CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO Bacharelado em Artes Visuais, Pintura, Gravura e Escultura
FERNANDA HEITZMAN AM7BAV
Trabalho apresentado à disciplina de Orientação Profissional VI – Crítica ministrada pelo Professor Natalício Batista para obtenção parcial da nota bimestral.
Maio 2014 São Paulo
Disserte sobre o papel da crítica enquanto recurso constitutivo da produção cultural e artística da sociedade moderna e apresente dados e argumentos sobre a “crise” e ou a “falência” da crítica nas sociedades atuais, consideradas globais, multiculturais e de informação, bem como diante da emergência da presença do curador e da institucionalização da produção cultural e artística. Bibliografia SALZESTEIN,
Sônia.
De
Baudelaire
a
crítica
contemporânea
In
Transformações na esfera da crítica, Funarte: Rio de Janeiro, 1999. P. 83-89
De forma abrangente, a crítica pressupõe um sujeito auto-reflexivo, tratando de interrogar condições atuais – “portadora de um empenho cognitivo e dotada de uma capacidade de apreensão do geral”. No campo da arte, a crítica pressupõe experiência – concepção do trabalho de arte, com critérios próprios e autônomos. A utopia moderna era a de que esse exercício crítico, motivado pelo fim supremo da racionalidade, seria sempre capaz de retificar os desvios irracionalistas de uma natureza resistente à cultura, de firmar-se como um instrumento metódico pelo qual o sujeito moderno poderia alcançar a universalidade, ou a uma Razão que realizaria os fins da condição humana, para além do entrechoque cego dos interesses particulares. (SALZESTEIN, Transformações na esfera da crítica, p-84) Em meados do século XIX, a cultura já delineava seus próprios modos de funcionamento, fazendo com que a crítica se disseminasse como força decisiva de transformação: “firmou-se com um estatuto cultural todo próprio, aí se cristalizou como gênero, sistematizou-se, franqueou-se ao domínio dos iniciados e principiou a atrair e influenciar um universo anônimo de leitores... irradiando a ideia de militância cultural para além do nicho especializado da
crítica de ofício, estimulando manifestos, plataformas e reflexões de artistas e poetas”. Com isso, o curador ganha notoriedade, ou seja, a figura do curador realiza a totalidade projetada pela Razão, consumado uma racionalidade imanente – uma vez que é com ele que se ocorre a assimilação da obra de arte, incluindo-as nas dinâmicas institucionais. Nesse sentido, além da crítica ter o papel de dissecar a linguagem na esfera da arte, deve elaborar critérios de inserção social desses trabalhos. Nesse ponto lembro o óbvio: o surgimento da arte moderna está indissociavelmente ligado ao vicejamento desse pulso crítico. Não por acaso, a tábula rasa da tradição
constituiu
um
procedimento-chave
dos
movimentos de renovação artística pelo menos desde o impressionismo, e foi graças ao dadaísmo e ao surrealismo que pudemos atinar para o sentido político emancipatório que a prática da crítica poderia ter quando experimentada num grau extremo, isto é, como negação. Foi a partir desses dois movimentos, diga-se de passagem (e é claro, das
novas
condições
culturais
precipitadas
pela
modernidade), que nos tornamos aptos a perceber criticamente toda a história da arte precedente como uma “instituição”, que pudemos exercer a crítica da própria instituição-arte, e que aprendemos, afinal, o procedimento da crítica permanente da própria crítica, implicando esta a afirmação de um sujeito reflexivo emancipado mas que não cessaria de submergir na esmagadora processualidade do mundo, de se colocar em xeque e auto-desmistifcar. (SALZESTEIN, Transformações na esfera da crítica, p-86) Nesse sentido, estabeleceu-se uma contradição, de maneira que ao mesmo tempo em que a arte ganhava sua autonomia, cada gesto estava ligado à institucionalização. Porém, sempre com a possibilidade de subverter esse jogo burlando sua dinâmica. No interior dela, é possível vislumbrar e denunciar
os enquadramentos ideológicos sobre a produção cultural a fim de redirecionar seu próprio modo de funcionamento. A crítica para se realizar na atualidade tem mais dificuldade, pois ela se encontra em um sistema cerrado da instituição. Na década de 80 tal atividade sofre uma profunda transformação por conta das mudanças políticas, sociais e econômicas, criando polaridades ideológicas: oposições políticas (todos voltados a um projeto de vida pública – movimentos sindicais, feministas, de partidos) e a projeção dos EUA como potência hegemônica. Com isso, o crescimento do mercado como paradigma de bem-estar social. Todo contexto sempre foi importante para sua concretização, porém neste momento, vinculouse às demandas profissionais, setorizadas e corporativas das instituições contemporâneas de arte, abdicando-se do horizonte público e universalista da produção acadêmica e intelectual. Sendo assim, nas duas últimas décadas a produção de textos surge em catálogos de exposições subordinados a interesses corporativos e mercadológicos. O passado remoto da arte moderna e referências históricas têm sido ignorados, fazendo com que tais projetos se desenvolvam dependentemente através de museus, galerias, etc., demonstrando rapidez e ecletismo, fazendo com que se apresente como uma modalidade da arte, o papel do curador se funde com a produção artística. Assim, as barreiras que separam um de outro se dissolvem gerando uma posição rebaixada, instrumento ideológico do totalitarismo modernista. Afinal, ambos os lados ganham reconhecimento – “uma imersão positiva, sem reflexividade, quase uma adesão”. No entanto, o que se vê atualmente é a busca de uma nova compreensão da forma, ou de novas possibilidades de formalização, fazendo com que a crítica e a produção artística operem sob uma perspectiva materialista, deslocando seu papel para um espaço público de negociações de conflitos, com sua profissionalização e atomização, a fim de fixar critérios, hierarquias e cumprir a ideia de racionalidade. Baudelaire afirma que “a crítica como experiência, isto é, pontualmente comprometida no processo de constituição do trabalho de arte, percebendo-o através de uma espessura histórica, propugnando, enfim, critérios próprios e
autônomos”. Apesar da ambiguidade, esperava-se que a crítica preservasse um sentido normativo ou que fosse motivada pelo empenho cognitivo. Sônia Salzestein indaga sobre as questões da crítica atual: Se a crítica de hoje ainda é portadora de experiência, se ela se encontra o tempo todo coagida por uma racionalidade institucional “que se manifesta como realização perfeita mais invertida da razão moderna” e se a racionalidade tende a se apresentar descolada de critérios normativos que a crítica lhe fornece; Parece contemporânea,
cada a
vez
mais
vigência
difícil, dessa
na
situação
dimensão
da
experiência, ao menos nos termos aos quis até aqui estivemos acostumados (mesmo que se considere que ela é portadora de uma fratura de origem, dada a possibilidade permanente de sua subordinação a uma racionalidade extrínseca e alienante). (SALZESTEIN, Transformações na esfera da crítica, p-84-85)