Edição N.° 5 Agosto de 2004 Distribuição Gratuita
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Duplo Ippon Carpado C
hega às Olimpíadas e a TV brasileira se infesta de gente que nunca passou pelas salas de aula do curso de Jornalismo. Nomes consagrados dentro das pistas e quadras explicam aos leigos as estratégias e os segredos de modalidades não tão tradicionais em nosso cotidiano. Em busca de uma informação mais completa e um conhecimento menos supérfluo, quase nenhum telespectador parece lamentar a ausência de diplomados nas transmissões. Brasileiro não gosta de esporte amador. Brasileiro gosta na verdade é da Olimpíada. A assertiva do colunista da Folha de São Paulo, José Geraldo Couto, reflete, e muito, a realidade presenciada em todos esses anos nas redações dos jornais diários, hebdomadários, estúdios de rádio e TV. Com honrosas exceções, falta conhecimento para repórteres e narradores explanarem sobre modalidades pouco presentes no noticiário do dia-a-dia. “Não se exige que o jornalista saiba que a execução total de um movimento de um competidor de salto com vara é composto de aproximação, decolagem, vôo e aterrisagem. Nem que a vara deve ter o comprimento de quatro metros e noventa centímetros. Desconhecer, entretanto, que o maior desportista da história, recordista e hexacampeão mundial, é o ucraniano Sergey Bubka denota incompetência profissional”, sentencia Álvaro José, comentarista da Band TV de “trocentos” esportes. Eclético e minucioso na tarefa de pesquisar, Álvaro fala com propriedade de modalidades tão distintas como o badminton e o levantamento de peso. Legionário nas
FABIO CORREA (FABIO@OLHONOLANCE.COM) coberturas no árido e infecundo segmento do esporte “amador” brasileiro, ele começa a cooptar discípulos, paulatinamente, nos mais diferentes veículos de nossa imprensa. Felizmente. Entre as principais razões para esse aprimoramento nas coberturas de esportes menos tradicionais, que são desconhecidos por grande parte da população, estão a iniciativa, há alguns anos, dos canais fechados de TV – que exibem em sua grade de programação várias dessas modalidades não tão convencionais no país contratarem ex-jogadores, dirigentes à comentaristas para explanarem somente sobre o seu “métier”, que, apesar de muitas vezes não terem o domínio da linguagem e o poder de síntese adequados, asseguram uma maior credibilidade para o tema debatido; e a facilidade e a rapidez de achar informações na Internet sobre qualquer modalidade esportiva, obrigando o bom profissional da área a reciclar-se sempre.
de ginástica para evitar mancadas. “O jornalista deve ser humilde, chegar nos técnicos, nos atletas e perguntar detalhes que desconhece”, ensina. “Se não estiver preparado, é fácil se enganar, acontecem alguns erros, a gente confia muito nos releases”
AOS FENÔMENOS
“Eu respiro Daiane”. È assim que Tamara Hauck, setorista de ginástica pela Zero Hora, relata o seu cotidiano. Elevado ao Olimpo, os saltos, parafusos e piruetas dos ginastas ganharam relevância depois da conquista do ouro no solo no Mundial de Anaheim pela fenômeno Daiane dos Santos. Tamara reconhece que tem mais facilidade em tratar do assunto, pois praticou o esporte em sua juventude. Mesmo assim, faz monitoramento de vários sites
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ALHOS COM BUGALHOS
A falta de embasamento faz com que o jornalista, em muitas transmissões, acentue as críticas ou elogie exageradamente façanhas de um atleta. O exemplo mais vivo na memória de todos Letícia Senna, do jornal O Sul, é Gustavo Kuerten. Basta uma assegura que equívocos são derrota de Guga no circuito da normais em coberturas até ATP para espargirem-se verriem partidas de futebol. Deca nas ácidas sobre o desempenho Soares, da Zero Hora, é mais do tricampeão de Roland Garcategórica. Afirma que as matérias de esportes amadores são ros, detentor de títulos inéditos de um esporte até então desmais bem trabalhadas pelos prestigiado por aqui. “Ninguém parece Ninguém parece assimilar que assimilar que não não há tenista que conquiste há tenista que con quiste todos os todos os títulos que disputa títulos que disputa”, argumenta Deca Soares. Tamara repórteres. “O jornalista que cobre esses tipos de esporte vai Hauck, tem uma previsão pessimista “Todos esquecerão o fazer melhor, já que vai pesquique a Daiane já fez, caso ela não sar, ler e explicar ao leitor de ganhe a medalha de ouro na uma forma mais minuciosa”. Olimpíada”. A anêmica cultura esportiva Relegados ao décimo quarto presente em todas as esferas plano na maior parte do tempo da sociedade nacional reduz a no Brasil, com espaços ínfimos cobrança da maioria da popudisputados a tapas nos órgãos lação em cima dos jornalistas de imprensa, boa parcela dos por uma qualidade superior nas esportes antigamente rotulados coberturas das modalidades. É de amadores convive com a por essas e outras que locutores indiferença e o esquecimento como Galvão Bueno e Luciano da mídia, conquistando prodo Valle perduram-se há anos à jeção somente em épocas de frente de transmissões de vôlei Olimpíada e de Pan-Americano, ou então graças aos feitos de praia, hipismo, hóquei sobre patins, boxe, luta greco-romana, épicos de algum fenômeno que arco e flecha.... quase sempre surge de tempos em tempos roubando o lugar dos comennesta terra abençoada. Até nessas horas, muitas vezes é grande taristas, e largando de vez em quando inacreditáveis falácias e a decepção dos abnegados e improvisos que ferem o ouvido apaixonados que lutam para menos leigo. “O Galvão fala impulsionar sua modalidade preferida quando observam que tanta bobagem numa transmissão de Fórmula-1 que não o destaque da notícia no jornal sei como nunca reclamam”, foi somente de três linhas, que disse certa vez Nélson Piquet. a informação saiu errada ou
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A DEPENDÊNCIA EM RELAÇÃO
que a cobrança por resultados é exagerada.
Imaginem então o narrador comentando uma regata de vela... Hiltor Mombach, do Correio do Povo, aliás, diz-se impressionado com o falso saber que alguns jornalistas regurgitam por aí. “Como o cara pode falar que a regata foi acirradíssima, se a competição foi lá em alto-mar, longe de todas as câmeras?”, debocha. Arataca, técnico de atletismo da Sogipa se enfurece com a inépcia: “Tem cara que não saca nada e vem na maior cara de pau e lasca um “e aí?”. Por outro lado, um erro na informação passa despercebido pelo leitor pouco habituado ao cotidiano de atividades esportivas como o decatlo, a luta greco-romana, etc. “Uma vez fiz uma matéria sobre marcha atlética dizendo que uma das regras exige que o atleta nunca deixe os dois pés ao mesmo tempo longe do solo. A foto que ilustrava (a matéria) indicava o contrário. O fotógrafo registrou o exato momento que o atleta infringia a norma”, lembra Deca Soares. Ninguém ligou para a redação da Zero Hora reclamando da “barriga”. “Somos sempre o país do futebol, de vez em quando do vôlei, de vez em nunca do basquete. Só se presta devida atenção em outros esportes quando temos ídolos e eles estão vencendo”, critica André Kfouri, da ESPN Brasil. Por isso, a briga desses abnegados repórteres por espaços maiores para o esporte amador é tão complicada. “Os editores às vezes parecem não ter a compreensão da infiltração dessas matérias. Quando fiz uma reportagem sobre rúgbi, logo após a publicação várias pessoas foram procurar os locais de prática”, diz Tamara Hauck.
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Entrevista
Atenas
De Barcelona a
Hiltor Mombach é um sujeito de comentários perspicazes. Na entrevista, arremata as perguntas de primeira, mesmo se vêm quicando ou com malícia. Sátiras e humores próprios. Tem vasta bagagem na cobertura jornalística de esportes amadores e profissionais, por isso está escalado para cobrir os gaúchos nas Olimpíadas pela quarta vez. Entrevistaram: Carlinhos Caloghero, Fabio Correa, Pedro Alencastro
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Quantos profissionais a Caldas Jr. vai enviar para Atenas? HM: Três. Eu, eu e eu.
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Um só?
HM: Não. Vai eu e o Rodrigo Koch.
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Qual vai ser a prioridade da cobertura da Guaíba? HM: Gaúchos. Vamos viajar para cobrir os gaúchos. Eu criei isso em 92. Antes, olimpíada era falar do americano que ganhava lá, do russo que ganhava ali. E da gauchada velha não saía nem meia linha. Aí eu resolvi que ia cobrir a gauchada. E no fim acabou dando sorte, porque naquele ano tinha gaúcho na seleção de vôlei. E ficou assim. De vez em quando aparecia em três ou quatro linhas alguma coisa sobre um gaúcho na vela que chegou em trigésimo lugar. Estava ótimo. Era o que eles queriam. As pessoas imaginam “ah, mas o cara chegou em oitavo”. Mas meus amigos, olimpíada é olimpíada.
ONL: Tu acha que se a Daiane dos Santos, que é considerada favorita no aparelho solo, não ganhar a medalha de ouro, ela pode ficar marcada na mídia como um fracasso, como muitas vezes acontece com o Guga? HM: A diferença é que o Guga pode perder uma vez por semana. A Daiane não. É o último tiro, por causa da idade. Essa é a questão. Olimpíada é um tiro a cada quatro anos. O Guga tem um torneio por semana e o negócio dele é grana. Já a Daiane, nem dinheiro é. Isso que é sacanagem! Agora,
eu vou registrar todo o dia que a Daiane já venceu. Ela merece ser recebida com caminhão de bombeiros. Não interessa o resultado. Mas caso ela não se der bem, não vai ser um fracasso. É um dia na vida da pessoa e tu precisa estar bem naquele dia. E se ela acordar menstruada, alguém vai perguntar? E se ela acordar com diarréia?
ONL: Isso acontece por haver uma desvalorização dos esportes olímpicos tidos como amadores? HM: O problema é que ninguém conhece esses esportes. O único que conhece sou eu. Vem da minha origem. Sempre cobri amador. Aos 17 anos, eu ia a todos os jogos de basquete e vôlei do Rio Grande do Sul. Os caras que escrevem por aí não sabem o que estão fazendo! Eu acho que eles confundem salto com vara e natação! Com a autoridade de quem já cobriu três olimpíadas, Hiltor justifica o enxugamento das equipes que a imprensa enviou para Atenas, “O futebol fica em outra sede. Tem que ter uma equipe só para cobrir isso” explica. O conhecimento sobre coberturas olímpicas lhe rendeu, além de uma experiência única, uma bagagem de episódios inusitados, entre os quais, um ocorrido após o atentado em Atlanta.
HM: Em 1996, quando explodiu aquela bomba, eu estava hospitalizado. Tinha pego um vírus que andou matando gente nos Estados Unidos. Fui para o hospital com quase 40 graus. O vírus atacou na perna, que já estava gangrenando. O doutor disse
que eu teria que ficar mais um tempo. Deixaram-me numa salinha, injetaram uma injeção e eu fiquei lá. Passando mal, muito mal. De repente, vem uns caras, tiram os aparelhos e saem me carregando pelo corredor gritando “Tem uma bomba! Tem uma bomba!” em inglês. Então, me enfiam num elevador! E eu, “Mas vem cá seus filhos da p..., se tem um bomba nessa porcaria, porque vocês me colocaram no elevador? Me leva para outro lugar, eu não posso caminhar, não tenho como sair daqui! Vocês estão pensando o quê?”. Aí explicaram “Explodiu uma bomba no parque, metade das vítimas estão vindo para o hospital e nós reservamos o térreo para eles. O senhor vai ficar no quinto andar”. Fiquei numa sala toda de vidro e já dava pra ver uns quarenta helicópteros circulando. E era uma confusão! Sirene tocando lá embaixo, uma loucura! Aí eu, pimba! Cliquei na CNN. Jornalista é fogo né? Com uma dor do cacete, entrei ao vivo pela rádio Guaíba, até as sete horas da manhã! Eu tinha informações de dentro do hospital, porque as enfermeiras vinham lá de baixo e me traziam. Ninguém podia entrar, e eu lá dentro. (risos)
ONL: Agora em Atenas, existe medo de ataque terrorista? HM: Claro que sim! Quem tem, tem medo, não é? (risos) O que tu acha de estar viajando num aviãozinho desses com tudo que tem acontecido? Ainda bem que nós não vamos passar pelos Estados Unidos! Mas se tu tens medo, óbvio que sim. Tu vai estar lidando com louco e os loucos moram do lado! Vêm tudo a pé, se quiser! Evidente que tu tens medo.
ONL: Com tão pouca gente cobrindo
esse mega evento, como vai ser a convivência com profissionais de outras emissoras? Vocês costumam trocar informações, a rixa diminui? HM: Não. Esse negócio de rixa não existe. Cada um faz o seu. Eu faço o meu e eles os deles. Mas tem umas coisas fantásticas. Sidney é uma cidade enorme, do tamanho do mundo. Nós alugamos uma casa lá e eu, toda manhã, saía para caminhar. Um dia eu estou caminhando, na minha rua, quando passa por mim um cidadão. Eu olho e penso “Conheço esse sujeito”. Mas ele faz que desconhece. Eu continuo caminhando e olho para trás. Ele também. Daí eu pergunto “Tu não é o Pedrão?”. Era o técnico da rádio Gaúcha! Nós conseguimos a façanha de alugar nossa casa do lado da quadra deles! (risos) Com Sidney daquele tamanho, a gente aluga uma casa praticamente do lado! Mas eu me dou bem com todos, até porque os caras da Gaúcha, muitos se criaram comigo. São crias minha. Então me dou bem com todo mundo, o que é bom. Essa convivência é boa. Se tu precisa de uma ajuda, está ali o cara para te ajudar.
A exaltação, sua marca registrada, nunca foi motivo para que partisse às vias de fato com algum companheiro de profissão. Sobre a relação com a mídia estrangeira, admite que há rivalidade com os argentinos, citando duas coisas que odeia em uma olimpíada: perder para argentino e para as cubanas. “O Brasil caiu um dia para Cuba e no outro para Argentina! Eu não sabia se me suicidava ou se me matava!”, recorda. Quanto à eterna rivalidade com os argentinos, cita os ginásios “Quando tu
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vai assistir uma luta de judô, se tem 30 mil lugares, todos estão reservados para coreanos e japoneses. Só dá eles! Mas se tu for ver Brasil X Argentina, por incrível que pareça, na Grécia, vão ser 15 mil argentinos e 15 mil brasileiros!”. No caso de derrota, garante que a gozação é insuportável. “Eles tem que cair antes, senão o que tu tens que agüentar até o final, não é fácil.”
Odiado por grande parcela de torcedores, gremistas e colorados, quando o assunto é o time do coração, Hiltor desconversa. “Meu time é o Fim de Carreira, campeão brasileiro de bocha em 2001” Brincadeiras à parte, Hiltor assegura que, depois de 33 anos na área, não há mais paixão. “Digo só 10% do que posso” revela. O motivo? Processos. Apesar da cautela, a lista de desafetos é grande, mas Hiltor prefere não citar nomes. “Assim como eles dizem que não vão responder para me tornar célebre, eu digo o mesmo. Não vou citar eles, para deixá-los onde estão!” afirma, acrescentando que seu compromisso é exclusivo com o leitor.
fontes tão exclusivas? HM: Eu duvido que um dia, tenha traído uma fonte. Tu ganhas credibilidade. Dentro de Grêmio e Inter, criou-se o seguinte “pode passar para o Hiltor que ele não te entrega jamais”.
ONL: O resto da imprensa gaúcha deixa passar esses fatos?
com um torcedor, de encontrar o sujeito na porta do Correio?
Falta embasamento para as denúncias da imprensa, visto que pouco se consegue provar e tanto jornalista é processado?
HM: Já. Mas o que tu vais fazer? É do
HM: Não sei quanto aos outros, mas eu
HM: Eu acho que ela deixa passar essas questões que eu abordo mais. Tem um processo rodando aqui na justiça do RS, que é grave. Mas se vocês quiserem ler sobre isso, tem que ser no CP. Em outro lugar, não se encontra nada. As pessoas não se preocupam em buscar esses documentos, porque dá trabalho. Mas eu cultivo minhas fontes. Não tenho amigos entre os dirigentes, mas respeito muitos deles, porque sei da importância que possuem nos clubes. Agora temos o Obino. Era necessário alguém como ele no Grêmio. Se ele sentar dez minutos com o torcedor mais raivoso ele convence que é necessário para o clube.
jogo. Agora se vocês entrarem no “google” e colocarem meu nome, vai aparecer uma pesquisa de um site chamado “Ovoneles”.
sou conhecido pelos conselhos por ter todos os documentos de Inter e Grêmio. Tenho eles na minha mesa. Documentos que só o conselho fiscal do clube tem. E às vezes, que só eu tenho! Um caso: ISL. Eu tinha documentos e cedi para alguns dirigentes do Grêmio.
Ou o Grêmio entra nos eixos financeiros, ou quebra! É quebrar mesmo, não como antigamente. Não é culpa dos outros presidentes, a verdade é que hoje as coisas mudaram. Mas sobre isso, vocês só vão ler na minha coluna. E eu faço questão de me respaldar de documentos.
ONL: E a relação com os leitores? Como é lidar com a paixão do torcedor? HM: Eu recebo em média quinhentos emails por dia. Não leio todos, obviamente. O que eu vejo de “Gremista filho da p....”, “Colorado de m....”, já vou deletando.
ONL: Já houve desavença mais forte
ONL: Tu ficou em segundo? HM: Sim. Só perdi para o FHC. Mas fiquei na frente do ACM. (risos) Foi um negócio fantástico! Um dia me ligaram da Istoé e contaram que eu estava numa pesquisa. E eu “Que pesquisa?”. Era um tal de “Ovoneles”. Entrei no site. “Mas que negócio é esse aqui?!” Eles explicaram que o pessoal estava votando, contando voto do Brasil inteiro. Havia saído uma notinha no New York Times sobre a minha votação. Nisso, a Istoé fez uma matéria, e a votação, que era de seis mil, foi para duzentos mil. Foi nessa época que eu mais recebi e-mail. Era assim “Colorado pau no...., eu sou o cara que mais votou em ti!” e por aí vai. Mas o que eles não percebiam é que aquilo era gol a meu favor! Não era gol contra!
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ONL: Do que tratavam esses documentos? HM: Transações. Por exemplo, quanto custou o Paulo Nunes, na época? Ninguém sabia. Lá, consta. O Paulo Nunes custou US$ 4,7 milhões, já em fim de carreira. Tenho todas as despesas e lucros do Grêmio. Não é aquilo de “eu ouvi”, “alguém me falou”. Não. O CP publicou uma matéria com um gráfico de todas receitas e despesas do Grêmio desde 1998. Com base em quê? Num documento. Eu tenho o salário de todos, de 98 até hoje.. O Zinho ganhava R$ 247 mil em 2000.
ONL: E como tu faz para cultivar
No início da entrevista, juntou-se à mesa o chefe de Atletismo da Sogipa, José Haroldo Gomes, antigo amigo de Hiltor. Ao falar sobre bairrismo, o entrevistado recordou um presente que Arataca (como é chamado José Haroldo) havia lhe dado em 1996, antes de embarcar para Atlanta: uma bandeira do Brasil. Para ele, acima da imparcialidade, está o fato de ser brasileiro. “Sempre levo minha bandeira para qualquer canto do mundo. Lá fora, sou brasileiro. Se o Brasil ganha, saio de bandeira na rua, porque isso é bairrismo, isso é Brasil.”
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ONL: Fora a Daiane, quais são as tuas expectativas para Atenas? HM: Vou torcer muito para os vôleis. O judô sempre dá uma zebra, a vela sempre tem coisa boa e o hipismo, se não fizer aquelas “cacacas”, também. Na última olimpíada foram doze medalhas. E a última era para ser do hipismo. Mas aí teve a história do cavalo.
ONL: O futebol nunca ganhou
carias de cavalo, que eu duvido que alguém entenda algo, e fica que nem eu, do lado do Jorge Gerdau, perguntando “Tá, e agora? Como é? Que houve?”. Mas tu não sabe o que está acontecendo! E todo mundo louco para que aquilo termine logo, morrendo de saudades da família. É o último dia de competição. Tu ainda precisa garantir a medalha de ouro, para consagrar tua cobertura, e aquele desgraçado faz aquela meleca! Aí é o seguinte. O culpado é essa porcaria de cavalo! Todo mundo leva a culpa! No último dia! Se ainda fosse no primeiro, tudo bem.
medalha de ouro, foi para Sidney e perdeu. Foi uma cobrança, mas passou. Aí, no último dia de competição, o cavalo do Rodrigo refuga no obstáculo e ele é crucificado pela imprensa. Qual a razão para isso? HM: Vou explicar. Estávamos de saco cheio. Os jornalistas não agüentavam mais aquela competição, e aí tu tens de cobrir um troço do qual não entende nada! Precisa pegar um ônibus e viajar cinco horas, porque essas provas de hipismo são todas longe. Depois, chega para cobrir essas por-
ONL: E quais esportes tu não domina? HM: Hipismo é um. Outro, iatismo, que tu não sabe o que está acontecendo. Tu fica ali na beira e eles no meio do mar. Não se enxerga nada! Aí tem gente que vai pro laptop e escreve “vitória sensacional”. Mas que senciaconal?! Tava tomando cafezinho, não viu nada, e vem com essa de vitória sensacional!
Último dia de competição, e o desgraçado faz aquela meleca! Aí é o seguinte, o culpado é essa porcaria de cavalo
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mbora movimente milhares de jornalistas e profissionais de imprensa de todo o mundo, as Olimpíadas são temas de poucos filmes relevantes na história do cinema. Entre essas obras, se destacam Olympia (1938), dirigido por Leni Riefenstahl, e Carruagens de Fogo (1981), dirigido por Hugh Hudson. Olympia é um documentário que retrata os Jogos Olímpicos de Berlim, o décimo da era moderna, realizados em 1936. O país é a Alemanha sob o regime nazista, cujo poder e liderança era simbolizado na figura de Adolf Hitler. Os Jogos Olímpicos eram a grande oportunidade de Hitler mostrar aos 49 países participantes, e ao mundo, a recuperação de seu país após a derrota da I ª Guerra Mundial. Para tanto, os esportes receberam grandes investimentos.
mas em virtude de uma recusa de Eric Lidell em competir num domingo por motivos religiosos, acabaram em provas separadas. Lidell correu os 400 metros rasos e Abrahams os 100 metros. Ambos venceram e voltaram vitoriosos para a Grã-Bretanha. Na realidade, Abrahams e Lidell competiram em outras provas naquela Olimpíada, e não ganharam todas as disputas que participaram. Além do ouro nos 100 metros, Abrahams foi prata no revezamento 4x100m. Lidell, ouro nos 400 metros, foi bronze nos 200m. Esse fato, no entanto, é completamente ignorado pelo filme, que relata apenas as vitórias conquistadas. Quarenta e três anos separam Carruagens de Fogo e Olympia; no entanto, apenas doze anos separam as Olimpíadas retratadas nos dois filmes. Olympia é um documentário de seu tempo, que mostra os Jogos Olímpicos sob uma ótica contemporânea aos eventos registrados. Já Carruagens de Fogo é uma reconstituição histórica. Os acontecimentos são de 1924, mas o ponto de vista do autor está em 1981.
Na época, também o cinema era destino de grandes verbas do governo nazista. O cinema e o esporte sempre foram poderosos meios de propaganda de regimes, países e ideologias. Na década de 30, quem mais se destacava entre os cineastas era Leni Riefenstahl. Leni era uma bela atriz e uma jovem e talentosa diretora de cinema quando foi chamada a uma entrevista com Hitler, em 1933. Em 1934, com apenas 32 anos, realizou o filme-documentário Triunfo da Vontade pelo qual Leni recebeu o rótulo que carregou até o final de sua vida centenária, em 2003: “a cineasta do nazismo”. Olympia foi o primeiro filme que Leni realizou após Triunfo da Vontade, e o primeiro longa-metragem feito até então sobre Olimpíadas. Obra prima de engenhosidade, organização e virtuosismo, Olympia, até hoje, pode ser considerada como uma das principais referências em cobertura visual de Olimpíadas. Diversos ângulos e movimentos de câmeras presentes na película, e revolucionários para a época, seguem sendo utilizados até hoje. Exemplo é o plano em que a câmera, num carrinho com trilhos paralelos à pista de atletismo, corre lado a lado com os velocistas. Ou a câmera que acompanha o atleta de salto ornamental desde o trampolim e mergulha na água junto com o saltador. A seqüência inicial do filme também permanece sendo uma referência pictórica das Olimpíadas. No princípio, tudo são trevas. Surge o homem carregando uma tocha numa paisagem que sugere a Hélade antiga. Esta tocha é passada até um atleta que adentra o estádio olímpico em Berlim. A chama olímpica viaja da antiga Grécia até a moderna Alemanha, onde Hitler assiste à abertura dos Jogos. Em Olympia, as Olimpíadas e os es-
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Se em Olympia o mais importante era a harmonia de movimentos do corpo humano, Carruagens de Fogo sinaliza que o importante é a vitória advinda de grande esforço pessoal e superação. Esses parecem ser valores muito mais próximos da mentalidade esportiva de 1981 do que de 1924, quando o amadorismo e a idéia de que mais importante era competir ainda era a tônica das Olimpíadas. Leni Riefenstahl, cineasta de Hitler
portes são mostrados como a ocasião em que o corpo humano atinge o seu máximo, em beleza e eficiência. Não importam tanto os resultados das provas, o enfoque do filme é, essencialmente, nos atletas e na maneira como eles executam as provas. Cada movimento dos corpos é exibido como um momento de perfeição, concebido como a melhor maneira possível entre todas as outras possibilidades de executar aquele movimento, e dessa perfeição, e da beleza conseguinte à perfeição, surge a performance vitoriosa. Para atingir esse caráter de exaltação do corpo humano, Leni Riefenstahl usou diversos enquadramentos de câmera para o mesmo movimento, montou vários atletas executando o mesmo movimento um após o outro e explorou detalhes que só a câmera-lenta podia revelar. A vitória não é mostrada com a mesma importância que a perfeita execução de todos os movimentos exigidos pela prova. Uma das mensagens que se pode apreender de Olympia é a reafirmação do ideal olímpico de que competir é mais
importante que vencer. Se Triunfo da Vontade é uma peça de propaganda declarada, Olympia não se declara explicitamente como tal, e chegou mesmo a enfrentar resistências da parte de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda nazista, que controlava toda a indústria cinematográfica alemã.
O filme ganhou quatro Oscars em 1981, incluindo Melhor Filme e Trilha Sonora Original. A música que Vangelis compôs para a cena em que os atletas correm à beira-mar celebrizou-se como o ícone musical das Olimpíadas. Embora se trate de um filme de ficção, a ação que se desenrola durante o filme, e que culmina nos Jogos de Paris de 1924, é baseada na história real de jovens atletas britânicos que disputariam essa edição dos Jogos. em fatos reais. Entre esses atletas, dois recebem maior destaque: H.M. Abrahams e Eric Lidell. Inicialmente os dois iam competir um contra o outro,
É claro que esse amadorismo não era uma entrega abnegada ao esporte. Praticar algum esporte, e mais ainda, ir à Olimpíada, era privilégio da elite. Carruagens de Fogo acerta em revelar esse outro lado do espírito olímpico. Apenas a elite participava dos Jogos e, se mais importante que a vitória, era a competição, isso porque os atletas eram filhos de pais ricos, freqüentavam alguma universidade e pretendiam seguir outra profissão que não a de atleta. O esporte era encarado como um hobby, e as Olimpíadas recebiam uma importância muito menor que a recebida hoje. O protagonista H.M. Abrahams, por querer a vitória a todo custo e contratar um treinador, o que descaracterizaria o amadorismo vigente, está à frente de seu tempo. Abrahams personifica a ruptura entre o amadorismo e o profissionalismo no esporte. A vitória de Abrahams é mostrada como momento de superação, em que a vitória se torna mais importante que a competição. THIAGO DE CASTRO (REDACAO@OLHONOLANCE.COM)
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Argentina “No te teniemos medo”. Ao se anunciar o confronto final da Copa América entre Brasil e Argentina, a manchete do diário Olé foi o assunto da semana que antecedeu o clássico. Com essa chamada, os argentinos acenderam o clima da competição, desvalorizada pela falta de interesse da imprensa e de algumas federações. Até mesmo integrantes da comissão técnica do Brasil responderam a provocação dos rivais. “Estamos aqui a passeio e agora com chances de conquistar o título. Existe coisa melhor?” ironizou Zagallo.
Grécia A imprensa virou a porta voz da festa grega pelo título da Eurocopa. A edição do dia 5 de julho do conceituado Eleftherotypi destacou a euforia pela conquista helênica. “Folia!” declarou o diário, que conceituou a vitória como “um conto que ainda não acabou”. Não faltaram elogios à equipe e principalmente ao técnico alemão, “o homem à frente dos onze deuses gregos contemporâneos”. Todos os principais jornais do país estamparam na capa o momento em que capitão Zagorakis levantou a taça. A expectativa agora é a classificação para a Copa do Mundo de 2006.
México “O árbitro mexicano brilhou na vitória do Brasil”. O jogo foi entre Brasil e Chile, mas a chamada é da imprensa mexicana. Os jornais do país acusaram seu conterrâneo, o árbitro Marco Rodríguez, de ter errado ao anular o gol marcado pelos chilenos em uma cobrança de pênalti. O esportivo Ovaciones disse que os chilenos dominaram a maior parte da partida, criticando a atuação do juíz. Depois da derrota por 4 a 0 sofrida diante dos brasileiros, novamente críticas, só que dessa vez, para a péssima atuação da seleção mexicana. O jornal resumiu o desempenho da equipe como uma “cadena de errores y barbaridades”.
Uruguai A imprensa uruguaia considerou digna a derrota frente ao Brasil. “Cumplieron!” foi a manchete do Ultimas Notícias, defendendo o êxito da seleção, eliminada nos pênaltis. Para o jornal “os jogadores deram o máximo, deixaram tudo no campo e brigaram por cada bola como se fosse a última. Demonstraram que a celeste continua viva”. O El País declarou que o Uruguai teve chances de vencer o Brasil no primeiro tempo e acrescentou que “o empate por 1 a 1 nos 90 minutos foi justo”.
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Colômbia Ofendida pelo descaso dos argentinos que anteciparam a vitória do Boca Juniors, a imprensa colombiana comemorou o título da Libertadores. O Diario Deportivo exaltou a vitória do Once Caldas com o trocadilho “Campeonce!”, destacando o fato do país conquistar seu segundo torneio continental. No dia seguinte, o jornal publicou uma edição especial inteiramente dedicada ao inédito título. Além do Diario Deportivo, a vitória da equipe de Manizales foi capa nos mais importantes jornais do país.
Equador A catastrófica estréia do Equador na Copa América deixou a imprensa do país indignada. Depois de levar 6 a 0 da Argentina, a seleção foi alvo das mais violentas críticas. O jornal La Hora definiu a partida como um “Amargo Debut”. Já o periódico El Comercio, de Quito, foi mais longe ao afirmar que a equipe treinada por Marcelo Bielsa deixou o Equador “de joelhos”. “Falou-se de um novo rumo para a seleção nacional depois da classificação para a Copa do Mundo da Coréia e do Japão em 2002, mas ontem isso ficou arquivado”, lamentou o Expreso, de Guayaquil.
Portugal A história de amor e ódio entre Felipão e a imprensa portuguesa teve um final desastroso. Apesar da surpreendente derrota para os gregos, os jornais destacaram o belo trabalho realizado pelo ex-técnico do Grêmio. Porém, não deixaram de tecer críticas ao desempenho da seleção lusitana na final da Eurocopa. Para o jornal O Jogo, um dos mais importantes diários esportivos do país, “Faltou estofo” à equipe. A repercussão da derrota no torneio continental dividiu espaço com a ida do ex-técnico da Seleção Italiana, Giovanni Trapattoni, para o Benfica.
Peru O técnico da seleção peruana, Paulo Autuori, decretou Lei do Silêncio depois que dois jogadores foram acusados pela imprensa local de estar bebendo alcool em plena Copa América. Após o fracasso na competição, Autuori foi bombardeado com uma série de manchetes anunciando sua saída. Apesar da pressão, a Federação Peruana decidiu mantê-lo para evitar uma multa de US$ 40 mil por recisão de contrato.