FICHA TÉCNICA / TECHNICAL SPECIFICATIONS EDITORES / EDITORS Bernardo de Vasconcelos Luís de Vasconcelos Marco Câmara DESIGN / DESIGN Marco Câmara CAPA / COVER Marco Câmara CONTRACAPA / BACK COVER Luis de Vasconcelos Marco Câmara TRADUÇÃO E REVISÃO / TRANSLATION AND REVISION Bernardo de Vasconcelos COLABORADORES / COLLABORATORS Dina de Vasconcelos Nelson Ferreira AGRADECIMENTOS / ACKNOWLEDGEMENTS Mario Franco pela revisão do texto em espanhol para PT / for the revision of the Spanish text into PT HEART MAGAZINE é uma publicação trimestral da Heart Magazine / is a Heart Magazine quarterly publication Funchal - Madeira - Portugal www.issuu.com/heart.magazine Todos os artigos são da responsabilidade dos seus autores e, assim sendo, não refletem totalmente a opinião da revista. É expressamente proibida a reprodução parcial ou total de textos e imagens por qualquer meio, sem prévia autorização dos autores e do editor da revista. All articles are of the responsibility of the authors and, therefore, do not fully reflect the opinion of the magazine. It is forbidden to totally or partially reproduce text and images by any means without prior permission of the authors and the editor of the magazine. PARA COLABORAR / TO CONTRIBUTE: Consulte condições em / see how to at https://www.facebook.com/pages/Heart-Magazine/417432924997242 e/ou / and/or Envie e-mail para / send an email to he_art.magazine@hotmail.com Os textos em PT da estrita responsabilidade da Heart Magazine apresentam-se segundo o novo acordo ortográfico. A escolha ortográfica de cada participante é da sua responsabilidade pessoal. Heart Magazine © Registo Nº / Registration No. 5790/2012 junto da Inspeção-Geral das Atividades Culturais (IGAC) – Portugal / with the Inspectorate-General for Cultural Activities (IGAC) – Portugal
ÍNDICE INDEX
EDITORIAL - 04 ALBERTO CÂMARA - 8 \ANA CRISTINA DUARTE - 10 ANA PAULA ALMEIDA - 12 ANDREIA REIS - 14 BERNARDO PEREIRA (BERNARDOFFP) - 16 CARLA PEREIRA - 18 CARLOS MANUEL FREITAS DE SOUSA - CHAZ MALAKIAN - 20 CÉLIA PIRES - 22 DDIARTE - 24 DUARTE TEIXEIRA - 26 HELENA BERENGUER - 28 INDALÉCIO DÁRIO NASCIMENTO SANTOS (ISANTOS) - 32 JOÃO BARRADAS - 34 JOAQUIM DA LUZ - ANTÓNIO PLÁCIDO - 36 JORGE ALEXANDRE CARVALHO MARQUES (ALEXANDRE CARVALHO) - 38 JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES - 42 JOSE LUIS SERZO - 44 LINDSAY DULLEA (DIGITAL INK) - 50 LÚCIA FRANCISCO - 52 MARCO GONÇALVES (MAGO) - 54 MARCOS MILEWSKI - 56 MARISA NUNES - 58 MARTIM SOUSA E SANTOS - 60 MARTINHO MENDES - 62 NARCISO ORNELAS - 64 NELSON CAMACHO - 66 NELSON FERREIRA - 68 PAULO DAVID - 70 PRINA SHAH - 76 RAJI NARAYANAN - 78 RICARDO JERÓNIMO - 80 RUI SOARES - 82 SANJA DEVIC - 84 SANTIAGO TALAVERA - 86 SARA MONTEIRO - 88 SÍLVIA MÁRCIA JORGE VIEIRA - 92 SÍLVIA MENDONÇA - 94 SOFIA ALVES - 96 SOFIA RAQUEL MENDONÇA TRAQUINAS - 98 SUSANA CHASSE - 100
Editorial CUORUM LUMEN Nunca foi tão necessário criar luz como agora, neste contexto desconcertante e sombrio, onde o futuro é cada vez mais incerto e no qual a sociedade nacional, europeia e até mesmo mundial, caminha envolta numa angústia enevoada aparentemente sem rumo. Nesta conjuntura, as pessoas param apreensivas, mourejam incessantemente, o coração aperta-se-lhes, mas, à parte de uma minoria, assobiam para o lado e fingem que não veem as trevas a se adensarem. E continuam como se nada fosse. Contudo, no cerne dessa minoria não acomodada, existe uma outra minoria, em que alguns sobressaem. Não se exaltando, evolucionam não revolucionando externamente. Passam primeiro por um processo interior, onde a alma ressalta, e contra todas as probabilidades, continuam a caminhar sonhando, não desistindo, e emprestando uma luz - ainda que por ora débil - que aumenta a esperança de uma humanidade que se quer pulsante e vívida, não apática. Observa-se que num período de escassez económica, as artes são as primeiras a não serem subsidiadas, sentindose assim, que todas as formas de expressão artística não são valorizadas. Constata-se que as saídas profissionais são cada vez menos acarinhadas, comumente reconhecidas como não sendo bens maiores e de primeira necessidade capazes de produzir riqueza a todos os níveis. Acontece neste momento na Islândia, o oposto. Na verdade, entendeu-se que se pode viver, e não vegetar. Que sonhar criando, é ser-se empreendedor e pró-ativo. Isto, porque a arte, não é mais do que o mais puro reflexo da sua condição existencial e ao mesmo tempo a substância primeva, primeira e primordial da alma individual e colectiva dos povos. E os artistas sabem-no tão bem, porque veem mais longe. Continuam essa tarefa sublime de serem faróis no meio de tempestades obscuras projetando raios de luz, que inundam a sociedade de um brilhantismo estético, onde o belo, o bom e o bem impulsionam o devir cultural da mesma. No livro A Luz e a Sombra, da editora Lua de Papel lê-se
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“Quando estamos ocupados a proteger-nos dos demónios que espreitam na escuridão, deixamos de nos sentir joviais, realizados e profundamente ligados àqueles que amamos. Apostados em esconder o lado mais obscuro da nossa natureza humana, vemonos incapazes de alcançar o nosso potencial completo e de sentir a profundidade e a riqueza das nossas vidas.” (Debbie Ford et al, 2010, p. 90-91)
Por isso os artistas são guias lumínicos que nos relembram a poesia da luz, a força motriz que impulsiona a toda a criação que é mais vasta. Imaginem simplesmente um mundo sem expressão artística, onde não haja música, desenho, pintura, escultura, fotografia, cinema, teatro, poesia, literatura, arquitetura, design e demais formas de arte, e entendamos que, enquanto seres viventes, as implicações deste universo artístico são absolutamente fundamentais e impossivelmente dispensáveis à nossa sobrevivência. Continuando a citar o mesmo livro: “Cada um de nós tem a capacidade de ser uma parte importante de uma totalidade mais vasta. Temos a capacidade de tornar este mundo um lugar melhor do que aquele que encontrámos. É suposto descobrirmos a nossa natureza autêntica - o estado de espírito no qual somos a nossa própria inspiração e nos sentimos exultantes, iluminados e entusiasmados sobre a nossa identidade. É suposto vencermos a nossa adversidade e manifestarmos a versão maior da nossa alma individual e não uma versão de um “eu” nascido de uma fantasia. As fantasias grandes e exageradas que nutrimos sobre as nossas vidas derivam da dor do nosso potencial não realizado, mas os nossos verdadeiros sonhos são uma realidade pelo qual estamos dispostos a trabalhar, a lutar e a ficar acordados até tarde – é um futuro que está ao nosso alcance.” (Debbie Ford et al, 2010, p. 91)
Embora estas palavras sejam universais e transversais a todos nós, acredito que os artistas, em verdade e de uma forma mais clara e distinta, incorporam em si estes princípios e, contra todas as probabilidades, continuam a iluminar os dias da terra, possibilitando à humanidade a capacidade de se ver refletida na sua evolução e a relembrá-la e a revisitá-la através da arte, para que o esquecimento não domine a consciência coletiva mais genuína e pura da condição humana e o que nos faz seguir em frente. Os artistas são os curadores da alma, são amor e, neste número um, onde a luz se eleva sobre as trevas, alguns poucos ergueram um facho na atualidade negra e dignificaram a nossa máxima: O coração não deixará a arte morrer! Luís de Vasconcelos ___________________________________________________ Deepak Chopra, Debbie Ford e Marianne Williamson, A Luz e a Sombra. Lua de Papel, 2010.
Editorial CUORUM LUMEN Never as now has it been so necessary to create light, in this baffling and gloomy context, where the future is increasingly uncertain and in which the national, European and even world society trudge along, seemingly without course, enveloped in a misty grief. At this juncture, people stop apprehensively, toil incessantly, their heart tightens, but, apart from a minority, they look away and pretend not to see the densifying darkness. And they continue as if nothing had happened. However, at the core of this unaccommodated minority, there is yet another minority, where some stand out. Without exalting, they engage evolution without revolutionizing externally. First they go through an inner process, which emphasizes the soul and, against all odds, dreaming, they tread on, not giving up, and lending a light - albeit weak for now - which increases the hope for a humanity one wishes pulsating and lively, not apathetic. It has been observed that in a period of economic scarcity, the arts are the first to not be subsidized, and thus we get the feeling that all forms of artistic expression are not valued. It appears that job opportunities are becoming less cherished, commonly recognized as not being greater goods and of first necessity, capable of producing wealth at all levels. The opposite happens right now in Iceland. Actually, it was understood that one can live and not vegetate. That creating while dreaming is to be an entrepreneur and proactive. This, because art is no more than the purest reflection of an existential condition, at the same time the primeval, first and foremost substance of the individual and collective soul of people. And artists know it so well, because they see farther. They continue that sublime task of being beacons in the middle of obscure storms projecting beams of light that flood society with their aesthetic brilliance, where the beautiful and the good boost its cultural transformation. In The Shadow Effect one reads:
“When we are busy protecting ourselves from the demons that lurk in the darkness, we stop feeling joyful, fulfilled and deeply connected to those we love. Determined to hide the darker side of our human nature, we are unable to reach our full potential and feel the depth and richness of our lives.” (Debbie Ford et al, 2010, p. 90-91)
That is why artists are luminance guides who remind us of the poetry of light, the driving force behind all of the wider creation. Simply imagine a world without artistic expression, where there is no music, drawing, painting, sculpture, photography, cinema, theatre, poetry, literature, architecture, design and all the other art forms, and be aware that, while living beings, the implications of this artistic universe are paramount and essential for our survival. Quoting from the same book: “Each of us has the ability to be an important part of a larger whole. We have the ability to make this world a better place than we found it. It is supposed that we discover our authentic nature - the state of mind in which we are our own inspiration and feel elated, enlightened and enthusiastic about our identity. It is supposed that we overcome our adversity and manifest the larger version of our individual soul and not a version of an “I” born out of fantasy. The large and exaggerated fantasies we cherish about our lives derive from the pain of our unrealized potential, but our true dreams are a reality for which we are willing to work, to fight and stay up late for – it is a future that is within our reach.” (Debbie Ford et al, 2010, p. 91)
Although these words are universal and transversal to all of us, I believe that artists, in truth and in a clearer and more distinct way, incorporate these principles in themselves and, against all odds, continue to illuminate the days of the Earth, allowing humanity the ability to see itself reflected in its evolution and of remembering it and revisiting it through art, so that oblivion does not dominate the most genuine and pure collective consciousness of the human condition, that which enables us to move on. Artists are the healers of the soul, they are love and, in this number one issue, where light rises above darkness, a few have raised their torches in this bleak present and have dignified our maxim: Heart won’t let the art die! Luís de Vasconcelos ___________________________________________________ Deepak Chopra, Debbie Ford and Marianne Williamson, A Luz e a Sombra (The Shadow Effect). Lua de Papel, 2010.
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Alberto C창mara
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Alberto C창mara, Designer
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Ana Cristina Duarte ¿LUZ? Luz sedutora, Luz criadora da cor da vida.
Tendo em conta a temática que subjaz a este número e a área de intervenção da publicação seria, talvez, expectável que tecesse um conjunto de considerações acerca da luz na arte. Todavia, irei deambular por um conjunto de interrogações que nos levam por outros caminhos, ou quiçá não. Ora vejamos. Quem são os iluminados? A resposta óbvia seria: os grandes génios (da arte ou de outra área do conhecimento), sem dúvida! Mas será apenas na vida destes que a LUZ está presente? Não estará na de todos nós de alguma forma, em alguma área? Não crescerá dentro de nós ao sabor dos sonhos e formação? Ou será que, por depender do meio, irá esmorecendo? Ao falar em crescimento importa falar de educação formal (incontornável na nossa organização social) e informal, do papel de pais, professores e sociedade no respeito e estímulo a esse desenvolvimento. Um desenvolvimento que se desejaria que, na senda de um crescimento harmonioso, fosse consentâneo com as características e aspirações pessoais de cada um. Na sociedade atual e, mais especificamente, no sistema educativo vigente haverá espaço para que a luz dos nossos jovens cresça e se propague? Ou dar-se-á o inverso, estará o sistema educativo organizado de tal forma que nivela, formata, inibe ou mata? Na escola portuguesa vigente, a influência do positivismo arregimenta-se, a crescente obsessão com a avaliação externa parece ter retirado clarividência aos nossos decisores; parece tê-los feito olvidar o fim supremo da educação, a formação harmoniosa dos cidadãos geradora do bem social. Hoje, na educação formal, não é tida em conta a formação do indivíduo no seu todo, nem é tida em consideração a singularidade dos sujeitos que compõem o tecido social. Não é considerada a necessidade
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de formar entendidos em todas as áreas do conhecimento (elegeram-se apenas algumas). Especialistas esses que, seria desejável, fossem seres pensantes, equilibrados, integrados no mundo atual, o qual, pela crescente complexidade, nos obriga a múltiplos conhecimentos cada vez mais profundos e complexos. É neste contexto que nos temos que interrogar: Que espaço resta à LUZ? Nesta corrida ao resultado ‘fácil’ olvida-se a preparação para o domínio profundo dos campos (artes ou outro), uma vez que se fecha o trabalho que é levado a cabo com os alunos numa redutora preparação para avaliações externas em forma de testes (que não originam aprendizagens significativas), esquecendo que o que nos distingue, em qualquer área do conhecimento, é a nossa capacidade reflexiva, inventiva e criativa, é a possibilidade de irmos mais além, de criarmos conhecimento novo. Capacidade essa que se desenvolve com a experimentação, com a exploração reflexiva desse meio e não com a memorização e o treino. Poderíamos aqui dizer que nas artes tal não acontece, mas será, de facto, verdade? Que lugar ocupam as artes neste sistema? Que contêm os seus currículos? Que práticas pedagógicas são levadas a cabo? Poder-se-á afirmar que não são inibidoras da criatividade? Que deixam cada um dar cor à sua vida? Onde fica o espaço para a criatividade, uma dimensão humana essencial para o desenvolvimento harmonioso do homem e para o progresso das sociedades, aquela qualidade humana geradora de progresso e riqueza cultural? Ana Cristina Duarte, Designer
¿LIGHT? Seductive light, Light, creator of the colour of life.
Given the theme that underlies this issue and area of intervention of the publication one would, perhaps, expected me to expound on a set of considerations about light in art. However, I will run through a set of questions that will take us elsewhere, or perhaps not. Here is how it goes. Who are the enlightened? The obvious answer would be: the great geniuses (of art or of another area of knowledge), undoubtedly! But is it only in the life of these that LIGHT is present? Is it not in the life of all of us in some way, in some area? Does it not grow within us at the will of dreams and training? Or is it the case that, because it depends on the environment, it will progressively fade? When speaking of growth, one needs to consider formal education (essential in our social organization) and informal education, the role of parents, teachers and society in the respect and stimulus given to this development. A development that one would hope to be consistent, in seeking a harmonious growth, with the characteristics and aspirations of each and every one. In today’s society and, more specifically, in the current educational system, is there room for light to grow and spread in our youth? Or is it the opposite, is the educational system organized in such a way that it levels out, formats, inhibits or kills? In the current Portuguese school, the influence of positivism drums up support, the growing obsession with external evaluation seems to have withdrawn clairvoyance from our decision makers; it seems to have made them forget the supreme end of education, the harmonious training of citizens to generate societal good. Today, formal education does not take into account the training of the individual as a whole, nor does it take into consideration the uniqueness of the individuals that make up the social fabric. The need to train people skilled in all areas
of knowledge (only a few were elected) is not taken into consideration. Such experts, one would hope, would be beings with a mind of their own, balanced, part of today’s world, which, because of its increasing complexity, makes it mandatory that one has multiple, ever deeper and more complex, knowledge. It is in this context that we have to ask ourselves: What room remains for LIGHT? In this race for an ‘easy’ result, the preparation for a profound mastery in each field (the arts or any other) is forgotten. This happens because the work that is carried out with students is circumscribed to the reductive preparation for external examinations in the form of tests (which do not originate meaningful learning), while forgetting that that which distinguishes us in any area of knowledge is our ability to reflect, create and invent, the possibility of going a step further, of creating new knowledge. This capacity develops through experimentation, with the reflective exploration of this medium, rather than through memorization and drilling. We could state that with the arts this does not happen, but is this, in fact, true? What place do the arts have in this system? What do their syllabi contain? What pedagogical practices are carried out? Could it be said that they do not inhibit creativity? That they leave room for each one to give colour to his/her life? Where is there room for creativity, a human dimension that is essential for the harmonious development of mankind and the progress of societies, that human quality which leads to progress and cultural wealth? Ana Cristina Duarte, Designer
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Ana Paula Almeida A LUZ NA PINTURA E NO CINEMA A pintura e o cinema são artes onde a luz ocupa um lugar preponderante. Partilhando o mesmo material visual, a pintura alimenta uma boa parte do cinema1. Jacques Aumont apresenta-nos, na sua obra O Olho Interminável (Cinema e Pintura), as várias funções da luz na representação. Assim, a luz tem uma função simbólica quando está associada a um sentido, ao transcendente. São exemplos as Anunciações, onde é visível sempre um raio de luz, materializador da graça divina concedida a Maria. O simbolismo da luz, no cinema, é pouco percetível. Estando associada à organização do espaço, a luz desempenha uma função dramática. Este aspeto torna-se mais evidente com os pintores do claro – escuro. A Ronda da Noite (1642), de Rembrandt, encontra-se mergulhada em gradações subtis do contraste claro – escuro, a cena tem uma incrível dramaticidade, dotada de um vigor quase cénico. No cinema há uma distinção clara entre as zonas de imagem e de cena, salientando-se certos elementos, tal como na pintura, através da luz. Inicialmente, o cinema procura escapar da iluminação direta que não permite a criação de contrastes nem possibilidades de diferenciação. O recurso à função atmosférica da luz é antigo. Rembrandt recorria a uma utilização calculada da iluminação para delimitar zonas mais significantes na imagem e salientar personagens. Em muitas das suas obras, o artista utiliza forte iluminação frontal, a fim de centrar a atenção do observador no aspeto mais importante do quadro. O cinema torna esta função numa banalidade. Mas é através deste efeito que se verifica, indiscutivelmente, um dos maiores contributos da pintura ao cinema. Nos Tratados sobre a Arte de Iluminação é visível a referência aos pintores; por exemplo, a iluminação “à la Rembrandt” é uma das expressões conhecidas entre cineastas das décadas de vinte e trinta do século XX, mas também usada na atualidade. No filme The Sea That Thinks é evidente
uma forte preocupação com a luz. É manifesta, ao longo da narrativa, uma “aproximação” com a luz dos pintores. Frequentemente, as cenas fílmicas remetem-nos para quadros do século XVII holandês. Nota-se uma afinidade entre o filme e a pintura de Vermeer, que se caracteriza pelo recurso a cores transparentes, composições inteligentes, mas, sobretudo, um brilhante uso da luz. Este artista analisou o efeito da luz sobre as matérias e conseguiu uma melhor representação das mesmas, nomeadamente da sua textura. Em A Rapariga do Brinco de Pérola (1665) é clara a precisão, o detalhe fino, a sensibilidade com que o artista representou “a pérola”. Esta acuidade está patente no filme The Sea That Thinks. Esta inspiração do cinema na pintura é manifesta nas palavras de Sven Nykvist, diretor de fotografia: “alguém disse que eu pintava com a luz”2. Bem como na citação de Jack Cardiff, também diretor de fotografia, “é muito interessante conhecer a luz de cada pintor. Aprendi muito com eles”3. As três funções da luz podem coexistir no mesmo quadro. A pintura trabalha sobre a relação luz - objeto. Para se perceber o movimento é necessária a utilização da luz e da cor. Contudo, há dificuldade em representar a luz, porque é algo invisível. A reprodução da luz é um dos aspetos mais virtuosos da pintura. O cinema procurou, desde cedo, controlar as três funções da luz. A luz é usada para produzir uma atmosfera de angústia, medo, sugerir isolamento, dividir o espaço, … A luz no cinema é sempre falsa, mesmo quando se filmam cenas de exterior, em pleno dia, há recurso a holofotes. Ana Paula Almeida, Professora de História Imagem: © Heart Magazine
__________________________________________________ 1BORAU,
José Luís, La Pintura en el Cine: El Cine en la Pintura, Madrid, Ocho y medio, Maio de 2003, p. 61 2Sven
Nykvist, director de fotografia sueco, citado por BORAU, José Luís, Ibidem,
p. 53 3Jack
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Cardiff, citado por BORAU, José Luís, Ibidem, p. 53
LIGHT IN PAINTING AND IN FILM Painting and film are arts where light looms large. Sharing the same visual material, painting largely supplies film1. Jacques Aumont, in his work The Endless Eye (Cinema and Painting), provides us with the various functions of light in representation. Thus, light has a symbolic function when it is associated with a sense, with the transcendent. Examples are Annunciations, where a light beam is always visible, materializing divine grace given to Mary. The symbolism of light, in film, is not that much perceptive. While associated with the organization of space, light plays a dramatic role. This aspect becomes more evident with the painters of light - dark. Rembrandt’s The Night Watch (1642) is steeped in subtle contrast gradations of light - dark, the scene has an incredible dramatic effect, endowed with an almost scenic force. In film there is a clear distinction between the areas of image and scene, with the emphasising of certain elements, such as in painting, with light. Initially, film seeks to escape from overhead lighting which does not allow for the creation of contrasts nor for differentiation possibilities. The use of atmospheric light function is old. Rembrandt resorted to a calculated use of lighting to delineate the most significant areas in the image and underline characters. In many of his works, the artist uses strong frontal lighting in order to focus the viewer’s attention on the most important aspect of the painting. Film makes this feature a banality. But it is precisely this effect which is unarguably one of the greatest contributions of painting to film. In the Treaties on the Art of Illumination, the reference to painters is clear; for example, lighting “à la Rembrandt” is one of the expressions known amongst filmmakers of the decades of twenty and thirty of the twentieth century, but also used nowadays. In the film The Sea That Thinks, a strong concern with light is obvious. Throughout the narrative, a “rapprochement” with the light of painters is clear. Often, scenes in the film remind
us of seventeenth century Dutch paintings. There seems to be an affinity between the film and Vermeer’s paintings, which are characterized by the use of transparent colours, intelligent compositions but, above all, a brilliant use of light. This artist analysed the effect of light on his subjects and managed to represent them better, especially in what concerns their texture. In Girl with a Pearl Earring (1665) the precision, fine detail, sensitivity with which the artist represented “the pearl” is clear. This accuracy is evident in the film The Sea That Thinks. This inspiration in pain ting by film is evident in the words of Sven Nykvist, director of photography: “someone said I was painting with light”2. As it is in this quote by Jack Cardiff, also a photographer director, “is very interesting to know the light of each painter. I learned a lot from them”3. The three functions of light can coexist in the same painting. Painting works on the relationship light - object. In order to understand movement, the use of light and colour is required. However, there is difficulty in representing light, because it is invisible. The reproduction of light is one of the more virtuous aspects of painting. Film has sought, from its early stages, to control the three functions of light. Light is used to produce an atmosphere of anxiety, of fear, to suggest isolation, to divide up the space... Light in film is always false, even when filming outdoor scenes, in broad daylight, one needs to use spotlights. Ana Paula Almeida, History Teacher Image: © Heart Magazine
__________________________________________________ 1BORAU,
José Luís, La Pintura en el Cine: El Cine en la Pintura, Madrid, Ocho y medio, May 2003, p. 61. 2Sven
Nykvist, Sweedish photography director, quoted by BORAU, José Luís, Ibidem, p. 53 3Jack
Cardiff, quoted by BORAU, José Luís, Ibidem, p. 53
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Andreia Reis
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Andreia Reis, Designer
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Bernardo Pereira (Bernardoffp)
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Bernardo Pereira (Bernardoffp), Pintor / Painter
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Carla Pereira
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Carla Pereira, Pintora / Painter
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Carlos Sousa
(Chaz Malakian)
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Carlos Sousa (Chaz Malakian), Desenhador / Draughtsman | http://carlos-sousa-13.deviantart.com
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Célia Pires
ILUMINAR E QUEIMAR “Wahrheit ist feuer und Wahrheit reden ist nur leuchten und brennen” (“Verdade é fogo e dizer a verdade é só iluminar e queimar/brilhar e arder” – duplo sentido) Leopold Schefer, “Göttliche Kommödie in Rom”, pag. 27, http://www.leopold-schefer.net Para que serve um quadro? Serve para nos mostrar o mundo a uma outra luz. O que já conhecemos aparecenos com um aspecto novo quando essa nova luz brilha sobre ele e nós vemos a luz e, por um instante, atingimos a iluminação. Mas a luz que nos permite ver pode também impedir-nos de o fazer. Podemos não estar a ver por estar a ver demais. A luz é então como uma barreira entre nós e o mundo, em vez de um caminho para o alcançar. Por isso a reacção de muita gente a essa luz ofuscante é fechar os olhos. É natural, é humano, mas depois abram os olhos de novo e tentem de novo – de novo, mas pela primeira vez. Não tentem traduzir a luz em palavras, conceitos, filosofia, símbolos. Por muito que tudo isso esteja presente não é a luz que precisamos ver. Quando olhamos para um quadro e dizemos: “isto simboliza…” estamos a fechar os olhos ao que temos à nossa frente, a pedir-lhe que não nos mostre o que nunca vimos, que seja um caminho que leva a ter-
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ritórios conhecidos, que seja apenas mais uma maneira de dizer qualquer coisa que já foi dita. Recusamos a luz porque ilumina demais, porque ilumina o que queríamos deixar no escuro, porque queremos que nos ensine só aquilo que já sabemos. Temos que abrir os olhos e ver a luz, aceitá-la como um neófito aceita a revelação, para sermos finalmente iluminados. Mas a luz é combustão, a luz alimenta-se nas trevas, alimenta-se da matéria e transmuta-a em luz, destrói-a e recria-a sob outra forma. Não se pode iluminar sem queimar. Os quadros que nos mostram o mundo a outra luz queimam parte dos quadros que os antecederam, usamnos como combustível, e queimam também uma parte do que iluminam. Cada nova visão do mundo destrói algo da anterior e a evolução dá-se quando se destrói o que é falso e se desvenda um pouco mais da verdade. E para que serve a verdade? Serve para iluminar, mesmo queimando. Serve para mostrar o mundo a uma nova luz, para o trazer para a luz. Para o iluminar num quadro que não se traduz em palavras e trazer-nos, por um instante, a iluminação. Célia Pires, Pintora e Escritora Imagem: Célia Pires
ILLUMINATING AND BURNING “Wahrheit ist feuer und Wahrheit reden ist nur leuchten und brennen” (“Truth is fire and speaking the truth is just illuminating and burning/shining and burning” – double meaning) Leopold Schefer, “Göttliche Kommödie in Rom”, pag. 27, http://www.leopold-schefer.net What is a painting for? It’s for showing us the world in a different light. What we know appears under a new guise when this light shines on it and we see the light and, for a brief moment, we achieve illumination. But the light that allows us to see can also prevent us from doing it. We can stop seeing when we see too much. Light becomes a barrier between the world and us, instead of a way to reach it. That is why so many people shut their eyes to the dazzling light. It is natural, it is human, but after that, open your eyes again and try to see again – again, but for the first time. Don’t try to translate light into words, concepts, philosophy, symbols. Even though all of that might be present, it is not the light that we need to see. When we look at a painting and say: “this means...” we are closing our eyes to what we have before us, asking it not to show us what we have never seen, to be a road leading to known territories, to be just another way of saying something that has already been said. We refuse the light because it is too
bright, because it shines on what we would leave in the dark, because we only want it to teach us what we already know. We have to open our eyes and see the light, accept it like a neophyte accepts revelation, so we can receive illumination. But light is combustion, light feeds in darkness, feeds on matter and transmutes it into light, destroys it and recreates it under a new form. It is impossible to illuminate without burning. The paintings that show us the world in a new light burn part of the paintings that came before them, use them as fuel, and burn a part of what they illuminate as well. Every new world vision destroys something of the previous one and evolution happens when what is false is destroyed and we unveil a little more of the truth. And what is truth for? To illuminate, even when it burns. To show the world under a new light, to bring it to light. To illuminate it on a picture impossible to translate into words and to bring us, for a brief moment, illumination. Célia Pires, Painter and Writer Imagem: Célia Pires
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DDiArte
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DDiArte, Fot贸grafo / Photographer | http://www.facebook.com/ddiarte
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Duarte Teixeira
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Duarte Teixeira, Fot贸grafo / Photographer
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Helena Berenguer ENTRE A LUZ E OS ILUMINADOS Uma terra de todos e de ninguém Comecei nesta aventura da criação artística quase acidentalmente, enquadrada numa terra e num tempo em que havia muita gente à procura de espaços para explorar meios de expressão plástica, numa espécie de necessidade terapêutica de exorcizar os problemas individuais. Gente ofuscada pela cor das tintas e pela facilidade de criar algo que combinasse com a cor dos cortinados, mas desenquadradas do contexto histórico e da identidade de um povo ou situação social em que a arte deve surgir entre a espécie humana. A arte como forma de contestação, crítica social ou identidade de um coletivo não tinha aqui lugar, a não ser por umas mãos tímidas e abafadas de uns poucos. Os meios pequenos têm essa particularidade: são demasiados olhos a observar mas poucos os que realmente veem, poucos os que se atrevem a dizer o que pensam pelo receio da crítica do vizinho. O caso da Madeira é digno de uma tese de doutoramento, no que concerne a público, crítica de arte e valorização do que acontece na fértil oferta cultural. Já vi exposições de desconhecidos, num vão de escada, terem destaques superiores a exposições bem estruturadas em espaços próprios. Talvez a culpa seja da falta de uma crítica de arte séria e fundamentada. Os poucos que escreveram sobre o assunto não foram devidamente reconhecidos e recompensados nessa tarefa. Não basta escrever um discurso hermético cheio de palavras difíceis. Criticar com fundamento implica formação específica e muito trabalho de acompanhamento do que se produz e expõe e é sempre uma mais-valia em termos de evolução e produção criativa numa sociedade. No entanto, essa lacuna mantém-se na região. Uma terra que dá oportunidade de criação a todos, de forma democrática, mas em que as melhores oportunidades e iniciativas não são atribuídas a quem as merece pelo real valor do que produzem. Os que se atrevem a fazer alguma coisa são movidos por uma crença de possibilidade que logo esbarra com os interesses e lobbies
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de um pequeno grupo de “iluminados” que usurparam o domínio de alguns espaços e que acreditam serem donos até das ideias que não tiveram e daquilo que não fizeram. Mas que dizer da criação plástica num meio como a ilha? Há vantagens e desvantagens inerentes a essa condição de ilhéu. Há uma qualidade de vida intrínseca à proximidade com que tudo acontece, mas há também o isolamento geográfico forçado pelos contornos da terra. O mar condiciona o modo de ser de um ilhéu mas condiciona ainda mais a criação plástica nela incluída. Aqui não se grita porque o grito fica mudo no gesto do olhar sobre o ombro. Poucos são os que dizem o que pensam e dizemno através de metáforas que camuflam o desconforto de ser do contra e ter voz e pensamento próprios. Falta-nos muita capacidade de ver o mundo para além dos limites geográficos da ilha. Conheço no entanto um pequeno número de criadores regionais que conseguiu ser maior do que a ilha e não viver no medo da dimensão redutora da mesma. Queremos usufruir das luzes mas temos medo
de atravessar os túneis à procura dela. Queixamo-nos do isolamento e somos nós quem procura individualmente esse isolamento e escondemo-nos em desculpas e condicionamentos, culpando deus e o mundo de uma falha que está dentro de nós, ilhas pequenas e por vezes desabitadas de vontade própria e capacidade de sonhar. Helena Berenguer, Pintora Imagem: Helena Berenguer
BETWEEN LIGHT AND THE ENLIGHTENED Everyman’s land and no man’s land I began this artistic creation adventure almost accidentally, from a land and a time when many people were looking for spaces to explore means of artistic expression, in a kind of therapeutic need to exorcise individual problems. People blinded by the colour of paints and the ease with which to create something that matched the colour of the curtains, but out of historical context and identity of a people or social situation in which art should arise amongst the human species. Art, as a form of contestation, social criticism or collective identity, had no place here, except by
the timid and muted hands of a few. The small places have this peculiarity: there are too many eyes watching but few are those who actually see, few who dare to speak their minds for fear of criticism from their neighbour. The case of Madeira is worthy of a doctoral thesis in what concerns public, art criticism and appreciation of what happens in its fertile cultural offer. I have seen exhibitions of unknown people, in a stairwell, receive greater attention than more well-structured exhibitions in proper spaces. Perhaps the lack of a serious and grounded art criticism is to blame. The few who have written on the subject were not properly recognized and rewarded in this task. It is not enough to just write a hermetic essay which is full of dif-
ficult words. To criticise soundly implies very specific training and a lot of monitoring work of what is produced and exhibited and is always an asset in terms of development and creative production in a society. However, this breach still remains in the region. A land which gives everyone the opportunity to create, in a democratic way, but where the best opportunities and initiatives are not attributed to those who deserve them owing to the real value of what they produce. Those who dare to do something are driven by a belief in possibility which soon collides with the interests and lobbies of a small group of “enlightened” people who have usurped the dominance of a few spaces and who even believe they own the ideas they have not had and that which they have not done. But what can one say about artistic creation in a place like the island? There are advantages and disadvantages inherent in this islander condition. There is an intrinsic quality of life associated to its proximity in relation to everything that happens, but there is also the geographic isolation enforced by the contours of the land. The sea conditions the way of being of an islander but conditions artistic creation contained therein even further. Here one does not cry out because crying out is muted in the gesture of looking over one’s shoulder. Few are those who say what they think and say it through metaphors that camouflage the discomfort of being against and that they have a mind and voice of their own. We lack much ability to see the world beyond the boundaries of the island. However, I know a small number of regional artistic creators who have managed to be larger than the island and not live in fear of its reductive dimension. We want to enjoy the lights but we are afraid to cross the tunnels in search of it. We complain of isolation but it is us who individually seek such isolation and hide behind conditionings and excuses, blaming god and the world for a fault that is within us, small islands, sometimes uninhabited of self-will and capacity to dream. Helena Berenguer, Painter Image: Helena Berenguer
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Helena Berenguer, Pintora / Painter
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I. Santos (Fotoretratar)
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I. Santos (Fotoretratar), Fot贸grafo / Photographer | http://www.fotoretratar.blogspot.pt
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Jo達o Barradas
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Jo達o Barradas, Artista Sequencial / Sequencial Artist
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Joaquim da Luz
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JOAQUIM DA LUZ DE SEU NOME As mãos. O gesto preciso. na mão - a outra - a lente. O olhar atento fixa a expressão do olhar - o outro. cada traço é uma janela (mais uma) rua, praça... percebe-se onde vamos desaguar como um rio. Os traços criam linhas, desenham contornos, identificam-se, humanizam, convidam-nos. Aceitamos. Ficamos. Olhamos. Fascina-nos a forma, a harmonia… De novo as mãos. Fixamos o gesto. E ficamos mesmo quando partimos. Ficaremos sempre apesar do tempo. Ficaremos sempre apesar da tua ausência... António Plácido, Produtor de TV Imagem / Auto-Retrato: Joaquim da Luz, Desenhador
JOAQUIM DA LUZ (JOACHIM OF LIGHT) WAS HIS NAME The hands. The precise gesture. in his hand - the other the lens. The attentive look fixed on the gaze - the other. each stroke is a window (yet another) street, square... we realize where we are flowing to like a river. The strokes create lines, draw contours, identify themselves, humanize, invite us. We accept. We stay. We look on. The form, the harmony, fascinates us... The hands again. We capture the gesture. And we stay even when we leave. We will always stay despite time. We will always stay despite your absence... António Plácido, TV Producer Image / Self-Portrait: Joaquim da Luz, Draughtsman
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Jorge Marques (Alexandre Carvalho)
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Jorge Marques (Alexandre Carvalho), Pintor / Painter | http://alexanderoak.blogspot.pt
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Jorge Marques (Alexandre Carvalho), Pintor / Painter | http://alexanderoak.blogspot.pt
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José António Gonçalves A VOZ ERA O MILAGRE DA LUZ a voz era o milagre da luz soando na noite a iluminar a palavra e a dar sentido ao paraíso que eco sairia do reflexo desse apelo ao despertar do corpo com o cheiro dos líquidos das flores dos nevoeiros sobevoando o luar com os contornos das casas e das colinas do riso das mulheres nas encostas lembrando o tempo a juventude a graça de um sussurro um grito abafado suspirando pela magia de uma carícia pelo ritual vagaroso do sexo nos recantos de um olhar vasculhando sensações ocultas na memória? carta de recordações ou cartilha de sobrevivência carris de comboios a convocar o movimento o balbuciar dos gestos o sinal que diz tudo e o silêncio a implantar-se nas cercanias das eras como se temesse tomar conta do mundo e ficasse por ali entre o imaginar dos percursos ao longo das jornadas que nunca terão lugar no agitar dos lençóis ou nos rostos que suam e choram marcados pelas ausências contínuas e pelas intermináveis esperas pelo que jamais acordará o que dorme no mais profundo dos seres insaciados
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depois sempre chegam os novos dias as cavalgadas pelo respirar dos sonhos na proximidade do real com o sabor amargo dos frutos que ornamentam de desencanto os castelos de fumo e de solidão onde nada parece ser possível e as ruínas assomam a superfície das margens antes preservadas para construírem as rimas dos hinos ao desejo as barcas que atravessam qualquer mar e vencem todas as distâncias sob a bandeira da esperança perante o duro sofrimento dos quotidianos vazios a voz aqui sublinho era o milagre da luz apontando o rumo para a fuga da escuridão na frieza absurda da paixão inalcançável oculta nos obstáculos inventados pela cegueira esquecido que está o sabor de um beijo o calor de um abraço o eriçar da pele o toque ao de leve e demorado de uma mão que por vezes permanece vivo e abrasador por uma vida inteira sei: para isso bastaria que a sua energia fosse bebida no amor José António Gonçalves, Poeta (in “Ausência”, Vila Nova de Gaia, editora Exodus, 2008)
VOICE WAS THE MIRACLE OF LIGHT voice was the miracle of light sounding in the night while illuminating the word and giving meaning to paradise what eco would emerge from the reflection of that call to the waking of the body with the scent of the liquids of flowers of mists overflying the moonlight with the outline of houses and hills of the laughter of women on the slopes reminiscing time youth the grace of a murmur a muffled call sighing for the magic of a caress for the slow ritual of sex in the nooks and crannies of a look searching for hidden sensations in memory? letter of memories or survival guidebook train tracks summoning movement the mumble of gesture the sign that says all and silence settling in the environs of the ages as if in fear of taking over the world and remained there between the imagining of pathways throughout journeys that will never take place in the rippling of sheets or in the faces that perspire and cry marked by continuous absences and by endless waiting whereby it will never awaken that which sleeps in the deepest recesses of unsatiated beings
then the new days the cavalcades always arrive through the breathing of dream in the proximity of the real with the sour taste of the fruits that adorn the disenchantment of castles of smoke and solitude where nothing seems possible and ruins loom the surface of the afore preserved margins to build the hymn rhymes to desire the vessels that cross every sea and overcome all distances under the banner of hope in face of the severe suffering of empty days voice I here stress was the miracle of light pointing the way to escape darkness in the absurd coldness of unattainable passion hidden in the obstacles invented by blindness forgotten the taste of a kiss the warmth of a hug the bristling of the skin the touch light and prolonged of a hand which sometimes remains alive and scorching throughout an entire life I know: for this it would suffice that its energy were drunk in love José António Gonçalves, Poet (in “Ausência”, Vila Nova de Gaia, editora Exodus, 2008)
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José Luis Serzo BLINKY, MAYA E OS LUCIÉRNAGOS Acerca dos ensaios para umas boas-vindas 1ª parte
Blinky Rotred, o homem cometa e a sua amada Beatrice acabam de inaugurar uma nova etapa com o nascimento de sua filha Maya. Como esperado, no nosso cativante e idealista Blinky mostrou ser um revolucionário, acreditando firmemente que a chegada da sua primogénita carrega consigo uma espécie de avanço messiânico que abre caminho a uma nova geração com o potencial de trazer, um uma vez por todas, um novo paradigma mais harmonioso. Os Luciérnagos, elenco de atores e artistas entre os quais se encontra a sua irmã Anna Rotred, preparam uma receção que corresponda às expectativas do homem cometa.
Personagens: MATTIAS, diretor dos Luciérnagos ANNA ROTRED, a clown, irmã de Blinky Rotred HADASA VOX, soprano. JUAN DE MATA, o eterno ator secundário ROBERTOPOR, o guionista BLINKY ROTRED, o homem cometa BEATRICE PIEPER, alquimista, esposa de Blinky Rotred MAYA, filha de Blinky e Beatrice.
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ATO I Primeira cena Estamos perante de um lugar indefinido. Uma cortina vermelha ocupa grande parte do cenário deixando ver, de um dos lados, um por do sol ao fundo. No chão pode ver-se todo o tipo de quinquilharias. Mattias encontra-se numa poltrona branca a rever um guião. Atrás dele, Hadasa Vox e Juan Mata espiam-no escondidos na cortina. Mattías.- É certamente uma boa ideia para dar as boas-vindas à filha do homem cometa, mas Robertopor deixou-me o guião inacabado outra vez com a sua pressa. Tenho sempre de ser eu a andar em cima para que ele acabe as coisas e agora vamos ter que improvisar de novo! (Anna Rotred aparece no palco eufórica, com alguns papéis na mão, Hadasa e Juande Mata tentam esconder-se para evitar serem vistos com a sua chegada inesperada) Anna Rotred.- Eu sabia, na verdade, sempre o pensou e nunca mo disse! Robertopor considera-me uma ativista! Que grande papel me deu! Certo? Mattias.- Não te iludas, sabes que o teu irmão vê a sua menina como um peixe piloto para essa “nova geração solar”, e o teu papel pode levar a um mal-entendido na mensagem. Não está finalizado! Falta o mais importante, o paradoxo, a encerramento, o chim-pum...! Anna Rotred.- Não te preocupes, Robertopor certamente virá a tempo de resolvêlo, e se não, saberemos encontrar um bom final... o caminho já está traçado, apenas temos de segui-lo! Mattias.- Segui-lo...? Até onde? Se não se vê o fim por causa da neblina!? E se por detrás dela não há nada...? Ou, pior ainda, se encontrarmos um precipício ou… uma parede!? Que caminho é esse que não sabemos onde nos leva por bonito que seja?! Anna Rotred.- Tu és sempre tão pessimista, tão dramático! Mattias. - …desculpa, sou dramaturgo. Anna Rotred.- …Como queiras, mas o caminho vai levar-nos para um local espetacular, é o que diz na entrada. Por acaso não confias na tua intuição? (…)
José Luis Serzo, Artista Multidisciplinar Imagem: José Luis Serzo http://www.joseluisserzo.com
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BLINKY, MAYA AND THE LUCIÉRNAGOS About the rehearsals for the welcome reception – Part 1
Blinky Rotred, the comet man and his beloved Beatrice have just inaugurated a new stage with the birth of their daughter Maya. As expected, our captivating and idealistic Blinky proved to be a revolutionary, firmly believing that the arrival of their firstborn carries with it a kind of messianic breakthrough that paves the way for a new generation with the potential to bring about, once and for all, a new, more harmonious, paradigm. The Luciérnagos, cast of actors and artists amongst whom is his sister Anna Rotred, prepare a reception that will be up to the expectations of the comet man.
Characters: MATTIAS, director of The Luciérnagos ANNA ROTRED, the clown, Blinky Rotred’s sister HADASA VOX, soprano. JUAN DE MATA, the eternal supporting actor ROBERTOPOR, the scriptwriter BLINKY ROTRED, the comet man BEATRICE PIEPER, alquimist, Blinky Rotred’s wife MAYA, Blinky and Beatrice’s daughter.
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ACT 1 Scene 1 We are in an undefined place. A red curtain occupies a large part of the set revealing, on one of the sides, a sunset in the background. On the floor, all sorts of junk can be seen. Mattias is in a white armchair reviewing a script. Behind him, Hadasa Vox and Juan Mata spy on him, hidden in the curtain. Mattías.- It’s certainly a good idea to give the comet man’s daughter a warm welcome, but Robertopor, with his haste, left me an unfinished script again. It is always I who has to breathe down his neck so that he finishes things and now we have to improvise again! (Anna Rotred appears on stage, euphoric, with some papers in her hand, Hadasa and Juande Mata try to hide themselves to avoid being seen with her unexpected arrival) Anna Rotred.- I knew it, actually, he always thought about it and never told me! Robertopor considers me an activist! What a great role he gave me! Right? Mattias.- Don’t fool yourself, you know that your brother sees his little girl as being a pilot fish for that “new solar generation”, and your part may lead to a misunderstanding in the message. It’s not finished! The most important things are missing, the paradox, the closure, the chim-pum...! Anna Rotred.- Don’t worry, Robertopor will surely come in time to solve it and, if not, we’ll find a good ending ... the way is already mapped out, we just have to follow it! Mattias.- Follow it...? How far? If you can’t see the end because of the fog!? And what if there is nothing behind it...? Or worse, if we find a cliff or a wall...!? What path is that we don’t know where it leads, though beautiful it may be?! Anna Rotred.- You are always so pessimistic, so dramatic! Mattias. - …sorry, I’m a playwright. Anna Rotred.- ...Have it your way, but the path will lead us to a spectacular place, that’s what it says at the entrance. Don’t you trust your intuition? (…) José Luis Serzo, Multidisciplinary Artist Images: José Luis Serzo http://www.joseluisserzo.com
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JosĂŠ Luis Serzo, Artista Multidisciplinar / Multidisciplinary Artist | http://www.joseluisserzo.com
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Lindsay Dullea (Digital Ink)
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Lindsay Dullea, Artista Grรกfico e Digital / Graphic and Digital Artist | http://www.lindsaydullea.com
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LĂşcia Francisco
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LĂşcia Francisco, Pintora / Painter
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Marco Gonçalves (Mago)
PASSAGEM DO LIVRO DE ZACARIAS (Capítulo I) 1. No oitavo mês do segundo ano do reinado de Dario, a palavra do Senhor foi dirigida ao profeta Zacarias, filho de Baraquias, filho de Ado, nestes termos: 2. O Senhor estava profundamente irritado contra os vossos pais. 3. Dize a {este povo}: eis o que diz o Senhor dos exércitos: voltai a mim - oráculo do Senhor dos exércitos - e eu voltarei a vós - oráculo do Senhor dos exércitos. 4. Não sejais como vossos pais a quem os profetas de outrora clamaram, dizendo: eis o que diz o Senhor dos exércitos: deixai vossos maus caminhos e vossas más ações; e eles não ouviram, não prestaram atenção aos meus avisos - oráculo do Senhor. 5. Onde estão vossos pais? Podem porventura os profetas viver eternamente? Quanto aos avisos e às ordens que encarreguei os meus servos, os profetas, de transmitir ao povo, não foram eles executados junto de vossos pais? 6. Por isso vossos pais caíram em si mesmos e, confusos, confessaram: o Senhor dos exércitos tratou-nos como tinha resolvido proceder connosco, segundo o nosso proceder e as nossas obras. 7. No vigésimo quarto dia do décimo primeiro mês {o mês de Sabat} do segundo ano do reinado de Dario, a palavra do Senhor foi dirigida ao profeta Zacarias, filho de Baraquias, filho de Ado, nestes termos: 8. tive uma visão durante a noite. Percebi, entre as murtas do fundo do vale, um homem montado num cavalo vermelho, e atrás dele estavam cavalos ruços, alazões e brancos. 9. Eu perguntei: Meu senhor, que cavalos são estes? E o anjo porta-voz respondeu-me: Vou explicar-te. 10. O homem que se encontrava entre as murtas respondeu: Estes são os {mensageiros} que o Senhor mandou para percorrer a terra.
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11. Então os cavaleiros disseram ao anjo do Senhor que permanecia entre as murtas: Acabamos de percorrer toda a terra, e vimos que toda a terra está em tranquilidade e descanso. 12. O anjo do Senhor disse: Senhor dos exércitos! Até quando ficareis insensível à sorte de Jerusalém e das cidades de Judá? Já faz setenta anos que estais irritado contra elas! 13. O Senhor respondeu ao anjo que me falava, e disse-lhe boas palavras, cheias de consolação. 14. E o anjo disse-me: Proclama o seguinte: eis o que diz o Senhor dos exércitos: estou animado de ardente amor por Jerusalém e por Sião; porém, sumamente irritado contra as nações que vivem despreocupadas. 15. Eu só estava ligeiramente agastado contra Israel, mas {estas nações} ultrapassaram a medida. 16. Por isso, eis o que diz o Senhor: volto novamente para Jerusalém cheio de compaixão; minha casa será nela reedificada - oráculo do Senhor dos exércitos - e o cordel será estendido sobre Jerusalém. 17. Farás a proclamação seguinte: eis o que diz o Senhor dos exércitos: minhas cidades terão de novo muitas riquezas; o Senhor será a consolação de Sião, e a sua escolha cairá novamente sobre Jerusalém.
Marco Gonçalves, Pintor, Fotógrafo e Designer Imagem: Marco Gonçalves
__________________________________________________ In Bíbliapedia, Zacarias na edição VC, Versão Católica, em Português. http://biblia.gospelprime.com.br/vc/zacarias/1/, acedido em 2013.03.20.
PASSAGE FROM THE BOOK OF ZECHARIAH (Chapter 1) 1. In the eighth month, in the second year of Darius, came the word of the LORD unto Zechariah, the son of Berechiah, the son of Iddo the prophet, saying, 2. The LORD hath been sore displeased with your fathers. {sore...: Heb. with displeasure} 3. Therefore say thou unto them, Thus saith the LORD of hosts; Turn ye unto me, saith the LORD of hosts, and I will turn unto you, saith the LORD of hosts. 4. Be ye not as your fathers, unto whom the former prophets have cried, saying, Thus saith the LORD of hosts; Turn ye now from your evil ways, and {from} your evil doings: but they did not hear, nor hearken unto me, saith the LORD. 5. Your fathers, where {are} they? and the prophets, do
they live for ever? 6. But my words and my statutes, which I commanded my servants the prophets, did they not take hold of your fathers? and they returned and said, Like as the LORD of hosts thought to do unto us, according to our ways, and according to our doings, so hath he dealt with us. {take...: or, overtake} 7. Upon the four and twentieth day of the eleventh month, which {is} the month Sebat, in the second year of Darius, came the word of the LORD unto Zechariah, the son of Berechiah, the son of Iddo the prophet, saying, 8. I saw by night, and behold a man riding upon a red horse, and he stood among the myrtle trees that {were} in the bottom; and behind him {were there} red horses, speckled, and white. {speckled: or, bay} 9. Then said I, O my lord, what {are} these? And the angel that talked with me said unto me, I will shew thee what these {be}. 10. And the man that stood among the myrtle trees answered and said, These {are they} whom the LORD hath sent to walk to and fro through the earth. 11. And they answered the angel of the LORD that stood among the myrtle trees, and said, We have walked to and fro through the earth, and, behold, all the earth sitteth still, and is at rest. 12. Then the angel of the LORD answered and said, O LORD of hosts, how long wilt thou not have mercy on Jerusalem and on the cities of Judah, against which thou hast had indignation these threescore and ten years? 13. And the LORD answered the angel that talked with me {with} good words {and} comfortable words. 14. So the angel that communed with me said unto me, Cry thou, saying, Thus saith the LORD of hosts; I am jealous for Jerusalem and for Zion with a great jealousy. 15. And I am very sore displeased with the heathen {that are} at ease: for I was but a little displeased, and they helped forward the affliction. 16. Therefore thus saith the LORD; I am returned to Jerusalem with mercies: my house shall be built in it, saith the LORD of hosts, and a line shall be stretched forth upon Jerusalem. 17. Cry yet, saying, Thus saith the LORD of hosts; My cities through prosperity shall yet be spread abroad; and the LORD shall yet comfort Zion, and shall yet choose Jerusalem. {prosperity: Heb. good}
Marco Gonçalves, Painter, Photographer and Designer Image: Marco Gonçalves
________________________________________ In Bíbliapedia, Zechariah in the KJV, King James version, in English, http://biblia.gospelprime.com.br/kjv/zacarias/1/, accessed on 2013.03.20.
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Marcos Milewski
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Marcos Milewski, Pintor / Painter | http://marcosmilewski-art.wix.com/art
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Marisa Nunes
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Marisa Nunes, Artista Visual / Visual Artist
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Martim Sousa e Santos
Um rouxinol que canta e encanta, Que voa sabe-se lá se para sul ou para norte, Enlaça o vento como uma manta, Que nele sente, até à morte.
LUZ QUE SINTO E QUE SOU
Ainda existe claridade! Mas já não existe quem a sinta, Talvez num Quinto Império sem dubiedade, Surja um novo artista que para ela não minta!
Vivo numa casa sem paredes e sem cobertura, Para receber essa tão provocativa e calorosa Luz, Que aconchega e revigora com ternura, Todos os que carregam esta cruz. Esta cruz tem um fulgor dourado, Levo-a junto ao coração, Nos seus contornos vejo um passado inacabado, Despertado, para terminar uma acção. A minha casa tem uma varanda que dá para o mundo, E nela, disserto sobre a realidade, Perco-me antes do acto segundo, Pois temo a sua efemeridade. Tenho consciência que essa Luz é fluxível, E peço, para que quando ela de mim se farte, Figure de forma exequível, A luz de um holofote que não ludibrie a minha arte. A arte de viver num palco aberto para a Terra, Que de terra é feito e traçado, Húmido, quando vive e sente a guerra, Impedido por prantos, e jaz, amargurado! Contemplo ao fundo um girassol, Que atenta e resplandece, Estimulado pela Luz do sol, Curva-se, quando dela carece. Quero ser livre e dessa Luz me desapegar, Mas continuo a observar aquele girassol, No fundo, quero ser como ele e alçar, Todo o meu esplendor a olhar, desmesuradamente, para um rouxinol.
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A noite chegou… Não há mais nenhum girassol neste Inverno, E o sol ainda nem pousou, Quem o vai saudar com um movimento terno, Um dia eterno, e que hoje consumou.
Martim Sousa e Santos, Escritor Imagem: © Heart Magazine
LIGHT I FEEL AND AM I live in a house with no walls and no roof, To receive that so provocative and warm light, Which snuggles and invigorates with tenderness, All that bear this cross. This cross has a golden glow, I carry it close to my heart, In its contours I see an unfinished past, Awakened, to finish a task. My house has a balcony that overlooks the world And, therein, I expatiate on reality, I get lost before the second act, For fear of its ephemerality. I am aware that this light is transient, And pray that when it has had enough of me, There be in manageable form, The light of a spotlight that will not mislead my art. The art of living on a stage open to Earth That of earth is made and traced, Moist, when it lives and feels the war, Prevented by weeping it lies, embittered! I contemplate a sunflower in the background, Which, attentive, blooms, Stimulated by the Light of the sun, Bending when in need of it.
I want to be free and let go of that Light, But I continue to observe that sunflower, The truth is, I want to be like it and reach My entire splendour exceedingly observing a nightingale. A nightingale that sings and enchants, Flying who knows whether south or north, Enlaces the wind like a shroud, And in it feels, until its death. Night has come‌ There is no other sunflower this winter And the sun has not even yet set, Who will greet it with a tender gesture? An eternal day, consummated today. There is still light! But no one to feel it any longer, Perhaps in a Fifth Empire without ambiguity, A new artist will arise who will not lie to it! Martim Sousa e Santos, Writer Image: Š Heart Magazine
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Martinho Mendes FORMAS DE ALVURA, 2013 SHAPES OF WHITENESS, 2013 (Strelitzia nicolai natural; ferro e chumbo / iron and lead)
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Martinho Mendes, Artista Visual / Visual Artist | http://martinho-mendes.blogspot.pt
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Narciso Ornelas ACEITAÇÃO VS NEGAÇÃO Aceitação vs negação é um trabalho que reflecte o presente a pensar no futuro. Espelha o momento trágico, financeiro e humano do meu país e da Europa. Muitos jovens e não só perderam os seus empregos ou não conseguem encontrar um. Neste trabalho as cores desempenham um papel importante. As passagens dos tons de pele mais realista para o azul têm dois significados. O azul pode ser interpretado como simpatia, protecção, harmonia, confiança, a cor do céu limpo, de um dia bonito, a cor em que os seres humanos depositam o desejo de felicidade infinita. Mas, por outro lado, o azul pode significar o sofrimento, os dedos frios, os lábios sem sangue e a cor do desespero, como a crítica de arte Helen Kay, citada por Eva Heller no livro “A psicologia das cores”, descreve as pinturas azuis de Picasso. Podemos ficar cabisbaixos ou podemos levantar a cabeça. Neste seguimento foi criado um outro elemento importante na composição que define este sentimento. A esfera de energia. Esta significa a “derrota” ou, ao mesmo tempo, o “desejo de lutar”. Refere-se ao desejo de cada um se manter firme e convicto nos seus sonhos ou de os deixar cair ou se afastar. Esta escolha a cada um pertence. Narciso Ornelas, Artísta Plástico e Ilustrador Imagem: Narciso Ornelas http://narciso-ornelas.blogspot.pt
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ACCEPTANCE VS DENIAL Acceptance vs. denial is a work that shows a present moment in time which reflects about the future. It mirrors the tragic financial and human moment in my country and in Europe. Many young people and others have lost their jobs or cannot find one. In this work, colours play an important role. The transition from the more realistic skin tones to blue has two meanings. Blue may be interpreted as sympathy, protection, harmony, trust, the colour of a clear sky, a beautiful day, the colour in which humans place their desire for infinite happiness. But, on the other hand, blue can represent suffering, cold fingers, bloodless lips and the colour of despair, as the art critic Helen Kay, quoted by Eva Heller in the book “Psychology of Colour,” describes Picasso’s blue paintings. We can feel dispirited or lift our heads. Following this, another important element which defines this feeling was added to the composition. The energy sphere. It signifies “defeat” or, at the same time, the “will to fight”. It refers to the desire of each person to stand firm and confident in his/her dreams or to drop them and walk away. This choice belongs to each and every one. Narciso Ornelas, Fine Art Artist and Illustrator Image: Narciso Ornelas http://narciso-ornelas.blogspot.pt
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Nelson Camacho
LUX ME Afetuosa, intimista, como só tu sabes ser. Transmites o teu charme e conquistas sempre, quem o teu mundo quer ler. Animo-me quando que te assisto, deslumbrante e vinda do infinito. Aqueces-me verdadeiramente a alma, neste teu jeito assim tão bonito. Descobres-me gentilmente o rosto, enquanto rasgas o ar sujo que respiro. Sossegas-me a culpa dos atos, neste meu longo e mudo suspiro. Admiro-te tanto, mesmo quando me diminuis intensidade. Vivo-te tão de perto, quando tratas até a minha maldade. Leva-me para bem longe, onde sejas alegria, felicidade! Traz-me paz, amor, amizade, para esta minha desconcertante verdade! Afasta-me destes frívolos, que contentam-se no escuro do seu ser! Encaminha-me estes sorrisos, que um dia com certeza hão-de morrer. Oferece-me essa tua franqueza, de me continuares a deixar ver, o que de forma tão embotada, eu nem sequer quis crer. Continua quente e a expressar-te em mim! Acompanha-me sempre, sempre, mesmo que seja o fim! No céu do teu olhar, deixa-me cumprir todas as minhas vontades, que desse teu amor profundo, nos deixaste em forma de mundo, permitindo-me um dia, apaixonadamente e em silêncio, poder descrever.
Nelson Camacho, Produtor Multimédia e de Eventos Imagem: Nelson Camacho
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LUX ME Affectionate, intimate, as only you know how to be. You transmit your charm and always win over, whoever your world wants to read. I liven up when I observe you, stunning and arriving from infinity. You truly warm my soul, in this your so tender way. You gently uncover my face, while you rip the dirty air that I breathe. You appease the guilt of my acts, in this my long silent sigh. I admire you so much, even when you diminish my intensity. I feel you so close, even when you deal with my perversity. Take me far far away, where you are joy, happiness! Bring me peace, love, friendship, to this my disconcerting truth! Distance me from these frivolous beings, who content themselves in the darkness of their self! Forward these smiles to me, which will one day surely die. Give me that candour of yours, of letting me still behold, that which so dull, I did not even want to believe. Remain heart-warming and express yourself in me! Come along with me always, always, even if it is the end! In the sky of your gaze, let me fulfil all my wishes, which from that deep love of yours, you left us in the form of world allowing me one day to, passionately and silently, describe.
Nelson Camacho, Multimedia and Events Producer Image: Nelson Camacho
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Nelson Ferreira
LUZ Heródoto, historiador grego do séc. V a.C., descreveu o mito do nascimento da pintura ao deparar-se com a mesma lenda em vários países. Segundo este mito antiquíssimo, a pintura nasceu quando uma jovem, despedindo-se do seu amado que ia partir para a guerra, guardou a sua recordação desenhando o contorno da sua sombra com um pedaço de carvão. Acho fascinante que a pintura, a arte da cor e da luz, tenha nascido da sombra. Proponho explorar a cor de uma forma contemporânea e paradoxal: sendo a percepção da luz um fenómeno cerebral, assim como óptico, podem-se criar ilusões de óptica: obras de arte quase negras mas, paradoxalmente, percepcionadas como tendo grande intensidade cromática e luminosa. O pintor americano Ad Reinhardt e o russo Marc Rothko exploraram esta temática de uma forma minimalista. Sendo a sombra menos detalhada do que a luz (vemos menos texturas e pormenores nas sombras), entende-se que o minimalismo a tenha explorado mais. Já Leonardo da Vinci, no seu célebre tratado de pintura, recomenda esbater as sombras para as alisar e retirarlhes pormenor. As últimas obras do pintor indiano Raqib Shaw, mostradas na galeria White Cube de Londres, apresentam-nos um kitsch deslumbrante pela sua complicação obsessiva, com contrastes ultra-pormenorizados de cor e de brilho. A artista japonesa Yayoi Kusama também abordou este tema quando criou instalações com pontos autocolantes fluorescentes, iluminados com luz negra.
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Eu proponho uma complexidade de pormenor semelhante à destes dois artistas, mas no âmbito das sombras e dos negros tingidos, trabalhando as ressonâncias mais baixas que a visão humana consegue apreender em tinta, estudando os limites da arte da pintura em relação a essas gamas coloridas. Estou a pintar trípticos de grande formato, de estética maximalista, baseada em parâmetros visuais (e não apenas conceptuais). Estes trípticos estão a ser executados em técnica mista sobre tela de linho. A ideia de tríptico remete-nos para a Santíssima Trindade, elemento medieval que ainda povoa a nossa estética artística contemporânea. O apagamento da luz e das cores, pendentes para o negro, simbolizam uma morte das crenças religiosas nas sociedades modernas. Este tríptico é uma ode ao desaparecimento do cristianismo nas sociedades ocidentais. No entanto, o vibrante das cores – que não é real, mas apenas imaginado, o fruto de uma compensação mental – sugere-me a cisão entre fé, espiritualidade e o mundo real. A luz parece-se com uma sombra, quando comparada com outra luz ainda mais brilhante. Nelson Ferreira, Pintor http://www.nelson-ferreira.com
LIGHT Heródoto, historiador grego do séc. V a.C., descreveu o mito do nascimento da pintura ao deparar-se com a mesma lenda em vários países. Segundo este mito antiquíssimo, a pintura nasceu quando uma jovem, despedindo-se do seu amado que ia partir para a guerra, guardou a sua recordação desenhando o contorno da sua sombra com um pedaço de carvão. Acho fascinante que a pintura, a arte da cor e da luz, tenha nascido da sombra. Proponho explorar a cor de uma forma contemporânea e paradoxal: sendo a percepção da luz um fenómeno cerebral, assim como óptico, podem-se criar ilusões de óptica: obras de arte quase negras mas, paradoxalmente, percepcionadas como tendo grande intensidade cromática e luminosa. O pintor americano Ad Reinhardt e o russo Marc Rothko exploraram esta temática de uma forma minimalista. Sendo a sombra menos detalhada do que a luz (vemos menos texturas e pormenores nas sombras), entende-se que o minimalismo a tenha explorado mais. Já Leonardo da Vinci, no seu célebre tratado de pintura, recomenda esbater as sombras para as alisar e retirarlhes pormenor. As últimas obras do pintor indiano Raqib Shaw, mostradas na galeria White Cube de Londres, apresentam-nos um kitsch deslumbrante pela sua complicação obsessiva, com contrastes ultra-pormenorizados de cor e de brilho. A artista japonesa Yayoi Kusama também abordou este tema quando criou instalações com pontos autocolantes fluorescentes, iluminados com luz negra.
Eu proponho uma complexidade de pormenor semelhante à destes dois artistas, mas no âmbito das sombras e dos negros tingidos, trabalhando as ressonâncias mais baixas que a visão humana consegue apreender em tinta, estudando os limites da arte da pintura em relação a essas gamas coloridas. Estou a pintar trípticos de grande formato, de estética maximalista, baseada em parâmetros visuais (e não apenas conceptuais). Estes trípticos estão a ser executados em técnica mista sobre tela de linho. A ideia de tríptico remete-nos para a Santíssima Trindade, elemento medieval que ainda povoa a nossa estética artística contemporânea. O apagamento da luz e das cores, pendentes para o negro, simbolizam uma morte das crenças religiosas nas sociedades modernas. Este tríptico é uma ode ao desaparecimento do cristianismo nas sociedades ocidentais. No entanto, o vibrante das cores – que não é real, mas apenas imaginado, o fruto de uma compensação mental – sugere-me a cisão entre fé, espiritualidade e o mundo real. A luz parece-se com uma sombra, quando comparada com outra luz ainda mais brilhante. Nelson Ferreira, Painter http://www.nelson-ferreira.com
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Paulo David
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Paulo David, Arquiteto / Architect | http://www.paulodavid.pt | Fotografias por / Photographs by: Fernando Guerra
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Paulo David, Arquiteto / Architect | http://www.paulodavid.pt | Fotografias por / Photographs by: Fernando Guerra
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Paulo David, Arquiteto / Architect | http://www.paulodavid.pt | Fotografias por / Photographs by: Fernando Guerra
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Prina Shah ILUMINAÇÃO ARTIFICIAL– ESTAMOS DEPENDENTES? Li recentemente um artigo sobre iluminação artificial que me fez pensar... O advento da luz a gás, no século XVIII, que depois, a seu tempo, evoluiu para a luz de rua, trouxe muitas mudanças na sociedade; a crença de que a noite era aterrorizante e cheia de ghouls diminuiu; havia menos superstição e as pessoas passaram a ter maior mobilidade. Podiam assistir a espetáculos à noite, já não havia um toque de recolher à noite e depois veio o boom da industrialização. Sequencialmente veio o consumismo, o desejo de possuir bens e a criminalidade cresceu. Como resultado, desenvolveu-se uma sociedade cada vez mais policiada. Costumava ser o caso de que, uma vez que começou o toque de recolher à noite, as pessoas iam dormir e acordavam a meio da noite; tem sido afirmado que a criatividade é mais fecunda neste período da noite. As pessoas voltavam então a dormir e acordavam para o dia seguinte. Não temos mais este tempo entre ir para a cama e acordar de manhã cedo para dedicar a atividades criativas. Estamos agora condicionados a dormir durante toda a noite. A investida da tecnologia sob a forma do “ter que ter” iluminou dispositivos, desde aqueles que se encaixam perfeitamente na palma da mão até ao brilho de enormes painéis eletrónicos colocados bem alto, que criaram uma sociedade permanentemente “conectada”. As pessoas estão conectadas a uma escala global. Os canais de redes sociais e a World Wide Web deram à liberdade de expressão um novo fôlego. As questões sociais são agora levantadas a uma escala global, o conceito de poder popular neste aspecto tem um alcance mais amplo, que também deu aos fanáticos intolerantes uma plataforma global para apregoar as suas perspetivas. Vivemos numa sociedade cada vez mais gerida ao estilo big brother; câmaras de vigilância nas ruas, em centros comerciais e praticamente em qualquer lugar para onde
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olhemos (especialmente em Londres). É a luz usada como uma arma de controlo social? Ou será que é para o nosso benefício? Cresci em Northampton (Reino Unido), onde, no final de 2011, as luzes de rua foram desligadas pelo Conselho de Northampton, a fim de poupar 2 milhões de libras esterlinas como parte das medidas de corte orçamental que lhes foram impostas pelo Governo britânico. Os moradores ficaram descontentes com a medida, alegaram que as taxas de criminalidade tinham aumentado e que a segurança era uma preocupação. Parece um passo atrás no tempo ver-nos ser retirada uma comodidade básica como a iluminação pública. Estamos tão acostumados com a iluminação como sendo um dado adquirido na sociedade moderna que parece ser uma calamidade pessoal quando ela nos é retirada. Agora estamos tão longe da idade em que dependíamos de velas e do toque de recolher à noite. Isso foi bom ou mau para a criatividade, os padrões de sono, da vida quotidiana e, em geral, para a nossa sociedade? Com tudo isto em mente, aqui ficam algumas imagens digitais que criei e que são inspiradas pela iluminação e por todas as coisas em néon... Prina Saha, Artista Contemporânea Imagens: Prina Shah http://www.prinashah.com
ARTIFICIAL ILLUMINATION – ARE WE HOOKED? I recently read an article on Artificial Illumination which got me thinking… The advent of the gas light in the eighteenth century which then, in time, evolved to the street light, brought about many changes in society; the belief of night being terrifying and full of ghouls declined; there was less superstition and people were more mobile. People could attend night shows, no longer was there a night curfew and then came the boom of industrialisation. Sequentially consumerism, the desire to own commodities and crime grew. As a result an ever growing policed society developed. It used to be the case that once the night curfew started people went to sleep and woke up in the middle of the night; it has been claimed that creativity is the most fruitful in this period of the night. People would then go back to sleep and wake for the next day. We no longer have such a time in between going to bed and waking up early in the morning to work on creative pursuits. We are now conditioned to sleep throughout the whole of the night. The onslaught of technology in the form of ‘must have’ illuminated devices that fit neatly in the palm of one’s hand to the glimmer of huge electronic bill boards high in the sky have brought about a 24/7 ‘connected’ society. People are connected on a global scale. Social media channels and the World Wide Web have given freedom of speech a new lease of life. Social issues are now raised on a global scale, the concept of people power in this aspect has a wider reach; it has also given narrow minded bigots a global platform to tout their outlooks. We live in an increasingly big brother managed society; CCTV cameras on streets, in shopping centres and pretty much anywhere you look (especially in London). Is light used as a weapon of social control? Or is it for our benefit?
I was brought up in Northampton (UK) where in late 2011, street lights were switched off by Northampton Council in order to save 2 million GBP as a part of their budget cut measures that have been imposed upon them by the British Government. Residents were not happy with this; they claimed that crime rates increased and that safety was of concern. It seems like a step back in time to have a basic amenity like street lighting taken away from you. We are so used to such lighting as a given in modern society that it seems like a personal affliction when taken away from us. We are now so far from the age of relying on candles and a night curfew. Is that a good thing, or a bad thing for creativity, sleep patterns, everyday life and in general for our society? With all of the above in mind, here are a few digital images I have created that are inspired by illumination and all things neon… Prina Saha, Contemporary Artist Images: Prina Shah http://www.prinashah.com
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Raji Narayanan
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Raji Narayanan, Pintor / Painter
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Ricardo Jer贸nimo
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Ricardo Jer贸nimo, Designer | http://www.ric.jeronimo.com
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Rui Soares
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Rui Soares, Pintor / Painter
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Sanja Devic
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Sanja Devic, Designer Grรกfico / Graphic Designer | http://www.devicdesign.com
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Santiago Talavera
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Santiago Talavera, Pintor / Painter | http://www.santiagotalavera.com
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Sara Monteiro WONDERLAND LIGHT E tudo começa com “Era uma vez...” No mundo imaginário de Lewis Carroll, existe um novo universo, onde personagens encantadas deambulam pela floresta, um coelho obcecado pela pontualidade corre sem parar, um chapeleiro completamente louco só nos quer cantar ‘Feliz Aniversário’ e oferecer-nos um chá, um gato manhoso que teima em aparecer e desaparecer, dois irmãos marotos que só querem galhofar, uma lagarta filosófica que em breve se metamorfoseia numa borboleta e uma rainha histérica e maníaca com o seu grandioso plantel de baralho de cartas sempre a acompanhar, são estas as personagens que se apresentam e vivem nos livros de Lewis Carroll, personagens mirabolantes, mas bem presentes no nosso quotidiano. E este é o mundo que aguarda a pequena Alice que, ao cair no buraco pela sua curiosidade, se encontra num local desconhecido. Mil perguntas surgem na sua cabeça, mil ideias fluem. E agora, o que fazer? Continuar em frente ou tentar escapar daquele lugar escuro? Ao se deparar com um pequeno frasco que diz “Bebe-me,” a pequena Alice, como um grandioso soldado sem medo de nada, segue em frente e arrisca! E com isto encolhe. Mesmo apavorada mas também cheia de curiosidade, Alice roda a maçaneta e, a medo, abre a porta questionando-se sobre o que a espera... Os seus joelhos tremem e sente um ligeiro formigueiro na barriga, sente a sua face rosada e aquecida por um calor diferente do habitual, os seus olhos temem em se abrir pois a luz parece tão forte, tão mágica! Que luz será esta? pergunta-se Alice. Maravilhada, passa já sem medo a porta que a irá afastar do seu mundo e a irá levar para o mundo do Wonderland, mal sabendo ela os desafios e aventuras que a iriam aguardar, não obstante os seus medos e receios. Mas, como em to-
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das as histórias, existe um final e Alice esfrega os olhos e acorda suavemente. Terá sido um sonho? Tinha a Alice visto e vivido o mundo de Wonderland? Aquela luz maravilhosa existia ou era apenas a luz da sua imaginação a despontar e a levá-la em direção a um mundo encantado, preso na sua própria fantasia? Nunca saberá o que realmente se passou, mas através da luz da sua imaginação surge a minha luz que me leva a realizar uma nova coleção de moda intitulada Wonderland. Porque a luz leva a que a nossa imaginação flua e surja, após leitura e análise do livro de Lewis Carroll, Alice in Wonderland, surge uma coleção de Outono/Inverno para o ano de 2013, inspirada numa pequena mas virtuosa menina que utiliza a sua própria luz para entrar num mundo encantado, cheio de maravilhas, perigos e surpresas. Dirigida a jovens mulheres dos 24 anos 30 anos, modernas e femininas com um ligeiro toque de infantilidade, recém-formadas que se encontrem a entrar no mercado de trabalho e que ambicionem subir na sua carreira com esforço e dedicação. E, com a luz da imaginação sempre a colaborar, forma-se uma coleção composta por cinco coordenados, dois casacos, umas calças de cintura subida, duas saias duplas forma balão, um macacão e camisas que complementam o visual com pormenores de nervuras. As fazendas com padrões minimizados e tecidos impermeabilizados reinam, apresentados numa paleta de tons de vermelho, amarelo e preto, uma vez que se trata de uma coleção de inverno. E com uma nova luz de inspiração surge uma Alice atual pronta para viver as aventuras do seu mundo. Sara Monteiro, Designer de Moda
WONDERLAND LIGHT And it all begins with “Once upon a time...” In Lewis Carroll’s imaginary world, there is a new universe, where characters wander through the enchanted forest, a rabbit obsessed with punctuality runs nonstop, a completely mad hatter just wants us to sing ‘Happy Birthday’ and offer us tea, a sly cat that insists on appearing and disappearing, two naughty brothers who just want to jest, a philosophical caterpillar that soon metamorphoses into a butterfly and a hysterical and manic queen with her great deck of cards squad always following along, these are the characters who exist and live in Lewis Carroll’s books, outlandish characters, but clearly present in our daily lives. And this is the world that awaits little Alice who, having fallen into the hole because of her curiosity, is now in an unknown place. A thousand questions arise in her mind, a thousand ideas flow. And now, what should she do? Continue ahead or try to escape from that dark place? Upon finding a small bottle that read “Drink me,” little Alice, like a great soldier who does not fear anything, goes ahead and takes a chance! And with it, she shrinks. Despite frightened, though also filled with curiosity, Alice turns the doorknob and, in the fear, opens the door asking herself what to expect... Her knees tremble and she feels a slight tingling in her belly, she feels her face red and heated by an unusual heat, she is afraid of opening her eyes because the light seems so strong, so magical! What light is this? Alice questions herself. Delighted, she now goes through the door that will distance her from her world and will take her into the world of Wonderland, barely knowing the challenges and adventures that would await her, despite her fears and concerns. But, as with all stories, there is an ending and Alice rubs her eyes and gently awakens. Was it a dream? Had Alice seen and experienced
the world of Wonderland? Did that wonderful light exist or was it only the light of her imagination emerging and taking her towards an enchanted world, stuck in her own fantasy? She will never know what really happened, but through the light of her imagination my light arose which lead me to come up with a new fashion collection entitled Wonderland. Because light causes the imagination to flow and arise, after having read and analysed Lewis Carroll’s novel, Alice in Wonderland, I got the idea for an autumn/winter collection for the year 2013, inspired on a small but virtuous girl who uses her own light to enter an enchanted world full of wonders, dangers and surprises. Aimed at young modern and feminine women aged 24-30 years, with a hint of juvenileness, newly graduated, who are entering the job market and who wish to climb their career ladder with effort and dedication. And, with the light of imagination always collaborating, I got together a collection consisting of five ensembles, two coats, a pair of high waist trousers, two balloon-shaped double skirts, overalls and shirts that complement the look with ribbing details. The material, where minimized patterns and waterproof fabrics reign, is presented in a palette of red, yellow and black, as it is a winter collection. And with a new light of inspiration, a modern Alice comes to life, ready to live the adventures of her world. Sara Monteiro, Fashion Designer
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Coleção Wonderland / Wonderland Collection: Sara Monteiro Fotografias de: / Photographs by: Sara Monteiro e Marília Sousa Tratamento de Imagem / Image Editing: Sara Monteiro Styling: Sara Monteiro e Marília Sousa Modelo / Model: Vera Loureiro
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Sílvia Vieira DESPERTAR «Se tu não tens luz própria, a luz alheia não te tornará brilhante.» Afirmou, outrora sapientemente, Boécio. Quem quer ser luz que brota, jorra, expande, surpreende e arrebata? Quem quer ser energia que cintila, acalenta e alimenta o espirito? Não uma luminosidade que ofusque ou abrase mas, uma luz que, concomitantemente, desassossegue e acalme. Mas o que implica ser um rasgo de luz? Ser iluminado? Ter visão? Há uma luz que acende dentro de nós? Será ter a capacidade de olhar com sapiência, ser clarividente, consciente? Será a luz apenas visionada ou, não será ela experienciada por uma explosão de sentidos? É projeção e arquitetura de todos os sentidos. A visão é flagrante mas, per si só incompleta. Saboreio luz num beijo que me engole o corpo e abrasa a minha alma. Toco-a quando inflamo. Pressinto-a quando cresço como pessoa, quando procuro respostas, quando arrisco e quebro paradigmas. Mas de um modo cristalino e angelical, fecho os meus olhos e comtemplo luz quando acaricio o rosto do meu filho ou, quando inesperadamente, ouço uma gargalhada assombrosa. Luz é brilho, cor, movimento, magia, enigma pois transcende o mundo físico, é a possibilidade de renascimento. Não querem ter uma parcela disso na vossa vida? Claro que, ninguém é luz constante pois, no universo desfilam luz e sombras. Os mundos que conhecemos, a vida, a natureza, o sol, as marés, as pessoas, transformam-se, metamorfoseiam-se e oscilam entre a sua existência e a possibilidade de tantas outras existências paralelas que poderiam irromper se, em vez de irmos por aqui, fossemos por ali. Aliás, nada é constante e, para corroborar esta perspetiva, relembro Heraclito de Éfeso, que defendeu a doutrina do fluxo universal, explicando que tudo está em movimento, nada permanece imutável. Paradoxalmente, depois do dia sucede o crepúsculo, assim tem testemunhado a história que se repete num eterno retorno proclamado por Nietzsche.
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Eu vivo na luz mas, também, na penumbra, sou claridade e névoa. Sou corpo e alma, sou um ser dual, tal como explicara Platão. Luz e sombra, realidade e ilusão, conhecimento e ignorância, partícula e onda, não serão parte de um todo, que nos escapa a cada inalação de ar? Vejo a luminosidade do exterior através dos sentidos mas, indubitavelmente esta é visceral e mostra-se no equilíbrio interior e na razão suada de lógica e emoção. Vejo luz mas similarmente obscurantismo em tudo. O claro e o escuro também são manifestações da luz. A beleza de uma aurora não esmaga a magia de um pôr-do-sol. Luminosidade e sombra penetram no mundo, que para ser sorvido, compreendido e vivido ele deve ser anti-retinal. Numa linha de pensamento Cartesiana, parece-me que muitos de nós se acomodaram à visão e aceitam tudo o que os olhos refletem sem questionar o que os sentidos facultam. É pelo crivo da razão, usando a dúvida como método, que se ascende à derradeira verdade. A mente desperta quando as dúvidas fantasmagóricas são desmistificadas. É redutor conceber a luz como algo que apenas se vê, deve-se potenciar a luz como um estado de alma, clarividência de espirito que unifica duas forças, a emoção e a razão. Estas forças permitem-nos compreender, desconstruir e recriar infinitas possibilidades, manifestando-se numa imensidão de laivos de luz. Por momentos perco-me, adormeço e entrego-me à orgia de reflexos sombrios e luminosos que escorregam da realidade para mim. No sonho, aquele fragmento de luz dança no escuro, acaricia-me, aquece-me e envolveme. Ali, naquele estado onde o inconsciente acorda, tudo o que era ausente torna-se presente, visível e percetível mas a luz dissipa-se, na ilha que por vezes sou, longe no farol, tudo aparece em turbilhão, apoteose do caos e eu desperto… cúmplice… Sílvia Vieira, Professora de Filosofia Imagem: © Heart Magazine
AWAKENING “If you do not have a light of your own, the light of others will not make you bright.” Boethius once wisely said. Who wants to be that light which springs forth, gushes, expands, surprises and overwhelms? Who wants to be energy which flickers, nurtures and nourishes the spirit? Not a luminosity that blinds or scorches, but a light that concomitantly disquiets and soothes. But what is entailed in being a beam of light? In being enlightened? In having a vision? Is there a light that ignites within us? Would it be having the capacity of beholding with wisdom, of being clairvoyant, conscious? Is it the case that light is only envisioned or is it not experienced by an explosion of the senses? It is projection and architecture of all the senses. With eyesight this is striking, but incomplete per se. I savour light in a kiss that swallows my body and burns my soul. I touch it when I inflame. I sense it when I grow as a person, when I seek answers, when I take risks and break paradigms. But in a crystalline, angelic manner, I close my eyes and contemplate light when I caress my son’s face or when I unexpectedly hear a haunting laugh. Light is brightness, colour, movement, magic, an enigma because it transcends the physical world, it is the possibility of rebirth. Do you not want to have a portion of it in your lives? Of course, nobody is constant light for, in the universe, there is a parade of light and shadows. The worlds we know, life, nature, the sun, the tides, people, change, metamorphose and oscillate between their existence and the possibility of many other parallel existences that could erupt if, instead of going this way, we went that way. Besides, nothing is constant and, to corroborate this perspective, I recall Heraclitus of Ephesus, who defended the doctrine of universal flux, explaining that everything is in motion, nothing remains unchanged. Paradoxically, after daylight, twilight ensues, so has history witnessed by repeating itself in an eternal return proclaimed by Nietzsche. I live in the light, but also in the twilight, I am clarity and fog. I am body and soul, I am a dual being, as Plato explained. Light and shadow, reality and illusion, knowledge and ignorance, particle and wave, are they not part of a whole which eludes us at every inhalation of air? I see light from the outside through the senses but, undoubtedly, it is visceral and emerges from the inner balance and in hard-won reason of logic and emotion. I see light, but similarly obscurantism in everything. Light and dark are also manifestations of light. The beauty of a sunrise does not crush the magic of a sunset. Light and shadow penetrate the world, which, in order to be absorbed,
understood and lived, must be anti-retinal. In a Cartesian line of thought, it seems to me that many of us have settled for eyesight and accept everything that the eyes reflect without questioning what the senses provide. It is through the sieve of reason, using doubt as a method, that one reaches the ultimate truth. The mind awakens when ghostly doubts are demystified. It is reductive to conceive light as only something that can be seen; one should maximize light as a state of mind, clarity of spirit that unites two forces, emotion and reason. These strengths enable us to understand, deconstruct and recreate endless possibilities, manifesting themselves in a multitude of specks of light. For a moment I lose myself, I fall asleep and give away myself to the orgy of dark and bright reflections that slip from reality to me. In the dream, that fragment of light dances in the dark, caresses me, warms me and envelops me. There, in that state where the unconscious awakens, all that was missing this becomes visible and perceptive but the light dissipates, in the island I sometimes am, far away at the lighthouse, everything appears in turmoil, apotheosis of chaos and I awake... accomplice... Sílvia Vieira, Philosophy Teacher Image: © Heart Magazine
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Sílvia Mendonça
A INTELIGÊNCIA NÃO É IGUAL! A ideia da existência de uma “inteligência superior”, “altas habilidades”, “mente brilhante”, “sobredotação” em determinadas crianças, jovens ou adultos constituiu-se, ao longo dos tempos, no campo de pesquisa por parte de muitos investigadores, na tentativa de compreender e ajustar respostas educativas e sociais para esta população específica. Falar em sobredotação, na educação e inclusão de crianças, jovens e adultos sobredotados é hoje bem mais fácil do que há algumas décadas atrás. A sociedade, a
escola, foi-se abrindo às diferenças, passando a reconhecê-los, a conviver com eles e a integrá-los no seu funcionamento. No âmbito de uma política socioeducativa de igualdade de oportunidades, justifica-se que a escola – uma escola inclusiva – se preocupe com os alunos mais capazes e que deles espere a excelência na sua aprendizagem, rendimento académico e inclusão. Segundo Almeida & Oliveira (2000) a ideia de que a “sobredotação” se confina às habilidades intelectuais dos indivíduos imperou durante muito tempo e mantém-se ainda predominante em sociedades como a portuguesa. A par de componentes mais cognitivas e académicas, é necessário considerar a criatividade, a motivação, bem como outros talentos especiais e características pessoais, num conceito mais alargado de sobredotação (Gagné, 1991). Importa atender à multiplicidade de talentos e capacidades humanas e às variadas formas como estes se podem combinar. A globalização abre novas perspetivas à cooperação entre sociedades e indivíduos. Implica um maior envolvimento em questões políticas e sociais, mas também fomenta a necessidades intrínsecas do reforço das identidades culturais e étnicas, na medida em que tal envolvimento determina uma maior interação entre grupos populacionais com características diferenciadas. Tais motivações e condicionalismos propiciaram a necessidade de se repensar os valores éticos e sociológicos da construção da cidadania numa perspetiva democrática, onde se projetam novas conceções e representações acerca do conceito de sobredotação, vincadas pela defesa da igualdade de oportunidades, reconhecimento da justiça social e construção de uma sociedade democrática, com os direitos e os deveres que a condição de cidadão obriga. Sílvia Mendonça, Investigadora em Ciências da Educação Imagem: © Heart Magazine
__________________________________________________ Referências Bibliográficas: ALMEIDA, L. S. & OLIVEIRA, E. P. (2000). “Os professores na identificação dos alunos sobredotados”. In L. S. Almeida, E. P. Oliveira & A. S. Melo (Eds.), Alunos sobredotados: contributos para a sua identificação e apoio. Braga: ANEIS. 43-53. GAGNÉ, F. (1991). “Toward a differentiated model of giftedness and talent”. In N. Colangelo & G.A. Davis (Eds.), Handbook of Gifted Education. Boston: Allyn & Bacon. 65-80.
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INTELLIGENCE IS NOT THE SAME! The idea of the existence of a “higher intelligence”, “highly developed abilities”, “brilliant mind,” “giftedness” in certain children, youngsters or adults has developed, over time, into a field of research by many investigators, in trying to understand and adjust educational and social responses to this specific population. Speaking of giftedness, in the education and inclusion of gifted children, youngsters and adults is much easier today than a few decades ago. Society, school was opening up to the differences, beginning to recognize them, to live with them and integrate them into their operation. Within an equality of opportunity socio-educational policy, it is justifiable that school - an inclusive school - worry about the more able pupils and expect them to excel in their learning, academic achievement and inclusion. According to Almeida & Oliveira (2000) the idea that “giftedness” is confined to the intellectual abilities of individuals prevailed for a long time and still remains prevalent in societies like the Portuguese. Alongside more cognitive and academic components, it is necessary to consider creativity, motivation, and other special talents and personal characteristics, in a broader concept of giftedness (Gagné, 1991). It is important to pay attention to the multiplicity of talents and human capacities and the varied ways in which these can be combined. Globalization opens up new prospects for cooperation between societies and individuals. It implies a greater involvement in political and social issues, but also fosters intrinsic needs for the strengthening of cultural and ethnic identities, to the extent that such involvement determines an increased interaction between population groups with different characteristics. Such motivations and constraints
led to the need of rethinking the ethical and sociological values of citizenship construction from a democratic perspective, where we design new concepts and representations of the concept of giftedness, marked by the defence of equality of opportunity, recognition of social justice and the construction of a democratic society, with the rights and duties required by the citizen condition. Sílvia Mendonça, Researcher in Education Sciences Image: © Heart Magazine
__________________________________________________ References: ALMEIDA, L. S. & OLIVEIRA, E. P. (2000). “Os professores na identificação dos alunos sobredotados”. In L. S. Almeida, E. P. Oliveira & A. S. Melo (Eds.), Alunos sobredotados: contributos para a sua identificação e apoio. Braga: ANEIS. 43-53. GAGNÉ, F. (1991). “Toward a differentiated model of giftedness and talent”. In N. Colangelo & G.A. Davis (Eds.), Handbook of Gifted Education. Boston: Allyn & Bacon. 65-80.
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Sofia Alves FIOS DE LUZ
THREADS OF LIGHT
“Se queres compreender uma certa realidade, procura mudá-la” W.F. Dearborn
“If you want to understand a certain reality, seek to change it” W.F. Dearborn
Conhecer é sair da incerteza, o professor só é significativo quando consegue ultrapassar a frieza das suas ideias e olhar de frente os seus discentes. Segundo Jacques Delors na “educação: há um tesouro escondido nela”, os professores como “pessoas” têm a necessidade de desenvolver as quatro aprendizagens essenciais para que possam se satisfazer pessoalmente e coletivamente. (Delors, 1999) A mudança depende de todos, mas a aprendizagem só é significativa quando toca a experiência pessoal, aquela que está bem escondida como um “tesouro”. É pela descoberta que brota o prazer, e que o aluno atribui significados próprios aos conteúdos. (Cunha, 1996) O ensino pela descoberta aguça a necessidade da formação a partir da visão holística, tendo sido o termo “Educação Holística” proposto pelo americano Miller em 1997. Visa um novo modo de relação do ser humano com o mundo, pautando-se pelos princípios éticos, na busca da interdisciplinaridade e da aliança entre a razão/emoção e o corpo/alma, criando a produção de conhecimento através da autonomia, da crítica e do espírito investigativo. Este “tesouro ”é como um raio de luz, é a trajetória realizada em determinado espaço, e seu espetáculo anuncia o berço da sua criação e para onde este se dirige. Educar é uma preocupação que visa aprimorar o ensino e a vida numa visão integral, aliando todas as dimensões com o fim último da mudança da sociedade. Sozinhos, somos sortes que cintilam, mas juntos forjamos um Corpo de Luz do universo. Juntos, celebramos as conquistas da nossa caminhada, a nossa fonte de inspiração. A LUZ anuncia a sensação interior de confiança, calor, coragem e de alegria. Basta confiar… E então flui!...
To know is to no longer be uncertain, a teacher is only meaningful when he/she is able to overcome the coldness of his/her ideas and look his/her students in the eyes. According to Jacques Delors, “Education: There is a hidden treasure in it,” teachers as “people” have a need to develop the four essential skills so that they can feel personally and collectively fulfilled. (Delors, 1999) This change depends on everyone, but learning is only meaningful when it comes to personal experience, one that is well hidden, like a “treasure”. It is through discovery that pleasure flows and that a student assigns specific meanings to content. (Cunha, 1996) Teaching through discovery presses the need for training from a holistic viewpoint, having the term “Holistic Education” been proposed by the American Miller in 1997. It aims at a new mode of human relationship with the world, guided by the principles of ethics, in pursuit of interdisciplinarity and the alliance between reason/emotion and body/soul, creating the knowledge through autonomy, criticism and an investigative spirit. This “treasure” is like a beam of light, it is the trajectory travelled in a certain time, its spectacle announces the crib of its creation and where it is headed. To educate is a concern that aims at improving education and life in a comprehensive manner, combining all dimensions with the ultimate goal of changing society. Alone, we are sorts that flicker, but together we forge a Body of Light of the universe. Together, we celebrate the achievements of our journey, our source of inspiration. LIGHT announces the inner sense of confidence, warmth, courage and joy. One just needs to trust it... And then it flows!...
Sofia Alves, Artista Plástica
Sofia Alves, Fine Art Artist
Imagem: Sofia Alves
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Image: Sofia Alves
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Sofia Traquinas AS PESSOAS IDOSAS, UMA QUESTÃO DE FUTURO Quantos de nós, no desassossego dos dias, vivemos completamente longe desta realidade? Quantos de nós apenas nos lembramos dos mais velhos quando os nossos avós partem ou quando constatamos que os nossos pais, aqueles que são indubitavelmente nossos, estão a envelhecer. Aí, centramo-nos no concreto e esquecemos a utopia dos dias, deixando com que cada momento se torne mais rico, dando mais de nós e predispondo o nosso coração a receber mais dos outros. Esta é uma realidade que me é próxima, dado que trabalho diariamente com e para estas pessoas, dedicando-lhes inteiramente tudo o que sei, na mais pura e real medida, com o sentimento de que quanto mais as conheço, mais vontade tenho de conhecer. Lembro-me de ter lido, ao final de pouco tempo de trabalho, do alto do meu pequeno pedestal académico, uma passagem inolvidável de Bertold Brecht: “Quando era novo tinha a esperança de encontrar um velho que se deixasse ensinar. Quando for velho, espero que se encontre um moço e eu me deixe ensinar”. Este foi o meu despertar, foi o ponto de partida para perceber que de nada servia impor-lhes a minha vontade, os meus objetivos e as metas orientadoras que o governo define e precisa para se fazer valer em tempo eleitoral. Foi aí que percebi que a verdadeira essência do meu trabalho estava em ouvir as pessoas, as suas expectativas, as suas angústias e as suas preocupações, e que grande parte delas vivem vazias. Vivem vazias porque se deixaram alienar dos seus interesses, da sua cultura, dos seus sentimentos, e entregaram-se à luta que muitos consideram inglória de esperar pelo fim. Num período tao conturbado como o que vivemos, está na hora de olharmos para as pessoas idosas como uma fonte riquíssima de capital humano e tornar realidade, nos programas educativos e sociais, a aprendizagem trans-
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versal entre estas pessoas e as nossas crianças e jovens, estimulando as suas competências e valorizando a sua experiência de vida, porque independentemente da sua situação actual, todos têm o direito de viver em dignidade. É o que refere Neald Donald Walsch (1998:50), num importante testemunho sobre o papel dos idosos na educação das crianças e jovens: “As necessidades físicas, sociais e espirituais são satisfeitas por toda a comunidade, com a educação e os valores oferecidos pelas pessoas mais velhas”. Numa recente experiência de trabalho, pude comprovar isso mesmo, com a colaboração num projeto escolar, que tinha como principal objectivo fomentar o contacto intergeracional e promover o regresso das pessoas idosas à escola. Foram realizados ateliers em diversas áreas, nomeadamente nas artes plásticas e literatura, seguidos de pequenas tertúlias, com a participação de alunos de 2º e 3º ciclo e pessoas idosas, com idade compreendida entre os 70 e 96 anos. Esta experiência revelou-se verdadeiramente gratificante e lumínica para ambos os grupos, fortificada pela troca de conhecimentos e criação de laços entre os dois grupos. O que fazer a todos estes sentimentos? É tempo de transformá-los, de multiplicar futuros. Porque, o que será de um país sem os seus anciãos? Cabe a cada um de nós, marcar a diferença ao seu redor e perceber que, independentemente da idade, a vida deve ser vivida com simplicidade, sabendo apreciar o belo, porque “A juventude é feliz porque tem a capacidade de ver a beleza. Qualquer pessoa que mantém a capacidade de ver a beleza nunca envelhece” (Franz Kafka citado em Janouch, 2008). Sofia Traquinas, Assistente Social Imagem: Marisa Nunes
__________________________________________________ Referência Bibliográficas: Eugen Berthold Friedrich Brecht. s/d. Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas. BRECHT, Bertold. s/d. Lendas, parábolas, crônicas, sátiras e outros poemas. Tradução de Paulo Quintela. Disponível em http://www.citador.pt/poemas.php?op=10&refid=200810060312. Acesso em 29/01/2013. Neald Donald Walsch. 1999. Conversas com Deus – Livro 3. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações Gustav Janouch. 2008. Conversas com Kafka. Rio de Janeiro. Novo Século Editora
THE ELDERLY, A MATTER WITH A FUTURE How many of us, in the unrest of our days, live completely detached from this reality? How many of us just remember our elders when our grandparents depart or when we realize that our parents, those who are undoubtedly ours, are aging. Then, we focus on what is important and forget the utopia of everyday life, making each moment richer, giving more of ourselves and opening our heart to receive more from others. This is a reality that is close to me, given that I work every day with and for these people, giving them everything I know, literally, with the feeling that the more I get to know them, the more I want to know. I remember having read, from the top of my little academic pedestal, an unforgettable passage by Berthold Brecht a short time after having started working: “When I was young I had hoped to find an old man who would let me teach him. When old, I hope a young man may be found and I will let him teach me.” This was my awakening, it was the starting point for me to realize that it would do me no good to impose my will, my aims and the guiding goals the government needs and defines to improve its position during election time. That is when I realized that the true essence of my job was to listen to people, their hopes, their fears and their concerns, and that most of them live empty lives. They live an empty life because they have let go of their interests, their culture, their feelings, and have surrendered to a battle many consider inglorious: that of waiting for the end. In a troubled period like the one we live in, it is time to look at the elderly as an extremely rich source of human capital and to make transversal learning happen between these people and our children and youngsters in educational and social programs, encouraging their skills and enhancing their life experience, because, regardless of their current situation, everyone has the right to live in dignity. That is what Neald Donald Walsch (1998:50) states, in an important testimony about the role of the elderly in the edu-
cation of children and young people: “The physical, social and spiritual needs are met, throughout the community, with the education and values offered by older people.” I was witness to this in a recent work experience in collaboration with a school project, the main objective of which was to foster intergenerational contact and to promote the return of older people to school. Workshops were conducted in several areas, including the arts and literature, followed by small gatherings, attended by students from the 2nd and 3rd cycle and elderly people, aged between 70 and 96 years. This experience proved to be truly rewarding and illuminating for both groups, fortified by the exchange of knowledge and by creating bonds between them. What can one do with all these feelings? It is time to transform them, to multiply futures. Because, what is a country without its elders? It is up to each of us to make the difference around us and to realize that, regardless of age, life must be lived with simplicity, knowing how to enjoy the beautiful, because “Youth is happy because it has the ability to see beauty. Anyone who keeps the ability to see beauty never ages “(Franz Kafka quoted in Janouch, 2008). Sofia Traquinas, Social Assistant Image: Marisa Nunes
__________________________________________________ References: Eugen Berthold Friedrich Brecht. n/d. Lendas, parábolas, crônicas, sátiras e outros poemas. Translation by Paulo Quintela. Available at http://www.citador.pt/ poemas.php?op=10&refid=200810060312. Accessed on 29/01/2013. vNeald Donald Walsch. 1999. Conversas com Deus – Livro 3. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações Gustav Janouch. 2008. Conversas com Kafka. Rio de Janeiro. Novo Século Editora
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Susana Chasse # SEM NOME A ideia de “experienciar” tudo como se da primeira vez se tratasse, estando totalmente disponível para contemplar o que nos rodeia, sem aceder ao “banco de memórias” que é o nosso conhecimento prévio das coisas, é um dos meus principais interesses. A “arte sem artifícios” ou a “arte autêntica” de que o Zen fala, indicia algo sem finalidade, sem intenção, pois a vontade e a intenção são aquilo que provoca a tensão naquele que faz, criando a sensação de separabilidade, de que resulta a impossibilidade de abarcar a totalidade. Tal como Eugen Herrigel1 afirma, “a autêntica criação só é possível no estado de genuíno desprendimento de si, durante o qual o criador não pode estar presente como “ele próprio”. Só o espírito está presente, numa espécie de vigília, a qual, precisamente por não apresentar a tonalidade do “ele próprio”, ganha toda a distância e toda a profundeza, como olhos que ouvem e ouvidos que vêem”. O princípio fundamental associado a esse estado é o de estar no aqui-agora, sem tempo, sem passado – ou seja, sem memórias – nem futuro, ideia associada sempre à expectativa daquilo que poderá vir a ser ou resultar. O resultado é só uma consequência da acção e não o objectivo. Ao estar no eterno presente, calamos a mente e estamos totalmente presentes e acordados naquilo que contemplamos: passa a não existir observador e observado, fundindo-se ambos num só. Toda a dúvida, medo e pretensões serão banidas, uma vez que deixa de haver espaço para existirem. Como Allan Watts2 nos explica, daí nasce a sensação de “não haver tempo”, pois, graças ao “acordar para o instante”, verificamos que o passado e o futuro são “fugitivas ilusões”, e que o presente é eternamente real. Este estado é como a “essência da mente”, o “ver a sua própria natureza”, não de uma forma intelectualizada de autoanálise, revelando “o homem verdadeiro sem rótulos”. Deixa de existir o “Eu” e o “Tu”, a mente, o mundo, à me-
dida que a nossa mente se encontra pura e calma. A visão dualista e discriminativa do mundo, o bom e o mau, isto ou aquilo, o Tu e o Eu, desaparece. Vive-se o momento sem julgamento, sem mente. Basta uma inspiração profunda e retomamos ao centro. Ao inspirarmos profundamente, não pensamos, é impossível pensar, a nossa cabeça, pura e simplesmente, não existe nesse momento, por isso voltamos ao vazio do nosso centro sem dualidades, sem partidos. A concentração não consiste em fazer tudo por observar algo: a concentração é sinónimo de liberdade, o foco é no vazio. A nossa verdadeira natureza está para além da nossa experiência consciente. Ela é eterna e imutável, sem tempo nem espaço. É o vazio da mente ou a calma absoluta. A ideia que me interessa reter consiste numa mente vazia de qualquer conhecimento prévio, da totalidade na acção, o aqui e agora, um momento sem tempo, sem espaço, sem limites entre o que observa e o que é observado. Ele É a mente silenciosa sem sujeito. Onde as coisas não têm nome, uma vez que o nome, é o dedo que aponta mas não é a coisa em si. É tocar o Verbo daquilo que nos rodeia e co-criá-lo através dos nossos olhos. Conceitos são redes de conhecimento que nos toldam a visão. Se eu conhecer pouco, verei pouco. Vêem através do foco da minha intenção ou comparação, e assim, vou estar confinada ao cubículo do ser, sem tocar a essência das coisas. O Verbo está lá para ser visto. Não tem nome. Susana Chasse, Pintora Imagem: Susana Chasse http://chassechasse.wix.com/susana-chasse
___________________________________________________ 1HERRIGEL, Eugen. Zen e a Arte do Tiro com Arco, Assírio & Alvim, Lisboa, 2007. 2WATTS, Alan W. O Budismo Zen, colecção Questões, Editorial Presença, Lisboa,
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# NO NAME The idea of “experiencing” everything as if it were the first time, being fully available to contemplate what surrounds us, without accessing the “memory bank” which is our prior knowledge of things, is one of my main interests. “Art without artifice” or “authentic art” that Zen speaks of, suggests something without purpose, without intention, because the will and intention are what produces the tension on the one who performs, creating a sense of separateness, which results in the failure to embrace the whole. As Eugen Herrigel1 states, “authentic creation is only possible in a state of genuine selflessness, during which the creator cannot be present as “him/herself.” Only the spirit is present, in a kind of vigil, which, precisely by not presenting the “him/herself” tone, gains all the distance and depth, as “eyes that hear and ears that see.” The fundamental principle associated with this state is that of being here and now, without time, without past – i.e., without memories – and no future, an idea always associated to the expectation of what could be or result. The result is only a consequence of the action, not the objective. While remaining in the eternal present, we silence the mind and remain totally present and alert in relation to what we behold: there is no longer the observer and the observed, the two merging into one. All doubt, fear and claims will be banned, since there is no longer room for any. As Allan Watts2 explains, therein arises the feeling of “absence of time” because, thanks to “waking up to the moment”, we find that the past and future are “fleeting delusions” and that the present moment is the eternally real. This state is like the “essence of the mind”, “seeing your own nature,” not in an intellectual form of self-analysis, revealing “the true man without labels.” There ceases to be “I” and “You”, the mind, the world, as our mind becomes pure and calm. The dualistic and discriminative view of the world, good and bad, this or that,
You and I, disappears. We live the moment without judgment, without mind. We just need to take a deep breath to resume the centre. When we breathe in deeply, we do not think, it is impossible to think, our mind simply does not exist right then, so we return to the emptiness of our centre without dualities, without choosing sides. Concentration is not about doing everything to observe something: concentration is synonymous with freedom, the focus is on emptiness. Our true nature lies beyond our conscious experience. It is eternal and immutable, without time or space. It is the emptiness of the mind or the absolute calm. The idea that interests me consists in a mind void of any prior knowledge, of all action, the here and now, a time without time, without space, without boundaries between the observer and what is observed. It IS the subjectless silent mind. Where things have no name, since a name is a finger pointing but not the thing itself. It is touching the Word of what surrounds us and co-create it through our eyes. Concepts are networks of knowledge that the blur our sight. If I know little, I will see little. They see through the focus of my intention or comparison, and so, I will be confined to the cubicle of being, without touching the essence of things. The Word is there to be seen. It has no name. Susana Chasse, Painter Image: Susana Chasse http://chassechasse.wix.com/susana-chasse
___________________________________________________ 1HERRIGEL, Eugen. Zen e a Arte do Tiro com Arco, Assírio & Alvim, Lisboa, 2007. 2WATTS, Alan W. O Budismo Zen, colecção Questões, Editorial Presença, Lisboa,
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Susana Chasse, Pintora / Painter | http://chassechasse.wix.com/susana-chasse
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Susana Chasse, Pintora / Painter | http://chassechasse.wix.com/susana-chasse
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