Clube de Leitura EPV! São Roque e Lençóis 2012
Leituras Comentadas
PROJETO EPV! - Iniciativa da Fundação Volkswagen em parceria com o Cenpec. 1
SUMÁRIO Apresentação................................................................................................... 2 Introdução.........................................................................................................5 Amor de Perdição............................................................................................12 Um Apólogo.....................................................................................................14 O Bestiário.......................................................................................................15 Conto de Escola...............................................................................................17 Dewey, Um Gato entre Livros........................................................................ 18 O Diário de Anne Frank.................................................................................. 19 Esaú e Jacó..................................................................................................... 21 Gabriela, Cravo e Canela................................................................................ 24 Grande Sertão: Veredas................................................................................. 27 O Guardião de Memórias............................................................................... 29 Jane Eyre........................................................................................................ 30 O Jardim Secreto............................................................................................ 34 O Menino do Pijama Listrado......................................................................... 36
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APRESENTAÇÃO Como formadora da área de Língua Portuguesa do projeto Estudar pra valer!, minha atuação junto aos professores da rede municipal de São Roque e de Lençóis Paulista foi pautada por muitos objetivos. Talvez o principal deles tenha sido o de que nossos encontros mensais pudessem se tornar – em alguma medida e, pelo menos em alguns momentos, já que o tempo disponível sempre era pequeno frente ao que nos propúnhamos fazer – um espaço privilegiado para a troca de experiências de leituras literárias. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que líamos, discutíamos e refletíamos, a partir de textos teóricos, oficinas e troca de experiências, algumas questões relativas à leitura e à produção de textos – um dos focos do EPV! – os participantes (professores e alguns coordenadores pedagógicos que também frequentavam nosso grupo) foram aos poucos aderindo à proposta que levei a eles no início de 2012: a de reservarmos um tempo de nossos encontros - os primeiros 40 .minutos - para o que chamávamos informalmente de “Clube de Leitura”. No decorrer do ano, o “Clube de Leitura” foi ganhando adeptos. E como é gratificante ler hoje o relato dessa experiência, registrado com tanta competência e autonomia, na introdução desta publicação, pela Fátima e pela Diana, professoras entusiastas da ideia e ativas participantes do grupo! Inicialmente, nos pequenos grupos formados para comentar as leituras feitas, os participantes que realmente davam conta do que se 3
propuseram eram aqueles que conseguiam driblar a correria do cotidiano. Aqueles que, entre um mês e outro, escolhiam uma obra literária e viajavam para lugares distantes, viviam outras vidas e, ao voltarem para nossos encontros achavam-se enriquecidos de ideias e novas experiências. Nem todos tinham essa disponibilidade. Entretanto, nas rodas de leitura, os comentários dos professores/leitores fizeram com muitos livros e autores alcançassem futuros leitores. Assim, num clima descontraído e sempre respeitoso, a maioria dos professores pouco a pouco começou a ter um lugar em que podiam se colocar ora como leitores de literatura, ora como ouvintes atentos, como comentadores, ou mesmo como mediadores de leitura em relação aos colegas. E, sobretudo, todos foram verificando que nossa experiência poderia frutificar se levada aos alunos com o mesmo entusiasmo, sem cobranças e num espaço de liberdade. Numa de nossas oficinas quando trabalhávamos o gênero resenha crítica – de filmes e livros – examinávamos uma sequência de atividades que culminava numa proposta de produção de resenhas, dirigida a alunos do segundo ciclo do ensino fundamental. Os professores, então, foram estimulados a se exercitar nesse gênero a partir de suas leituras do “Clube”. Em dois ou três encontros, tivemos momentos muito produtivos destinados à escrita e à reescrita das primeiras resenhas produzidas, num trabalho de aprimoramento dos textos daqueles que, generosamente, haviam submetido seus textos à análise dos pequenos grupos e do coletivo. No último encontro da área, lembro-me da satisfação com que alguns professores – individualmente, em duplas ou trios (a turma sempre se 4
ajudando!) – digitavam e pesquisavam dados no laboratório de informática para aperfeiçoar os seus textos. Enquanto isso, outros davam ainda seus primeiros passos nessa aventura que é a de se tornar um autor. Foi quando realmente resolvemos juntar os textos de quem se dispusesse a divulgá-los numa pequena publicação, memória e registro dos nossos momentos no Clube de Leitura. Esta pequena coletânea reúne textos em diferentes fases de produção – desde os mais elaborados, que passaram por pesquisa e aprimoramento depois de uma ou duas versões, até aqueles que resolvemos publicar em sua versão preliminar, e que seriam desenvolvidos e aperfeiçoados caso tivéssemos outros encontros pela frente. Essas leituras comentadas,
fruto
do
entusiasmo
e
do
esforço
de
professores/leitores/autores iniciantes, nos sinalizam o quanto vale a pena apostar e investir em ações de formação continuada dos professores, estimulando e valorizando seu potencial. Esperamos que a semente lançada aqui seja cultivada com carinho. Obrigada a todos, e especialmente àqueles que participaram desse trabalho. Um grande abraço, Regina
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INTRODUÇÃO TRABALHANDO A LEITURA E A PRODUÇÃO TEXTUAIS NO EPV1: O professor como leitor e escritor Diana Siqueira Liberatti2 Fátima Pereira3
Para compreender melhor o mundo no qual vivemos, é necessário ampliar competências e habilidades envolvidas no uso da palavra, isto é, dominar o discurso nas diversas situações comunicativas, para entender a lógica de organização que rege a sociedade. Nesse contexto, leitura e escrita são
ferramentas básicas para interação em diferentes áreas do
conhecimento. Pelo uso da linguagem os indivíduos se comunicam, trocam opiniões, têm acesso às informações, protestam, fazem cultura, exercem sua cidadania, inserindo-se criticamente na sociedade. Sendo assim, a leitura de mundo é tão ou mais importante que a leitura da palavra. Para isto não basta decodificar o texto, é preciso entender as relações entre o que se lê e o
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Curso EPV! – Estudar pra valer!: Projeto desenvolvido com os professores da Rede de Educação da Prefeitura da Estância Turística de São Roque – SP, em parceria com o CENPEC;
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Professora da rede de educação pública da Prefeitura da Estância Turística de São Roque – SP, com sede na EMEF Sonia Mª de Abreu Ghilardi, e participante do projeto EPV!; 3
Professora da rede de educação pública da Prefeitura da Estância Turística de São Roque – SP, com sede na EMEF Prof. Tibério Justo da Silva, e participante do projeto. 6
contexto no qual se insere, de acordo com a própria visão de mundo, como já defendia Paulo Freire (FREIRE, 1999). A publicação dos PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) trouxe um novo olhar no que se refere ao ensino da Língua Portuguesa. Este deixa de ser um reduto da gramática e passa a valorizar a comunicação como um processo de construção de sentidos, baseado na interação social da língua, possibilitando ao aluno aprender a linguagem a partir da diversidade textual que circula na sociedade. Assim, mais importante que aprender os mecanismos da língua, é aprender a usar a linguagem e dominá-la em diferentes esferas, uma vez que sua apropriação tem vínculo direto com a realidade. Nessa concepção, os gêneros textuais nas práticas sócio discursivas dos sujeitos têm norteado as discussões sobre a produção, interpretação e análise de textos. Os estudos linguísticos, a partir das teorias de Bakhtin e de outros linguistas, trouxeram um avanço para a educação. Com a transposição dos gêneros do discurso para a didática, o trabalho com os gêneros em sala de aula mostrou-se uma estratégia eficiente para o desenvolvimento de leitores autônomos e escritores competentes e assim, para a construção do sujeito e da cidadania. Quanto maior for o contato do aluno com os diferentes textos, ao trabalhar a leitura e a escrita de maneira integrada, independente da disciplina de estudo, maior será seu domínio sobre a linguagem. O professor, nesse novo contexto, precisa de uma postura crítica, olhar sob outro prisma, buscar um novo caminho, informações, reaprender. 7
Cabe a este profissional (em qualquer área de atuação) se apropriar desse conhecimento e criar condições para o desenvolvimento da capacidade plena do uso da linguagem dos seus educandos, para que possam usá-la nas práticas da vida diária, seja na transmissão ou busca de informação, no exercício da reflexão, na profissão, no desenvolvimento das formas de pensamento, nas manifestações culturais e artísticas, enfim, na sua efetiva cidadania. Em 2011, nós, professores da Rede Pública de São Roque (juntamente com gestores e técnicos do Departamento de Educação), começamos a participar do Projeto Estudar pra valer!, que tem como foco o desenvolvimento da leitura e da produção de textos. Professores de todas as áreas foram convidados a discutir a concepção de leitura, escrita e oralidade em sua disciplina, já que em qualquer disciplina, os alunos precisam compreender, interpretar e produzir textos, sejam eles verbais (orais, escritos) ou não verbais. Os encontros realizados em 2011, por área e por escola, tiveram como foco a leitura no espaço escolar. Já em 2012, o enfoque foi a produção de texto.
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Resenha Crítica: gênero textual a ser trabalhado
Para nós, professores de Língua Portuguesa, a palavra é nossa principal ferramenta. Dessa maneira, estamos habituados a diferentes formas de leitura, a criar estratégias para conquistar o aluno para o prazer de ler, as discussões sobre gêneros textuais, as socializações com o grupo. Neste sentido, as reflexões dos encontros de formação do EPV vieram acrescentar, e muitas vezes, trazer um novo olhar para a questão da leitura e produção de textos no espaço escolar e fora dele. Uma das primeiras discussões do grupo de Língua Portuguesa (março/abril de 2011) foi a leitura entre os professores, já que se presume que todo professor é leitor. No entanto, há que se refletir sobre a questão “qual era sua principal leitura?”. A partir das respostas, ficou claro que o professor lê muito, mas as leituras pedagógicas e teóricas ocupam espaço maior na sua vida do que as leituras literárias, principalmente aquelas feitas por prazer. Partindo desse pressuposto e considerando que toda atividade de produção textual precisa ter um objetivo, e ir mais além das paredes da sala de aula, atingindo outros destinatários, em 2012 nos encontros de LP, a proposta da formadora Maria Regina foi um Clube de Leitura. Neste, os professores formaram pequenos grupos e 9
escolheram autores ou livros que seriam lidos para posteriormente produzirem resenhas críticas. Além de estudar o gênero (leitura de resenhas de filmes e livros, de vários estilos e de diferentes veículos), ao produzir o texto, os professores usam seu conhecimento de mundo, aliam as novas informações com aquelas que já possuem, e projetam uma nova ideia à escrita, usando as competências comunicativas de forma eficaz. Além disso, estabelecemos uma analogia com nosso educando, enquanto produtor textual, principalmente no gênero resenha. Neste processo, alguns questionamentos foram elaborados e trabalhados: como trabalhar resenha com nossos alunos? Como estimular a capacidade crítica dos jovens? Levá-los a pesquisas e leituras diversas? Ao melhoramento contínuo do texto? E consequentemente, estas questões produziam em nós mesmos apropriações diversas de sentidos.
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A experiência: reflexões de uma cursista
Embora o professor seja um profissional com uma grande intimidade com a leitura, seja por fruição ou necessidade, nem sempre ele tem nas suas práticas diárias o hábito ou a necessidade de produzir determinados gêneros textuais. Assim, para muitos, a resenha crítica (mais comum na esfera jornalística) trazia alguns desafios. Dos primeiros rascunhos aos textos finais, é possível perceber a importância do processo de produção: leitura (da obra escolhida), planejamento, pesquisa, execução, refacção. Nossa experiência foi pautada por diversas reações. Primeiro a resistência, uma vez que nosso tempo já é escasso, e o comprometimento com a leitura literária exige um espaço na rotina. Depois, aqueles que a desenvolveram começaram a apresentar uma grata surpresa, seja pela satisfação do ato de ler, pela obra em si, ou pelo resgate da ação, antes esquecida. Num momento posterior, a produção das resenhas críticas ocupou um lugar controverso. Habituados a uma resenha mais simples, aquela que adaptamos aos alunos do ensino fundamental II, nós professores apresentamos algumas dificuldades durante a realização. Trabalhando de maneira individual ou em grupo, fomos nos adaptando ao gênero e melhorando nossas produções por meio da leitura oral e apontamento dos colegas. 11
Neste segundo ano de formação, tivemos a participação de professores da rede pública de Lençóis Paulista, de outras áreas de formação. Este intercâmbio de experiências foi muito interessante, visto que os colegas tiveram um despertar para a leitura por fruição distinta dos professores de LP. A reação, alheia a dos professores de Língua Portuguesa, nos fez ver como o outro vê a leitura e produção de textos, assim como, nos possibilitou efetivar uma permuta no papel do outro. Enquanto gênero textual, a resenha crítica foi explanada em um encontro, e explorada em todos os encontros do ano corrente. Muitos participantes melhoraram sobremaneira seu produto final, por meio da reescrita, pesquisa, discussão e troca de experiências. De acordo com Severino (2002, p.132) “a resenha deve expor as ideias daquele que a escreve, sendo elas concernentes ou não com aquelas expostas pelo veículo que está sendo analisado (livro, evento, filme etc.). Dessa maneira, pressupõe-se que seu autor deve pesquisar, refletir, amadurecer as informações das quais dispõe. Ela é um gênero que demonstra amadurecimento intelectual, domínio das técnicas de investigação daquilo que se estuda, e sobretudo, conhecimento do seu público, visto que seu vocabulário deve estar adequado a ele. _____________________________ BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. pp. 261-306.BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998. FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22ª ed. São Paulo: Cortez, 1988. 12
Amor de Perdição – Camilo Castelo Branco A inconsequência do amor - Um amor que ultrapassa os limites da sanidade Professora Michelle Thaís Moreschi EMEIF José Luiz Pinto – São Roque
Por muito tempo, o amor serviu aos interesses de famílias abastadas que casavam seus filhos a fim de unir seus bens. Nesta história, os direitos do coração, ou seja, os sentimentos dos jovens são mais importantes do que qualquer convenção social. O livro Amor de Perdição é uma obra-prima escrita com maestria pelo escritor português Camilo Castelo Branco, nascido em Lisboa, em 1825. Este livro, publicado em 1861, foi um marco dentro da escola literária Romantismo. Nele, o escritor mescla realidade (vivida quando foi preso por adultério) e fantasia (inspirada na obra Romeu e Julieta, de Shakespeare), onde dois apaixonados são impedidos de se amar por conta da rivalidade entre as famílias. Como típico romântico, Camilo Castelo Branco era boêmio e ressalta em sua obra valores como o heroísmo e a passionalidade, que se refletem em suas personagens. A ação da história se passa em Portugal, no século XIX, abordando as relações entre as famílias rivais, os Botelho e os Albuquerque. O ódio surge quando o juiz Domingos Botelho não dá uma sentença favorável aos Albuquerque. Porém, o acaso une os seus filhos, Simão e Teresa, que numa súbita paixão avassaladora, já sonham contrair matrimônio. E assim, sem 13
pensar no que os aguardava, o destino lhes reserva caminhos distintos: ele vai para a prisão e ela para um convento. Este romance levanta uma questão: “Será que o amor deve ser levado às últimas consequências?” Por outro lado, sabemos que não há nenhum
sentimento tão elevado quanto este; por isto mesmo é digno de ser vivenciado, independente de qualquer obstáculo.
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Um Apólogo – Machado de Assis Professora Cátia Aparecida Justo dos Santos EMEF Sônia Maria de Abreu Ghilardi – São Roque
Um Apólogo, publicado em 1896, é um dos grandes contos de Machado de Assis, um escritor revolucionário, caracterizado por sua obra narrativa. Com linguagem irônica, sua obra observa os indivíduos da sociedade a partir da visão radicalmente crítica do escritor O conto Um Apólogo foi baseado na prática de profissões e de valores humanos, como: sentimentos, superioridade, interioridade e humor. Uma visão metafísica, relacionada aos valores e à moral dos seres humanos. Essa história é relacionada ao novelo de linha e a agulha, em que a agulha se acha superior ao novelo de linha. A agulha persiste com sua ironia e arrogância em discutir com o novelo de linha; vem um sábio alfinete com sua grande experiência e diz à agulha: “Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico”.
É mostrada a importância e a função que cada um executa, de valia e significância em que ambas as partes precisam um do outro. História que passa uma lição de moral sábia ao mostrar a importância da função e execução.
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O Bestiário - Moacyr Scliar Professor João Luiz Xavier Castaldi EMEF Professor Joaquim da Silveira Santos – São Roque
Em 1968, o então desconhecido porto-alegrense Moacyr Scliar faz sua estreia literária com o livro de contos O Carnaval dos Animais. Como fábulas modernas, os contos presentes na coletânea ensejam, através de personagens oriundos da fauna, a reflexão sobre os homens, seus anseios e suas relações. Em Os Leões, presente nessa antologia, Scliar – descendente de judeus – explora a vocação do homem para o genocídio, para o extermínio irracional do outro, do desconhecido, do temido. A extinção dos temidos felinos mediante a ação de tropas de choque e bombas nucleares, no entanto, não extingue a necessidade, essencialmente humana, da guerra, como se vê no final do conto. Já no conto A Vaca, o autor explora, ao narrar a relação do protagonista com a dócil vaca Carola, os limites a que pode chegar a crueldade do homem, capaz de sugar até a última gota de sangue do animal que passivamente lhe oferece ajuda – metáfora da relação histórica entre os povos e a Terra, uma história de prodigalidade, e também da relação histórica do homem consigo mesmo, uma história de crimes e violência. Para citarmos um último exemplo, Cão, talvez o mais conhecido conto desse ciclo, segue na mesma linha: com a narrativa dos atos prodigiosos do minúsculo cão de guarda, fruto da mais alta tecnologia, somos 16
levados a refletir não apenas sobre a nossa capacidade de intervenção na natureza, ao cruzar espécies no sentido de “aprimorá-las”, mas principalmente sobre os motivos que nos levam a fazê-lo – principalmente numa sociedade em que todos são “marginais” em potencial, dependendo de quem nos aponta o dedo. Assim, os pequenos e densos contos de O Carnaval dos Animais revelam-se bastante atuais para o leitor de quarenta anos depois, visto que a essência de nossas relações permanece a mesma – predadores de nós mesmos. Com a leitura dessa obra, onde o trágico aparece por detrás do cômico, somos levados a concluir, com um sorriso amargo, que as bestas somos nós mesmos.
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Conto de Escola - Machado de Assis Professora Isaura Raffaeli EMEF Doutor Rabindranath Tagore dos Santos Pires – São Roque
Conto de Escola, publicado em 1884, foi incluído posteriormente pelo autor no livro Várias Histórias. Machado de Assis (1839-1908) é conhecido como um “mestre da observação psicológica” e neste conto apresenta as primeiras experiências de “corrupção e delação” de Pilar, um pré-adolescente que faz suas escolhas com insegurança. O Conto de Escola relata o dia de Pilar. Pela manhã fica em dúvida se deve ir brincar ou ir à escola; escolhe a escola por que seu pai havia lhe castigado por outras faltas. Durante a aula, olhando pela janela o azul do céu, arrepende-se da escolha que fez. Enquanto os alunos realizavam um trabalho, o professor envolvido com a leitura do jornal torna-se ausente. Isso proporcionou que ocorresse uma situação desleal entre dois alunos e um terceiro os denunciou. O professor resolve com a palmatória. É promovida uma reflexão que nos faz pensar como e quando o protagonista conheceu a corrupção e a delação. “Foram eles que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação”. Tem-se a
impressão de que Pilar sentiu um mal-estar pela ação que foi envolvido, porém não se percebe mudança, Pilar continua com sua postura indefinida.
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Dewey, um Gato entre Livros - Vicki Myron, com Bret Witter Um gato simplesmente Professora Suzi Harsani Paz EMEF Professora Iracema Villaça – São Roque
Para quem gosta de animais, principalmente de gatos, é uma história real, imperdível. Como um gato vira-lata abandonado numa biblioteca, numa noite gelada, poderia mudar a vida de uma cidade? "Dewey,um gato entre livros" é uma história que encanta pelo carinho e companheirismo de um gatinho que se tornou um mascote de uma cidade inteira e ajudou a superar a maior crise econômica enfrentada na região (Spencer, estado de Iowa, EUA) nos anos 80. É uma leitura fácil e envolvente que descreve a vida nas fazendas e paisagens locais aliada à vida das pessoas que frequentavam a biblioteca onde o gatinho distribuía sua amizade e encanto dando alento a tantas almas sofridas. Este livro desmistifica a personalidade egoísta e traiçoeira que é atribuída aos felinos.
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O Diário de Anne Frank – Anne Frank Edma Maciel Tavares Mazini EMEIF Professora Rutte Rodrigues de Carvalho – São Roque
O Diário de Anne Frank é um documentário da Segunda Guerra Mundial, onde a autora é a própria protagonista da história e relata com detalhes o massacre dos judeus. Anne era uma jovem e, como toda a jovem, sonhava com um futuro brilhante. Em seu décimo terceiro aniversário ganhou de presente um diário onde começou escrever sobre sua vida, dos parentes e amigos. Descreve também sua vida escolar. Contava com seu diário para desabafar suas alegrias e tristezas. Mais tristezas do que alegrias, e para isso conta também com sua amiga imaginária Kitty. Anne era filha de Otto e Edith e tinha uma irmã, Margot. De acordo com Anne, seu relacionamento não era muito amável e tolerante com sua mãe. Havia um desentendimento constante entre as duas. Ela achava que a mãe amava e protegia mais a irmã, Margot. Já com o pai, Otto, era diferente, tinha na figura paterna um companheiro e amigo nas horas difíceis e complicadas de sua vida. O pai tratava as duas filhas igualmente, sem preferências. Em seu diário Anne relata de forma clara o sofrimento e a perseguição dos judeus na guerra. Uma guerra liderada por Hitler, um nazista, sem alma e sem coração. E por causa deste homem Anne e sua família se viu obrigada a sair do país. 20
Anne e seus familiares ficaram escondidos no Anexo Secreto, um esconderijo onde eles não viam nem o pôr-do-sol. Neste esconderijo, conheceram outras pessoas que também estavam escondidos. E Anne perguntava que crime havia cometido para estar naquela prisão. Tinha dias no Anexo Secreto em que eles não podiam usar o banheiro e suas necessidades fisiológicas tinham que ser feitas em uma lata. Um detalhe, era uma lata para todos. Confinada ela conta intrigas e as desilusões de todos que ali estão. Ela também se apaixona e se pergunta se sobreviverá a este terrível massacre. O Diário de Anne Frank traz uma linguagem simples e de fácil compreensão. É uma narrativa que revela a crueldade e o poder de liderança de um homem, Hitler, para com um povo humilde e sofredor. É um livro para todos os públicos, pois nos leva a refletir sobre as atitudes e comportamentos do ser humano e nos conta com detalhes fatos históricos que aterrorizaram o mundo. É a voz de uma protagonista que fala pelos seis milhões de judeus que foram mortos. Quando você está lendo o livro parece que você está escutando o choro e o lamento dessas pessoas. Que sofrimento! Meu Deus! Um sofrimento que poderia ter sido evitado, se houvesse mais união e Deus no coração dos homens. Aproveito o ensejo para dizer: “Temos tudo e mesmo assim somos egoístas e insatisfeitos com tudo, seria melhor agradecer do que reclamar”. “Deus não lhe dá o que você pede e sim o que você precisa”. 21
Esaú e Jacó – Machado de Assis Uma alegoria das disputas políticas
Professora Fátima Pereira EMEF Professor Tibério Justo – São Roque
Mais uma vez Machado de Assis inventa uma nova forma de narrar. Esaú e Jacó, seu penúltimo livro, escrito em 1904, pode não ter a mesma reputação de Dom Casmurro ou Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas não deixará o leitor desapontado. A “Advertência”, que abre o livro, apresenta o autor hipotético da narrativa: “Quando o conselheiro Aires faleceu, acharam-se-lhe na secretária sete cadernos manuscritos, rijamente encapados em papelão [...] Tal foi a razão de se publicar somente a narrativa. Quanto ao título, foram lembrados vários, em que o assunto se pudesse resumir, Ab ovo, por exemplo, apesar do latim; venceu, porém, a ideia de lhe dar estes dois nomes que o próprio Aires citou uma vez: Esaú e Jacó”, mas em muitas passagens o foco narrativo muda, o narrador
deixa transparecer suas opiniões, utilizando da primeira pessoa e até chega a descrever Aires com um pouco de desdém, ao referir-se às suas posições sempre dúbias, concordando com todos, mesmo que suas opiniões sejam contraditórias. Outro fator interessante nessa obra é o diálogo com o leitor, ou melhor, leitora, já que o “leitor incluso” na narrativa é apresentado em geral como uma mulher: “O que a senhora deseja, amiga minha, é chegar já ao 22
capítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesse particular nos livros [...]”
Aqui, talvez Machado brinque com o fato que as mulheres é que formavam a maioria do público leitor de romances daquela época. O título do livro remete ao mito bíblico de Esaú e Jacó, filhos de Rebeca, que já brigavam desde o ventre, e de acordo com a profecia, seriam líderes de duas grandes nações. Os filhos gêmeos de Natividade, assim como os do mito bíblico, brigam desde o ventre e à medida que crescem, suas personalidades se mostram avessas: Paulo é impulsivo e arrebatado; Pedro é dissimulado e conservador. A disputa entre os dois se passa até nas questões amorosas, ambos se interessam por Flora, filha de um casal de amigos de seus pais. Embora Machado ficasse distante das questões políticas, já que era funcionário público, estando o Rio de Janeiro fervilhando de divergências políticas, por época da Proclamação da República, ele apresenta, através da rivalidade dos irmãos, uma alegoria das disputas políticas brasileiras daquele tempo, já que, quando adultos, a causa principal de suas divergências são políticas, Paulo é republicano e Pedro, monarquista. Nesse contexto, pode-se dizer que o Conselheiro Aires é um alter-ego de Machado de Assis, de quem o autor se vale para emitir opiniões e posicionamentos, acerca da política e sociedade da época. De menino pobre e de pouco estudo a um gênio da literatura brasileira, Machado de Assis (1839-1908) é, sem dúvida alguma, um dos maiores escritores brasileiros, aliás, da literatura universal. Seus enredos bem articulados, sua inventividade narrativa, as questões humanas dissecadas 23
através de personagens tão bem construídos, fazem de seus livros obrasprimas, principalmente do período realista. Para quem ainda não leu, Esaú e Jacó será uma excelente oportunidade de entrar no universo machadiano.
_____________________________ ASSIS, Machado de Assis. Esaú e Jacó. São Paulo: Globo, 1997 http://bdm.bce.unb.br/bitstream/10483/2819/1/2011_GenarioVianaFilho.pdf http://www.alvinews.com.br/coluna/Literatura/Vanderlei/O_Genio_que_nasceu_no_morro.html 24
Gabriela, Cravo e Canela – Jorge Amado Tão explosiva na sua originalidade quanto nas suas adaptações1 Professora Diana Siqueira Liberatti2 EMEF Professora Sonia Maria de Abreu Ghilardi – São Roque
Escrita por Walcir Carrasco, a adaptação de Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado, volta às telas globais depois de trinta e sete anos. Tão intensa e polêmica quanto o foi sua personagem no romance, assim é Gabriela neste novo veículo, embora por motivos diferentes. Interpretada inicialmente por Sônia Braga, a mulata agora foi vivida por Juliana Paes. Este fato, por si só, já foi motivo de contenda para os fieis à trama de 1975 e que revisitaram a história atualmente. Carrasco, no entanto, argumentou que “A história de Gabriela é um clássico contemporâneo. E, por ser um clássico, assim como uma obra de Shakespeare, pode ser contada de diversas maneiras”3.
Embora alguns gostem mais da Gabriela original nas telinhas, enquanto outros a admiraram na pele de Juliana Paes, o que deve ficar claro é que ambas são releituras do romance. Este sim traz a personagem aos olhos do grande Jorge Amado.
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Resenha desenvolvida para o curso EPV – Estudar pra valer!: Projeto desenvolvido com os professores da
Rede de Educação da Prefeitura da Estância Turística de São Roque – SP, em parceria com o CENPEC. 2
Professora da rede de educação pública da Prefeitura da Estância Turística de São Roque – SP, e
participante do projeto EPV. 3
http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/05/gabriela-ganha-sua-segunda-versao-paratelevisao.html 25
Nascido na Bahia, o autor dispensa apresentações mais profundas. É o literato brasileiro mais traduzido pelos quatro cantos do mundo, e este romance inaugura “uma nova fase na obra dele”4, de acordo com O Globo. Intitulado Gabriela, Cravo e Canela, o livro conta a história de uma meninamulher que saiu do sertão com seu tio em busca da vida melhor vinda do progresso da região do cacau. Chegando a Ilhéus, ela se deixa estar na feira, o lugar onde os moradores locais procuravam funcionários. E é aí que Nacib, o árabe, a encontra, suja e maltrapilha, contratando-a para cozinheira. Inicialmente, não nota sua beleza, mas após um banho ela se revela aos olhos dele, e de toda a cidade. Conquistando em primeiro lugar sua cozinha, logo chega a sua cama, e com o passar do tempo, leva-o ao casamento. Retratando a década de 1925, Gabriela, Cravo e Canela nos mostra a estrutura político-social que imperava, ou seja, os grandes coronéis do cacau, as mulheres submissas, a política a mercê do coronelismo e seus jagunços. E em contraponto às tradições, a mudança que chega na pele do forasteiro, no ímpeto do jovem, na coragem do destemido. Estas transformações refletem o próprio espírito de Jorge Amado à época de sua escrita. O Globo afirma que “a partir deste romance, o autor atenua o conteúdo político que marcou seus primeiros livros para dar ênfase à
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http://oglobo.globo.com/revista-da-tv/juliana-paes-da-nova-vida-gabriela-em-novela-da-globo-
4936140#ixzz272k6c8c6 26
mistura racial, ao erotismo e a uma percepção do mundo”5, com destaque para
grandes figuras femininas. Gabriela surge retratando as mulheres como “agentes do seu próprio desejo” (ibidem), donas de seu próprio destino. Tal
qual o autor se sentia em relação a si mesmo e sua trajetória militante naquele momento, seu primeiro livro após deixar o Partido Comunista. A publicação da obra rendeu ao grande literato os prêmios Machado de Assis e Jabuti, e posteriormente seu sucesso lhe encaminhou para a Academia Brasileira de Letras (1961). Embora “a moral e os bons costumes” imperasse na Ilhéus de Gabriela, lhe imputando uma vida cheia de regras, ela não é suscetível ao tão “sonhado modelo de senhora da sociedade”. Antes, sua liberdade lhe permite amar de maneiras diferentes, e várias pessoas, pois compreende sentimento como algo não excludente. Isto a leva a uma vida considerada adúltera, o que coloca em conflito seu casamento com Nacib. Descasados, Nacib tenta se encontrar sem Gabriela e entender sua conduta. Ela, por sua vez, sozinha, tenta entender e/ou compreender as regras morais que permeiam as relações. Ou melhor, a voz do narrador, por meio destas reflexões dos personagens nos leva a estas tentativas. A liberdade da mulher, tão ousada frente aos costumes da época, e ao mesmo tempo o fazendo tão instintivamente por meio de Gabriela, fizeram desta obra algo inesquecível. Ela ainda traz a pujança da mudança, tão arrebatadora quando promove transformação. _____________________________ 5
Idem. 27
Grande Sertão: Veredas – Guimarães Rosa Uma grande aventura na companhia de jagunços pelas veredas do sertão EMEF Prof.ª Maria José Ferraz Schoenacker Professor Francisco de Assis Fernandes
“Mire e veja” como é esse caminhar pelo grande sertão. Veredas tocaiadas, caminhos ermos, silêncios perturbadores, porvir eminentes que se alargam por detrás de cada arbusto. É o Grande Sertão: Veredas, do escritor mineiro João Guimarães Rosa. Um romance permeado de mistérios que inflamam ou aguçam um quê de suspense que se desvenda, lentamente, a cada colóquio de Riobaldo em sua narrativa carregada de estampidos secos, voos repentinos de aves noturnas e ilustradas por reflexões de um protagonista intrigante. O mestre das Minas Gerais conduz o leitor quase que pela mão, mostrando-lhe os detalhes da geografia do lugar e nela situando personagens perturbados e acontecimentos inesperados de forma meticulosa. É um texto tênue em que se sequencia a condição humana em seu meio. Riobaldo é talvez a tradução da aspereza da vida sertaneja da época naqueles rincões, sob o domínio de contumazes seres que faziam valer a qualquer custo suas próprias leis. Apesar de chocante, a violência não chega a ser “um-semrazão”. A luta é do ser com sua natureza, numa busca de sentido para nortear a convivência. Uma narrativa rica de personagens como Riobaldo, um jagunço meticuloso e “filósofo” de si mesmo, que procura entendimento das coisas da 28
vida; Joca Ramiro, Hermógenes, Zé Bebelo, entre outros. E Diadorim, o indecifrável, mistério em pessoa, só esclarecido no término da narrativa. Um grande desafio, pelo qual vale ler essa obra universal. O foco narrativo é em primeira pessoa e os diálogos são travados entre Riobaldo e um interlocutor por trás das entrelinhas, que se caracteriza somente pelos comentários do próprio protagonista, Riobaldo, o narrador que alimenta uma certa (e profunda) paixão pelo “ente” Diadorim. Ler essa história é uma grande e prazerosa descoberta. Descoberta dos mistérios dos rincões mineiros, dos falares e costumes dessa região de rica e exuberante cultura. É um passeio que vale por si e pela forma de escrever desse gênio universal da nossa literatura.
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O Guardião de Memórias – Kim Edwards Mistério, amor, medo, traição! Que sentimentos são esses? Professora Letizia Aparecida Cecconi Pedroso EMEF Professor Tibério Justo – São Roque
Nunca se ouviu falar tanto em inclusão social como nos dias atuais. A sociedade, a mídia, as escolas e as empresas a cada dia mais se envolvem em projetos ligados a este assunto. Portanto, que mistério traz o livro O Guardião de Memórias, que relata a história de David, um médico muito bem sucedido e respeitado por seu profissionalismo e humanismo? David, ao fazer o parto de sua esposa, percebe que um de seus filhos gêmeos, a menina Phoebe, nasce com Síndrome de Down. Desconfortado com aquela situação e sem pensar nas terríveis consequências que esse ato traria a sua família, pede que sua enfermeira Caroline leve sua pequena filha e entregue-a a um orfanato em uma pequena cidade distante dali, separando-a definitivamente do seio familiar. Pouco depois, conta à mãe que sua filha havia falecido após o parto, sobrevivendo o outro filho, Paul. A autora, Kim Edwards, escreveu uma coleção de contos intitulados The Secrets of the Fire King e foi indicada para o Prêmio Pen/Hemingway de 1998. Pós-graduada no Seminário de Escritores de lowa, ela é professoraassistente de inglês na Universidade de Kentuck. Seu livro O Guardião de Memórias é uma fascinante história de vidas paralelas que vai emocionar o leitor com sua trama surpreendente.
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Jane Eyre – Charlotte Brontë Amor, sofrimento e superação Coordenadora Pedagógica Daniela Cristina Coneglian EMEF Professora Lina Bosi Canova – Lençóis Paulista
Jane Eyre tem autoria de Charlotte Brontë, escritora inglesa cuja reputação foi reconhecida através desta obra como uma das grandes escritoras de ficção da época. De todas as irmãs Brontë, Charlotte foi a que teve vida mais longa e atingiu maior fama. Entre seus livros podemos citar O Professor e Villette. Em Jane Eyre, Charlotte introduziu a primeira heroína feia da ficção e alcançou sucesso imediatamente. A autora é irmã de Emily Brontë, escritora de O Morro dos Ventos Uivantes. Na personagem “Jane Eyre” a autora encontrou um escoadouro para os tormentos de sua natureza, tornando o livro autobiográfico. Jane Eyre foi publicado pela primeira vez em 1847, na Inglaterra, e tornou-se uma das obras mais lidas do século XIX. Hoje este romance é considerado um dos grandes clássicos da literatura inglesa de todos os tempos. A obra trata da narração da própria personagem Jane Eyre, que conta sua história de vida de forma muito emocionante, desde a infância até os seus 30 anos de idade, aproximadamente. Filha de um pastor missionário com a herdeira de uma das maiores fortunas da Inglaterra do século XIX, Jane Eyre fica órfã com menos de um ano de idade. Como na ocasião do casamento de seus pais, seus avós maternos haviam deserdado sua mãe por serem contra o matrimônio com 31
um pobre missionário, a menina fica abandonada. A caridade a recolhe e a encaminha aos cuidados de seu tio materno, homem muito rico, com família constituída (esposa e filhos), mas que também morre ainda muito jovem. O cuidado com a criança fica sob a responsabilidade de sua esposa, que a rejeita completamente e se nega a dar qualquer manifestação de carinho à pequena órfã. Se não bastasse o contexto a que é submetida, a menina ainda teve que suportar os maus tratos dos primos, que a ignoravam e a espancavam frequentemente. Quando completa a idade de dez anos, a pobre garota, que a esta altura já desenvolveu um gênio bastante difícil, impulsivo e agressivo, é mandada para um colégio, uma espécie de internato para meninas órfãs, onde sofreu muito com o frio, a fome pela escassez de comida, e as duras regras pregadas pelo local. A personagem ficou ali por oito anos (seis como aluna e dois como professora, pois se destacou muito nos estudos). Lá ela conheceu pessoas que a auxiliaram a abrandar seus sentimentos, controlar sua ira, ser mais tolerante; enfim, conheceu o sentimento de amizade que tornou seu coração um pouco mais acolhedor. Ao final destes oito anos, depois de já ter perdido algumas de suas referências no colégio, tanto pela morte causada pela tuberculose que ali havia se instalado, quanto pela partida de pessoas queridas que tomaram outro rumo para suas vidas, Jane resolve trabalhar em outro local. Consegue, então, emprego como professora de uma menina, Adéle, uma francesinha de dez anos que é criada por um benfeitor na Inglaterra.
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Tal benfeitor, Mr. Rochester, é um homem muito afortunado, de boa educação, porém feio e solitário. Não tardou muito para que Jane se apaixonasse por seu patrão. O amor é correspondido, mas há um terrível mistério no terceiro andar da mansão, de onde se ouvem vozes, gritos, risos demoníacos e, certa vez, partiu de lá um incêndio no quarto de seu patrão e uma tentativa de assassinato. Tudo isso deixou Jane com muito medo e aflição por não conseguir uma explicação plausível para o caso. No dia do casamento com seu patrão, Jane finalmente descobre qual o mistério que cerca o terceiro andar da mansão, que a impede de contrair o matrimônio com Mr. Rochester e a faz fugir da casa no meio da noite. A personagem, então, passa três dias e três noites ao relento, molhada da chuva e faminta, sem conseguir a ajuda de ninguém, em terras muito distantes quando, já quase morrendo pela fome e pela fraqueza, encontra acolhimento e ajuda na casa de três pessoas (duas irmãs e um irmão), que mais tarde descobre serem seus parentes e, como que por ironia do destino, Jane vê sua vida ser transformada completamente, alcançando patamares nunca antes sonhados. Porém, em seu coração ainda há a mesma inquietude já antes conhecida, seu amor por Mr. Rochester ainda a atormenta no mais profundo de sua alma. Resolve, então, passado um ano de sua fuga desesperada, procurar notícias de seu amado. Emocionante em seu enredo, rico em detalhes do início ao fim e de um contexto envolvente pelo romantismo e mistério, trata-se de uma leitura que sobrevive de forma muito contagiante apesar da passagem do tempo. 33
O livro traz em sua linguagem um vocabulário um pouco ultrapassado e com palavras um tanto difíceis para o nosso tempo, mas o amor sempre é atual e compreensível a todos, portanto, este detalhe torna-se superável com o passar dos acontecimentos narrados. É uma leitura que vale a pena, pois nos faz refletir sobre a vida, sobre as mudanças que nos podem ocorrer a qualquer momento e sobre a maneira que vamos nos colocar diante das novas situações apresentadas pela vida sem perdermos a nossa própria essência humana e religiosa.
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O Jardim Secreto – Frances Hodgson Burnett Natureza, superação e sentimento Coordenadora Pedagógica Daniela Cristina Coneghian EMEF Professora Lina Bosi Canova – Lençóis Paulista
Escrito por Frances Hodgson Burnett, nascida em Cheetham Hill, Manchester, Inglaterra, no dia 24 de novembro de 1849 e que emigrou para os Estados Unidos em 1865, O Jardim Secreto é uma de suas mais conhecidas obras, ao lado de O Pequeno Lord e A Princesinha, os quais consolidaram prestígio à escritora em literatura infanto-juvenil. Esta obra, assim como A Princesinha, foram mais tarde transformados em filmes. O Jardim Secreto foi originalmente publicado em 1912, editado no Brasil e traduzido de forma muito bela por Ana Maria Machado. Trata-se da história da menina Mary Lennox, garota nascida na Índia de origem inglesa, filha de um oficial com sua belíssima esposa que só se preocupava com festas e eventos sociais e deixava os cuidados com a pequena a cargo dos empregados da família. Uma tragédia acontece e a vida desta garota desagradável, malcriada, cheia de vontades e muito feia, toma outro rumo bruscamente. Órfã, é levada para a Inglaterra para viver com o tio, homem muito abastado que vive em um casarão de cem quartos e com uma profunda tristeza em seu coração, ficando a pequena sob os cuidados da governanta pouco interessada nela. Apesar de ser uma criança de difícil trato, Mary preserva uma característica comum à infância: é muito curiosa. A curiosidade a fez 35
bisbilhotar todo o casarão, todo o seu entorno e alguns empregados da casa, até descobrir segredos nunca antes revelados. Descobriu que em um dos cem quartos havia um menino, seu primo, muito doente, solitário e de mauhumor feito ela. Descobriu também a existência de um jardim (que dá título ao livro), cujas portas ficavam trancadas e ao qual ninguém tinha acesso. O efeito causado pela paisagem do local, a amizade entre os dois e o menino Dickon (irmão de uma criada da casa) e os segredos sobre o jardim secreto fizeram florescer em ambos uma mudança de cunho social, físico e psicológico, metaforizado pelas mudanças ocorridas no jardim secreto, do inverno para a primavera, tornando-se o tema central do livro que, a cada página, surpreende pela riqueza e doçura demonstrada nos detalhes e nas falas. Uma história realmente emocionante e que nos faz refletir sobre nossas atitudes, escolhas, sobre a maneira como nos comportamos diante das mudanças; enfim, um livro que nos faz contemplar o belo, os detalhes, a natureza, e cuja qualidade sobrevive apesar da passagem do tempo.
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O Menino do Pijama Listrado – John Boyne Inocência, amizade e tragédia - O nazismo provando de seu próprio veneno Professora Ana Clara Ranzani EMEF Professora Guiomar Fortunata Coneglian Borcat – Lençóis Paulista
O Menino do Pijama Listrado, John Boyne, Companhia das Letras, 2008, é uma versão infantil e inocente de um período histórico trágico: o Holocausto, durante a Segunda Guerra Mundial. Bruno é uma criança alemã de nove anos que vive em sua luxuosa residência em um belo bairro de Berlim, com seus pais e sua irmã mais velha, Gretel. Depois de um jantar especial com o “Fúria”, título atribuído pelo menino a Adolf Hitler, todos são informados de que irão se mudar para longe de Berlim, pois seu pai, um alto oficial do exército nazista, fora transferido de posto. Contrariado por deixar seu lar e seus amigos, Bruno e sua família chegam a um campo de trabalho longínquo, rodeado por uma paisagem nada agradável e bem diferente dos belos jardins de Berlim. Todos sofrem no início com a adaptação, mas o garoto logo percebe que, da janela de seu quarto, era possível observar uma cerca que separava sua atual residência de um local em que várias pessoas com expressões bem infelizes trabalhavam o dia todo e curiosamente vestiam-se da mesma forma: com um pijama listrado. 37
Tentado por sua curiosidade aliada ao tédio, Bruno decide explorar as redondezas de “Haja Vista”, nome que todos atribuíam àquele lugar em segredo, e encontra outro garoto da mesma idade e nascido no mesmo dia em que ele: o judeu Shmuel. Os dois começam uma grande e secreta amizade, que culmina quando Bruno decide explorar o outro lado da cerca. Apesar de tratar de um tema muito complexo, a obra possui uma linguagem muito despreocupada e até excessivamente simples, já que reflete a visão de uma criança que permaneceu alheia à realidade em que estava inserida. Um menino que procurava explicações para si mesmo, de acordo com as relações lógicas que formava a partir do que observava e ouvia dos adultos. Por outro lado, é interessante observar os mecanismos que o tradutor utiliza para transmitir a ideia de que o garoto desconhecia tudo o que o cercava: o título de Hitler (Fúria, ao invés de Führer) e do lugar onde vivia (Haja Vista, ao invés de Auschwitz). Uma história de ficção emocionante, que trata dos verdadeiros valores do ser humano e mostra o sofrimento da família de um oficial de Hitler destruída pelo próprio nazismo.
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