Revista de performance

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HIPÓTESE


Ilustração de capa: Vanu TG


“Hipóstase / hypostasis - é um termo grego que pode se referir à natureza de algo, ou a uma instância em particular daquela natureza. O termo passou a ser um sinônimo da palavra latina persona, o indívuo de uma natureza racional.2 A partir do século IV passou a ser contrastado com o termo ousia como significando 'realidade individual' nos contextos cristológicos e trinitários. 1 O termo ainda é utilizado em grego moderno com o significado de "existência", juntamente com o termo ὕπαρξις (hýparxis) e τρόπος ὑπάρξεως (tropos hypárxeos), este último significando "existência individual". O termo é utilizado para indicar a "a auto-manifestação de um indivíduo" que pode ser expandida por meio de outras coisas. Por exemplo, um pintor que inclui seu pincel em seu próprio prosopon1.”

A parte que nos caracteriza e nos apresenta: o rosto, exposto e vulnerável, face do embrulho que guarda nosso intelecto, nossa memoria, nosso aprendizado, área que se estende da testa ao queixo, escolhido para a foto de identidade como documento oficial do governo, mas também concebido por nós como identidade, marcado pelo tempo, e pela experiência, modificado diariamente por todo o tipo de maquiagem ou cirurgia, a mercê de uma incessante busca eterna pela beleza e juventude, vitima diária do culto contemporâneo da boa aparência. Mas principalmente protagonista de um paradoxo: dos mais pintados, aos nus, somos todos incapazes de ver nossa própria face. Hipotese, apresenta performances de diferentes artistas que apresentam em suas obars conceitos ligados à incapacidade da identificação do individuo, onde o rosto se torna suporte para esta e outras questões. Anamnes de Mayara Polizer conciste na ação que apaga fotos 3x4 de desconhecidos, dissipando a memoria dessas pessoas; Em Prosópon Fernanda Heitzman utiliza uma máscara-capuz em que camufla o rosto, mas ao mesmo tempo observa a multidão; Juliana Sofia Lepera pinta a própria face para realçar as expressões da vídeo-performance Exagero; Regina Próspero envolve pedaços de carne em sua cabeça, diante de um espelho em Turva; As fotografias Luisa Mantoani em Mundus Mulierbris mostra a artista maquiada de forma exagerada e caricata.

Texto de: Mayara Polizer, Regina Prospero e Fernada Heitzman Edição Fnal, Juliana Sofia Lepera.

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APRESENTAÇÃO.................................................................3

MAYARA POLIZER - ANAMNES ........................................6 FERNADA HEITZMAN – PROSÓPON .................................9 JULIANA SOFIA LEPERA – EXCESSO ................................11

REGINA PRÓSPERO - TURVA ..........................................14 LUISA MANTOANI - MUNDUS MULIERBRIS.....................17


MAYARA

POLIZER Anamnese


7 Fotos de rostos, conhecidos e desconhecidos, repetidos ou não, cobrem uma área de aproximadamente 100X 70, e são apagadas, com o auxilio de um pano umedecido com revelador (químico fotográfico), pela própria artista. Este apagamento se dá devido ao processo químico que ocorre com o papel fotográfico quando ressensibilizado pelo revelador, que escurece deixando apenas um borrão negro no lugar dos rostos. Esse apagamento de identidade, por si só já é impactante, mas é reforçado quando nos damos conta que a substancia usada para tal, é chamada revelador, aquele que no processo analógico tem como principio justamente o contrario, tornar visível uma imagem, na obra de Mayara Polizer é usado para retira a individualidade de pessoas, não sendo possível ao final diferenciar o rosto, o sexo, a idade, a cor e tipo físico dos indivíduos das fotos. Fora este apagamento brusco e visível, ocorre outro lento, que pode por vezes passar despercebido, as fotografias ali expostas estão sendo apagadas pela luz, devido a falta de uma etapa importante para a fotografia analógica a: fixação, esta que foi por muitos anos buscadas por muitos cientistas, físicos, alquimistas, não interessa a artista que opta por trazer de volta o tempo a imagem, fazendo dela tão efêmera quanto os próprios rostos ali expostos. As fotos 3 X 4 são concebidas como fotos oficiais de documentos de identidade : RG, passaporte, carteira de motorista, etc. Esses documentos são pessoais, obrigatórios e de uso cotidiano, ao tira los deixamos registrados diversas formas de identificação, como a assinatura, impressões digitais e outras informações como endereço e localização para quando necessário sermos identificados, sendo apartir dai considerados cidadãos de deveres e direitos, oficialmente pertencente


8 a um espaço, detentores de nome, e identificados pelo governo através de um numero. Por outro lado, aquela minúscula que tem sua utilização bem especifica: identificar e padronizar, ganha por vezes sentidos muito mais subjetivos, podendp ser quase tesouros em miniatura, relíquia de família, lembrança de um ente querido, de um amor, namorado, e são guardados na carteira , onde mesmo que as vezes esquecida, permanece como indicio de afeto. Anamnese é o resultado de uma subversão dos processos analógicos de revelação fotográfica, seu aspecto técnico e metalinguístico é intrínseco a obra, mas ganha a usa los como ferramenta para questões fora da fotografia, criando o paradoxo de se apagar uma identidade com uma substancia chamado revelador, tornando efêmeras as imagens para falar da efemeridade daqueles representados . Regina Prospero


FERNANDA

HEITZMAN Prosópon No vídeo Prosopons, em grego, máscaras, a performer caminha com a cabeça coberta por um capuz (espécie de saco de batatas) que permite que veja e seu rosto não seja visto. Percebemos isso quando ela caminha naturalmente. Este fato por si só já leva a crer que a artista deseja anular sua identidade. Identidade, aliás, que está presente em sua produção, que muitas vezes apresenta figuras humanas sem revelar seus rostos, também anulando a relação de tempo/espaço. No entanto, sua ação a coloca em duas condições: observadora e observada; entra num paradoxo. A multidão em geral é tão homogênea que ao cobrir o rosto em São Paulo, onde a multidão é que torna os

rostos invisíveis, atrai toda a atenção para si ao mesmo tempo em que sua presença demora a ser percebida, na estação Sé do metrô, por exemplo. É um destaque por meio da anulação. A cobertura do rosto evidencia o corpo, pois causa curiosidade e até medo nos transeuntes. O medo, talvez por lembrar os carrascos da Idade Média, ou pelo conceito que temos de que rostos cobertos estejam ligados a más intenções. Por outro lado, os comentários e xingamentos são inevitáveis e, portanto, a busca por uma maior desenvoltura, por uma desinibição por meio de esconder o rosto só evidencia seu medo sobre o que as pessoas vão dizer sobre ela. Desta forma, também trata dos sentimentos que por vezes temos que esconder por baixo de uma máscara.


10 Aparentemente, o aspecto físico da máscara lembra as máscaras sensoriais de Lygia Clark, uma vez que as de Clark, como o nome da obra sugere, tem o propósito de gerar experiências sensoriais para o autoconhecimento do corpo. Neste sentido, Prosopons busca também um autoconhecimento, mas não sensorial, e sim psicológico, que tenta camuflar a timidez da performer, lidando com os olhares voltados a ela. A ação trata de questões particulares da artista, como o medo de usar o corpo como meio de expressão e a vergonha. Mas não fica restrita a ela, por ser um tema de fácil identificação com outros perfis dos possíveis espectadores. E para isso é importante que ela também esteja desse outro lado de “causadora de constrangimentos”. Também tem certa relação com a performance Reflexos - ensaio sobre o vazio, de Felipe Vasconcellos, que produz uma roupa de espelhos e também caminha pela cidade, no que diz respeito a presença de um corpo estranho ao resto da multidão e que altera o espaço onde se inserem. As pessoas fogem, desviam, mudam seu trajeto. A relação obra/público nesses dois trabalhos é bem marcante. O fato de terem mudado a rotina das pessoas com o simples fato de estarem presentes já é uma característica da arte contemporânea. Apropriam-se do espaço público e o modificam. Sara Oliveira

Acesso em: https://vimeo.com/87868092


JULIANA SOFIA

LEPERA

Excesso


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A vídeo-performance Excesso da artista Juliana Sofia Lepera é constituída por dois vídeos que divide a imagem, as ações acontecem simultaneamente para exaltar que não é um ensaio. No vídeo a performer pinta o próprio rosto com tinta branca, criando uma mascara, e posteriormente tinta preta em lugares específicos como sobrancelhas, olhos e bochechas. Durante a ação a artista vai modificando suas expressões, tornando-as exageradas. Ao termino da performance ela borra toda a maquiagem com as mãos e volta a ter o rosto sereno do inicio do vídeo.

A ação é diretamente relacionada com as expressões exageradas de atrizes dos filmes antigos, como Marilyn Monroe, que tinham que passar uma imagem muito feminina, com muita perfeição e sem erros. Desse modo suas atitudes durante as cenas eram teatrais e pouco naturais. Esses filmes promoviam de certa forma, um padrão de beleza que não admitia mulheres com rostos sofridos como protagonistas. Juliana Sofia Lepera também questiona em sua obra como a maquiagem pode mudar completamente o rosto de uma pessoa. Há nos dias atuais uma hipervalorização dos


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produtos de beleza, que prometem mudanças rápidas e com bom resultado. A maquiagem é uma mascara que pode esconder defeitos estéticos, e consequentemente para muitos defeitos internos, aumentando assim a autoestima. Tanto nos filmes antigos quanto na indústria de produtos de beleza há uma busca pela perfeição. Os materiais usados e as poses exageradas são artifícios para busca de um estereótipo, o da mulher ideal. Como esse estereótipo não existe e nunca existirá, na performance a artista faz a ação num lugar escuro, uma penumbra que passa a sensação de medo, tanto pelo tamanho da projeção quanto pelas expressões exageradas. Regina Próspero

Acesso em:

http://vimeo.com/88287445


REGINA

PRÓSPERO Turva


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“Turva” é o nome da performance apresentada pela aluna Regina Prospero. Aconteceu no dia 5 de outubro às 8 horas, com duração aproximada de 30 minutos na sala de prátrica de performance no prédio 1 da Faculdade de Belas Artes de São Paulo. A artista sentou-se em uma cadeira em frente a uma mesa, colocada junto a uma parede. Sobre esta mesa esta um espelho na posição vertical, também apoiado à parede. Sentada à mesa, passa pedaços de carne em sua imagem no espelho e em seguida costura este pedaço de carne a outro, formando uma tira. Assim faz com os demais pedaços ao longo de sua apresentação. A ação termina quando todos os pedaços estão costurados uns aos outros e Regina coloca sobre sua cabeça e rosto esta peça que agora contém os pedaços de carne unidos. Segundo Regina Próspero, o trabalho questiona a busca pelo corpo perfeito, fazendo referencia a cirurgias e demais intervenções para atingir um ideal de beleza imposto pela sociedade vigente. Parte do principio de que o conceito de beleza da maioria das pessoas esta associado ao corpo físico, representado aqui pela carne bovina. A referencia artística foi a obra de Artur Barrio intitulada “Livro de Carne”. Mas podemos relacionar diversos outros artistas que utilizaram esta matéria efêmera para construir sua obra como, por exemplo, Adriana Varejão.


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A artista, ao passar a carne pelo espelho, tem a sensação de que sua vista esta turva, mas na verdade o espelho é que esta com resíduos que não permitem uma definição da imagem refletida. O que é visto ali não condiz com a realidade, como acontece com muitas pessoas portadoras de transtornos. “Turva” é uma ação instigante, pois trata da imagem da artista em contato com um material que algumas vezes causa estranhamento quando utilizado em obras de arte. Neste caso a carne exerce também uma função de agressiva simplesmente por ser um material que apodrece, e representa o resíduo de algo que já teve vida. Efêmera, esta carne cumpre o seu papel de retirar a imagem perfeita do espelho, embaçando a figura da artista, deformando sua imagem no reflexo. Ao final da ação a performer tapa seus olhos com os retalhos de carne costurados uns aos outros passando a impressão de que às vezes é melhor não ver mesmo aquela imagem turva, deformada de alguma forma, tão inaceitável e distante do que é considerado belo, perfeito. Ao assistir a ação, a princípio o espectador pode não se sentir convidado diretamente a refletir sobre a vaidade humana, mas de alguma forma percebe uma conexão com imagem, pois é esta a principal associação quando nos referimos a espelhos. Já a questão da obsessão pode ou não vir a aparecer ao longo da ação, já que não encontramos nenhuma referencia direta a ela ao longo da performance. Seria necessária

uma interpretação mais profunda, ou um conhecimento prévio da proposta por parte do espectador. A exploração de quem observa e isso pode ou não ser possível, pois temos muitos fatores que precisam colaborar para isso como, por exemplo, uma expressão facial, uma velocidade maior nos movimentos e etc. “Turva”, traz questões relacionadas a imagem, mas não encontramos na ação a relação com a questão da obsessão que foi uma das motivações da artista para realização da obra e que estaria permeando toda a questão da imagem durante o trabalho. Cau Falkas


LUISA

MANTOANI Mundus Muliebris

A artista Luísa Mantoani apresentou, no dia 29 de outubro de 2013, no Centro Universitário Belas Artes São Paulo, a performance Mundus Muliebris, em duas partes: uma exposição fotográfica de uma ação ocorrida anteriormente e, ao vivo. As fotografias são portraits de Mantoani, em cores. Cada imagem mostra a artista maquiada de forma diferente, mas sempre de forma exagerada e caricata. As obras foram expostas em uma única linha, à altura dos olhos, fixadas diretamente sobre uma parede branca.

A performance ao vivo aconteceu na Unidade I do Centro Universitário Belas Artes São Paulo e durou 2 horas. Iniciou-se com Mantoani maquiando-se ao caminhar, sem espelho ou qualquer auxílio. A performer faz as seguintes paradas: toilette feminino do primeiro andar; escadaria; e toilette feminino do segundo andar. Nos 3 locais, permanece imóvel por aproximadamente 15 minutos em cada. O trabalho de Mantoani coloca em cheque a noção social do embelezamento associado à mulher. Tanto a questão dos exageros, quanto as questões de


18 gênero, identidade e sociedade. Em diálogo direto com Olivier de Sagazan, a artista se coloca também como uma tela a se desfigurar. Esta sua transfiguração, ao contrário da de Sagazan, permanece no limiar deste “real” esperado pela sociedade. Mantoani se desfigura mas não ao ponto de ser irreconhecível como mulher, como uma mulher que se maquia. Sagazan se transforma em outro ser, enquanto Mantoani permanece em sua identidade e em seu gênero. Devemos considerar também a relação com as fotografias de Cindy Sherman. Assim como Sherman, Mantoani também tem um posicionamento feminista e questiona o uso de maquiagem e adereços. Apesar de Sherman ser

consideravelmente mais irônica que Mantoani, ambas artistas recorrem à caricatura. O caricato está presente também no clown, de onde podemos detectar a influência da artista Laura Lima, com o trabalho Palhaço com Buzina Reta - Monte de Irônicos. Mantoani questiona o papel da mulher na sociedade, tanto através do exagero irônico quanto da delicadeza do clown, resultando em um trabalho sensível e comovente. Há também um posicionamento frente à maquiagem, exagerada ou não. O exagero é apenas um recurso narrativo, ao contrário da posição frente à cobertura do rosto e da pele com produtos artificiais. Esta, por sua vez, é claramente feminista ao se opor à imposição social em relação à aparência feminina. Carolina Vigna


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