Olho no Lance - O Observatório da Imprensa Esportiva - edição nº 6

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CianMagentaAmareloPreto


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Olho no Lance 6 Dezembro 2004

Wladymir Ungaretti

EDITORIAIS

JORNALISMO EM PAUTA Em meio a um intenso debate sobre a possibilidade da criação de um conselho para fiscalizar os meios de comunicação, a crônica esportiva recolhe-se ao seu estigma de imprensa de segunda mão. Vítima de rotulações como essa, percebeu-se, nesses últimos meses, que a classe deixou escapar a oportunidade de debater a polêmica questão. Trata-se não apenas de um fenômeno recorrente a essa particular área do jornalismo, mas também as vozes individuais da mídia nacional. De forma fulminante, o projeto para a criação do Conselho Federal de Jornalismo foi julgado e condenado nas páginas de importantes jornais e programas de tv e rádio. Já entre os formadores de opinião, salvo algumas exceções, ouviu-se um retumbante silêncio, principalmente no âmbito esportivo. Ao que tudo indica, os donos da mídia, falando em nome de seus subordinados, bateram o martelo e deram o assunto por encerrado. Na revista Veja, para citar um exemplo, as declarações em “on” limitaram-se a nomes como Miguel Falabella, Zélia Duncan (?!?) e Roseana Sarney. Não se pode negar que uma proposta como essa envolve interesses dos mais diversos, mas afinal, onde estão os maiores interessados? Atualmente, o debate prossegue de forma mais calorosa em fóruns de discussão via rede. Ao versar sobre o assunto, a insistência em

associar as palavras “censura” e “ditadura” cheira a oportunismo barato: aponta o governo como única entidade capaz de cometer tal ato, e de quebra, isenta de apreciação alguns dos nebulosos acordos que hoje imperam na imprensa. Muito se falou em censura prévia, na mesma medida em que entupiam revistas e intervalos comerciais com propagandas de cerveja, carros e celulares, numa contradição que sugere dúvida quanto à inteligência do público. Para os desavisados, essa ânsia em metralhar o governo pode causar estranhamento, já que se trata do velho aliado em empreitadas como a responsável pela demissão de Jorge Kajuru. Porém, esse repentino ataque ao Poder Executivo é perfeitamente compreensível. Com o prenúncio da lei da mordaça, criou-se um cenário de tamanho caos, de forma que qualquer reação passa a ser aceitável. O fato é que ao condenar o projeto, acendeuse, de forma involuntária, o estopim para uma discussão sobre a atual condição em que se encontram os meios de comunicação e seus profissionais. Logo, fazendo valer a máxima de que a melhor defesa é o ataque, os baluartes da liberdade de expressão concentraram sua artilharia contra a investida fascista do governo Lula. E, enquanto julgarem necessário, seguirão atacando, ainda que sem baixar a guarda.

É TUDO CABEÇA-DE-BAGRE? Não é de hoje que o canudo do diploma é garantia de emprego para o profissional recém saído da faculdade. Também é costume atávico no nosso jornalismo esportivo contratar pessoas que tiveram proximidade máxima com um quadro negro nas preleções anteriores às partidas de futebol. O panorama pincelado por parte da crônica esportiva quanto à atual (baixa) qualidade das transmissões com a invasão dos “páraquedistas” – ex-árbitros, ex-boleiros, ex-cantores e chefes de cozinha - não é tão real assim. Como diz um dos entrevistados do mês do Olho No Lance, Renato Marsiglia, quem não tem competência não se estabelece, pelo menos na maioria dos casos. Com a pulverização das coberturas esportivas, com o advento da Internet e dos canais fechados, há opções para o público refutar maus profissionais, optando pela emissora concorrente ou, simplesmente, boicotando a cobertura do evento. De fato, há pouco tempo, houve uma enxurrada de contratações de ex-jogadores de nível bastante duvidoso. A reação do público foi imediata; um ano depois, poucos sobreviveram à depuração. É imperioso salientar que, sim, ainda há aventureiros com nenhum dos atributos que se exigem do jornalista desse segmento

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– sagacidade, perspicácia, intuição e faro de reportagem – além de conhecimentos básicos da língua portuguesa, mas, pensando bem, quanto “neguinho” da imprensa conhecemos que também está enganando, hein? A exigência do diploma não vai resolver o problema do desemprego na área. O mercado está saturado cada vez mais em razão do volume intenso de profissionais que se formam todos os anos e a diminuição do número de veículos de comunicação. E parcela significativa do descalabro financeiro que arruína o setor deve-se à administração sediciosa, à péssima qualidade de programação oferecida, ou seja, o furo está muito acima da presença de Arnaldos, Godóis, Casagrandes... A análise dos especialistas aponta em uma direção: devido ao carisma e à experiência empírica, ex-árbitros e ex-jogadores são preferidos pelo público em vez de jornalistas diplomados. Se as transmissões esportivas saíssem do marasmo que se encontram, com mais dinâmica, reformuladas e desapegadas às fórmulas vetustas e ultrapassadas. E se a mídia privilegiasse a busca pela informação e o furo jornalístico, será que o público não substituiria de vez, sem dó nem piedade, esses comentaristas de botequim?

Diploma de quê? O fim ou a não da exigência do diploma de jornalista - para o exercício da profissão - não determinará uma mudança radical no “showrnalismo”, hoje desenvolvido pela mídia corporativa. Uma grande massa de profissionais (atualmente jovens que saem dos cursos de comunicologia) continuará trabalhando, transferindo informações de um lado para outro, sem qualquer controle sobre o processo. E as empresas com a contratação de “não-jomalistas especializados”, nas mais diversas áreas, irão “qualificar”, as informações que a elite necessita além de melhorar o grau de eficiência “no controle da opinião pública”. A elite também assim terá maiores garantias de que a mídia corporativa continuará contribuindo expressiva e decisivamente para a manutenção da democracia. A grande massa das redações , cujos salários são os mais baixos na história da profissão, não mais precisará se submeter aos quatro anos dos cursos de comunicologia, passando a receber treinamento em cursinhos técnicos de curta duração.

"Ou abrimos espaço para uma verdadeira revolução no ensino do jornalsmo, ou os cursos perderão por inteiro a sua função" Quanto mais fragmentada a formação da rnãode-obra - para este setor de produção de bens simbólicos e de subjetividades - mais eficiente será o processo de manipulação, tanto ao nível da produção como da regulação social. Ou abrimos espaço para uma verdadeira revolução no ensino de jornalismo, ou os cursos perderão por inteiro a função para que, originalmente, foram criados. Ou se ligam definitivamente à indústria pesada da comunicação e cumprem o papel de cursinhos técnicos de formação de mão-de-obra, ou serão substituídos por verdadeiras escolas técnicas financiadas e apoiadas por essa mesma indústria. Um outro caminho poderá ser construído, cujos resultados só serão sentidos a longo prazo, após a formação de algumas gerações. Mesmo diante da complexidade da questão, é possível reafirmarmos nossa posição contrária aos cursinhos técnicos e a todos os mecanismos que priorizam o aprendizado voltado para o simples manuseio de equipamentos. É preciso acabarmos com as faculdades de comunicologia e criarmos verdadeiros cursos de jornalismo. Cursos inseridos e vinculados à área de ciências sociais. Que na mídia corporativa se institua o exercício do “showornalismo” (da manipulação) sem diploma, tudo bem. Não muda nada. Em contraposição, que o novo jornalismo - a ser construído - seja realizado por novas gerações com grande formação humanística. Um novo jornalismo que valorize o texto de mais de trinta linhas. Que volte o ensino do saber escutar e do saber contar histórias.


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Juca Kfouri

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e você visitar a casa de Ricardo Teixeira, talvez veja a foto do homem ao lado num alvo cravejado por dardos. Nas residências de Renato Duprat, Kia Joorabchian, Alberto Dualib, entre outras figuras obscuras de caráter duvidoso, a cena provavelmente será idêntica. Juca Kfouri tornou-se célebre pela árdua militância em prol da honestidade e transparência no meio esportivo. Em tempos de pouca investigação e vistas grossas às maracutaias de dirigentes e políticos, ele arranja inimigos a cada mês por suas denúncias, sempre fundamentadas em provas irreprocháveis. Tanta distinção o levou para os principais postos da imprensa desde que ingressou no Departamento de Documentação e Pesquisa da Editora Abril, em 1970. Chefe de reportagem e, mais tarde, diretor de redação da revista Placar, comentarista da Rede Globo, colunista da Folha de S.Paulo e Lance!, e apresentador de programas nas Redes Cultura e TV! e na rádio CBN, além de manda-chuva da Playboy. Juca recebeu a reportagem do Olho No Lance! em seu amplo apartamento em área nobre de São Paulo, indício que probidade e bom caratismo combinam com sucesso profissional. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. EDITOR FABIO SEVERO, ENVIADO ESPECIAL A SÃO PAULO. FOTOS: CARLOS FÉLIX

ENTREVISTA

"paladino da moralidade"

CianMagentaAmareloPreto

Olho No Lance – Juca, há pouco começaste outra cruzada contra o “lado obscuro do futebol”, elucidando detalhes nada claros do futuro contrato entre a MSI e o Corinthians. Quais foram os tópicos que te levaram a desconfiar desse contrato?

Juca Kfouri – Basicamente, a origem do dinheiro e quem são as pessoas envolvidas. Uma parceria que está sendo intermediada por uma pessoa que, num passado recente, aqui no Brasil, fez o que fez como esse Renato Duprat, que quebrou a Unicor, que deve ao INSS, e fugiu do Brasil. Aí, tu examinas e pensa: que raios de investidores são esses que para fazer um negócio com um time do porte do Corinthians precisa de um intermediário assim? Aí, você vai ver quem são os caras. Descobre que atrás deles, está o russo, o Berezov (Boris, magnata com negócios em vários ramos, entre eles o petróleo), exilado na Inglaterra. Descobre que o tal Kia Joorabchian, que tem cinco identidades diferentes. A tal da empresa está sendo constituída só para fazer a parceria...Por mais que todas as parcerias feitas no país não tenham dado muito certo, eram todas empresas cujas origens você conhecia. Parmalat, Hicks & Muse, Bank of América...imagina esta que ninguém sabe a origem!A obrigação do jornalista é contar essas coisas, né? OL – Por que, então, só alguns jornalistas procuram investigar esses casos, perscrutar essas maracutaias?

JK – Porque é muito mais cômodo e confortável você sair com a balela que o leitor se interessa pelo placar do jogo, pelo gol, pela contratação, do que pelos bastidores. Se você analisar os bastidores, ganha inimizades, sofre pressões, causa processos. O jornalismo esportivo que se faz hoje, principalmente na TV brasileira, é de promiscuidade com a cartolagem, de acomodação...

OL – A imprensa esportiva tem rabo preso com os dirigentes, então?

JK – Evidentemente. Setores significativos, não tenho a mínima dúvida disso. Você vê jornalistas que fazem assessoria de imprensa pra instituições e, concomitantemente, para atletas.Há essa praga do jornalista que virou garoto-propaganda. Como você é garoto-propaganda da Ambev, que é patrocinadora da CBF... OL - ..vai falar mal da mesma...

OL- Juca, quando foi ventilada a criação do Conselho Federal de Jornalismo, alguns jornalistas disseram que isso “fortaleceria a cate goria”, pois não há distinção, hoje, se o jornalista é assessor de imprensa, é sócio de empresário, faz testemunhal de produtos, vendedor de placas...Nesse aspecto, o CFJ iria ajudar a melhorar esse panorama?

JK – Veja bem, devemos distinguir as coisas. Que nós, jornalistas, precisamos de um órgão regulador, é evidente. Só que esse mecanismo deve ser controlado pela sociedade, não por governos. Jornalista que fiscaliza governo, e não vice-versa. Nesse aspecto, a idéia nasceu torta. Há uma série de coisas não resolvidas, que precisam mesmo ser equacionadas. Por exemplo, não temos resolvida no Brasil a questão do diploma. Particularmente, acho que não é preciso, mas não está resolvida essa situação ainda. Há também a distinção entre o jornalista da redação e o da assessoria de imprensa. Então, há um monte de questões que precisa ser resolvida por um código de ética. Por exemplo, esse negócio de jornalista ser garoto-propaganda não passa na cabeça da imprensa norte-americana, da européia. O cara que faz isso sai do sindicato dos jornalistas na hora. E aqui se convive promiscuamente com isso.

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OL – Mas esse código, por exemplo, não evitaria um caso como o da Rede Globo se associar a uma empresa e boicotar um torneio que é promovido por outra emissora e empresa concorrentes? Cito a Mercosul como exemplo no final da década de 90.

JK – Quem decide o que um veículo deve ou não cobrir? De que modo você cria um mecanismo que obrigue o veículo a cobrir um evento que ele não queira? A sociedade que deve obrigar o veículo a cobrir o que lhe interessar. Como? Deixando de comprar, de ver, de ouvir, o veículo no qual identifica esse tipo de discriminação... OL – Mas não é complicado, no caso brasileiro, fazer isso quando há um quase monopólio da Rede Globo? Ou assiste à Globo ou à Globo.

JK – Isso está mudando. Você vê a preocupação atual do jornalismo da Globo de não repetir erros do passado. Cada vez mais ser identificada como “chapa branca” atrapalha sua credibilidade. A Globo cobre o processo eleitoral de um modo bem diferente de tempos atrás. Há a questão do monopólio no futebol, mas é uma questão delicadíssima. Quem tem bala para comprar os eventos? A Globo, com muita freqüência, quer dividilos com outras emissoras, mas elas não têm cacife. Para a Globo, seria interessante, pois diminuiriam os custos e não afetaria a sua audiência. OL – Quando tu eras comentarista na Globo sofreste algum cerceamento? Tu podias levantar essas indagações que fazes hoje?

JK – Eu tive problemas. Negá-los seria mentira da minha parte. OL – Pode citar alguns?

JK – Saí da Abril depois de 25 anos porque tive uma diferença editorial grave com a direção. Eles estavam começando a fazer sua TV e tinham interesse em comprar eventos esportivos, e os cartolas da FPF, da CBF, viviam reclamando das críticas que recebiam da Placar. Até que um dia, o dono me disse: “não precisa falar bem, mas não precisa falar mal”. Mudou a regra durante o jogo, e isso não me interessa. As regras da Abril, desde que entrei com vinte anos, diziam: nosso patrão é o leitor. Na Globo era diferente. Quando fui trabalhar lá, a primeira conversa que tive com o Armando Nogueira (na época, diretor da emissora) foi muito clara. Ele me disse os limites da Rede CianMagentaAmareloPreto

Globo. Aceitei, portanto você deve trabalhar conforme os limites que te dão. Nada que fira teus princípios, mas sabendo que há determinados limites. O cara pode dizer: “aqui é proibido criticar o fulano de tal porque ele é amigo do dono”. Você vai ponderar se é essencial pra você criticar o fulano de tal. Como eu fazia, em determinado momento, o Jornal da Globo ao vivo com muita freqüência dava umas cotoveladas, ampliando esse limite. E aí sempre pintava uma punição do tipo: estava escalado para fazer a final do Paulistão, aí na sexta-feira eu dava um cacete no Farah (Eduardo José, ex-presidente da FPF). Mas a emissora estava negociando com ele a transmissão do campeonato no ano seguinte, e aquela crítica caiu mal. No sábado, era avisado de que não precisava ir ao estádio, pois o Raul Plasmann estaria no meu lugar. Saí da Globo porque quis. A Globo queria que eu ficasse, não houve divergência maior, como aconteceu na Abril. OL – Em cer tas épocas de sua carreira, tu apoiaste alguns dirigentes como o Marcio Braga, o Hélio Ferraz, e, mais recentemente, o Bebeto de Freitas. Te arrependeste na metade do caminho? Ficou meio chato pra ti, né? Qual foi o motivo principal que eles te decepcionaram?

JK – Por mais que eu tenha a fama de crítico chato, sou uma pessoa de extrema boa-fé, tenho a tendência de sempre acreditar nas pessoas. Faz parte do instrumental do jornalista ser cético, mas não confundo com ceticismo com niilismo ou pessimismo. Não faz sentido você achar que você não tem compromisso com nada, mas dá certo desânimo com tantas decepções. Se eu fizer uma lista de pessoas que me decepcionaram, sai um rol interminável. Começa com o Adílson Monteiro Alves (diretor do Corinthians na época da Democracia Corinthiana), passa por alguns jornalistas, Nuzman, que um dia achei que seria diferente dos outros, Ricardo Teixeira, o Pelé... OL – Pegam mais no seu pé pelo Pelé...

JK – Ele teve o papel que teve, fez a Lei, era o cara do papel moralizador, e, de repente, vai lá e abraça o Ricardo Teixeira! Nessas ocasiões, você não tem amigos, não pode ser conivente. Vai lá e bate. O cara fica cheio de mágoas e rompe. Dá margem ao leitor para pensar: “qual vai ser o próximo a enganar o jornalista?" Pode ser, mas como não apoiar uma pessoa que tem

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Os cartolas FPF, da CBF, viviam reclamando das críticas que recebiam da Placar. Até que um dia, o dono me disse: 'não precisa falar bem, mas não precisa falar mal'. Mudou a regra durante o jogo, e isso não me interessa.

o mesmo seu discurso? OL – Você é um defensor estrênuo da Lei Pelé. Lá no Sul, há críticos ardorosos que dizem que ela aniquilou de vez os clubes de futebol. Como interpretas essas opiniões?

JK – Vamos separar os críticos sinceros, que imputam, por equívoco, à Lei Pelé a falência dos clubes, dos que defendem interesses. Isso escapa do campo das opiniões, e opiniões divergentes são sempre bem-vindas. Era boa ou pré-falimentar a situação dos clubes antes da Lei Pelé? O fenômeno do êxodo do “pé-deobra” é posterior ao fim do passe no Brasil ou anterior? A figura dos empresários, tão combatida hoje em dia, surgiu agora? Você quando era garotinho conhecia o Juan Figer, né? Quer dizer, é mentira! A Lei Pelé foi incompleta, pois foi estuprada na regulamentação pelo Maguito Vilela (senador por Goiás e integrante da famigerada bancada da bola), mas foi um instrumento para a modernização dos nossos clubes. OL – Falaste que há um certo caráter espúrio em cer tos jornalistas. A falta de união da classe leva a isso? Esse cada um por si, a falta de emprego...

JK – Não sei se a questão é falta de união da categoria ou se

são embates ideológicos, próprios de uma sociedade democrática, acrescida pela miséria ética que se vive no Brasil. Isso permite o cara ser assessor de imprensa e ao mesmo tempo ter espaço no jornal. O cara ser garoto-propaganda e ao mesmo tempo ter programa de televisão. O choque é inevitável. OL – Como aliar a necessidade comercial para a manutenção de um programa sem que isso interfira na linha editorial? É utópico? O privilégio do anúncio em detrimento da informação.

JK – A questão está resolvida há séculos. A hora do anúncio é no intervalo do programa de rádio e TV é no fim da matéria. É essencial, não há imprensa rentável, nem independente, sem anúncio. Programa sem reclame pode te fazer depender do governo. Quão maior sua carta de anunciantes, mais independente tu és. O que o anunciante deve buscar? Veículos de credibilidade. Esses a ganham criticando, denunciando coisas que envolvam seus anunciantes, também. OL – Juca, entretanto, muitas vezes não há isenção, a credibilidade do programa não é tanta, mas mesmo assim tem audiência porque tem figuras folclóricas, o cara histrião, o polêmico...Existem muitos


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JK – Retomando nossa conversa sobre monopólio. Já viu, com essa predominância da Globo, algum jornalista de lá fazer anúncio? Nunca, nem verá. Não faço propaganda porque não cai bem. Não vou ficar milionário, mas há de convir que não preciso reclamar da vida. “Nego” diz: “ah, mas você é o Juca Kfouri, não precisa fazer propaganda”. Digo que nem sempre fui o Juca Kfouri, nunca fiz nada que ferisse algum princípio meu. Não significa que nunca tenha feito nada do que discordasse. Um exemplo claro, com personagens de hoje no lugar dos personagens da época. Quando era diretor de redação da Placar, meu chefe perguntou: “Juca, qual a capa desta semana?”. "É o Marcinho, do São Caetano, que voltou a jogar e recolocou o time nas primeiras posições”. “Poxa, mas o Marcinho não vai vender revista, faz uma capa com o Gil". “Mas ele tá em baixa, o Corinthians não tá bem.” “Quero que você faça o Gil”. Tudo bem. Faço o Gil. Mas o melhor Gil que eu puder fazer. Discordando, sabendo que jornalisticamente o Marcinho é a capa. Mas nada que fira meus princípios. Uma capa falando bem do Eurico Miranda eu não faço nunca! Se fosse diretor da Playboy, gostaria de uma capa com a Luana Piovani. Se me pedissem pra fazer a capa com a loira do Tchan, pois venderia mais, tudo bem, faço a melhor loira do Tchan possível. Mas não me peça para fazer uma matéria sobre sexo grupal sem falar que o cara precisa usar camisinha. Você não deve transigir aos seus princípios. Fazendo isso, você ganha reputação diante da opinião pública, e te tornas um profissional disputado. OL – Poucos jornalistas vão atrás dos casos difíceis, há a Folha, tu, alguns jornalistas espalhados pelo país. Isso tem relação com a decadência das publicações impressas no país ou é só a crise econômica do país que impede as pessoas de comprar revistas segmentadas?

JK – Enquanto o futebol brasileiro não estiver organizado, será muito difícil veículos especializados serem muito bem sucedidos. Também pela condição da condição econômica das pessoas e dos veículos de imprensa. CianMagentaAmareloPreto

Isso que a gente gostaria de ver mais demanda tempo, investigação e, conseqüentemente, gastos. E cada vez mais os repórteres saem menos das redações. OL – Voltando à capa do Gil. Disseste que para a publicação sempre é melhor ter uma capa com ele em vez do Marcinho. No Cartão Verde, te notabilizaste por dois casos. Um do Grêmio, em que profetizou que ele não passaria de fase e ele acabou sendo campeão brasileiro em 1996. Outro sobre o Atlético Mineiro, em que prometeste cortar o braço caso eliminasse o Palmeiras numa competição. Esses casos não fomentam o ranço que o pessoal fora do eixo Rio-SP tem pelos jornalistas desses dois estados?

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programas nesse formato na TV aberta por causa do público fiel que conseguem com esse modelo.Demorará para que o telespectador sature desses prog r amas com conteúdo duvidoso?

JK – Estamos tratando de paixão. Torcedor sempre é passional. Ele não te dá o direito de dizer que hoje eu me surpreenderia, e muito, se o

passado, para fugir das reclamações “gaúchas”, Santos e Cruzeiro disputavam palmo a palmo o campeonato e, mesmo assim, tínhamos de suportar as transmissões do Corinthians e do Flamengo. Não foi exagero da Globo?

JK – Quem vai dar mais audiência, o Corinthians em último ou o Santos em primeiro? Mais. Se o Flamengo cair para a Segundona vai passar em horário nobre da Globo e vai dar mais audiência que o Vasco na primeira. Não digo que não há problema nisso, mas a decisão é perfeitamente compreensível. Mas isso não é resultado de bairrismo, e sim de interesse econômico. Por que a Zero Hora, mesmo com o Santos matando a pau, dá mais espaço para a dupla Gre-Nal? Mais. Por que dá menos espaço para o Juventude que para a dupla? OL – Todos os entrevistados

Uma capa falando bem do Eurico Miranda eu não faço nunca!

Coritiba não ganhar do Grêmio (no dia da entrevista, o Coritiba jogou contra o tricolor e ganhou por 2 a 1). Corto o pescoço se o Coritiba não ganhar do Grêmio. “Nego” acha que tu tá sendo bairrista, não levando em conta que não sou paranaense nem torço para o Coxa. Não sabem que quando eu digo que eu corto o braço se o Galo ganhar do Palmeiras, meu coração quer que ele ganhe mesmo, eu sou corinthiano! Só que eu não tô fazendo como o torcedor, tô tentando fazer uma análise friamente. Por que cala quando é elogio e reclama quando é crítica? OL – Juca, mas no ano

do jornal insistem na tecla dos pára-quedistas da imprensa, os observadores de arbitragem, os ex-jogadores. No lado contrário, há duas correntes argumentando que o mercado depura quem é bom ou ruim e que há espaço pra eles pelo carisma, e também porque o povo prefere um cara que vivenciou o jogo dentro das quatro linhas em detrimento de um teórico. Qual tua posição?

JK – Faço uma pergunta: quem você prefere ouvir comentando um jogo: eu ou o Tostão?

OL –Tu, mas independente disto, o Tostão é exceção, é muito melhor que a média dos ex-jogadores comentaristas.

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JK – Acho o Tostão o melhor analista do país, com um texto primoroso. O que é importante para discernir o que penso. Mil vezes ouvir o Marsiglia analisando a arbitragem do que ouvir um jornalista. De novo, tô falando de um cara qualificado, que fala um português correto, estudioso. É falacioso dizer que estes caras ocupam lugar de jornalistas. Deve haver a diferenciação do que é o evento e o que é cobertura jornalística. Na TV americana, a maioria veio dos campos, mas tu não encontra nenhum fazendo a matéria do jogo para o jornal. Tenho absoluta convicção de que o Marsiglia comenta melhor que eu, que o Tostão comenta melhor que eu, mas tenho absoluta certeza que eu faço uma entrevista melhor que o Tostão, que faço uma investigação melhor que o Tostão e o Marsiglia.

OL – Juca, de que adianta lavagem de roupa suja entre personalidades egrégias do jornalismo, como tu, o Kajuru, o Milton Neves? O ego não está se sobrepondo ao resto?

JK – Verdade. Isso não faz bem, virou um conflito ideológico. Mas você não me vê alimentando isso todos os dias. No máximo, faço a paródia diária na CBN dos anunciantes. É o máximo. Eu tenho cinco patrocinadores no programa. O Chá de Cadeira, para quem quer ver a queda do Ricardo Teixeira; os Lençóis Freáticos, os únicos 100% naturais; o Banco da Praça, onde você coloca seus fundos e ele trabalha de graça; as Casas Decimais, precisão rigorosa em resultados esportivos; e as Faculdades Mentais, onde o aluno fica maluco com o ensino superior. É a minha maneira bem-humorada para protestar contra o merchandising. Mas não vou ficar alimentando essa polêmica, até porque eu escolho com quem vou brigar, brigo com gente que tenha importância. Dediquei uma coluna à questão para não ser confundido, porque o cara fazia questão de me encher a bola, de fazer mil elogios, como se fôssemos a mesma coisa. OL – Mas no tempo da Jovem Pan/SP, o Milton compunha uma das melhores equipes de rádio, junto ao José Silvério, Flávio Prado e Wanderley Nogueira...

JK – Ele era o melhor âncora de rádio, disparado. Mas viste a eleição do Comunique-se? Nem aparece entre os três melhores âncoras. Por que? Porque se degradou. Porque abdicou do jornalismo.


POR PEDRO ALENCASTRO.

aquele do CFJ”, observa Sílvio Lancelotti. Por outro lado, Torves garante que a liberdade de expressão, por ser um direito constitucional, não poderia e nem será impugnado pelo CFJ. Ele acrescenta ainda que “é mentirosa a versão de que o Conselho viria a interferir no conteúdo, que deve ser controlado pelo público através de mobilização social. A função dele será unicamente no sentido de fiscalizar, coisa que

O fato de uma determinada emissora possuir o direito de imagem sobre o evento, enquanto as outras se limitam a exibir os melhores momentos, atesta ainda outros aspectos. Muito se falou em liberdade de expressão como ferramenta da democracia, mas pouco em democracia como ferramenta da liberdade de expressão. O CFJ não

Interrogações No texto publicado pelo Observatório da Imprensa, Milton Neves recorda um artigo publicado em seu site em que afirma o seguinte: “Aquele que hipócrita e covardemente se utiliza

o Estado, por incompetência e falta de recurso, não faz”. Ainda sobre essa questão, cabe também questionar que poder de decisão o indivíduo tem, quando apenas um canal de televisão transmite um determinado evento. Renato Marsiglia, comentarista de arbitragem da RBS prestes a se formar no curso de Jornalismo, expõe uma alternativa. “O sujeito pode ligar o rádio, e deixar a televisão sem volume” diz, lembrando que no rádio não existe direito de transmissão. Paulo Siqueira, torcedor do Grêmio, revela outra tática. “Na última Copa do Mundo, assistia aos jogos na Globo, e assim que terminava a partida, trocava de canal para a ESPN”. Sobre a monopolização, Antônio Carlos Teixeira cita um acordo entre a Globo e a Record. “A Globo vendeu parte dos direitos do Campeonato Brasileiro à TV Record, mas impôs a transmissão das mesmas partidas. A Record só aceitou o acordo depois que exigiu a liberdade de escolher o jogo a ser mostrado para a cidade de São Paulo” diz, acrescentando que “enquanto persistir o monopólio, o torcedor vai continuar sem opções”.

"Para fiscalização de denúncias mal-apuradas pela mídia, já existe a lei de imprensa."

a criação do Conselho, não seria uma ameaça, mas, sim, uma realidade, como aponta Torves. “A mídia é tendenciosa, pois serve o interesse do empresariado” explica, citando um caso. “Quem trabalha no meio sabe que os veículos têm uma lista de quem não deve ser ouvido. Só não enxerga isso quem não quer. O Britto (Antônio) foi um que esteve na lista negra do Correio do Povo, por exemplo”.

Orientar, disciplinar e fiscalizar

como um mecanismo de defesa da classe. “Vemos salários achatando, demissões contínuas e desrespeito às leis no trato com o jornalista”, afirma, emendando um esperançoso “quem sabe?”, interrogativa que revela outra gama do debate: os indecisos. Questionado sobre sua posição em relação ao tema, Antonio Carlos Teixeira, jornalista de Brasília, é um dos que ficam em cima do muro. “Depende. Se for para tornar a imprensa menos mentirosa e comprometida, sou a favor. Se for apenas para aumentar os instrumentos de repressão à liberdade dos jornalistas, sou contra” opina, lamentando a forma como os dois lados da discussão têm se posicionado “Defendo que o Conselho seja discutido exaustivamente, mas sem radicalismo”. Para ele, há uma divisão acadêmica na disputa. “Em geral, os que defendem a criação do Conselho são os chamados jornalistas diplomados. Os que não têm um diploma, em sua maioria, não o admitem. Vejo que está voltando, de passagem, à discussão entre ter ou não diploma superior

aperfeiçoamento do jornalismo.

da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo

jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina

Este parágrafo, retirado do artigo primeiro do Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional no dia 5 de agosto desse ano, caiu como uma bomba nos bastidores da mídia. A proposta para a criação do inicialmente mal-fadado Conselho Federal de Jornalismo deu um basta na longa lua-de-mel entre a imprensa e a Turma de Brasília. O alerta era de que a tentação autoritária batia na porta de um governo cabreiro em relação às recentes denúncias, entre as quais, ataques ao agora ministro, Henrique Meirelles, presidente do Banco Central. Receosos com a grave ameaça, os homens do Quarto Poder uniram suas forças a fim de combater o inimigo em comum. No horário nobre e nas páginas de jornais e revistas, veio o contra-ataque. Sob o pendão da liberdade de imprensa e da democracia, desferiu-se um duro golpe contra a marcha autoritária do PT. As semanas se passaram e tudo indicava que o projeto havia morrido no nascedouro, arquivado a sete palmos do chão. Todavia, em meio aos escombros, surgiram opiniões dissidentes e proposta favoráveis à criação do conselho. Quando o número de defensores ganhou corpo e soltou o verbo em fóruns virtuais e seminários acadêmicos, o que antes era monólogo ganhou ares de contenda. E o debate tomou rumos desgovernáveis. Entretanto, nos grandes veículos (fonte de toda a controvérsia) alastrava-se a calmaria. Ao tocar no assunto, não raramente, nossos porta-vozes sugeriam o recuo do governo em relação ao projeto, o que de fato ocorreu. Na mídia esportiva, esse marasmo já imperava mesmo quando a histeria tomou conta dos meios de comunicação. No site do Observatório da Imprensa, na seção aspas (10/08/2004), Milton Neves, apresentador do Terceiro Tempo na Record, versa sobre a polêmica. Raridade em se tratando de artigos assinados por jornalistas esportivos que tratam do assunto CFJ, uma passagem inicial do texto sugere, de forma indireta, o porquê dessa postura neutra, ao classificar a crônica futebolística como “infinitamente menos importante do que o

§ Ciano Amarelo Magenta Preto

1.° - O CFJ e os CRJ têm como atribuição orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de

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SERÁ?

da legítima liberdade de imprensa para, como franco-atirador maldoso, tornar-se um facínora da palavra ou delinqüente verbal contumaz, esse irresponsável deveria estar sujeito a uma (espécie de) tabela de reincidência”. Em seguida, faz uma referência à OAB e ao CREA, questionando o motivo pelo qual os jornalistas não podem possuir também um conselho próprio, a fim de apontar erros e punir alguns infratores. “Para a fiscalização de denúncias mal apuradas pela mídia, já existe a Lei de Imprensa”, rebate Sílvio Lancelotti. Num texto publicado pelo jornal da ARI (edição 11 – ano 69), Maurício Azedo, presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), descarta a comparação A razão do silêncio com advogados e engenheiros. Segundo ele, o Pretendendo responder a essa e a outras projeto parte do equívoco de “imaginar que as questões, através de uma enquete envolvendo atividades profissionais do jornalismo tenham mais de 50 endereços eletrônicos do ramo, a semelhança com outras que exijam a existência reportagem do Olho no Lance! obteve um de um conselho regulador ou fiscalizador do resultado desalentador. Apenas cinco e-mails seu exercício”. Ele argumenta que esse tipo retornaram. Não seria mera especulação afirmar A possibilidade da criação de um conselho para regular a atividade que, entre algumas variáveis - como a falta de de órgão só é válido para profissões de caráter tempo para conferir, ler e responder perguntas jornalística dividiu a classe. Veio a tona o debate e a mídia esportiva se encolheu. técnico ou científico. Torves contesta essa teoria. “Falam que não se pode ter um conselho para a enviadas para a caixa de e-mails ou problemas classe, porque lidamos com a subjetividade. Mas no envio e recebimento das mensagens, também várias categorias que lidam com a subjetividade o receio em manifestar-se sobre o assunto seria para exercer o jornalismo”. Não entraremos aqui poderia atuar de forma a romper esse monopólio possuem um conselho, como a psicologia, sobre as transmissões esportivas? “Infelizmente uma das possibilidades para o boicote – o que nos méritos desse rixa (pauta de duas matérias não, mas é uma luta nossa”, responde Torves. o direito e as relações públicas” alega. Para desta edição), já que além do fator diploma, a é comprovado pelo mísero espaço dedicado ao Antônio Carlos Teixeira, é necessário também questão CFJ abre um leque de outros aspectos “Avançamos pouco nesse sentido, porque a capítulo nas páginas e programas esportivos. “levar em conta que o jornalista lida com a honra maioria dos nossos deputados e senadores Para Ivan Drummond, do Estado de Minas, inerentes à mídia esportiva. são proprietários de rádio e televisão. E é por das pessoas, (sendo assim) uma denúncia, por esse temor é perfeitamente justificável. “O Liberdade para quem? isso que todos os projetos sobre comunicação exemplo, é um fato pontual e não subjetivo”. grande problema é que existe uma brecha na “Não sei se o Conselho seria ideal para coibir Sílvio Lancelotti, da ESPN Brasil, é um são abortados, um risco que também corre à lei que favorece a contratação de leigos em isso, mas os jornalistas devem refletir sobre essa criação do CFJ”. Torves põe ainda mais lenha dos que reluta em aceitar o CFJ. “Sou contra emissoras de rádio, que é o forte da crônica esportiva. A criação do CFJ deixará todos na fogueira. “Falam em democracia, mas as duas questão” afirma. qualquer espécie de censura e de controle” Em trâmite no Congresso, o projeto é uma eles fora do ar. Por isso, não tocam e tentam argumenta. Antônio Carlos Teixeira (na edição maiores associações contrárias ao projeto, são a nº4 do ONL!) já havia dito que no Brasil, muitas ARI e a ABI. Junto com o Grêmio, são as únicas incógnita, a começar pela falta de clareza em desvirtuar o assunto, toda vez que aparece. alguns trechos – e somado a tal subjetividade, entidades em que o voto para presidente parte de um conselho. Quer algo mais democraticamente origina interpretações distintas. A verdade é "Essa teoria neoliberal, em que o mercado é quem que não se sabe ao certo ao que veio e sequer o atrasado do que isso?”, provoca. decide, tem se mostrado ineficiente. Há um movimento que se saíra do papel. E com a incerteza que o O tópico retorna novamente à discussão como um argumento contrário à criação do CFJ, cerca, acabou trazendo à tona diversas questões. no país contra a baixaria na mídia que compra isso." Seria apenas uma ferramenta de repressão ou de segundo o qual, num processo democrático, o fortalecimento e segurança da classe? Implicaria leitor é quem decide o que lê, ouve ou vê, e não uma meia dúzia de jornalistas. “Essa teoria mais restrições ou ética no exercício da profissão? vezes, a cobertura esportiva é tendenciosa, seja Na verdade, o omitem propositalmente”, Será aprovado ou não? Deve ou não deve ser? para preservar o sócio do evento que transmite, neoliberal, em que o mercado é quem decide, dispara Drummond, acrescentando que a tal Perguntas que ao serem debatidas de forma tem se mostrado ineficiente. Existe hoje um seja para esnobá-lo, quando esse é exibido pela brecha “é, na verdade, uma aberração”. O argumento pelo fortalecimento da categoria emissora rival. O jornalismo esportivo, mais do ponderada por indivíduos que busquem nas movimento no país contra a baixaria na mídia, respostas não a simples contraposição, mas sim, que comprova isso”, atesta Torves. Porém, que qualquer outro ramo do jornalismo, está é uma das bandeiras favoráveis à criação do conselho, como confirma João Palomino, da uma forma de resolução, farão valer o antigo há quem argumente que o Conselho poderia intimamente ligado ao evento sobre o qual provérbio grego que afirmava ser a discussão a acentuar ainda mais o cerceamento que rege a trata. Ele é regido por uma lógica de mercado: ESPN Brasil. “Não há nada que normatize a nossa profissão. A criação do Conselho poderá fonte da luz. E num cenário em que há algum imprensa. “Ele apenas agravaria a situação. O se o sujeito não vende o evento, concorre com tempo imperam as trevas, uma única faísca acesa profissional ficaria submetido a dois padrões aquele que o promove. Logo, a censura prévia nos dar mais representatividade”. Diferente de Drummond, Palomino defende o CFJ mais que alguns citam como uma grave seqüela após de julgamento. Aquele da Lei de Imprensa, e já será o bastante para iluminar novos rumos.

jornalismo político e econômico”. Segundo José Carlos Torves, atual presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS, com longa passagem pela mídia esportiva, esse silêncio decorre da postura dos profissionais que atuam na área. “A crônica esportiva é a mais atrasada e a que menos faz uma reflexão em relação a nossa categoria e à sociedade. Salvo raras exceções, ninguém enxerga nada além do campo de futebol”, ilustra Torves. Num momento em que, mais do que nunca, o jornalismo torna-se a pauta da vez, estaria então a classe esportiva assumindo seu estigma de imprensa escanteada?

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A vez do esporte amador Os jogos de Atenas subverteram a lógica dos espaços de cobertura da imprensa. Sob a tutela do “espírito olímpico”, a divulgação das empresas jornalísticas voltou seus holofotes para modalidades outrora esquecidas. Hora dos povos confraternizarem, e das emissoras mirarem os índices de audiência. Nada contra. Mas foi curioso presenciar o remo tomar o espaço do futebol no último bloco do Globo Esporte. O Marcos Uchôa nos apresentando os destaques, inspecionando as instalações onde foram disputadas as provas, passando detalhes técnicos dos barcos, e nós, ansiosos por uma final do remo com chance de medalha para o Brasil. No lugar dos gols da rodada, o dia de folga da seleção de basquete feminino. As dores da Daiane valeram mais que qualquer clássico do Campeonato Brasileiro. Fascinada a torcida nacional esqueceu, momentaneamente, o tal esporte bretão, e expressões como “ippon” e “duplo twist carpado e esticado” pipocaram na boca dos populares. Não só pelo amor à pátria ou pelo cunho portentoso do evento organizado pelo COI; o foco nos esportes amadores é manejado pela pesada divulgação dos veículos de comunicação detentores das cotas de transmissão. O interesse do público existe, é evidente. Mas ele se multiplicou à proporção em que as emissoras fomentaram expectativas com um bombardeio de notícias olímpicas em seus tele-jornais. O público esqueceu o futebol. Mas não deixou de esperar de seus atletas um desempenho satisfatório, capaz de alimentar o orgulho nacional. O raciocínio é mais ou menos o seguinte: um país de tantas abundâncias, grandes extensões geográficas, de tanta propensão à atividade esportiva, não pode decepcionar na contagem final do quadro de medalhas. Ficar atrás da Argentina, ou de países menores, é um descalabro. Desse panorama, a frustração é o mais provável dos resultados. Em Sydney, por exemplo, saímos dos Jogos Olímpicos sem nenhuma medalha de ouro. O

POR RAFAEL KASPER.

abatimento nacional normalmente é remediado com doses de discursos promissivos que tentam projetar no futuro um lugar de glória ao Brasil. Sem esquecer o presidente que, seja qual for, sempre recebe os medalhistas com juras de maior incentivo governamental para os próximos anos. Passam alguns dias e o futebol volta a tomar conta das atenções nacionais.

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CianMagentaAmareloPreto

podem aparecer. A lei Agnelo/Piva é um exemplo. Aprovada na gestão do mesmo FHC, ela garante um percentual da loteria esportiva ao COB. A verba é redistribuída entre as modalidades pelo critério de representatividade e eventual carência de um esporte ainda inexpressivo – caso da ginástica pré-Daiane. Nunca os atletas viajaram tanto, nem estiveram tão bem preparados, DIVULGAÇÃO/GNU

O esporte deve caminhar em direção ao espetáculo e à televisão. Como colher frutos variados em uma monocultura?

“O Joaquim Cruz me narrou um episódio interessante. Depois de um solene pronunciamento de Fernando Henrique, que pela segunda vez afirmava que os esportes amadores receberiam mais recursos, o nadador Gustavo Borges exclamou: - Poxa, Sr. Presidente, da última vez, o Sr. disse a mesma coisa, e nada mudou”. O causo quem nos relata é José Haroldo Loureiro Gomes, o Arataca, atual diretor técnico da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo). Seus anos de estrada o acostumaram a lidar com os tradicionais percalços encontrados pelas modalidades esportivas em um país apegado excessivamente aos deslumbres do futebol. Mesmo sob essa perspectiva, Arataca afirma que, com dedicação, os resultados

como para Atenas, garante o dirigente. Sobre o papel da mídia, ao invés de ressentimento, Arataca apresenta coerência, ou, no mínimo, resignação. “Olimpíada é negócio. A Rede Globo está certa ao promover os esportes amadores, mesmo que seja uma promoção efêmera. Esse é o jogo deles”. Os esportes não podem esperar uma postura filantrópica dos grupos de comunicação. Deve

partir das próprias confederações e dos responsáveis pelas distintas modalidades a iniciativa de tornar suas competições mais atrativas. No lugar de se queixar, os defensores dos outros esportes devem relevar mudanças nas regras e considerar o trabalho de uma assessoria informativa aos jornalistas. Arataca sentencia: “O esporte deve caminhar em direção ao espetáculo e à televisão”. Um exemplo de sucesso em medalhas e audiência é o vôlei. Arataca lembra das mudanças sofridas pelo jogo para melhor se adaptar ao formato televisivo. O vôlei, a ginástica, o tênis, todos quistos pela audiência nacional, devem muito aos seus expoentes. Ao que parece, só o nascimento de um ídolo garante espaço na imprensa e angaria recursos, não o inverso. Futebol é futebol, a atenção existe sempre, não importa se o destaque é o Pelé ou o Márcio Mexerica. Já as modalidades amadoras devem torcer pela sorte de terem em suas filas ao menos um fenômeno. Mas Arataca ressalta que o trabalho do dirigente deve, para o bem de todos, desconsiderar o ídolo, em certa medida. “O ídolo é o carrochefe, mas os condutores do esporte devem organizar sua estrutura para a busca de novos talentos.” A colheita de frutos variados, em um cenário de monocultura, é um trabalho árduo, mas possível. Muito ainda se desperdiça e se espera para que as atenções se dobrem aos pomos colhidos. E, inclusive nesses momentos em que as atenções se dobram, não se alijam totalmente os efeitos nocivos da monocultura. Dizem as más línguas que um motivo para o envio modesto de jornalistas brasileiros à Atenas foi a ausência dos representantes do futebol na delegação brasileira.


Olho no Lance 6 Dezembro 2004

Aqui como allá POR RICARDO I. LARRANDART CORRESPONDENTE BUENOS AIRES

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a vida profesional de un jugador de fútbol tiene entre 15 y 20 años de duración; pero ¿que es lo que sucede cuando estos se retiran? Algunos quedan en el anonimato y pasan al olvido, otros se dedican a la representación de jugadores y otros...son “Periofutbolistas”. ¡Claro!, si es tan fácil ser periodista deportivo, uno se para delante de la cámara y se pone a hablar de fútbol, o en el caso de la radio frente a un micrófono. ¿Conocer el fútbol habilita ser periodista? El periodismo no significa saber hablar ante una cámara, sino que lleva un proceso de formación como cualquier profesión. Si no fuese así, a cualquier persona que le gustase los números sería contador público o al que le guste el cuerpo humano sería médico. Los Periofutbolistas deportivos realizan entrevistas, cubren grandes eventos deportivos para cadenas televisivas o radiales (mundiales de fútbol, juegos olímpicos), hasta llegan a tener sus propios programas. Ellos tanbién suelen realizar entrevistas a otros futbolistas elogiando sus virtudes como jugador

transformando al trabajo periodístico en una charla de café entre dos amigos íntimos. En una transmisión televisiva de un partido suelen desempeñar la tarea de comentarista. En estos casos no suelen agregar nada importante al relato de las jugadas, ya que lo único que hacen es comentar lo que la imagen le está mostrando al telespectador, “la pelota cruzó toda el área y se fue del campo” y cierran su aparición con “¡un remate peligrosísimo!” ¡algo que ya lo estoy viendo con mis propios ojos!, redundante ¿no? Pero esto no sólo se agota acá. Hay un problema aún más grande. Los llamados periodistas deportivos en Argentina suelen cometer los mismos errores que los ex futbolistas, lo que se convierte en un error más grave. Que le suceda eso a una persona que no es periodista y que no está formada para desempeñar dicha tarea es más lógico que cometa el error un profesional que se formó para eso. En vez de ser periodistas se convierten en amigos del futbolista, en algunos casos son enemigos de técnicos y jugadores, en otros casos son showman del deporte donde lo importante es el rating. Este sería un estilo de nota que realiza un periodista deportivo del término de un partido:

P: Ganaron... J: Sí, un partido durísimo, pero por suerte lo ganamos! P: Te felicito, ¡un par tido extraor dinario de todo el equipo! J: Si, jugamos bien pero tenemos que se guir trabajando. P: ¿Qué golazo que hiciste? J: Si, una linda jugada que por suerte terminó en gol.

El periodista ya sabe como terminó el partido porque estuvo 90 minutos pendiente del resultado final y le pregunta al jugador si...¿ganaron? En general se suele escuchar este tipo de preguntas, por lo tanto reciben el mismo tipo de respuesta. El periodista no busca más que esa contestación, si en definitiva no interroga nada, la respuesta se encuentra en la misma pregunta. Por ejemplo en la cobertura de un hecho de actualidad, como fue la internación de Diego Maradona en la clínica Suizo Argentina, los periodistas montaron sus pequeños sets de televisión en la puerta de la clínica a la espera de novedades. Cuando el médico personal del astro argentino salía de la clínica todos los periodistas se arrojaban encima generando una guerra por conseguir información. Lo único que conseguían era la incomodidad y la antipatía del médico que no otorgaba

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más detalles. La única información que solían tener era el parte médico que la clínica entregaba en los plazos que anunciaba. La pregunta que cabe señalar es la siguiente: ¿para que tanto espectáculo, para que tanta pelea si no se consigue más información que la que ya se sabe que se va a obtener?. También existe otro formato del periodismo deportivo, el más gracioso de todos. El periodismo deportivo que busca la polémica con cuestiones insignificantes, con descalificaciones, la polémica por polémica para atraer a la audiencia. En definitiva son programas en el cual los periodistas se pelean entre ellos, se enojan con los jugadores, crean peleas inexistentes entre jugadores y a fin de cuentas, cuando termina el tiempo de aire se van a comer todos juntos. La versión Showman del periodismo deportivo. El periodismo parece ser tarea simple y fácil de desempeñar, que no admite responsabilidades y en la que todo está permitido. Esta es la razón por la cual tenemos estos ejemplos para señalar (y eso que hay muchos más), exponentes que no condicen con la labor de un periodista, con los códigos de esta profesión. Eso es una de las ramas del periodismo menos evolucionada de todas, en la cual cualquiera puede formar parte, futbolistas, ex futbolistas y hasta...¡periodistas deportivos! Confira a tradução no site www.olhonolance.com

CianMagentaAmareloPreto


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Olho no Lance 6 Dezembro 2004

Saudade Coadjuvantes dentro das quatro linhas, muitos árbitros de futebol jubilados ganharam projeção estratosférica nos programas e nas transmissões das mais variadas emissoras de rádio e TV do país. Concomitante ao sucesso, a presença dos observadores de arbitragem trouxe celeumas e questões sobre sua legitimidade e sua pertinência, discutidas à exaustão em conversas de bar e em salas de aula por estudantes de jornalismo, profissionais diplomados, ex-árbitros e público em geral. A saraivada de críticas direcionadas a ex-jogadores de futebol que atuam de comentaristas – falta de conhecimento da Língua Portuguesa, inépcia no raciocínio e até mesmo na prosódia das palavras – tem como novo alvo um sujeito que está atrás das câmeras somente para avaliar a apresentação do árbitro e seus assistentes, ex-colegas do infortúnio. Para variar, as contundentes verrinas são oriundas, principalmente, de um sujeito cada vez mais dispensável na cobertura de uma partida de futebol: o jornalista esportivo. O mais famoso comentarista de arbitragem brasileiro, o controverso ex-árbitro Arnaldo César Coelho, da Rede Globo, menciona sempre nas transmissões o bordão indefectível “a regra é clara, Galvão”. Mas, se é clara, por que então a necessidade de contratar um especialista para a função? “(o jornalista) teria mais dificuldades, pois não teve a vivência

POR FABIO SEVERO.

dos gramados As críticas aos observadores de arbitragem são tantas que eles recordam nostálgicos do grito das torcidas: “FDP... FDP...”

dentro do campo, sendo apenas mais um teórico. Um árbitro, ao citar uma passagem que tenha vivenciado, dá mais credibilidade”, responde o ex-árbitro-e-atual-comentarista-dearbitragem José Roberto Wright, também da Rede Globo. Radialista registrado, Wright cutuca: “Somente uma pequena parcela (da imprensa) fala das regras com um certo conhecimento de causa. A grande maioria informa equivocadamente, só acertando o básico. Quando há necessidade de se aprofundar, a coisa complica”. Ainda, segundo ele, o público tem mais empatia ao profissional que exerceu na prática a atividade. O chefe de reportagem da SporTV, Maurício Noriega, coaduna com a última tese levantada por Wright. “De repente, na cabeça do telespectador e do ouvinte, ter alguém que jogou ou apitou, mesmo que não tenha sido grande coisa, acrescenta mais”. Para ele, o jornalista deve substituir este diferencial aumentando sua capacidade de informar”. De qualquer forma, o fenômeno que preocupa (e afeta) a comunidade jornalística não é presenciado somente no Brasil. As transmissões dos mais variados esportes nos Estados Unidos são capitaneadas por exesportistas e gente do meio. A ESPN latina tem em suas fileiras, em grande número, ex-atletas, como Hristo Stoitchkov e Quique Wolff, este um dos “periodistas” mais incensados pelos her manos argentinos. Cartão Vermelho Tal como qualquer coisa realizada no exterior com sucesso, as emissoras de TV nacionais perceberam este filão e entupiram a telinha com exprotagonistas e ex-figurantes dos gramados, não

CianMagentaAmareloPreto

"Como eram bons aqueles tempos..."

dando muita atenção, a princípio, à falta de intimidade com a câmera e aos solecismos de muitos dos “páraquedistas”. O jornalista Marcelo Duarte, em resposta extraída do site Comunique-se, comenta que as análises de arbitragens são, em geral, catastróficas. A solução, para ele, seria os jornalistas participarem de cursos de arbitragem, para minimizar a desinformação. A opinião de Duarte é compartilhada por Sérgio Cristo, diretor da rádio 98FM, de São Paulo. “Se os jornalistas que cobrem futebol conhecessem profundamente as regras do jogo, não haveria necessidade de se contratar ex-árbitros para depois do replay dizer que foi ou não falta, ou pênalti, se a bola saiu ou não”. Olho No Lance A ácida constatação de que a miríade de recursos eletrônicos disponibilizada atualmente pela TV alivia, e muito, a tarefa de comentar lances mais polêmicos é, disparada, a mais utilizada entre os paladinos do diploma para admoestar os ex-árbitros. De fato, a câmera congelada, os replays de diferentes ângulos etc., facilitam tanto o trabalho do comentarista e, mesmo assim, há tantas interpretações distintas para um mesmo lance, que muita gente pensa que qualquer jornalista com discernimento das 17 regras do futebol poderia ocupar o lugar desses ex-árbitros.

Regra 18 Nem tudo são melindres para os observadores de arbitragem que não passaram pelo campus. A alfinetada de Renato Marsiglia, que dá o veredicto sobre a atuação do árbitro nas transmissões da Globo, SporTV e Rádio Gaúcha, “quem tem medo de concorrência é incompetente”, é repetida por muitos jornalistas consagrados, inclusive. Sustentam não ser a contratação dos antigos juízes a causa principal das demissões dos profissionais diplomados. “Um exárbitro pode ser ótimo ou péssimo comentarista de arbitragem. Um jornalista também. O fundamental é qualidade, não a origem profissional”, argumenta o colunista da Folha de S.Paulo Mário Magalhães. Juca Kfouri vai além. “A cobertura perfeita para mim seria um narrador, o Tostão e o Renato Marsiglia. Os ouviria com gosto”. Em tempo, Marsiglia está terminando o curso de Jornalismo pela Ulbra. Sua intenção não foi uma resposta a quem implicava com a ausência de sua graduação na área. “Fiz porque achei que deveria ter uma base acadêmica na profissão para ampliar os horizontes profissionais”. Súmula Mesmo com Godoy, Marsiglia, Wright e Arnaldo já tendo consolidado seus espaços, algumas questões percucientes não devem nunca sair da pauta. A mídia impressa esportiva, última a sofrer com a invasão dos nãojornalistas, já tem colunistas de todas as procedências profissionais. Não seria mais vantajoso, à categoria jornalística, fazer auto-avaliação? Revitalizar conceitos e dissolver vícios e a desídia que burocratizaram a maior parte das coberturas não as tornariam menos monótonas e arrastadas? Está certo um veículo de comunicação preferir comentaristas mais histriônicos e polêmicos, em detrimento de outros com maior senso informativo? Na eterna rixa entre diplomados e os supostos “pára-quedistas”, a expulsão dos maus profissionais, com certeza, não seria questionada por ninguém do público.


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Os incomodados

que se mudem Renato Marsiglia chegou para incomodar. Em entrevista ao Olho no Lance!, reclamou que sofre perseguição por parte de colegas da imprensa. Só não xingou a mãe... ENTREVISTADORES: CACHINHOS CALOGHERO (N IN MEMORIAN), FABIO SEVERO, PEDRO ALENCASTRO E THOMÁS SELISTRE. CARTUM: DAVID REÉL.

Convite O Ranzolin me pediu para abandonar o apito e me tornar comentarista de rádio, pois o Lauro Quadros estava largando o comentário esportivo e a empresa estava apostando em meu nome{...}Tinha ainda três anos como árbitro da Fifa. Já tinha alcançado o máximo (na carreira), apitando uma Copa do Mundo, várias competições internacionais, menos a Olimpíada. Achei que era o momento de fazer essa troca. Necessidade de um observador de arbitragem É uma questão que exige um conhecimento muito específico. É evidente que não são todos os ex-árbitros que vão conhecer o microfone. Muitos foram convidados e começaram a trabalhar, mas poucos ficaram. Na Gaúcha, tenho outras atividades dentro da área de esportes da rádio. Os jornalistas precisam de aulas de arbitragem? Tudo que se fizer para qualificar a atividade profissional é importante. Hoje, a arbitragem passou a ser uma coisa muito discutida, em função do desenvolvimento dos recursos eletrônicos colocados à disposição do telespectador. Recursos eletrônicos Quem trabalha com televisão não pode brigar com a imagem. O telespectador já sabe, hoje, que um lance desses, rápido, é difícil de ser discernido na hora{...}Não existe depreciação porque eu digo no ar, seja na rádio ou na TV. “Só vi o impedimento depois de passar na câmera lenta”. Aí, não vou criticar CianMagentaAmareloPreto

o árbitro. Quando tu tens de buscar subsídios no recurso eletrônico para ver se o árbitro errou, é porque não foi erro, ele foi vítima da limitação do ser humano.

profissionais. Para determinadas circunstâncias, não vejo a necessidade da obrigatoriedade de ter o curso de Jornalismo. Quem tem medo da concorrência, é incompetente!

Nível das transmissões Há diferença entre a rádio e a TV. No rádio, é um show. Tu trabalhas com o imaginário. Na TV, há a força da imagem. São formas totalmente diferentes de ver o jogo, mesmo que a TV, principalmente a cabo, esteja fazendo algo parecido com o rádio, com pré-jogo, pós-jogo, mesa redonda, e com a facilidade de ter o impacto da imagem. É mais fascinante, é mais dinâmico.

Figuras folclóricas O estereótipo é criado pelo telespectador. Repito: as pessoas são no vídeo como são na vida pessoal. As pessoas são diferentes. Eu, o Arnaldo, o Wright, não pensamos da mesma maneira.

Condescendência com os arbitragens e brigas Condescendência, não. Consigo entender o que passa na cabeça do árbitro e, talvez, entendo com mais facilidade as dificuldades que ele encontra. E Já discuti, e discuti forte no Sala de Redação, principalmente quando a discussão entra no aspecto da honorabilidade das pessoas. Quando entra na discussão a eterna paranóia da armação, aí a discussão vai por um viés muito pouco recomendado. Melindres dos jornalistas Problemas acontecerão. Por corporativismo, por alguma inveja, isso sempre acontece em toda atividade. Fala-se sempre que estão roubando a vaga de alguém. Eu fico muito à vontade para falar disso, já que fiz a faculdade (Marsiglia está se formando em Jornalismo pela Ulbra) sem que ninguém me pedisse. Fiz porque achei que deveria ter uma base acadêmica na profissão que estou exercendo, para ampliar os horizontes

Carisma, Empatia e Competência O mercado acaba depurando. A SporTV, em um determinado momento, tinha uma série de exjogadores em seu quadro. Quantos ficaram? Muitos foram dispensados e foram contratados diversos comentaristas esportivos diplomados, de reconhecida capacidade profissional. Sobram os que têm capacidade, os que têm empatia. Meio de comunicação não foi feito para atender interesse de jornalista. Foi feito para atender às necessidades da população. Por isso, eu não sou radical na questão do diploma. Há uma série de funções dentro do jornalismo, como redator, produtor, editor, que é fundamental ser realizada por jornalistas. Agressões A mim não causam nenhum problema. Sinto que minha presença causa algum problema a essas pessoas, por incompetência delas. Incompetência, inveja, despeito. Quem tem competência não precisa ter medo de concorrência. Só não há mercado para os incompetentes. Galvão Bueno Ele dá audiência. Ninguém o

impõe. É perfeccionista, exige muito dele e dos que trabalham ao seu lado. Conhece todos os detalhes que fazem parte do espetáculo. Em relação à forma do trabalho dele, as pessoas devem se adaptar e manter seu posicionamento (falando de uma hipotética interferência em seu trabalho).

n Edição: Fabio Severo


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Boleiros Diplomados versus

quando recebia críticas da imprensa, como referência para aprimorar seu desempenho. Pelo fato de ter sido jogador de um grande clube, Sadi tem a seu favor um embasamento que muitos jornalistas jamais terão. O famoso Aventureiros e pára-quedistas. Dois rótulos que se repetiram ao longo das últimas edições do Olho no Lance! revelaram o pomo da eterna discórdia que reina na imprensa esportiva. Num fenômeno que se alastra por redações e programas de rádio e TV, ex-jogadores assumem a função de comentaristas, ocupando um cargo que seria restrito aos diplomados. Na entrevista publicada no ONL! 2, a declaração de Mário Marcos deixou claro o descontentamento. “Se pudesse, tiraria todos do ar” revelou o colunista de Zero Hora. Antonio Augusto, radialista da Pampa, compartilha da mesma opinião. “Sou contra esse negócio. Os caras vão ali, fazem um concurso Wallita e se acham jornalistas?” - esbravejava durante o intervalo do Plantão das Multidões. Para ele, foi a incômoda presença dos “pára-quedistas” a razão para restringir suas aparições no "Virando a Mesa". A fim de evitar aborrecimentos, decidiu que só iria participar uma vez por semana, quando apenas jornalistas formados estão presentes. “Tive atrito com o Sérgio, com o Cassiá, e saí por causa do Sadi”, justificando sua decisão. Ex-jogador do Internacional, Sadi é protagonista de homéricos debates transmitidos em rádio e TV. Numa ocasião, acusado de criticar em demasia jogadores da dupla grenal, Sadi defendeu-se afirmando que cumpria sua função como analista. Mas seu argumento não foi convincente o bastante. “Tu não tens competência para isso. Não faz parte dessa escola”, disparou um dos presentes. Veio então a réplica: “Mas minha escola é outra”. Sadi citara sua experiência como atleta, CianMagentaAmareloPreto POR PEDRO ALENCASTRO.

"Sei o que é impedimento. Não preciso ter jogado bola para saber disso." “sei como é, pois já senti na pele”. Tal experiência qualifica atletas ao nível de especialistas da imprensa esportiva, o que de quebra, levanta uma questão. Afinal, um sujeito que nunca chutou uma bola tem propriedade para falar sobre futebol? Em artigo publicado na revista Pangea (15/11/2001), o jornalista Jayme Brener contesta a crítica aos comentaristas esportivos que não possuem diploma. “Tostão e Casagrande não podem, supõe-se, comentar jogos, ao contrário de um jornalista que pese 180Kg e que só viu bola de futebol em álbum de figurinha”. Para Hiltor Mombach, colunista do Correio do Povo, o conhecimento para comentar uma partida de futebol não exige a prática do mesmo. “Eu sei o que é impedimento, quando uma equipe joga retrancada e um jogador está mal. Não preciso ter jogado bola para saber disso” garante. Em alguns casos, porém, ter praticado uma deter minada modalidade torna-se um embasamento fundamental. Em época de olimpíadas, é comum a incursão de ex-tenistas, ginastas, nadadores, jogadores de vôlei, enfim, um elenco de nomes dos esportes coadjuvantes em uma terra onde o futebol impera absoluto. Na última edição do ONL!, Álvaro José, comentarista da Band TV, falou

sobre a ignorância olímpica da imprensa esportiva. “Não se exige que o jornalista saiba a execução total de um salto com vara . Desconhecer, entretanto, que o maior desportista da história é o ucraniano Sergey Bubka, denota incompetência profissional”, disse. De certa forma, a cobertura das olímpiadas mostra que, entre a falta de embasamento ou de domínio da linguagem, o telespectador prefere a segunda opção. Num país carente de cultura olímpica, poucos buscam aprender sobre saltos, braçadas e remadas. Já a doutrina do futebol, aprende-se desde cedo. Aí, jornalistas da área e ex-jogadores gozam de aval para tecer comentários. Contudo, há outros motivos para quem defende a necessidade do diploma no exercício do papel de comentarista. Mário Marcos é um deles. “Ética e comprometimento com a profissão, aprende-se na faculdade”. Antonio Augusto cita outro agravante do fenômeno. “Cada pára-quedista que resolve se aventurar implica menos vagas para nós”. Sobre o alto nível de desemprego na área, Brener aponta mais responsáveis. “O mercado desmonta jornais e conquistas trabalhistas. Essa deveria

Tostão e Casagrande não podem comentar jogos, ao contrário de um jornalista de 180 Kg que só viu futebol em figurinhas" ser nossa principal preocupação. Não há diploma que impeça isso”. Ele conclui ainda que “o êxito na profissão, se não é garantido exclusivamente pela capacidade, não o pode ser também pelo papel na parede”.

O fato de haverem exceções, como Tostão – reverenciado no meio pelo bom texto – atesta, segundo José Carlos Torves, presidente do Sindicato dos Jornalistas do RS, a degradação em que se encontra a classe. Já Brener explica a deterioração como conseqüência do baixo nível de ensino das universidades. “Com a proliferação de cursos universitários Brasil afora, são despejados no mercado centenas de novos bacharéis em Jornalismo. Qualificação? Pouca. Experiência? Menos. Alguns talvez escrevessem 'menas' Se o sujeito sai da faculdade, diploma no sovaco, com enormes deficiências, onde está a tal qualificação técnica?” questiona. A liminar da juíza Carla Rister, que segundo Torves, "permite a um analfabeto entrar no Ministério do Trabalho e sair de lá jornalista”, somado à proposta do CFJ, acalorou o debate. Apesar da intensa polarização entre os “contra” e os “a favor”, há quem, se não apóia abertamente o fenômeno, não o reprova. Exemplo desse grupo é Hiltor Mombach. Não se incomoda com o fato de ex-jogadores assumirem o papel de comentaristas. Mas com algumas ressalvas. “Só não aceito que comentem que nem o Casagrande”, zomba “Nesse caso, sou contra”.


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