Álvares de Azevedo
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Coletânea Agridoce
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COLETÂNEA AGRIDOCE
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COLETÂNEA AGRIDOCE
Álvares de Azevedo Miolo Editorial
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Coletânea Agridoce
PREPARAÇÃO: Raquel Xavier, Stefane Silva, Vívian Maia REVISÃO: Raquel Xavier, Stefane Silva, Vívian Maia ARTE DE CAPA: Felipe Pitta DIAGRAMAÇÃO: Giovanna Belinato, Luiz Rabelo, Victoria Viana PROJETO EDITORIAL: Miolo Editorial
MIOLO EDITORIAL 2021
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Álvares de Azevedo
I. SPLEEN LÁGRIMAS DA VIDA LÁGRIMAS DE SANGUE ADEUS, MEUS SONHOS SE EU MORRESSE AMANHÃ! DESÂNIMO LEMBRANÇA DE MORRER DESALENTO MINHA DESGRAÇA II. EROS LUAR DE VERÃO AMOR MEU DESEJO ANJOS DO MAR SONETO TRINDADE A LAGARTIXA NO MAR
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Mi, utem quam sit, cus ex enim facculpa qui nonsed modi quam, explige ndemporent quatem alique niatat laborro dem autat. Odiat. Dolendae nullecuscil id exerum rae occab ilis ut estio te si cor a dolora voluptatiosa poritatur, officiis eicimpore sam nobis accum fuga. Cea velicatur solupti nturibus, voluptati conest, et di de et volut volorion es eos ime rem reperibuscia nobiti dolut que vid est, nemodi ament, serem sit int inctae pelit, simodi as dolupta debis modicias que doluptatur, sectatias ad que parum nectus animustotati con natus, sitatibus excerenim ut persped qui abores estrumq uaspiti reptate volorro vitinve rumqui deles essum, volorrorum aceperum evelign atibus aliam qui blam, sequodis evelecuptati res ea qui omnisquis excea quid molum qui quae plignam denditat quatur? Ga. Asimodis es sinitatem volupturia volor modic te mo ommolor autemod que et reptaerum receribus aut utes es sus eosam volorpor res explit, omnimin velibeatem alibusdant as repercia aliam que porumquis sed uta sintur, quassime porum fuga. Rum quae volori offici cum evelentium aceriostem fuga. Itatateste di ommodipis aut eum est doluptia archillores di coritibus doluptas elessun tibus. Solupicipsus num nihilia prerumquis ne as sundae porum inci aut et ut quist que nus et moditatio eos duntius, nimaximet accatus dolore cum eos ad eos eaquaeperum qui volent. 8
Álvares de Azevedo At quuntis pra que et eum et aut volum quo berumque pores pe sus nos mostiam, suntores im sa cullorerum aut acearum eostiore dis si temporporro es quis ad ut laut et molest et repelessit volum intus etur sit volum in eribus.Nihit aut volendae lique nisto is ent quat. Fugit aut et eiurect iaeribus dolupta iusda ducil molorem rat pelitat identet hilla core, sit plicimpore qui corepudis cum seribus totasi core sitaqui aliquam ex et reribus estruntiis ma velita ab int alictem poreperovit expedis eratibus, que remqui deris a sam harionsequis quia sam in prat molorum, quam, sintibus. Es esequia nossunt. Aximincto enihitio eici ommodit unto eum enima num am faccull ignihil laborume pre quaturitiunt fugitata volorep reiunt. Odit vel molor similit as antio invel es atesequi coresequas et, comniae. Lenihillaut estiustisit et inciis audit ut aut facearum, et audipidessin conet pos ullab idemo blab id que in pedi ut quiae ressitia velecul luptaero magnatem hilit ut occatus repereria di volor aut faceriatur as volorpor mo exerror roviti omnime poriaeprae. Name es min nusandit doluptatust, ident omnis res di sed eos est, simporestrum enis natur, imus eost a vid que volo debis dolore molluptur repro voluptatus eum fugitiassi blab in re corepel is aces arciistibus doluptatur aut ditatus cupta cusamust fugia venturi beatiberis estrum sequae. Am ut velis velenduntis et andi vendusandam int magnam aperspe rferit vent quis seque dolupta pellupta dolupta spicitiam hiliquatem doloribus ea dolento temporum estem ium cum quatis enihit min nos estia con non cullend uciur? Lab is eicatem simaios di dolupta quiaero tem eum quae quiscius. Intius, sitas resequas ne ea quassero occae volupta tiuntotatur mod magnatem. Ut quisimi, omniet et et qui cuptatatiis asinturi aditatenda derum corersperspe et aborem quia nulla et lanture landae. Harunt pliqui quos delitatet aut et laniendus, sitius aut rectem autatem quam voles idit, nus repuda adit et rera sitae volorehenis dent. Bus et, unt, inctem fuga. 9
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I. SPLEEN
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LÁGRIMAS DA VIDA On pouvait à vingt ans le clouer dans la bière — Cadavre sans illusions... THÉOPH. GAUTIER Je me suis assis en blasphémant sur le bord du chemin. Et je me suis dit: — je n’irai pas plus loin. Mais je suis bien jeune encore pour mourir, n’est-ce pas, Jane? GEORGE SAND, Aldo Se tu souberas que lembrança amarga Que pensamento desflorou meus dias, Oh! tu não creras meu sorrir leviano, Nem minhas insensatas alegrias! Quando junto de ti eu sinto, às vezes, Em doce enleio desvairar-me o siso, Nos meus olhos incertos sinto lágrimas... Mas da lágrima em troco eu temo um riso!
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Coletânea Agridoce O meu peito era um templo — ergui nas aras Tua imagem que a sombra perfumava... Mas ah! emurcheceste as minhas flores! Apagaste a ilusão que o aviventava! E por te amar, por teu desdém, perdi-me... Tresnoitei-me nas orgias macilento, Brindei blasfemo ao vício e da minh’alma Tentei me suicidar no esquecimento! Como um corcel abate-se na sombra, A minha crença agoniza e desespera... O peito e lira se estalaram juntos... E morro sem ter tido primavera! Como o perfume de uma flor aberta Da manhã entre as nuvens se mistura, A minh’alma podia em teus amores Como um anjo de Deus sonhar ventura! Não peço o teu amor... eu quero apenas A flor que beijas para a ter no seio... E teus cabelos respirar medroso... E a teus joelhos suspirar d’enleio! E quando eu durmo... e o coração ainda Procura na ilusão tua lembrança, Anjo da vida passa nos meus sonhos E meus lábios orvalha d’esperança!
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LÁGRIMAS DE SANGUE Taedet animam meam vitae meae. JOB Ao pé das aras, ao clarão dos círios, Eu te devera consagrar meus dias... Perdão, meu Deus! perdão... Se neguei meu Senhor nos meus delírios E um canto de enganosas melodias Levou meu coração! Só tu, só tu podias o meu peito Fartar de imenso amor e luz infinda E uma saudade calma! Ao sol de tua fé doirar meu leito E de fulgores inundar ainda A aurora na minh’alma.
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Coletânea Agridoce Pela treva do espírito lancei-me, P’ras esperanças suicidei-me rindo... Sufocando-as sem dó... No vale dos cadáveres sentei-me E minhas flores semeei sorrindo Dos túmulos no pó. Indolente Vestal, deixei no templo A pira se apagar! na noite escura O meu gênio descreu... Voltei-me para a vida... só contemplo A cinza da ilusão que ali murmura: Morre! — tudo morreu! Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias À alma que se perdeu bradar de novo: — Ressurge-te ao amor! Macilento, das minhas agonias Eu deixaria as multidões do povo Para amar o Senhor! Do leito onde o vício acalentou-me O meu primeiro amor fugiu chorando... Pobre virgem de Deus! Um vendaval sem norte arrebatou-me, Acordei-me na treva... profanando Os puros sonhos meus! Oh! se eu pudesse amar!... — É impossível! Mão fatal escreveu na minha vida... A dor me envelheceu...
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Álvares de Azevedo O desespero pálido, impassível, Agoirou minha aurora entristecida, De meu astro descreu... Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora Que a dor emurcheceu meus breves dias, Quero na cruz sanguenta Derramá-los na lágrima que implora, Que mendiga perdão pela agonia Da noite lutulenta! Quero na solidão... nas ermas grutas A tua sombra procurar chorando Com meu olhar incerto... As pálpebras doridas nunca enxutas Queimarei... teus fantasmas invocando No vento do deserto. De meus dias a lâmpada se apaga, Roeram meu viver mortais venenos, Curvo-me ao vento forte: Teu fúnebre clarão que a noite alaga, Como a estrela oriental, me guie ao menos ‘ Té ao vale da morte! No mar dos vivos o cadáver boia, A lua é descorada como um crânio, Este sol não reluz... Quando na morte a pálpebra se engoia, O anjo desperta em nós e subitâneo Voa ao mundo da luz! Do vale de Josafá pelas gargantas
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Coletânea Agridoce Uiva na treva o temporal sem norte E os fantasmas murmuram... Irei deitar-me nessas trevas santas, Banhar-me na friez lustral da morte, Onde as almas se apuram! Mordendo as clinas do corcel da sombra, Sufocado, arquejante passarei Na noite do infinito... Ouvirei essa voz que a treva assombra, Dos lábios de minh’alma entornarei O meu cântico aflito! Flores cheias de aroma e de alegria, Por que na primavera abrir cheirosas E orvalhar-vos abrindo? As torrentes da morte vêm sombrias, Hão de amanhã nas águas tenebrosas Vos arrastar bramindo. Morrer! morrer! — É voz das sepulturas! Como a lua nas salas festivais A morte em nós se estampa! E os pobres sonhadores de venturas Roxeiam amanhã nos funerais E vão rolar na campa!
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Álvares de Azevedo Que vale a glória, a saudação que enleva Dos hinos triunfais na ardente nota E as turbas devaneia? Tudo isso é vão e cala-se na treva... — Tudo é vão, como em lábios de idiota Cantiga sem ideia. Que importa? quando a morte se descarna, A esperança do céu flutua e brilha Do túmulo no leito: O sepulcro é o ventre onde se encarna Um verbo divinal que Deus perfilha E abisma no seu peito! Não chorem! que essa lágrima profunda Ao cadáver sem luz não dá conforto... Não o acorda um momento! Quando a treva medonha o peito inunda, Derrama-se nas pálpebras do morto Luar de esquecimento! Caminha no deserto a caravana, Numa noite sem lua arqueja e chora... O termo... é um sigilo! O meu peito cansou da vida insana, Da cruz à sombra, junto aos meus, agora, Eu dormirei tranquilo! Dorme ali muito amor... muitas amantes, Donzelas puras que eu sonhei chorando E vi adormecer... Ouço da terra cânticos errantes E as almas saudosas suspirando Que falam em morrer... 19
Coletânea Agridoce Aqui dormem sagradas esperanças, Almas sublimes que o amor erguia... E gelaram tão cedo! Meu pobre sonhador! aí descansas, Coração que a existência consumia E roeu em segredo! Quando o trovão romper as sepulturas, Os crânios confundidos acordando No lodo tremerão... No lodo pelas tênebras impuras Os ossos estalados tiritando Dos vales surgirão! Como rugindo a chama encarcerada Dos negros flancos do vulcão rebenta Golfejando nos céus, Entre nuvem ardente e trovejada Minh’alma se erguerá, fria, sangrenta, Ao trono de meu Deus... Perdoa, meu Senhor! O errante crente Nos desesperos em que a mente abrasas Não o arrojes p’lo crime! Se eu fui um anjo que descreu demente E no oceano do mal rompeu as asas, Perdão! arrependi-me!
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ADEUS, MEUS SONHOS! Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro! Não levo da existência uma saudade! E tanta vida que meu peito enchia Morreu na minha triste mocidade! Misérrimo! votei meus pobres dias À sina doida de um amor sem fruto... E minh’alma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto. Que me resta, meu Deus?!... morra comigo A estrela de meus cândidos amores, Já que não levo no meu peito morto Um punhado sequer de murchas flores!
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SE EU MORRESSE AMANHÃ! Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar os olhos minha triste irmã; Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que doce n’alva Acorda a natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito, Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã... A dor no peito emudecera ao menos, Se eu morresse amanhã!
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DESÂNIMO Estou agora triste. Há nesta vida Páginas torvas que se não apagam, Nódoas que não se lavam... se esquecê-las De todo não é dado a quem padece... Ao menos resta ao sonhador consolo No imaginar dos sonhos de mancebo! Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto! Meus sonhos, consolai-me! distraí-me! Anjos das ilusões, as asas brancas As névoas puras, que outro sol matiza. Abri ante meus olhos que abraseiam E lágrimas não tem que a dor do peito Transbordem um momento... E tu, imagem, Ilusão de mulher, querido sonho, Na hora derradeira, vem sentar-te, Pensativa e saudosa no meu leito! O que sofres? que dor desconhecida Inunda de palor teu rosto virgem? Por que tu’alma dobra taciturna, Como um lírio a um bafo d’infortúnio? Por que tão melancólica suspiras?
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Ilusão, ideal, a ti meus sonhos, Como os cantos a Deus se erguem gemendo! Por ti meu pobre coração palpita... Eu sofro tanto! meus exaustos dias Não sei por que logo ao nascer manchou-os De negra profecia um Deus irado. Outros meu fado invejam... Que loucura! Que valem as ridículas vaidades De uma vida opulenta, os falsos mimos De gente que não ama? Até o gênio Que Deus lançou-me à doentia fronte, Qual semente perdida num rochedo, Tudo isso que vale, se padeço! Nessas horas talvez em mim não pensas: Pousas sombria a desmaiada face Na doce mão e pendes-te sonhando No teu mundo ideal de fantasia... Se meu orgulho, que fraqueja agora, Pudesse crer que ao pobre desditoso Sagravas uma ideia, uma saudade... Eu seria um instante venturoso! Mas não... ali no baile fascinante, Na alegria brutal da noite ardente, No sorriso ebrioso e tresloucado Daqueles homens que, para rir um pouco, Encobrem sob a máscara o semblante, Tu não pensas em mim. Na tua ideia Se minha imagem retratou-se um dia Foi como a estrela peregrina e pálida Sobre a face de um lago... 24
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LEMBRANÇA DE MORRER No more! O never more! SHELLEY Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto o poento caminheiro... Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro...
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Coletânea Agridoce Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia, Só levo uma saudade — é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade — e dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas... E de ti, ó minha mãe! pobre coitada Que por minhas tristezas te definhas! De meu pai... de meus únicos amigos, Poucos, — bem poucos! e que não zombavam Quando, em noites de febre endoidecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei!... que nunca Aos lábios me encostou a face linda! Ó tu, que à mocidade sonhadora Do pálido poeta deste flores... Se vivi... foi por ti! e de esperança De na vida gozar de teus amores. Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo... Ó minha virgem dos errantes sonhos, Filha do céu! eu vou amar contigo!
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Álvares de Azevedo Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz! e escrevam nela: — Foi poeta, sonhou e amou na vida. — Sombras do vale, noites da montanha, Que minh’alma cantou e amava tanto, Protejei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe um canto! Mas quando preludia ave d’aurora E quando, à meia-noite, o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri as ramas... Deixai a lua pratear-me a lousa!
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DESALENTO Por que havíeis passar tão doces dias? A. F. DE SERPA PIMENTEL Feliz daquele que no livro d’alma Não tem folhas escritas E nem saudade amarga, arrependida, Nem lágrimas malditas! Feliz daquele que de um anjo as tranças Não respirou sequer E nem bebeu eflúvios descorando Numa voz de mulher... E não sentiu-lhe a mão cheirosa e branca Perdida em seus cabelos, Nem resvalou do sonho deleitoso A reais pesadelos...
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Álvares de Azevedo Quem nunca te beijou, flor dos amores, Flor do meu coração, E não pediu frescor, febril e insano Da noite à viração! Ah! feliz quem dormiu no colo ardente Da huri dos amores, Que sôfrego bebeu o orvalho santo Das perfumadas flores... E pôde vê-la morta ou esquecida Dos longos beijos seus, Sem blasfemar das ilusões mais puras E sem rir-se de Deus! Mas, nesse doloroso sofrimento Do pobre peito meu, Sentir no coração que à dor da vida A esperança morreu!... Que me resta, meu Deus? aos meus suspiros Nem geme a viração... E dentro, no deserto do meu peito, Não dorme o coração!
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MINHA DESGRAÇA Minha desgraça não é ser poeta, Nem na terra de amor não ter um eco... E, meu anjo de Deus, o meu planeta Tratar-me como trata-se um boneco... Não é andar de cotovelos rotos, Ter duro como pedra o travesseiro... Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido Cujo sol (quem me dera) é o dinheiro... Minha desgraça, ó cândida donzela, O que faz que meu peito assim blasfeme, É ter por escrever todo um poema E não ter um vintém para uma vela.
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II. EROS
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LUAR DE VERÃO O que vês, trovador? — Eu vejo a lua Que sem lavor a face ali passeia; No azul do firmamento inda é mais pálida Que em cinzas do fogão uma candeia. O que vês, trovador? — No esguio tronco Vejo erguer-se o chinó de uma nogueira... Além se entorna a luz sobre um rochedo Tão liso como um pau-de-cabeleira. Nas praias lisas a maré enchente S’espraia cintilante d’ardentia... Em vez de aromas as doiradas ondas Respiram efluviosa maresia! O que vês, trovador? — No céu formoso Ao sopro dos favônios feiticeiros Eu vejo — e tremo de paixão ao vê-las — As nuvens a dormir, como carneiros. E vejo além, na sombra do horizonte, Como viúva moça envolta em luto, Brilhando em nuvem negra estrela viva Como na treva a ponta de um charuto. Teu romantismo bebo, ó minha lua, A teus raios divinos me abandono, Torno-me vaporoso, e só de ver-te Eu sinto os lábios meus se abrir de sono. 33
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AMOR Quand la mort est si belle, Il est doux de mourir. V. HUGO Amemos! quero de amor Viver no teu coração! Sofrer e amar essa dor Que desmaia de paixão! Na tu’alma, em teus encantos E na tua palidez E nos teus ardentes prantos Os teus amores do céu! Quero em teu seio morrer No enlevo do seio teu! Quero viver d’esperança! Quero tremer e sentir! Na tua cheirosa trança Quero sonhar e dormir! Vem, anjo, minha donzela, Minh’alma, meu coração... Que noite! que noite bela! Como é doce a viração! E entre os suspiros do vento, Da noite ao mole frescor, Quero viver um momento, Morrer contigo de amor!
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MEU DESEJO Meu desejo? era ser a luva branca Que essa tua gentil mãozinha aperta, A camélia que murcha no teu seio, O anjo que por te ver do céu deserta... Meu desejo? era ser o sapatinho Que teu mimoso pé no baile encerra... A esperança que sonhas no futuro, As saudades que tens aqui na terra... Meu desejo? era ser o cortinado Que não conta os mistérios de teu leito, Era de teu colar de negra seda Ser a cruz com que dormes sobre o peito. Meu desejo? era ser o teu espelho Que mais bela te vê quando deslaças Do baile as roupas de escumilha e flores E mira-te amoroso as nuas graças! Meu desejo? era ser desse teu leito
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Coletânea Agridoce De cambraia o lençol, o travesseiro Com que velas o seio, onde repousas, Solto o cabelo, o rosto feiticeiro... Meu desejo? era ser a voz da terra Que da estrela do céu ouvisse amor! Ser o amante que sonhas, que desejas Nas cismas encantadas de langor!
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ANJOS DO MAR As ondas são anjos que dormem no mar, Que tremem, palpitam, banhados de luz... São anjos que dormem, a rir e sonhar E em leito d’escuma revolvem-se nus! E quando, de noite, vem pálida a lua Seus raios incertos tremer, pratear... E a trança luzente da nuvem flutua... As ondas são anjos que dormem no mar! Que dormem, que sonham... e o vento dos céus Vem tépido, à noite, nos seios beijar!... São meigos anjinhos, são filhos de Deus, Que ao fresco se embalam do seio do mar! E quando nas águas os ventos suspiram, São puros fervores de ventos e mar... São beijos que queimam... e as noites deliram E os pobres anjinhos estão a chorar! Ai! quando tu sentes dos mares na flor Os ventos e vagas gemer, palpitar... Por que não consentes, num beijo de amor, Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?
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Coletânea Agridoce I Tenho um seio que delira Como as tuas harmonias! Que treme quando suspira, Que geme como gemias! II Tenho músicas ardentes, Ais do meu amor insano, Que palpitam mais dormentes Do que os sons do teu piano! III Tenho cordas argentinas Que a noite faz acordar, Como as nuvens peregrinas Das gaivotas do alto mar! V Como a teus dedos lindinhos O teu piano gemer, Vibra-me o seio aos dedinhos Dos anjos louros do céu! V Vibra à noite no mistério Se o banha o frouxo luar, Se passa teu rosto aéreo No vaporoso sonhar!
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Álvares de Azevedo VI Como tremem teus dedinhos O saudoso piano teu, Vibram-me n’alma os anjinhos, Os anjos loiros do céu!
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SONETO Pálida, a luz da lâmpada sombria, Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia! Era a virgem do mar! na escuma fria Pela maré das águas embalada... — Era um anjo entre nuvens d’alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia! Era mais bela! o seio palpitando... Negros olhos as pálpebras abrindo... Formas nuas no leito resvalando... Não te rias de mim, meu anjo lindo! Por ti — as noites eu velei chorando Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!
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TRINDADE A vida é uma planta misteriosa Cheia d’espinhos, negra de amarguras, Onde só abrem duas flores puras Poesia e amor... E a mulher... é a nota Que treme d’alma a corda estremecida, É fada que nos leva além da vida Pálidos de langor! A poesia é a luz da mocidade, O amor é o poema dos sentidos, A febre dos momentos não dormidos E o sonhar da ventura... Voltai, sonhos de amor e de saudade! Quero ainda sentir arder-me o sangue, Os olhos turvos, o meu peito langue... E morrer de ternura!
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A LAGARTIXA A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha: O clarão de teus olhos me dá vida, Tu és o sol e eu sou a lagartixa. Amo-te como o vinho e como o sono, Tu és meu copo e amoroso leito... Mas teu néctar de amor jamais se esgota, Travesseiro não há como teu peito. Posso agora viver: para coroas Não preciso no prado colher flores, Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores. Vale todo um harém a minha bela, Em fazer-me ditoso ela capricha... Vivo ao sol de seus olhos namorados, Como ao sol de verão a lagartixa.
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NO MAR Les étoiles s’allument au ciel, et la brise du soir erre doucement parmi les fleurs: rêvez, chantez et soupirez. GEORGE SAND Era de noite: — dormias, Do sonho nas melodias, Ao fresco da viração, Embalada na falua, Ao frio clarão da lua, Aos ais do meu coração! Ah! que véu de palidez Da langue face na tez! Como teus seios revoltos Te palpitavam sonhando! Como eu cismava beijando Teus negros cabelos soltos! Sonhavas? — eu não dormia; A minh’alma se embebia Em tua alma pensativa! E tremias, bela amante, A meus beijos, semelhante Às folhas da sensitiva!
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Coletânea Agridoce E que noite! que luar! E que ardentias no mar! E que perfumes no vento! Que vida que se bebia Na noite que parecia Suspirar de sentimento! Minha rola, ó minha flor, Ó madressilva de amor, Como eras saudosa, então! Como pálida sorrias E no meu peito dormias Aos ais do meu coração! E que noite! que luar! Como a brisa a soluçar Se desmaiava de amor! Como toda evaporava Perfumes que respirava Nas laranjeiras em flor! Suspiravas? que suspiro! Ai que ainda me deliro Entrevendo a imagem tua Ao fresco da viração, Aos ais do meu coração, Embalada na falua!
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Álvares de Azevedo Como virgem que desmaia, Dormia a onda na praia! Tua alma de sonhos cheia Era tão pura, dormente, Como a vaga transparente Sobre seu leito de areia! Era de noite — dormias, Do sonho nas melodias, Ao fresco da viração; Embalada na falua, Ao frio clarão da lua, Aos ais do meu coração.
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AGRADECIMENTOS Ma quo te velesequi quunt adis eum inihil mo in res qui as simus dolorero quae veliquo cora cum quaectusti omnimol uptatur? Giae vollaut ut officia voloresedit vita velibus qui delit, sin porio. Equos ium et que quaspis dolenia temporibust, odis corempo reresedis esto maio dia sequiberita dolles explandi quibus. Num et archillore eum doloreris que cumquiaes sim as dolut vellibea dempe si vent exerciatet, iur? Fugitis sitaque seque evendae ssitatur ressunti optate ius elliae. Rem debit pratur acest latatium rem etus. Sitas eos molores nis destore lanihil il esti omnimiliquis dolore pore por autatemquas minctur aliquid quatio core et as unt qui dere niminctas moles sum everis aped ut et omniscipsum voluptatem vel modis que quaturiam il molorro omnis qui imus maxima sin poratin et fuga. Os rem int essusa si omnis quidebit, eum fuga. Olenit aut dolore nihicitin rectemquiame laboria debis dolor magnimusant aribus mi, autem voluptae nobis apedipi endipsum qui ulla niatat abo. Ita voluptatis estis ut labores cipsaest facerepe pernam labor sernatium sundae. Epudandist rectotatur aute nitiatem dollendae. Perore et autem. Bus molupit ut aut quae quasim voloruptiis deris simaxim usciis sequunt. Harcia antiaspero omnihicia deri samenih illacimuscit lab ipiciur, autem laut dit hiti aspidun dusdanihil is moditatium aut latem dolesti aepudis ciaeped ea nobis voluptatus es quatinc taquaspiet harciet fugitas apitiissit, omnis dici doluptat quunt et modisi auda vit, optatur audae ea volores cimusdamet utemole sendunt aut 47
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TRADUÇÕES E NOTAS 1. “Aos vinte anos, você poderia achá-lo bebendo cerveja Cadáver sem ilusões... 2.. “Sentei-me, blasfemando, na borda do caminho. E disse a mim mesmo: - você não irá mais longe. Mas eu ainda sou muito jovem para morrer, não é, Jane? 3. “Minha alma está cansada da minha vida.” 4. “Não mais! Oh, não mais!” 5. “Quando a morte é tão bela, é doce morrer.” 6. “As estrelas iluminam o céu, e a brisa da tarde perambula docemente por entre as flores: sonhe, cante e suspire.”
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