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Almeida, Helena (2000). Formação e Qualificação do Corpo Docente. O Contributo do Instituto Superior Bissaya-Barreto. Seminário “O Ensino de Serviço Social”, Porto / UFP, 14 Junho.
FORMAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO CORPO DOCENTE O contributo do Instituto Superior Bissaya-Barreto
Helena Neves Almeida* No limiar dos anos 90, a formação em serviço social registou mudanças não redutíveis ao reconhecimento do grau de licenciatura; as mudanças estenderam-se aos conteúdos programáticos da formação, ao perfil das entidades formadoras, à qualificação dos seus docentes, à qualidade e visibilidade do curso. Uma vezes por influência de contextos socio-económico e políticos externos, que permitiram o surgimento de novas instituições de ensino, e outras decorrentes de formação que os seus docentes foram adquirindo, as mudanças introduzidas reflectem opções em termos de perfil formativo. Mantendo-se o facto de a formação em serviço social se produzir exclusivamente a nível de instituições de ensino privado constatam-se diferenças em termos de conteúdos formativos e de duração dos cursos (4 e 5 anos), equacionando desse modo a possibilidade de se estarem a formar licenciados com diferentes perfis profissionais. Que licenciados formamos ou que pretendemos formar? Apesar das diferenças de formação poder-se-à falar de um padrão básico de formação? Quais são os grandes desafios que se colocam à formação em serviço social nos nossos dias? Estas são algumas das questões que surgem com frequência no discurso formal e informal que mantemos com os nossos parceiros de formação. *
Assistente do Instituto Superior Bissaya Barreto, doutoranda em Trabalho Social na Universidade de Fribourg (Suiça). Seminário “O ensino do Serviço Social” Porto, 14 de Junho de 2000
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1 - PERFIL FORMATIVO O Instituto Superior Bissaya-Barreto foi o primeiro estabelecimento de ensino superior criado na década de 90 que esteve vocacionado, no seu início, apenas para a licenciatura em serviço social com a duração de 5 anos lectivos. Todos eles foram leccionados a partir do primeiro ano de existência, o que exigiu um esforço acrescido em termos organizativos. Em 1995 dada a tendência por parte do Ministério de Educação para generalizar a duração de 4 anos à maioria das licenciaturas em vigor, à semelhança do que acontece a nível europeu, e dada a reavaliação do perfil profissional dos assistentes sociais feita na altura, procedeu-se à diminuição de um ano à estrutura lectiva, tendo sido homologado pelo Ministério de Educação o curso de serviço social com a duração de 4 anos. A formação então homologada baseava-se em oito ideias-chave: 1) Reforçar a área da análise de problemas sociais da sociedade portuguesa e no contexto europeu, aliando sempre essa análise a contextos de prática profissional e fazendo recurso às modernas tecnologias da informação; 2) Valorizar
a
componente
prática
das
disciplinas
teórico-práticas,
introduzindo referentes provenientes de práticas quotidianas; 3) Reforçar as ligações com instituições do meio através de protocolos que garantissem a articulação com o mercado de trabalho, a nível da colocação de alunos em estágio e a nível da investigação; 4) Reafirmar a ligação em exclusivo dos docentes da área de serviço social à área de supervisão de estágios e projectos de investigação; 5) Reestruturar a unidade lectiva de investigação, dotando-a de equipas de orientação segundo unidades de pesquisa e linhas de investigação; 6) Implementar cursos de pós-graduação (neste momento estão em vigor dois cursos: gerontologia social, gestão de recursos humanos, e vai darSeminário “O ensino do Serviço Social” Porto, 14 de Junho de 2000
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se início a um terceiro sobre: intervenção em contextos de violência familiar); 7) Implementar cursos de mestrado (cujas propostas foram apresentadas ao Ministério da Educação e aguardam aprovação). 8) Desenvolver uma política de expansão a nível europeu. Numa Europa cujo desenvolvimento se processa a ritmos diversos, Portugal não escapa às consequências da globalização e da sociedade da informação. Neste contexto, os assistentes sociais são actores intervenientes nos processos de mudança e na gestão de conflitos. A sua acção não se reduz à intervenção directa, ele é um mediador com funções de regulação social, de valorização da cidadania, de dignificação das instituições e de estimulação da oferta social. Neste quadro, os assistentes sociais fazem recurso a processos de análise e reflexão da realidade socialmente construída, objectivando-a aos olhos das instituições sociais, de planificação e avaliação de projectos e acções, de negociação e de estabelecimento de compromissos, mobilizando parcerias e estabelecendo acordos que co-responsabilizem os parceiros envolvidos, e de pesquisa social, essencial à compreensão da realidade envolvente e à estimulação da oferta social. Uma formação de quatro anos constitui uma resposta adequada a este perfil. Para além de uma formação simultaneamente generalista (do ponto de vista da análise da realidade social) e específica em serviço social (na perspectiva da intervenção), o Instituto Superior Bissaya-Barreto tem-se preocupado com a actualização e aprofundamento de conhecimentos, fornecendo aos seus discentes uma formação básica credível, cursos de pós-graduação em áreas temáticas de incidência da actividade profissional, com perspectivas de abertura de cursos de mestrado. Independentemente da diversidade de formação que exista, é imprescindível que as instituições que formam assistentes sociais forneçam uma preparação académica capaz de facultar modelos de análise e de intervenção qualificada e inovadora, simultaneamente atenta ao desenvolvimento da teoria e seus pressupostos epistemológicos e às realidades sociais, que forneçam uma formação de cariz relacional, científica e técnica de forma a permitir a Seminário “O ensino do Serviço Social” Porto, 14 de Junho de 2000
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compreensão do Homem e da sociedade e impulsionar mudanças sociais. Para o efeito, tem de investir na qualificação dos docentes, nos processos de ensino, na investigação e na valorização das relações com a comunidade científica e com a sociedade.
2 - QUALIFICAÇÃO DE DOCENTES O Instituto Superior Bissaya-Barreto, é uma instituição de ensino superior com um projecto de evolução para uma universidade privada, pequena no número de alunos que possui, mas exigente na qualidade do ensino que ministra. Do plano curricular da licenciatura em serviço social fazem parte 9 unidades lectivas anuais e 25 semestrais, asseguradas por 5 doutorados, 16 mestres e 8 licenciados. A partir de 1995 a maioria dos docentes da área científica de serviço social encontrava-se já a frequentar cursos de mestrado, tendo sido utilizada uma margem de manobra que permitiu aos docentes o investimento em áreas científicas diversas, de acordo com a sua motivação e a oferta existente. Actualmente, em consequência da política de qualificação existente no Instituto, a totalidade dos docentes da área de serviço social está em formação: a) 70% dos docentes licenciados em serviço social possuem mestrados em áreas como psicologia, sociologia, economia social, serviço social, população e demografia, ou fizeram provas de aptidão pedagógica e científica na área de serviço social; b) Desses docentes mais de 50% estão a preparar as suas teses de doutoramento; c) Dos restantes 30%, 20% estão a preparar provas de aptidão pedagógica e científica e 10% tese de mestrado. O esforço empreendido no domínio da formação do corpo docente corresponde não apenas a uma exigência de carreira académica, mas a uma vontade firme de conferir qualidade de reconhecido mérito cientifico à formação Seminário “O ensino do Serviço Social” Porto, 14 de Junho de 2000
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que ministra. Mas muito há ainda a fazer. Sobre tudo na área do serviço social onde a investigação é exígua, e cuja participação a nível do conselho científico é invisível porque inexistente. Com a valorização científica da área de serviço social, a colonização de que tem sido alvo por parte das ciências sociais e humanas, pese embora o mérito de terem contribuído para o enriquecimento do “know-how” dos licenciados existentes, tende a perder a sua hegemonia; é chegada a hora da cooperação entre o serviço social e as ciências sociais e humanas na produção de novos conhecimentos, reconhecendo-lhe identidade.
3 - INVESTIGAÇÃO É importante que sejam criados departamentos e centros de investigação onde os docentes da área de serviço social possam ser integrados em igualdade de estatuto com docentes de outras áreas científicas. Centros dotados de autonomia científica e administrativa que possam apresentar candidaturas a apoios nacionais e comunitários e que desenvolvam pesquisas de reconhecida importância social, dando visibilidade ao empenho, persistência e qualidade dos seus investigadores através de publicações periódicas. O Centro Europeu de Investigação em Condutas e Instituições (CEICI) recentemente criado em parceria com instituições universitárias europeias, vem estabelecer um espaço de intercâmbio de conhecimentos onde se espera que os docentes envolvidos sejam parceiros na produção de novos saberes. Com a formação dos docentes e a sua inserção em equipas de pesquisa dá-se o primeiro passo no processo de credibilização do corpo docente junto da comunidade científica, reforçando a qualidade da formação ministrada neste Instituto. Ainda no âmbito da investigação foram estabelecidos acordos de cooperação com universidades europeias para a criação de um Master Europeu ao abrigo do Programa Sócrates-Erasmus e promoção da discussão de questões epistemológicas da investigação em Trabalho Social promovida em torno das pesquisas de doutoramento em curso ou efectuadas nesse domínio e a nível europeu.
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Uma instituição de ensino superior que não preveja mecanismos de produção de novos conhecimentos, está destinada ao fracasso, eternizando-se cientificamente dependente do exterior e de outros centros de interesse. Incentivar a produção de novos saberes é uma obrigação e um desafio de toda a instituição de ensino superior, a dois níveis: 1) A nível do corpo discente. A introdução no plano curricular da componente “pesquisa”, não apenas a nível declarativo mas também executivo, fomenta a necessária cultura de investigação. É imprescindível fornecer os fundamentos teóricos da pesquisa social, e criar condições para o desenvolvimento do espirito critico, ensinando a fazer, fazendo pesquisa. 2) A nível do corpo docente. A criação de condições para a emergência de projectos de investigação e o apoio do seu desenvolvimento no quadro da formação dos docentes ou fora desse contexto, valoriza a qualidade dos seus docentes e da formação que a instituição ministra e contribui para a afirmação do ensino no seio da comunidade científica, nacional e europeia. Independentemente da avaliação qualitativa que possa ser feita às mudanças ocorridas no domínio do serviço social neste fim de século, elas são o resultado de um processo de complexificação social e da diversidade de concepções e formas de experienciar o mundo dos diversos actores intervenientes. Mas as mudanças apenas começaram. Compete-nos incentivá-las e assegurar o seu desenvolvimento. Por isso, estamos abertos ao diálogo e ao debate construtivo.
Seminário “O ensino do Serviço Social” Porto, 14 de Junho de 2000