Heart Magazine No.0

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FICHA TÉCNICA / TECHNICAL SPECIFICATIONS Editores / Editors Aldina de Vasconcelos Bernardo de Vasconcelos Luís de Vasconcelos Design / Design Marco Câmara Capa / Cover Marco Câmara Tradução / Translation Bernardo de Vasconcelos Colaboradores / Collaborators Paulo Sérgio BEJu Marco Câmara Agradecimentos / Acknowledgements Luísa Paolinelli pela tradução dos textos em italiano para PT/EN / for the translation of the Italian texts into PT/EN Richard Fernandez pela cedência do desenho na “Nota Prévia” for the drawing in the “Foreward” Heart Magazine é uma publicação trimestral da Heart Magazine / is a Heart Magazine quarterly publication Funchal - Madeira – Portugal www.issuu.com/heart.magazine Todos os artigos são da responsabilidade de seus autores e, assim sendo, não refletem totalmente a opinião da revista. É expressamente proibida a reprodução parcial ou total de textos e imagens por qualquer meio, sem prévia autorização dos autores e do editor da revista. All articles are of the responsibility of the authors and, therefore, do not fully reflect the opinion of the magazine. It is forbidden to totally or partially reproduce text and images by any means without prior permission of the authors and the editor of the magazine. Para colaborar / to contribute: Consulte condições em / see how to at https://www.facebook.com/pages/Heart-Magazine/417432924997242 e/ou / and/or Envie e-mail para / send an email to he_art.magazine@hotmail.com Os textos em PT da estrita responsabilidade da Heart Magazine apresentam-se segundo o novo acordo ortográfico. A escolha ortográfica de cada participante é da sua responsabilidade pessoal. Heart Magazine © Registo Nº / Registration No. 5790/2012 junto da Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) – Portugal / with the Inspectorate-General for Cultural Activities (IGAC) – Portugal


ÍNDICE INDEX

EDITORIAL - 04 NOTA PRÉVIA / FORWARD - 07 ALBERTO DOS SANTOS - 10 ALEXANDRA FONSECA E SÓNIA RODRIGUES (PARCERIA) - 14 ANA CÂMARA - 16 ANTÓNIO COSTA - 18 ANTÓNIO PLÁCIDO - 20 ANTÓNIO RODRIGUES - 24 ARMANDO ARIOSTINI - 26 BARBARA GIORGETTI - 30 BEATRIZ MONIZ - 32 BENILDE TRINDADE GOUVEIA DA SILVA - 34 BERNARDO DE VASCONCELOS E MARIA JOSÉ FERREIRA (PARCERIA) - 36 CARLOS JORGE PEREIRA RODRIGUES - 38 DÍLIA JARDIM E FILIPE OLIVEIRA - TRAÇO ELEMENTAR (PARCERIA) - 40 DINA DE VASCONCELOS - 42 ÉLVIO CAMACHO - 44 EMANUEL DE SOUSA - 46 FRANCO FRANCESCA - 48 GIL SILVA - 50 GONÇALO MARTINS - 52 GUARETA COROMOTO - 54 GUILHERME HENRIQUES - 56 JOSÉ MARIA MONTERO (ZYBERCHEMA) - 58 JÚLIA BARROS - 60 JULIANA HENRIQUES - 64 LÚCIA SOUSA - 66 LUIS DE VASCONCELOS - 68 LUÍSA ANTUNES PAOLINELLI - 70 MAGNA MORNA - 72 MARCO CÂMARA - 74 MARIA JOÃO CAIRES - 76 NUNO LOPES - 78 PATRÍCIA RAINHA E PEDRO RAINHA (PARCERIA) - 82 PAULA ERRA - 84 RICHARD FERNANDEZ - 86 RITA FERNANDES - 90 ROBERTO MACEDO ALVES - 92 SÍLVIA MARTA - 94 SILVIO JOSÉ SOUSA RODRIGUES CRÓ - 96 TRINDADE VIEIRA - 98 ULISSE SARTINI - 100


Editorial Aquando do fecho da edição, apuraram-se quarenta participações. Foram estas as pessoas, entre artistas individuais e parcerias, que responderam à proposta, de entre um número significativamente maior. Digamos que, de alguma forma, a seleção fez-se naturalmente, para além do reconhecimento e da clara vontade em participar. Inclineime para trás, meditei ao olhar para as quarenta pastas no ambiente de trabalho, e ri-me. Varri logo de seguida os meus ficheiros à procura da simbologia oculta do número quarenta, sabendo que a arte está pejada de significantes e significados não logo perceptíveis. Quarenta é formado pelos números 4 e 10, e o número quatro significa as partes do mundo e quatro são também os elementos de que está constituída toda a criatura visível. Já o numero dez indica a plenitude, tanto a do bem como a do mal. E dez por quatro dá quarenta. Neste número figura-se ainda o tempo deste mundo e as escolhas que se fazem neste plano de natureza dual. A escolha dos quarenta participantes foi e está feita! Que dizer dos artistas enquanto pessoas? Fui à minha biblioteca, peguei num pequeno tesouro, um livro intitulado “Os Super Dotados”1 do Médico Psiquiatra José Salles, e reli o capítulo ‘O Artista: Ser Excecional’. A partir daqui, tomo a liberdade de citar extensamente parte do mui interessante conteúdo: “Existe entretanto, um outro tipo de homem, que sem ser obrigatoriamente um gênio, inegavelmente é sempre um ser excepcional e que, como aquele, é uma soma bem equilibrada, é animus e anima. É o artista. Todo artista apresenta qualidades de sensibilidade, de intuição, de emotividade, de universalidade de conhecimentos, que o tornam um ser excecional (...). Mas justamente porque o artista é espírito e alma, inteligência e coração, lógica e intuição, observação e sensibilidade, tudo isso e mais uma capacidade de amar que tanto pode ser grandeza como sua fraqueza, por isto mesmo, ele está sujeito muito mais que o homem comum a não se encontrar, a não se realizar plenamente. O artista sofre da doença do amor, conforme ouvi de um deles, ao se queixar de sua

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dificuldade de ajustamento na sociedade dos seres ditos normais. Geralmente, as criaturas comuns dificilmente sabem amar, a não ser a si próprias. O artista é um poço de amor, ama generosamente, incontidamente, mas exige muito amor também. Como o artista nasce com essas aptidões, desde cedo, revela-se um excepcional. Mas sendo quase a totalidade das pessoas apenas homens e mulheres, incapazes de portanto, vislumbrar aquele ser fora de norma, alguém que lhes é superior, alguém necessitado de cuidados especiais como uma planta rara, todos enxergam nele apenas o diferente, o esquisito, e terminam realmente por considerá-lo um marginal.” Posto isto, e afirmo-o enquanto mentor do Projeto Heart Magazine, torna-se imperativo, absolutamente necessário, que haja um lugar dignificante da condição artística da humanidade, sobretudo, quando a conjuntura económica e social à escala nacional e também planetária tem vindo a ser adversa à produção artístico-cultural. Este projeto assume-se, assim, como um espaço globalizante e englobalizante da arte em todas as suas manifestações, de fruição gratuita e universal. Esta revista é, por isso, um espaço livre e aberto, um lugar nada pretensioso e nada preconceituoso, onde o pseudointelectualismo e os lobbies não têm lugar. Libertas é a temática deste número zero, pois a liberdade, valor universal da humanidade, permite que neste espaço se materialize o discurso e a vontade da expressão criadora de cada um. A Heart Magazine é um ato de amor e de reconhecimento para com o dom da criação. Ouçamos o Coração da Arte: Hear + Heart + Ear + Art = Heart. We Shall All Rise! Luís de Vasconcelos _______________________________________________________________________ 1José C. Ferraz Sales, Os Super Dotados: Diagnóstico e Orientação, São Paulo, Alvorada Editora, 1982


On the closing date for the issue, forty contributions were accounted for. These were the people, between individual artists and partnerships, who responded to the proposal from a significantly higher number. Let us say that, somehow, the selection was made naturally, and also out of recognition and the clear willingness to participate. I leaned back, pondered while looking for the forty folders on the desktop, and laughed. I immediately scanned my files looking for the hidden symbolism of the number forty, knowing that art is teeming with multiple signifiers and signified not immediately noticeable. Forty is formed by the numbers 4 and 10, and the number four means the parts of the world and four are also the elements every visible creature is made of. The number ten, on the other hand, indicates fullness, both of good and evil. And ten by four is forty. This figure contains the time of this world and the choices one makes while on this plane of dual nature. The choice of the forty contributions was and is made! What can one say about artists as individuals? I went to my library, picked a small treasure from the shelf, a book titled “Os Super Dotados”1 [“The Exceptionally Gifted”] by the psychiatrist Joseph Salles, and reread the chapter ‘The Artist: Exceptional being’. From here onwards, I take the liberty of quoting extensively part of its very interesting content: “There is, however, another kind of man, who, without necessarily being a genius, is undeniably always an exceptional being and, like him, is a well-balanced whole, is animus and anima. He is the artist. Every artist has qualities of sensitivity, intuition, emotion and universality of knowledge, which make him an exceptional being (...). But precisely because the artist is spirit and soul, intelligence and heart, logic and intuition, observation and sensitivity, all of this and still the capacity to love, which can both mean his greatness or his weakness. For this reason, precisely, he is much more likely than the common man not to find himself, not to be fully realized. The artist suffers from the disease of love, as I heard from

one of them, complaining about his difficulty in adjusting to society of the so-called normal beings. Generally, common creatures hardly ever know how to love anyone else besides themselves. The artist is a well of love, loves generously, unrestrainedly, but also requires a lot of love. As the artist is born with these skills, from very early on, he proves to be an exceptional. But, as almost all people are just men and women, unable therefore of envisioning that being outside of the norm, someone who is superior to them, someone in need of special care as a rare plant, everyone views him only as being the one that is different, odd, and really end up considering him a marginal.” That said, and I state this as the mentor of the Heart Magazine Project, it becomes imperative, absolutely necessary, that there be a dignified place for the artistic condition of humanity, especially when the economic and social state of affairs, at the national level and also worldwide, is adverse to artistic-cultural production. This project is, thus, a globalizing and all-encompassing space for art in all its manifestations, of free and universal fruition. This magazine is, therefore, a free and open space, unpretentious and unbiased, with no room for pseudo-intellectualism and lobbies. Libertas is the theme for this zero edition, for freedom, a universal value for humanity, allows, right here, for the words and the will of each and everyone’s creative expression to materialize. Heart Magazine is an act of love and gratitude for the gift of creation. May we listen to the Heart of Art: Hear + Heart + Ear + Art = Heart. We Shall All Rise! Luís de Vasconcelos _______________________________________________________________________ 1José C. Ferraz Sales, Os Super Dotados: Diagnóstico e Orientação, São Paulo, Alvorada Editora, 1982

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Nota Prévia

Foreword

O projeto Heart Magazine surgiu da necessidade, face a um mundo em constante mutação, por vezes frenético e caótico, nas suas adversidades naturais ou de crise, de criar um espaço de diálogo e escuta, que remete para a forte carga simbólica da sua designação Heart. Este espaço é disponibilizado por via digital, ‘materializado’, nesta primeira fase, apenas pela revista Heart Magazine, difundida através do facebook e da plataforma ISSUU. Posteriormente, irá contar com o seu próprio website. Será um locus de experimentação, fundamentado num olhar depurado sobre o essencial e a essência que nos move, enquanto criadores, mas também como fruidores. Promoverá a troca de ideias, visões e experiências entre os artistas, firmados e emergentes, das diversas áreas de produção: das ‘ARTESdoOLHAR’, dos ‘SENTIDOSeARTES’, da ‘ARTEdasFORMAS’, da ‘ARTEdaPALAVRA’ e das ‘ARTESemDIÁLOGO’. Pese embora o ditado de que não se devem colocar os ovos todos no mesmo cesto, por ser o risco demasiado grande de tudo perder, o projeto Heart Magazine faz, deliberadamente, isso mesmo, por acreditar que, assim, todos têm tudo a ganhar. Por muito espinhoso que seja o ninho, ou o mundo fora dele, estamos convictos que este projeto haverá de manter-se vivo, por lhe correr nas veias a capacidade de sacrifício do Artista e a sua vontade de se dar à Humanidade através da partilha. O número zero da revista digital Heart Magazine eclode, hoje, é hoje dado ao mundo, com a força de viver de quem acaba de nascer e, quiçá, com a mesma ingenuidade. Heart won’t let Art die!

The Heart Magazine project arose from the need for the creation a space for dialogue and listening, a lieu with a strong symbolic relation to its designation – Heart. Such a locus is a necessity in this constantly changing, sometimes frantic and chaotic world, whether because of its natural adversities or it crises. This space is made available digitally, ‘materialized,’ in this first phase, only by the Heart Magazine magazine, disseminated through facebook and the ISSUU platform. Further down the line, it will have its own website. It will be a place for experimentation, grounded on an attentive look at what is essential and the essence that moves us, as creators, but also as those who enjoy the works of art. It will promote the exchange of ideas, views and experiences among artists, renown and emerging, from the various areas of production: ‘ARTESdoOLHAR’ (art to behold), ‘SENTIDOSeARTES’ (senses and art), ‘ARTEdasFORMAS’ (the art of form), ‘ARTEdaPALAVRA’ (the art of word) and ‘ARTESemDIÁLOGO’ (arts in dialogue). Despite the saying that one should not put all one’s eggs in one basket, because of the too big a risk of losing everything, the Heart Magazine project, deliberately, does just that, because we believe that, this way, everyone has everything to gain. However thorny the nest may be, or the world outside it, we are convinced that this project will be able to keep itself alive, for in its veins flows the Artist’s ability for sacrifice and his willingness to give himself to Mankind through sharing. The zero issue of Heart Magazine’s digital magazine hatches today, is today given out to the world, with the willingness to live of the newly born and, perhaps, with the same naivety. Heart won’t let Art die!

Funchal, 21 de dezembro de 2012 Bernardo de Vasconcelos

Funchal, December 21, 2012 Bernardo de Vasconcelos

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Alberto dos Santos O delicado do ofício da imagem, enquanto artista da figuração que procura valentia para a invenção do que é Bom, Justo e Belo, é a responsabilidade com a edificação do meu próximo, de ser capaz de gerar nele a vontade de abordar inquietudes nobres, aquelas que não se misturam com inquietudes menos nobres, e onde a cor é o meio suficiente para que a comunicação entre sujeito e objeto ocorra como um ato espontâneo, voluntario do sensitivo e do entendimento: a Contemplação. Alberto dos Santos, Pintor

The delicate thing about the craft of the image, while a figurative artist who seeks courage for the invention of what is Good, Just and Beautiful, is the responsibility that lies with making my fellow human being a better person, of being capable to generate in him the will to address noble concerns, those which do not mingle with less noble ones, and where color is a sufficient means for communication between subject and object to occur as a spontaneous, voluntary act, of the sensitive and understanding: Contemplation. Alberto dos Santos, Painter




Alberto dos Santos, Pintor / Painter | http://albertodossantos.blogspot.pt


Alexandra Fonseca e Sónia Rodrigues Pirata dos Sonhos Sentada no meu canto secreto olho-o perdida… Vejo o sem fim reflexo da minha alma. Sei que muitas nele existem, mas só pela que vivo posso lutar e sonhar. Há no mar uma vida maior, a minha! É lá que moram os meus maiores sonhos, os que sonhei e realizei, os que tiveram, por alguma circunstância de ser deixados para trás (talvez porque já não cabiam em mim), os que ainda são sonhos e os que ainda vou sonhar. O mar já os conhece, eu não. Virão, um dia, com o balançar das ondas. O mar guarda o meu cofre nos recônditos, nas profundezas do seu ser. O mapa para o encontrar só eu conheço e sei decifrar. Sou pirata de mim mesma, não dos que vivem das riquezas dos outros, das alegrias e tristezas dos outros, da vida dos outros, mas da minha… Vivo de mim mesma e só me dou a quem e ao que escolho, seja qual for o fado que se venha a desenhar, venham depois lágrimas ou sorrisos. Às vezes sinto que a minha vida é isso mesmo, que se desenrola como o bater das ondas na praia. Nem sempre a ondulação é igual, mas também não quero que seja. Não quero uma vida estática, como se de um lago espelhado e manso se tratasse. Quero uma que me faça emanar vida, que me leve por caminhos e atalhos, nem sempre iluminados, nem sempre escuros. Não quero um mundo utópico, quero uma vida viva, táctil, real, que me faça crescer e elevar num mundo cada vez maior. É no mar que absorvo as minhas forças, é nele que me escondo e me encontro, onde acontece a metamorfose do que sou para o que quero ser.

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O mar consegue o que a vida não. Olhamos, observamos, vemos e quando voltamos a olhar, o que vimos já não existe, algo mudou, transformou-se. A vida transforma-se para a frente com o impulso do que vem de trás. Olho-o e sei… nele posso navegar, me perder, me achar porque serei sempre o pirata, o capitão da minha alma e do meu destino! Sónia Rodrigues - Escritora


Alexandra Fonseca - Cake Designer

Pirate of Dreams Sitting in my quiet secret corner, I stare at it, lost… The endless reflection of my soul is all that I can see. In it, many more lives exist, but only for mine am I able to fight and dream. There is a greater life in the sea, mine! That’s where my wildest dreams live, the ones I dreamed and accomplished, those that for some reason had to be left behind (perhaps they did not suit me any longer), the ones that are still dreams and those that are yet to be dreamed. The sea already knows them, I don’t. They will come one day with the gentle rocking of the waves. In the recesses of its being, the sea holds my chest of dreams. But only I have the map to it and only I am able to decode it. I’m the pirate of myself. Not one living out of the richnesses, joys, sorrows or lives of others. One living out of my own…. and only give myself away to whom or what I choose, whatever fate of tears or smiles may follow. Sometimes I feel my life is just like that, like waves unfolding on the beach. The swell isn’t always the same, neither

do I want it to be. I do not wish for a static life, as if a quiet mirrored lake it were. I want a life that makes me shine and feel alive, that takes me along paths and shortcuts, not always lit nor always dark. I do not wish for a utopian world, but rather for a real life, truly lived, and which makes me grow and rise in an increasingly better world. It is from the sea that I draw my strength; it is in it that I hide and find myself, where the metamorphosis takes place from who I am into whoever I wish to be. The sea accomplishes all that life cannot. We look, we carefully observe, and when we look again, that which we saw is gone, something has changed, has been transformed. Like a wave, life moves forward with an impulse from behind, gathered from all we have been through in the past. I look at it and I know… I can always sail on it, lose myself, find myself, for I will always be the pirate, the captain of my soul and fate! Sónia Rodrigues - Writer

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Ana Câmara Libertas O mundo real, físico, corpóreo, é o mundo onde vemos, tocamos, ouvimos, é o mundo onde agimos, onde exercemos a nossa moralidade, a nossa racionalidade, a nossa mortalidade. No entanto, esse mundo reduzido à imediatidade é redutor uma vez que encarcera, limita a nossa humanidade; sem imaginação, sem criatividade, sem o uso da nossa “liberdade estética” não exercemos verdadeiramente a nossa condição humana. Ao questionarmo-nos sobre o que nos torna humanos, podemos responder: a racionalidade, a moralidade, a ética, os sentimentos e emoções? Não só! O que nos torna humanos é não nos limitarmos às determinações da natureza, sermos capazes de controlar os instintos e, ao mesmo tempo, a capacidade do uso da razão, é a possibilidade de transcender a matéria, o real, o imediato, o adquirido, e com a mesma força, a possibilidade de vivenciar o nosso eu natural, racional, ético e estético! Como o fazemos? Através do uso da nossa LIBERDADE! Liberdade não como capacidade voluntária do sujeito de auto-determinação nas escolhas que pode e faz, mas liberdade de pensamento, de imaginação, criatividade, como ausência de coação na elaboração e expressão de ideias, na elaboração e contemplação da obra de arte. O uso da imaginação é redentor, uma vez que “não está limitada às coisas e não precisa de se deixar governar pelo empírico; joga e diverte-se com imagens que constrói; liberta-nos do imediato, dá-nos a descobrir novas dimensões da realidade (…) pode contribuir para criar outros mundos, outras coerências, para entrever outras verdades, para dar corpo às coisas desconhecidas”1. A imaginação, materializada na obra de arte, abre caminhos, permite ir além do óbvio, do acessível. A arte dá cor, sentido, expressão e liberdade ao mundo sensível, ultrapassa o imediato. Mais, transcende a mortalidade. Recria o mundo, espelha a sua essência, ao mesmo tempo que o supera. Conta a sua história, permitindo a liberdade do autor ao narrá-la e do observador ao interpretá-la. Ao mesmo tem-

po a liberdade na Estética permite ao criador, ao apropriar-se da realidade, manifestar as suas necessidades, anseios, medos e alegrias, expressar a sua autonomia. A arte liberta ao permitir que se manifeste nas suas obras a dimensão cognoscitiva e transfiguradora do sujeito e do mundo. Cognoscitivamente, permite que o sujeito apreenda e dê sentido à realidade, enquanto transfiguradora, dá ao ser humano a capacidade de dar a si mesmo, aos outros e ao mundo novas e diferentes expressões, figuras, formas. Deste modo, o real é apropriado, disposto, moldado, segundo o sentido do criador e do observador. Isso é LIBERDADE! Ana Câmara, Professora de Filosofia _______________________________________________________________________ 1Thomas De Koninck, A nova ignorância e o problema da cultura, Lisboa, Edições 70, s.d.

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The real, physical, corporeal world is the world where we see, touch, hear, it is the world where we act, where we exercise our morality, our rationality, our mortality. However, this world, reduced to immediacy, is reductive since it entraps, limits our humanity; without the use of our imagination, our creativity, without the use of our “aesthetic freedom”, we do not truly exercise our human condition. When we ask ourselves what makes us human, may we answer: rationality, morality, ethics, feelings and emotions? Not only that! What makes us human is not limiting ourselves to the determinations of nature, being able to control our instincts and, at the same time, the ability

of the use of reason, is the capacity to transcend matter, the real, the immediate, the acquired and, with the same force, the possibility of experiencing our natural, rational, ethical and aesthetic self! How we do this? Through the use of our FREEDOM! Freedom not in the sense of the voluntary capacity of the subject in terms of self-determination in the choices s/he can and does make, but freedom of thought, of imagination, of creativity, as the absence of coercion in the development and expression of ideas, in the making and contemplation of the work of art. The use of imagination is redemptive, since it “is not limited to things and does not need let itself be governed by the empirical, it plays and has fun with the images it constructs; it frees us from immediacy, enables us to discover new dimensions of reality (...) it can help create other worlds, other coherences, to glimpse other truths, to give shape to things unknown”1. Imagination, embodied in and made visible through the work of art, opens pathways, allows us to go beyond the obvious, the accessible. Art gives color, meaning, expression and freedom to the sensitive world, takes it beyond the immediate. All the more, it transcends mortality. It recreates the world, reflects its essence, while outperforming it. It tells its story, allowing freedom to the author to narrate it and to the observer to interpret it. At the same time, freedom in Aesthetics allows the creator, while appropriating reality, to manifest his/her needs, desires, fears and joys, to express his/ her autonomy. Art liberates as it allows the cognitive and transfiguring dimension of the subject and the world to manifest itself in the works of art. Cognitively, it allows the subject to perceive and make sense of reality, while transfiguringly, it gives humans the ability to give themselves, the others and the world new and different expressions, figures, shapes. Thus, the real is appropriated, arranged, molded according to the discretion of the creator and the observer. That is FREEDOM! Ana Câmara, Philosophy Teacher _______________________________________________________________________ 1Thomas De Koninck, La Nouvelle Ignorance ou le problème de la culture, Paris, Presses universitaires de France (PUF), 2000.

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Ant贸nio Costa (ACosta)


Ant贸nio Costa - ACosta, Pintor / Painter


António Plácido Cultura, Liberdade e Televisão Muito para além do conceito antropológico, cultura é hoje entendida, não como a produção de um qualquer artefacto, mas sim o exercício criativo que acrescenta ao artefacto uma outra dimensão, porventura menos objetiva, mas seguramente muito mais interessante e libertadora, no sentido que acrescenta muitas mais opções interpretativas. Assim, se um simples garfo não é de todo um objeto cultural, já um gigantesco garfo de bronze, espetado numa qualquer praça, será com certeza um objeto cultural a merecer, no mínimo, uma discussão sobre o seu valor e função. Serve este exemplo não apenas para acrescentar dados à discussão sobre o que é cultura, mas sobretudo para introduzir um outro conceito de difícil consenso, o de liberdade. Se à primeira vista me parece que qualquer exercício cultural implica criatividade e esta não pode de todo estar sujeita a dogmas ou qualquer outra forma de cerceamento criativo, verdade é que por todo o mundo existem manifestações culturais que tiveram lugar em ambientes de total parametrização e compartimentação do ato criativo e, nem por isso, deixaram de produzir, por vezes, artefactos culturais de reconhecida qualidade. Como fica pois a dicotomia cultura/liberdade? Esse é um longo caminho de discussão e não quero percorrê-lo aqui, mas ainda assim tenho a convicção de que a negação da liberdade criativo/cultural pode gerar privações significativas, com reflexo no produto final, qualquer que seja a área de ação. Ultrapassando este patamar de discussão e integrando o elemento televisão na equação, direi que a chamada cultura de massas que a imprensa escrita e as ondas da rádio já tinham criado, explodiu definitivamente com a entrada em cena da televisão. Essa massificação cultural, isto é, produzida segundo as normas maciças da produção industrial que a televisão tão bem potenciou, tornou o objeto cultural muito mais ao alcance das massas e portanto, muito mais fácil de ser fruído, daí que a televisão

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tenha uma responsabilidade acrescida na educação para a cultura quer seja esta vista como um corpo complexo de normas, símbolos, mitos ou como imagens que penetram o individuo e estruturam as suas emoções. Percebe-se, pois, a importância das televisões e o quanto o seu papel pode ser positivo ou negativo na educação das “massas” passando a responsabilidade para os centros decisores dos conteúdos televisivos. A exibição de um “Big Brother” ou uma noite de ópera não têm os mesmos objetivos, mas ambos são poderosos no alcance que têm. Dito isto, estou mais à vontade para falar de um aspeto bem mais próximo, o papel da RTP Madeira, que tão bem conheço e onde tenho tido algum tipo de responsabilidade, de há uns anos a esta parte e, aqui, gostaria de salientar o papel que esta televisão regional tem tido nessa “massificação cultural” pois, desde meados da década de 80 que teve, sempre, pelo menos um programa com preocupações culturais, desbravando um caminho, acredito eu, que de estreito se foi alargando e de importante contributo para o crescimento do público atento a estas questões da “cultura”. Programas como “Letra Dura e Arte Fina”, “Madeira Artes e Letras”, “Pé de Página” “Ap’Arte” “Culturalmente” e, hoje, “Casa das Artes” fizeram um caminho, e estou seguro, criaram um nicho de espetadores despertos para esta área, que é hoje bem maior do que era na década de 80. Mas não foram apenas estes os programas de caráter cultural que a RTP Madeira produziu. Outros mais direcionados e específicos, como “ Sol Si Dó”, “ As Palavras e os Sons”, “Raízes”, “Um Olhar Sobre”, “Um Olhar Interior”, “Tertúlia”, “Literatura Madeirense” ou “ Cá Nada”, entre outros, atestam bem a preocupação da RTP Madeira com o papel de educação cultural, como forma de promover o crescimento intelectual e cultural de cada um e de todos, potenciando assim a sua liberdade, enquanto cidadãos, pois quanto mais cultas as pessoas são, mais conscientes da sua liberdade se tornam. Não foi à toa que o ministro de propaganda de Hitler, Joseph Goebbels terá dito: “ quando oiço a palavra cultura, saco a pistola”, parafraseando um texto de uma peça de teatro escrita pelo dramaturgo, Hanns Johst. Como se torna óbvio pelo que aqui fica dito, junto-me àqueles que defendem que o crescimento cultural dos povos é diretamente proporcional à sua ânsia de liberdade e por seu lado a qualidade da sua liberdade é veículo do seu crescimento cultural, estabelecendo-se uma correspondência nos dois sentidos. Também evidente para mim é o papel das televisões na equação cultura/liber-


Culture, Freedom and Television dade, papel esse que pode bem ser questionado em que medida e em que direção está a ser cumprido por todas as televisões nacionais que, a meu ver, tem sido muito menos de aplaudir por parte das televisões privadas, desobrigadas que estão do cumprimento de um programa de serviço público, onde deverá estar inscrito este tipo de preocupações. Chegados aqui, estamos numa discussão que promete entrar na ordem do dia, sobre o que deve constar de um livro de serviço público e quem o deve cumprir. Na minha opinião, essa deve ser uma das incumbências das televisões públicas, com carácter obrigatório, mas que não devem, de todo, ser descuradas por todas as outras televisões, ainda que em formato mínimo, que não devem perder de vista o poder de massas que têm. António Plácido, Produtor de TV

Far beyond the anthropological concept, culture is understood today, not as the production of any one artifact, but rather the creative exercise which adds another dimension to the artifact, perhaps less objective, but surely much more interesting and liberating in the sense that it adds many more interpretative options. Thus, though a simple fork is not a cultural object at all, when a gigantic bronze fork, erected in any square, it will certainly be a cultural object that deserves, at least, a discussion about its value and function. This example is not given merely to add data to the discussion of what culture is, but rather to introduce another concept of difficult consensus: that of freedom. If at first sight it seems to me that any cultural exercise implies creativity and that this cannot all be subject to dogmas or any other form of creative restriction, the truth is that around the world there are cultural manifestations that took place in environments where the creative act was fully parameterized and compartmentalized. Even so,

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that was not reason enough to prevent cultural artifacts of recognized quality from being produced at times. So, how does one resolve the dichotomy culture/freedom? This would imply a lengthy discussion and I do not intend to go through it here. Yet, I am convinced that the denial of creative/cultural freedom can generate significant deprivation, which will be reflected in the final product, whatever the action area. Going beyond this level of discussion and bringing the element television into the equation, I would say that the so

called mass culture, which the press and radio waves had already created, definitely exploded with the arrival of television. This cultural massification, i.e., produced according to the standards of industrial mass production which television so well leveraged, placed the cultural object much more within the reach of the masses and, therefore, made it much easier to appreciate. Hence, television has a greater responsibility in the education for culture, whether it is viewed as a complex body of rules, symbols, myths or as individual images which bury themselves into the individual and structure his/her emotions. It becomes clear, therefore, how important television is and how its role can be positive or negative in educating the “masses�, with the responsibility of television content lying in the decision-making centres. The broadcasting

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of “Big Brother” or a night at the opera does not have the same goals, but both are powerful in terms of accomplishment. That stated, I am more comfortable in discussing an aspect I more familiar with, the role of RTP Madeira, which I know so well and where, for a number of years now, I have had some kind of responsibility. I would like to stress the role that this regional television has had in this “ cultural massification”. Since the mid-1980s, it has always aired at least one program with cultural concerns which, I believe, progressively tread a path and broadened its scope while playing an important role for the growth of the public concerned with these issues surrounding “culture.” Programs like “Letra Dura e Arte Fina”, “Madeira Artes e Letras”, “Pé de Página” “Ap’Arte” “Culturalmente” and, at present, “Casa das Artes” have come a way which, and I am sure, has led to the creation of a niche of spectators alert to this topic, a niche which is much larger today than it was in the 1980s. However, these were not the only programs of cultural nature that RTP Madeira produced. Others, more target oriented and specific, such as “Sol Si Dó”, “As Palavras e os Sons”, “Raízes”, “Um Olhar Sobre”, “Um Olhar Interior”, “Tertúlia”, “Literatura Madeirense” or “ Cá Nada”, amongst others, attest well RTP Madeira’s concern with the role of cultural education as a means to promote the cultural and intellectual growth of each and every one, thereby leveraging their freedom, while citizens. The more educated people are, the more aware of their freedom they become. No wonder Hitler’s propaganda minister, Joseph Goebbels, reportedly said: “When I hear the word culture, I reach for my gun,” paraphrasing a drama text written by playwright Hanns Johst.

As becomes obvious from what has been stated, I side with those who argue that the cultural growth of the people is directly proportional to their desire for freedom and, in turn, the quality of their freedom is the vehicle for cultural growth, in a two-way correspondence. Also evident to me is the role of television in the equation culture/ freedom, a role one may well question in terms of to what extent and in which direction it is being observed by all national televisions. In my view, private television stations have much less to be applauded for. The reason is they are not compelled to observe a public service program, where such concerns must be enshrined. Having reached this point, we have entered a discussion that promises to be on the agenda in terms of what a Paper on public service should contain and who must comply with it. In my opinion, this should be one of the responsibilities of public television, on a mandatory basis, but it should not at all be neglected by all the other television stations, even if reduced to a minimum format, as these should not lose sight of the power they have on the masses. António Plácido, TV Producer

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António Rodrigues Pelo peso e valor diferenciado do conceito de liberdade, em cada um de nós enquanto indivíduo e em todos nós enquanto sociedade, pelo que entendo estar implícito nas palavras que transcrevo das “Citações e Pensamentos de Agostinho da Silva” [2009), e pelo actual momento sociopolítico que Portugal atravessa, por isso, aqui e agora, nada mais tenho a acrescentar! Apenas reflectir! “A hipocrisia do amor ao povo: Estes amam o povo, mas não desejariam, por interesse do próprio amor, que saísse do passo em que se encontra; deleitam-se com a ingenuidade da arte popular, com o imperfeito pensamento, as superstições e as lendas; vêem-se generosos e sensíveis quando se debruçam sobre a classe inferior e traduzem, na linguagem adamada, o que dela julgam perceber; é muito interessante o animal que examinam, mas que não tende o animal libertar-se da sua condição; estragaria todo o quadro, toda a equilibrada posição; em nome da estética e de tudo o resto convém que se mantenha. Há também os que adoram o povo e combatem por ele, mas pouco mais o julgam do que um meio; a meta a atingir é o domínio do mesmo povo por que parecem sacrificar-se; bate-lhes no peito um coração de altos senhores; se vieram parar a este lado da batalha foi porque os acidentes os repeliram das trincheiras opostas ou aqui viram maneira mais segura de satisfazer o vão desejo de mandar; nestes não encontraremos a frase preciosa, a afectada sensibilidade, o retoque literário; preferem o estilo de barricada; mas, como nos outros, é o som do oco tambor retórico o último que se ouve. Só um grupo reduzido defende o povo e o deseja elevar sem ter por ele nenhuma espécie de paixão; em primeiro lugar, porque logo reprimiriam dentro de si todo o movimento que percebessem nascido de impulsos sentimentais; em segundo lugar, porque tal atitude os impediria de ver as soluções claras e justas que acima de tudo parecem alcançar; e, finalmente, porque lhes é impossível permanecer em êxtase diante do que é culturalmente pobre, artisticamente grosseiro, eivado dos muitos defeitos que trazem consigo a dependência e a miséria em que sempre o têm colocado os que mais o cantam, o admiram e

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o protegem. Interessa-nos o povo porque nele se apresenta um feixe de problemas que solicitam a inteligência e a vontade; um problema de justiça económica, um problema de justiça política, um problema de equilíbrio social, um problema de ascensão à cultura, e de ascensão o mais rápida possível da massa enorme até hoje tão abandonada e desprezada; logo que eles se resolvam, terminarão cuidados e interesses; como se apaga o cálculo que serviu para revelar um valor; temos por ideal construir e firmar o reino do bem; se houve benefício para o povo, só veio por acréscimo; não é essa, de modo algum, a nossa última tenção.” António Rodrigues, Escultor


Because of the differentiated weight and value that the concept of freedom has, in each one of us as individuals and in all of us as a society, of what I understand to be implied in the words that I transcribe from the “Citações e Pensamentos de Agostinho da Silva” [2009] (“Quotes and Thoughts of Agostinho da Silva” [2009]), and of the current sociopolitical moment that Portugal is going through, for all of this, here and now, I have nothing further to add! Just to reflect on! “The hypocrisy of love for the people: They love the people, but would not wish, for the sake of love itself, the people to leave the position where they are in; they revel in the naivety of folk art, with the flawed reasoning, superstitions and legends; they see themselves as generous and sensitive when they pore over the lower class and interpret, in pedantic language, that which they judge to make of it; the animal they examine is very interesting, as long as the animal does not tend to free itself of its condition; it would spoil the whole picture, the whole balanced position; in the name of aesthetics and everything else it should be maintained. There are also those who love the people and fight for them, but the judge them little more than an end; the tar-

get is to overpower the same people they seem to sacrifice themselves for; in their chest beats a heart of important people; if they ended up at this side of the battle it was because accidents repelled them from the opposite trenches or because here they envisaged a safer way to satisfy their vain desire to rule; in these we will not find the elaborate sentence, the affected sensitivity, the literary touch; they prefer the barricade style; but, as with the others, the last you hear is the hollow sound of the rhetoric drum. Only a small group defends the people and wishes to raise the people without having any sort of passion for them; firstly, because they would immediately repress any sort of inclination within themselves that they perceived was born out of sentimental impulses; secondly, because such an action would prevent them from viewing the clear and fair solutions that they seem, above all else, to reach; and, finally, because it is impossible for them to stand in awe in face of what is culturally poor, artistically crude, permeated by the many defects the people carry, brought about by the dependency and misery these have always been placed in by those who sing, admire and protect them the most. We are interested in the people because they present us with a bundle of problems that require intelligence and will to solve; an issue of economic justice, a problem of political justice, a social balance problem, a problem of access to culture, and the ascent, as quickly as possible, of the huge mass so abandoned and despised until today; as soon as these are resolved, care and interests will cease; the same way one erases the calculations which were needed to reveal a sum; our ideal is to build and establish the kingdom of good; if there was a benefit for the people, it just came by extension; that is not, in any way, our ultimate intent.” António Rodrigues, Sculpter

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Armando Ariostini Giulietta, a bela Julieta, a mulher mais admirada pela beleza e elegância que a distinguiam, e que fez girar a cabeça aos frequentadores das grandes “première” do Teatro alla Scala de Milão, foi a artífice, aquela que me aproximou à arte do “belcanto”, a minha “musa” inspiradora: Giulietta é a minha adorada irmã que, na época, estava a estudar para soprano. Tudo aconteceu numa noite em casa de seu mestre, Otto Muller, uma daquelas noites em que entre os convidados estavam presentes personagens famosas do firmamento lírico e em frente das quais, a pedido da minha irmã que estava ciente dos meus dotes vocais, me exibi por brincadeira a cantar de ouvido a ária do barítono “di Provenza il mare il suol...” da ópera La Traviata de Giuseppe Verdi. Uma piada que me valeu 33 anos de carreira, já que foi dali que partiu a minha aventura. A partir do dia seguinte o seu mestre passou a ser o meu, e ela, de aspirante soprano, tornou-se a minha maior apoiante, dado que abandonou o estudo ao reconhecer que a sua beleza não era suficiente, faltando-lhe os dotes essenciais que são, neste caso, a musicalidade e voz, para se tornar uma boa intérprete… Ah! Ah! Ah! Em pouco tempo tornei-me “cadete” da escola de aperfeiçoamento do Teatro alla Scala... um predestinado! Não tardou muito e fiz a grande estreia no Teatro “La Fenice”, em Veneza, onde, graças ao primeiro sucesso na opereta “Die fledermaus”, no papel do protagonista Eisenstein, apareci em várias produções, incluindo o concerto de reabertura do teatro após o restauro devido ao fogo que o tinha destruído. A partir daí seguiu-se uma série de sucessos que me levou a estrear cerca de cento e cinco papéis de protagonistas nos mais importantes teatros italianos e do mundo, e entre estes papéis alguns deixaram uma marca tangível ao longo da minha carreira… do meu “Figaro” do “Barbeiro de

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Sevilha” foi escrito no jornal “Süddeutsche Zeitung” que todos os “pequenos barbeiros” do mundo a partir daquele dia ficariam sempre em segundo lugar; enquanto o meu “Danilo”, em “Die lustige witwe”, foi considerado o Danilo por excelência dos últimos 30 anos, graças aos dotes vocais e cénicos que me fizeram vestir o “fraque” como uma segunda pele. Papeis estes, como tantos outros, nos quais me envolvi e que me fizeram viver sensações diferentes, de forma a tornar cada personagem única, de acordo, também, com as visões da realização e das escolhas musicais. Ao longo de uma carreira podem ocorrer alguns episódios que colocam grandes desafios. Entre eles, escolho um que gostaria de vos contar agora... Era uma noite de segundafeira, uma noite quente de final de verão. Geralmente, os teatros à segunda-feira não estão abertos, por isso achei estranho receber às oito da noite um telefonema de um senhor com um sotaque alemão, e pensei imediatamente que era uma partida quando esta voz, em tom de súplica, me disse que era necessária a minha presença rápida no teatro de Zurique na noite a seguir... Mas, era verdade, o barítono que desempenhava o papel de António na ópera “Linda di Chamounix” (o pai de Linda) tinha adoecido e tinham tido conhecimento que eu era um dos seis barítonos do mundo que tinha interpretado esse papel nos últimos anos, a sua última esperança, porque os outros ou estavam ocupados ou já tinham morrido... Era pena, no entanto, que eu só o tivesse cantado uma vez em Paris, seis anos antes, na “Salle Pleyelle”, num concerto para a Radio France, lendo a partitura durante a execução, sem mesmo ter tido de a memorizar. Para além disso, na tarde seguinte tinha um compromisso como convidado num programa de televisão da Rai 1, daí não existir nenhuma possibilidade de participar no espetáculo. Mas insistiram e disseram-me para pensar bem, voltando a poder falar na manhã seguinte… Omiti a coisa mais importante, a noite do espetáculo era simplesmente a noite de abertura da temporada, a protagonista era Edita Gruberova, uma dos maiores intérpretes do mundo daquele e de tantos outros papéis, e o espetáculo seria transmitido em direto via satélite para todo


o mundo, em suma, não era nada de pequenino... Ah! Ah! Ah! Felizmente, guardo todas as gravações dos meus espetáculos, tinha acabado de voltar de férias e sentia a minha voz repousada. Fui ouvir a bela execução de há seis anos atrás. À medida que ouvia, recordava-me, e acabei por ficar ali até às três da manhã, quando adormeci exausto... No dia a seguir, o milagre aconteceu. Participei de tarde na transmissão televisa, às 16 um táxi levou-me de Milão ao aeroporto de Lugano, onde um avião particular estava à minha espera com o assistente do realizador e do diretor de orquestra que, em vinte minutos de viagem, me explicaram a direção, as posições no palco, os cortes e os tempos musicais. Chegados ao aeroporto de Zurique, um carro da polícia estava à minha espera ao fundo da escada do avião e, com as sirenes ligadas, levaram-me para o teatro, onde estava, de braços abertos, a acolher-me o Superintendente… E aí o milagre aconteceu. Numa noite tinha memorizado o papel de barítono do protagonista, que tinha cantado uma só vez seis anos antes, a abertura da temporada do teatro de Zurique estava salva e o mundo todo pôde apreciar o estupendo espetáculo via satélite... Daquela noite ficou o testemunho, porque a TDK disponibilizou o DVD no mercado... Ali, percebi que os “Anjos da Guarda” existem. Armando Ariostini, Barítono http://www.armandoariostini.it

---------------------------------------------------------------------------Giulietta, the beautiful Giulietta, the woman most admired by the beauty and elegance that distinguished her, and that made her admired by the spectators of the great “world premiere” of the Teatro alla Scala in Milan, was the architect, the one who helped pave my path to the art of “belcanto”, my inspiring “muse”: Giulietta is my beloved sister, at the time studying for soprano. It all happened one night at the house of her master, Otto Muller, one of those nights where amongst the guests present were famous characters from the opera world and in front of whom, at the request of my sister, who was aware of my vocal talents, I sang, as a joke, the baritone aria “di Provenza il mare il suol ....” of La Traviata by Giuseppe Verdi. A joke that cost me 33 years of career, as it was there and then that my adventure started. From the next day, her master became mine, and she, an aspiring

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soprano, became my biggest supporter as she abandoned her study recognizing that her beauty was not enough and acknowledging that she lacked the essential skills which are, in this case, musicality and voice, to become a good performer... eh! eh! eh! Soon I became a “cadet” at the “Accademia di Perfezionamento” of the Teatro alla Scala... a predestined! It was not long before I made my big debut at the Teatro “La Fenice” in Venice, where, thanks to the first success in the operetta “Die Fledermaus”, in the role of the protagonist Eisenstein, I appeared in several productions, including the concert for the reopening of the theater after its restoration due to fire that had destroyed it. From there on followed a series of successes that led me to debut about a hundred and five roles of protagonists in the most important Italian and world theaters. Of these, some roles left a tangible mark throughout my career... about my “Figaro”, in the Barber of Seville, the newspaper “Süddeutsche Zeitung” wrote that all the “small barbers” of the world from that day on would always come in seco n d

place, while my “Danilo”, in “Die lustige Witwe”, has been considered the Danilo by excellence for the past 30 years, thanks to the scenic and vocal talents that made me wear the “tailcoat” like a second skin. These roles, like many others, had me involved and made me experience different sensations, in order to make each character unique, in accordance also with the idea of the direction and musical choices. Throughout a career some episodes may occur that present major challenges. Among them, I choose one that I would like to share... It was a Monday night, a warm night in late summer. Generally, theaters on Mondays are not open, so I thought it strange that at eight o’clock I should receive a call from a man with a German accent and immediately thought it was a joke when this voice, in a tone of supplication, told me that my presence was needed urgently at the Zurich theater the evening of the next day... But it was true, the baritone who played the role of Anthony in the opera “Linda di Chamounix” (Linda’s father)

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had fallen ill and they had come to the knowledge that I was one of the six baritones in the world that had played that role in recent years, their last hope, because the others were busy or had died... It was a pity, however, because I had only sung it once in Paris six years earlier, in the Salle Pleyelle, in a concert for Radio France, reading the music score during the singing, without even having had to memorize it. Furthermore, the next afternoon I had an appointment as a guest on Rai 1 television program, hence there was no possibility of participating in the show, but they insisted and told me to think about it, that we would speak again the next morning... I omitted the most important thing, the night of the show was simply the opening night of the season, the protagonist was Edita Gruberova, one of the greatest performers in the world of that and of many other roles, and the show would be broadcast via satellite, direct worldwide, in short, there was nothing small about it... eh! eh! eh!


Fortunately, I keep all the recordings of my performances, and I had just returned from vacation and felt my voice rested. I listened to the beautiful execution of six years before. As I listened, I remembered and everything came back to me. I ended up staying awake until three in the morning, when, exhausted, I fell asleep... The next day, the miracle happened. I was at the afternoon broadcast television show, at 4 p.m. a taxi took me from Milan to Lugano airport, where a private plane was waiting for me with the assistant director and the director of the orchestra who, during the twenty minute flight, explained the direction, onstage positions, cuts and musical times. When I arrived at Zurich airport, a police car was waiting for me at the bottom of the stairs of the plane. With sirens blaring, it took me to the theater, where, with open arms, the Superintendent was waiting to welcome me... And then the miracle happened. In one night I had memorized the baritone role of the protagonist, which I had sung only sung once six years before, the opening season of the theater of Zurich was saved and the whole world was able to enjoy the stupendous spectacle via satellite... Of that night there is a testimony because TDK made the DVD available in the market ... There, I realized that “Guardian Angelsâ€? really exist‌

Armando Ariostini, Baritone http://www.armandoariostini.it Fotografias por Daniele Caputo | Photography by Daniele Caputo

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Barbara Giorgetti Mobiliário com história e [RE]STYLE GREEN No passado mês de Novembro, fui convidada para participar num evento no Funchal, “Fashion Home Madeira”. Após o convite, um projeto surgiu, o [re] aproveitamento de mobiliário com história, cujo destino seria o lixo, uma ribeira ou a sua destruição. Com o [RE]design do mesmo, e após o processo de transformação, este voltou a brilhar com a sua alma e elegância, tendo uma nova função ou nova imagem. No desenvolvimento do PROJECTO [RE]DESIGN nada se perde, tudo se transforma. [RE]Design é a reformulação do design de algo. Essa necessidade da renovação surge por diversas razões: o mau estado do objeto, o querer uma nova função do mesmo para um novo espaço, entre outras necessidades. Pode o processo ser feito pelo aparecimento de novas técnicas, novas necessidades, novos conceitos. O [RE]Design pode ser entendido como , RE-projetar, reformular, não só conceitos visuais, mas produtos, espaços, serviços. Estamos na era da CRISE – RETIRE O “S” E CRIE… os meus desafios são reformular espaços utilizando ao máximo o existente, [RE]desenhando pelo… [RE]CUPERAR / [RE]DECORAÇÃO / [RE]CICLAR / [RE] APROVEITAR / [RE]ORGANIZAR… [RE] LIBERDADE DE CONCEITOS! Barbara Giorgetti, Arquiteta http://sostylelife.blogspot.pt

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Furniture with a history and GREEN [RE]STYLE Last November, I was invited to take part in an event, the Funchal, “Fashion Home Madeira.” The proposal triggered a project, the [re]use of furniture with a history, the fate of which would be the garbage, a dump or destruction. With its [RE] design, and after undergoing the transformation process, each piece can again exhibit the glow of its soul and elegance, now playing a new role or boasting a new image. In the [RE]DESIGN undertaking, nothing is lost, everything is transformed. [RE]Design is recasting the design of something. This need for renewal may arise for several reasons: the poor state of the object or wanting a give it a new function in a new space, amongst others. The process

may be carried resorting to new techniques that become available, new needs, new concepts. [RE]Design can be understood as, the RE-projecting, reformulation, not only of visual concepts, but also of products, spaces and services. We are living through an era of CRISIS - REMOVE THE “S” AND CREATE...1 my challenges are reformulating spaces using as much as possible that which already exists, [RE] designing through... [RE]COVERING / [RE]DECORATING / [RE]CYCLING / [RE] USING / [RE]ORGANIZING... [RE]FREEDOM OF CONCEPTS! Barbara Giorgetti, Architect http://sostylelife.blogspot.pt/ _______________________________________________________________________ 1 Translator’s note: In Portuguese, ‘crisis is ‘crise’. If one removes the ‘s’, one is left with ‘crie’, which means ‘create’.

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Beatriz Moniz Artista em Gestação Artist in the Making Aluna do 3º ciclo - 8º ano de escolaridade Trabalho realizado na disciplina de Educação Visual 3rd Cycle student - 8th Project for the Visual Arts discipline



Benilde Silva


Benilde Silva, Pintora / Painter


Bernardo de Vasconcelos e Maria Ferreira Autor/Author: Bernardo de Vasconcelos Compositor/Composer: Maria José Ferreira Intérprete/Singer: Elisa Caldeira ------------------------------24º Festival da Canção Infantil da Madeira | 2005 24th Madeira Children’s Song Festival | 2005

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Bolinhas de Encantar

Enchanting Bubbles

Lá no meu jardim, Gosto de soprar Bolinhas para o ar, Bolinhas para mim.

There in my garden, I love to blow Bubbles in the air, Bubbles just for me.

Uma, duas, três, Bolinhas de sabão, Todas de uma vez, Caem para o chão.

One, two, three, Little soap bubbles, All at once, Fall to the ground.

Quatro, cinco, seis, Na brisa a voar Até rebentar Puf! Puf! Puf!

Four, five, six, Blowing in the breeze Until they burst Puf! Puf! Puf!

Puf, Puf, a soprar, Puf, puf, pelo ar, Até rebentar, Bolinhas de sabão.

Puf, Puf, blowing, Puf, puf, in the air, Until they burst, Little soap bubbles.

Bolinhas de sabão, Cores de encantar, Sempre a brilhar No meu coração.

Little soap bubbles, Colours that enchant, Always shining } bis Here in my heart. }

Bolinhas de sabão… Puf! Puf! Puf!

} bis }

Little soap bubbles … Puf! Puf! Puf!

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Carlos Rodrigues

O enquadramento fotográfico contempla a pureza e o rigor geométrico, que constitui uma forma de vivência de liberdade por opção, expressa na realização voluntária da actividade de violaria, ou de luthier. Desde logo, na aceitação da exigência da natureza implícita no crescimento rigoroso e cíclico da árvore, por exemplo, nos veios e paralelismo geométrico do spruce. Uma forma de vivência de liberdade na selecção voluntária dos versos de Sérgio Godinho: “É terça-feira/E das cinzas talvez/Amanhã que é quarta-feira/Haja fogo outra vez; O coração/Incapaz/De dizer/“tanto faz”; Parte para a guerra/ Com os olhos de paz”. E, finalmente, na precisão matemática e no conhecimento dos instrumentos de cordas e de corte. Carlos Rodrigues, Luthier http://www.museuapa.com

Photographic framing involves purity and geometric rigour, which is a form of experiencing freedom by choice, expressed in voluntarily performing the activity of guitar maker or of luthier. From the outstart, in the acceptance of nature’s requirement, implicit in the rigorous and cyclical growth of the tree, for example, in the vein and geometric parallelism of the spruce. A way of experiencing freedom in the voluntary selection of Sérgio Godinho’s1 lines: “It’s Tuesday / And from the ashes perhaps / Tomorrow, which is Wednesday /There will be fire again; The heart / Unable / To say / “whatever “; Departs to war / With the eyes of peace.” And, finally, in the mathematical precision and in the knowledge of stringed and cutting instruments. Carlos Rodrigues, Luthier http://www.museuapa.com ____________________________________________________________ 1Translator´s note: A Portuguese singer.

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Dília Jardim e Filipe Oliveira Ao sabor de um traço na tela branca e de um chá quente, tudo começa.

Dília Jardim, Designer de Interiores / Interior Designer | http://www.tracoelementar.pt

O caminho não existe. É para deixar fluir. Como um pássaro em voo livre, a pairar ao sabor do vento, para depois cair em voo picado sobre a tela. O voo tem um rumo, mas não se sabe qual. Vai sendo criado a cada momento e apenas se conhece o momento anterior e o presente, que logo dá lugar a outro momento. É um momento que alimenta o movimento e leva não se sabe onde. Há também a dança das cores. É a dança da luz numa aurora boreal e o encontro do sol com a chuva num arco-íris. As cores transformam-se e vão deixando a sua impressão na tela. As cores serão reais? Ou estarão nos olhos de quem as vê? Essa é a liberdade das cores e dos traços que dão vida às cores. Quando desaparece a última nesga de tela branca, termina a angústia da obra incompleta, mas a liberdade mantém-se. A liberdade de voltar à tela branca. A liberdade de misturar as cores. A liberdade de criar novas formas e texturas. O processo não tem fim, mas acaba com a plenitude dos sentidos de quem cria. É a partir de um traço que a criação se constrói. A partir do traço elementar… Filipe Oliveira, Engenheiro

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Savouring a stroke on the white canvas and hot tea, it all begins.

The path to follow is not there. One has to let things flow. Like a bird in free flight, hovering in the wind, and then nose-diving onto the canvas. The flight has a direction, but one does not know which. It is created at every moment and one only knows the previous and the present moment, which immediately gives way to another. It is a moment that feeds movement and leads no one knows where. There is also a dance of colours. It is the dance of light in an aurora borealis and the sun meeting the rain in a rainbow. Colours change and leave their impression on the canvas. Are colours real? Or are they merely in the eyes of the beholder? That is the freedom of colours and of the strokes that give colours life. When the last inch of white canvas disappears, the anguish of the incomplete work comes to an end, but freedom remains. The freedom of going back to a white canvas. The freedom of mixing colours. The freedom of creating new shapes and textures. The process is endless, but culminates with the replenishing of the senses of whoever is a creator. It is from a stroke that creation evolves. From the elementary stroke... Filipe Oliveira, Engineer

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Dina de Vasconcelos Cor: A essência da vida Quando penso em cor surge-me uma imensidão de imagens, projetadas pelo meu pequeno cérebro. Isto é, nunca o medi, mas calculo que o seja pela dificuldade que tive ao começar este texto. Continuando... Fecho os olhos e consigo visualizá-las, tão clarividentes como se estivessem na palma da minha mão. São elas as ondas do mar esverdeado que me emocionam, as núvens no céu azul que me desperta a imaginação, o perfume da flor amarela que me seduz, a dentada na maçã vermelha que me sacia, a camisola laranja que me aquece e a caneca violeta por onde bebo café todas as manhãs. No entanto, há uma imagem que me surge com frequência: os desenhos cor de anil dos bordados da minha avó. Talvez por não me lembrar de mais nada neste mesmo tom. Uma cor de cada faixa do arco-iris... Há quem diga que no fim de cada um deles existe um pote cheio de ouro. Aliás, costumava ler isso nas “revistinhas” da Turma da Mônica. Isso! Lembrei-me. Adorava lê-las porque eram, e devem continuar a ser, sempre muito coloridas. Faziam-me mergulhar num mundo completamente diferente, onde os sonhos tinham o sabor da pura inocência. Mas ainda falando do arco-iris, é na verdade um dos fenómenos naturais mais incríveis de se ver. E por falar nisso, recordo-me da última vez que presenciei um. Era tão intenso que parecia irreal. Começava no mar, não sei se era ilusão, e acabava no Pico da Ana Ferreira, que, para quem não conhece, fica situado na ilha dourada. Continuam sem saber onde é? Que tal uma pesquisa no Google? Google! Já repararam como a palavra está sempre colorida? Pois, de uma volta faz-se duas. Porém, a cor é muito mais do que isso. Vai para além do nosso horizonte. Posso até dizer que, na minha opinião, foi criada em outra dimensão, aquela que não é perceptível a olho nú. Só um aparte: cá para nós, será que é por isso que os ETs são verdes? Adiante. “Alguém” olhou para o Universo e disse:

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– É necessário dar uma pincelada neste buraco negro. Julgo que foi assim que tudo começou. A cor é a energia que faz o meu coração bater e o meu corpo se mover com a mesma intensidade de uma estrela cadente quando rasga o céu numa noite de verão. É a substância invisível que nos corre nas veias e que reflete o nosso estado de alma. Se há teorias de que os olhos são o espelho da alma, haviam de ver a aura. Esta sim, tratase do reflexo do poder da alma na sua essência. A aura é composta por várias camadas, reproduzindo assim uma luz intensa e colorida consoante a energia individual de cada pessoa. Cada cor tem um significado. A capacidade de dar e receber, a sensibilidade, saber perdoar e curar através da energia são, entre muitas outras, características relativas à interpretação das cores da aura. É a realidade que nos mantém vivos através do equilíbrio. E como se consegue esse equilíbrio? Ora aí está uma boa pergunta. É fácil. Com muito humor e otimismo. Não se esqueçam de experimentar. É o que nos move, por caminhos certos e incertos, à procura do paraíso. E por falar em paraíso, já alguém viu o “Avatar”? Conseguem perceber o que quero dizer? Tenho a certeza de que sim. E “Pleasantville”? É o filme que mais evidencia a importância da cor. E porquê? O mundo deles é a preto e branco. Só quando revelam o seu verdadeiro eu e se aceitam tal como são, com desejos e sonhos, é que começam a ganhar cor. Isto diz-vos alguma coisa, outra vez? Só para terminar, e “Firework” da Katy Perry? Toda a gente conhece, certo? E já se deram conta da letra da música? Ou deixam-se levar somente pela embalagem do ritmo pop? Só tenho mais uma coisa a dizer: deixem as vossas cores explodir e expandir, como o fogo-de-artifício. A escuridão é ausência de luz, mas é a luz que nos guia. Por isso, a ausência de cor mata-nos e a presença dela mantém-nos vivos. Mais uma vez, só vem confirmar as minhas deduções, interpretações e afirmações. É, é, é. Pois é! Tanto é, que é assim que defino cor. E, tanto “é” é somente para dizer que É. Dina de Vasconcelo, Atriz


Colour: The essence of life When I think of colour a multitude of images appear before me, projected by my little brain. I have never measured it, that is, but I imagine it must be because of the difficulty I had in getting this text going. Continuing ... I close my eyes and I can see them, so clairvoyant as if they were in the palm of my hand. They are the green waves of the sea that move me, the clouds in the blue sky that awakens my imagination, the scent of the yellow flower that seduces me, the bite on the red apple that satiates me, the orange pullover that warms me and the violet mug for which I drink coffee every morning. However, there is an image that frequently comes to my mind: designs in indigo on my grandmother’s embroidery. Perhaps because I do not remember any other thing in the same tone. A colour for each of the bands of the rainbow... Some say that at the end of each there is a pot of gold. Incidentally, I used to read it in the “Turma da Mônica” comics. That’s it! Now I remember. I loved reading them because they were, and must still be, always so very colourful. They made me submerge into a completely different world, where dreams had the taste of pure innocence. But still in relation to the rainbow, it is actually one of the most amazing natural phenomena to see. And by the way, I remember the last time I witnessed one. It was so intense that it seemed unreal. It began in the sea, I do not know if it was an illusion, and ended up in Ana Ferreira Mountain, which, for those who do not know, is situated on the Golden Island. You still don’t know where it is? How about a Google search? Google! Have you noticed how the word is always coloured? There you go, two errands in one. However, colour is much more than just that. It goes beyond our horizon. I can even say that, in my opinion, it was created in another dimension, one that is not noticeable to the naked eye. Just a little detour: between the two of us, is this why aliens are green? Getting on with it. “Someone” looked at the universe and said: - This black hole needs a brushstroke. I think this was how it all began. Colour is the energy that makes my heart pound and my body move with the same intensity of a shooting star when it tears the sky on a summer night. It is the invisible substance that flows in our veins and which reflects our state of mind. If there are theories which state that the

eyes are the mirror of the soul, then you should have a look at the aura. This is the one, the reflection of the power of the soul in its essence. The aura consists of several layers, thus reproducing an intense and colourful light, which varies depending on the energy of each individual person. Each colour has a meaning. The ability to give and receive, one’s sensitivity, having the capacity to forgive and heal through energy. These are, amongst many others, features on the interpretation of the colours of the aura. It is the reality which keeps us alive through balance. And how does one achieve balance? Well, there’s a good question. It’s easy. With great sense of humour and optimism. Don’t forget to try it out. It’s what gets us going, through right and wrong paths, in search of paradise. Speaking of paradise, has anyone seen “Avatar”? Do you see what I mean? I’m sure you do. And “Pleasantville”? It’s the movie that most highlights the importance of colour. And why? Their world is black and white. Only when characters reveal their true selves and accept themselves as they are, with their desires and dreams, do they begin to gain colour. Once again, does this ring a bell? And, just to finish, what about Katy Perry’s “Firework”? Everyone knows it, right? And have you already paid attention to the lyrics? Or do you only let yourself go with the pop rhythm? I have only one more thing to say: let your colours burst and expand, as fireworks do. Darkness is the absence of light, but it is light that guides us. Therefore, the absence of colour annihilates us and its presence keeps us alive. Once again, this only confirms my deductions, interpretations and statements. Yeah, it is, it is, it is. So it is! All the more so, because that’s how I define colour. And, so many “it ises” are only there to say that IT IS. Dina de Vasconcelos, Actress

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Élvio Camacho Surdo, mas ainda Ponto - Com que raio de lata sorris nesta foto? No dia 15 de Setembro de 2012 não devias ter um ar mais compenetrado? O teu laivo não devia ter sido o de pena? - Não, virei-me para olhar o belo ajuntamento, ao lado da rotunda e debaixo do Infante D. Henrique, e vendo um fotógrafo lindo (parecia-me um dos nossos descobridores) rebentei-me a sorrir, sem nada ter a ver com o meu manifesto, nem com a frase que escrevi no meu pequenino cartaz baseada numa quadra de fado: “Já morri, já me enterrei.” Voltando (ando, ando) à foto. - Então que raio de manifestante e esquerda tens tu se posas para uma foto, se postas as tuas ‘manifs’ usando o teu ‘iPhone’ e o ‘iIsto’ e o ‘iAquilo’? - Reparem (e a palavra ‘repare’ é bem usada por quem nos diz que não é tendente à introspeção), no entanto, na Actriz que tenho (existe) atrás de mim. Qualquer ‘photoshop’ não a pode tornar ‘mais maior’ e mais Linda quer na pose, na reserva e na sua presença. E é isto a Liberdade. Presentificação. Sei que se quer é que, nas manifestações, diga em nome de outrem, mas não. Lá, falo-me apenas por mim e tão só contra mim. Por isso dei o corpo ao manifesto nesse belo dia de fim de verão e de nosso forte contentamento. Duma liberdade que pensamos que foi apenas na e da velha guarda. E quem nasceu num verão quente, como eu, parece estar condenado a não poder romancear a mesma em 2012... Considerem-me, ou não, uma ‘Freak’ Bandalheira é esta a minha ideia. Tudo só, apenas, para derrubar a minha vontade de não, sequer ir, votar bem da próxima vez a que a tal tiver direito. Bendita Urna de papéis vivos! Isto não é só mandar umas bombas-larachas e depois dizer: não se assustem, que usaremos de modelação e calibração (linguagem ‘finançal’) para sermos mais cirúrgicos... Estamos a ser escarafunchados com o bisturi, mas só o laser invisível da nossa liberdade nos trará a queima e

laqueação dos nossos lamentos. “Já vou assinando quase nenhuma petição, já vou indo a quase nenhuma manifestação”, já quase ando andando sem causa alheia e sem gerúndios (que já são proibidos, por lei, em alguns países...). Vou ‘liberdando-me’. Sou da pandilha. Por isto, quis contrariar-me nesta preguiça. Sou máquina de café - que eu saiba ainda não inventaram-na silenciosa, capaz de se espremer e de pressão sem barulho. Porém, quero é manifestar-me e gemer sem bruá. Vejo-me como aquele ‘anjo falhado’, ou o velho Ponto dum teatro, de nome Abelardo, num poema de Viale, que se fazia ouvir até ao meio da sala. Surdo, mas Ponto. Imaginem que dizia, hoje, que não me agradam os escuteiros - que é coisa para-militar que me mexe a ‘nerva’.

Politicamente incorrecto, claro. No entanto, até tinha de ir aos escuteiros... E não é que fui. Estou foiçado. Pois é, há os ‘ismos’ todos que levam porrada, há os dos que berram (está na moda este verbo nojento) de esquerda, e também os dos que falam alto (coisa mais fina, parece) de direita, mas há, é mesmo, é aquele ‘ismo’ lembrado por Jorge de Sena, o Relismo, um tal relismo que nos mata, e esse é que é um ‘granda’ merdismo que nos atola. Jorge Sumares bem o sabia: “Nã há serra que meta medo à gente. Semos mai maiores qu’essei serras”. Não, eu não quero que embuchemos o rico para dar fígado podre ao pobre. Tal como o fazem as cabras, tão bem, sem estragar a garganta, animal, ponto teatreiro que sou, vou berrar lá do fundo do buraco. Élvio Camacho, campónio, na Pnix madeirense, em Novembro de 2012, elviocamacho@liberdade.foice

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Deaf, but nonetheless a Prompter - Why the hell are you smiling in this photo? On September 15, 2012 should you not have had a more serious look? Shouldn’t you have looked sorry? - No, I turned to look at the nice crowd of people, next to the roundabout and under the Henry the Navigator’s statue, and, upon seeing a handsome photographer (it seemed to me to be one of our discoverers) couldn’t help myself smiling broadly, having this nothing to do with my manifesto, nor with the sentence I wrote on my little poster based on a verse from a “fado”: “I have already died, al-

ready buried myself.” 1Getting back (ack, ack) to the photo. - So what the hell of a protester and leftist are you if you pose for a photo, post your ‘manifs’ using your ‘iPhone’ and ‘iThis’ and ‘iThat’? - Take good notice (and the word ‘notice’ is well used by those who tell us that they are not prone to introspection), however, of the actress I have (who is) behind me. No ‘Photoshop’ can make her ‘more larger’ and more Beautiful, both in pose, in circumspection and in presence. And this is Freedom. Presentification. I know what is intended is that, in the demonstrations, on speaks on behalf of others, but no. There, I speak only for myself and only against me. That is why I went to the trouble on that beautiful late summer day and of our great contentment. Of a freedom we think only existed at the time of and for the older generation. And whoever was born in a hot summer, like me, seems doomed to not be able

to romanticize it in 2012... Consider me, or not, a ‘Freak’. Knavery, this is my idea. Only to, just for it, to kill my will of not even going to vote well the next time I am entitled to it. Blessed Urn [Ballot] of living papers! This is not just about sending out a few bombastic statements and then saying don’t be scared, we will use modulation and calibration (‘Financal’ [Financial + Posh] language) to be more surgical... We are being dug up with a scalpel, but only the invisible laser of our freedom will enable provide the burning and ligation of our lamentations. “I’m now undersigning almost no petition, go to almost no manifestation”, I am now going around almost without cause and without gerunds (which are already prohibited by law in some countries...). I’m ‘libergiving myself [libertating+giving]’. I belong to the bandwagon. Therefore, I made myself fight this laziness. I am a coffee machine – as far as I know, they haven’t invented it silent yet, able to be squeezed and of pressure without noise. However, I want to express myself and moan without noise. I see myself like that ‘loser angel’, or the old Prompter of a theatre named Abelardo, in a poem by Viale, who made himself heard all the way up to the middle of the room. Deaf, but a Prompter. Imagine saying today that I do not like scouts - that it is some paramilitary thing that gets on my nerves. Politically incorrect, of course. However, I did have to go to the scouts... And I actually went. I’m scythed. Well, yes, there are all the ‘isms’ that take all the beating, there is that of those who yawp (this disgusting verb is now fashionable) from the left, and also those who talk loudly (something posher, it seems) from the right, but there is, really, there’s that ‘ism’ Jorge de Sena reminds us of, ‘Relismo’ [‘Realismo’ + ‘Reles; Realism and Nasty)], such nastyness that kills us, and that is the huge shitiness we are in. Jorge Sumares knew it well: “There are no mountains that get us scared. We are way greater than those mountains.” No, I don’t want us to stuff the rich to give to the rotten liver to the poor. As do the goats, so well, without damaging their throat, animal, theatrical prompter that I am, I will yawp there, from the bottom of the hole. Élvio Camacho, peasant, at the Madeiran Pnyx, in November 2012, elviocamacho@liberdade.foice [elviocamacho@freedom.(‘foi-se’ and ‘foice’; ‘is gone’ and ‘scythe’)] _______________________________________________________________________ 1Translator’s note: The sentence on the poster reads “Não morremos, não nos enterroikamos”, in English, “We won’t die, we won’t let ourselves be buried”. The word “enterroikamos” should read “enterraremos” but plays on the word “Troika”, which was at the base of the political measures that led to the rally. The author, throughout the text, plays a lot on puns and invents new words which, though understood by the Portuguese readers, are difficult to transfer in translation.

Fotografia por Ricardo Pereira / Photograph by Ricardo Pereira Edição por Fernando Brito / Post Production by Fernando Brito Reedição / Reediting by Heart Magazine


Emanuel de Sousa


Emanuel de Sousa, Pintor / Painter


Franco Francesca Liberdade “A harmonia do contraste” O movimento ZOOMORFIC

O meu trabalho e minha vida inspiram-se no misturar de diferentes elementos, culturas e estilos, como resultado das minhas viagens para diferentes países. Onde quer que vá, paro para esboçar a minha visão do lugar. Chamo a isto uma atitude zoomórfica, que, tecnicamente, é uma palavra usada na arquitetura: edifícios que se parecem com animais. Uso esta palavra como em italiano - ZOOMORFIC - para me inspirar nos animais, a fim de ser livre, de sermos nós mesmos, como um animal que será sempre fiel à sua natureza. Portanto, talvez Zoomorfic seja a nova marca de água do design na sua tentativa de abraçar a natureza. Com esta nova abordagem, sinto que os artistas devem ser capazes de projetar e criar mais livremente, de modo que, uma vez mais, possam explorar o mundo natural. Também esforçome por utilizar este conceito no meu trabalho artístico, especialmente na secção de moda. Em 2006, criei o primeiro vestido de noiva 100% orgânico do mundo, feito de tecido Ingeo (do milho). Era meu desejo afirmar o meu conceito de liberdade na criação de uma nova abordagem da vida. Este é um movimento ético que envolve a utilização de material reciclado ecológico e de baixo impacto ambiental. A intenção é garantir que a ecologia esteja, também ela, cada vez mais associada a um toque de luxo e glamour, mesmo que se tenha um orçamento baixo, a fim de evitar desperdícios e poluir o menos possível. Esta é, com certeza, uma das atitudes fundamentais para se viver em total liberdade e em respeito pelos outros. Franco Francesca, Eco-Designer www.francofrancesca.com

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Freedom “The harmony of contrast” The ZOOMORFIC movement

My work and my life take inspiration from mixing different elements, cultures and styles, as a result of travelling to different countries. Wherever I go, I stop to sketch my vision of the place. I call this attitude ZOOMORPHIC, which technically is a word used in architecture: buildings that look like animals. I use this word as in Italian – ZOOMORFIC – to take inspiration from animals in order to be free, to be ourselves, just like an animal that will be always true to its nature. Therefore, Zoomorfic is perhaps the new water mark of design’s attempt to embrace nature. With this new approach

I feel that artists should be able to design and create more freely, so that they once again explore the natural world. I also endeavor to use this concept in my artwork, especially in the fashion section. In 2006 I created the first 100% organic wedding dress in the world, made out of Ingeo fabric (from corn). I wanted to state my concept of freedom in creating a new approach to life. This is an ethical movement that involves the use of ecological and recycled material with low environmental impact. The intent is to ensure that ecology is increasingly associated also to a taste of luxury and glamour, even if one has a low budget, in order to avoid waste and to pollute little as possible. This is, for sure, one of the key attitudes to live in total freedom and in respect of others. Franco Francesca, Eco-Designer www.francofrancesca.com

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Gil Nuno

Notice1 It is his family’s wonderful duty to inform all friends and persons of his acquaintance of their beloved son’s, father’s, etc.’s… liberation from the matrix, resident was he on planet Earth, and that his festivity takes place every day, at any hour, depending on the will of each and every one. The ascended has, in advance, thanked all persons who are kind enough to take part in this joy. _____________________________________________________ 1Translator’s Note: Double meaning of ‘Participação’ in Portuguese. Used in this sense, it means ‘Death Notice’/’Obituary’, but it may also simply mean ‘Notice’, which is more in line with the content.


Gil Nuno, Pintor / Painter


Gonçalo Martins

O meu trabalho caracteriza-se por um traço de rebeldia. Neste momento, desenvolvo um projeto a longo prazo intitulado “Banquete dos Porcos”, onde o movimento realista está presente. Várias figuras peculiares do deboche social onde vivemos estão presentes, assumindo os porcos totalitaristas como as figuras principais. O escritor Eric Blair, de pseudónimo George Orwell, influencia o meu trabalho de maneira significativa, sentindo um “rewind” da sua obra perante a atualidade. Em relação à arte, assumo que os artistas têm a responsabilidade de gritar sobre o mundo, ter liberdade de expressão. Neste momento, é um erro assumir, em relação às minhas obras, que são somente a minha própria voz, porque isso torna uma arte simplista e ineficaz, porque na realidade atual de mercenários anti-cultura e capitalistas da ignorância, nada nos pertence, a obra de arte tem de lutar por si e definir-se a ela própria. Simplesmente trato de representar a realidade, por vezes de forma satírica ou incomodativa. Se deixar de o fazer, deixo de ser artista. Gonçalo Martins, Escultor http://www.artegoncalomartins.blogspot.pt

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My work is characterised by a dash of rebelliousness. Presently, I am involved in a long-term project titled “Feast of Pigs”, where the realistic movement is present. Several figures of the peculiar social debauchery in which we live are present, and totalitarian pigs play the leading role. The writer Eric Blair, alias George Orwell, influences my work in a meaningful way, and I feel a “rewind” of his work when I consider the present moment. In relation to art, it is my belief that artists have the responsibility of shouting out loud about the world, of having freedom of expression. Right now, it is a mistake to

presume, in relation to my works, that they represent only my own voice, for that would make art simplistic and ineffective, because in the current reality of anti-culture mercenaries and capitalists of ignorance nothing belongs to us, the artwork must fight for and define its own self. I simply deal with the representation of reality, sometimes in a satirical or discomforting way. If I fail to do this, I will cease to be an artist. Gonçalo Martins, Sculptor http://www.artegoncalomartins.blogspot.pt

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Guareta Coromoto


Guareta Coromoto, Pintora / Painter


Guilherme Henriques Excerto de “A Pequena Chama e a Rosa” “A rapariga ardente foi levada pela mão e pelas ruas de pedra até ao Cinema Boujeloud, o único dentro da Medina, perto da Porta com o mesmo nome. Um edifício pequeno sem muitos adornos, de paredes maioritariamente brancas com um laivo de vermelho no fundo e com a entrada encaixada numa esquina do edifício. O seu nome estava escrito em árabe e francês, em pequenas letras vermelhas acima da porta. Era parte do esforço “civilizante” dos colonos franceses para abrir um espírito de cooperação com os nativos. “Desde que usei o fluido negro para compreender todas as linguagens, tenho vindo aqui muitas vezes, para escapar e para sonhar. Vais perceber.” Sussurrou Zakária. E soltou um ligeiro sorriso, não muito aberto, não muito esperançoso. Compraram dois bilhetes ao empregado francês no apertado hall da entrada e sentaram-se nas filas do meio da única salinha, apeada de gente, com alguns franceses nas filas de cima e muitos nativos polvilhados aqui e ali pelas filas abaixo. Separava-se assim as classes pelo preço das cadeiras. Os mais ricos em cima, os mais pobres para baixo, como desde o início do mundo. Os colonos soltavam fumo como locomotivas e tossiam como se os pulmões tivessem problemas a arrancar. O único filme em exibição nesse momento já tinha alguns anos. “Shanghai Express.” Dobrado em francês. Convém notar que a maioria dos habitantes de Fés não sabia a língua do colonizador, portanto limitavam-se a admirar o ecrã com curiosidade não saciada, entrando num outro mundo estranho e apaixonante. Mas lá iam distinguindo uma ou outra palavra aprendida através do lidar diário com franceses no mercado. A um canto da sala, um par de mulheres de véu assistia ao filme em silêncio, acompanhadas pelos seus

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maridos, claro, porque nenhuma mulher decente andava sozinha. Só prostitutas é que faziam isso, lá diziam os seus papás e mamãs e não ousavam desobedecer por muito que o desejassem. Não havia jovens marroquinos na audiência. Preferiam os filmes de cowboys e tiros. Lá nas filas de cima, os patronos franceses riam entre si dos nativos e das suas atitudes como se a curiosidade e o desejo de viver um sonho partilhado fosse ridículo. Risadas odiosas. Sonhar? Era isso que Zakária havia dito. A última visita da pequena chama a um cinema tinha sido um pesadelo emocionante. Portanto foi com alguma apreensão que a pequena Jinn deixou-se entrar novamente numa outra história, um outro mundo de espiões, guerras em países longínquos e de sacrifícios por amor. Este último tema foi especial para o velhote e enquanto o Lírio de Shanghai se submetia ao senhor da guerra chinês Henry Chang para salvar o maior amor da sua vida, Zakária, esse velho romântico, sentiu uma pontada de esperança no coração. Foi fatal. Após o filme e debaixo de um ataque de descrições assombradas de Nuwairah sobre a história que acabara de ver, o velho decretou à rapariga para voltar amanhã e para não se preocupar com o que iria acontecer. Não ofereceu mais detalhes.” Guilherme Henriques, Escritor


Excerpt from “The Little Flame and the Rose” “The flaming girl was taken by the hand and through the cobblestone streets to the Boujeloud Cinema, the only one inside the Medina, near the Gate with the same name. A small building without much decoration, walls mostly white with a hint of red at the bottom and with the entrance fitted in one of the corners of the building. Its name was written in Arabic and French, in small red letters above the door. It was part of the “civilizing” effort of the French colonizers to open up a spirit of cooperation with the natives. “Since I used the black fluid to understand all languages, I have come here many times, to escape and to dream. You’ll understand.” whispered Zakária. And gave a slight smile, not too wide, not too hopeful. They bought two tickets from the French employee in the

tight entrance hall and sat in the middle row of the only small room, full of people, with some French in the top rows and many natives sprinkled here and there all the way down the rows. Thus, separating classes because of the price of the seats. The richest on top, the poorest all the way down, as from the beginning of the world. The colonizers puffed out smoke like locomotives and coughed as if their lungs had problems starting. The only film showing at that time was a few years old. “Shanghai Express.” Dubbed in French. It should be noted that most of the inhabitants of Fez did not know the language of the colonizer, therefore they limited themselves to admiring the screen with unsatiated curiosity, entering into another strange and exciting world. But now and then they were able to make out one word or another, learned through daily dealing with the French at the market. In a corner of the room, a pair of veiled women watched the movie in silence, in the company by their husbands, of course, because no decent woman went about alone. Only prostitutes did this, they were told by their daddies and mommies and dared not disobey however much they wished to. There were no young Moroccans amongst the public. They preferred cowboy movies and shooting. There, in the rows up above, the French patrons laughed amongst themselves about the natives and their attitudes as if curiosity and the desire to experience a shared dream were ridiculous. Odious laughter. To dream? That was what Zakária had said. The last visit of the small flame to a cinema had been an exciting nightmare. So it was with some apprehension that little Jinn allowed herself to enter another story again, another world of spies, wars in far off lands and sacrifices for love. The latter theme was special for the old man and while the Shanghai Lily was submitting herself to the Chinese warlord Chang Henry to save the greatest love of her life, Zakária, that old romantic man, felt a twinge of hope in his heart. It was fatal. After the film and under the attack of staggering descriptions by Nuwairah about the story that he had just seen, the old man ordered the girl to come back the next day and not worry about what would happen. He gave no further details. “ Guilherme Henriques, Writer

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José Maria Montero artE de pORtas abErtas É um projecto para abrir as portas da cidade do Funchal à arte e à cultura. Eles não são “entradas virtuais”, são apenas antigas e esquecidas. Estas portas são de lojas abandonadas, espaços em ruínas que agora assumem uma nova vida, com o objectivo de sensibilizar a população, enchendo as vias de eventos culturais e artísticos. Estas intervenções incluem todas as artes visuais, desde a pintura, à escultura, à fotografia, ao vídeo, à música e à escrita. É uma intervenção que não se destina a vandalizar ou ser transgressiva com a vida quotidiana na cidade. Apesar de que todo artista sempre tende a ser inovador e “rompe” com as normas pré-estabelecidas. Depois de caminhar várias vezes pela Zona Velha, na cidade do Funchal, e de tirar fotos do que estava para ver, as pessoas perguntavam-me por que eu só fotografo as coisas “antigas e deterioradas” e minha resposta foi que “fotografo o que vejo.” Assim, em Agosto de 2010 foi convidado para o evento chamado PechaKucha e apresentei o projecto “Arte das portas abertas”. A primeira porta a ser alvo de uma intervenção foi o número 207 Carreira Rua Funchal por Martinho Mendes a 20 de Agosto de 2010. Devo dizer que desde o início tive o apoio de artistas e pessoas ligadas à cultura como, Helena Berenguer, António Cruz, Martinho Mendes, Rui Soares, Luís Filipe, Paulo Sérgio Beju. Com eles tive muitas reuniões de trabalho durante o mês de Agosto de 2010. O projecto foi proposto à Câmara do Funchal, mas permaneceu “em standby” até a abertura da “Tasca literária Dona Joana Rabo de Peixe” de João Carlos Abreu, exsecretário de Turismo, que ficou interessado no evento, deu seu apoio e com a sua ajuda conseguimos por em marcha o plano de intervenções na Rua Santa Maria, actuando como elemento de ligação com o município para

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leva-lo a bom porto. A edilidade de seguida aprova e apoia “ artE de pORtas abErtas” e proporciona as tintas para os trabalhos dos artistas. Assim começou a tarefa de “trazer vida nova” às portas da parte histórica da cidade do Funchal. A primeira porta a ser pintada na rua Santa Maria foi no dia 06 de Abril de 2011, o número 77 pelo artista Mark Milewski. Foi uma proposta artística que levou mais tempo, cerca de um mês para ser concluída, uma vez que a técnica utilizada pelo artista é muito trabalhosa. Contudo, a primeira intervenção a ser concluída foi a de Gonçalo Martins, no número 81-83 da Rua de Santa Maria. Começou em 9 de Abril de 2011 e foi concluída nesse mesmo dia. O projecto começou “lentamente”, porque no início havia uma certa relutância e desconfiança das pessoas na rua. Foi difícil entrar em contacto com cada um dos proprietários e ir pedindo permissão para fazer as intervenções. Vários artistas da ilha da Madeira foram convidados para participar neste evento, mas desde o início até agora há alguma resistência em “misturar-se” com os artistas com menor “reputação”. Tenham em mente que este projecto está “aberto” a qualquer cidadão que esteja disposto a oferecer a sua criatividade à cidade do Funchal para revitalizar esta zona muito pobre da urbe. Tudo o que se pede é respeito pelo meio envolvente e para com os restantes participantes. Devo dizer que desde o início ficou claro que esse projecto teria ampla aceitação e impacto na vida da ilha, já que há muita criatividade e boa vontade nas pessoas, só faltava “atear a faísca” para fazer soltar a “Fiesta” de luz e cor na rua... Quem sabe se as portas não poderão aparecer noutras ruas do Funchal e por que não em outras localidades da ilha... Agora a minha cabeça está “noutros projectos” que pretendo lançar... José Maria Montero, Realizador Audiovisual


artE de pORtas abErtas (Open Doors Art) It is a project to open the doors of Funchal to art and culture. They are not “virtual entrances,” they are just old and forgotten. These doors belong to abandoned stores, areas in ruins which now take on a new life, with the aim of raising awareness amongst the population, of filling these streets with cultural and artistic events. These interventions include all the visual arts: painting, sculpture, photography, video, music and writing. It is an intervention that is not intended to vandalize or be transgressive with the daily life of the city. Even though every artist always tends to be innovative and “break loose from” pre-established norms. After having walked several times through the Old Town, in the city of Funchal, and taking pictures of what was to saw, people asked me why I only photographed “old and dilapidated” things and my response was that “I photograph what I see”. Thus, in August 2010, I was invited to an event entitled PechaKucha and presented the project “Open doors Art.” The first door to receive intervention was number 207 Carreira Street, Funchal, by Martinho Mendes on 20 August 2010. I must say that from the beginning I had the support of artists and people connected to culture as Helena Berenguer, António Cruz, Martinho Mendes, Rui Soares, Luís Filipe, Paulo Sérgio Beju. I had many meetings with them during the month of August 2010. The project was proposed to the Municipality of Funchal, but remained “on standby” until the opening of João Carlos Abreu’s “Tasca Literária Dona Joana Rabo de Peixe”, the former Secretary of Tourism, who became interested in the project, gave his support and with his help we were able to go ahead with the plan for the interventions in Rua

Santa Maria, as he acted as liaison with the city council to see the project through successfully. The city council then approved and supported the “artE de pORtas abErtas” project and provided paints for artists’ works. Thus began the task of “bringing new life” to the doors of the historic part of Funchal. The first door to be painted in the street Santa Maria was number 77, on April 6, 2011, by artist Mark Milewski. It was an artistic proposal that took longer to complete, about a month, since the technique used by the artist is very laborious. However, the first intervention to be completed, number 81-83 of Rua de Santa Maria, by Gonçalo Martins, began on April 9, 2011 and was completed that same day. The project took off “slowly” because at the beginning there was a reluctance and mistrust of people in the street. It was difficult to contact each owner for permission to go about carrying out the interventions. Several artists from Madeira were invited to participate in this event but, from the beginning until now, there is some resistance to “blend in” with the artists with less “reputation”. Bear in mind that this project is “open” to any citizen who is willing to offer his/her creativity to the city of Funchal in order to revitalize this very poor area of the city. All that is asked is respect for the environment and for the remaining participants. I must say that from the outset it was clear that this project would have wide acceptance and impact on the life of the island, as there is a lot of creativity and goodwill in people. Only “igniting the spark” was needed to release the “Fiesta” of light and color in the street... Who knows if the doors may not appear in other streets of Funchal and why not in other places on the island... Now my mind is focused on “other projects” I want to launch... José Maria Montero, Audio Visual Director

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JĂşlia Barros




JĂşlia Barros, Desenhadora / Sketcher


Juliana Henriques


Juliana Henriques, Pintora / Painter


LĂşcia Sousa


LĂşcia Sousa, Pintora / Painter


LuĂ­s de Vasconcelos


LuĂ­s de Vasconcelos, Designer


Luísa Antunes

Liberdade e Arte: e se a terra não fosse redonda? Um dia, as galinhas descobriram que a terra não era quadrada, mas redonda e girava. A partir daí, foi galinha-paracá, galinha-para-lá, encontrões, tropeções, nenhuma se conseguia manter em pé, até que uma, mais esperta, teve a ideia de ficarem todas juntinhas num lugar quadrado e plano. A história é do escritor italiano Luigi Malerba, que, através das galinhas descreve as reações humanas perante as mudanças, o imponderável e a diferença, o medo dos grandes espaços abertos e o desconhecimento da potencialidade criativa do sonho. A arte, aquela que é feita livre e sem fios ou cordas que a condicionam, como as exigências de mercado, é a expressão e comunicação de um mundo que não se limita a verdades feitas, por mais confortáveis e acolhedoras que possam ser, mas vê o que nos rodeia e os homens sob vários prismas, aceitando que a realidade não é uma, mas fragmentada em estratos que incluem o que é e existe, mas também o que pode ser. Como escrevia Almada Negreiros, 1+1+1+1… é igual a 1. Fazer arte é encontrar as várias

possibilidades, explorar todas as realidades, deixar-se ir pelas contingências, ter prazer no imprevisto, questionar certezas. Criar é permitir a liberdade de pensamento e de coração, de raciocínio e de emoção, de evidências e de dúvida. No entanto, a criação tem a responsabilidade de se comprometer com o humano, com o seu conhecimento e, por isso, com a sua condição. Sem uma dimensão ética crítica e questionadora, a arte pode esvaziar-se numa simples mimesis da atualidade, tanta vezes fútil, vazia e ditada por interesses comerciais. A experiência artística abre espaços geométricos dentro de nós, torna-nos mais próximos dos outros, sem medos que nos obriguem a ficar parados em lugares quadrados, prontos para uma terra que pode mudar todos os dias, porque adquirimos a liberdade de a entender múltipla, concebendo o ideal como ponto de partida para o real do mundo. Luísa Marinho Antunes, Escritora

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Freedom and Art: what if the earth was not round? One day, the chickens discovered that the earth was not square but round and that it spun. From that moment on, it was chicken-running- here, chicken-running-there, bumping, tripping, none managed to stand, until a cleverer one had the idea of keep joining all of them together, close to each other, in a place all square and flat. The story belongs to the Italian writer Luigi Malerba, who, through the chickens, describes human reactions to change, to the imponderable and the different, to the fear of wide open spaces and the lack of conscience of the creative potentiality that exists in dreaming. Art, when performed freely and without wires or cords that may condition it, such as market demands, is the expression and the communication of a world that is not limited to established truths, however comfortable and cozy they may be, but sees that which surrounds us and men from various angles, accepting that reality is not one, but fragmented into strata which include that which is and exists, but also what can be. As Almada Negreiros wrote, 1+1+1+1...

is equal to 1. Producing art is to find its various possibilities, explore all possible realities, open oneself up to contingencies, take pleasure in facing the unpredictable, in questioning certainties. To create is to allow for freedom of thought and heart, of reason and emotion, of evidence and doubt. However, art has the responsibility to compromise with the human, with its knowledge and therefore with its condition. Without a critical and questioning ethical dimension, art can be emptied into a simple mimesis of the present, oftentimes so futile, empty and dictated by commercial interests. The artistic experience opens geometrical spaces within us, brings us closer to others, without fears that compel us to stand still in square places, makes us ready for a place which may change every day, because we have acquired the freedom to perceive it multiple, conceiving the ideal as a starting point for what is real in the world. LuĂ­sa Marinho Antunes, Writer

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Magna Morna

Transcrevo um percurso de vida numa autobiografia criada em texturas codificadas. Guia-me o meu ser interior, recrio o meu próprio “Fernão Capelo Gaivota” porque, nem eu em adolescente compreendia o meu desejo de possuir uma gaivota. Cobiçava-lhes o dom de voar, o ser alado não poderia ter dono, mas eu queria que uma delas me pousasse no ombro e se tornasse o meu companheiro. Percorri o tempo da minha existência, resguardando-me em vivências interiores de um mundo só meu, que tentei materializar entre cor e luz, no silêncio da noite. E as asas sempre presentes. Descobri que a sabedoria não é conhecimento, que o ser humano é imperfeito, que o caminho se cumpre nas escolhas. Procuro autenticidade. Compreendi que a liberdade, só a vou encontrar dentro de mim, no desapego dos padrões que me acorrentam. Em equilíbrio na luz e com amor. Magna Morna, Pintora

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I transcribe a journey of life in a coded autobiography created in textures. My inner being guides me, I recreate my own “Jonathan Livingston Seagull� because, even as a teenager, I did not understand my desire to own a seagull. I coveted their gift to fly, a winged being could not be owned, but I wanted one of them to land me on the shoulder and became my companion. I gone through the time of my existence, seeking protection in inner experiences lived in a world of my own, which I tried to materialize amidst colour and light, in the silence of the night. The wings always present. I discovered that wisdom is not knowledge, that human beings are imperfect, that the path one treads is made of choices. I seek authenticity. I have understood that freedom, I will only find within myself, in the detachment from the standards that fetter me. In balance in the light and with love. Magna Morna, Painter

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Marco Câmara

Marco Câmara, Designer de Comunicação / Communicaton Designer | http://www.behance.net/mbfc


E faz-se luz, um dia, quando a esperança surge num rasgo de liberdade, abrindo caminho a todos os homens, através do vento.

And there will be light, one day, when hope arises in a gush of freedom, opening itself up to all mankind, through the wind.

Marco Câmara, Designer de Comunicação

Marco Câmara, Communication Designer


Maria João Caires

Canto

Singing

Canto para que a minha alma se possa ouvir… Canto quando as palavras não conseguem transmitir tudo aquilo que sinto… Canto para aliviar a dor no meu peito… Mas também canto, quando a alegria e a felicidade transborda do meu ser! …Afinal o que é o canto que todo o Ser Humano, pelo menos uma vez na vida, sentiu necessidade de o fazer? O Canto é a forma mais sublime que o Ser Humano tem, para expressar sentimentos ou impressões de forma individual ou coletiva, através da voz. Como tal, Sá (1998) refere que:

I sing so that my soul may hear itself... I sing when words fail to convey all that I feel... I sing to relieve the pain in my chest... But I also sing, when joy and happiness overflows from my being! After all... what is in the song that every human being, at least once in a lifetime, has felt the need to sing? Singing is the most sublime form that a human being has to express feelings or impressions individually or collectively, through his/her voice. As such, Sá (1998) states that:

“(…) a voz é para os cantores um “dom da natureza” que carece de aperfeiçoamento e treino constante a fim de nos poderem transmitir através dela todo o manancial de sensações que uma obra musical propicia”. M. Sá, Segredos da Voz, Lisboa: Sebenta, 1998

“(...) The voice for singers is a “gift of nature” that requires constant improvement and training so that they may transmit, using it, the entire wealth of sensations that a musical work may evoke.” M. Sá, Segredos da Voz, Lisboa: Sebenta, 1998

Thus, there can only be a Song if there is a voice and a listening ear that knows how to listen...

Deste modo, só é possível existir um Canto, se existir uma voz e um ouvido que saiba escutar… Maria João Caires, Maestrina Maria João Caires, Maestrina

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Nuno Lopes

Element Chair “Element Chair” é uma cadeira projetada no âmbito da Disciplina de Design de Mobiliário e Equipamento I (2º ano – 2º semestre, licenciatura de Design de Interiores e Equipamento da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco). Nesta unidade curricular, os temas relacionados com os objetos e equipamentos são entendidos como processos globais, abrangendo aspetos sociais, culturais e ambientais. Com o intuito de reforçar este último principio, o ambiente, o projeto prevê a utilização do cartão canelado rígido como material e a tecnologia dos cortantes para embalagens. Pois este foi concebido com técnicas de dobragens e encaixes nunca recorrendo a colas ou quaisquer outros fixantes, inserindo-se assim na área de EcoDesign. Para o desenvolvimento da “Element Chair”, iniciou-se uma pesquisa tendo como base a verificação de embalagens, encaixes e cadeiras de cartão. Na elaboração desta pesquisa de imagens, foi focado em simultâneo a ergonomia e a estética, tornando-se nos principais focos de preocupação, refletindo-se vivamente neles no decorrer do projeto. Por sua vez, na pesquisa de encaixes o mais importante foi a escolha dos mesmos, para que sustentassem da melhor forma a maior quantidade de peso e resistência.

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Posteriormente à fase de pesquisa e de após interiorizar o que já fora realizado neste campo, foram elaborados vários esboços, com o intuito de inovar na fisionomia da cadeira pretendida, aliando sempre os conhecimentos ergonómicos para poder responder da melhor forma ao pretendido. Na seleção dos estudos efetuados a escolha da cadeira foi simples, por ser a única que continha uma estrutura estável, podia ser feita numa única placa de cartão, por ter um número de encaixes bastante reduzido aliando em pleno a sua função com estética. Por fim obteve-se a “Element Chair”, com uma forma agradável, composta por apenas duas peças, a peça geral que visualizamos de frente e uma outra que encaixa por baixo da mesma, formando a estrutura que suporta o peso de quem nela se sentar. Esta foi concebida tendo em conta também a orientação do canelado do cartão, suportando no seu assento cerca de 95kg. Contudo é importante referir que esta é 100% reciclável. Texto de Nuno Lopes Element Chair por Nuno Lopes Fotografia de Bruno Costa Tratamento de Imagem por Otniel Luís Styling por Rosária Morais


Element Chair “Element Chair” is a chair designed within the scope of the Furniture and Equipment Design I course (2nd year 2nd semester, Bachelor of Interior Design and Equipment at the School of Applied Arts in Castelo Branco). In this course, issues related to objects and equipment are understood as global processes, including social, cultural and environmental aspects. In order to strengthen the latter aspect, the environment, the project includes the use of rigid corrugated cardboard as the chosen material and the cutting technology used in packaging. The project was designed resorting to techniques using grooves and folds, never using glue or other fixatives, thus entering the area of EcoDesign. For the development of “Element Chair”, research was carried out on the verification of packaging, fittings and cardboard chairs. In preparing this image search, the focus went simultaneously into ergonomics and aesthetics, these becoming the main foci of concern, reflected on strongly throughout the project. In turn, for fittings the most important aspects thereof were the choices made, so that they would optimally sustain the greatest amount of weight and resistance. After the research phase and after having internalized what had been accomplished in this field, several sketch-

es were prepared, with the intention of innovating on the aspect of chair, always combining ergonomic knowledge to respond more effectively to the desired outcome. From the selection of studies conducted, the choice of the chair was simple, as it was the only one that had a stable structure, could be made of a single sheet of cardboard, had a greatly reduced number of fittings and fully combined its function with aesthetics. Finally, we reached “Element Chair,” with a pleasant form, comprising only two parts, the general part which may be seen when facing the front view and another and which fits under the former, this being the structure that supports the weight of whoever sits on it. It was designed also taking into account the orientation of the corrugation of the card. The seat withstands about 95 kg. It is important to stress that it is 100% recyclable. Text by Nuno Lopes “Element Chair” by Nuno Lopes Photographs by Bruno Costa Image Processing by Otniel Luís Styling by Rosária Morais

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Recicla a tua visão, Liberta-te! Nos dias que correm em que assistimos a abusos de poder, onde são tomadas decisões importantes, que muitas das vezes não funcionam ou são injustas, impostas por pessoas com determinados estatutos / cargos que continuam no “poder” sabe-se lá como, e com isto, refiro-me ao estado politico Português onde a palavra “Liberdade” definha do seu verdadeiro significado. Faço-vos aqui uma comparação metafórica, entre a cadeira “Element Chair”, de minha autoria e a escultura “Ad Ephemeram Gloriam”, também designada por “Cadeira do Poder” de Samuel Azavey Torres de Carvalho. Obra esta situada no topo da Alameda D. Afonso Henriques, em frente ao portão do Instituto Superior Técnico de Lisboa. Este monumento representa uma cadeira de trono antimonumento, constituída por chapa de ferro, metalizada com a cor do bronze, sobre uma base de pedra, a sua fisionomia, composta por um plano vertical, com linhas geométricas bem marcadas, direcionando para o céu e por uma linha diagonal, o assento da mesma, que intersecta este plano em direção ao chão. Na sua lateral encontra-se um texto do autor onde se lê:

“A Cadeira Trono vocacionada para o poder deste monumento anti-monumento sem pátria sem idade criado para servir a todas e a ninguém é também retrato possível dos instantes que vamos tendo no arriscado percurso das nossas histórias. […] Esta peça de escultura poderá ser um símbolo que aspira à eternidade.” Posto isto, e deduzindo o seu significado após um olhar atento e verificando que o seu assento apresenta-se na diagonal, concluímos que o poder não é para todos nem para sempre, pois o Humano que se consiga sentar nela mas não descobrir o seu verdadeiro uso rapidamente é desviado. Estabeleço desta forma a relação de EcoDesign da Element Chair onde afirmo que o estado da nossa democracia precisa não de cadeiras na sua forma diagonal mas sim de ser reciclado, tal como a Element Chair o é, inserindo uma nova visão e carácter ao País. Texto de Nuno Lopes, Designer de Interiores

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“The Throne Chair intended for the power of this antimonument monument without a homeland and ageless created to serve everyone and nobody is also the possible portrait of the moments that we live through in the risky course of our histories. [...] This piece of sculpture may be a symbol that aspires to eternity. “

Recycle the way you see things, Free yourself! At the present moment in time, where we witness power abuse, where important decisions are made, which often do cannot be put into practice or are unjust, imposed by people of certain status or in certain positions, who remain in “power” no one knows how. With this, I refer to the Portuguese political state of affairs, where the word “Freedom” is drained of its true meaning.

That said, inferring its meaning after a closer look and verifying that its seat is presented diagonally, we conclude that power is not for everyone nor forever, because the Human who sits on it but fail to see its true use is quickly set aside. I thus establish the relationship between the EcoDesign of “Element Chair,” where I affirm that the state of our democracy needs not chairs in its diagonal form, but rather needs to be recycled, such as “Element Chair” is, providing the country with a new vision and character. Nuno Lopes, Interior Designer

I would like to make a metaphorical comparison between the “Element Chair” chair, which I designed and the “Ad Ephemeram Gloriam” sculpture, also known as “Power Chair”, by Samuel Azavey Torres de Carvalho. This work is erected at the top of the Alameda D. Afonso Henriques, in front of the gate of the Instituto Superior Técnico of Lisbon. This monument represents an anti-monument throne chair, made of iron plate, metallised in bronze colour, on a stone base, its form consisting of a vertical plane, with well-marked geometrical lines pointing towards the sky and a diagonal line, its seat, which intersects this plane towards the ground. On its side is a text by the author which reads:

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Patrícia e Rainha

Pedro Rainha

Danças de Salão A Alegria de Dançar! As Danças de Salão têm inegavelmente um misto de emoção, magia, sensibilidade, poesia e elegância, em seu redor. É pelo menos a nossa opinião, enquanto dançarinos e espectadores desta arte. É inegável a forma como, com diversos ritmos de dança, podemos inspirar nas pessoas diferentes reacções, e enquanto dançarinos, nós somos realizadores, produtores e actores de um “filme” que conta autênticas histórias de amor, paixão, sedução, medo e diversão, em cada passo executado ou em cada movimento de mãos ou anca demonstrado. Somos um casal, que tem a enorme alegria de já dançar há 5 anos, e em competições há 3 anos, e temos o maior prazer em poder apresentar um pouco deste nosso mundo, que também com os nossos alunos já partilhamos. A Dança de Salão teve origem nos bailes das cortes reais na Europa, tomando forma na corte do Rei Luís XIV, na França e, desde esse tempo, foi espalhada para os diversos continentes, influenciando e influenciada pelas diversas culturas aí presentes. As danças de salão são, hoje em dia, praticadas socialmente, como forma de entretenimento, integração social e competitivamente como Desporto. A dança de salão de competição é conhecida no mundo todo como “Dancesport” ou “Ballroom Dance”. Essas danças seguem passos restritos divididos em três níveis de aprendizagem (bronze, prata, e ouro) ou (iniciados, intermédios, open). Existem dez danças com estilo internacional, que são divididas em Ritmos Latinos e Clássicos. Nos Ritmos Latinos temos o irresistível Samba, que difere do samba brasileiro, o sedutor Chachacha, a sensual Rumba, o agressivo Pasodoble e o energético Jive. Nas danças Clássicas, podemos maravilharmo-nos com a elegância e suavidade a Valsa Inglesa “Slow Waltz”, a Valsa (Valsa Vienense), o Tango internacional, que difere do tango argentino, o Slowfox e o Quickstep. Os comités de dança de salão internacional estão constantemente a pressionar para incluir este desporto nos jogos olímpicos de Verão. Como desporto, implica uma enorme disciplina, rigor, perfeccionismo, concentração e

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energia. Em Competição existe a obrigação de respeitar e executar um conjunto de passos e movimentos obrigatórios, consoante o nível do casal em questão, com rigor, perfeição, dinamismo e suavidade. Qualquer coreografia apresentada, independentemente do estilo de dança, deve respeitar estes movimentos e passos obrigatórios, mas deve, sobretudo, contar e envolver o espectador numa história. Existe uma enorme liberdade para interpretar e partilhar o que o dançarino pretende mostrar, onde este pode criar o seu próprio estilo e mostrar a sua identidade. A cada compasso da música, a cada tempo de um passo, é revelado um pouco do casal, é dado a conhecer um pouco do enredo, é libertado o argumento e a história, ao ritmo das mais belas melodias. É para nós uma das maiores alegrias, poder partilhar a pista de dança com dançarinos, pessoas, amigos que, como nós, foram contagiados por esta forma de arte, de expressão e de vida… Enquanto Espectadores, Dançarinos, Competidores e Professores de Dança de Salão, esperamos ter-vos “tocado” com este artigo e, esperamos, que usando a Vossa liberdade possam experimentar um pouco deste Mundo, sendo enriquecidos e enriquecendo o mesmo… Par Patricia e Pedro Rainha, Dançarinos http://dancasalaomadeira.wix.com/ballroom

Ballroom Dance The Joy of Dancing! Ballroom dancing is, undeniably, surrounded by a mix of excitement, magic, sensitivity, poetry and elegance. This is our opinion, at least, while dancers and spectators of this art. It is undeniable how, with different dance rhythms, we can inspire different reactions in people, and, as dancers,


we are directors, producers and actors of and in a “film” that tells of authentic stories of love, passion, seduction, fear and fun in each step executed or each hand or hip movement demonstrated. We are a couple who have the great joy of dancing for 5 years now, and in competitions for 3 years, and we are delighted to be able to present a little of our world, which we already share with our students. Ballroom Dance originated in the balls of royal courts in Europe, taking shape in the court of King Louis XIV in France and, since that time, spread to several continents, influencing and being influenced by the various cultures there present. Ballroom dance is nowadays a social practice, as a form of entertainment, social integration or as a competitive sport. Competitive ballroom dancing is known worldwide as “Dancesport” or “Ballroom Dance”. These dances follow strict steps divided into three learning levels (bronze, silver, and gold) or (beginners, intermediate, open). There are ten international style dances, which are divided in Latin Rhythms and Classics. Within Latin Rhythms, we have the irresistible Samba, which differs from Brazilian samba, the seductive Chachacha, the sexy Rumba, the aggressive Pasodoble and the energetic Jive. In Classic dances, we may marvel ourselves with the elegance and smoothness of the English Waltz “Slow Waltz”, the Waltz (Viennese Waltz), the international Tango, which differs from the Argentinian tango, Slowfox and Quickstep. The committees of international ballroom dancing are constantly pushing to include the sport in the Summer

Olympics As a sport, it involves great discipline, rigor, perfectionism, concentration and energy. In Competition there is an obligation to respect and perform a set of required steps and movements, depending on the level of the couple in question, with rigor, perfection, smoothness and dynamism. Any choreography that may be presented, regardless of the dance style, must comply with these mandatory movements and steps, but should, above all, tell a story and get the spectator involved. There is tremendous freedom to interpret and share what the dancer wishes to show, where he/she can create his/ her own style and show his/her identity. With each beat of the music, at each tempo of a step, a little of the couple is revealed, a little of the narrative is made known, the plot and the story is disclosed, the pace of the most beautiful melodies. It is for us one of the greatest joys, to share the dance floor with dancers, people, friends who, like us, were enchanted by this form of art, of expression and of life... While Spectators, Dancers, Competitors and Ballroom Dance Teachers, we hope to have “touched” you with this article and wish that, making use of your freedom you may come to experience a little of this World, being enriched by it and enriching it in turn... Couple Patricia e Pedro Rainha, Dancers http://dancasalaomadeira.wix.com/ballroom

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Paula Erra

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Sobre a Sensação de Liberdade de uma Aula de Biodanza Uma deliciosa receita, cujos ingredientes alimentam a própria existência, abriram-me o apetite para uma brincadeira de roda. Juntos na dança da vida, no nosso ritmo caminhámos. E que bom Ser! Caminhámos na senda do outro, rumo à essência da liberdade, ao equilíbrio e à harmonia do ritmo comum – na melodia do par/dos pares. Qual concertina de um velho palhaço, o espaço encolhe e ‘desencolhe’ e, como no circo, domo os meus leões e tento voltear, adaptar, agir para não colidir com ninguém. Abrando e descanso no par, uma vez mais. Agora com um sabor especialmente romântico, até o momento em que encontro o meu espaço individual, no coletivo. Volto-me para dentro e o meu interior acaricia o exterior, acaricia o ar. Liberto o pescoço leve, levemente. Os meus pesos? Tombam (deixando fluir o movimento espontâneo e livre!) no colo de uma suave música e deslizam pelo regaço de uma forte energia grupal. Uma música tão suave em que genuínas lágrimas, alimentadas pela emoção de se ver e sentir simplicidade, germinam. E aí… cada um está… livre! Disponível para dar e receber. Até nós, nuvens viajam, oferecendo-nos prodigiosas flores de alegria pintadas, bouquets de gratidão enfeitados, jardins coloridos de Amor envoltos em abraços puros. Regresso. Regressámos à roda da liberdade do coração, da tranquilidade da alma e do sorriso de plenitude.

On the Feeling of Freedom of a Biodanza class A delicious recipe, the ingredients of which nourish existence itself, opened my appetite to play a game in a circle. Together in the dance of life, we walked at our pace. And how good it is to Be! We walked in the path of another, towards the essence of freedom, in the balance and harmony of a common rhythm - the melody of the pair/pairs. Alike a concertina of an old clown, space shrinks and ‘unshrinks’ and, as the circus, I tame my lions and try to turn around, adapt, act so as not collide with anyone. I slow down and rest with the pair, once again. Now with an especially romantic flavour, until the moment I encounter my personal space in the collective. I turn inwards into myself and my inner being caresses the outside, caresses the air. I free my neck slowly, lightly. My burdens? They tumble (letting the spontaneous and free movement flow!) on the bosom of a soft music and slide over the lap of a strong group energy. Music so soft that genuine tears, fuelled by the emotion of seeing and feeling simplicity, germinate. There and then... everyone is... free! Available to give and to receive. To us, clouds travel, offering us wondrous flowers painted with joy, bouquets of gratitude embellished, colourful gardens of Love wrapped in pure hugs. And I am back. We have returned to the circle of the freedom of heart, the peace of soul and the smile of plenitude. Paula Erra, Actress

Paula Erra, Atriz

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Richard Fernandez




Richard Fernandez, Pintor / Painter


Rita Fernandes Rádio

Radio

Se outrora, em Portugal, a rádio era sinónimo de um cuidado constante, com a Revolução dos Cravos a mesma transformou-se num veículo privilegiado de informação, uma companhia, um instrumento envolvente que nos transporta, que desperta a nossa atenção, a nossa imaginação, fruto do seu efeito sonoro, quer através de palavras, quer através da música. Talvez em tempos tivesse sido ditada a sua “morte”, quando ecoava, por ironia do destino e em várias estações, a letra da canção “Video Killed the Radio Star”. A televisão ganhou força e hoje, esse fenómeno global, a internet, assombra de igual forma esta arte de se fazer ouvir. Uma luta, que para os que neste meio querem vingar, é constante. Não recuam e conseguem, ainda assim, firmar-se numa sociedade que, valorizando o visual, esquece que é preciso saber ouvir. Que outro meio poderia oferecer essa sensação única? A que nos liberta dessa dependência, a de fechar os olhos e ouvir a voz que do outro lado nos abraça com confiança, que nos desperta pela manhã, que nos envolve com esta ou aquela música, que nos acompanha em qualquer viagem, que nos embala ao anoitecer. Esse meio, companhia única de muitos, que os posiciona de forma ativa, onde as notícias chegam dos quatro cantos do mundo sendo, muitas das vezes, o suficiente para que sorrisos sejam rasgados na face de todos quantos a sociedade esqueceu. Que liberdade maior, companhia perfeita, que no atual contexto socioeconómico nos oferece de forma gratuita uma linguagem oral, nos complementa pela mobilidade, pela facilidade, pela diversão, pela oferta de um bem maior? A rádio tem de permanecer, de viver e jamais sobreviver.

If, back in time, in Portugal, the radio was once synonymous to taking constant care, with the Carnation Revolution it became a privileged vehicle of information, a company, an enveloping instrument that transports us, that gets our attention, awakens our imagination, via sound waves, whether transporting voice translated in words or music. It had once been seemingly sentenced to “death” when, ironically and from several stations, echoed the lyrics of the song “Video Killed the Radio Star.” Television gained ground and, today, another global phenomenon, the internet, equally threatens this art of being heard. A strife for survival which is constant for those who want to pursue their profession in this medium. They do not back off and still manage, despite the odds, to affirm themselves in a society that, giving preference to the visual, forgets that it needs to listen. Which other medium could offer this unique feeling? That which frees us from this dependence, that of closing our eyes and listening to the voice which from ‘the other side’ embraces us with confidence, that awakens us in the morning, that gets us involved with this or that song, that accompanies us on any trip, that rocks us to sleep at nightfall. This medium, the only one keeping company to many, positioning them actively, via news which reaches them from the four corners of the world, is often, in itself, enough to bring smiles to the faces of all of those which society has forgotten. What greater freedom, perfect company, which in the current socioeconomic context presents us, free of charge, with oral language, and additional benefits such as mobility, user-friendliness, and fun - the offer of a greater good? The radio has to live on; it must never have to survive.

Rita Fernandes, Tradutora Rita Fernandes, Translator

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Roberto Macedo Alves


Shadows are darker when the light is brighter.

Roberto Macedo, Artista Sequencial / Sequencial Artist | http://roberto.setimadimensao.com


SĂ­lvia Marta


SĂ­lvia Marta, Artista PlĂĄstica / Plastic Artist | http://silviamartaribeiro.blogspot.pt


S铆lvio Cr贸


S铆lvio Cr贸, Escultor / Sculpter


Trindade Vieira


Trindade Vieira, Pintor / Painter | http://www.trindadevieira.com


Ulisse Sartini

Ulisse Sartini - Pintor / Painter Fotografia por Daniele Caputo Photography by Daniele Caputo

Um mestre que é um “poeta do retrato a cor”, eis como é definido Ulisse Sartini por um dos críticos mais importantes do século XX, Pedro Fiore. Interessaram-se pelo seu trabalho estudiosos, críticos de todo o mundo, e é o artista italiano, depois de Annigoni, presente na National Portrait Gallery, em Londres, com o retrato de Joan Sutherland, famosa soprano, tendo participado na inauguração Sua Alteza Real, a rainha Isabel da Inglaterra. “A minha técnica,” afirma Ulisse Sartini, “é a dos grandes mestres do Renascimento, uma técnica longa e complicada que alcança, no entanto, excelentes resultados, com uma série de sobreposições de veladuras até se conseguir a cor desejada. Com esta técnica a óleo, obtêm-se resultados que com a pintura direta seriam impossíveis de alcançar: conhecer a técnica permite libertar-se de quaisquer vínculos e de expressar-se livremente.” Rápido a captar uma fisionomia e uma personagem, Sartini parte à procura do que é positivo em cada um dos nós. Os homens ou mulheres dos seus retratos são colocados num relacionamento feliz com a paisagem que atua como moldura – cores frescas e céus escurecidos por nuvens caracterizam esses fundos, de modo que a luz possa deslizar suavemente nos primeiros planos do rosto e do resto do corpo; às vezes o fundo é animado por alguma personagem tirada da história, mito ou de algum símbolo

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heráldico que traz à mente a cena de um passado feito de fábulas. Por vezes, o fundo seiscentesco é substituído por formas circulares que se cruzam entre si, percorridas por brilhos e iridescências a que Sartini deu o nome de “embriocosmo”, o outro seu mundo criativo, imagens de fascínio inegável, nas quais o talento pictórico voa com a fantasia e onde, com a mesma originalidade dos retratos, a pesquisa expressiva é dirigida para o mistério do universo. E é neste universo que se insinuam as figuras angelicais que estão suspensas entre o céu e terra, aspiram à luz, à elevação, mas não conseguem esconder a forte atração pela terra. Sobre os temas religiosos, Sartini não esconde a emoção, recordando as vezes em que lhe foram encomendados diretamente pela “Fabbrica di S. Pietro” os retratos de João Paulo II, atualmente em exposição na “Sala delle Congregazioni”, no Vaticano, e de Bento XVI, agora no “Palazzo del Governo”, no Vaticano, do mesmo Papa Bento XVI para acrescentar aos retratos de todos os Papas, de São Pedro em diante até Ele, na Catedral de “São Paulo Fora dos Muros”, e ainda um outro de João Paulo II para a catedral de Cracóvia. “As minhas obras sacras estão expostas em trinta catedrais,” diz Sartini, “e a ideia de que as minhas obras, para um homem de grande fé como eu, possam levar a quem as admira a uma oração, é a maior recompensa que eu possa receber do Sobrenatural e agradeço


a Deus por tudo...! Uma das minhas maiores paixões é a ópera e, por isso, que dizer quando o museu do “Teatro alla Scala” me encomendou um retrato de Maria Callas (que foi seguido por dois outros retratos, um para “La Fenice” em Veneza e outro para o teatro “Megaron”, de Atenas) e, em seguida, os retratos de Renata Tebaldi e de Mario Del Monaco, sempre para o Museu do “Teatro alla Scala”, e de Luciano Pavarotti para o museu de Covent Garden, em Londres? Ou da encomenda de retratos de cantores a quem me liga uma amizade afetuosa, bem como a estima, como Janette Pilou, grande soprano grega, e o barítono Armando Ariostini, brilhante barítono italiano?...” Não faltaram também grandes figuras da política ou do cinema, salientando-se entre estes o primeiro ministro britânico John Major e a sua esposa, Audrey Hepburn, cujo retrato está na nova sede da “UNICEF” em Roma, Giovanni

Verga, famoso escritor, presente no museu a ele dedicado, e o grande realizador Pier Paolo Pasolini. Ulisse ama a verdade nos retratados e partilha com eles todas as suas sensações. Frequentemente, recorre à sua própria imagem para documentar as suas emoções, como no São Sebastião preso à coluna, ou como o Cristo após a sua crucificação. Todas as suas imagens possuem uma invenção particular, em todos os aspetos das suas apresentações se encontra o encanto, a graça e a elegância da beleza... Tem a sorte de ser pintor, e é nesse dom que ele joga as suas cartas, o céu e a terra são-lhe propícios, e é assim que dos corpos celestes às formas terrenas produz as suas visões e os seus fantasmas. A sorte é que é um verdadeiro pintor, e o amor, a simpatia e a beleza estão do seu lado... é exatamente com essas qualidades que joga e ganha. http://www.ulissesartini.it


A master who is a “poet of the colour portrait,” this is Ulisse Sartini is defined by one of the most important critics of the twentieth century, Peter Fiore. Scholars and critics from around the world have become interested in his work, and he is the Italian artist, after Annigoni, to be present at the National Portrait Gallery in London, with the portrait of Joan Sutherland, famous soprano, having HRH, Queen Elizabeth II participated in the inauguration. “My technique,” states Ulisse Sartini, “is that of the great masters of the Renaissance, a lengthy and complicated technique that achieves, however, excellent results, with a series of overlapping glazes to achieve the desired colour. With this oil technique, one obtains results which would be impossible to achieve with direct painting: to know the technique allows me to rid myself of any bonds and to express myself freely.” Quick to grasp a face and a character, Sartini begins by looking for what is positive in each one of us. The men and women of his portraits are placed in a happy relationship with the landscape which acts as frame - fresh colours and skies darkened by clouds characterize these backgrounds, so that the light can slide smoothly in the first planes of the face and the rest of the body; sometimes the background is animated by a character drawn from history, myth or some heraldic symbol that brings to mind the scene of a past made of fables. Sometimes the ‘sixteenhundredesque’ background is replaced by circular shapes that intersect each other, covered by a sheen and iridescence that Sartini named “embriocosmo”, his other creative world, images of undeniable fascination in which the pictorial talent flies hand in hand with fantasy and where, with the same originality of his portraits, expressive research is directed towards the mystery of the universe. And it is in this universe that angelic figures insinuate themselves, are suspended between heaven and earth, aspire to light, elevation, but cannot hide their strong attraction to the earth. In relation to the religious themes, Sartini does not hide his emotion, recalling the times in which the “Fabbrica di S. Pietro” directly ordered portraits of John Paul II, currently on display at “Sala delle Congregazioni” at the Vatican, and Benedict XVI, now at the “Palazzo del Governo”, at the Vatican, of the same Pope Benedict XVI to add to the portraits of all the popes from St. Peter onward up to Him, at the Papal Basilica of “Saint Paul Outside the Walls,” and yet another one of John Paul II for a cathedral of Krakow. “My sacred artworks are exhibited in thirty cathedrals,” Sartini states, “and the idea that my works, for a man of

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great faith like me, might lead those who behold them to say a prayer, is the greatest reward I can receive from the Supernatural and I thank God for everything...! Opera is one of my greatest passions and, therefore, what can be said when the “Teatro alla Scala” Museum commissioned a portrait of Maria Callas (which was followed by two other portraits, one for “La Fenice” in Venice and the other for the “Megaron” theater in Athens) and, after that, the portraits of Renata Tebaldi and Mario Del Monaco, still for the “Teatro alla Scala” Museum, and Luciano Pavarotti’s for the Covent Garden Museum in London? Or of the order of portraits of singers to whom I am bound by affectionate friendship and esteem, such as Janette Pilou, great Greek soprano, and baritone Armando Ariostini, a brilliant Italian baritone?... “ There are also major political figures or of the film industry. A few could be highlighted, among them British Prime Minister John Major and his wife, Audrey Hepburn, whose portrait is at the new headquarters of “UNICEF” in Rome, Giovanni Verga, a famous writer, at the museum dedicated to him, and the great filmmaker Pier Paolo Pasolini. Ulisse loves the truth in those portrayed and shares all his sensations with them. He often resorts to his own image to document their emotions, as in Saint Sebastian tied to the column, or like Christ after his crucifixion. All his images have a particular invention, in all aspects of his presentations one finds enchantment, grace and the elegance of beauty... He is fortunate to be a painter, and it is with this gift is that he plays his cards; heaven and earth are in his favour, and that is how, of celestial bodies to earthly shapes, he produces his visions and his ghosts. It is his good fortune to be a real painter, and love, kindness and beauty are on his side... it is precisely with these qualities that plays and wins. http://www.ulissesartini.it



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