Reportagem para a Revista KIDS in

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Arte que cura… ou a arte da cura? A arteterapia não é arte, tampouco terapia… Mas beneficia (e muito!) o desenvolvimento emocional, físico e cognitivo de crianças que estão passando por algum conflito, dificuldade, e até em tratamento de uma doença. É uma técnica que, por meio de recursos artísticos, facilita o caminho ao autoconhecimento e transformação pessoal, cuja intenção em misturar cores e texturas não está em produzir uma “obra de arte”, mas, em “colocar pra fora” o que incomoda, na forma das mais diversas linguagens artísticas. E mudar para melhor. –por helouise melo

Apesar de ter a palavra “arte” no nome e de muitas produções serem, de fato, esteticamente harmoniosas e belas, o foco da arteterapia não está na beleza (ou no que entendemos por ela) e em conceitos artísticos pré-estabelecidos. O resultado não precisa ser bonito e também não é o mais importante. O que importa são os materiais e o método que serão utilizados para a criança “fazer a sua arte”, escolhidos de acordo com cada idade e necessidade. Isso porque a arte, no caso da arteterapia, é resultado de um processo curativo, que fortalece os potenciais criativos e, dessa forma, contribui para reestruturar e reorganizar a mente da criança que passa por algum problema, trazendo benefícios emocionais e, por consequência, físicos. É o que explica a psicóloga, arteterapeuta e coordenadora do Núcleo Espiral (SP), Amana Perrucci:

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Na arteterapia, a arte é resultado de um processo curativo

— A arte é a maneira mais comum (e fácil) de a criança expressar os seus sentimentos e possíveis dificuldades sem que tenha de falar sobre, e sem que precise, necessariamente, no caso da arteterapia, ter um produto esteticamente belo. Dessa forma, os problemas e conflitos costumam aparecer durante o processo de criação de uma escultura em massinha de modelar, no desenho da família, ao narrar uma história, encenar uma peça de teatro e outras manifestações artísticas dos pequenos. Ainda sobre a questão estética na arteterapia, a psicóloga, arteterapeuta e uma das fundadoras da Associação Pernambucana de Arteterapia, Edna Lopes, enfatiza que a estética não está vinculada apenas à expressão do belo e que o “feio” e os “monstros” são bem-vindos e, até, convidados a participar, pois são, justamente, aqueles que trazem o lado escondido, esquecido, mas, no entanto, suficientemente fortes para causar danos e, uma vez extravasados, abrem espaço para a melhora e cura por meio da arte: — Por meio da liberdade em se expressar e construir imagens-símbolos, a criança tem a oportunidade de nomear, significar, ordenar sentimentos, sensações, pensamentos que, por vezes, não têm lugar de expressão. Encontrar novas formas de manifestar a percepção das situações vividas e dar cor, forma e contexto a elas são sempre valiosos caminhos na recuperação da força criativa, ou seja, por meio dos recursos artísticos utilizados na arteterapia, a criança encontra maneiras diferentes de lidar com as demandas individuais, relacionais e sociais. Ainda nessa visão, fazendo voz ao coro, a designer, estudante de arteterapia e coordenadora do projeto Brincando com Lola (RJ), Tânia Piloto, afirma também que a estética do produto final na arteterapia é importante apenas para dar indícios ao especialista das necessidades da criança, do que acontece na vida dela, por meio da sua perspectiva, passada no processo de criação: “Utilizamos a fantasia da criança como recurso terapêutico e, assim, podemos nos aprofundar nos recantos mais íntimos do seu ser, trazendo à luz o que é mantido oculto ou o que ela evita externar”, diz Tânia.

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Boneca do projeto Brincando com Lola

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Arteterapia no gato Dôdu

Todas as linguagens DPintura: favorece a desena força, a transformação, a voltura para resolver conflitos, artísticas podem ser percepção tátil, o contato com utilizadas na arteterapia. o relaxamento de mecanismos a energia vital e até mesmo a O importante é escolher qual delas é mais adequada à idade da criança, suas necessidades e domínio motor e cognitivo. Depois, é só colocar a mão na massa!

DDesenho: favorece a atenção, a precisão, a coordenação, a construção de formas, a ordem. DColagem: a organização é beneficiada, tendo função integradora, estruturadora e ordenadora. 14

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de controle, o contato com as emoções, a sensibilidade e a intuição, além de ativar o fluxo criativo e ser de fácil manuseio. DConstrução: são favorecidas a estruturação, a elaboração e a organização espaciais. DTeatro (dramatizações): vivência de outros papéis, transformação de histórias, expressão de conteúdos que não podem ser ditos. DModelagem: favorece o contato com a agressividade (e a transformação da mesma),

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estruturação.

DNarrativas (contos, mitos):

contato com fenômenos universais, interação lúdica, ativação do imaginário, favorecimento do autoconhecimento, ativação da comunicação oral. DTrabalhos com corpo e voz: maior conscientização dos ritmos e movimentos do corpo, dos próprios limites, vitalização, relaxamento, comunicação. Fonte: Amana Perrucci

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Instrumentos de transformação A principal ferramenta utilizada pela arteterapia é a linguagem do simbólico, e, de acordo com Tânia Piloto, a técnica pode, ainda, ser representada por várias outras metodologias e materiais que auxiliam a criança a expressar sentimentos e desenvolver o próprio processo criativo: “Essas experiências sensoriais podem ser realizadas por meio de pintura, modelagem, colagem, além de jogos, brincadeiras de faz de conta, atividades musicais, corporais, ou seja, todas as atividades que permitam o ‘experienciar’”. Bonecas de tecido, canetas permanente para tecido, papel e canetas hidrocor. Esses são os materiais utilizados no projeto “Brincando com Lola”, coordenado por Tânia e a arquiteta e ilustradora Emika Takaki. O projeto tem a consultoria da psicopedagoga e arteterapeuta Marise Piloto e trabalha com crianças e jovens, que ganham a boneca Lola e o gato Dôdu (feitos de tecido) para customizar com desenhos e pinturas esses personagens. A utilização da brincadeira simbólica ajuda a criança a representar situações carregadas de afeto e cuidado, e se aproximar, de forma mais criativa, de conteúdos angustiantes, medos e tensões. Tânia explica como isso ocorre quando a boneca é o instrumento da arteterapia: — O ato de brincar com a boneca permite que a criança fortaleça o seu ‘eu’, porque a boneca é o espelho do seu ser. Ao enfeitar esse objeto, ela estará enfeitando a si mesma, revigorando sua autoestima, desenvolvendo sua autoconfiança, expressando seus sentimentos, emoções e resolvendo seus conflitos.

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A estética do produto final na arteterapia oferece indícios das necessidades da criança

Ao utilizar a imaginação e fantasia ao narrar uma história, por exemplo, a criança permite que um problema apareça de outra maneira, ilustrado ou em representações, trazidos à tona por personagens que darão voz ao que ela ainda não conseguiu localizar concretamente. O arteterapeuta pode utilizar diferentes recursos artísticos para ajudar a criança a enfrentar, por exemplo, o medo de monstros. No caso de um dos pacientes da arteterapeuta Amana Perrucci, o recurso utilizado para trazer à superfície o que o afligia foi o desenho: — O ambiente emocionalmente instável da casa foi expresso na forma de monstros, que o assombravam. Quando ofereço a uma criança materiais, como lápis e giz de cera, para que tenha a liberdade de se expressar, desenhar o que quiser, permito que ela tenha domínio dessas representações, transformando essas figuras em fantoches, com os quais podemos, inclusive, brincar em outras sessões. Após esse passo, a criança passa a entender que pode ter domínio do medo, se sentindo mais segura para lidar com os problemas que vem vivenciando.


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A arte dos pequenos no ateliê de Edna Lopes

Arteterapia, arte ou terapia? Tanto a arteterapia, quanto a arte (é claro) e a terapia infantil são formas de se trabalhar com as linguagens artísticas e podem se complementar em algumas ocasiões, mas, cada uma possui uma função diferente. A terapia infantil convencional, de acordo com Amana Perrucci, também se utilizará de recursos lúdicos, mas, só poderá ser trabalhada por psicólogos. Já arteterapia pode ser aplicada por outros profissionais com formação especifica. “Além disso, a expressão plástica em psicoterapia funciona como veículo facilitador para a resolução dos conflitos e disparador para a comunicação verbal; enquanto que a arteterapia direciona o seu olhar no processo individual, nos recursos terapêuticos de cada material, nas dificuldades inerentes ao processo construtivo e nas transformações que ocorrem durante a produção”, revela a arteterapeuta, enfatizando que os profissionais das duas áreas podem, ainda, trabalhar em conjunto, dependendo de cada caso e necessidade. Já uma aula de artes convencional, embora possa ser muito positiva e ter efeitos terapêuticos para a criança, foca no aprendizado e na capacidade cognitiva e motora, havendo uma maior preocupação com o domínio do material e com o resultado estético da produção. <<

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#ficaadica

dUnião Brasileira

das Associações de Arteterapia

ubaat.org

dAssociação de

Arteterapia do Estado de São Paulo

aatesp.com.br

dAssociação

Pernambucana de Arteterapia

arteterapia-pe.com.br

dEspaço Pomar

arteterapia.org.br

dCom Lola

comlola.tanlup.com

dEspaço Marise Piloto

marisepiloto.com.br revista KIDS in


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