14 Poemas Carlos Drummond de Andrade
14 Poemas Carlos Drummond de Andrade
h a n n a h u es u gi , 2 013
Receita de Ano Novo
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Não Passou
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Acordar, Viver
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A um Ausente
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Poema que Aconteceu
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Poema de Sete Faces
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No Meio do Caminho
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Quadrilha
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O Mundo É Grande Mãos Dadas
9 10
As Sem-Razões do Amor
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Poesia
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Os Ombros Suportam o Mundo
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Ve r b o S e r
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Receita de Ano Novo
Pa r a você g a n h a r b el í s s i m o A n o N ovo cor d o a r co -í ri s, o u d a co r d a s u a p a z , Ano N ovo s em co m p a ra çã o com tod o o tem p o j á v iv i d o (m a l vivido ta l vez o u s em s en ti d o ) pa r a você g a n h a r u m a n o nã o a pena s p i n ta d o d e n ovo, r emend a d o à s ca r rei ra s, m a s novo n a s s em en ti n h a s d o v i r-a -s er; novo a té n o co ra çã o d a s cois a s m en o s p erceb i d a s (a começar p el o s eu i n teri o r) novo, es po n tâ n eo, q u e d e tã o p erfei to n em s e n o ta , m a s com el e s e co m e, s e p a s s ei a , s e a m a , s e co m p reen d e, s e tra b a l h a , você nã o p reci s a b eb er ch a m p a n h a
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ou q u a lq u er o u tra b i ri ta , nã o pr ecisa ex p ed i r n em receb er m en s a g en s (pla nta r eceb e m en s a g en s ? pa s s a teleg ra m a s ? )
N ã o pr ecis a fa z er l i s ta d e b o a s i n ten çõ es pa r a a rq u iv á -l a s n a g aveta . N ã o pr ecis a ch o ra r a r re p en d i d o pela s bes tei ra s co n s u m i d a s nem pa r vam en te a cred i ta r q u e por d ecreto d e es p era n ça a pa r tir d e j a n ei ro a s co i s a s mu d em e s eja tu d o cl a ri d a d e, reco m p en s a , ju s tiça entre o s h o m en s e a s n a çõ es, liber d a d e co m ch ei ro e g os to d e p ã o m a ti n a l , d ir eitos r es p ei ta d o s, começa nd o p el o d i rei to a u gu s to d e v iver. Pa r a g a nhar u m A n o N ovo q u e m er e ça es te n o m e, você, meu ca ro, tem d e m erecê-l o, tem d e f a z ê-l o n ovo, eu s ei q u e n ã o é fáci l , m a s tente, ex p eri m en te, co n s ci en te. É d entr o d e vo cê q u e o A n o N ovo cochila e es p era d es d e s em p re.
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Não Passou Pa s s ou ? M inú s cu la s eter n i d a d es d eg lu tid a s p o r m í n i m o s rel ó gi o s r es s oa m n a m en te caver n o s a . N ã o, ning uém m o r reu , n i n gu ém fo i i n fel i z. A m ã o - a tu a m ã o, n o s s a s m ã o s r u g os a s, têm o a n ti g o ca l o r d e q u a nd o éra m o s v ivo s. É ra m o s ? Hoje s om o s m a i s v ivo s d o q u e nu n ca . M entir a , es ta r m o s s ó s. N a d a , q u e eu s i n ta , p a s s a rea l m en te. É tu d o ilus ã o d e ter p a s s a d o.
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Acordar, Viver Com o a cord a r s em s o fri m en to ? Recom eça r s em h o r ro r? O s ono tr a n s p o r to u -m e à q u ele r ein o o n d e n ã o exi s te v i d a e eu q u ed o i n er te s em p a i x ã o. Com o r e peti r, d ia s eg u inte a p ó s d i a s egu i n te, a f á bu la in co n cl u s a , s u por ta r a s em el h a n ça d a s co i s a s á s p eras d e a m a nhã co m a s co i s a s á s p era s d e h o je? Com o pr oteg er-m e d a s feri d a s q u e r a s g a em m i m o a co n teci m en to, q u a lq u er a co n teci m en to q u e lembra a Ter ra e s u a pú r p u ra d em en te? E m a is a q uel a feri d a q u e m e inf l i j o a ca d a h o ra , a lg oz d o in o cen te q u e n ã o s o u ? N ing u ém r es p o n d e, a v i d a é p étrea . 3
A um Ausente
Tenho r a zã o d e s en t i r s a u d a d e, tenho r a zã o d e te a cu s a r. Hou ve u m p a cto i m p l í ci to q u e ro m p es te e s em te d es p ed i res fo s te em b o ra . D etona s te o p a cto. D etona s te a v i d a g era l , a comu m aq u i es cên ci a de viver e explorar os r umos de obscuridade s em pr a zo s em co n s u l ta s em p rovo ca çã o a té o limite d a s fo l h a s ca í d a s na hor a d e ca i r. Antecipa s te a h o ra . Teu pontei ro en l o u q u eceu , enlou q u ecen d o n o s s a s h o ra s. Q u e pod eri a s ter fei to d e m a i s g rave d o q u e o a to s em co n ti nu a çã o, o a to em si , o a to q u e n ã o o u s a m o s n em s a b em o s o usar porq u e d e p o i s d el e n ã o h á n a d a ? Tenho r a zã o p a ra s en ti r s a u d a d e d e ti ,
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d e nos s a co nv iv ên ci a em fa l a s ca m a ra d as, s imples a p er ta r d e m ã o s, n em i s s o, voz m od u l a n d o s í l a b a s co n h eci d a s e b a n ai s q u e er a m sem p re cer tez a e s egu ra n ça .
Sim , tenho s a u d a d es. Sim , a cu s o -te p o rq u e fi z es te o n達 o pr ev i s to n a s l ei s d a a m i z a d e e d a na tu r ez a nem nos d ei xa s te s eq u er o d ir eito d e i n d a g a r porq u e o f i z es te, p o rq u e te fo s te.
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Poema que Aconteceu N enhu m d es ej o n es te d o m i n g o nenhu m pro b l em a n es ta v i d a o mu nd o p a ro u d e re p en te os homens fi ca ra m ca l a d o s d oming o s em fi m n em co m eço. A m ã o q u e es creve es te p o em a nã o s a be o q u e es tá es creven d o m a s é pos s í vel q u e s e s o u b es s e nem lig a s s e.
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Po e m a d e S e t e Fa c e s
Q u a nd o nas ci , u m a n j o to r to d es s es q u e v ivem n a s o m b ra d i s s e: Va i, Ca r los ! s er g a u ch e n a v i d a . As ca s a s es p i a m o s h o m en s q u e cor r em a trá s d e mu l h eres. A ta r d e tal vez fo s s e a z u l , nã o hou ves s e ta n to s d es ej o s. O bond e p a s s a ch ei o d e p er n a s : per na s br a n ca s p reta s a m a rel a s. Pa r a q u e ta n ta p er n a , m eu D eu s, per g u nta m eu co ra çã o. Por é m m eu s o l h o s n ã o p ergu n ta m n a d a . O hom em a trá s d o b i g o d e é s ér io, s im p l es e fo r te. Q u a s e nã o co nvers a . Tem pou co s , ra ro s a m i g o s o homem a trá s d o s ó cu l o s e d o b i g o d e. M eu Deu s, p o r q u e m e a b a n d o n a s te s e s a bia s q u e eu n ã o era D eu s s e s a bia s q u e eu era fra co.
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M u nd o mun d o va s to mu n d o s e eu m e ch a m a s s e R a i mu n d o, s er ia u m a ri m a , n ã o s eri a u m a s o l u çã o. M u nd o mun d o va s to mu n d o, m a is va s t o é m eu co ra çã o. E u nã o d ev i a te d i z er m a s es s a l u a m a s es s e co n h a q u e bota m a g en te co m ov i d o co m o o d i a b o.
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No Meio do Caminho N o meio d o ca m i n h o ti n h a u m a p ed ra tinha u ma p ed ra n o m ei o d o ca m i n h o tinha u ma p ed ra no m eio d o ca m i n h o ti n h a u m a p ed ra . N u nca me es q u ecerei d es s e a co n teci m en to na vid a d e m i n h a s reti n a s t達 o fa ti g a d a s. N u nca me es q u ecerei q u e no m ei o d o ca m i n h o tinha u ma p ed ra T inha u ma p ed ra n o m ei o d o ca m i n h o no m eio d o ca m i n h o ti n h a u m a p ed ra .
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Quadrilha Joã o a m ava Teres a q u e a m ava R a i mu n d o q u e a m ava Ma ri a q u e a m ava Jo a q u i m q u e a m ava Li l i q u e nã o a m ava n i n gu ém . Joã o f oi pa ra o E s ta d o s U n i d o s, Ter es a pa ra o co nven to, R a imu nd o m o r reu d e d es a s tre, M a r ia f ico u p a ra ti a , Joa q u im s u i ci d o u -s e e L ili ca s o u co m J. Pi n to Fer n a n d es q u e nã o ti n h a en tra d o n a h i s tó ri a .
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O Mu n d o É G r a n d e O mu nd o é g ra n d e e ca b e nes ta ja nel a s o b re o m a r. O m a r é g ra n d e e ca b e na ca ma e n o co l ch ã o d e a m a r. O a m or é g ra n d e e ca b e no br eve es p a ço d e b ei j a r.
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Mãos Dadas N ã o s er ei o p o eta d e u m mu n d o ca d u co. Ta mbém n ã o ca n ta rei o mu n d o fu tu ro. E s tou pr eso à v i d a e olho m eu s co m p a n h ei ro s E s tã o ta citu r n o s m a s nu tr em g ra n d es es p era n ça s. E ntr e eles, co n s i d ere a en o r m e rea l i d a de. O pr es ente é tã o g ra n d e, nã o nos a fa s tem o s. N ã o nos afa s tem o s mu i to, va mos d e m ã o s d a d a s. N ã o s er ei o ca n to r d e u m a mu l h er, d e u m a his tó ri a . N ã o d ir ei s u s p i ro s a o a n o i tecer, a pa is a g em v i s ta n a j a n el a . N ã o d is tr i b u i rei en to r p ecen tes ou ca r ta s d e s u i ci d a . N ã o f u g ir ei p a ra i l h a s nem s er ei ra p ta d o p o r s era fi n s. O tem po é a m i n h a m a téri a , o tempo p res en te, o s h o m en s p res en tes, a vid a pr e sen te. 10
As Sem-Razões do A mor E u te a m o p o rq u e te a m o, N ã o pr ecis a s s er a m a n te, e nem s em p re s a b es s ê-l o. E u te a m o p o rq u e te a m o. Am or é es ta d o d e g ra ça e com a mo r n ã o s e p a g a . Am or é d a d o d e g ra ça , é s em ea d o n o ven to, na ca choei ra , n o ecl i p s e. Am or f og e a d i ci o n á ri o s e a r eg u la m en to s v á ri o s. E u te a m o p o rq u e n ã o a m o ba s ta nte o u d em a i s a m i m . Porq u e a m o r n ã o s e tro ca , nã o s e con j u g a n em s e a m a . Porq u e a m o r é a m o r a n a d a , f eliz e f or te em s i m es m o. Am or é pr i m o d a m o r te, e d a m or te ven ced o r, por ma is q u e o m a tem (e m a ta m ) a ca d a ins ta n te d e a m o r.
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Po e s i a G a s tei u m a h o ra p en s a n d o em u m vers o q u e a pena n ã o q u er es crever. N o enta nto el e es tá cá d en tro inq u ieto, v ivo. E le es tá cá d en tro e nã o q u er s a i r. M a s a poes i a d es te m o m en to inu nd a m i n h a v i d a i n tei ra .
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O s O m b r o s S u p o r t a m o Mu n d o Cheg a u m tem p o em q u e n ã o s e d i z m a is: m eu D eu s. Tem po d e a b s o l u ta d e p u ra çã o. Tem po em q u e n ã o s e d i z m a i s : m eu a mo r. Porq u e o am o r res u l to u i n ú ti l . E os olhos n ã o ch o ra m . E a s m ã os tecem a p en a s o r u d e tra b a l h o. E o cor a ção es tá s eco. Em vão mulheres batem à por ta, não abrirás. Fica s te s oz i n h o, a l u z a p a g o u -s e, m a s na s om b ra teu s olhos res p l a n d ecem en o r m es. É s tod o cer tez a , j á n ã o s a b es s o frer. E na d a es p era s d e teu s a m i g o s. Pou co im p o r ta ven h a a vel h i ce, q u e é a vel h i ce? Teu s ombro s s u p o r ta m o mu n d o e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As g u er r a s, a s fo m es, a s d is cu s s õ es d en tro d o s ed i fí ci o s pr ova m a p en a s q u e a v i d a p ro s s egu e e nem tod o s s e l i b er ta ra m a i n d a . Alg u ns, a ch a n d o b á rb a ro o es p etá cu l o
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pr ef er ir ia m (o s d el i ca d o s ) m o r rer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vid a a pen a s, s em m i s ti fi ca çã o.
Ve r b o S e r Q u e va i s er q u a n d o cres cer? Vivem pergu n ta n d o em red o r. Q u e é s er? É ter u m co r p o, u m j ei to, u m n o m e? Tenho os três. E s o u ? Tenho d e mu d a r q u a n d o cres cer? U s a r ou tr o n o m e, co r p o e j ei to ? O u a g ent e s ó p ri n ci p i a a s er q u a nd o cres ce? É ter r ível, s er? D ó i ? É b o m ? É tri s te? Ser ; pr onu n ci a d o tã o d e p res s a , e ca be ta nta s co i s a s ? Re pito: Ser, S er, S er. E r. R . Q u e vou s er q u a n d o cres cer? Sou obr ig ad o a ? Po s s o es co l h er? N ã o d á pa ra en ten d er. N ã o vo u s er. Vou cr es cer a s s i m m es m o. Sem s er E s q u ecer.
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fonte pa p e l
Garamond Jo r n a l 4 8 , 8 g /m 2
O s 14 p o e m a s f o r a m s e l e c i o n a d o s e nt r e o s “ 2 0 p o e m a s d e C a r l o s D r u m m o n d d e A n d r a d e �, p u b l i c a d o s n o s i t e d a Un i v e r s i a .