic waste the system generates back into nature as either air, water and soil pollution or as solid, industrial and hazardous waste. After two hundred years of experience with this straight line ‘takemake-waste’ production system, it has become firmly embedded as the dominant economic paradigm in the psyches of most Westerns”. Na contramão dessa lógica, uma empresa sustentável seria aquela que rompe com a ética do take-make-waste ao se comprometer em preservar e restaurar o meio ambiente ao mesmo tempo em que aumenta o bem-estar econômico e social. A ética da sustentabilidade surge quando a empresa entende que gerar lucro para o acionista não é sua única missão, mas que ela também deve: a) Criar empregos, remunerar corretamente e garantir condições de saúde e segurança para seus funcionários; b) Prover um ambiente organizacional de aprendizado e crescimento profissional, que valorize as diferenças e a inovação; c) Oferecer produtos e serviços de qualidade para os consumidores; d) Estabelecer o diálogo e ser transparente na relação com seus stakeholders; e) Pagar os impostos para o governo, que resultam em benefícios para a sociedade; e f) Produzir sem degradar e recuperar (ou compensar) o meio ambiente por ela impactado. Porém essa mudança não é tarefa simples, pois implica em um rompimento radical na cultura do business as usual. Como convencer um empresário de que ele deve pagar pelos recursos naturais que há centenas de anos privatiza gratuitamente ou a baixo custo? Isso encareceria sua produção e diminuiria seu lucro. Como convencê-lo a tratar os resíduos que sua empresa gera antes de descartá-los no meio ambiente? Novamente isso encareceria sua produção e diminuiria seu lucro. Como convencê-lo a investir em pesquisa e tecnologias que possibilitem a substituição de recursos não renováveis por renováveis e limpos? Não é preciso repetir a resposta, que seria a mesma se continuássemos os questionamentos quanto à remuneração de seus funcionários, relação aberta com stakeholders, especulação no mercado financeiro, pagamento de impostos, cumprimento de legislação, etc. Nas palavras de Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009, p.34), no mind-set tradicional dos executivos: 18


“um receio é que tornar as operações sustentáveis e criar produtos “verdes” colocaria a empresa em desvantagem em relação a rivais de países em desenvolvimento que não enfrentam pressão parecida. Outra queixa é que fornecedores não garantem insumos verdes nem transparência. Outra, ainda, é que a manufatura sustentável exigiria novos equipamentos e processos. Por fim, o cliente não estaria disposto a pagar por produtos ecologicamente corretos em tempo de crise. Por isso tudo, a maioria dos executivos trata a necessidade de tornar o negócio sustentável como responsabilidade social, algo desvinculado de objetivos comerciais”. Outro exemplo simples, porém brilhante, tradizo por Bauman (2001, p.186) ilustra o quão forte é a cultura do take-make-waste nos negócios e na sociedade atual: “Os mecânicos de automóveis de hoje não são treinados para consertar motores quebrados ou danificados, mas apenas para retirar e jogar fora as peças usadas ou defeituosas e substituí-las por outras novas e seladas, diretamente da prateleira. Eles não têm a menor idéia da estrutura interna das ‘peças sobressalentes’ (uma expressão que diz tudo), do modo misterioso como funcionam; não consideram esse entendimento e habilidade que o acompanha como sua responsabilidade ou como parte de seu campo de competência. Como na oficina mecânica, assim também na vida em geral: cada ‘peça’ é ‘sobressalente’ e substituível, e assim deve ser. Por que gastar tempo com consertos que consomem trabalho, se não é preciso mais que alguns momentos para jogar fora a peça danificada e colocar outra em seu lugar?”. Esse pensamento não é exclusivo de algumas empresas ou pessoas, mas generaliza-se na sociedade como um todo. Transformar em prática uma nova cultura que rompa com valores tão arraigados é um desafio que os estudiosos da sustentabilidade em seus diversos campos estão lutando para responder. Por certo já existem alguns avanços como veremos a seguir, mas ainda são muito tímidos e pouco efetivos em relação ao tamanho da transformação que precisa ser feita. Como bem coloca Esteves (2009, p.121): “Cuidar dos recursos naturais, prevenir riscos sócio-ambientais e conduzir-se com ética são, assim, procedimentos estabelecidos no âmbito dos interesses econômicos imediatos – por meio de projetos com resultados limitados a priori, e não no âmbito do interesse da sociedade, o que exigiria um diferente conjunto de mecanismos e interações – aparentemente incompatíveis com os interesses de um capital cuidado por executivos pragmáticos, auto-centrados e imediatistas”.

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CAPITULO 2 – ENCARANDO O NOVO PARADIGMA No capítulo anterior foi possível observar que, independente da definição utilizada, a sustentabilidade representa uma mudança complexa na qual as empresas tem papel protagonista. Isso porque elas estão no centro do sistema capitalista, ditando as regras de mercado, suprindo (e criando) as demandas dos consumidores, extraindo as riquezas do planeta e devolvendo em seu lugar resíduos. Como coloca Hart (2006, p.222): “À medida que adentramos o novo século, as empresas se destacam como as instituições mais poderosas do planeta. Há 700 anos, era a religião; (…). Há 200 anos, era o Estado; (…). Hoje, as instituições mais poderosas são as empresas: veja as torres de escritórios, bancos e centros comerciais que dominam todas as grandes cidades. Embora ninguém negue a importância permanente e crucial dos governos, da religião e da sociedade civil, não há dúvida de que o comércio se tornou a instituição dominante”. Essa posição de destaque explica também porque as empresas passaram a sofrer uma crescente pressão de seus stakeholders para adotarem uma postura mais responsável. No início, destacavam-se as exigências dos movimentos sindicalistas, por exemplo, em relação a melhores salários e condições de saúde e segurança. Depois, foi a vez dos ambientalistas cobrarem das empresas a responsabilidade por danos ao meio ambiente. Mais adiante, foram os consumidores e a exigência por seus direitos. Na medida em que a sociedade foi tendo acesso a informações e tomando consciência das externalidades geradas por processos produtivos, as pressões tornaram-se mais constantes e mais refinadas, por assim dizer. Hoje, a parcela mais consciente da sociedade, por vezes representadas por ONGs, pela mídia, por organismos multilaterais ou mesmo pelos consumidores, já cobra das empresas a responsabilidade pela escolha de seus fornecedores e impactos de sua cadeia produtiva, pelo ciclo de vida de seus produtos, pelos recursos não-renováveis que utilizam, pela associação da empresa a qualquer atitude que possa ser considerada prejudicial à sociedade ou ao planeta. Essa pressão dos stakeholders também faz com que os governos lancem novas leis para regulamentar as atividades das empresas ou criem taxas para pressionar mudanças em suas operações. É o caso, por exemplo, da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei n° 12.187, de 29/12/2009). A partir deste novo marco legal passa-se a discutir, entre muitos 20


temas, medidas fiscais e tributárias que estimulem a redução das emissões e remoção de GEEs6, o que irá forçar as empresas a adequarem ou repensarem seus processos produtivos. Mas como as empresas estão lidando com essas pressões ou encarando esse novo paradigma? Quais tem sido os motivadores para que elas pensem em mudanças voltadas para a sustentabilidade?

2.1 O que as empresas entendem por sustentabilidade? Diante do avanço das discussões sobre o tema, já existem tentativas por parte de diversas empresas de repensar os seus negócios tomando por base a sustentabilidade. No entanto, além de tímidas, essas iniciativas ainda parecem pontuais ou informais (DOPPELT, 2010). E isso pode estar relacionado a vários motivos, entre eles: a) Os líderes ainda não entendem o que significa ser uma empresa sustentável; b) Os líderes enxergam a mudança para sustentabilidade como custo, pois a visão continua a ser de curto prazo; c) As mudanças são feitas apenas quando a lei exige (compliance); d) As mudanças são feitas quando os concorrentes a fazem, quando os clientes exigem ou quando um acidente ocorre e a reputação da empresa é manchada (Nike, BP, Enron, etc.). Ainda são poucas as empresas que investem em sustentabilidade de forma estratégica a partir da visão de que o sistema como é hoje não terá sucesso no longo prazo. Duas pesquisas realizadas com executivos ilustram este fenômeno. Na primeira delas, conduzida pelo IBOPE e lançada em setembro de 2007, foram entrevistados mais de 500 executivos de grandes empresas instaladas no Brasil com o intuito de mostrar como entendem a questão da sustentabilidade. A pesquisa mostra que o tema está incorporado de forma estratégica em apenas 33% das empresas, enquanto que ocorre de maneira pontual em 30%, informal em 23% e inexiste em 11% delas. Quarenta e seis por cento dos entrevistados alegam que suas organizações já tem políticas de sustentabilidade e 37% dizem possuir uma área dedicada a práticas de sustentabilidade. E quando falam em

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Gases de Efeito Estufa 21


práticas, o levantamento aponta que para os executivos ouvidos a sustentabilidade empresarial está ligada à responsabilidade empresarial (59%), preservação do meio ambiente (58%), pesquisa e desenvolvimento (35%) e ética (15%). Como veremos mais adiante, esses índices ajudam a explicar porque a sustentabilidade ainda se traduz em práticas pontuais, meramente paliativas, ao invés de propor uma mudança radical na forma de se conduzir os negócios. A segunda pesquisa, intitulada “How companies manage Sustainability”, realizada em 2010 pela empresa de consultoria McKinsey, contou com 1.946 executivos representantes de diversos setores da indústria e regiões do mundo. Neste levantamento, repete-se a conclusão de que sustentabilidade ainda não está sendo estrategicamente gerida por seus líderes. Colocando em números, mais de 50% dos executivos consideram sustentabilidade “muito” ou “extremamente” importante em diversas áreas, incluindo desenvolvimento de novos produtos, construção de reputação e todas as estratégias corporativas. Porém, o discurso não se transforma em prática na mesma proporção, já que apenas 30% dos entrevistados dizem que suas empresas buscam ativamente por oportunidades de investimento em sustentabilidade ou incorporá-la em suas práticas de negócio. A pesquisa sinaliza que entre os motivos para que as empresas não invistam ativamente em sustentabilidade está a falta de clareza sobre o que isso significa. Mais de 20% dos executivos dizem que suas companhias não sabem o significado de sustentabilidade e, entre os 80% que afirmam saber, a definição varia muito: 55% deles vêem sustentabilidade como a gestão de questões ambientais (emissões de GEEs, eficiência energética, conservação da água, gestão de resíduos, desenvolvimento de produtos verdes); 48% incluem na definição questões de governança (cumprir a legislação, manter práticas éticas e atender a padrões aceitos pela indústria); e 41% incluem a gestão de questões sociais (condições de trabalho e normas trabalhistas). Cinquenta e seis por cento dos entrevistados utilizam duas ou mais categorias para definir sustentabilidade. Conforme veremos adiante, o entendimento correto sobre o que significa a mudança para a sustentabilidade é fator determinante em um processo de mudança pois facilita a definição da visão que deverá ser compartilhada pela liderança junto aos públicos de interesse da empresa. Segundo diversos autores, esse é o passo inicial para a mudança organizacional que só terá sucesso se os promotores da mudança souberem claramente onde querem chegar. 22


2.2 Por que investir em sustentabilidade? Se ainda não há um entendimento claro do que significa ser uma empresa sustentável, por que muitas delas estão fazendo altos investimentos em algumas ações? Segundo o IBOPE, quando questionados sobre sua motivação em investir em sustentabilidade, 31% dos executivos afirmam que isso gera valor à imagem da empresa; 18% dizem que faz parte da missão; 13% fazem pela consciência de que precisam fazer algo pela sociedade; 9% querem obter isenções tributárias; 8% buscam se autopromover e 7% fazem por se sentir cobrados pela sociedade. A pesquisa feita pela McKinsey mostra que em nível global as respostas seguem essa mesma linha: 36% dos executivos afirmam que a manutenção ou a melhoria da reputação corporativa é o principal motivo para se investir em sustentabilidade. Em segundo lugar, 21% dizem que o investimento se deve aos objetivos estratégicos do negócio. Depois, empatados em terceiro lugar, 19% das respostas falam da melhoria na eficiência operacional e diminuição de custos, e no atendimento das expectativas dos consumidores. Com 17% estão as respostas ligadas a novas oportunidades de crescimento (produtos, mercados) e a vantagem competitiva. O interesse pessoal da liderança aparece com 14%, seguida dos 11% que alegam que esse investimento ajuda a atrair, motivar e reter talentos. Por fim, com 5 e 3% respectivamente vem o atendimento a expectativas de distribuidores e fornecedores e a pressão das ONGs. As pesquisas mostram que o tema está na agenda dos executivos, porém de forma reativa focando principalmente a busca por reputação e sem uma abordagem mais estratégica. A verdade é que esse movimento gera investimentos em ações e práticas de maior visibilidade que endereçam apenas alguns problemas relacionados à sustentabilidade do que na promoção da mudança na forma de fazer e conduzir os negócios. Como alerta Almeida (2007, p. 229), talvez seja preciso que os executivos entendam que: “O futuro das atividades empresariais se confunde com a sobrevivência dos recursos naturais e com a inclusão de mais da metade da população mundial no universo da cidadania. Disso dependem a estabilidade democrática e o respeito às leis, ambiente básico para o desenvolvimento dos negócios. Instrumentos como a ecoeficiência e a responsabilidade social corporativa, concebidos ao longo dos últimos dez anos e que só agora começam a entrar na prática das empresas e instituições, têm se revelado importantes, mas insuficientes para reverter a tendência de degeneração global do tecido social e ambiental.” 23


2.3 O que as empresas tem feito em prol da sustentabilidade? De uma forma ou de outra, a maioria das empresas no mundo já se preocupam com a sustentabilidade. Seja pelo óbvio cumprimento de regulamentações, seja pela adoção da ecoeficiência ou do investimento social privado, as organizações estão gastando tempo e recursos na tentativa de pelo menos tangenciar o novo paradigma imposto pelo planeta. Produção mais limpa, abordagens fim de tubo, compensação ambiental são alguns dos investimentos realizados no intuito de ganhar o título de sustentável. Vale aqui uma reflexão interessante: quando uma empresa torna seus processos produtivos ecoeficientes, ela ganha duas vezes. Primeiro porque minimiza a geração de resíduos que no futuro poderiam gerar custos com os avanços na legislação ambiental. Segundo porque isso lhe proporciona redução de custos, na medida em que ela passa a precisar de menos insumos (matérias-primas, energia, água) para produzir. Em uma visão estritamente capitalista, essa eficiência representa uma obrigação para a empresa, pois proporciona a maximização do lucro ao reduzir custos! Além disso, diminuir o uso de recursos durante o processo produtivo endereça apenas uma parte do que é sugerido pela sustentabilidade. Se tomarmos por base os 4 princípios propostos pela TNS (The Natural Step, ONG sueca que estuda a questão da sustentabilidade), veremos que a ecoeficiência só responde a dois deles: reduzir e eliminar a contribuição para o sistemático acúmulo de substâncias produzidas pela sociedade e para a atual degradação física da natureza. São deixados de lado dois outros princípios: reduzir e eventualmente eliminar a contribuição ao acúmulo sistemático de materiais da crosta terrestre e reduzir e parar condições que sistematicamente impedem as pessoas em satisfazer suas necessidades básicas. Nessa linha, Senge (2001) e Doppelt (2010) afirmam que as inovações voltadas para a ecoeficiência reduzem o desperdício gerado no processo produtivo, mas não alteram o número de produtos fabricados nem o desperdício por seu uso e descarte. Ademais, a ecoeficiência pode desviar a atenção das empresas, que deveriam pensar na substituição de matérias-primas não renováveis, na produção de bens ambientalmente corretos ou na responsabilidade total pelo ciclo de vida de seus produtos. Além de ações ambientais, o tripé da sustentabilidade também pressupõe que as empresas repensem seu papel e impacto social. O que se observa predominantemente nesse sentido são 24


ações junto a comunidades. Infelizmente, este é um campo que precisa avançar, pois os investimentos tem sido feitos mais com o objetivo de atenuar tensões geradas pelos impactos da empresa num determinado território do que na transformação e no desenvolvimento local. Por fim, diferentemente do que muitos podem pensar, a sustentabilidade não se opõe ao crescimento econômico. Ao contrário, entende que as empresas precisam ser lucrativas e remunerar seus acionistas para que esses possam investir em novos negócios, gerando mais empregos e contribuindo para economias locais. Como afirma Doppelt (2010, p.36), a lucratividade deve ser vista como uma consequência da saúde da organização, porém não seu único propósito. Nesse sentido, é importante perceber que a sustentabilidade traz novas oportunidades (lucrativas) de negócios. Uma delas já foi identificada. Algumas empresas estão vendo na base da pirâmide uma forma de endereçar dois interesses: aumentar seu lucro, entrando em um novo e rentável mercado, e cumprir seu papel social, proporcionando melhoria na qualidade de vida a uma população antes privada do consumo. No entanto, na medida em que o consumo avança nas classes mais pobres, as empresas devem estar cientes de que, em algum momento, precisarão contornar o impacto ambiental que o aumento do mercado consumidor poderá representar. A empresa que adota o pensamento sistêmico entenderá o dilema existente entre aumentar o número de clientes por meio de produtos voltados para a base da pirâmide e as externalidades que esse aumento de produção gera - maior necessidade de matéria-prima e geração de resíduos. Como propõe Prahalad (2005), a saída está no desenvolvimento de tecnologias limpas, pois assim o triple bottom line poderia ser equacionado. Os desafios relacionados à base da pirâmide ilustram que para a sustentabilidade se tornar uma nova lógica de fazer negócios é preciso que as empresas tenham mais do que boas intenções, mas um pensamento sistêmico: assumir que o contexto em que estão inseridas é complexo, instável e por vezes paradoxal. Investir em gestão eficiente de recursos, processos e resíduos, ou na oferta de produtos socioambientalmente corretos só resolve parte do problema. Para ser sustentável é preciso uma mudança mais ampla na cultura organizacional, que conduza os negócios a um novo patamar na sua razão de ser.

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CAPITULO 3 – MAKING CHANGE STICK7 As organizações modernas estão se transformando radicalmente, tentando acompanhar a velocidade das mudanças e descobertas de uma era que se caracteriza por uma revolução em suas bases tecnológicas aliada à comunicação em tempo real e a uma economia de alcance global. Porém, empreender mudanças organizacionais, sejam elas quais forem, não é tarefa fácil, pois as empresas em essência são formadas por pessoas, que possuem seus próprios valores, comportamentos e cultura. Como mudanças organizacionais implicam, muitas vezes, em altos investimentos de tempo e dinheiro, um número crescente de empresas tem se interessado pela Gestão da Mudança, uma área da Administração que estuda a melhor forma de conduzir processos de adaptação nas empresas. O objetivo é identificar e desenvolver ferramentas e técnicas que facilitem o processo e tornem a mudança efetiva, eliminando barreiras e resistências, alinhando expectativas, formando pessoas e líderes e reduzindo os custos e o tempo empregado. Baseado em alguns modelos da Gestão da Mudança, este capítulo dedica-se a entender por que as mudanças acontecem, como acontecem e o que precisa ser feito para torná-las uma ideia bem recebida nas organizações. Depois, analisará se a abordagem tem a elasticidade necessária para endereçar as complexas transformações intrínsecas à sustentabilidade.

3.1 Por que as organizações mudam? Existem inúmeros motivos que justificam, ou melhor, impulsionam as transformações no ambiente empresarial: cumprir novas metas estabelecidas, aumentar o lucro, atrair talentos, diferenciar-se da concorrência, diminuir a rotatividade de pessoal, implementar uma nova tecnologia, adequar-se a uma legislação, etc. Hoje, no contexto da economia globalizada e altamente competitiva, a mudança virou uma norma e para sobreviver toda empresa precisa se reinventar constantemente. Mas o que é uma mudança organizacional e quando ela ocorre?

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Making Change Stick é um termo largamente empregado no campo da Gestão da Mudança. Em português pode ser traduzido como “fazendo a mudança pegar”. 26


A mudança no plano da organização pode ser entendida como uma alteração interna na empresa, tendo em vista uma nova forma de comportamento coletivo (ACUÑA & FERNANDES, 1995). Assim, ela pode ser considerada efetiva quando altera as relações sociais entre seus membros e demais públicos de interesse, independente de ter sido motivada por transformações na estrutura organizacional, em procedimentos e processos, pela introdução de uma nova tecnologia, pela alteração de objetivos e metas, entre outras. Portanto, a mudança organizacional ocorre quando a empresa consegue responder às transformações trazidas pelo ambiente, adaptando seus componentes organizacionais (processos, pessoas, estrutura, tecnologia e cultura) a essa nova realidade requerida. Algumas transformações organizacionais são facilmente implantadas. Outras não conseguem sair do papel. Será que isso se dá segundo o nível de complexidade da mudança? O que veremos a seguir é que muitas vezes o problema não está na natureza da mudança, mas na forma como o processo de mudança é conduzido.

3.2 O efeito dominó da mudança organizacional É possível dizer que qualquer mudança organizacional tem um efeito dominó, pois, para que ela efetivamente ocorra, serão sempre necessárias mudanças no plano do indivíduo e das equipes de trabalho. Tomemos como exemplo uma empresa que resolve proibir a impressão de emails, adotando a regra de que impressões feitas devem ser justificadas ou serão descontadas do salário do funcionário. O motivo dessa mudança seria o corte de custos gerados pela imensa quantia de papel gasta com impressões desnecessárias. Quando falamos em mudança individual nos referimos à mudança interior pela qual a pessoa deve passar para que possa se adaptar à nova situação colocada. No nosso exemplo, cada funcionário deve romper com a prática de imprimir emails para passar a lê-los na tela do computador. Muitas resistências podem surgir no processo de mudança: alguns alegarão problemas para ler na tela do computador, outros dirão que precisam levar o email impresso para uma reunião, outros simplesmente afirmarão que a mudança não gera redução de custos significativa. As barreiras e resistências apresentadas pelos indivíduos podem ser tantas que o novo procedimento poderá não se efetivar, não se tornar cultura da organização. 27


Portanto, quando falamos em transformações organizacionais, trabalhar a mudança individual é fator decisivo já que, segundo Junqueira&Bichuetti (2010), é natural que boa parte dos indivíduos prefira as rotinas e tenha percepções contrárias às mudanças, gerando assim resistências ao novo. Ainda, para Cameron&Green (2009, p.10): “Seja qual for o nível ou o grau de mudanças organizacionais, cada uma das pessoas na extremidade que vai sentir os efeitos das mudanças é um ser humano individualizado. São elas que, em última análise, farão que as mudanças sejam um sucesso ou um fracasso. Sem considerar as implicações das mudanças sobre as pessoas individualmente, jamais poderemos realmente esperar gerenciar mudanças em larga escala de maneira eficaz”. Assim, a reação dos indivíduos precisa ser administrada durante o período de mudança organizacional, dentro de um processo sequencial de surpresa, recusa, entendimento racional do que está acontecendo, aceitação emocional do processo, engajamento, realização e integração (JUNQUEIRA&BICHUETTI, 2010, p.61). A gestão da mudança individual pode ser feita usando métodos como o behaviorista, o cognitivo, o psicodinâmico ou o da psicologia humanista, para citar os principais8. Cabe aos promotores da mudança escolher aquele que melhor se adequa ao corpo funcional da empresa. Durante o processo de mudança também é preciso gerir as reações das equipes, pois são elas que, dentro das empresas, realizam tarefas grandes e complexas. Logo, se uma equipe começa a criar barreiras e resistências à mudança, é preciso agir rapidamente antes que isso impacte a operação da organização. Existem poucas pesquisas sobre estratégias para gerir e liderar equipes durante mudanças organizacionais. No entanto, segundo Cameron&Green (2009), há uma lista de perguntas fundamentais que devem ser feitas e respondidas antes e depois do processo de mudança que podem ajudar a mapear resistências, barreiras ou falhas da equipe: 1) Como as equipes são afetadas pela mudança? 2) Que tipo de apoio as equipes requerem ao longo do processo de mudança? 3) Qual a melhor maneira de usar a equipe ao longo de todo o processo de mudança? 4) Que recursos devemos oferecer para assegurar que as equipes atinjam seus objetivos de gerenciar suas tarefas atuais e as mudanças? e, por fim, 8

Para mais detalhes sobre estes métodos ver Cameron&Green, 2009. 28


5) Que processo organizacional temos para assegurar que as equipes tenham clareza sobre seus atributos: missão, objetivos e metas, funções e responsabilidades, processos operacionais, relações interpessoais e entre equipes? Em suma, quando uma empresa se propõe a mudar ela deve considerar nesse processo a reação pessoal de seus funcionários à mudança. Para Edgar Schein, estudioso especialista em mudanças individuais, organizacionais e culturais e autor do clássico Organizational culture and leadership, existem duas forças em ação dentro de cada pessoa que passa por um processo de mudança: a primeira é a ansiedade em relação ao aprendizado, que se manifesta quando a pessoa questiona sua capacidade de aprender algo novo, sua vulnerabilidade no processo. A segunda é a ansiedade relacionada à sobrevivência, um comportamento que aparece quando a pessoa sente a pressão por mudar e se questiona se conseguirá fazê-lo. Essas forças, se não geridas da forma correta, podem se transformar em resistências e minar o processo de mudança. Conforme veremos, a Gestão da Mudança propõe algumas abordagens e ferramentas para facilitar esse processo e torná-lo efetivo.

3.3 A metáfora do organismo Um ponto de partida importante para aqueles que vão promover mudanças é entender como as organizações funcionam, quais pressupostos moldam as atitudes das pessoas em relação à organização da qual fazem parte e o modo como a compreendem. Estudiosos do campo da mudança organizacional costumam criar metáforas para melhor compreender o funcionamento das empresas, para a partir delas analisar como as mudanças podem ser promovidas de forma eficaz. Morgan (apud CAMERON&GREEN, 2009, p.113) identifica oito metáforas organizacionais: máquina, organismo, cérebro, cultura, sistema político, prisão psíquica, fluxo e transformação, e instrumento de dominação. Para o presente trabalho, usaremos a metáfora da organização como um organismo, pois é a que mais se aproxima da idéia de pensamento sistêmico e a que melhor explica a relação da empresa com o ambiente. Nessa metáfora, a organização é representada por um “sistema aberto”, ou seja, é formada por um conjunto de subsistemas inter-relacionados e projetada para equilibrar as exigências do ambiente de acordo com as necessidades internas das equipes e das pessoas. Nas palavras de Morgan (apud CAMERON&GREEN, 2009, p.117), “a 29


metáfora sugere que diferentes ambientes favorecem diferentes espécies de organizações com base nos diferentes estilos de organizar as coisas (…) a coerência com o ambiente é a chave para o sucesso”. Cameron&Green (2009, p.117) exemplificam: “em ambientes estáveis, uma organização burocrática mais rígida pode parecer próspera. Em ambientes mais instáveis, variáveis, um tipo de organização mais aberta, menos estruturada, tem maior probabilidade de sobreviver”. Assim, segundo a metáfora do organismo, devemos sempre levar em conta o ambiente, o que no contexto da sustentabilidade parece ser imprescindível. Ainda conforme a metáfora proposta, o atendimento das necessidades sociais do indivíduo, do grupo, da organização e do ambiente é essencial para o funcionamento adaptativo e saudável do sistema como um todo. Ademais, a manutenção do fluxo de informações entre as diferentes partes dos sistemas e seu ambiente é outro fator para o sucesso da empresa. Levando a metáfora para dentro do paradigma da sustentabilidade, podemos dizer que a empresa sustentável baseia-se numa relação harmônica com o ambiente enquanto busca atender as necessidades humanas. Mais ainda, por meio de canais abertos de diálogo com seus stakeholders (manutenção do fluxo de informações), a empresa retroalimenta sua estratégia baseada na lógica cíclica do borrow-use-return. Dentro dessa abordagem, Cameron&Green (2009, p.117) dizem que há alguns pressupostos quando uma mudança organizacional precisa acontecer: 1) Mudanças são feitas em resposta a transformações no ambiente; 2) Pessoas e equipes precisam estar psicologicamente cientes da necessidade da mudança para conseguirem se adaptar; 3) A resposta a uma mudança pode ser criada e desenvolvida; e 4) A participação e o apoio psicológico são cruciais para a efetividade da mudança. Para compreender quais forças estão em jogo quando falamos em mudanças organizacionais usando a metáfora do organismo, Senge (apud CAMERON&GREEN, 2009, p.144) coloca: “As empresas e os outros esforços humanos também são sistemas. Também são influenciados por tecidos invisíveis de ações interrelacionadas, que geralmente levam anos para exercer suas interferências uns sobre os outros. Uma vez que também fazemos parte dessa trama, é duplamente difícil perceber os padrões da mudança como um todo. Em vez disso, tendemos a nos concentrar em 30


instantâneos de partes isoladas dos sistemas e imaginar por que nossos problemas mais entranhados jamais parecem ser resolvidos”. É claro que todos os modelos e metáforas organizacionais apresentam suas limitações que, quando aplicadas à sustentabilidade podem se agravar, na medida em que foram elaboradas dentro de um paradigma a ser superado. Isso não é diferente no caso da metáfora do organismo. Ainda assim, parece interessante partir dos modelos já propostos para avançarmos em uma nova proposição mais adequada ao paradigma da sustentabilidade. Veremos a seguir algumas ferramentas propostas pela Gestão da Mudança para a aplicação em empresas entendidas como organismos.

3.4 Gestão da Mudança: facilitando a transformação organizacional A intensidade e a volatilidade das pressões internas e externas fazem com que a mudança seja parte da rotina das empresas. No entanto, todo e qualquer processo de mudança causa desconforto e traz insegurança para os que dele participam ou por ele são impactados. Por isso, como relatado acima, é natural que esse tipo de processo gere resistências dentro da organização, o que pode colocar em risco as iniciativas de transformação. Na literatura existente, diversos autores analisam as dificuldades presentes nas mudanças organizacionais sob vários enfoques. Um deles é o professor e pesquisador do MIT Peter Senge, cujos estudos sobre organizações que aprendem influenciaram o conceito atual de Gestão da Mudança. Para Senge (apud JUNQUEIRA&BICHUETI, 2010, p.60), as iniciativas de mudança organizacional falham porque: 1) As pessoas não mudam seu modo de pensar e as mudanças realizadas não geram benefícios que justifiquem os esforços realizados; e 2) Os líderes não dedicam tempo suficiente para entender as barreiras que impedem que as mudanças necessárias se concretizem. Já para John P. Kotter (1995), professor da Harvard Business School e uma autoridade em liderança e mudança organizacional, as iniciativas de mudança não se efetivam devido a uma série de erros cometidos durante o processo, sendo os mais comuns: 1) Não estabelecer um grande senso de urgência; 31


2) Não criar uma coalizão administrativa forte; 3) Subestimar o poder da visão; 4) Não comunicar a visão de forma eficiente; 5) Não remover obstáculos frente a nova visão; 6) Não planejar e criar vitórias de curto prazo sistematicamente; 7) Declarar vitória prematuramente; e 8) Não ancorar as mudanças na cultura da organização. Diante deste cenário, a Gestão da Mudança busca formular diferentes modelos e ferramentas para facilitar a implementação de mudanças organizacionais. Há uma variedade de maneiras pelas quais é possível promover isso com destaque para alguns pontos comuns em qualquer abordagem. Toda mudança organizacional impacta os componentes comportamental, estrutural, tecnológico e estratégico. Assim, para que a mudança aconteça é preciso que: 1) A alta administração apóie o processo; 2) Haja consciência sobre o impacto da mudança; 3) A organização seja preparada; 4) Se conheça o alcance das abordagens de mudança; 5) Não se crie expectativa por resultados plenos e imediatos; 6) Haja congruência entre os objetivos da mudança e os valores da empresa; e 7) O processo de mudança seja controlado. Sem a conjugação destes fatores, a Gestão da Mudança pode ficar comprometida. A seguir analisaremos três modelos de Gestão da Mudança que se baseiam na metáfora do organismo. O primeiro é o modelo de Lewin (apud CAMERON&GREEN, 2009, p.125), que introduz a análise do campo de forças propulsoras e de resistência a mudança9. Esse modelo se dá em três etapas. Na primeira, é preciso descongelar o estado das coisas no momento, ou seja, definir o estado corrente, fazendo aparecer as forças propulsoras e de resistência, para depois imaginar o estado final desejado. Na segunda etapa, a mudança para o novo estado deve ser feita com a participação e envolvimento de todos, garantindo a diminuição de resistências. Por fim, na terceira etapa, é preciso que se recongele e estabilize o novo estado das coisas, definido uma política, recompensando o sucesso e estabelecendo novos padrões. 9

O princípio é que as forças propulsoras devem ter mais peso do que as forças de resistência em qualquer situação para que as mudanças possam acontecer (CAMERON&GREEN, 2009, p.124). 32


Nesse modelo, em que se considera a empresa como um organismo, é preciso observar dois aspectos importantes: o primeiro é que as pessoas só mudarão se houver uma necessidade percebida para fazê-lo. Logo, é preciso mapear as forças propulsoras e de resistências a mudança, tornando as aquelas mais fortes do que essas. O segundo inclui a noção de homeostasia, que é a tendência natural da organização a manter seu equilíbrio em resposta a mudanças, ou seja, se ajustar de volta a seu estado constante (CAMERON&GREEN, 2009, p.125). Para Lewin, é preciso buscar intencionalmente um novo estado de equilíbrio para que a mudança seja efetiva (recongelar). Outro modelo, bastante utilizado pelas consultorias especializadas e organizações, é o proposto por Kotter (1995). Esse modelo é composto por oito etapas: 1) Estabelecer um sentido de urgência, aumentando a necessidade percebida para a mudança; 2) Formar uma coalizão diretora forte, com pessoas que possam trabalhar bem juntas; 3) Criar uma visão, para guiar a mudança juntamente com as estratégias; 4) Comunicar a visão pelo menos 10 vezes mais do que o planejado e de diferentes formas; 5) Delegar poder para que outros atuem de acordo com a visão, eliminando assim obstáculos à mudança e permitindo que pessoas façam experiências; 6) Planejar e criar sucessos de curto prazo, identificando e comunicando incrementos visíveis no curto prazo e recompensando as pessoas publicamente pelos resultados atingidos; 7) Consolidar as melhorias e produzir ainda mais mudanças, promovendo e recompensando pessoas que divulguem a visão e trabalhem de acordo com ela. Nesta etapa, energizar o processo de mudança com novos projetos, recursos e agentes de mudança também é importante; e, por fim, 8) Institucionalizar novas abordagens, assegurando que todos compreendam que os novos comportamentos e práticas levam ao sucesso corporativo. Os estudos de Kotter concluíram que essas oito etapas normalmente requerem um tempo considerável para se efetivarem, pois, conforme dito anteriormente, as pessoas que fazem parte da organização necessitam de tempo para entender e se adaptar às mudanças propostas. O autor alerta também que pular fases ou cometer erros durante elas pode ter um impacto devastador, tornando o processo ainda mais lento e gerando resistências. O modelo de Kotter trata ainda de algumas questões de poder ligadas a fazer a mudança acontecer, enfatizando a importância de gerar uma “necessidade percebida” nas pessoas para 33


que elas promovam a transformação. Destaca-se também a necessidade de comunicar ampla e constantemente a visão de futuro durante todo o processo (CAMERON&GREEN, 2009). Apesar de ser amplamente replicado, o modelo de Kotter requer algumas modificações, já que o autor não olha a Gestão da Mudança como um processo cíclico, mas como uma progressão linear. O modelo modificado propõe que os líderes responsáveis pela mudança mantenham a gestão do processo “energizada” durante todas as etapas, acompanhando de perto o trabalho para que todos continuem motivados na promoção da mudança. O último modelo a ser analisado neste trabalho foi desenvolvido por Senge et al e publicado no livro The dance of change (1999). Os autores criaram o modelo com o intuito de auxiliar gestores a desenvolver novos tipos de organizações em um cenário repleto de desafios e oportunidades. Para Senge et al (apud CAMERON&GREEN, 2009, p.143): “A maior parte das iniciativas importantes de mudança acaba por enfrentar problemas embutidos no nosso sistema de administração predominante. Entre eles destacam-se o compromisso dos gerentes com a mudança desde que não sejam afetados por ela; temas “indiscutíveis” que pareçam arriscados discutir; e o hábito entranhado de atacar os sintomas e ignorar as causas sistêmicas mais profundas do problema”. As diretrizes básicas do modelo de Senge et al para Gestão da Mudança são: 1) Começar modestamente; 2) Avançar constantemente; 3) Não planejar a coisa toda; e 4) Esperar os desafios, pois a mudança não se dará sem atritos. Esse ciclo proposto pelos autores é muito diferente da maioria dos modelos de Gestão da Mudança, que se concentram mais nas etapas iniciais da mudança – como criar uma visão de futuro, planejar, energizar o processo (a exemplo do modelo de Kotter). O modelo de Senge et al considera os problemas de longo prazo para sustentar e renovar a transformação organizacional, analisando os desafios de iniciar, sustentar, recriar e repensar a mudança. Mais do que um passo-a-passo para gerir a mudança, o modelo dá sugestões de como lidar com as resistências que surgem durante o processo, estando mais voltado para a análise de 34


aprendizagem da organização e para a reação comportamental das pessoas. Logo, o principal desafio de se iniciar uma mudança são as forças compensadoras que se manifestam quando qualquer grupo começa a fazer algo diferente (CAMERON&GREEN, 2009, p.144): • Os envolvidos no processo de mudança precisarão de tempo adicional para se dedicar aos esforços de mudança ou então serão forçados a recuar; • As mudanças exigirão novas técnicas e posturas mentais, o que requer treinamentos e suporte para que as pessoas desenvolvam novas capacidades técnicas; • Todos precisam se convencer da necessidade de investir esforços ou nada vai acontecer; • As pessoas impactadas pelas mudanças buscam reforços para os novos valores ou novos comportamentos por parte da alta gestão. Se isso não acontecer, haverá resistência. Na fase de sustentar a mudança, destaca-se que desafios aparecem quando o grupo piloto (aquele que inicia a mudança) é bem sucedido e a mudança passa a atingir o resto da empresa: • Há desconforto por parte das pessoas que se sentem expostas ou com medo das mudanças; • Quem não faz parte do grupo piloto pode ficar ansioso por resultados positivos. Como os mecanismos tradicionais de mensuração de resultados normalmente não se aplicam em processos de mudança, isso pode gerar uma visão distorcida de sucesso; • Quem faz parte do grupo piloto pode se tornar “fanático” pela mudança e provocar uma reação dos que não fazem parte. Por fim, Senge et al alertam que os desafios de recriar e repensar a mudança surgem quando essa atinge algum resultado visível e começa a gerar impacto sobre a cultura organizacional: • Conflitos e disputas de poder podem surgir entre grupos pilotos bem sucedidos; • Disseminar o conhecimento das novas ideias e processos é um dos grandes desafios do processo de mudança, pois as pessoas que não participam diretamente do processo podem não receber as informações necessárias sobre o que está acontecendo, gerando resistência; • Por último, envolver as pessoas em questões estratégicas é algo que rompe com o modelo tradicional, em que isso é papel apenas da alta administração, e que traz muitos desafios. Apesar da Gestão da Mudança ser um campo de estudo relativamente novo, existem muitos modelos que podem auxiliar processos de transformação organizacional. Mesmo variando em relação às etapas ou foco, a maioria deles compartilha alguns fatores comuns. Segundo o artigo “Gestão da mudança: cinco passos para o sucesso”, publicado em 2010 na Harvard Business Review Brasil, as mudanças bem sucedidas são precedidas de cinco fatores comuns: 35


1) A visão da mudança deve ser estabelecida pela liderança da organização, com o apoio da equipe. Deve ser clara, mesmo que ainda preliminar ou imprecisa, sendo melhor desenvolvida e ajustada ao longo do processo e envolvimento de pessoas-chave; 2) A mudança deve ser gradual, utilizando abordagem simples, porém sistemática para promovê-la de modo que todos possam entender como se planeja conduzir a mudança; 3) O envolvimento das equipes deve ser adequado durante processos de mudança, ou seja, em diferentes graus, momentos e variando segundo as funções que ocupam na empresa. A alta administração deve estar comprometida e atuante durante todo o processo. Equipes de gestão da mudança podem ser formadas para a implementação; 4) A comunicação deve ser objetiva a todos os níveis da organização: comunicação constante da visão, da abordagem utilizada, do que deve ocorrer nesse período, dos impactos das mudanças, dos resultados atingidos e das pessoas que contribuem para a implementação das mudanças é algo vital para que a transformação seja efetiva. Para isso, diversos meios devem ser usados, auxiliando no envolvimento das pessoas. É comum em processos de mudança que a falta de comunicação seja a causa de seu insucesso; 5) É preciso tempo para amadurecer e absorver a mudança. Como as organizações são formadas por pessoas, que tem tempos diferentes para amadurecer e absorver mudanças, é preciso que os gestores administrem o tempo, não exigindo uma mudança rápida, mas também não deixando que as pessoas sejam complacentes. Assim, é importante que prazos adequados sejam estabelecidos, comunicados e cumpridos durante o processo. Como mencionado, a Gestão da Mudança conta com diversos autores que tem buscado desenvolver modelos para promover a mudança organizacional: Michael Hammer, criador da reengenharia, e James Champy escreveram o best-seller “Reengineering the Corporation” (1993) para analisar mudanças em processos; Andrew Pettigrew e Richard Whipp publicaram o estudo “Managing Change for Competitive Success” (1991), onde analisam 3 dimensões da mudança estratégica - conteúdo, processo e contexto; a McKinsey criou o modelo 7S, em que traz 7 fatores para organizar a empresa de forma holística e efetiva. Portanto, o capítulo não esgota o tema de Gestão da Mudança, mas introduz três dos principais modelos utilizados em processos de mudança, mostrando como são normalmente conduzidos. No próximo capítulo analisaremos se a Gestão da Mudança pode ser útil na mudança para sustentabilidade.

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CAPÍTULO 4 – SERÁ MESMO POSSÍVEL? Como vimos ao longo deste trabalho, a sustentabilidade requer que abandonemos modelos baseados no paradigma do take-make-waste e pensemos novas formas de fazer negócio: a lógica de multiplicar o capital sem internalizar as externalidades decorrentes dos processos produtivos deve ser rompida para que uma empresa possa de fato ser considerada sustentável. No entanto, na medida em que essa mudança representa uma ruptura radical na cultura das organizações modernas, como promover tal transformação? Como pensar a mudança para a sustentabilidade se esse é ainda um conceito em construção? No primeiro capítulo vimos que a sustentabilidade é, como coloca Esteves (2010, p.22), um campo de lutas e militâncias. A falta de consenso em relação ao conceito aliada à necessidade de inovação que esse novo paradigma exige faz com que o processo de mudança seja complexo. Na perspectiva organizacional, isso se torna um grande desafio, pois a mudança não se dá para um norte pré-definido, mas pressupõe o estabelecimento do próprio norte, ou como os estudiosos da mudança organizacional chamam, da “visão de futuro”. Refletindo sobre a necessidade de propor algo novo, Senge in Scharmer (2010) considera que “(…) o futuro será, inevitavelmente, muito diferente do passado, simplesmente porque as tendências predominantes que formaram o desenvolvimento industrial global não têm como ser mantidas. Não é possível continuar a concentrar riqueza em um mundo de crescente interdependência. Não podemos continuar a expandir o modelo industrial “explore, consume e jogue fora” em um mundo em que há cada vez menos lugar para lançar nossos resíduos e nosso lixo tóxico. Não podemos continuar a lançar mais carbono na atmosfera, agora que a concentração de gás carbônico já é 30% maior que em qualquer época nos últimos 450 mil anos e as emissões de dióxido de carbono já estão ocorrendo a uma taxa três a cinco vezes maior do que a taxa dessa substância é retirada da atmosfera. Em segundo lugar, de acordo com essa visão, somos capazes de alterar as tendências dominantes da era industrial. Essas tendências se baseiam não nas leis da física, mas em hábitos humanos, especialmente hábitos em grande escala. Com o tempo, essas formas habituais de pensar e agir se incorporaram nas estruturas sociais que desenvolvemos, mas estruturas sociais alternativas também podem ser criadas. Realizar as mudanças necessárias significa nada menos que “criar o mundo de novo”, com base em uma visão radicalmente diferente (…)”.

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Essa perspectiva colocada pelo autor ilustra a necessidade de repensar o processo de mudança organizacional quando o objetivo é a sustentabilidade, considerando-se que “praticamente todas as teorias de aprendizagem conhecidas se concentram em aprender a partir do passado: como podemos aprender a partir do que já aconteceu. Embora esse tipo de aprendizagem seja sempre importante, não é suficiente quando estamos avançando para um futuro que é profundamente diferente do passado”. (SENGE in SCHARMER, 2010) Assumir que o conceito de sustentabilidade ainda está em construção, ao passo que torna a mudança mais complexa, também abre inúmeras oportunidades para aqueles que se proponham a encarar o desafio. Hart (2007, p.77) concorda com esse aspecto e afirma que “com certeza a natureza ambígua e multidimensional da sustentabilidade pode ser enlouquecedora algumas vezes, embora seja uma de suas maiores atrações da perspectiva empresarial. Um bom estrategista gravita em torno de oportunidades mal definidas e ambíguas. Isso porque, depois que tudo for definido e reduzido a procedimentos operacionais padronizados, não haverá mais nada para fazer”. Se as organizações que desejam fazer a mudança para a sustentabilidade terão de encarar um futuro incerto e se reinventar tendo como pano de fundo a nova perspectiva do borrow-usereturn, a Gestão da Mudança pode auxiliá-las nesse processo? A resposta para essa pergunta pode ser preliminarmente analisada sob três aspectos importantes que envolvem a sustentabilidade. O primeiro deles é o debate político em torno do conceito. Como a Gestão da Mudança se relaciona com esta dimensão conflitiva que compõe a mudança para a sustentabilidade? O segundo é a necessidade de inovação. Se a sustentabilidade diz menos respeito a uma reforma do passado e mais a uma construção de futuro, como a Gestão da Mudança facilita ou permite que isso aconteça? Por último, há a própria mudança da cultura organizacional, que no caso da sustentabilidade se assenta em dimensões processuais e éticas. Até que ponto a Gestão da Mudança é capaz de garantir, ao mesmo tempo, uma mudança global nos processos e nas relações da empresa com a sociedade e com o planeta?

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4.1 Liderando para a sustentabilidade Como dito ao longo deste trabalho, a sustentabilidade é um conceito em construção, um campo de lutas e debate político no qual entram em diálogo e confronto visões distintas como as de Solow, Georgescu, Hart ou Veiga, citados no primeiro capítulo. Logo, se é claro que a mudança para a sustentabilidade exige que as empresas repensem a sua relação com a sociedade e com o planeta, isso ocorre em um contexto ainda marcado por disputas e cheio de incertezas. Em outras palavras, por mais que já existam algumas experiências práticas que apontem caminhos possíveis, a rota para a sustentabilidade ainda não está mapeada e tampouco há um modelo único a seguir. Assim, cabe indagar como a Gestão da Mudança é capaz de lidar com um conceito em construção, inserido em um contexto de disputas. O capítulo 3 deste trabalho procurou enfatizar que uma organização só muda quando as pessoas que nela trabalham não se sentem ameaçadas pela mudança, entendem do que ela trata e percebem sua necessidade e benefícios. Para Kotter (1995, p.2) isso está relacionado ao estabelecimento do sentido de urgência: “Most successful change efforts begin when some individuals or some groups start to look hard at a company’s competitive situation, market position, technological trends, and financial performance. They focus on the potential revenue drop when an important patent expires, the five-year trend in declining margins in a core business, or an emerging market that everyone seems to be ignoring. They then find ways to communicate this information broadly and dramatically, especially with respect to crises, potential crises, or great opportunities that are very timely. This first step is essential because just getting a transformation program started requires the aggressive cooperation of many individuals. Without motivation, people won’t help, and the effort goes nowhere.” Esse sentido de urgência é normalmente estabelecido pelas lideranças empresariais, pessoas que percebem quando uma mudança é requerida e conseguem comunicar com clareza aos demais a necessidade de repensar a organização. No entanto, quando falamos em sustentabilidade há dois pontos a destacar. O primeiro é o fato de que se há aspectos mais diretos – como a pressão de consumidores, dos governos ou o movimento de concorrentes - que permitem ao executivo detectar e estabelecer a urgência de mudança, é importante notar que por trás deles se manifesta uma sociedade que tem seus 39


valores em mutação. Perceber este fato, talvez seja um dos pontos mais relevantes para que um líder conduza com sucesso a mudança para sustentabilidade em qualquer organização. O segundo refere-se ao fato de que se a sustentabilidade é um conceito ainda em construção, como temos argumentado até aqui, o sentido de urgência é ainda mais difícil de ser estabelecido. A pesquisa “Sustentabilidade: hoje ou amanhã”, do IBOPE (2007), ilustra essa ideia ao mostrar que poucos executivos entendem o que de fato representa uma mudança para a sustentabilidade, ao mesmo tempo em que afirmam que suas empresas já possuem alguma iniciativa em relação ao tema, seja por meio da reciclagem de papel nos escritórios ou do investimento social privado. Tanto o cenário de disputa política em torno do tema quanto a necessidade de estabelecer uma visão mais ampla que compreenda uma sociedade em transição, talvez explique porque a urgência na mudança do modelo take-make-waste para o borrow-use-return ainda não foi efetivamente percebida ou endereçada pelas lideranças empresariais. Se estabelecer um sentido de urgência já é difícil em um processo de mudança organizacional tradicional, podemos concluir que neste contexto da sustentabilidade o desafio é ainda maior. Como apontam os estudiosos de Gestão da Mudança, definir uma visão de futuro e compartilhá-la com todos na empresa é essencial para que a mudança organizacional ocorra. Isso porque o estabelecimento da visão deixa claro para todos aonde se quer chegar, diminuindo as resistências normalmente geradas pelas incertezas em relação ao futuro. E isso deve ser feito pela alta gestão, enfatizando a responsabilidade da liderança no processo. Peter Senge em seu best seller “The Fifth Discipline: The art and practice of the learning organization” afirma que as organizações que aprendem, e com isso são capazes de se adaptar a mudanças, precisam que seus líderes compartilhem a visão de futuro, estimulem o engajamento de todos nessa visão e elaborem princípios e diretrizes que permitam o alcance desse futuro vislumbrado. Da mesma forma, Kotter (1995, p.4) coloca que “In every successful transformation effort that I have seen, the guiding coalition develops a picture of the future that is relatively easy to communicate and appeals to customers, stockholders, and employees. A vision always goes beyond the numbers that are typically found in five-year plans. A vision says something that helps clarify the direction in which an organization needs to move. Sometimes the first draft comes mostly from a single individual. It is 40


usually a bit blurry, at least initially. But after the coalition works at it for three or five or even 12 months, something much better emerges through their tough analytical thinking and a little dreaming. Eventually, a strategy for achieving that vision is also developed.” O autor ainda acrescenta que: “Without a sensible vision, a transformation effort can easily dissolve into a list of confusing and incompatible projects that can take the organization in the wrong direction or nowhere at all. Without a sound vision, the reengineering project in the accounting department, the new 360-degree performance appraisal from the human resources department, the plant’s quality program, the cultural change project in the sales force will not add up in a meaningful way.” (idem, p.4) Em processos tradicionais de transformação organizacional, a alta gestão, normalmente estimulada por pressões externas – concorrentes, clientes, mercado – volta seu olhar para dentro da empresa e identifica quais mudanças precisam ser feitas para que se continue a gerar valor aos acionistas. O que comanda o processo de mudança é uma visão de futuro pela qual a liderança explicita o direcionamento estratégico para a organização. Nota-se que nesse processo a empresa não dialoga com seus stakeholders, apenas analisa seu ambiente interno à luz das mudanças e indicadores do ambiente externo e se adapta a ele conforme seu próprio diagnóstico. Como acontece no paradigma tradicional, a empresa está no centro. Porém, como esse itinerário se estabelece quando estamos diante da mudança para a sustentabilidade? Se assumirmos que este é um campo de lutas, marcado pelo conflito, como a liderança pode estabelecer uma visão de futuro ou um sentido de urgência como recomenda a Gestão da Mudança? Bastaria monitorar o ambiente externo para estabelecer uma política de sustentabilidade para a empresa? Se de um lado a Gestão da Mudança acerta quando atribui à liderança o papel de estabelecer a visão de futuro e o sentido de urgência que comanda o processo, quando o foco é a sustentabilidade a abordagem não parece oferecer ferramentas para que o executivo lide com a dimensão política que caracteriza o campo. Nesse sentido, identificamos que é preciso repensar o papel da liderança quando a Gestão da Mudança é aplicada à sustentabilidade, partindo da necessidade de estabelecer a visão de futuro em meio a um ambiente conflitivo.

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Doppelt (2010, p.109) afirma que o primeiro passo em qualquer iniciativa de mudança para a sustentabilidade bem sucedida é alterar o mind-set criado pelo sistema take-make-waste para que os líderes possam estabelecer um sentido de urgência em relação a mudança e assim elaborar uma visão de futuro baseada no novo modelo. No entanto, no contexto da sustentabilidade, este processo precisa ocorrer na exata medida em que o debate político acerca do tema evolui. Diante dessa perspectiva, o papel da liderança empresarial pressupõe sua participação e engajamento nesse debate, buscando a construção de uma visão conjunta com os demais stakeholders para direcionar as mudanças na empresa. Isso porque na sustentabilidade a empresa não deve mais ser vista mais como o centro ou um ente autônomo, mas como participante interdependente em um contexto maior; não como o elemento central, mas como mais um ator em meio à sociedade. Ademais, se a sustentabilidade pressupõe uma nova relação empresa-sociedade, o papel da liderança também deve ser revisto: mais do que uma liderança da empresa, é preciso ser uma liderança no tema. Isso requer um novo perfil de líder, capaz de participar do debate político e dialogar com as partes interessadas para romper com o passado e estabelecer uma visão de futuro, inicialmente para a sociedade e só depois para o seu negócio. Para exemplificar, é interessante analisarmos o caso do CEO da Interface, empresa norteamericana fabricante de carpetes, Ray Anderson. O executivo, pressionado pelo aumento dos questionamentos de seus consumidores quanto às práticas ambientais da empresa, percebeu que a política ambiental da companhia se restringia a cumprir a legislação. No entanto, os consumidores queriam mais e os funcionários esperavam da liderança um direcionamento de como responder às pressões. Preparando-se para a reunião que teria com outros executivos da Interface, Ray Anderson entrou em contato com o livro The Ecology of Commerce, de Paul Hawken. Essa obra despertou no CEO a dimensão do desafio que se coloca para nossa sociedade e permitiu estabelecer o sentido de urgência do qual precisava para elaborar a visão de futuro da Interface. A partir daí, Anderson propôs uma nova lógica de negócio pela qual a empresa adotou outra relação com a sociedade e com o planeta baseado no modelo borrowuse-return. É importante notar que a liderança do executivo extrapolou os limites de seu negócio, alçando-o ao papel de principal militante empresarial da sustentabilidade10. Sem dúvida, a participação ativa no debate acerca do tema e dos rumos de nossa sociedade, oferece 10

Nesse sentido destaca-se a participação de Anderson no filme “The Corporation”. 42


continuamente a Anderson a possibilidade de atualizar e rever sua visão de futuro, conduzindo progressivamente sua organização em direção a sustentabilidade. Além de Ray Anderson, outros executivos também entraram no campo da militância pela sustentabilidade. É o caso de Fabio Barbosa, ex-presidente do Banco Real, uma das marcas mais lembradas quando se fala em sustentabilidade no Brasil, e atual presidente do Grupo Santader no Brasil e da Febraban (Federação Brasileira de Bancos). O executivo afirma que “o conceito de sustentabilidade evoluiu bastante e de forma bem positiva. O tema ganhou espaço, visibilidade. Até poucos anos atrás nem se falava em sustentabilidade. Agora, com frequência sou convidado para palestras nas empresas” (ALMEIDA, 2007, p.263). Segundo a Revista Isto É Dinheiro11, Fabio Barbosa pode ser considerado o responsável pela disseminação do conceito de sustentabilidade no Brasil, pois muito antes das empresas apresentarem suas práticas socioambientais, o executivo já era um militante no debate. Este papel de liderança do tema certamente é um dos aspectos que ajudam a moldar a visão de futuro estabelecida por Fabio Barbosa para as instituições que comanda e que tem trazido para o mundo das finanças ideias que desafiam a lógica tradicional que impera no setor financeiro. Reforçando a necessidade das lideranças empresarias estarem em diálogo constante com stakeholders no momento de definir as diretrizes estratégicas – ou visões de futuro - de suas companhias, uma pesquisa junto a CEOs de grandes empresas do mundo todo, agora conduzida pela Accenture, mostra que “on the other side of the coin, CEOs agree that global challenges require global, cross-sector responses. For CEOs and their boards, this means raising their collective understanding of, and engagement with, different sectors of society, ensuring that board discussions are enriched by a diversity of nonprofit and government viewpoints. Such a response also means that business leaders must adopt a bolder, more proactive position on the global stage—a form of leadership that looks outward, beyond the traditional boundaries of the organization itself, and articulates a vision for the sustainable future of the industry and wider society”. (ACCENTURE, 2010, p.46) Essa mesma pesquisa, entitulada “A new era of Sustainability” também aponta que

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Disponível em http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/618_FABIO+BARBOSA. Acesso em 29/08/10 43


“Across the board, the CEOs we spoke to confirmed that partnerships and collaboration (e.g., with suppliers, nongovernmental organizations, government agencies, etc.) are now a critical element of their approach to sustainability issues. Businesses realize that today’s global challenges are too broad and too complex to go it alone. Seventy-eight percent of CEOs believe that companies should engage in industry collaborations and multi-stakeholder partnerships to address development goals”. (ACCENTURE, 2010, p.13) Logo, uma coisa é certa: cabe à liderança empresarial estabelecer o sentido de urgência e definir uma visão de futuro para a sua organização em relação à sustentabilidade. Porém, como a sustentabilidade é um campo de lutas que se relaciona a nosso futuro comum, sua própria natureza pressupõe o diálogo entre as diversas partes interessadas e a construção coletiva do conceito e das práticas que dele irão derivar. Assim, a etapa de estabelecimento da visão proposta pelos principais modelos de Gestão da Mudança precisa de adaptações para conseguir promover a transformação organizacional nesse novo contexto, auxiliando o executivo a interagir nos debates sobre os rumos da sociedade. Em busca do valor sustentável, a visão deve ser fruto do diálogo e uma construção compartilhada com a sociedade e não apenas o resultado de uma análise interna das necessidades da empresa em resposta a mudanças no ambiente externo. Ademais, quando a liderança estabelece uma visão de futuro inspiradora, fruto do diálogo, a empresa toda se propõe a seguir nessa direção. Para Almeida (2007, p.171) “a visão de mundo é formada por um conjunto de elementos estreitamente inter-relacionados: crenças, base técnica, percepção das necessidades e dos valores na cadeia produtiva, interação social e motivação pessoal. Líderes que inspiram sua organização com uma visão de mundo que incorpore a Sustentabilidade desempenham um papel essencial para garantir o processo criativo da organização”.

4.2 Organizações sustentáveis são organizações que aprendem e inovam Estabelecido o sentido de urgência e traçada a visão de futuro baseada em uma nova relação empresa-sociedade, outra etapa importante para as empresas que buscam a sustentabilidade é redesenhar o modelo produtivo com vistas a um novo tratamento das externalidades.

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Como já foi apontado, o paradigma em construção com a sustentabilidade pressupõe o valor e a orientação ao futuro e não a simples reforma do passado. Logo, as empresas que vislumbram tornarem-se sustentáveis precisam buscar constante inovação em seus processos produtivos e práticas. Na visão de Hart&Milstein (2004, p.67), “(..) a empresa deve não apenas ter um desempenho eficiente nos negócios atuais, mas também estar constantemente preocupada com a criação de produtos e serviços do futuro. Internamente, isso significa desenvolver e adquirir as habilidades, competências e tecnologias que posicionam a empresa para o crescimento futuro. Sem esse foco em inovação, tornar-se-á difícil para a empresa criar um novo fluxo de produtos e serviços necessários para garantir sua prosperidade no futuro. A criação de valor ao acionista depende então da habilidade que a empresa tem para destruir criativamente suas capacidades em favor das inovações de amanhã”. É importante ressaltar que, neste trabalho, inovação não deve ser entendida como sinônimo de tecnologia: ela diz respeito a um processo contínuo pela melhor forma de fazer as coisas, seja por meio de uma nova prática, comportamento, tecnologia ou uma mudança de qualquer ordem que permita a uma organização questionar e romper com a lógica do take-make-waste. Como bem colocam Nidumolu, Prahalad e Rangaswami (2009, p.34): “Para criar inovações que levem a empresa às práticas seguintes, o executivo precisa questionar premissas implícitas em práticas atuais. Foi justamente isso que fez surgir a economia industrial e de serviços de hoje. Alguém, um dia, perguntou se seria possível criar uma carruagem que andasse sem a ajuda de cavalos, se seria possível voar como um pássaro, se daria para mergulhar como uma baleia. Ao questionar o status quo, indivíduos e empresas o transformaram. Precisamos fazer o mesmo tipo de pergunta em relação a recursos escassos: é possível criar um sabão que dispense água? É possível criar um arroz que possa ser cultivado sem o uso de água? Uma embalagem biodegradável pode ajudar a semear árvores e outras plantas no planeta?” Isso nos remete a outro ponto importante sobre a inovação: ela está diretamente relacionada à capacidade de aprender. Para inovar é preciso compreender as mudanças que ocorrem nos ambientes interno e externo e traduzi-las em novas ideias. Nesse sentido, é importante adotar um pensamento sistêmico em que a organização seja compreendida como um sistema aberto que influencia e é influenciada na dinâmica de suas interações. Para Senge (1998, p.6), o aprendizado organizacional baseado na quinta disciplina, ou pensamento sistêmico, cria uma 45


forma de analisar e uma linguagem para descrever e compreender as forças e inter-relações que modelam o comportamento dos sistemas. Isso permite que a organização mude com maior eficácia e aja de acordo com os processos do mundo natural e econômico, o que para a sustentabilidade é condição fundamental. Dado então que para ser sustentável é preciso inovar e que inovar implica em aprender com o ambiente – que está em constante transformação – e mudar, a Gestão da Mudança pode ser útil em alguns aspectos, mas precisa de adaptações em outros para permitir que a inovação e o aprendizado aconteçam. Analisemos primeiro os pontos que precisam de modificação. O modelo de Lewin, por exemplo, propõe que o processo de mudança ocorra em três etapas: descongelar o estado das coisas, mudar e recongelar, estabilizando o novo estado. Como a sustentabilidade exige que a empresa mantenha seus canais de aprendizado abertos para poder inovar, o modelo proposto falha, pois ao sugerir uma etapa de “recongelar” acaba fechando tais canais. O problema da proposta de Lewin é entender o ciclo de mudança organizacional como algo linear e autocentrado e não como algo cíclico decorrente de interações com outros atores e com o ambiente externo. Se uma empresa precisa descongelar para se abrir e efetivar a mudança, um estado “(re)congelado” não permite que a organização se constitua como um ambiente de inovação e possa estabelecer diálogos criativos com as partes interessadas ou, ainda, perceber junto a elas novas mudanças necessárias. No contexto da sustentabilidade, a interação e a troca são fatores determinantes. Como afirma Almeida (2007, p.171), “o processo de gestão da inovação deve, desde a fase inicial, confrontar a ideia básica com o conceito de Sustentabilidade e manter esse procedimento até o final. Para isso, muito ajudará se estiver exposto à visão e à crítica de atores externos”. Nessa mesma linha, Hart&Milstein (2004, pg.68-69), ao apresentar o que julgam ser os quatro motivadores globais para a inovação em direção à sustentabilidade, reforçam a origem externa de dois deles: a proliferação e a interligação de stakeholders da sociedade civil que passaram a pressionar empresas e governos em relação a práticas mais responsáveis e transparentes em suas atividades; e a necessidade de combater a pobreza e a desigualdade social em uma população mundial crescente. Vale destacar que para os autores o valor sustentável é aquele que beneficia o acionista ao mesmo tempo em que trata e endereça problemas que afligem a sociedade, sejam estes de caráter ético, social ou ambiental. 46


Assim, estar em diálogo com o mundo externo se torna vital para diagnosticar as melhores (e mais urgentes) oportunidades. A Gestão da Mudança, portanto, precisa trazer ferramentas que permitam à organização manter-se em estado de aprendizado e inovação constantes, não “congelando” após cada mudança e tampouco deixando de interagir com o ambiente externo. Tanto o modelo de Lewin como o de Kotter tem raízes no sistema taylorista de produção, em que a mudança e, por associação, a inovação são tidas como processos gerenciáveis. Esses modelos focam muito mais em mudar “coisas” do que mudar “pessoas”: as pessoas são pressionadas a se adaptarem às mudanças ou a proporem inovações na dimensão dura das organizações, porém suas concepções de mundo, da própria organização e do futuro não são consideradas. O que se quer dizer com isso é que as pessoas não descongelam-mudamcongelam de forma tão mecânica e tampouco percebem o sentido de urgência e agem de acordo com uma visão estabelecida que não esteja alinhada a suas concepções. Nesse sentido, os modelos de ambos os autores se aproximam mais do paradigma tradicional do take-makewaste do que de uma abordagem de ruptura com essa lógica. Em contraposição, o modelo de Senge et al tem um foco mais humano ao considerar que a mudança nunca é plenamente programada, pois se trata, na verdade, de um processo de aprendizado das pessoas. Nessa linha, a Gestão da Mudança aplicada à sustentabilidade precisa trabalhar fortemente a percepção de que inovar, mudar, é algo positivo e necessário. A mudança precisa ser valorizada, ser vista como uma oportunidade de fazer melhor e não apenas como uma ruptura, o que geralmente faz com que as resistências apareçam. A mudança para a sustentabilidade é radical em relação ao modelo tradicional e dependerá de um processo de inovação que não se esgotará tão cedo. Tendo ciência disso, a liderança deve garantir um ambiente organizacional voltado à inovação que: 1) Conduza ao questionamento; 2) Aceite as diferenças; 3) Permita o diálogo e integração entre níveis hierárquicos e departamentos; 4) Dê ênfase aos objetivos estratégicos da empresa – podendo ser a nossa já citada visão de futuro – e não aos objetivos de uma determinada área; e por fim 5) Não puna as falhas. Assim, cria-se um ambiente mais propício para as pessoas se sentirem seguras e motivadas a inovar, tomando por base que estamos em um contexto caracterizado por crises e incertezas. 47


No entanto, deve-se ter em conta que algumas inovações em práticas e processos podem não ser suficientes para que se atinja a sustentabilidade. Um exemplo disso são as inovações voltadas a ecoeficiência: ainda que permitam diminuir o impacto ambiental em um determinado processo, trata-se de uma ação calcada na lógica de minimizar custos para aumentar o lucro. Ou seja, tal inovação não necessariamente altera a cultura organizacional baseada no take-make-waste. O que se quer dizer é que as práticas da empresa são a manifestação mais clara de sua cultura. Por isso, quando falamos em sustentabilidade, o que está realmente em jogo é uma mudança na cultura das organizações, já que o novo paradigma exige o rompimento com o modelo mental e com um conjunto de práticas que existem desde a época da Revolução Industrial. Inovações que não rompem com o modelo produtivo vigente mostram que ainda não houve mudança cultural efetiva com visão de sustentabilidade.

4.3 Por fim, uma cultura organizacional baseada no valor da sustentabilidade A transformação organizacional está intimamente ligada à questão da cultura. Segundo Schein (2004), a cultura organizacional é um fenômeno que está abaixo da superfície e, no entanto, é muito poderoso em seus impactos, mesmo sendo invisível e até inconsciente. Mais ainda, “cultura é o padrão dos pressupostos básicos que um determinado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu ao aprender a enfrentar os seus problemas de adaptação externa e integração interna, e que funcionaram bem o bastante para ser considerados válidos e, portanto, ser ensinados aos novos integrantes como a maneira correta de perceber, pensar e sentir em relação àqueles problemas”. (Schein apud CAMERON&GREEN, 2009, p.271) O comportamento das pessoas que estão na organização, suas aspirações, seu histórico de vida, influenciam em maior ou menor grau a cultura organizacional. Da mesma forma, elas também são influenciadas pelas informações que recebem, pela comunicação a que são expostas, pelo apoio que recebem para envolver-se, pelo poder e autoridade dados a elas e pelos recursos disponíveis para fazer as coisas acontecerem (DOPPELT, 2010, p.90). Isso tudo torna a organização um sistema social aberto ou orgânico, como analisado no Capítulo 3.

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Nessa linha, Esteves (2009, p.150) ressalta a complexidade da cultura organizacional, na medida em que esta está ligada a valores, crenças e pressupostos: “Seguindo PETTIGREW (1979), SCHEIN (1985), BARNEY (1986) e outros, compreende-se a cultura organizacional como um fenômeno que existe em uma variedade de níveis diferentes. No nível mais profundo, a cultura é pensada como um conjunto complexo de valores, crenças e pressupostos que definem os modos pelos quais uma empresa conduz seus negócios. Tal núcleo de crenças e pressupostos básicos são, naturalmente, manifestos nas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrões de recompensas dentro da organização. […] é muito mais fácil ajustar as manifestações de cultura do que modificar o núcleo de crenças e pressupostos básicos em uma organização. No entanto, qualquer estratégia prática para modificar a cultura organizacional terá de envolver pensamento e ação tanto no nível das crenças básicas como de suas manifestações culturais (PETTIGREW in FLEURY & FISCHER, 2007, pgs. 145146)”. Isso se dá de forma ainda mais complexa quando falamos em mudança para sustentabilidade, como bem coloca Esteves (2009, p.149): “Abordar o tema da cultura organizacional não é tarefa simples. Ainda mais quando o pano de fundo contra o qual se pretende olhá-lo é algo que está longe de se constituir em um consenso: ao contrário, a sustentabilidade costuma requerer o dissenso para que acolha diferenças, amplie referências, promova o debate plural imprescindível e se legitime como ação. Isso é algo muito estranho à dinâmica organizacional atual, assente num racionalismo substantivo extremo.” No entanto, Doppelt (2010, p.89) ressalta que “sustainability-change initiatives that fail to alter unsustainable cultural traits will have little long-term success. Unsuccessful attempts to introduce sustainability measures often produce frustration and cynicism and reduce employee morale. Organizations may become worse off than they were before the change effort started. To avoid the boomerang effects of failed change initiatives, sustainability initiatives must explicitly focus on altering the culture of the organization.” Por esse motivo, a Gestão da Mudança, quando aplicada à sustentabilidade, precisa trabalhar com especial atenção a cultura organizacional: tanto os valores e crenças da empresa quanto 49


das pessoas que nela trabalham precisam mudar de forma a migrar do modelo take-makewaste para o borrow-use-return. Para Doppelt (2010, p.92) “Successful change toward sustainability requires the transformation of norms and values related to the environment and socioeconomic wellbeing. Change is achieved when managers and employees begin to value new things – such as care for the environment, workers and communities – and believe that thinking and behavior that are inconsistent with those values are no longer appropriate.” Para isso, é preciso ficar claro e ser algo inquestionável que a cultura vigente não sustenta adequadamente os objetivos estratégicos ou a visão de futuro da empresa. Por essa razão é que, nos modelo de Gestão da Mudança analisados, o estabelecimento de uma visão de futuro baseada na sustentabilidade e de um sentido de urgência (como diria Kotter) devem ser explicitados no início do processo de mudança, para que as pessoas saibam aonde a empresa quer chegar e, principalmente, sintam a necessidade de mudar. Além disso, a sustentabilidade exige que a empresa incorpore em sua cultura o diálogo com seus stakeholders, assumindo-se como parte da sociedade e não como o centro dela. Portanto, a Gestão da Mudança precisa não só envolver os funcionários da empresa, mas buscar trazer os stakeholders para esse processo de mudança, já que no novo paradigma a relação constante e recíproca com o ambiente externo deve ser uma resposta da cultura organizacional. Os modelos de Lewin e Kotter pouco falam sobre a troca que a organização deveria ter com o ambiente externo durante processos de mudança. Os autores o consideram como um dos motivadores que pode gerar a necessidade de mudar. Em outras palavras, olham para ele apenas na fase inicial do processo. Já Senge, em sua teoria de “organizações que aprendem”, considera que a resposta (feedback) contínua do ambiente externo é essencial para que a empresa desenvolva uma cultura de mudança, adaptação e inovação constante, uma vez que o próprio contexto em que está inserida assim exige. Como aponta a pesquisa conduzida pela consultoria Accenture (2010, p.46): “A new era of sustainability cannot be attained without the broader support of the corporate culture. Transforming a company’s larger culture requires providing new educational opportunities and encouraging new ways of working. For example, exposure to the field of “systems thinking” will help employees understand the 50


interrelations and multiple causalities within a complex adaptive system. As one business leader in the insurance sector told us, “Employees will need to have a deeper understanding of how changes in the macro environment can potentially impact individuals and organizations at the micro level.” Futures analysis and scenario planning may help employees challenge the assumptions on which businesses are founded, helping to make the organization more resilient in the face of change—even disruptive change”. Outro ponto importante trazido por Cameron&Green (2009, p.276), é que a promoção de uma nova cultura requer que seus líderes e gestores ajam e explicitem os valores estabelecidos para que as demais pessoas percebam que a maneira como as coisas são feitas na organização mudou, que a organização está agora pautada em novos valores, normas e práticas. Da mesma forma, os líderes também precisam apoiar as pessoas e as equipes nesse momento de transição, fazendo-as notar a necessidade da mudança e assim incorporar gradativamente em suas práticas a nova cultura organizacional. Como visto, todos os modelos de Gestão da Mudança analisados reforçam a importância do papel da liderança nesse sentido. Por fim, um dos principais valores trazidos pela sustentabilidade é a responsabilidade: é pautando-se na responsabilidade pelo futuro das próximas gerações que o novo paradigma traz a necessidade de mudança nas empresas e na sociedade como um todo. Por isso, a mudança para a sustentabilidade deve ser uma responsabilidade coletiva dentro da empresa e não delegada a um grupo ou a uma área. Como valor compartilhado, a dimensão de responsabilidade com a mudança deve permear toda a organização e guiá-la na direção da inovação. Como coloca Almeida (2007, p.173-174), “é importante ter em mente que a integração entre sustentabilidade e inovação só será possível se o negócio for gerido de forma inclusiva, ou seja, se a sustentabilidade não for tratada como tarefa de um departamento, seja ele de P&D, de vendas ou de marketing. É preciso que esteja incluída na estratégia e na prática de sobrevivência da empresa”. A maioria dos modelos de Gestão da Mudança sugere que a empresa defina equipes promotoras da mudança. Esta estratégia pode ser boa no início, mas a delegação de atividades e da responsabilidade pela mudança para todo o conjunto é muito importante. Em direção à sustentabilidade, todos devem ser parte do processo e assim sentirem-se responsabilizadas por fazer a mudança pegar. Logo, empresas que criam suas áreas ou diretorias de sustentabilidade 51


devem ter em mente dois aspectos: o primeiro é que elas serão responsáveis não só por estimular a mudança por meio da adoção de novos processos, tecnologias ou práticas de gestão em toda a empresa, mas também pela promoção da cultura organizacional baseada nos valores desse paradigma. Para Doppelt (2010, p.132) “The framing of these questions specifies that transition teams have two primary and interconnected tasks. They must understand and initiate changes in product and process designs, technologies and management practices (i.e. operations). Transition teams must also simultaneously understand and transform the governance system and culture of the organization (or unit) so that they foster and support the operational changes. In short, teams must manage two majors’ streams of activities concurrently: one focused on changing the organization’s physical interactions with the environment, workers and communities, and the other focused on transforming the human elements of the organization”. Assim, a área ou diretoria de sustentabilidade devem focar-se muito mais na mudança da cultura organizacional do que na alteração de processos ou no desenvolvimento de produtos socioambientalmente corretos, pois tais mudanças ocorrerão naturalmente nas outras áreas se elas estiverem embasadas na nova cultura. Ademais, a empresa não deve encarar a sustentabilidade como uma estrutura isolada ou uma área específica: ela deve permear toda a organização como um valor. Doppelt (p.132) acrescenta ainda que “All too often I find that sustainability transition teams focus solely on technical or policies issues. This approach usually bogs down and plateaus after a short a time because efforts to change operations soon run headlong into impenetrable governance and cultural barriers. Transition teams focused on operational methods alone fail because they neglect the human dynamics of social systems that generate resistance and inertia”. Isso reforça o que foi levantado no Capítulo 3: resistências surgirão durante processos de mudança caso os gestores não trabalhem cuidadosamente as pessoas. Para Esther (2009, p.65) “uma parte considerável das dificuldades em se mudar a cultura de uma organização está na capacidade de lidar com os sentimentos de perda que ela provoca, pois, diante de situações em que os indivíduos 52


experimentam a perda de sentido, eles tendem a se agarrar ao passado ou a negar as necessidades do presente”. (FREITAS, 2009, p.65) Assim, comunicação clara e constante, engajamento, treinamentos, espaços para reflexões são algumas ferramentas que podem auxiliar na promoção da nova cultura organizacional, na criação de sentido e consequentemente na diminuição de resistências. O segundo aspecto a que as empresas devem se atentar é que, em executando um bom trabalho, a área ou diretoria de sustentabilidade tende, assim como qualquer equipe de Gestão da Mudança, a desaparecer. Ou seja, a empresa deve encará-las como estruturas de transição que, ao conseguir alterar a cultura organizacional, não precisam mais existir, já que toda a organização terá os valores e práticas propostos pela sustentabilidade arraigados em seus comportamentos. Em suma, a cultura organizacional pode impulsionar ou restringir as mudanças. Por esse motivo, é preciso identificar e reforçar atributos e valores que garantam a prontidão, a agilidade e a inovação requerida para que a mudança aconteça. No contexto da sustentabilidade, trabalhar valores como a responsabilidade, ou seja, fazer com que as pessoas sintam-se responsáveis pelas práticas de sua organização e permitir que esse ambiente de “cooperação” e “co-responsabilidade” se incorpore na cultura, pode gerar um efeito muito positivo. Na medida em que a visão de futuro da empresa configurar-se como uma relação social, ambiental e economicamente ética com a sociedade e com o planeta, as pessoas com as quais interage também estarão em processo de mudança de seus valores, comportamentos e práticas. E isso, por certo, extrapolará os muros da empresa numa reação em cadeia necessária para que a sustentabilidade possa ser alcançada.

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CONCLUSÃO A mudança para a sustentabilidade não é tarefa fácil e algumas reflexões trazidas neste trabalho tentaram compreender as dimensões e razões disso. Devido às suas consequências para o estudo da Gestão da Mudança, parece relevante relembrar aqui que esse novo paradigma ainda está em construção, podendo ser considerado um campo de lutas e de militância e estando rodeado por incertezas. Assim, antes de poder pensar em quais mudanças promover nas organizações e como gerí-las, é preciso mergulhar neste debate para definir onde se pretende chegar. Porém, mesmo que não haja um consenso claro sobre a extensão da mudança de que estamos falando, já sabemos que a sustentabilidade representa uma ruptura radical com o modelo capitalista tradicional. Se até aqui a lógica de se fazer negócios esteve baseada na maximização do lucro a qualquer custo, não há como negar que o tão falado equilíbrio do triple bottom line já configura uma mudança de grande impacto. Na medida em que estudiosos e lideranças organizacionais avançam neste debate, fica claro que estamos diante de uma mudança cultural profunda que nos leva a rever a relação não só da empresa, mas também dos indivíduos, com a sociedade e com o planeta. Novos valores e uma mudança ética definem essa nova relação, em que o usufruto dos recursos do planeta pelas futuras gerações torna-se uma responsabilidade da geração presente. Daí a necessidade do repensar de práticas e valores de organizações pautadas em modelos de take-make-waste. Até aqui, algumas iniciativas já podem ser observadas, mas nota-se que, em sua maioria, não passam de ações pontuais que não rompem efetivamente com o modelo vigente. Partindo da premissa de que as empresas estão em busca da mudança para a sustentabilidade, este trabalho dedicou-se a analisar o potencial e as limitações de alguns modelos e ferramentas de Gestão da Mudança de forma a prover informações e reflexões relevantes para organizações e profissionais que se coloquem diante de tal objetivo. É importante destacar que, apesar de trazer algumas ferramentas importantes - como o estabelecimento da visão de futuro e do sentido de urgência e o papel fundamental da liderança nesse processo -, a Gestão da Mudança precisa de adaptações quando o foco é a sustentabilidade. Por ter sido desenvolvida sobre os alicerces de uma determinada cultura capitalista, não se mostra plenamente capaz de endereçar pontos importantes na mudança para sustentabilidade. Dentre 54


estes pontos podemos destacar que a abordagem não considera a dimensão e o debate político no qual o executivo e a própria empresa precisam se inserir para construir a visão de futuro da organização, já que no novo paradigma ela faz parte de um contexto e não é mais o centro dele. Outro ponto relevante é o fato de que a sustentabilidade deve ser pautada na inovação, na construção do futuro e não na reforma do passado. Logo, a Gestão da Mudança precisa promover nas pessoas a consciência de que inovar e mudar é algo positivo e necessário nesse novo contexto. Além disso, a troca com o ambiente externo, com todos os stakeholders, deve ser constante, pois esse diálogo é o que permite a criação de um ambiente marcado pela inovação. O último aspecto é que a sustentabilidade implica em uma mudança de cultura organizacional, ou seja, uma mudança nos valores e crenças da empresa, que deve romper com a ideia de que sua finalidade seja a busca exclusiva e exaustiva pelo lucro e se propor a seu verdadeiro papel social: remunerar o acionista e trazer desenvolvimento e bem estar para a sociedade, respeitando a ela e ao planeta. Isso implica em fazer com que as pessoas que trabalham nas empresas percebam esses novos valores e os incorpore, de modo a traduzí-los em processos, práticas e comportamentos éticos. A Gestão da Mudança precisa garantir que isso ocorra. Por fim, vale dizer que este trabalho é uma reflexão teórico-conceitual, não se propondo a apresentar um novo modelo a ser empregado ou a analisar casos. As conclusões em que aqui chegamos não são definitivas e apontam a necessidade de um aprofundamento e eventual análise empírica. Esse aprofundamento poderá ser realizado em uma futura dissertação de mestrado, dado que se trata de um tema ainda incipiente, porém de grande relevância não só para as empresas, mas principalmente para a sociedade como um todo.

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