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A escultura na China
Cláudia Ribeiro
A escultura tumular em pedra também não cessou. Um exemplo célebre são as esculturas do Caminho dos Espíritos dos Túmulos Ming, nos arredores de Pequim. Trata-se de vinte e quatro animais reais (camelos, elefantes, cavalos, leões…) e fantásticos (麒麟 qilin, 獬豸xiezhi, leões alados…) e doze figuras humanas (quatro soldados, quatro funcionários civis, quatro conselheiros imperiais guerreiros e oficiais). As esculturas, de aspecto arcaico e maciço, estão alinhadas aos pares, aparecendo uma sentada e a seguinte de pé, criando grande efeito visual (Figuras 55 e 56).
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Para além destas figuras existe na Cidade Proibida um grande número de estátuas de grandes e pequenas dimensões em variados materiais, como dragões, (símbolo do imperador), fénixes (símbolo da imperatriz), leões (símbolo da realeza), veados e elefantes (ambos símbolos de riqueza e nobreza), tartarugas e grous (ambos símbolos de longevidade) e qilin (símbolo da piedade filial).
As esculturas em ferro continuaram na dinastia Ming, tanto de figuras humanas, como a popular Guanyin (Figura 58), como de animais. No templo Shanhua em Datong, província de Shanxi, encontra-se um touro de ferro oco (Figura 59). Existia a tradição secular de colocar estátuas de bois nas margens de lagos e rios para evitar inundações ou como um pedestal frente a um templo da escola do Dao associado às divindades da água. O local original onde o touro de ferro de Datong se encontrava eram as margens do rio Yu.
• Esquerda: Figura 49. Caminho dos Espíritos do túmulo do imperador Taizong, Yongxi. By Gary Todd - https://www.flickr.com/photos/101561334@ N08/10203827324/, CC0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=97207103
• Direita: Figura 50. Caminho dos Espíritos do túmulo do imperador Taizong, Yongxi. By Gary Todd - https://www.flickr.com/photos/101561334@ N08/10204268495/, CC0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=97198664
Outro tipo de escultura digno de menção é a escultura em ferro. A China foi o primeiro país a desenvolver a fundição e a moldagem do ferro, que foi sempre um factor importante da sua economia. Os chineses fundiam e moldavam ferro para fazer instrumentos, armas e carruagens desde o séc. VI a. C. Para tanto, são necessárias temperaturas tão altas que, na Europa, só se conseguiram atingir na Idade Média tardia. Pelo ano de 806 d. C., a China produzia 13 500 toneladas de ferro. Na dinastia Song, produzia 125
• Esquerda: Figura 51. Estátua de ferro do Terraço dos Homens de Ferro, templo Jin Ci, Shanxi. Dinastia Song, c. 1094-1098. By G41rn8 - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index. php?curid=48493288
• Direita: Figura 52. Estátua de ferro do Terraço dos Homens de Ferro, templo Jin Ci, Shanxi. Dinastia Song, c. 1094-1098. By G41rn8 - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index. php?curid=48493287
Dinastias Ming (1368-1644) e Qing (1644 - 1912)
No séc. XIV, o budismo perdeu preponderância e, embora se continuasse a esculpir figuras budistas bem-amadas como Guanyin (Figura 58) e Weituo (Skanda), o protector do Dharma (Figura 53), floresceu uma escultura ligada a mitos e à religião popular que se dedicava, por exemplo, a criar figuras como o herói Guandi (ou Guanyu), o deus da guerra e da riqueza cujos poderes afugentam os demónios malignos (Figura 54).
• Cima: Figura 55. O Caminho dos Espíritos nos túmulos Ming, Pequim, numa fotografia de 1902. Retirado de Ein Tagebuch in Bildern. By Bundesarchiv, Bild 137-022934 / CC-BY-SA 3.0, CC BY-SA 3.0 de, https:// commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5418636
• Baixo: Figura 56. O Caminho dos Espíritos nos túmulos Ming, Pequim, numa fotografia actual. By Gary Todd from Xinzheng, China - Ming Tombs Sacred Way Stone Horse, CC0, https://commons.wikimedia.org/w/ index.php?curid=102272016
Também nos telhados amarelos da Cidade Proibida que se elevam ligeiramente nos beirais, cuja construção data das dinastias Ming e Qing, se podem avistar pequenas esculturas cuja origem não é budista. Essas séries de figuras de trinta a cinquenta centímetros de altura são os 神兽 shenshou, personagens e animais fantásticos associados a mitos e a lendas antigas. Para além de se crer que afastam fogos e maus espíritos, desempenham a função muito prática de ajudar a fixar as telhas que têm tendência a cair naquela área. O pavilhão principal, Taihedian, ostenta dez: dragão, fénix, leão, cavalo marinho海马 haima, cavalo celeste 天马 tianma, 押鱼 yayu (cruzamento de dragão e peixe), 狻猊suanni (lembra um leão) 獬豸xiezhi (semelhante a uma cabra com um só chifre) touro e 行什xingshi (macaco com asas), além de um 仙人xianren (Imortal) montado no dorso de um galo.
• Esquerda: Figura 58. Guanyin em ferro e cobre. Séc. XVI ou XVII d.C. Museu de Arte de San Diego, San Diego, Califórnia. By Daderot - Own work, CC0, https:// commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=26812083
• Direita: Figura 59. Touro de ferro do templo Shanhua, Datong. Dinastia Ming. © Cláudia Ribeiro
• Esquerda: Figura 53. Wei Tuo (Skanda). Galeria de Escultura Budista, Museu Aurora, Pudong, Xangai. By Gary Todd - https://www.flickr.com/photos/101561334@ N08/21789382234/, CC0, https://commons.wikimedia. org/w/index.php?curid=98925610
• Direita: Figura 54. Guandi ou Guanyu. Grés com vidrado polícromo. Séc. XVI, dinastia Ming. Dinastia Ming, século XVI dC; grés com vidrado polícromo. Museu Liebieghaus, Frankfurt am Main. By User:FA2010 - Own work, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=15246130
• https://commons.wikimedia.org/w/ index.php?curid=18232255
Um desenvolvimento interessante da dinastia manchu Qing foram as alianças diplomáticas e religiosas que os imperadores Qing levaram a cabo no séc. XVIII com o Tibete e a Mongólia. Como consequência, e sobretudo na capital, Pequim, e um pouco mais a norte em Chengde (a antiga Jehol, residência de Verão dos imperadores Qing), construiu-se então um grande número de templos e de imagens que seguiam o estilo tibetano. Vale a pena mencionar a estátua de madeira banhada a ouro do bodhisattva Avalokiteswara do Templo Puning, em Chengde, da era do imperador Qianlong (reinou de 1735-96). Mede 21,85 metros de altura e pesa 110 toneladas, sendo a maior a nível mundial. Avalokiteswara ergue-se sobre um trono de lótus e conta com múltiplos olhos, assim como com quarenta e duas mãos, duas das quais juntas e as demais segurando diferentes instrumentos musicais (Figura 60).
Os santuários em grutas
Os santuários em grutas da China, com imagens esculpidas em variados graus de relevo e destinadas a ser vistas de frente, são um modelo importado da Índia (Ajanta, etc.) e de Bamyan, no Afeganistão, que se estendeu também pela Ásia central (Kyzil, Kucha, Khotan). Até ao séc. V, rareavam na China esculturas monumentais em pedra. Foi sob influência da escultura em grutas da Ásia central que se começaram a esculpir estátuas budistas em grande escala. Essas grutas estão distribuídas principalmente no noroeste, nas planícies centrais e no sudeste e sudoeste da China, locais relacionados com as rotas da introdução do budismo na região. As mais importantes são as de Dunhuang, Yungang e Longmen. Mas dignas de relevo são ainda as de Maijishan, Bilingsi e de Dazu.
As Grutas De Dunhuang 敦煌石窟
As célebres grutas de Dunhuang, na província de Gansu, um local estratégico da Rota da Seda terrestre, é um complexo rupestre gigantesco de quase quinhentas delas que se estendem por quilómetro e meio e que albergam cerca de 2 400 esculturas polícromas esculturas e mais de 45 000 m² de murais com pinturas budistas (Figura 61).
Começaram a ser construídas no séc. IV, na dinastia Jin, e terminaram mil anos depois, na dinastia Yuan (1279–1368), expondo assim a evolução da arte budista na China durante esse largo intervalo de tempo. Distinguem-se três estilos no período prévio ao séc. VII: o estilo arcaico do séc. V, caracterizado pela proximidade com o modelo indiano, o estilo Wei de até meados do séc. VI e o estilo colunar de finais do séc. VI, no reino de Qi.
As primeiras esculturas polícromas de Dunhuang foram influenciadas pela arte indiana Gândara e pela arte Gupta. As esculturas de Buda e bodhisattvas tendiam a agrupar-se em conjuntos e assemelhavam-se mais a um alto relevo do que propriamente a uma escultura. O panejamento era rígido e a plasticidade parca. Na dinastia Wei, as esculturas começaram a desprender-se da parede, apresentando também uma maior elegância de gestos e movimentos. As paredes eram decoradas com pinturas, por exemplo, com jataka, cenas das vidas anteriores de Buda. Na parede norte da gruta 259 das grutas de Mogao em Dunhuang, existe uma estátua de Buda da dinastia Wei do norte que ostenta o famoso sorriso Wei ou de Mona Lisa asiática. As roupas são finas e cingidas ao corpo, incorporando características do estilo Gupta de Matura (Figura 62).