Manifesto Robotista

MANIFESTO ROBOTISTA

Henrique Sousa 2007

Š Copyright 2007, Henrique Sousa

Publicado via Internet pela: Lulu (www.lulu.com)

Índice INTRODUÇÃO.............................................................................3 Capítulo I – Tios e Bestas..............................................................5 CRUZOU POR MIM...................................................................33 Capítulo II – Otários e Consumistas............................................37 Da família/prole à manada de bestas robotizadas...................55 Da libertação do Homem na sociedade tiocrática...................61 OUVI CONTAR QUE OUTRORA,............................................69 Capítulo III – História do robotismo............................................73 a) O robotismo no Paleolítico..................................................73 b) O Neolítico. Aparecimento da escravatura.........................74 c) Sumérios. Nasce o tio moderno...........................................75 d) Os assírios, os patos bravos e a guerra................................77 d) A chegada dos tios do Norte à Mesopotâmia......................79 e) Mundos paralelos................................................................80 f) Tios, elefantes brancos e vacas sagradas.............................82 g) Vizinhos invejosos..............................................................84 h) Cretenses e cretinos.............................................................85 i) A chegada do grande tio Alexandre à História....................86 TABACARIA..............................................................................91

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INTRODUÇÃO “As pedras e os homens no caminho atrapalham”1, mas não há ainda caminho livre deles. Depois de uma longa pausa a que a máfia da tintura me obrigou, pondo variadíssimos pedregulhos no caminho, pensei retomar a escrita da minha obra maior, o Das Tinturra, que já foi publicada e alcançou um êxito notável em todo o mundo. Todos os que o leram, clamaram pela sua continuação, por isso resolvi escrever um manifesto, onde... “manifesto” a minha vontade de ajudar os tios de todo o mundo.

Como estão recordados, estabeleci naquele pequeno “tratado” as bases da minha teoria sobre a tintura de iodo e os princípios da nova e última ideologia que designei por robotismo, sem saber que ela já fora identificada há mais de 50 anos. Porém, o robotismo descoberto por Erich Fromm não vingou porque nessa altura o animalismo2 estava longe de estar morto como hoje, e o liberalismo estava num período áureo que durou até há bem pouco tempo. A queda do animalismo arrastou também a queda do ideal liberal de Adam Smith, que foi rapidamente substituido pelo neo­liberalismo, em marcha para a sua etapa final, o robotismo.

1 Citando Manuel Bandeira 2 Segundo Orwell

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Como também já expliquei no Das Tinturra, o robotismo apropriou­se de vários objectivos culturais do animalismo. Isso é bastante compreensível na medida em que os tios do animalismo, ao verem os seus ideais a escorregar pela ladeira abaixo, trataram de arranjar abrigo nos partidos sobreviventes. Não é por acaso que muitos maoistas são hoje distintos liberais, e alguns até são presidentes de Juntas de Freguesia, de Câmaras e até da Europa. Sem falar de outros tiozinhos que são deputados e mandam bitaites na televisão e que começaram a sua carreira a pintar paredes e a partir cadeiras nas faculdades. Eram de extrema esquerda, hoje militam no centrão e trocam de partido conforme os resultados das eleições. É de bom tom ser­se de direita, defender o capitalismo puro e duro, ao mesmo tempo que se defende o direito das mulheres ao aborto e a superioridade rácica dos gays e das lésbicas. E fumar charutos de Cuba (país animalista) ao volante de um BMW (de um pais capitalista).

E ler o Manifesto do Partido Comunista na piscina da mansão capitalista. Por isso, meus caros robotistas, eu vou quebrar a monotonia instalada, e vou começar a escrever este manifesto para acabar com esta promiscuidade entre duas correntes opostas de pensamento. Fica mal, é ridículo e pouco inteligente. As bestas ficam confusas e baralhadas e, quando algumas tentam imitar os tios, tornam­se alvo de chacota das outras bestas.

Aproveito para agradecer a dois grandes filósofos dos merdia, Marxell Sulzer e Joseph Pachek Derrida, cujas intervenções sigo com muita atenção, e me inspiraram na escrita deste manifesto robotista.

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Capítulo I – Tios e Bestas Esta história dos tios e das bestas começou há tanto tempo que é escusado gastar por ora palavrório com os relatos históricos; aqueles que gostam de fofoca podem saciar a sua sede de “conhecimento” em livros de História ou na Wikipédia. Basta dar uma vista de olhos pela História Universal (de que falarei mais tarde) para nos apercebermos que a coisa tem sido sempre a mesma, apenas com as nuances determinadas pelas actividades que as bestas devem desempenhar para satisfazer as ambições dos tios, sejam eles faraós, mandarins, ricos mercadores, reis, nobres, barões, chefes de corporações, industriais, deputados, presidentes de câmaras, administradores, ministros, donos de cadeias de supermercados, tios nomeados para Institutos, agências, caixas gerais de depósito, edp, galp, tmn, etc., tais foram as mudanças de nome que os tios têm sofrido, coitados! Também as bestas tiveram nomes diversos na história da espécie que se autoproclamou humana e que se esforça por sobreviver enquanto espécie, mas sempre à procura de razões que justifiquem a permanência da distinção entre as bestas e os tios.

Por exemplo, uma das últimas mudanças de nome deu­se quando os tios nobres foram substituídos pela burguesia e as bestas passaram a chamar­se proletários em vez de servos da gleba. No fundo o que mudou foi a actividade das bestas que deviam deixar de servir na 5

lavoura e pecuária para passarem a trabalhar em fábricas e serviços diversos. Mas se julgam que esta alteração se deu pacificamente, enganam­se. É que os tios burgueses não descendiam necessariamente dos tios nobres, foram bestas que se destacaram pelo seu faro tintureiro e teriam de conquistar o estatuto de tios contra uma sociedade de tios já tradicionais e brasonados que passariam a abrasados, decapitados, defenestrados, etc., nas chamadas revoluções em que os tios mais espertos conseguem lançar as bestas, para logo a seguir implantarem a nova tiocracia, mudando os nomes das coisas apenas para enganar as bestas. Ou seja, vira o tio e toca o mesmo.

Embora não queira falar ainda da História, tenho que abrir aqui uma excepção, porque tenho que denunciar os tios portugueses dos Descobrimentos como tendo sido os culpados da revolução da burguesia. Ah, pois! Foi a partir das descobertas que começou a nascer a classe burguesa nas cidades, coisa que não sou eu que digo, mas os próprios tios Marx e Engels no seu célebre manifesto.

Portanto, a primeira verdade contida neste manifesto será que a revolução robotista é também, no fundo, obra dos portugueses que se lançaram pelo mar e deram novos mundos ao mundo. E também dos espanhóis que nos seguiram as pisadas. Os EUA nunca teriam sido descobertos se os reis católicos de Espanha não tivessem disponibilizado uma frota ao tio Cristóvão Colombo, depois de este ter levado uma nega do nosso rei D. João II. E sem os EUA, também não haveria robotismo, porque foi lá que ele despontou e se desenvolveu, e está agora a ser exportado para todo o mundo como a última moda tintureira.

O mercado global da tintura proporciona o emergir de super­ hiper­mega­tintureiras, que fazem as grandes empresas tintureiras do passado colonial parecerem sapatarias ou tabacarias quando comparadas com aquelas. Há hoje tintureiras que metem os estados num chinelo, tal a quantidade de tintura que arrecadam em todo o mundo.

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O Citigroup, a Exxon Mobil, a Wal­Mart Stores, a Royal Dutch Shell, a British Petroleum, a General Motors, a Chevron, a Daimler­ Chrysler, Toyota Motor, Ford Motor, Conoco Philips, etc., têm receitas de centenas de milhares de milhões de dólares. São financeiras, petrolíferas, automobilísticas, electrónicas e outros grandes negócios que pertencem a umas pessoas que nós nem conhecemos bem mas que, todas juntas, nem sei se dariam para encher um estúdio da Endemol.

São essas poucas pessoas que governam o mundo globalizado. A fina flor dos tios tintureiros. O nosso Belmiro de Azevedo está entre os 500 tios mais ricos do mundo mas é apenas um tiozinho. A nata tiocrática não deve ter mais de 100 ou 200 pessoas, e entre elas contam­se também alguns tios russos. O mundo pertence­lhes, por assim dizer, e deixam umas migalhas apenas para os tiozinhos encarregues de tomar conta das suas quintas, os países. Estes então fazem o mesmo, arrecadam a maior parte das migalhas para si e seus amigos, pagam salários de miséria aos “funcionários” (cada vez menos) e procuram manter as bestas desempregadas dentro de limites que não sejam perigosos para a estabilidade dos grandes tios.

Estão a ver que, nesta nova realidade mundial, já não faz sentido falar de animalismo e liberalismo porque são ideologias pensadas para serem praticadas por sociedades de bestas, e não de uma forma quase familiar em que basta um encontro de fim­de­semana entre os maiores tios do mundo para se decidir quem fica com o petróleo do Iraque, ou quem deve vender uma central nuclear à China, a Angola ou ao Irão.

Portugal está numa situação comparável à de muitos outros países menores, em que não há grandes empresas tintureiras nacionais.

As bestas em Portugal, segundo dados colhidos na Internet, recebem cerca de 50% do PIB (uma medida da tintura produzida no país) em salários, com tendência a baixar. Como as bestas nacionais recebem salários inferiores a metade dos das bestas alemães (um exemplo, apenas), têm uma produtividade muito superior de tintura, ao contrário do que os merdia e o governo apregoam. Porém, de nada nos vale reclamar, porque a produtividade das bestas em Portugal tem que ser 7

comparada é com a da China ou de Angola, ou até do Burundi, porque nós não temos nem nos deixam ter as nossas próprias empresas tintureiras como as da Alemanha: BMW, Daimler­Chrysler, Siemens, MBB, MAN, Tyssen, etc., que ainda vão permitindo às bestas alemãs um nível de vida melhor que a das nossas bestas. Por cá ainda estamos dependentes de firmas estrangeiras que queiram servir­se das nossas bestas para prosperar, porque os nossos governantes (uma cambada de analfabetos funcionais) não sabem, nem querem, arrancar o país do subdesenvolvimento, preferindo vender a nossa força bestial ou exportar­nos para o estrangeiro.

O que a maior parte das bestas não sabe, nem convém que se lhes diga, é que os senhores do mundo é que escolhem os governantes dos países como Portugal; e escolhem­nos a dedo entre os mais medíocres para que se limitem a aplicar as regras estabelecidas pelas suas organizações de comércio internacional, constantes de tratados que nos obrigam a abrir a tampa da nossa tintura, para que ela possa evaporar mais depressa. O Citigroup, por exemplo, deve ser o grupo que mais tintura condensa de todo o mundo. E a troco de quê? A troco do cheiro de tintura. Dão­nos 10 a cheirar, e vêm buscar 100. Por este exemplo do Citigroup podemos ver porque é que uma das leis do robotismo é a lei dos azulejos que abordei no primeiro volume deste «tratado» e que passo a enunciar: A tintura produzida à custa do trabalho de todas as bestas do mundo evapora­se rapidamente dos sítios onde é produzida para condensar nalguns pontos minúsculos do mundo globalizado.

Não há dúvidas históricas acerca do papel fundamental da revolução burguesa na caminhada para o robotismo. Os tios burgueses, prometendo o Progresso às bestas, destruíram muitos dos valores românticos do feudalismo, nomeadamente acabaram com a “ordem natural” usada pelos tios nobres para se imporem, ordem essa que tinha o berço e a educação como suportes, e onde certos valores tinham já sedimentado nos espíritos. Havia, por exemplo, o conceito de honra que 8

os burgueses baniram por completo, substituindo­o pelo poder de compra. Hoje é o poder de compra que dá honorabilidade às pessoas. Se se quiser comprovar isso, basta ver como certas bestas tratam aqueles que mostram ter um poder de compra superior à média – nas lojas, nos restaurantes, em hotéis e por aí fora. Um fato Armani transforma qualquer besta em engenheiro, arquitecto ou doutor – modernos títulos burgueses que se vendem nas universidades independentes.

Os médicos, juristas, professores, engenheiros e outros intelectuais já tinham sido transformados em assalariados pela revolução burguesa, um passo muito importante e necessário na senda do robotismo, que pretende tornar finalmente realidade o mito da igualdade, sempre prometido às bestas mas que nunca ninguém conseguiu de facto levar às suas últimas consequências como o robotismo faz. Hoje em dia já se pode encontrar em muitas partes do globo (em Portugal também) médicos a trabalhar na construção civil, biólogos nas caixas de supermercados e economistas a varrer ruas.

Querem ainda mais igualdade?

E as bestas acham isso certo? Claro que acham, excepto naturalmente aquelas que se sacrificaram para dar formação aos seus filhos, supondo que eles poderiam desempenhar papéis mais consentâneos com as habilitações legal e esforçadamente conseguidas.

As outras bestas até se sentem mais, mais… iguais e, não escondendo um certo orgulho típico dos mais sapientes apedeutas, são capazes de dizer: “Mas há algum mal no facto de um licenciado trabalhar a arrumar caixas na prateleira? O trabalho é, todo ele, digno”. Sem dúvida! O robotismo estabelece como uma das leis máximas que as bestas foram feitas para trabalhar. Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque mas o conhaque está reservado para os tios, tal como o leite e as frutas dos porcos de Orwell.

Viva o robotismo trabalhista! ...

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A família tradicional, que o animalismo sempre procurou destruir e que a revolução burguesa transformou em relações de dependência económica, terá que ser abolida definitivamente. O mundo está sobrepovoado de bestas completamente bestializadas pelos merdia que lhes prometem mundos e fundos se seguirem atrás dos engôdos da sua publicidade enganosa. Todas as bestas têm um único propósito na vida: furar a barreira entre a bestialidade anónima e a bestialidade merdiática, sinónimo de êxito tinturístico e ascensão à classe tiológica.

Políticos, artistas, gestores, comentadores, cientistas da classe merdia, figurões e figuronas de capas de revista, apresentadores de televisão, astrólogos, etc., tudo a fazer pela tintura à custa de enganar as outras bestas com a exibição dos seus dotes trapaceiros... ou “naturais”. Em nome da tintura as pessoas estão dispostas a sacrificar tudo, não há valor que resista, pelo contrário. Os valores só atrapalham quem pretende ter sucesso na vida, por isso o robotismo alicia as pessoas a abandonarem os sentimentalismos nobres e pequeno­burgueses, o espiritualismo, a religião e as suas instituições caducas como o casamento com vista à constituição de uma família sadia e procriadora.

Tudo baseado no igualitarismo animalista que tanto alicia as bestas (apesar de fazerem tudo ao contrário), o casamento e demais “instituições caducas” devem ser aniquilados. É preciso dessacralizar o casamento, o casamento tem que deixar de ser apanágio dos heterossexuais. Quaisquer duas (ou mais) pessoas (ou bestas) passam a poder casar­se. O casamento­na­hora é uma das 333 medidas Simplex que já devia estar implementada se isso não chocasse tanto aquelas bestas refractárias que, mesmo assim, ainda podem criar dificuldades às bestas progressistas como esteve prestes a acontecer com a banalização do aborto.

Viva, pois, o robotismo gay!

Como já disse, mas torno a dizê­lo porque a repetição faz com que se acredite em tudo (e é nisso que se baseia a publicidade). As revoluções, ou mudanças de tios, impõem­se quando surge a necessidade de alterar o tipo de mercadoria ou o modo como essa 10

mercadoria deve ser produzida pelas bestas. Trabalhar nos campos com alfaias agrícolas nada tem a ver com arrumar caixas em supermercados e ter de lidar com altas tecnologias como os raios LASER das caixas registadoras. Também não percebo como se permite a utilização desses perigosos raios para a detecção do código de barras dos produtos. Os ponteiros de LASER foram proibidos e tenho que utilizar agora um antiquado ponteiro de madeira para apontar para o quadro quando dou aulas. Durante algum tempo ainda experimentei usar o retroprojector mas a preparação de transparências e a escassez de aparelhos desses nas escolas fez­me voltar ao antiquíssimo quadro negro de ardósia e ao giz.

Hoje também há o data show e os quadros electrónicos que usam um computador associado a um projector ou quadros caríssimos e, como é evidente, exigem preparação e carecem de uma sala adequada à sessão.

Também se tornam pouco práticos, para além de que não são tão flexíveis como o quadro preto (ou verde) onde a explicação pode ser ilustrada segundo as necessidades e dúvidas dos alunos.

“E onde é que ele quer chegar ?” ­ estarão vós a pensar. O que eu quero dizer é que, no meu caso e no da maioria dos professores, o tipo de mercadoria produzida e a forma de produção não se alterou.

Mas a matéria­prima é completamente diferente da de antigamente, porque hoje em dia toda ela deve ser transformada de modo a poder ser exportada para as universidades que se defrontam com a escassez de matéria­prima. Mas há muita matéria­prima que não se consegue transformar, e ela própria se recusa a ser transformada. Como não há outras alternativas, constitui um desperdício e acaba quase sempre no lixo se ela própria não descobrir uma forma de se autotransformar.

Os tios, face ao “desperdício escolar”, impelem­nos para sucessivas revoluções no sentido de recuperar o desperdício para as universidades. A questão é que as universidades não se importam de receber a matéria­prima em bruto, desde que ela represente entrada de tintura. É por isso que o sucesso escolar deve ser de 100%, e é por isso que os quadros antigos ou modernos já não fazem falta alguma.

O robotismo também tem que ser implantado nas escolas, 11

principalmente nas secundárias que continuam reaccionárias e demasiado exigentes, quando as universidades e politécnicos, exceptuando algumas do tempo da outra senhora e algumas novas que ganharam respeitabilidade, já não pedem matéria­prima trabalhada.

Viva o robotismo facilitista! Revolução tecnológica nas escolas, já! Vivam as universidades independentes e tintureiras. ...

A Transformação Robótica A Caminho (TRAC) resulta, como já tenho dito, da internacionalização da tintura e da sua concentração em pouco mais de cem tios deste mundo, que controlam os governos de todos os países. É uma organização muito bem engendrada (os tios não dormem na forma) porque tem toda a aparência de coisa séria e alicerçada em instituições internacionais como a ONU, a OMC, a NATO, a UE, a CE, a AIEA, a OPEP e tantas outras associações de tios. Todos os países do mundo estão ligados a alguma destas associações – é a forma dos tios manterem o controle sobre as bestas de todos os países.

Os tios governantes, “democraticamente” eleitos nos vários países, têm que se sujeitar às normas “internacionais” das associações a que pertencem. Ao mínimo sinal de rebelião, a quinta coluna dos tios, com o auxílio dos merdia, entra em acção, e derruba qualquer governo que esteja a causar perturbação. Os colaboracionistas são, pelo contrário, oportunamente recompensados como é o caso de alguns tiozinhos como o António Guterres, o Durão Barroso e o Jorge Sampaio que foram nomeados para cargos nas associações de tios, onde a “democracia” já não interessa, o que conta é a cunha dos grandes tios plutocratas.

Esta forma de funcionamento do governo mundial é determinada, no fundo, pela cada vez maior concentração da tintura e pela necessidade de manter as bestas convencidas de que há tios competentes a nível mundial que zelam pelo seu bem­estar, e que apenas pretendem regular os conflitos e resolver os problemas do 12

mundo como a guerra, a fome e as doenças, não permitindo as velhas guerras nacionalistas que são substituídas por outras guerras tintureiras, petrolíferas ou simplesmente de carácter ínfimo, ou seja, atómico.

E que destino têm os tios reservado às bestas? ­ O extermínio gradual, mas civilizado: o chamado Progresso. O governo mundial dos tios vai abolir todas as fronteiras e vai espalhar a mesma ideologia por todo o mundo – o robotismo. Bestas concentradas em grandes cidades, umas a trabalhar (cada vez menos), outras a mendigar. As grandes cidades do futuro são os novos campos de concentração mundiais, onde as próprias bestas irão cuidar, juntamente com as pestes modernas, do seu extermínio gradual. Sida, gripe das aves, vírus fabricados nos laboratórios dos tios, droga e criminalidade, televisão e outros merdia, justiça, poluição, acidentes de viação, lotarias e casinos, cinemas, tabacarias, clínicas de aborto e eutanásia, centros comercias, consumo, lixo, políticos, etc., serão outros agentes de extermínio das bestas nas cidades.

E o que pensam disto as bestas? Concordam plenamente com os tios, pelos vistos. Acham que já há bestas demais, que concorrem entre si pelas migalhas dos tios. Além disso, as bestas gostam de viver nos campos de concentração modernos, é o Progresso em marcha.

Comboios subterrâneos, correrias para ir e voltar do trabalho, horas de ponta, carteiristas, gritaria, martelos pneumáticos, cartazes publicitários enormes, quadros electrónicos, tudo isso faz as delícias das bestas.

Futebol, dia do pai, da mãe, da criança, do gato, do cão, dos amantes, dos sem­abrigo, dos iludidos, dos desiludidos, e dos cornudos – em todos os centros comercias, à porta dos quais se concentram as bestas pedintes do Banco Alimentar Contra a Fome, associações de combate à Sida, à gripe das aves, aos acidentes de viação, à droga, à televisão, aos partidos, e assim por diante. Bestas consumidoras assalariadas e as bestas que inevitavelmente as parasitam – o Progresso não passa disto.

Cultura? Claro que a cultura acaba por estar também centrada na vida das cidades. Vamos ver um filme e vemos imagens de bestas em 13

cidades, em apartamentos, no metro, em perseguições de automóveis, polícias, bombeiros, pedintes, tudo igual ao que já se conhece fora das salas de cinema. Com os livros passa­se o mesmo, um livro que mete perseguições, máfias e tintura é o livro de que se fala, e que se vende aos milhões em todo o mundo. Revistas também, as que mais se vendem são as que falam da máfia da tintura, dos tios e tias que ganham mais: futebolistas, putas, paneleiros, porno­stars, políticos, Belmiros e Bill Gates.

Viva a cultura robotista! Queremos Tintura!

Portanto, um dos principais objectivos a alcançar na senda do robotismo, é a total desertificação dos campos, iniciada pela revolução burguesa que não tinha ainda os meios técnicos para prescindir totalmente do trabalho de algumas bestas campestres. Se bem que hoje os campos, nos países mais desenvolvidos, sejam enormes espaços dedicados à monocultura extensiva de transgénicos que as bestas compram nos supermercados. Estas culturas, quase perfeitamente automatizadas, recorrem esporadicamente a mão­de­obra das muitas bestas desempregadas das cidades que são recrutadas por modernas empresas esclavagistas. Nos EUA, por exemplo, quando é altura da apanha do tomate que a Mac Donalds (e não só) precisa para fazer ketchup, multidões de escravos vão para o campo apanhar tomates. A vizinha Espanha, na altura das suas colheitas, usa também os nossas bestas sem­abrigo em regime de escravatura. Mas estas notícias raramente são ventiladas nos merdia, até porque a grande maioria das bestas é insensível a elas, o que é preciso é que o preço das mercadorias nos supermercados seja baixo para que se possa consumi­las.

Mas o ideal do robotismo ainda não foi atingido. Trata­se de abolir por completo a incorporação de mão­de­obra nos produtos, coisa a que se dá o nome de aumento de produtividade. Todas as bestas concordam com o aumento de produtividade, isto é, conseguir produzir mercadorias sem ter que utilizar o trabalho das bestas. O aumento de produtividade, que foi, no passado, obtido pela introdução das máquinas, será exponencial com a introdução da robotização. Mas há 14

ainda muitas situações em que o aumento da produtividade só se consegue à custa de corte nos salários, ou fazendo com que as bestas trabalhem mais horas por dia.

Vamos supor, porém, que o sonho do robotismo em marcha se torna realidade num futuro que desejamos próximo e que todas as mercadorias são produzidas apenas por máquinas robotizadas. Nenhum empresário teria já que pagar salários às bestas a quem essas mercadorias se destinam. Será que, nesta situação, os produtos iriam ter compradores? É óbvio que não, porque os empresários não iriam oferecer os seus produtos gratuitamente às bestas. Num mundo globalizado não haveria também novos mercados a conquistar, e isso podia ser a morte do robotismo. Mas os tios já pensaram nisso tudo.

Como as bestas vão tendo cada vez menos tintura, o que fazem agora os tios? Fazem exactamente o mesmo que faziam os donos das roças, dão crédito às bestas para estas continuarem a comprar as suas mercadorias.

Digamos que, não sendo possível explorar as bestas no presente, as exploram já no futuro. As bestas ficam endividadas para o resto das suas vidas. A coisa vai aumentar numa espiral sem fim à vista. Chama­ se a isto o “crescimento económico”, o crescimento económico tem que crescer sempre, nem que seja à custa de novas “pirâmides” que se inventem, e que fiquem no deserto a testemunhar a grande civilização que se atingiu num dado momento da História Universal da Tintura.

E viva o crescimento económico e a produtividade robotista! ...

Em Portugal, o nosso governo robotista já tomou muitas medidas para correr com as bestas dos campos e das aldeias, isto é, com aquelas bestas refractárias que ainda preferiam pastar nos campos do que serem metidas em modernos currais e aviários citadinos. O Ministro dos Campos já tratou de mandar fechar alguns centros veterinários e de parição rurais e a Ministra da Robotização mandou fechar mais de 2000 encubadoras, digo, centros de robotização primária. Com estas medidas, as bestas serão induzidas a procurar 15

abrigos mais próximos de instalações contra a doença e o analfabetismo, males de que as bestas sempre padeceram, protegendo­ se com a ajuda de feiticeiros, curandeiros e sacerdotes, que hoje se chamam médicos, professores, psicólogos, astrólogos, marcelos rebelos de sousa, pachecos pereiras, etc.. Todos estes feiticeiros, curandeiros e sacerdotes utilizam a televisão e os merdia para falar às bestas, e criar nelas a necessidade de estarem informadas sobre as ameaças globais que pendem sobre as suas cabeças. As bestas amedrontadas acabam por abandonar os campos e concentram­se nas cidades que, afinal, também são campos destinados à sua concentração. Porém, sempre que as bestas se concentram, surgem inevitavelmente problemas. “Muita besta junta não se salva”, ditado antigo que deve ser alterado, pois o robotismo pensa ao contrário. De facto, se a concentração das bestas é a forma ideal para aumentar a sua produtividade (uma vaca que passa o dia a pastar no campo, dá menos leite que uma vaca fechada na manjedoura e alimentada a ração), as cidades têm que ser dotadas de sistemas semelhantes aos dos estábulos para que as bestas possam ser exploradas convenientemente. A estes sistemas dá­se o nome de infraestruturas municipais, e são indispensáveis para a exploração das bestas, cujas necessidades básicas se resumem ao seu abastecimento e à evacuação da merda que produzem. Mas as cidades não foram pensadas de raiz para cumprir estas funções, e apresentam imensos problemas que o robotismo se propõe resolver com modernos sistemas que tornem mais fluida a referida exploração. Estradas, viadutos, aquedutos, armazéns, esgotos, lixo, parqueamentos, sinalização, ferrovias, galinheiros, bombeiros, encubadoras, centros de veterinária e de abate, as cidades são gigantescas explorações pecuárias geridas em grande parte pelas câmaras municipais, mas estas percebem pouco de pecuária humana, também conhecida por urbanismo. Os tios que tomam conta das câmaras pensam que se trata de um cargo político, vêem aí apenas a possibilidade de serem besuntados de tintura à custa das obras, e depois poderem ainda concorrer à Presidência da República.

Viva o robotismo urbano!

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Se as revoluções burguesa e animalista se viram obrigadas a sustentar uma classe perigosa de bestas operárias – porque ainda não podia prescindir delas por completo –, o robotismo vai ter que se haver é com os sem­terra, os sem­abrigo, os sem­cheta, os sem­comida, os sem­filhos, os sem­tomates, etc.. Nisto, os robotistas estão em vantagem relativamente aos tios das revoluções anteriores, porque os sem­nada nada podem fazer contra os tios, só lhes resta ir vegetando e morrendo gradualmente, coisa que já está a acontecer com a ajuda das pestes citadinas já citadas, sendo as mais eficazes de todas as pestes a poluição e a fome. A fome deixará de ser um privilégio dos africanos e asiáticos, para se espalhar também por todos os campos de concentração do mundo – as cidades. A fome já mata e matará mais bestas do que a própria droga, as guerras e a famigerada gripe das aves.

O CO2 e o cancro, comparados com a fome no mundo, não passam de constipações muito benignas, com as quais as bestas nem sequer deviam preocupar­se.

A poluição, versão moderna das famosas câmaras de gás nazis, mata silenciosamente inúmeras bestas das cidades. Os veterinários dirão que se trata de doenças da civilização, tal como já se referem à doença que ataca aquelas bestas que se alimentam em excesso e fazem pouco exercício – a obesidade. O robotismo passa, em todos os países, por uma fase de bestas obesas, fase que antecede a da fome final generalizada e inevitável. A obesidade afecta principalmente as bestas que instintivamente preveem a chegada da fome, e que tratam de acumular reservas como os camelos. Há hoje um surto tal de obesos em Portugal que as cirurgias para colocar bandas gástricas estão com filas de espera de muitos milhares de bestas, e as chamadas clínicas de estética, onde se retira por aspiração o excesso de gordura aos animais, andam a abarrotar. Medicamentos para emagrecer são também um dos grandes negócios actuais, bem como os centros de musculação que se propõem transformar a gordura bestial em músculos, por meio de aparelhos apropriados e hormonas.

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Este crescimento acelerado da obesidade é, paradoxalmente, um sinal mais que evidente que a fome generalizada está para breve, e advém, pois, do medo que a comida comece a escassear. A corroborar esta tese, estão aí os números relativos ao desemprego: 8,4% das bestas em Portugal já estão condenadas à morte pela fome. Quem puder, que coma!

Viva o robotismo pela fome! Viva a obesidade! ...

A organização burguesa e animalista tinha necessidade de manter algumas bestas em estado saudável, produtivo e consumidor, bem como estimar e preservar os seus enormes meios de produção; o robotismo optou pela eliminação gradual de ambos (das bestas e dos meios de produção) – na medida do possível, entenda­se. No entanto, há que acautelar possíveis tomadas de consciência das bestas, pois é preferível que sejam elas próprias a colaborar activamente na sua erradicação, mas convencidas individualmente da sua “salvação”. Sim, porque as bestas são sempre os outros, cada um de nós julga­se sempre mais esperto que todos os restantes e, podendo, contribuímos para eliminar os nossos semelhantes. Até que um belo dia, tarde demais, nos damos conta que somos igualmente dispensáveis para os tios. As máquinas e os robôs foram construídos por quem e para quê? Até pode ser que alguns dos seus construtores tenham pensado aliviar as bestas do trabalho, mas nunca lhes passou pela cabeça que a máxima maior do robotismo humanista é: «quem não trabalha, abate­se». Ao acabar com o trabalho, acaba­se também com as bestas. Terão as bestas consciência disso?

Sim, creio que sim, elas esforçam­se por manter o sistema implantado que exige crescimento desmedido, e consomem o mais que podem para que uma parte dos seus gastos possa contribuir para o “crescimento”, e vão atrás dos slogans de empreendedorismo, abrindo negócios atrás de negócios e procurando ser criativos nos negócios que abrem com créditos dos tios. Acham eles que podem descobrir brechas 18

no mercado que os tios deixaram escapar. Volta e meia mostram na televisão as ideias malucas de algumas bestas à procura de sucesso empresarial. Um que monta uma clínica de peidoterapia, outro com um cabeleireiro para golfinhos, e mais outro de pedras milagrosas e meditação transcendental, emagrecimento à base de batata frita e hamburgers, e seitas religiosas aos pontapés. Mas estas ideias não vêm do nada, as bestas sabem, no fundo, que só a criatividade e a fé no sobrenatural as poderá salvar dos tios.

Viva a empresa na hora!

Viva o robotismo impulsionador da criatividade e da fé! ...

Os negócios dos tios esbarram, por vezes, contra preconceitos arcaicos. Um desses preconceitos é o de que as pessoas não devem mentir. Que a mentira é uma coisa feia. Falácias! A mentira é a chave do sucesso e sempre foi utilizada na História como meio para alcançar fins, o tio Maquiavel aconselhava os príncipes a mentir com todos os dentes. Há que acabar de vez com a mentira de que a mentira é vergonhosa. Aliás, ela só não fica bem nas bestas que querem continuar a ser bestas, porque as bestas que sabem mentir acabam por ocupar cargos altos e bem remunerados, e podem mesmo chegar a tios. Não vou falar do Sócrates, mas acho que ele é um bom exemplo de como deve agir uma besta que quer chegar ao cheiro da tintura. Na sua corrida ao poder, ele não hesitou em prometer 150.000 postos de trabalho. É uma mentira que não é mentira porque esses postos de trabalho são, na realidade, no Desemprego. E já está prestes a cumprir a promessa feita. Alguém duvida que o desemprego significa muito mais trabalho para as bestas? Um desempregado, para sobreviver, tem que se tornar vadio e pedinte. Ou ladrão de rua. Perde a casa, a família e os amigos, todas as bestas empregadas fogem do seu convívio, e só encontra novos amigos entre os da sua condição, ou pior. ...

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Adiante! Muito se tem dito sobre o trabalho das bestas, mas muito pouco sobre a falta dele. Temos que concordar que não há besta que se sinta confortável perante o espectáculo de bestas ociosas, de vadios e de pedintes, que são vadios e pedintes por culpa própria, tal como o Álvaro de Campos era. Porque não têm motivo algum que as impeça de trabalhar, se quiserem. Por isso, não resta outra solução para essas bestas senão o seu abate. As más­línguas culpam os governos robotistas pelo desemprego, e esquecem­se que são as reivindicações absurdas das bestas que levam as fábricas estrangeiras a fechar. As bestas não querem aceitar as propostas honestas dos donos das fábricas para aumentarem a sua produtividade face à concorrência de outras bestas mais produtivas da aldeia global. O nosso governo robotista, por exemplo, esforça­se por aliviar o peso bestial da mão­de­obra na produção de bens. Para tal, reduz absurdamente as regalias que as bestas tinham no que toca a reformas e assistência social, transforma o serviço nacional de saúde em repartição de finanças onde até as crianças pagam taxas desmotivadoras, há que aproximar o país daqueles países onde os tios não são sobrecarregados de impostos para acudir a essas necessidades mesquinhas de apoio social das bestas.

Sim, porque é que uma empresa tem que pagar impostos ao Estado? Será assim tão difícil compreender que uma empresa não é uma instituição de caridade para suportar, através dos seus impostos, as bestas que não trabalham? Se as bestas querem ser solidárias umas com as outras, que sejam elas a pagar os impostos, que o Estado aumente o IRS e cobre às bestas empregadas os serviços todos, para que as que não trabalham possam ter tudo de graça: habitação, saúde, educação, comida, etc..

Porém, não creio que as bestas estejam pelos ajustes. Mas o que é isso? Então mais valia não trabalhar, e é por isso que o melhor mesmo é abater as bestas ociosas para não despertarem a inveja das outras. Se não se tomarem medidas urgentes nesse sentido, não tarda que as bestas comecem a ficar maldispostas e insuportáveis. Porque uma besta não gosta de ver outra sem fazer nada e a usufruir de subsídios pagos pelos 20

nossos impostos. Só se essas bestas forem promovidas a tios. Os tios, esses sim, podem e merecem ganhar mundos e fundos, desde que se portem como tios a sério, ou seja, que saibam vestir­se bem, falar bem, não dizer “bardamerda para tudo isto” ou chamar filho da puta ao primeiro­ministro.

Os tios Marx e Engels julgavam – aliás, como todas as bestas julgam – que já se atingira no tempo deles o estádio final da revolução que as máquinas introduziram na vida das bestas. Deste modo, as bestas operárias necessárias para trabalhar nas fábricas teriam um grau mínimo de competências porque aquilo que tinham que fazer era tão simples que qualquer besta seria capaz de o fazer. Isso ficou bem ilustrado no filme do Charlot, Tempos Modernos. Este filme devia fazer parte dos curricula de todas as escolas do país, não só para mostrar aos alunos como também para que os professores vissem e se consciencializassem que a robotização precisa de bestas ainda mais burras do que as da industrialização tayloriana. Se uma besta que trabalha numa linha de montagem tem que saber executar uma pequena tarefa, uma besta robotizada pode ser instruída numa hora. Tomemos como exemplo o trabalho num call center, destinado a bestas licenciadas, e digam­me lá se aprender a dizer “Bom dia, daqui fala a Marta, em que posso ajudá­ lo?” precisa de grandes preparações. O mais difícil é ajudar, mas já ninguém espera ajuda dos call centers e contenta­se com dois dedos de conversa, quem sabe se ela não vai à bola com a nossa voz e nos liga fora da hora de trabalho.

A mão­de­obra robotizada não carece de tanta preparação como se pretende fazer crer às pessoas, dizendo­lhes que o nosso estado de atraso é devido ao facto de termos poucos licenciados. A prova está à vista, o número de licenciados ociosos não pára de aumentar e só a mania de ser doutor, engenheiro ou arquitecto é que justifica que as bestas continuem a manter as suas crias a estudar. Isto é péssimo para o país, porque sendo a mão­de­obra uma mercadoria como outra qualquer, ela irá custar o que foi gasto na sua produção, e é por isso que a mão­de­obra portuguesa ainda é cara comparada com a dos países 21

concorrentes, os países do terceiro mundo. É certo que o pacto de Bolonha já reduziu a licenciatura para três anos, mas muito há que caminhar ainda até que as bestas possam também fazer as suas licenciaturas por fax, e não precisarem andar a gastar o dinheiro dos progenitores durante anos, só para terem um título que lhes garanta emprego num qualquer call center ou num supermercado, ou ainda, caso tenham sorte, como trabalhadores da FNAC, onde ao menos podem ter acesso aos livros.

Já viram como a mão­de­obra iria embaratecer se as licenciaturas fossem feitas por fax ou até mesmo online?

A mão­de­obra de que o robotismo ainda precisa podia ser recrutada entre todas as bestas, independentemente do sexo, religião, idade, nacionalidade, língua, formação (quanto menos melhor), raça, desorientação sexual, etc., desde que ela seja barata. O governo robotista português preocupa­se desnecessariamente com o insucesso escolar dos alunos, futuras bestas deste país. Mas cada vez mais bestas estão a perceber que de nada adianta dar “estudos” aos filhos se o seu destino é sentarem­se com auscultadores em call centers (já o fazem desde muito pequenos), arrumar caixas em prateleiras de supermercados (em vez de desarrumar), vestirem­se de palhaços para vender pizzas (já se vestem desde cedo), ou então vestir um colete manhoso para serem identificados como vendedores da FNAC. E as bestinhas? O que é que elas pensam do assunto? Nada. As bestas são treinadas desde muito cedo a não pensar porque a papinha já vem feita, comida e cagada na televisão. E o que é que a televisão caga para cima das bestinhas? Que devem almejar ser políticos, gestores públicos, futebolistas, treinadores, cantores, dançarinos, actores de telenovela, modelos, putas ou paneleiros famosos. Em último caso, os menos dotados fisicamente (mais feios, mais baixos, heterossexuais) devem esforçar­se por vir a ser médicos ou juízes, ainda assim, as bestas menos mal pagas do país. Os que não conseguirem ser nada disso ainda podem ser aproveitados como professores, embora ter uma dessas 22

profissões já seja tão difícil como ganhar no euromilhões. Até ser professor já se torna difícil, quando antes bastava ter o 9.º ano. A maioria das bestas acaba nos call centers, pizzarias, supermercados, a arrumar carros, a roubar, a drogar­se, a tatuar­se, cheios de penduricalhos por tudo quanto é corpo, vendendo o corpo nos jornais, etc.. Outros preferem a escravidão, são contratados por traficantes de escravos para obras na Islândia, sujeitam­se a trabalhar 14 horas por dia debaixo de água, e auferem 430 euros por mês que tentam economizar para um dia comprarem a sua liberdade e mandar tudo à bardamerda. ...

Como eu ando a escrever o Manifesto Robotista, no próximo dia 6 de Junho vou a uma palestra do Joseph Pachek Derrida acerca daquele outro manifesto que pretendia dar cabo do capitalismo mas falhou. Os tios Marx e Engels pensavam que bastava atiçar as bestas contra os detentores da Tintura para acabar com a Tiocracia reinante.

Esqueceram­se que o sonho maior de todas as bestas é a sua promoção também a tios, nenhuma besta se sente bem na sua pele, apesar de em rebanho se portarem pior do que muitos outros animais. No futebol, no Carnaval, nas praias, nos Love Parades, nas manifestações de rua, nos blogs, etc.. O único tio capaz de semelhantes manifestações bestiais é o tio Alberto João Jardim que chama “filhos da puta” aos jornalistas e chama de “pides” a alguns tios continentais, entre eles o tio Sócrates e os da mesma laia.

Já me desviei do assunto de que pretendia falar, referente à palestra sobre o anterior manifesto destinado às bestas, e a que pretendo assistir. Já naqueles tempos idos desse manifesto, os tios andavam apostados em dar cabo de todos os negócios mais pequenos. A grande indústria levou muitos pequenos artesãos à falência mas estes e seus descendentes puderam optar por se tornarem bestas operárias, mandaram os filhos para as escolas técnicas e industriais e eles foram adaptados a trabalhadores da indústria, do comércio, da construção civil, da agricultura, etc.. Havia uma classe prole­otária forte e capaz de reivindicar e de se revoltar com hinos, bandeiras e..., obviamente, com 23

uma cartilha. Está tudo muito bem documentado no Triunfo dos Porcos do tio Orwell. As bestas trabalhavam nas “quintas” dos tios, mas eram alimentadas e tinham o mínimo indispensável para poderem continuar a produzir e a reproduzir­se.

Hoje em dia, pelo caminho que as coisas estão a tomar, as bestas já não têm qualquer saída, a robotização dispensa­as por completo. Diz­ se por aí que se espera um aumento do emprego porque a Economia melhorou. Economia é uma coisa que tem a ver com tintura, quando os tios dizem que a Economia melhorou, pretendem dizer que estão a arrecadar mais tintura. As bestas bem lhe sentem o fedor, mas vê­la é que não, porque os tios a trancam nas suas caixas­fortes offshore ou fingem que fazem grandes obras necessárias para melhorar ainda mais a Economia e piorar a situação das bestas.

O desemprego é o destino de todas as bestas, não só em Portugal mas em todo o mundo globalizado. Claro que nalgumas partes do mundo se vai assistir a algumas repetições do capitalismo que podem durar alguns anos mas depois, não havendo mais “mercados” para onde continuar a expansão da fé na tintura, as bestas ficarão todas igualmente desempregadas e mais “iguais”, mas famintas. Nessa altura, das duas, uma: ou os tios tentarão tudo para reduzir o número global de bestas, alegando que a Terra não tem recursos (pudera!) para tanta besta, ou as bestas deixam de ser tão bestas e abandonam as cidades em direcção ao campo porque é lá que poderão sobreviver plantando umas batatas e umas couves, criando os seus porquinhos e galinhas e vivendo sem depender da tintura para ir ao Carrefour.

Mas, como eu ia dizendo atrás, vejo, para já, dois obstáculos que irão impedir as bestas de partir em debandada para os campos. Por um lado, todo o pedaço de terra tem dono, mesmo que esteja ao aban'dono.

E as bestinhas da cidade não apreciam muito a vida no campo, preferem cheirar o fumo dos carros do que as flores, preferem as luzes artificiais dos centros comerciais às luzes do Sol, da Lua e das estrelas, preferem o barulho das buzinas e dos anúncios publicitários ao cricrilar dos grilos, ao canto dos galos ou ao zurrar dos burros ou muar das vacas. E 24

o trabalho no campo? É preciso dar no duro para, sem recurso às máquinas, arrancar sustento da terra. Não, não creio que as bestas do futuro queiram voltar aos campos, para isso mais vale andar a arrumar carros, a esmolar no metro, a assaltar bestas no multibanco ou mesmo os próprios bancos que algumas bestas alimentam com tintura. O cenário não é optimista e os tios sabem­no. Por isso é que eles apostam mais na eliminação das bestas e as incitam à auto­eliminação através de medidas várias: aborto, eutanásia, suicídio, poluição, televisão, stress, homossexualidade, trans­sexualidade, etc..

O único perigo de que os tios têm que se precaver é o do aumento da criminalidade à medida que aumenta o desemprego das bestas. Está provado que a situação é suportável até cerca de 10% de desempregados, e ainda só estamos em 8,4%. A partir daí os tios irão certamente ampliar os seus esforços no sentido de eliminar mais depressa as bestas ociosas. A falta de hospitais e centros de saúde já está a dar os resultados previstos, o encerramento de maternidades cuida de desmotivar as parições selvagens do interior, o encerramento de escolas obriga à concentração urbana onde é mais fácil a eliminação das bestas pela droga, pela sida, pela gripe das aves, pelas infecções hospitalares, etc..

A revolta das bestas é coisa que não preocupa os tios porque as bestas desempregadas não têm qualquer organização. Nem podem ter porque um hipotético Sindicato dos Desempregados ia reivindicar o quê e a quem? Greve? Deixar de fazer o quê para afectar quem? Bestas sim, mas estúpidos é que eles não são para se organizarem. Partido? Como iriam eles poder pagar as quotas, coitados. E como designar um partido dos desempregados e famintos? PDF nem sequer é sigla de partido, é um ficheiro de computador. Definitivamente a organização dos desempregados e famintos não funciona.

Viva a revolução robotista! Abaixo os vadios e os pedintes!

Morte aos ociosos! As bestas foram feitas para trabalhar! ...

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Ao contrário do que acontecera na revolução burguesa, em que a burguesia promoveu a criação de uma classe perigosa de operários organizados e sempre à beira da revolta porque tinham como se revoltar (se parassem de produzir, os tios tremiam), na revolução robotista, como já vimos, a classe promovida pelos tios é a dos desempregados, famintos, vadios, pedintes, ladrões, etc., marginais ao fim e ao cabo.

Desorganizados e actuando por conta própria, não conseguem conquistar a simpatia das bestas que ainda têm emprego, antes pelo contrário, tornam­se antipáticos quando os merdia dão conta de certas barbaridades que eles são capazes de cometer: FILHO MATA MÃE PARA ROUBAR DINHEIRO PARA A DROGA IDOSO ASSALTADO AO LADO DA ESQUADRA DA PSP CARROS INCENDIADOS POR JOVENS LICENCIADOS PASSAGEIRO DA TAP APANHADO COM 1 TONELADA DE DROGA NO ESTÔMAGO CORTOU O PÉ DE UM SEM­ABRIGO PARA LHE ROUBAR A PULSEIRA ELECTRÓNICA São notícias destas que as bestas empregadas gostam de ler.

Ficam com um ódio de morte às bestas sem emprego, chamam­lhes nomes que nem ao primeiro­ministro chamariam, «Besta não é certamente, porque os animais não são tão cruéis». Coitados dos animais, esses sim é que são gente, mais vale alimentar uma catrefada de animais domésticos que nos dão carinho e alegrias do que aquelas bestas criminosas capazes de semelhantes actos que nem lembrariam ao Diabo. Coitadas das bestas desempregadas compelidas à criminalidade, nem sabem que estão, com esses actos, a acelerar a sua eliminação, pois todas as medidas que contra elas se tomarem serão poucas na opinião 26

das bestas civilizadas e empregadas que cada vez serão menos também porque emprego é coisa que irá ser suprimida de todo.

Mas enquanto a robotização em marcha não acaba de vez com a necessidade do trabalho das bestas, o mesmo pode ser conseguido à custa das que trabalham a recibo verde. É o trabalho a recibo verde que vai contribuir para eliminar as bestas mais depressa, mas creio que ninguém se apercebeu disso ainda. Eu explico, aproveitem enquanto os não me mandam calar: Quem trabalha a recibo verde não faz descontos para a segurança social e contribui para a insustentabilidade da mesma. E onde é que os tios vão arranjar dinheiro para fingir que pagam as reformas e os subsídios às bestas? Às poucas bestas que ainda têm contratos de trabalho e fazem descontos. Isto é equivalente a serem as bestas empregadas a pagar os descontos que os de recibo verde não fazem. Quem sai a ganhar? Os tios que empregam a recibo verde, óbvio. Têm mão­de­obra mais barata à custa de bestas com contratos de trabalho... mas noutros locais. Um tio que emprega a recibo verde está a roubar àqueles que dão empregos decentes. E é por isso que aumentam as idades de reforma e reduzem as reformas, porque as bestas com empregos decentes têm que sustentar todas as outras que trabalham a recibo verde. Acham isto certo? Claro que sim, a única solução para endireitar o mundo é a exterminação dos parasitas, desses vermes odiosos que fazem aquelas barbaridades que temos que ler todos os dias nos merdia. E assim vão nos entretendo para não pensarmos nos recibos verdes.

Viva o recibo verde!

Implantação da pena de morte, já!

Câmaras de gás e valas comuns!

VIVA A DITADURA ROBOTISTA! ...

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As bestas proletárias dos tempos da revolução burguesa conseguiram vitórias importantes sobre os tios porque estes andavam sempre em guerra uns com os outros, guerra essa a que chamam política. Aos tios burgueses opunham­se os tios feudais, os tios de outros países e até do mesmo país. Os tios viviam em permanente sobressalto, a sua tintura corria perigo e eram capazes de fazer certas cedências às bestas com medo da paralisação da produção de tintura. Os ingleses conseguiram que o horário laboral fosse reduzido para 10 horas e no 1.º de Maio celebra­se ainda hoje a redução do horário de trabalho para 8 horas que as bestas americanas conseguiram já em 1890, mas à custa de muitas manifestações, mortes e prisões. Em Portugal, depois da revolução que alegadamente acabou com a ditadura em 1974, também se passou a comemorar estupidamente o primeiro de Maio porque só em 1996 se conseguiu impor de facto o horário de 8 horas de trabalho por dia, embora só no papel. Flexibilidade no trabalho, flexisegurança, flexiemprego, flexibilidade no local de trabalho, flexibilidade no ordenado, flexibilidade em tudo, as bestas de hoje em dia devem ser muito flexíveis para aguentar o choque tecnológico, isto é, a robotização em marcha. Flexi é um prefixo que os tios inventaram e que vale como negação. Flexisegurança é falta de segurança, insegurança, medo, pânico que leva as bestas a aceitar qualquer trabalho, seja onde for, pelo ordenado que for. Pudera, o trabalho está em vias de extinção e o que é que se vai fazer às bestas que não trabalham? Elas não sabem fazer mais nada... Se ficam sem trabalho, tornam­se putas, ladras, assassinas, drogadas, skinheads, pedófilas, etc.. Raras são aquelas que, por não regularem bem da mona, preferem juntar­se aos sem­abrigo inofensivos, àqueles que desistiram de ir à luta, os fracos de espírito, os novos apóstolos desse outro maluquinho que foi Jesus Cristo. Vinde a mim os pobres de espírito, que deles é o reino dos Céus.

Os tios não, os tios são ricos de corpo e alma. E deles é o reino das trevas, da guerra pela tintura, da competição desenfreada, da flexibilidade e da puta que os pariu. ...

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“Saco vazio não se aguenta de pé”, uma máxima que os tios devem explorar em relação às bestas. A besta com fome é incapaz de se revoltar, apesar de lhe ser reconhecido o direito à revolta na Declaração dos Direitos das Bestas. As bestas esfaimadas são capazes de tudo, até de trair os seus companheiros para sobreviver. Bufos como aquele que foi denunciar o colega que fez humor à custa de Sócrates, e o foi denunciar à Directora da DREN, devem ser condecorados, bem como aquelas bestas submissas mas ambiciosas que tudo fazem para agradar as chefias para poderem ascender à classe tiocrática.

Por falar em classes, assim como a burguesia destronou a nobreza e os operários quiseram destronar a burguesia nos países comunistas, volto a colocar a questão que lancei já anteriormente: “Que classe irá derrubar ou tentar derrubar qual classe no futuro?” No futuro haverá apenas uma massa informe de bestas e um núcleo muito reduzido, fechado e oculto de Tios que tudo controlará, a partir de Marte, a salvo da violência, da miséria e do caos. Os Tios manterão as bestas sob vigilância para que elas não possam desencadear uma revolta e uma guerra interplanetária. Ao menor sinal de organização, a União ameaça com a bomba atómica, o que fará tudo e todos recuarem, lembrando­se das bestas dizimadas em Hiroshima e Nagasaki. Até o tio Krutchov, que dispunha de bomba atómica, meteu o rabinho entre as pernas face à ameaça de um conflito nuclear Este­Oeste e abandonou os planos de guerra aberta com o Ocidente.

No mundo do futuro, os Tios, longe, mas muito longe da Terra, terão uns poucos lacaios sentados à frente de uns monitores a jogar com as bestas a seu bel­prazer. Agora vamos fazer com que a produtividade aumente. Eh pá, e o que fazer das bestas desempregadas? Faz­se uma guerra clássica para desbaste? Ou atiramo­las umas contra as outras?

Ou promovemos o controle de natalidade? Que tal virá­las todas do avesso, isto é, bestas homossexuais? E vê­las todas a braços com uma pandemia não era giro? Ameaçá­las com o CO2, o aquecimento global?

O que farão as bestas na eminência de uma catástrofe “natural” como a subida dos oceanos? Conhecem aquele jogo de computador, o “Age of 29

Empires”? É isso mesmo que os tios vão fazer conosco! No fim, construiremos grandes monumentos onde serão usados todos os recursos até então juntados e que não foram desperdiçados em guerras parvas: estádios de futebol, aeroportos, pontes, TGV's, auto­estradas, pirâmides, torres de Babel e acaba­se o jogo. ...

Os tios autores do manifesto animalista apostaram, para sublevar as bestas, na necessidade que a burguesia tinha delas como escravos. A burguesia dependia tanto dos escravos que acabava por ter que garantir a sua sobrevivência, tinha ao menos que lhes proporcionar alimento e precisava também de escravos especializados, de escolas para os preparar convenientemente para as funções que deviam desempenhar. Nesses tempos ainda chegou a haver Universidades que formavam verdadeiros engenheiros, grandes cirurgiões, cientistas, e outros escravos especializados. Nas escolas industriais e comerciais formavam­se bestas para o trabalho de sapa, mais ou menos manual, mas com os conhecimentos mínimos da matemática, de línguas e até de filosofia. Poderia mesmo dizer­se que as bestas nessa situação exibiam uma face quase humana, tinham orgulho em desempenhar as suas competências mas, mercê dessa necessidade de aprender, algumas bestas tomavam consciência da sua condição de bestas e acabavam por trair a classe que as alimentava, a burguesia. Marx e Engels foram traidores, traíram os seus patrões. Engels, ao que se diz, até podia ter sido ou foi patrão, e Marx terá sido proletário ou de família proletária.

De qualquer modo, nenhuma revolução animalista se teria dado se algumas bestas não tivessem estudado qualquer coisa e aprendido a inflamar as outras bestas. Os tios sabem disto e cuidam hoje em dia de abandalhar o Ensino e remeter as bestas para o lugar que lhes compete, isto é, o curral. É por isso que nenhuma revolução se fará nos próximos tempos, as bestas já não querem saber de livros, «livros são papéis pintados com tinta, estudar é uma coisa onde está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma». Nem sei para que é que eu ando para aqui a escrever este manifesto se já ninguém me vai ler...

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Mas leiam o poema de Álvaro de Campos que vem a seguir, vale a pena. Cruzou por mim...

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CRUZOU POR MIM...

Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara, Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele; E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei­lhe tudo quanto tinha (Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro: Não sou parvo nem romancista russo, aplicado, E romantismo, sim, mas devagar...).

Sinto uma simpatia por essa gente toda, Sobretudo quando não merece simpatia.

Sim, eu sou também vadio e pedinte, E sou­o também por minha culpa.

Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte: É estar ao lado da escala social, É não ser adaptável às normas da vida, Às normas reais ou sentimentais da vida ­ Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta, Não ser pobre a valer, operário explorado, Não ser doente de uma doença incurável, 33

Não ser sedento da justiça, ou capitão de cavalaria, Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas, E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.

Não: tudo menos ter razão!

Tudo menos importar­se com a humanidade!

Tudo menos ceder ao humanitarismo!

De que serve uma sensação se há uma razão exterior a ela?

Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou, Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente: É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio, É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.

Tudo o mais é estúpido como um Dostoiewski ou um Gorki.

Tudo o mais é ter fome ou não ter o que vestir.

E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.

Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato, E estou­me rebolando numa grande caridade por mim.

Coitado do Álvaro de Campos!

Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!

Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!

Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos, Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita, Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco àquele pobre que não era pobre que tinha olhos tristes por profissão.

Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!

Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!

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E, sim, coitado dele!

Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam, Que são pedintes e pedem, Porque a alma humana é um abismo.

Eu é que sei. Coitado dele!

Que bom poder­me revoltar num comício dentro da minha alma!

Mas até nem parvo sou!

Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.

Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.

Não me queiram converter a convicção: sou lúcido!

Já disse: sou lúcido.

Nada de estéticas com coração: sou lúcido.

Merda! Sou lúcido.

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Capítulo II – Otários e Consumistas Quase todas as bestas são mesmo bestas, isto é, otárias. As consumistas não diferem muito das restantes otárias, são apenas as que ainda são tão bestas que continuam a acreditar que o consumo é uma forma de dar trabalho às otárias em geral. Mas enganam­se porque aquilo que hoje se consome é tudo produzido pelas máquinas e as poucas bestas empregues na sua produção são escravas chinesas, indianas e outras que pensam que podem almejar a um nível de vida semelhante à que as ocidentais já tiveram nos tempos áureos dos pós­ guerras, quando os negócios dos tios floresceram e eles até se davam ao luxo de permitir às bestas ter certos luxos como carros, apartamentos, férias, ler romances e poesia, comer gelados na praia, batatas fritas, ir ao cinema e ao teatro, ir aos cafés discutir com os amigos a licenciatura de Sócrates e falar do “Eu, Carolina” e do futebol.

O maior erro das consumistas é a vaidade. Sim, não pensem que elas consomem só para ajudar as otárias, têm prazer em ostentar artigos de luxo. Não compram só por comprar, gostam de fazer inveja às outras bestas com a ostentação de símbolos de status. Uma camisa, por exemplo, tem que ter um crocodilo no bolso e não pode ser um crocodilo qualquer. Os telemóveis têm que ser topo de gama, mesmo que não sirvam para falar. Carro, quanto mais caro mais inchada de vaidade e soberba fica a besta que nele se senta ao volante, a tal ponto 37

que se sente mais importante que as outras porque foi capaz de as enganar sendo mais esperta ao ponto de conseguir dinheiro que chegasse para pagar o carrão. As consumistas chamam, por isso, otárias às outras bestas. Mas não são substancialmente diferentes, elas é que se julgam feitas de outra massa, mas a massa é a mesma massa pútrida de besta.

As bestas consumistas, embora não tenham a mínima consciência disso, são as que alimentam toda a economia tintureira em que as bestas otárias se tornam cada vez mais vadias e pedintes e os tios (os donos da tintura) ficam cada vez mais tios, a tal ponto que até conseguem tornar­se os donos de toda a tintura nacional, e passam a impor todas as políticas que os governos devem praticar no sentido de arrecadarem o máximo de tintura no menor período de tempo. Só mesmo os governantes honestos mas estúpidos é que julgam que, se forem eleitos, irão exercer o poder. Os outros, a maioria que é esperta e desonesta, sabe ao que vai, isto é, sabe que se não obedecer aos verdadeiros tios, será escorraçado por uma qualquer organização tiocrática como a CIP que goza de muito mais credibilidade do que sindicatos ou partidos. Mas a última palavra cabe sempre ao palhaço que representa o Banco de Portugal, um tal de Vítor Constâncio, a besta mais bem paga do mundo para contar mentiras às bestas otárias. E estas acreditam nele quase a 100% porque é um mentiroso muito competente, tão competente que ganha mais que o seu colega americano que, coitado, não deve ter nascido para o lugar que ocupa. E para que não venham logo a correr ameaçar­me com um processo por difamação, eu provo a acusação de mentiroso que lhe faço: como é possível fazer­se uma previsão com uma precisão às centésimas do défice orçamental previsto? 6,83% do PIB? Sempre que essa besta do Vítor Constâncio faz alguma declaração é para justificar as políticas tiocráticas em preparação. Por exemplo, se alguns tios poderosos quiserem ficar com algum serviço do Estado para o transformarem em negócio (Saúde por exemplo), basta que o Vítor Constâncio apareça na televisão a dizer que isto está mal 38

por causa do défice, e logo a seguir o Correia de Campos venha justificar numa base tintureira o fecho de maternidades e hospitais, para que os Mello esfreguem as mãos de contentes. Se outros tios, donos de empresas de construção civil como a Soares da Costa, quiserem fazer uma obra de milhões de euros para sacar tintura ao Zé, lá vai o Vítor Constâncio anunciar uma retoma e, de seguida, aparece o Sócrates e o Lino a dizer que a retoma depende exclusivamente da construção de um novo aeroporto de Lisboa... mas em Leiria. Etc., etc.. E assim se enganam as bestas.

Mas a responsabilidade de tudo é das bestas consumistas. São elas que fornecem a tintura básica aos tios que lhes permite ter uma reserva de tal monta que dá para subornar todos os palhaços que eles colocam no “poder” para “poder” a malta. Mas é vê­las espalhadas por esses centros comerciais em louca correria de consumo, por essas estradas fora a acelerar, sempre de telemóvel ao ouvido a pagar para falar, a beber água engarrafada, algumas coradas com químicos e açúcar, a pagar estacionamento, portagens, revisões, seguros, extras para o carro, sentadas no Mc'Donalds a contrair doenças ou em filas diárias de carros a respirar veneno dos gases de escape, sustentando assim os negócios de saúde... e todos os demais negócios dos tios.

A evolução da sociedade das bestas é orientada pelos valores da sua vanguarda que são as bestas consumistas, elas próprias vítimas da máquina de propaganda tiocrática, «os merdia», que veicula a ideologia, religião e moral dominantes, sendo estas, naturalmente, concordantes em tudo. A ideologia é o materialismo materialista da tintura, a religião é monoteísta e o deus é a Tintura e a moral só tem um valor que é também considerar bom tudo o que conduza à obtenção de tintura. A Tintura está, pois, no centro de tudo, a vida das bestas gira em torno dela. Em nome da Santa Tintura permite­se tudo às bestas, mas elas, nomeadamente as otárias, acabam sendo vítimas, são emuladas no altar da Tintura do mesmo modo que se emulavam pessoas e animais nas religiões antigas. O esquema tiocrático está muito bem montado e é muito difícil de desmontar porque os tios são 39

espertíssimos. Tão espertos que nem se preocupam em agir directamente, deixando a manutenção do sistema a cargo das bestas de elite que se encarregam de mostrar a todas as bestas qual o caminho para o altar do sacrifício humano, perdão, bestial.

Já viram, por exemplo, o papel importantíssimo dos merdia, principalmente das televisões (o telecrã de Orwell no “1984”) na condução das bestas? Quem são os autores dos programas e os apresentadores? Como funcionam as televisões? Autores e apresentadores são bestas super­consumistas que veiculam em tudo os seus valores consumistas. Num simples programa de conversa, reparem na indumentária das bestas apresentadoras. Digam lá se não é um convite ao deboche? Depois, há os programas para anestesiar as bestas com futebol, com música, com passagem de modelos, com exposição de cães, com sete maravilhas, com eleições de grandes portugueses, com desportos ricos, com carros sport, homossexualidade, droga, prostituição fomentada por programas como o Big Brother... coitado do Orwell! Programas gravados na província, em que se convidam as pessoas a esquecer as desgraças cantando e dançando e fazendo algazarra pela noite fora. Exploração dos instintos das bestas, porque gostar de cantar e dançar e beber é algo inato nas bestas. Mas atrás disso vem também a pobreza, a perda da noção da responsabilidade familiar, o deboche, a droga, a degradação de valores arduamente construídos no sentido de tornar a vida na sociedade menos difícil e mais aprazível. As bestas cantam e dançam e gritam, sem respeito pelos doentes, pelos que leem, pelos que estudam ou trabalham, pelos velhos.

Aos fins­de­semana então é uma desgraça, altifalantes no máximo dos decibéis mantêm as bestas acordadas até altas horas, fazem­se espectáculos de barulho até nas praias, onde alguns gostariam de encontrar paz mas, se não os podes vencer, junta­te a eles ou vai­te embora.

Tudo isto é fomentado pela televisão, aparelho que as bestas já não dispensam e que lhes mostra o que devem preferir em tudo. E foi assim que foi educada a geração da “liberdade”, com a libertinagem 40

que, ao abrigo da “liberdade de expressão”, os tios como o Pinto Balsemão implantaram e nós bestas, levianamente, deixámos que os nossos filhos vissem e se tornassem nas bestas que são, e que põem pearcings, fazem tatuagens no corpo e andam, elas principalmente, todas vestidas como as putas pelas ruas. ...

Marx e Engels falam muito da «luta de classes», viam na contínua sucessão de tios o verdadeiro e único motor da História. De facto, quando se estuda História, apenas se fala dos tios, e é uma enorme estopada andar a decorar os seus nomes e saber que este era casado com aquela que, por seu turno, era neta de um Afonso qualquer de Espanha ou de um Habsburgo da Alemanha ou de uma Lencastre de Inglaterra. Depois, também temos que decorar as glórias dos tios e essas glórias são, invariavelmente, de dois tipos principais: guerras ou construção de templos. Claro que nem todos se limitaram a estas glórias, D. Dinis, O Lavrador, mandou, por exemplo, plantar o pinhal de Leiria e D. João V, O Magnânimo, mandou construir o Aqueduto das Águas Livres de Lisboa. O que tinham estes dois reis em comum e que os tios de hoje não têm? Sensibilidade e cultura, meus senhores. D. Dinis era um poeta e D. João V foi mais instruído que os outros que só pensavam

em

guerras

e

templos.

Mas hoje, e em todo o mundo, não há um único tio culto envolvido em questões de governação. E é por isso que só pensam em templos e em guerras, ou seja, construção e destruição. E porquê? Por causa do sistema político em vigor. Nenhum homem culto poderá chegar ao poder porque, sendo culto, abominará a mentira e sem mentir (como o nosso Sócrates) não poderá ser eleito pelas massas que gostam de ser enganadas. Mas o que leva os tios a mentir para poderem chegar ao poder? Tintura, é da tintura que eles gostam e a tintura tem muita força.

Tanta que ela também serve para iludir as massas com promessas. A última promessa que os tios se lembraram agora de fazer é de colocar o crescimento tintureiro ao nível da Europa em alguns anos. Mas o que é isso? O que interessa estar a crescer ao mesmo ritmo se continuamos 41

sempre mais pequenos?

Um dia destes resolvi ir ao centro de emprego de Leiria informar­me acerca do mercado de trabalho. Havia lá muita gente à procura de trabalho e, num quadro na parede, estavam afixadas várias ofertas de trabalho. Para todo e qualquer tipo de trabalho, do varredor ao electricista, do ajudante de cozinha ao motorista, o salário não diferia muito, cerca de 500 euros por mês em média. Pagar 500 euros por mês e não haver diferenças salariais, o que é que indicia? Escravatura ao mais alto grau. Os salários atingiram o mínimo possível, estão ao nível do mínimo de subsistência, isto é, aos escravos apenas se garante a sobrevivência. Efectivamente, imagino­me a ganhar 500 euros por mês e a trabalhar no mínimo 8 horas por dia e a pagar transportes e pergunto­me: «Que merda de vida levam estas pessoas? E por que raio não se revoltam se há tios (os donos da tintura) a ganhar cem vezes mais? E os bancos a rebentar de tintura?»

Marx e Engels não tinham razão. Só os tios é que mudam, as bestas continuam sempre bestas. O povo é manso. O povo aguenta viver na pobreza, só quando uma classe tiocrática precisar deles para substituir outra é que se servem dele para a tal «luta de classes». Depois volta tudo ao mesmo, bestas a trabalhar e tios a gozar.

A classe merdia, ou seja, aquela onde se situa a maior parte dos consumistas, é a classe que tem parido os actuais tios e também os revolucionários, todos eles com as mesmas aspirações de glória e de fama. Os tios são espertos mas no fundo vivem com o credo na boca.

Sabem que, se derem um passo em falso, podem ser destituídos por outros tios que estão prontos a tirar­lhes o lugar para se apoderarem da gestão da tintura produzida pelas bestas. Mas não julguem que os tios, enquanto seguram nos cordéis da bolsa de tintura, não preparam também o seu futuro. Por exemplo, imaginem que eu era ministro de qualquer coisa, e sabia que mais dia menos dia deixaria de o ser. O que poderia eu fazer para não regressar à miséria do meu lugar de professor numa escola? Enquanto ministro, mandaria criar o Instituto da Agulha no Palheiro, uma respeitável instituição para a qual nomearia um sacana 42

qualquer com muitos rabos de palha, um trafulha que decerto aproveitaria a oportunidade para fazer mais umas trafulhices com o meu consentimento tácito mas não explícito. Depois, mal eu deixasse de ser ministro (até poderia simular uma zanga e sair do governo), descobriria a careca do trafulha que estivesse à frente do Instituto da Agulha no Palheiro e, humildemente, prontificava­me a substituí­lo. Quem melhor do que eu para saber acerca dos objectivos do instituto que eu próprio criei? Sim, isto de procurar agulha nos palheiros não é para todos.

Voltando ao assunto da classe merdia, de onde veio então ela?

Ora, não é difícil de prever: havia muitos artesãos, comerciantes, pequenas e médias empresas, funcionários públicos, feirantes, ciganos, tudo gente que se considerava acima dos miseráveis e abaixo dos grandes tios. Porém, essa faixa da população de bestas tende a desaparecer, sendo alguns poucos aproveitados pela tiocracia, e os outros atirados para a classe de escravos, tenham ou não frequentado as universidades, última esperança da classe merdia para escapar à miséria. É evidente que estes novos prole­otários vão invadir o mercado de trabalho e não tarda muito que uma divergência de trocos no supermercado dê origem a um processo tão grandioso como o da Casa Pia ou do Apito Dourado e que a Maria José Morgado venha a ser nomeada para tratar os casos do Champô Prateado ou do Preservativo Roto comprado no Continente.

Seja como for, a classe merdia está em lenta mas inexorável extinção, de tal modo que algum tio ministro poderá lembrar­se de criar o Instituto de Protecção da Classe Merdia (IPCM), tal como já existe o IPLI (instituto de protecção do lince ibérico). Uma vez extinta a classe merdia, em campo ficarão apenas os tios e as bestas e os lumpen­bestas, também conhecidos como os sem­abrigo. Agora é que a porca torce o rabo. ...

Já vimos anteriormente que a classe merdia tem os dias contados, alguns dos seus membros (os chamados bóis) passam­se para 43

a classe tiocrática, têm direito a usar fatos e gravatas, viverão que nem os sultões nos seus palácios, terão Audis, BMWs e Mercedes topos de gama, e os restantes darão origem aos novos prole­otários, isto é, aqueles que têm que aceitar a escravatura de ordenados de 500 euros.

Ainda ontem estive a falar com um amigo no café e perguntei­lhe como é que os filhos dele se estão a safar no mercado de emprego. Como é que eles e outros e os milhões de escravos conseguem sobreviver com 500 euro por mês. Ele respondeu­me, e muito bem, que muitos deles têm felizmente o apoio de familiares, nomeadamente dos pais que sacrificam as suas miseráveis pensões e o direito ao descanso que uma já longa vida de trabalho lhes devia permitir para suportar as inevitáveis ajudas que têm que prestar às crias, crias que, se soubessem, teriam abortado a tempo para não terem de passar a vida a penar. Felizmente que eles, os novos prole­otários, vivem numa época em que o aborto é permitido, e fomentado até. A propósito de aborto, no outro dia fui a Lisboa e vi, perto do IPO, uma clínica que me cheirou a clínica de aborto, tem o nome de clínica Nova Vida e oferece serviços de obstetrícia e ginecologia. Tem sede num prédio comum antigo, e eu pensei cá para os meus botões: «isto sempre esteve aqui e devia ser apenas um obscuro consultório onde entravam mulheres de lenço a tapar­lhes a cara (em geral mãe e filha) e, quando saíam, apanhavam um táxi, tendo deixado no consultório um feto e algumas notas». Hoje, graças à Nova Vida, o mesmo consultório que não estava legalmente autorizado a fazer o que fazia, e era ocupado por criminosos, passou a ser devidamente legalizado, podendo as pessoas lá entrar de cara destapada, apenas terão que pagar muito mais pelo servicinho... E os antigos criminosos prosperam e tornam­se tios respeitáveis que já não exercem eles próprios, mas incumbem disso os médicos prole­otários que empregam e a quem pagam baixos salários.

Mas perguntar­se­ão os leitores, com razão, onde é que os prole­ otários arranjam dinheiro para pagar as exorbitâncias que as clínicas pseudo­vidas lhes pedem? Sim, os que abortam nos serviços públicos só o fazem in extremis porque têm a consciência de estar a prejudicar a vida dos que esperam meses por intervenções cirúrgicas realmente pro­ 44

vida. Quando um prole­otário decide abortar, fá­lo pensando que a cria lhe vai prejudicar a vida, se ela já é tão difícil sem filhos, que fará com eles! Se o dinheiro já nem dá para a bica diária, como fazer para comprar as fraldas? Antigamente usava­se fraldas de pano e todos os dias lavavam­se à mão com sabão azul e lixívia. Mas hoje, quando se tem um filho, parece mal não usar fraldas Dodot, as melhores fraldas do mundo e as mais caras também. Ora, e é por causa das fraldas caras que os prole­otários optam pelo aborto. Se eu mandasse, proibiria a venda de fraldas. Elas passavam a ser dadas e dava cabo assim do negócio das clínicas de aborto.

Mas ainda não expliquei como e onde é que os prole­otários arranjam dinheiro para abortar. Vão às Cofidis, Cetelemes, Citibanks e etc. pedir emprestado para pagar em prestações. Os burros dos prole­ otários acabam sempre por pagar as fraldas... e ficam sem a criança. ...

A moda é uma coisa tramada. A baixa de Leiria encontra­se agora, nas noites de Verão, povoada de gente de todas as idades que lá vai viver as modas. A moda mais recente é a dos estabelecimentos plurivalentes. Dou­vos a minha palavra de honra que fui apanhado de surpresa pela nova moda. Estava cheio de sono e queria tomar uma bica. Entrei, portanto, num café onde estivera antes e no qual tomara já uma bica por 50 cêntimos durante o dia. Encontrei, em vez de café, um local com música em alto som e vários telecrãs e mesas cheias de gente muito bem vestida e na moda, falando alto e parecendo todas felizes como se o mundo estivesse a viver a harmonia preconizada por Kepler.

Lembrei­me de George Orwell porque, ao contrário do que sucedia no “1984”, a moda não era de fatos de macaco, pelo contrário, os macacos vestiam jeans e usavam óculos e/ou piercings, e saracoteavam­se de um lado para o outro como fazem na selva a saltar de galho em galho. A grande surpresa da noite, porém, foi que, ao entrar nesse café à noite, fui contemplado com um cartão e com a informação de que o dito devia ser apresentado depois à saída e o consumo mínimo obrigatório era de 3 euro. Em suma, o café já não era café, tinha­se transformado em “boite” 45

onde macacos e macacas se encontram para os rituais de acasalamento.

E onde a mesma bica, em vez de custar 50 cêntimos, pode custar 3 euro porque há consumo mínimo obrigatório. Felizmente saí do estabelecimento antes da meia noite porque, segundo o que alguém me disse, a partir da meia noite a “boite” vira “cabaret” com strip­tease e consumo mínimo de 100 euros. Suponho que os preços estão indexados à hora do dia, quanto mais tarde mais caro se paga. O mesmo estabelecimento deve ter um alvará polivalente que permite mudar de actividade várias vezes ao dia. Fiquei pois a saber que a flexibilidade já chegou a Leiria.

Ao sair do tal estabelecimento passei por uma loja de louças e fiquei a imaginar que, se a flexibilidade fosse generalizada a outros estabelecimentos esse estabelecimento poderia durante o dia vender pratos e à noite transformar­se num recinto para praticar tiro aos pratos.

«E o dono da cafetaria sorriu...» ...

O que é que as bestas prole­otárias acham das normas sociais que os tios lhes impõem? Nada. Já disse que uma besta que se preza não pensa, o melhor que tem a fazer é deixar­se arrastar na onda, uma vez que seguir as normas sociais à risca e da forma como são veiculadas pelos merdia é meio caminho andado para se atingir a classe tiocrática, aspiração única de qualquer besta. Os tios bem dizem que vivemos num estado democrático e de direito, querendo com isso significar que, apesar de a Declaração Universal dos Direitos das Bestas reconhecer às bestas o direito à indignação e à revolta, qualquer acção das bestas que revele indignação e revolta será punida com severidade para mostrar às restantes bestas que o melhor é aceitar as normas em vigor de cara alegre e comer milho transgénico sem protestar porque «onde já se viu uma besta recusar a sua ração?». É certo que em Portugal os tios ainda não construíram centrais nucleares, estas são bem piores que o milho transgénico porque o lixo que produzem não é simplesmente merda como a que o milho produz, é 46

uma merda muito mais perigosa que os outros países exportam para cá como exportam o milho transgénico, e circula pelas nossas estradas sem grande protecção e é plantado sabe­se lá onde. De facto, é uma estupidez enorme as bestas andarem a manifestar­se contra as centrais nucleares e contra o milho transgénico porque acabam por engolir toda a merda de uma forma ou de outra, os tios não brincam em serviço e atiram logo com os merdia e os «opinion­makers» para cima das bestas a lembrar­lhes que vivemos num estado de Direito onde cada um tem o direito de plantar o que bem entender, seja milho ou lixo nuclear. As bestas têm é que estar sossegadas e acatar as normas sociais, morais e religiosas destinadas ao seu consumo. Tudo o que os tios querem é que ninguém ponha em causa o seu legítimo Direito à Tintura, o estado de Direito é isso mesmo e nunca é demais lembrá­lo às bestas, nem que para isso se tenha que equiparar a destruição de um hectare de plantação de milho com o derrube das torres de Nova Iorque pelos terroristas do Bin Laden.

Se eu fosse ministro da administração interna, mandava prender esses terroristas e seriam enforcados em praça pública para servir de exemplo às bestas. Se não forem castigadas agora, amanhã podem lembrar­se de fazer muito pior, como por exemplo manifestarem­se contra uma plantação de lixo nuclear que ainda não veem mas que poderão vir a descobrir se alguma besta se lembrar de andar pelos campos munida de um contador de Geiger. Quem sabe até se o milho transgénico não é plantado em cima do lixo nuclear já enterrado e serve apenas para atiçar a opinião pública contra as bestas que violam as propriedades dos outros? Cada um pode plantar o que quiser na sua propriedade, os espanhóis também constroem centrais e lixeiras nucleares bem perto do nosso quintal, e o que temos nós a ver com isso? Ou há moralidade ou todos comem – milho transgénico e lixo nuclear. ...

Segundo Marx e Engels, todas as revoluções da História tiveram como propósito a substituição de uma minoria de tios no poder por 47

outra minoria de tios. Os prole­otários, que antigamente se chamavam escravos, foram sempre utilizados para fazer as revoluções de que nunca aproveitaram, antes pelo contrário. Sim, de que adiantou a abolição da escravatura? Nada! Pelo contrário, quando os prole­otários eram escravos e pertenciam a alguém, esse alguém tinha todo o interesse em manter os seus escravos em boas condições de produtividade, garantia a sua sobrevivência e a da prole de que podia dispor para substituir os escravos velhos e/ou para vender a outros tios.

Porém, os tios evoluem e, segundo Camões, novos valores se alevantam. A abolição da escravatura libertou os tios do dever de zelar pela sobrevivência das bestas prole­otárias. E como é que os tios conseguiram enganar as bestas? Fácil, prometeram Liberdade, Igualdade e Fraternidade, coisas que sempre existiram entre as bestas mas estas pensavam que podiam ser ainda mais livres e iguais aos tios, e que a fraternidade iria aproximar bestas e tios, fosse qual fosse a sua raça, credo, nacionalidade, etc..

Da liberdade nem sequer vale a pena falar. Não vale a pena falar porque ninguém pode ser livre, a não ser que vivesse completamente só e livre das outras. Logo, prometer liberdade é uma grande mentira dos tios que aproveitam essa aspiração comum a todo o ser vivente para exaltar os ânimos das bestas. Quanto à igualdade, de facto os tios estão a conseguir igualar todas as bestas entre si. Hoje em dia todas as bestas já ganham quase o mesmo salário, seja qual for o trabalho (quando trabalham), 500 euros em Portugal, 1500 euros no Luxemburgo e 150 euros na China. Por aqui se vê que a propalada igualdade apenas se aplica localmente, cada povo tem a igualdade que merece como dizia o tio Salazar.

A Fraternidade é a próxima meta a atingir pelos tios. Com a implantação da fraternidade universal, todas as bestas prole­otárias de todo o mundo, unidas no mesmo ideal, digo, salário, poderão usufruir 160 euros mensais, igual para todas as bestas. Isto é muito óbvio mas as bestas que aderem à mundialização, de que a UE é apenas um pequeno passo, julgam que vão ser equiparadas às bestas mais bem pagas. Santa 48

bestialidade!

Já disse que da liberdade não vale a pena falar, porque a liberdade pode ser entendida com grande liberdade, a liberdade dos tios nunca será a mesma que a das bestas, já Marx nos dizia que «Por liberdade, nas condições actuais da produção burguesa, compreende­se a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender». As bestas entendem a liberdade como sendo a liberdade de não pagar impostos, por exemplo. Entendem também que ser­se livre é poder andar a 300 km/h nas estradas e que a GNR só serve para cercear as suas liberdades; que se deve poder ultrapassar pessoas nas filas como o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa faz, só porque é ele quem manda na cidade, haver liberdade é poder também pôr a música altíssima no apartamento e não ser aborrecido pela besta do vizinho, é poder comprar um carro melhor que ele e, se possível, ficar­lhe com a mulher e o dinheiro. Aliás, tudo coisas que os tios podem fazer impunemente, mas as bestas não.

Para os tios, a liberdade é diferente, as bestas devem sentir­se livres para consumir tudo o que eles lhes “oferecem”, telemóveis e móveis, televisões e visons, telepatias e outras patias, telenovelas e novelas dos pintos salgados e a que engendraram em torno da criança inglesa desaparecida, telecomes e outros comes e bebes diversos, a liberdade das bestas é sobretudo a liberdade de consumir merda, consumistas de todo o mundo uni­vos e esquecei todas as vossas angústias nos templos de consumo, comprem tudo o que puderem e sintam­se felizes por terem poder de compra. O busílis é quando a besta sente que está a perder poder de compra porque a inflação lhe come o ordenado rapidamente e só consegue chegar ao fim do mês à custa de comer sopa e pão todos os dias em vez de hamburgers, batatas fritas e coca­cola do Mac'Donalds nos centros comerciais do tio Belmiro.

Além disso há as bestas que perderam por completo a liberdade, ou seja, o seu poder de compra, e já nem sopa tomam. Aqui e no mundo inteiro, aos milhões.

«E foi­se a liberdade...»

49

Em nome da liberdade, que para os tios significa, como já vimos, a liberdade de vender merda aos consumistas, os grandes tios do mundo têm uma grande organização chamada OMC, que obriga os países aderentes a abrir as portas à grande tintura e aos produtos dos países membros. Porque é que os países se tornam membros de uma organização tiocrática como a OMC? Os tios que mandam na OMC estão entre os mais espertos do mundo, por isso é que a organização se chama mundial. Quanto ao comércio, a OMC até defende (teoricamente, claro) os países de certas práticas desleais como o “dumping” que mais não é que aquilo que os tios espertos fazem para dar cabo dos negócios honestos de bestas otárias.

Imaginem que eu era tio e ganhava uma fortuna no tinturo­ milhões. Imaginem ainda que eu morava numa aldeia que tinha várias lojas, cada uma dedicada a um ramo de negócio. As pessoas produziam bens que vendiam às lojas e as lojas serviam para proporcionar as trocas, zelar pela qualidade dos produtos porque os vendedores são especialistas nos produtos que vendem, e a qualidade é a melhor arma de competição num mercado justo. Aqui está o fulcro da questão, a Justiça e a Ética. Como elas não existem, ninguém me pode impedir de abrir um centro comercial, comprar grandes quantidades de produtos a preços mais baixos e começar a vendê­los ao preço da uva mijona para desviar as bestas consumistas para o meu centro comercial. As bestas, para pouparem tintura, atropelam­se para comprar no centro comercial, e não se importam com mais nada, deixam mesmo de ligar à qualidade e sentem­se que nem peixes na água naquele mar de produtos que eu irei expor na minha enorme superfície comercial, um barracão do género dos estádios de futebol, pintado da mesma maneira com cores berrantes, porque as bestas são atraídas pelo vermelho vivo tal como os touros. A coca­cola e o Mac'Donalds sabem disso, mas a Sumol não sabe.

E depois? Depois quase todas as lojas pequenas irão à falência, excepto talvez uma ou outra frequentada pelas bestas sem cornos, as que não gostam do vermelho como eu. E é por isso que não sou nem do 50

Benfica nem do PCP, embora simpatize também com as bestas cornudas («sinto simpatia por essas bestas todas...»). Digamos que, se o Benfica passasse a vestir de verde e o PCP mudasse para o azul (verde e azul são as minhas cores preferidas), eu seria benfiquista e comunista.

Bem, lá estou eu a desviar a conversa para o futebol.

Continuando...

Depois de levar a maioria das lojas da minha vila à falência, e de ter habituado as bestas cornudas a comprar na minha superfície comercial, começava a subir os preços dos produtos mas continuava a enganar as bestas com promoções que lhes dão a ilusão de estar a comprar barato. «Compre dois e leve três, quem levar só um é chifrudo, quem quiser só dois é parvo». Mesmo assim, como eu estaria praticamente só no comércio, podia impor preços de venda baixos aos meus fornecedores, e estes viam­se obrigados a pagar salários mais baixos aos seus empregados. E por aí fora, até que levaria toda a vila senão à miséria total mas a viver muito pior do que antes. E é a isto que se chama fazer “dumping”, palavra inglesa que deriva de descarregar, depositar, esvaziar. Mas o exemplo de dumping que vos dei é aquele que o tio Belmiro faz, e que eu também faria se ganhasse uma fortuna. É mau para as bestas mas elas já estão habituadas a este “dumping” à Belmiro de Azevedo.

O pior é quando os países fazem isso aos outros países, como a China está agora a fazer. Porque aí as próprias empresas produtoras dos países são levadas à falência e o empobrecimento é muito maior, a miséria está programada. A OMC, que teoricamente devia proteger os países dessa prática, na prática não protege nada, pelo contrário, parece apoiar. Não é de estranhar. Quem são aliás os tios da OMC? ...

O comunismo pretendeu acabar com os tios, retirando­lhes a propriedade privada que eles usam, e sempre usaram, para perpetuar a escravatura. Julgavam os comunistas que as bestas são desprovidas de sentimentos... de posse! Alguém, que comentou um dos meus posts 51

sobre tios e bestas, disse (e muito bem dito) que bastaria haver duas pessoas no mundo para que uma fosse besta e a outra tio, e que isso reside na natureza bestial do homem. Ora, em toda a história da humanidade tem havido sempre tios e bestas, a começar por Adão e Eva e por Abel e Caim nos mitos bíblicos.

Também a mitologia grega é rica em histórias de tios e bestas. A lenda de Epimeteu, Prometeu e Pandora é muito parecida com o que se passa ainda hoje no mundo. Epimeteu, que simboliza certos tios, agia antes de pensar, por vezes não pensava mesmo depois de agir. Era impelido pelo politicamente correcto e estava perfeitamente de acordo com tudo, bem adaptado à vida tal como ele a sentia. E, seguro de que a sentia bem, tudo lhe corria às mil maravilhas. Prometeu era diferente, pensava muito antes de agir, mas só fazia asneiras depois. Uma dessas asneiras foi pensar em proteger a humanidade (como muitos ideólogos que se propõem criar o Homem Novo), dando­lhe certos dons que estavam reservados aos deuses e que estes guardavam ciosamente. Na sua ingenuidade, chegou mesmo a roubar o “fogo divino” de Zeus para dá­lo aos homens e estes poderem deixar de ser tão bestas. O tio Zeus não esteve com meias medidas e mandou castigá­lo; foi amarrado e colocado no cume de um monte onde todos os dias uma águia lhe ia comer o fígado que regenerava de seguida, prolongando­lhe assim o seu sofrimento divino.

Entretanto Prometeu confiara ao seu irmão, Epimeteu, uma caixa contendo todos os males capazes de dar cabo da vida aos homens.

Epimeteu mantinha a caixa bem fechada, cumpria escrupulosamente as recomendações do irmão, sem se questionar. Até que um dia a mulher dele, a safada da Pandora, descobriu a caixa e abriu­a, soltando todos os males que hoje conhecemos..., cada vez melhor. Apesar de Pandora ter fechado de imediato a maldita caixa, dela se soltaram todos os males, excepto o do desespero. E é por isso que nenhuma besta perde a esperança de um dia vir a ser tio.

«Todas bestas, todas iguais» é, portanto, uma utopia, nenhuma besta quer perder o sentimento de posse, a propriedade privada 52

continuará a ser o motor que faz as bestas acreditar que vale a pena viver. Mas até que ponto o ideal igualitário do comunismo não está hoje a ser realizado pela via neoliberal? Até que ponto as bestas não andam a ser bem enganadas pelos tios?

Neste manifesto do partido robotista que eu ando a escrever em postas, e ainda neste capítulo dos Otários e Consumistas, não posso deixar de abordar a questão da cultura. Cultura, no sentido cultural, é uma série de alterações que se introduz ou se induz nas bestas de modo a que elas possam cumprir os objectivos que os tios pretendem atingir.

Temos muitos exemplos de cultura que nos chegam através dos merdia, sendo a futebolística uma das mais populares. Mas outra cultura muito popular é a cultura do politicamente correcto. Besta que se preze deve saber o que é o efeito de estufa e o aquecimento global, deve apoiar a globalização e a migração, ser intolerantemente tolerante com os gays e as suas pretensões igualitárias que vão do casamento à adopção de bestinhas, deve pensar que a separação do lixo permite por si só continuar a consumir de consciência tranquila, que o desemprego se deve à falta de produtividade, que aumentar a produtividade é trabalhar mais horas para se fazer o mesmo que já se fazia antes, que o empresário de sucesso é aquele se senta num gabinete de luxo com ar condicionado e tem vários Ferraris na garagem enquanto paga 500 euros aos seus escravos, que estar a par das novas tecnologias é ter internet e saber navegar com o Google, que o choque tecnológico é espalhar pelas escolas computadores que se tornam obsoletos um ano depois e esperar pelo efeito bola de neve que nunca vem, que a informática se resume ao Office do tio Bill Gates, que vive num estado de Direito e democrático mesmo quando o primeiro­ministro usa títulos que nunca teve e manda encerrar a Universidade Independente que depende do Estado para que nunca se saiba a verdade, que se opõe à construção de centrais hidroeléctricas e eólicas em nome da ecologia, que se opõe à cultura de transgénicos em Portugal e compra transgénicos importados no supermercado, que é contra a energia nuclear mas aceita o lixo nuclear do vizinho espanhol, que adora os animais domésticos e gasta tintura com veterinários mas abandona os 53

bichos na rua para tirar férias, que se preocupa com a extinção do lince ibérico em vez de se preocupar com a extinção da miséria porque acha que o TGV e a Ota é que vão acabar com ela, que acha natural que viajar de autocarro de Leiria a Torres Vedras demore mais tempo e seja mais caro que ir de Leiria a Lisboa, que ler o «Eu, Carolina» é o mesmo que ler Eça de Queirós ou Antero de Quental, que ter um curso superior de Biologia Marciana é mais vantajoso que ter uma profissão comum sem curso superior, que o bom professor é aquele que em vez de dar aulas se dedica a tarefas burocráticas, que o bom médico é o que prescreve mais remédios, que há um excesso de população no mundo e tudo se deve fazer para controlar a natalidade, que a guerra é um mal necessário e é feita em nome dos Direitos Humanos de que o direito à vida não faz parte, que os culpados pela corrupção são só os corrompidos e a Siemens, a Shell ou as ONG não têm culpa nenhuma, que a globalização não vai empobrecer mais gente e põe os chineses ao nível dos luxemburgueses e não os luxemburgueses ao nível dos chineses, etc., etc..

Bardamerda para esta cultura, prefiro a cultura da batata à cultura que os merdia nos impingem. Robotismo puro e duro, a cultura merdiática continua ao serviço dos tios e agora, tal como dantes, apenas serve para conduzir as bestas para o matadouro. Nisto Marx tinha razão, esta cultura é um simples adestramento das bestas numa tentativa de as transformar em robôs.

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Da família/prole à manada de bestas robotizadas.

O comunismo é acusado de querer abolir a família em geral, até se dizia que os comunistas comem criancinhas ao pequeno almoço.

Duramente atacado pelos sectores conservadores (Igreja em especial), defenderam­se dizendo que apenas queriam abolir as famílias dos tios, e não as das bestas a que chamavam proles em vez de famílias. No fundo era só uma troca de nome, a prole não deixava de ser uma família também, apesar de os comunistas serem os precursores do actual processo de robotização em curso, que defende o adestramento das bestas desde muito cedo nos centros de robotização comunitários: berçários, infantários, creches, etc..

Os robotistas são herdeiros culturais do marxismo, isto é, adoptam todas as medidas práticas do marxismo, e vão acabar de vez com todas as famílias e proles, principalmente agora sob as batutas dos Sócrates, Lulas, Zapateros e outros, acérrimos inimigos dos núcleos de bestas baseados nos casamentos heterossexuais, procriadores e protectores das suas crias. E porquê? Porque os tios reconhecem vantagens na adopção dos slogans marxistas para as bestas. Elas ficam mais vulneráveis e podem ser exploradas até ao tutano. O marxismo, com os seus ideais igualitários, «todos pobres, todos iguais», serve lindamente os propósitos tiológicos de massificação das bestas, a sociedade democrática e capitalista caminha a passos largos para a utopia comunista, quem diria?

Por seu lado, a família/prole é uma grande ameaça para o robotismo, não só a família no sentido restrito, mas a família alargada, tal como os membros de uma aldeia, de uma vila, cidade ou região que goze de autonomia capaz de se opor ao desejo incontrolável de controlo das bestas por parte dos governos tiocráticos que, a pretexto da poupança de tintura, tudo fazem para destruir a coesão das bestas.

Uma das formas de lançar as bestas umas contra as outras é pô­ las a discutir as chamadas “questões fracturantes”. Temas como o aborto, a eutanásia, as minorias, etc. são empolados de tal modo que 55

acabam por justificar leis que põem todos contra todos: fumadores contra não fumadores, heterossexuais contra homossexuais, magros contra gordos, professores contra pais, professores titulares contra os outros, juízes contra réus, advogados contra constituintes, grávidas contra fetos, pais contra filhos, ateus contra religiosos, cristãos contra muçulmanos, vivos contra mortos, etc.. O futebol, perante estas “questões fracturantes” com que se defrontam as bestas, mais parece um tema de coesão social, que aproxima as bestas ­ não tarda que os tios disso se apercebam e comecem a atacar o futebol. De facto, pessoas de clubes diferentes até se casam umas com as outras, coisa impensável se professassem opinião diferente em relação às “questões fracturantes”. Um fumador casar­se com um não fumador? Credo, abrenúncio! Heterossexual com homossexual? Cáspite! Por aí fora...

A estratégia dos tios robotistas nem sequer é original, continua a basear­se na célebre máxima maquiavélica de “dividir para governar”.

Na política social, que visa a destruição da família, já variadíssimas medidas foram tomadas nos campos da saúde, do emprego, da mobilidade dos empregados, da política tributária e social. Fecham­se hospitais, centros e maternidades, o abono de família foi praticamente abolido, as comissões de menores retiram os filhos aos pais sem quaisquer averiguações, facilita­se o aborto e o divórcio, dificulta­se a formação de novas famílias principalmente devido ao desemprego e à precariedade do emprego dos jovens, favorece­se a disseminação do alcoolismo, da droga e da prostituição. A família sofre o maior ataque de todos os tempos, nem na URSS de má memória a família foi tão perseguida.

As crianças, que teimam em nascer, são entregues às creches com um mês de idade, as bestinhas têm que começar a ser treinadas bem cedo nas passadeiras rolantes onde lhes mudam as fraldas, e quem não recebe amor de pequeno não tem depois para dar. Deste modo o movimento robotista cresce exponencialmente, dando os frutos que todos conhecemos das sociedades evoluídas, e da nossa também: guerras, terrorismo, massacres, violações, e outras barbaridades que se 56

lê nos merdia, perpetradas por bestas totalmente desumanizadas. Toda a sociedade se desumaniza, as bestas viram robôs maus, iguais àqueles dos bonecos animados que hoje se apresentam às bestinhas para ver na televisão.

O comunismo afirmava querer arrancar a educação das bestinhas da influência da classe dominante. Para conseguir esse (des)iderato seria, na opinião dos mentores do comunismo, necessário destruir a família burguesa, retirar as bestas da educação doméstica, substituindo esta pela educação social. Ora, este (des)propósito já foi atingido sem necessidade do comunismo, antes pela via do mais selvático sistema capitalista de sempre, que obriga as bestas, desde a mais tenra idade, a ir para os infantários e creches (os pais são escravos do capital e/ou do consumismo) onde, com a ajuda inestimável da televisão, se robotizam as bestas para se tornarem ainda mais consumistas que os seus progenitores.

Retirar as bestas da influência da classe dominante é um contra­ senso, se as bestas fossem retiradas àquela influência a classe dominante deixaria de o ser. Acabar com a classe dominante? Isso é uma utopia, há sempre uma classe dominante e hoje os dominantes (os grandes tios) são os interesses da Tintura Internacional que compra os governos locais e controla os merdia a nível plurinacional e transcontinental.

O Grande Educador do Povo (GEP) é a televisão, secundada pelos merdiinha, os jornais e a publicidade em tudo quanto é sítio. Os pais, preocupados exclusivamente com ganhar e consumir e dar o que consumir às suas bestinhas robotizadas (roupas de marca, telemóveis topo de gama, pdas, motas, mochilas de marca, manuais escolares, etc.), deixam os filhos entregues à educação do GEP e, quando vão trabalhar, querem­nos bem ocupados para não terem tempo para pensar por si.

Querem que eles se mantenham na escola durante todo o dia e sempre ocupados para que um dia se tornem ainda mais bestas do que eles, pais.

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Os «doces laços familiares» são cada vez mais anacrónicos. O GEP, os merdia todos, os poderes, a publicidade, todos andam muito empenhados na repugnante campanha que visa mostrar às bestas que a família é uma treta. Se os pais até matam os filhos, mais vale acabar de vez com a família... É, de facto, engraçado que aquelas pretensões do comunismo que faziam tremer a burguesia no tempo dos nossos pais e avós (o extermínio das pátrias, da família e da religião, a libertação da mulher, internacionalização operária, etc.), sejam agora alcandoradas à posição de «princípios» que norteiam as instituições internacionais a que estamos amarrados à força, depois de nos terem acenado com promessas de melhoria do nível de vida, isto é, quando pensámos que íamos ganhar ao nível europeu no caso da integração europeia, ou ao nível dos americanos ricos no caso da globalização. É o que se pode chamar de “saber levar as bestas para o curral”.

Se as bestas se deixaram enganar quando pretenderam opor­se, pela via do comunismo, ao poder dos tios, estes aproveitaram­se dos mesmos chavões do comunismo (devidamente adaptados) para perpetuarem um modelo de sociedade onde o crescimento económico dos tios pode continuar a crescer à custa das bestas enganadas. Sim, enganadas com o cheiro da tintura, porque em princípio qualquer besta pode tornar­se tio e isso é tudo o que as bestas querem: poder um dia sair do curral. Isto só é possível porque vivemos em liberdade, em democracia, isto é, o curral já não está cercado como no comunismo mas continua a ser curral e agora os tios é que constroem cercas para se defenderem daquelas bestas desesperadas que tentam tudo, até viram bestas assassinas se for preciso, para chegar ao cheiro da tintura.

Não digo que seja impossível sair do curral de forma honesta, algumas poucas bestas até conseguem esse desiderato (as duas últimas palavras são supérfluas, apenas servem para pensarem que sou culto). A observação que acabo de pôr entre parêntesis também se aplica a muitos tios e tias que aparecem nos merdia a falar bem mas só para nos enganar.

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Quando alguma besta consegue sair do curral, ela serve de incentivo a todas as restantes bestas, e todas ficam satisfeitas por viverem num sistema que lhes permite sonhar com fartura de tintura: o sistema liberal em democracia (pseudo). Se o liberalismo e a democracia encantam as bestas por terem abolido aparentemente as cercas do curral, na verdade as cercas não foram abolidas, os seus pedaços foram aproveitados e espalhados por todo o curral, é nesses pedaços de cerca que os tios colocam os seus cartazes publicitários que continuam a manter as bestas encurraladas sem que elas disso se apercebam.

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Da libertação do Homem na sociedade tiocrática.

As bestas femininas estão cada vez mais livres nesta sociedade.

Não há mulher alguma que não se tenha apropriado de todos os valores que norteavam os homens. Os homens tinham a “liberdade” para fazer todo o tipo de trabalho, podiam escolher uma profissão e dedicar­se a ela para singrar na vida. Besta que não tenha uma profissão definida é besta a dobrar, tem que alombar com os trabalhos mais pesados como ser mineiro, homem do lixo, varredor de ruas, coveiro, trolha, etc..

Alguns, os mais espertos, conseguem, mesmo sem quaisquer competências, safar­se. O segredo é saber falar bem para enganar as bestas e não ter princípios. É o caso dos prostitutos, astrólogos, comentadores dos merdia, políticos, etc., profissões que já podem ser exercidas indistintamente por homens e mulheres, e às claras. A estas, as mulheres, só era permitida a primeira destas profissões que normalmente exerciam sob a condenação (e exploração) hipócrita dos homens que a promoviam e promovem.

Mas as mulheres de hoje já podem ter qualquer uma das profissões maioritariamente exercidas pelos homens no passado. E julgam que os tios se opõem a isso? Pelo contrário, à medida que mais mulheres quiserem trabalhar aumenta a “mandobra” e, pela lei do mercado, ela torna­se mais barata. Esquece­se que as mulheres sempre trabalharam, só as dondocas é que não. Eram governantas, empregadas domésticas, lavadeiras, peixeiras, camponesas, putas..., e donas de casa e mães dedicadas, porque o único trabalho que os homens nunca conseguiram aprender foi o de parto, embora pretendam, mesmo assim, vir a ser mães.

No fundo, as pretensões das bestas, homens e mulheres, são um absurdo. Querem ter a liberdade de poder fazer qualquer trabalho, como se alguém que trabalha pudesse alguma vez ser livre. Ter que trabalhar é tornar­se escravo de alguém, principalmente se for em regime liberal, a recibo verde. Quando forem aos “Shoppings” do tio Belmiro ou a qualquer supermercado dos Carrefours, Marchés, etc., reparem na 61

quantidade de escravos e escravas que por lá pululam, que trabalham anos a fio a recibo verde mas convencidos que são livres.

Por outro lado, alguma coisa melhorou para as mulheres, até se exige que o parlamento tenha pelo menos um terço de mulheres o que abriu as portas da política a peixeiras como a Maria de Lurdes Rodrigues, ou a governantas como a Manuela Ferreira Leite. De resto, a grande maioria de homens e mulheres apenas repartem o mesmo salário e retribuem o dobro do trabalho aos tios que esfregam as mãos de contente e agradecem ao comunismo a libertação das bestas para trabalhar. ...

Na História recente das bestas, tem havido certas invenções que prometem libertá­las dos trabalhos pesados. Uma dessas invenções foi de uma marmita, inventada por Dinis Papin em 1690. 15 anos depois da invenção da marmita de Papin, que se destinava a matar a fome a muitas pessoas, o Sr. Newcomen transformou a marmita numa máquina a vapor e esta, em vez de tirar a fome às bestas, antes lhas aumentou.

Os tios, que são especialistas em virar o bico ao prego, começaram a usar a máquina a vapor como pretexto para despedir as pessoas das suas fábricas e das suas explorações agrícolas, e o desemprego aumentou de tal forma na Europa que perto de 40 milhões de europeus tiveram que emigrar para fora da Europa, principalmente para os Estados Unidos da América. Ou seja, os E.U.A. foram colonizados por bestas esfomeadas e assassinas que nada tinham a perder, antes pelo contrário. Já imaginaram com que espírito terão essas bestas pisado o chão desse Novo Mundo? Sem lei nem roque, as bestas julgaram estar no paraíso, um imenso território virgem onde apenas alguns índios selvagens lhes faziam concorrência. As bestas esfaimadas rapidamente tomaram conta desse território imenso e, passada a fase em que se comiam uns aos outros por um pedaço de terra, acabaram por se civilizar, sendo hoje um país que dá exemplo de civismo e democracia aos restantes. Quem diria? E a fome passou? Sim, os escravos que os tios trouxeram de África foram suficientemente trabalhadores para os fazer prosperar, já 62

que os índios eram preguiçosos e tiveram que ser dizimados porque não prestavam para nada. Uma cambada.

Exceptuando­se alguns negros preguiçosos do Sul, os americanos vivem hoje sem fome. A fome alastra sim mas nas restantes partes do mundo, onde eles vão buscar tudo de que precisam. Mesmo de Portugal, os tios americanos sabem sacar imensa tintura. Vendem­ nos, por exemplo o “direito” a beber uma água suja a que chamam coca­cola, vendem­nos dinheiro a juros altíssimos pela citibank, vendem­nos a bandeira deles nas T­shirts, vendem­nos marcas e mais marcas, marcas de “jeans” que nós fazemos, enfim, não vendem nada mas nós pagamos porque somos bestas e as bestas gostam é de marcas.

Não se importam de passar fome para vestir umas calças da marca Lee ou Levis. E como sobrevivem com fome? Riem­se, o riso é a melhor arma contra a fome. A fome provoca mau estar e dá dor de barriga. O riso em excesso também provoca dor de barriga. Mas ao menos temos dor de barriga por rir e ficamos bem dispostos, e a dor de barriga da fome é substituída pela do riso, bem melhor. Quando as coisas por cá vão mal, inventamos muitas anedotas para podermos rir, estamos no fundo a combater a fome. Até acho que devia haver um movimento internacional chamado RISO CONTRA A FOME. ...

Um dos proclamados objectivos do comunismo era a supressão da «exploração do homem pelo homem». Mas como ? – perguntarão as bestas, com razão. Se não for o homem a explorar o homem, quem tem legitimidade para o fazer? Os Robôs! O homem prefere, de longe, ser explorado por uma máquina do que ser explorado por um seu semelhante. Ser explorado pelo seu semelhante é algo de humilhante, até a besta mais submissa se sente mal quando é escravizada por outra, a não ser que essa outra esteja investida de poderes tiocráticos. Mas os tios, os grandes tios, procuram aparecer cada vez menos nos merdia, exactamente para não serem confundidos com uma besta qualquer. Tio que apareça nos merdia, não é tio a sério, apenas faz por vir a ser. São os casos da Carolina Salgado, do Mourinho, do Scolari, Carlos Cruz, 63

Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues, Durão Barroso, Mário Soares..., não, o Mário Soares já é um grande tio, até já anda metido no negócio de energia, um dos grandes negócios do mundo reservado aos tios.

Quando eu, através de muita carolice, introduzi a energia eólica em Portugal, julgava que seria usada por pequenos produtores, nomeadamente as autarquias locais que poderiam assim fortalecer­se e fazer frente ao poder tiocrático lisboeta. Hoje, a energia eólica está nas mãos de grandes tios e não beneficia o poder local em nada.

O tio Bush fez agora um apelo para um fundo de promoção das energias renováveis nos países em desenvolvimento. No seu próprio país ele defende que se deve continuar a emitir gases, os ditos de efeito estufa e possivelmente muitos outros que não se pode proibir de todo.

Mas quem não pode libertar gases são as bestas que nem feijão têm para produzir os gases, e estão presas em terras que parecem condenadas a servir­lhes de prisão porque o homem não consegue criar nelas condições que permitam o homem viver com dignidade, como é o caso das regiões subsarianas donde as bestas fogem em embarcações primitivas e tentam alcançar a Terra Prometida como animais de novas arcas de Noé. E nem se avista no horizonte uma pomba branca com um ramo de oliveira no bico que anuncie a proximidade de terra fértil.

Aparecem­lhes, isso sim, fragatas, torpedeiros, cruzadores, militares armados até aos dentes a dar­lhes as boas vindas e a considerá­los refugiados económicos, coisa feia porque a fome é sempre desprezível neste nosso mundo civilizado, tão desprezível como a pobreza que fazemos tudo por esconder dos olhos dos vizinhos.

Os imigrantes capturados em alto mar são mantidos em prisões por terem cometido o crime de passar fome nas terras de onde vêm, mas criminoso é o homem que não ensina o homem a sair da miséria, sonegando o CONHECIMENTO a outro homem. Se o homem quisesse, conseguiria ajudar o outro homem, mas o homem não pode porque o homem é escravo do consumo, o homem quer deixar de ser homem e passar a ser robô também. No futuro, uma nova ideologia virá para abolir a exploração do robô pelo robô, por enquanto as bestas 64

continuam a ser exploradas pelos robôs dos grandes tios que não dão a cara. ...

Segundo os ideólogos do comunismo, o poder político é simplesmente o poder organizado de uma classe para oprimir outra. Isso é bem verdade, se considerarmos que tios e bestas constituem duas classes, a 1.ª Classe e a 2.ª Classe. Antigamente viajava­se em 1.ª, 2.ª e 3.ª Classes, podendo ainda viajar­se no porão dos navios, destinado aos clandestinos. Hoje em dia só se pode viajar ou em 1.ª ou em 2.ª (?), o que prova que só há de facto duas classes, tios e bestas. Dir­me­ão que há transportes onde só há uma classe... Efectivamente, essa classe única que se pratica nos transportes públicos é sempre a 2.ª Classe (ou será porão?) porque se destina às bestas. Os tios todos têm transportes particulares e têm motoristas, ouvi mesmo dizer que alguns tiozinhos como a Maria de Lurdes Rodrigues se dão ao luxo de ter 4 motoristas (do Estado) ao seu serviço. Pois que os tenham porque esses tiozinhos que hoje constituem o poder político deixaram há bem pouco tempo de ser bestas, e não há besta alguma que, ao ser bafejada pela sorte, não cometa excessos de novo­rico para fazer inveja às bestas. Nem se dão conta do ridículo em que caem quando mandam as bestas apertar os arreios (por ordem dos grandes tios da Tintura) mas passeando­se em máquinas caríssimas que o Estado paga, isto é, as bestas pagam. Mas não contentes com o Audi super­luxuoso e motorista, ainda exigem vários batedores da Polícia em motos igualmente caras e pagas pelas bestas. Realmente não passamos de umas bestas porque na Suécia ou Noruega os cidadãos não tolerariam esta ostentação toda dos tiozinhos(as), ouvi dizer até que é comum por lá os ministros se deslocarem como qualquer outro cidadão em transporte público, porque se calhar os transportes deles só têm primeira classe.

Mas não só nos transportes se pratica a política da classe única para as bestas. Também os estabelecimentos comerciais estão adaptados à mesma política mas as bestas não se dão conta disso. No outro dia tive que ir ao “Shoping” do tio Belmiro em Leiria e uma vez mais reparei na 65

forma como se trata lá as bestas. Aquilo não passa de um autêntico curral, inconcebível em países que se pretendem civilizados. Aliás, nem na antiga Alemanha Ocidental, onde as bestas consumistas tinham já certa consciência, se poderia admitir semelhantes currais como as grandes superfícies que por cá pululam. Isso é típico de país subdesenvolvido. Logo a seguir à queda do muro de Berlim em Outubro de 1989, os “wessis” trataram de fazer o mesmo tipo de barracões, num qualquer descampado, para encaminhar as bestas “ossis” para o consumo desenfreado. E os “ossis” eram considerados pelos “wessis” como sendo gado de inferior qualidade por causa da sua ingenuidade em se deixarem tratar como autênticos carneiros. Por cá, a carneirada vai durar, ninguém se dá conta de estar a ser tratado como gado, nem nos transportes nem nas grandes superfícies nem ainda nas enormes casas de pasto de beira de estrada como na Bairrada e outras localidades. E o que dizer então das casas de banho de todos os locais públicos? Aí é que tomamos bem consciência da nossa condição de bestas clandestinas. Qual 2.ª Classe!? É no porão que estamos! Ao fim e ao cabo somos todos clandestinos, menos os tios. ...

Impõe­se tomar medidas contra o comportamento das bestas consumistas que conduz, a médio ou curto prazo, o país à bancarrota, de forma muito parecida àquela que se vive em qualquer casino ou jogo de Monopólio. A médio ou curto prazo, quem joga acaba por falir. E o que somos afinal na nossa vida diária? Não passamos de jogadores de um Monopólio Gigante, iremos todos falir, uns mais depressa e outros mais devagar – mais devagar aqueles que todos os meses passam pela partida e recebem um reforço.

Aqui vão, pois, algumas regras ou sugestões para que o jogo acabe mais depressa: 1. Retirar o dinheiro de circulação.

Sem dinheiro, não há consumo. Esta medida já está a ser tomada de forma progressiva pelos governos robotistas e só não avança mais 66

porque algumas bestas praticam economia paralela, isto é, fazem batota.

2. Estender os impostos a tudo.

Nesta matéria já pouco há a fazer, mas a imaginação de tios como o Paulo Macedo e dos que o contrataram ainda não se esgotou (eu sou devedor, por exemplo, de impostos municipais por dois carros que já estão no ferro velho há muito tempo). Isto irá obrigar as pessoas a desfazerem­se de tudo que possa pagar imposto e o nudismo vai alastrar.

3. Abolição do direito à vida.

Também aqui se têm dado passos importantes – aborto, eutanásia, clonagem, destruição dos sistemas de saúde, etc..

4. Confiscação dos bens das bestas.

O chamado crédito mal estacionado, que não cessa de aumentar, vai fazer com que todos os bens, casas, carros, jóias, barcos, motas, bicicletas, etc. sejam leiloados pelo Estado e passem para as mãos dos tios, que são os únicos donos legítimos do jogo (banca).

5. Encerramento de todas as actividades económicas de pequena dimensão.

Sendo Portugal um país pequeno, esta medida significa, no fundo, o encerramento de Portugal, coisa que já está também a acontecer. Assim como a Alemanha vai acabar por ganhar a guerra com os aliados pela via económica, Portugal vai acabar por ser absorvido por Espanha. Quem ganha as guerras, acaba vencido.

6. Abolir a reforma e a segurança social das bestas e multiplicar as reformas dos tios que podem acumular várias pensões com outros tantos ordenados.

7. Apoiar todas as guerras em todo o mundo e mandar para lá as bestas.

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8. Aumentar o horário de trabalho das bestas empregadas e obrigar as outras a procurar trabalho em vão nos centros de emprego.

Ao menos as bestas ficam ocupadas a andar de um lado para o outro a receber ilusões em vez de trabalho.

9. Abolir a educação, o que não significa a abolição dos títulos de que as bestas e tios gostam muito.

O sucesso escolar será aumentado ainda mais quando os professores forem obrigados a passar todos alunos, quer porque os pais assim o determinam, quer porque o professor perderá regalias se chumbar os alunos, quer porque as licenciaturas passaram a ser de três anos, quer porque se podem fazer à moda do Sócrates, etc..

10. Libertação de assassinos das cadeias e distribuição gratuita de seringas e drogas nas cadeias.

Prole­otários e bestas de todo o mundo: sumi­vos!

E termino este capítulo com um poema alusivo de Ricardo Reis, Ouvi contar que outrora, ...

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OUVI CONTAR QUE OUTRORA,...

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia Tinha não sei qual guerra, Quando a invasão ardia na Cidade E as mulheres gritavam, Dois jogadores de xadrez jogavam O seu jogo contínuo. À sombra de ampla árvore fitavam O tabuleiro antigo, E, ao lado de cada um, esperando os seus Momentos mais folgados, Quando havia movido a pedra, e agora Esperava o adversário.

Um púcaro com vinho refrescava Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram As arcas e as paredes, Violadas, as mulheres eram postas Contra os muros caídos, Traspassadas de lanças, as crianças Eram sangue nas ruas...

Mas onde estavam, perto da cidade, E longe do seu ruído, 69

Os jogadores de xadrez jogavam O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento Lhes viessem os gritos, E, ao refletir, soubessem desde a alma Que por certo as mulheres E as tenras filhas violadas eram Nessa distância próxima, Inda que, no momento que o pensavam, Uma sombra ligeira Lhes passasse na fronte alheada e vaga, Breve seus olhos calmos Volviam sua atenta confiança Ao tabuleiro velho.

Quando o rei de marfim está em perigo, Que importa a carne e o osso Das irmãs e das mães e das crianças?

Quando a torre não cobre A retirada da rainha branca, O saque pouco importa.

E quando a mão confiada leva o xeque Ao rei do adversário, Pouco pesa na alma que lá longe Estejam morrendo filhos.

Mesmo que, de repente, sobre o muro Surja a sanhuda face Dum guerreiro invasor, e breve deva Em sangue ali cair O jogador solene de xadrez, O momento antes desse (É ainda dado ao cálculo dum lance Pra a efeito horas depois) É ainda entregue ao jogo predilecto Dos grandes indif'rentes.

Caiam cidades, sofram povos, cesse 70

A liberdade e a vida.

Os haveres tranquilos e avitos Ardem e que se arranquem, Mas quando a guerra os jogos interrompa, Esteja o rei sem xeque, E o de marfim peão mais avançado Pronto a comprar a torre.

Meus irmãos em amarmos Epicuro E o entendermos mais De acordo com nós­próprios que com ele, Aprendamos na história Dos calmos jogadores de xadrez Como passar a vida.

Tudo o que é sério pouco nos importe, O grave pouco pese, O natural impulso dos instintos Que ceda ao inútil gozo (Sob a sombra tranquila do arvoredo) De jogar um bom jogo.

O que levamos desta vida inútil Tanto vale se é A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida, Como se fosse apenas A memória de um jogo bem jogado E uma partida ganha A um jogador melhor.

A glória pesa como um fardo rico, A fama como a febre, O amor cansa, porque é a sério e busca, A ciência nunca encontra, E a vida passa e dói porque o conhece...

O jogo do xadrez Prende a alma toda, mas, perdido, pouco Pesa, pois não é nada.

Ah! sob as sombras que sem qu'rer nos amam, 71

Com um púcaro de vinho Ao lado, e atentos só à inútil faina Do jogo do xadrez Mesmo que o jogo seja apenas sonho E não haja parceiro, Imitemos os persas desta história, E, enquanto lá fora, Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida Chamam por nós, deixemos Que em vão nos chamem, cada um de nós Sob as sombras amigas Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez A sua indiferença.

Ricardo Reis

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Capítulo III – História do robotismo

a) O robotismo no Paleolítico Segundo os paleontólogos, a besta humana existe há 4 milhões de anos. Mas dizem eles que o primeiro tio só terá nascido muito tempo depois. A besta é, pois, mais antiga que os tios; estes devem ter resultado de uma alteração genética que se deu nalguma besta quando uma delas começou a fabricar os primeiros instrumentos há dois milhões de anos. A causa dessa alteração deve ter sido a cobiça porque mal uma besta vê outra besta com algo diferente quer logo imitá­la e, se não consegue a bem, vai a mal. Este comportamento pode ainda ser observado em crianças pequenas a brincar: se uma delas mais atrevida inventa um brinquedo, vem logo outra a querer tirar­lho.

Há 500 mil anos, alguma besta inventou também o primeiro brinquedo perigoso, o fogo. Imediatamente apareceu um tio que lho roubou, e até hoje o negócio do fogo permaneceu nas mãos dos tios. É aquilo a que eles chamam de energias, sendo actualmente as mais populares a do petróleo, gás natural, carvão, nuclear, eólica, solar, etc..

Uma existência tão antiga da besta humana, em que quase toda ela foi desumana, leva­me a concluir que ela possui à nascença muito poucas capacidades intelectuais, devendo pelo contrário ter um instinto 73

de sobrevivência muito apurado que fez com que pudesse ter superado as desvantagens que tem em relação a outras bestas bem mais dotadas fisicamente e que com ela terão competido no Paleolítico. Ao fim e ao cabo a quase totalidade da existência do Homem deu­se no Paleolítico.

Se o tempo total de existência fosse comparado a um ano, o Homem esteve onze meses no Paleolítico e só saiu desse estado larvar há um mês (12 mil anos) com a descoberta da agricultura e da criação de animais que conduziram ao “fast food” moderno dos tios da McDonalds e da Kentucky Fried Chicken.

O culpado de tudo isto foi o aquecimento global que teve início 10 mil anos antes de Cristo e fez recuar os glaciares, quando alguma besta deitou fogo ao gelo. Não se percebe, por isso, que haja tios a falar mal do aquecimento global, creio que querem fazer as bestas regressar ao Paleolítico. Realmente, e segundo vários estudos altamente científicos, a alimentação do Paleolítico era muito mais saudável, havendo já um movimento mundial a favor do regresso ao Paleolítico.

Abaixo o aquecimento global! Viva o Paleolítico!

b) O Neolítico. Aparecimento da escravatura Após a descoberta da agricultura e da pecuária, as bestas, que no Paleolítico constituíam tribos nómadas comandadas por algum tio, passaram a ser comunidades ligadas a alguma região com condições para a sua fixação. Há vestígios ainda desses tempos e é natural que esta mudança não tenha sido pacífica, porque a guerra pela posse de territórios iniciada nessa altura continuou a alastrar e não tem ainda um fim à vista. Daí que logo que foram descobertos os metais, eles tenham sido usados para aperfeiçoar as armas de madeira e pedra que as bestas do Paleolítico usavam. Primeiro o cobre, depois o bronze, o ferro, há quem fale nas idades dos metais mas continuamos na idade do ferro a que se juntou o aço, o titânio, o plástico e o betão.

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Além dos metais, a besta neolítica descobriu também a roda, a cerâmica e a educação, coisas que até hoje continuam a ser usadas pelos tios para escravizar as bestas. Mas as bestas não saíram todas do Paleolítico ao mesmo tempo e ainda há bestas paleolíticas no mundo – quase todas. Sempre que um grupo de bestas se junta e forma uma sociedade sedentária, lá aparecem bestas nómadas comandadas por algum tio a roubar e a pilhar o que eles constroem ao longo de séculos de trabalho e a converter os antigos donos das terras em escravos.

Outro factor que deu origem ao incremento da escravatura, para além do choque tecnológico, foi o progressivo aquecimento global que vai desertificando certas regiões e obriga os ocupantes dessas regiões a migrar para zonas mais férteis. Todo o deserto de Sara e o Brasil já terão sido terras férteis, segundo afirmam alguns historiadores. Mas essas populações empobrecidas e esfomeadas não invadem de forma bárbara as zonas “civilizadas”, vêm como pedintes e deixam­se escravizar voluntariamente, desde que se lhes dê um naco de comida.

Se julgam que isso é coisa do Neolítico apenas, estão muito enganados.

Se forem ao Centro de Emprego da vossa área de residência à procura de trabalho, vão ver que conseguem com facilidade um trabalho que vos ocupa algumas 60 horas semanais a troco de 400 euros por mês, sujeito a dedução de 11% para a (in)segurança social. Depois de adquirir o passe para o transporte, ficam com 200 e tal euros que deve ser suficiente para comer uma carcaça, um copo de leite e, vá lá, uma maçã por dia, mas vão ter que morar na rua porque se tiverem que pagar para morar só se tiverem dois empregos é que se safam, isto é, cerca de 20 horas de trabalho por dia. Não se queixem porque ainda ficam com quatro horas para andar nos transportes. c) Sumérios. Nasce o tio moderno Como já vimos anteriormente, o Neolítico não entrou de repente para todas as bestas. As populações que se sedentarizavam com base na agricultura e pecuária tinham que se haver com os trogloditas dos paleolíticos nómadas errantes que lhes conquistavam as terras e os 75

escravizavam, para além de terem que aguentar com as guerras entre as suas próprias cidades. Os invasores acabavam quase sempre por assentar arraiais e assimilavam muito da cultura dos escravos conquistados. Isso acontecia, por exemplo, na região entre o Tigre e o Eufrates, onde dizem que terão nascido os tios modernos. Qual foi o acontecimento que fez nascer o tio moderno? Aliás, o que é que caracteriza mais o tio moderno? O tio moderno é mais civilizado, porque o tio moderno é mais culto, sabe ler e escrever e deve isso aos sumérios, os primeiros trogloditas a construir cidades e a inventar a escrita, que hoje os tios tão bem sabem usar para enganar as bestas através dos seus merdia.

Os sumérios neolíticos, segundo o tio H. G. Wells (que também se baseou noutros), começaram por habitar a parte inferior desses grandes rios, onde aldeias (quiçá palafitas também) deram origem a grandes cidades­estado que guerreavam entre si. Parece que isso durou muitos anos, o dobro do tempo que já passou desde o nascimento de Cristo até hoje. E foi nessa altura que começaram a construir a Torre de Babel que nos legaram e que hoje, cada vez mais, se replicam em todo o lado, principalmente nos merdia, cuja linguagem se torna mais e mais difícil de entender mas que consegue, mesmo assim, passar a mensagem dos tios às bestas. Alguém entende por exemplo o que se diz nos reclames publicitários? No entanto eles cumprem a sua função porque se não cumprissem os tios deixavam de os usar.

2750 anos antes de Cristo nascer, um grande tio semita chamado Sargão conquistou a Suméria, que entretanto se constituíra em império e se tinha alargado por várias regiões e já praticava comércio com outros povos. Foi na antiga Suméria (actual Irão) que nasceram os primeiros Aya Tolas, desde o primeiro império a Suméria tem sido governada pelo clero. Sargão e os outros tios semitas (acádios) assentaram arraiais e assimilaram a cultura dos sumérios que eram mais avançados. Aprenderam a sua escrita e foi isso que deu origem ao aparecimento dos tios modernos.

O império fundado pelo tio Sargão não durou muito tempo. Está 76

visto que os regimes tiocráticos duram sempre pouco tempo, de cada vez. Os tios acabam sempre por entrar em decadência e são substituídos por novos tios. O império dos acádios foi esmagado pelos elamitas (tios desconhecidos) e pelos amoritas, sendo estes pertencentes ao mesmo clã de tios semitas de que descendem os hebreus. Estes últimos acabaram por conquistar toda a Suméria sob as ordens de Hamurábi que fundou o Império da Babilónia e criou as leis para as bestas. E tanto o Império da Babilónia como as leis de Hamurábi continuam a resistir ao tempo, e a servir os interesses dos tios.

Viva o Código de Hamurábi! Viva o Império da Babilónia!

d) Os assírios, os patos bravos e a guerra Também na Mesopotâmia, mas mais próximo da nascente do rio Tigre, estabeleceram­se os assírios, numa zona que tinha pedra, ao contrário da Suméria e Babilónia onde as casas eram feitas com tijolos de barro e palha. A indústria de construção civil tinha nascido nesta região do mundo. Ninive era a cidade principal dos assírios, toda em pedra.

Os assírios viviam pacificamente em permanentes guerras com os hititas, quando Sargão I, de quem já vos falei, os submeteu e acabou com a “paz” em que viviam com os hititas. Mas sendo um povo de bestas duras, habituadas a trabalhar a pedra, reconquistaram a sua liberdade, e esta vitória mostrou aos seus tios que poderiam, daí para frente, dedicar­se à guerra (o mesmo se passou com os americanos depois da vitória na II Grande Guerra), negócio muito mais rentável do que a construção civil. Adaptaram o cavalo ao carro de guerra (nascera o tanque de guerra), aliaram­se com os egípcios contra a Babilónia e ajustaram contas com os vizinhos atrevidos, os hititas. Cerca de 1100 anos a.C. o tio Tiglate Pileser I (antepassado do Bill Gates?) conquistou a Babilónia, conservando a capital em Ninive, a cidade dos patos bravos 77

da pedra.

Nesta região, e durante vários séculos, ora reinavam os patos bravos assírios, ora os patos bravos babilónicos. Mas os assírios não se ficaram pela Mesopotâmia, cobiçavam também o Egipto, seus antigos aliados e grande civilização fluvial que nascera a ocidente, nas margens do rio Nilo, sendo seus grandes rivais nos negócios da construção civil e da guerra. Mas os aramaicos, bestas semitas da região a Sul da Assíria com a capital em Damasco, impediam a expansão dos assírios em direcção ao Egipto.

O tio Tiglate Pileser III, em 745 a.C., mandou expulsar os israelitas para a Me(r)dia, ordem que não foi logo cumprida. Tratava­se, nem mais nem menos, das «Dez Tribos Perdidas» de que fala a Bíblia e que ainda hoje são procuradas pelos investigadores de todo o mundo.

Este novo Tiglate era danado para a guerra, tendo conquistado a Babilónia e dado início ao Segundo Império Assírio dos patos bravos da pedra. O filho deste Tiglate morreu na guerra e o poder passou para um novo tio usurpador, que tomou o nome de Sargão II. Terrível, este tio.

Foi ele que cumpriu a ordem de expulsão das tribos israelitas dada por Tiglate III, e, pela primeira vez na Assíria, equipou as bestas com armas de ferro, iniciando deste modo o negócio de armas que tem feito as delícias dos tios desde então.

Mas com o Egipto, parece que os assírios tiveram pouca sorte. O filho do tio Sargão II, Senaqueribe, ainda levou o seu poderoso exército até às fronteiras do Egipto. Mas «o anjo do Senhor veio e feriu, no campo dos assírios, cento e oitenta e cinco mil soldados; quando se levantaram, cedo, pela manhã, e olharam, todos aqueles soldados eram corpos mortos», e o tio Senaqueribe voltou para casa. Um pouco semelhante ao que tem acontecido várias vezes na história da besta humana – os americanos é que não sabem nada de História, e é por isso que não conseguem entrar no Iraque, permitindo aos seus patos bravos reconstruir aquilo que mandaram as bestas destruir. Mas os assírios não desistiram e ainda conseguiram entrar no Egipto, mas por pouco tempo, sob o comando de Assurbanipal, neto de Senaqueribe.

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Vivam os patos bravos! Viva a guerra!

d) A chegada dos tios do Norte à Mesopotâmia O império de Sargão II durou pouco tempo. No ano de 606 a.C. a Babilónia foi invadida pelos caldeus (semitas também), aliados a tribos arianas do Norte, os medos e os persas. Os arianos, que anteriormente habitavam as planícies e florestas do Norte, viriam a transformar­se quase todos em tios, porque um persa, Ciro, acabou por conquistar a Babilónia aos caldeus e deu início ao poder dos tios persas.

O Império Persa dura até à chegada do tio grego Alexandre o Grande, em 330 a.C..

Portanto, a região da Mesopotâmia, desde o estabelecimento das primeiras povoações neolíticas, há mais de 10.000 anos, até à invasão de Alexandre o Grande, foi palco de muitas guerras tiocráticas, intercaladas por períodos de paz que os tios sempre acham que é podre, mas em que houve progressos culturais significativos. Quando Alexandre chegou à Pérsia, encontrou uma civilização muito avançada, que utilizava o arado na agricultura, fazia colheitas e as armazenava, com patos bravos e novos­ricos, escravos, carros puxados a cavalo e ferreiros, comércio pelo mar e pelo deserto, tecidos de luxo, e conhecimentos vários acumulados através da utilização da escrita, conhecimentos esses que relativamente depressa se tinham já disseminado um pouco por toda a parte – o próprio tio Alexandre já fora instruído pelo famoso tio Aristóteles que não era um ignorante qualquer.

A história da Mesopotâmia, até à chegada de Alexandre o Grande, ele também descendente de arianos, tem uma duração muito superior à nossa história ocidental, que teve início alguns séculos antes de Cristo no Médio Oriente. Mas ela entronca, de certo modo, na civilização iniciada pelos sumérios na região dos dois grandes rios 79

Tigre e Eufrates. Tanto assim que o Antigo Testamento situa ali a origem da “nossa humanidade”.

Sumérios, assírios, hititas, vários povos semitas, todos desaparecidos ou diluídos entre outros povos, e cedendo lugar aos trogloditas do Norte, cujos valores prevaleceram entre nós e são mantidos pela propaganda tiocrática.

Os tios herdaram uma história de milénios de guerras, e nada faz crer que venham a modificar­se. Se nesses milhares de anos sempre andaram preocupados com a guerra, a destruição e a reconstrução, porque razão plausível irão mudar de rumo? Muitas bestas já tentaram fazer os tios alterar esses seus hábitos paleolíticos e neolíticos, mas deram­se mal. A mais representativa dessas bestas foi Jesus Cristo mandado crucificar pelos tios da sua própria religião, acusado de blasfémia e desrespeito pelas leis tiocráticas que proibiam o trabalho ao Sábado, nem que fosse só a fazer um pequeno milagre. Não há milagre algum que faça os tios mudar de rumo, o rumo da guerra, da destruição e reconstrução já foi traçado desde o alvorecer da civilização, a paz e a harmonia não são uma característica apreciada pelos tios civilizados que investem grande parte do produto do trabalho das bestas em armamento destinado ao negócio da guerra e da destruição em nome da Tintura.

Viva a guerra! Viva a destruição! E viva a Tintura!

e) Mundos paralelos Sensivelmente ao mesmo tempo que a civilização mesopotâmica, nasceram também outras. Destaca­se aqui o Egipto, a Índia, a China e Creta. Comecemos com o Egipto, e vejamos o que se passou por lá até à chegada do grande tio Alexandre em 332 a.C..

O Egipto era habitado por estranhos povos neolíticos que 80

comiam respeitosamente os seus mortos e depois os enterravam, ao contrário do que hoje se faz no mundo – come­se as pessoas vivas e só depois se enterram ou queimam. Nem todas, os tios não porque são eles os comedores de vivos e nunca se enterram nem se queimam, como é o caso dos tios Mário Soares e Al Gore. Esse costume dos primitivos neolíticos do Egipto também foi praticado em várias partes da Europa Ocidental e em África, onde só agora está a desaparecer com a chegada dos tios que comem as pessoas vivas.

A civilização no Egipto terá começado cerca de 5000 anos a.C., altura em que desapareceram os comedores de mortos para dar lugar aos verdadeiros egípcios, aqueles de cujos grandes tios se viria a contar a história e que embrulhavam os mortos em vez de os comer.

Os primeiros egípcios aprenderam a construir em tijolo e madeira e também a trabalhar a pedra. Também inventaram uma escrita própria e passaram rapidamente à idade do Bronze. Mas tinham costumes muito diferentes dos dos sumérios, mesmo a escrita não tinha nada a ver com a escrita em barro dos sumérios, destinando­se especialmente aos tios que gostam de hieroglifos e símbolos como os maçons. Cedo descobriram o papel feito com folhas de papiro para escrever a história dos seus tios ou para fazerem contas. Dizem que a Topografia terá nascido no Egipto pela necessidade que havia de registar os limites das terras que eram alagadas pelo rio Nilo, rio que possibilitou a fixação dos egípcios, como o Tigre e Eufrates possibilitaram a fixação dos sumérios.

Sucederam­se mais de 30 dinastias de tios no Egipto, umas egípcias e outras de tios estrangeiros, ao longo dos cerca de 4000 anos até à chegada do grande tio Alexandre. A quarta dinastia de tios foi das mais ricas, tão rica que, como ainda não havia futebol, comboios nem aviões, os tios puseram­se a construir grandes pirâmides e outros monumentos, dilapidando toda a riqueza produzida pelas bestas ao longo de séculos. Quéops, Quéfren e Miquerinos são os autores das três grandes pirâmides de Gizé que deixaram o Egipto na miséria, tal como hoje irá ficar Portugal (ainda mais) depois dos estádios, da Ota e do 81

TGV. Vivam as pirâmides do Egipto! Vivam os estádios! Viva a Ota e o TGV!

f) Tios, elefantes brancos e vacas sagradas O título desta alínea sintetiza a história da civilização indiana.

Curiosamente as grandes civilizações nasceram sempre perto de algum grande rio – sabe­se lá porquê! Há mais de 5000 anos nasceu no vale do rio Indo, a Oeste da Índia/Paquistão, uma civilização, a dos harappianos, contemporânea da dos dravidianos a Este, na bacia do rio Ganges. Mas estes povos indianos primitivos sucumbiram à investida de tios arianos vindos do Norte, cerca de 4000 a 3500 anos atrás. Mercê possivelmente da existência de vencedores e vencidos nas muitas guerras que por lá houve, na Índia os tios nunca se misturam com as bestas. Os Brâmanes (sacerdotes do Hinduismo) zelam pela separação rigorosa das castas, tendo criado uma moral que impede as bestas de ascenderem a tios. Uma moral muito sensata que acaba com esta mania das bestas de quererem chegar a tios, e remete as bestas para o lugar que lhes compete e que toda a gente sabe qual é.

Os indianos aprenderam também a escrever numa língua conhecida por sânscrito e que serviu para escrever os Vedas, quatro textos em que o mais antigo remonta a 1500 anos a.C.. Mas enquanto patos bravos também, os tios indianos dispunham de bestas que aprenderam a dominar o elefante preto, com o qual passaram a construir elefantes brancos, hoje muito admirados pelos turistas que visitam a Índia e a quem as bestas indianas pedem dinheiro em Inglês: «Monhé!

Give me monhé!»

Hoje, os tios de todo o mundo passaram a construir elefantes brancos para imitar os tios indianos e os outros grandes tios do passado, e competem entre si a ver quem constrói um elefante maior. O tio Bin 82

Laden tem ajudado a deitar abaixo alguns elefantes americanos já velhos para que, no lugar deles, se possa construir elefantes ainda maiores e mais modernos. Também o tio Bush anda a desbastar o Iraque, o Afeganistão e etc., destruindo os elefantes do passado, para se poder pôr, no lugar dos velhos, elefantes modernos e mais rentáveis.

O grande tio Alexandre da Grécia, em nome da expansão do helenismo (antecessor do cristianismo), tentou em vão conquistar a Índia; não conseguiu porém vencer os seus elefantes. Mesmo assim conquistou um império gigantesco maior que a Europa mas, coitado, não pôde gozá­lo porque morreu com cerca de 33 anos, tal como Cristo que conquistou um império ainda maior já depois de morto. O cristianismo venceu o helenismo mas os tios são estúpidos porque nunca perceberam que os impérios que mais duram são os do espírito e não os outros. Eles bem se esforçam, mas o problema é que já não se contentam com uma parcela apenas, querem o mundo inteiro ou nada.

Para terminar a história da origem dos tios indianos, resta só referir a adoração que eles impuseram às vacas, adoração que a sociedade moderna também acabaria por copiar, tendo­se generalizado o culto universal às vacas, as deusas da actualidade. De tal forma que a mulher (que já foi deusa no Neolítico), se quiser ter alguma importância, tem que assumir comportamentos semelhantes às novas divindades. Neste aspecto, as bestas ficam sempre a perder porque as tias recorrem às clínicas espanholas de estética que as transformam sempre em deusas, aumentando­lhes os seus dotes divinos com silicone e aspiração de gordura que não fica bem às deusas modernas. As bestas femininas engordam no Mc'Donalds como todas as bestas aliás, e parecem­se mais com as estatuetas de deusas gordas do Neolítico, principalmente quando andam de barriga à mostra e rabo apertado em calças jeans de tamanho familiar que, de tão curtas, as obrigam a rapar os pelos para disfarçar a sua... divindade!

Por outro lado, o culto das vacas também se generalizou às bestas abandonadas pela sociedade, conformadas com o advento do tempo das vacas magras e famintas, absorvidas pelo drama do 83

desemprego, da droga, da SIDA, da escravidão, etc., tudo coisas que já tenho dito repetidamente mas a que já não se liga a menor importância porque a Europa e a globalização andam apostadas na construção de um novo Império que faria morrer de inveja o grande tio Alexandre, que ao menos ficou perpetuado no nome de uma cidade, a Alexandria no Egipto. Sim, não creio que Lisboa venha a recusar ser a cidade de Ulisses para passar a ser a cidade de Sócrates, possivelmente a Socrátia... g) Vizinhos invejosos Vamos agora ver como nasceram os tios da China. Nasceram mais ou menos como todos os restantes tios, isto é, das suas mãezinhas, habitantes das margens de algum grande rio. Na China os tios fizeram uma descoberta preciosa para a sua conservação: adoptaram uma forma de escrever muito complicada, ainda mais complicada que a dos tios egípcios. Cedo descobriram que as bestas não precisavam conhecer certos segredos que, sendo apanágio de uma elite, permitem manter as bestas dominadas pelo respeito e pelo medo dos mandarins. E é por isso que pouco se sabe das guerras que por lá se fizeram nos primeiros milénios da passagem do Neolítico para a China moderna, passagem que nunca mais acaba e anda a causar dores de cabeça às bestas de todo o mundo.

Efectivamente, mão­de­obra barata sempre houve na China, e as más­línguas dizem que se deve ao excesso de população. Cidades onde pululavam “bestas para todo o serviço” sempre foi uma característica da China e, segundo terei lido por aí, essas bestas excedentárias chinesas resultaram da esperteza dos seus tios: como dispunham de territórios imensos, julgaram que os seus filhos podiam herdar as suas propriedades em partes iguais, não dando primazia a nenhum deles.

Mas esta política, após algumas gerações, fazia com que alguns tios­ herdeiros acabassem por ficar com propriedades pouco rentáveis que vendiam a algum vizinho, abalando depois já armados em bestas para alguma cidade onde pensavam poder contar com a ajuda de vizinhos 84

mais solidários do que os tios. Só que as bestas nunca podem contar com os tios nem com os vizinhos, estes são geralmente invejosos e, quando não são, é porque vivem pior que nós. Deste modo, algumas cidades ficaram cheias de... vizinhos, e eram estes vizinhos que os tios usavam para as suas guerras ou para construir as muralhas da China que os defendiam dos vizinhos do resto do mundo e que hoje podiam servir para defender o resto do mundo contra os chineses. Mas os tios actuais de todo o mundo andam muito unidos e pouco interessados em defender algumas bestas em detrimento de outras, ao fim e ao cabo qualquer besta serve para trabalhar, seja qual for a sua língua e escrita.

Se no passado os tios viam vantagens na organização das bestas por países e criaram nelas o sentimento de nacionalidade, patriotismo, etc., hoje a moda é ser­se besta do mundo. Realmente, se o mercado das bestas for liberalizado, isso é muito melhor para a economia, os tios podem usar a mão­de­obra barata da China e a concorrência tem sempre a vantagem de fazer baixar os preços. As bestas ocidentais estavam muito mal habituadas porque, quando os tios apostavam no nacionalismo e os países competiam entre si, as bestas mais produtivas eram as que tinham melhores salários e segurança social como a Alemanha, Suécia, Dinamarca, etc.. Felizmente os tios estão a acabar com os preconceitos nacionalistas anteriormente instituídos, poupando dinheiro nos salários e na Segurança Social das bestas, algo que os tios consideram INSUSTENTÁVEL e com razão. Se todas as bestas podem trabalhar como os chineses, porque hão­de ter privilégios?

Vizinhos de todo o mundo, uni­vos!

Acabem com a inveja! Para bem dos tios!

h) Cretenses e cretinos A civilização cretense, por se ter desenvolvido numa ilha, esteve durante milénios imune às guerras e deu azo ao aparecimento de tios 85

que passavam o tempo todo a dançar, a fazer teatro e outras mariquices do género. Mas também havia quem se dedicasse ao desporto, e um dos desportos favoritos dos cretenses eram as touradas. Aquilo que hoje se chama corno teve a sua origem em Creta, conta­se até que a mulher de um Minos lhe pôs os chavelhos com um touro e ele ficou, por isso, com dor de corno. Desse corno nasceu uma besta chamada Minotauro que foi colocada num labirinto sob o palácio de Cnossos e onde se sacrificavam donzelas gregas. Digamos que seria algo bem parecido com aquilo que hoje se faz na televisão naqueles programas onde donzelas e touros são colocados numa casa e se fica a espreitar com a câmara o que lhes acontece.

Foi em Creta, pois, que nasceu a televisão moderna. A televisão e os “cretinos” que a gerem. Bom seria que além dos labirintos e das touradas tivessem copiado outras coisas dos cretenses, nomeadamente a paz em que viveram no início da sua esplendorosa civilização, navegando pelo Mediterrâneo e espalhando a sua cultura pelos bárbaros que habitavam as margens, e que mais tarde haveriam de usar os conhecimentos aprendidos dos cretenses para os conquistar. Os conquistadores assimilaram apenas o pior daquela civilização, e é por isso que se chamam cretinos em vez de cretenses.

Os cretinos dominam hoje todos os campos da actividade humana, dos merdia à política e ao desporto, passando pela educação, pela ciência e pela arte. E são eles os mentores do robotismo que, tal como as doutrinas suas antecessoras, será a última ideologia do homem moderno.

i) A chegada do grande tio Alexandre à História A chegada do grande tio Alexandre à História é semelhante à chegada de outros tios cujos pais também foram grandes tios.

Encontram já tudo preparado para poderem dedicar­se à guerra, isto é, 86

têm à sua disposição uma massa de bestas esfomeadas que eles transformam, com a ajuda de uma qualquer ideologia, em bandidos e assassinos. Estas hordas de bestas armadas até aos dentes (conhecidas como as gloriosas forças armadas) partem, sob as ordens dos grandes tios, à conquista do mundo conhecido. Em nome de uma auto proclamada superioridade, violam, matam e pilham os seus semelhantes a torto e a direito, não discriminando sexo, idade, raça ou credo. E repetem as mesmas atrocidades que outros tios seus opositores já tinham ordenado no passado, contra outros impérios ou grandiosas civilizações. Alexandre apoderou­se do império persa, do Egipto, de todo o Médio Oriente e de quase tudo o que havia na época, provando assim aos tios vindouros que a globalização é um sonho realizável, embora dure pouco tempo porque passada a fase de grandeza imperial segue­se a desilusão das bestas globalizadas que preferem trabalhar para os tios regionais, antigos amigos do imperador, desde que estes lhes garantam uma ração diária.

A história do mundo depois do tio Alexandre tem sido a história de tentativas tiocráticas de globalização. Vieram depois os romanos, os árabes, os impérios coloniais e agora estamos na época das chamadas uniões. Portugal, depois de ter perdido o seu império colonial, deixou­ se integrar na União Europeia. A construção da União Europeia está a ser feita de uma forma que parece pacífica, porque a Europa ainda não juntou as suas bestas armadas para conquistar países como Angola, o Iraque, o Irão ou a Venezuela, mas nos bastidores da política sabe­se que a Europa disputa com os Estados Unidos a posse desses territórios.

A África também se está a constituir em União e na Ásia outras Uniões poderão já estar a ser tramadas, apesar da Índia ou da China serem, por si sós, enormes uniões. Mas há que pôr os grandes tios das uniões em sintonia para se poder caminhar finalmente para o Império Global, o sonho do grande tio Alexandre e dos grandes tios que lhe sucederam. De todos os grandes tios actuais, parece que o tio G. W. Bush, que herdou condições semelhantes a Alexandre o Grande (também o pai lhe preparou o terreno), é o melhor colocado para ser o 87

novo imperador do mundo.

Como é que surgem os grandes tios como os tios Alexandres, Césares, Napoleões, Hitlers e Estalines ou, em versões soft, os Willy Brandies, Kissingers, George W. Bushes ou Mários Soares que sonham também com os seus impérios, sejam eles uniões ou fundações?

Bem, no caso do tio Alexandre tudo indica que foi a mãe dele, Olímpias, uma mulher mal amada pelo marido impotente e bêbado que tinha, o tio Filipe da Macedónia, que criou um filho com distúrbios sexuais graves. Outros tios gregos estiveram também envolvidos na educação de Alexandre, nomeadamente o famoso tio Aristóteles.

Segundo consta, a educação dos tios na Grécia afectava­lhes o comportamento sexual normal, ao mesmo tempo que os preparava para a guerra, educação que ainda hoje os tios praticam, até mesmo nas escolas públicas. São as mulheres e homens sexualmente perturbados que querem possuir tudo para poderem ser possuídos. O tio Kissinger por exemplo afirmou que o dinheiro e o poder são afrodisíacos mais poderosos que o próprio Viagra. Donde se depreende que os grandes tios andam apenas à procura de remédio para os seus problemas sexuais, que se resumem à falta de amor verdadeiro.

De facto, não é difícil perceber que estes “impotentes” queiram provar que até são mais potentes que os outros e que recorram para isso à força das armas ou, nos casos soft, à eloquência e a uma forte... “convicção”. Os “imperadores” são todos fruto da falta de amor porque um homem ou uma mulher que vivam de forma saudável o amor, não precisam de provar nada a ninguém, nem possuir para serem possuídos.

A ideologia da possessão difundida pelo grande tio Alexandre ficou conhecida por helenismo porque se baseia nas histórias dos (des)amores de tios por uma tal de Helena de Tróia. O helenismo deu origem depois às organizações secretas actuais (autênticos cavalos de Tróia) e permanece uma ideologia viva mas felizmente têm­se levantado contra os seus difusores várias bestas como Jesus Cristo, Mahatma Ghandi ou Martin Luther King, para ensinar às bestas que é a 88

falta do amor saudável que perturba as mentes dos tios “imperadores”.

E que à violência deve responder­se com a não violência mas também com uma verdadeira “união” das bestas, porque nada é mais nefasto para os impérios do que o verdadeiro e saudável amor de besta, capaz porém de aplicar, se for caso para isso, um bom par de coices aos tios alexandrinos. ...

E aqui termino este meu manifesto, eu até nem gosto de manifestos nem de manifestações de qualquer ordem, apenas escrevi este e juro que nunca mais escrevo mais manifestos, porque este é o último mas nem este nem outro qualquer manifesto conseguirá que a besta deixe de ser a besta que tem sido desde sempre. “E besta por culpa própria”, como diria Álvaro de Campos.

Queridas bestas, deixo­vos agora a meditar sobre o mais belo poema que eu conheço, a Tabacaria de Álvaro de Campos. Creio que nele o Mestre diz quase tudo sobre nós, as bestas, e de uma forma sublime. Convida­nos a reconhecer a nossa condição de besta, e refere ainda que a metafísica, bem como os sonhos megalómanos são, ao fim e ao cabo, uma consequência de estarmos mal­dispostos conosco mesmos. Não há mais metafísica no mundo do que a confeitaria e os tios conhecem perfeitamente esta verdade, apenas querem os bolos e chocolates todos para eles, não se importando de deixar à míngua milhões de pessoas do mundo.

O mundo não precisa de metafísica, precisa, e muito, de amor – só isso!

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TABACARIA

Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.

Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, 91

E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando­se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.

Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.

A aprendizagem que me deram, Desci dela pela janela das traseiras da casa.

Fui até ao campo com grandes propósitos.

Mas lá encontrei só ervas e árvores, E quando havia gente era igual à outra.

Saio da janela, sento­me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?

Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!

E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Génio? Neste momento Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu, E a história não marcará, quem sabe?, nem um, Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.

Não, não creio em mim.

Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!

Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?

Não, nem em mim...

Em quantas mansardas e não­mansardas do mundo 92

Não estão nesta hora génios­para­si­mesmos sonhando?

Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas ­ Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas ­, E quem sabe se realizáveis, Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?

O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá­lo, ainda que tenha razão.

Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.

Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo, Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.

Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda, Ainda que não more nela; Serei sempre o que não nasceu para isso; Serei sempre só o que tinha qualidades; Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta, E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira, E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Crer em mim? Não, nem em nada.

Derrame­me a Natureza sobre a cabeça ardente O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo, E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

Escravos cardíacos das estrelas, Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama; Mas acordamos e ele é opaco, Levantamo­nos e ele é alheio, Saímos de casa e ele é a terra inteira, Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena; Come chocolates!

Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.

Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.

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Come, pequena suja, come!

Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!

Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho, Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei A caligrafia rápida destes versos, Pórtico partido para o Impossível.

Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas, Nobre ao menos no gesto largo com que atiro A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas, E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas, Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva, Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta, Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida, Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua, Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais, Ou não sei quê moderno ­ não concebo bem o quê ­ Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!

Meu coração é um balde despejado.

Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco A mim mesmo e não encontro nada.

Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.

Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam, Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam, Vejo os cães que também existem, E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo, E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

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Vivi, estudei, amei e até cri, E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.

Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira, E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses (Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso); Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente Fiz de mim o que não soube E o que podia fazer de mim não o fiz.

O dominó que vesti era errado.

Conheceram­me logo por quem não era e não desmenti, e perdi­me.

Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara.

Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido.

Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.

Deitei fora a máscara e dormi no vestiário Como um cão tolerado pela gerência Por ser inofensivo E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis, Quem me dera encontrar­me como coisa que eu fizesse, E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte, Calcando aos pés a consciência de estar existindo, Como um tapete em que um bêbado tropeça Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.

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Olho­o com o desconforto da cabeça mal voltada E com o desconforto da alma mal­entendendo.

Ele morrerá e eu morrerei.

Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.

A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.

Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta, E a língua em que foram escritos os versos.

Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.

Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, Sempre uma coisa defronte da outra, Sempre uma coisa tão inútil como a outra, Sempre o impossível tão estúpido como o real, Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície, Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)

E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.

Semiergo­me enérgico, convencido, humano, E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê­los E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.

Sigo o fumo como uma rota própria, E gozo, num momento sensitivo e competente, A libertação de todas as especulações E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito­me para trás na cadeira 96

E continuo fumando.

Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira Talvez fosse feliz.)

Visto isto, levanto­me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).

Ah, conheço­o; é o Esteves sem metafísica.

(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)

Como por um instinto divino o Esteves voltou­se e viu­me.

Acenou­me adeus, gritei­lhe Adeus ó Esteves!, e o universo Reconstruiu­se­me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu. Álvaro de Campos

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