6 minute read

Mêncio e Xunzi e a o conceito de autonomia moral na

A ALEGRIA a que Xunzi se refere é a mesma alegia mencionada por Confúcio na primeira passagem de Lunyu ([學而時習之, 不亦説乎] “Não é uma alegria, ter aprendido alguma coisa, e experimentá-la na hora certa? “), não a felicidade que vem do conformismo com a moral, que nos faz [不知足 这蹈之、手这無之] “dançar e agitar os braços sem darmos por isso”, 66 de que Mêncio tanto gostava. Esta espécie de alegria, alimento fundamental para os rebentos morais, era completamente desconhecida de Confúcio e Xunzi.

Tal como o homem comum, por si próprio, não é capaz de compreender o Caminho dos Reis Sábios do passado, [學莫便乎 近其人] “na aprendizagem, não há melhor método do que a associação com um homem de saber”, 67 também Xunzi deu grande importância ao papel dos professores e à influência benéfica dos seus ensinamentos. Graças à orientação oferecida por bons professores, é, indiscutivelmente, mais fácil compreender o Caminho:

Advertisement

[ 有師法者,人之大寳也;無師法者,人 之大殃也。人無师法則隆性矣,有師法則隆 積矣,而師法者,所得乎情,非所受乎性, 不足以獨立而治。]

Os mandamentos positivos dos professores são o maior tesouro do homem e a falta deles a maior calamidade. Se um homem não tem os preceitos positivos de um professor, ele realçará a sua natureza inata; se ele os tem, realçará a sua natureza adquirida. Portanto, os preceitos positivos dos professores são o resultado de um esforço acumulado e não da natureza inata, pois esta não consegue estabelecer por si própria • um modelo de boa ordem. 68 [ 禮者、所以正身也,師者、所以正禮 也。無禮何以正身? 禮師,吾安知禮之為是 也? 禮然而然,則是情安禮也;師云而云, 則是知若師也。情安禮,知若師,則是聖人 也。]

É através de rituais que o indivíduo pode ser corrigido; é através de um professor que o ritual pode ser corrigido. Se não houver rituais, como pode o indíviduo ser corrigido? Se nos comportamos em conformidade com os ritos e as normas tradicionais de conduta, a nossa natureza emocional será temperada por aquelas normas. Quando se fala como o professor fala, isso significa que o conhecimento se tornou igual ao do professor. Quando a natureza emocional encontra paz em rituais e o conhecimento é igual ao do professor, então tornamo-nos sábios. 69

Xunzi estava convencido que havia um princípio comum a todas as criaturas que vivem entre o céu e a terra: a necessidade de se associarem com o seu semelhante. O homem não é excepção e sendo o mais dotado dos seres, esta tendência é ainda mais forte e sobressai acima de tudo [人之於其 親也,至顽强無窮] “no seu amor pelos pais que nunca se extingue até à morte”. 70 O homem é a criatura mais nobre da natureza e só ele possui o yi: “o sentido do que é certo e adequado”, o fundamento da justeza e da moralidade, e o fen [分]: “a capacidade de organizar a sociedade na base de uma “divisão social e distinção de classes” muito precisa. 71 Se as classes e as suas funções específicas são baseadas em princípios de moralidade e justiça (yi) e são reguladas pelos ritos e pelas normas tradicionais de conduta (li), então a harmonia prevalecerá no mundo. Se houver harmonia, haverá também unidade e força, que são factores determinantes para ultrapassar dificuldades e criar bem estar e segurança para todos. Pelo contrário, se não houver distinção social, ou se ela não fôr respeitada, segui-se-à desordem, violência e pobreza:

[ 然則從人之欲,則势不能容、物不能贍 也。故先王案為之制禮義以分之,使貴賤之 等,長幼之差,知賢愚、能不能之分。]

Se todos os homens dessem livre sentido aos seus desejos, o resultado seria difícil de suportar, e os bens materiais do mundo não chegariam para satisfazer a todos. Por conseguinte, os Reis Sábios do passado actuaram de forma a controlá-los com regulamentações, rituais e princípios morais, para, deste modo, dividirem a sociedade em classes, criando, ao mesmo tempo, diferenças de estatuto entre nobres e pessoas de origem modesta, disparidades entre os privilegiados de idade e os jovens, e a divisão entre os inteligentes e os estúpidos, entre os capazes e os incapazes. 72

[禮起於何也? 曰: 人生而有欲,欲而不 得,則不能無求;求而無度量分界,則不能 不淨;爭則亂,亂則窮。先王惡其亂也,故 制禮義以分之,以餋人之欲,給人之求,使

欲必不窮乎物,物必不屈於欲,两者相持而

長,是禮之所起也。] De onde surgem os princípios morais? Eu digo que os homens nasceram com desejos. Se não os satisfizerem, isso leva-os a procurarem a sua satisfação, se ao satisfazê-los os homens não usarem moderação nem tiverem limites, será inevitável um combate para encontrarem os meios através dos quais os seus desejos possam ser satisfeitos. Tal combate leva à desordem social e a desordem social à miséria. Os Reis Sábios rejeitaram esta desordem, e por isso estabeleceram regras, rituais e princípios morais para estabelecer uma divisão de papéis, alimentar os desejos dos homens e a sua satisfação. Modelaram as regras de modo que os desejos não sejam totalmente satisfeitos e os bens materiais não sejam esgotados pelos desejos. Deste modo, desejos e bens materiais sustentam-se uns aos outros através dos tempos. Esta é a origem dos princípios rituais. 73

Vitiis nemo sine nascitur: Xunzi teria, certamente concordado com a máxima de Horácio. 74 De acordo com Xunzi, de facto, não só ofen e o yi mas também desejos, emoções e paixões são elementos constitutivos do coração e são parte da natureza emocional (qing [情]) de todos os indivíduos. É, por isso, perfeitamente natural para o homem querer satisfazê-los. 75 É esta a origem do mal; de facto, os desejos e aspirações do homem são muitos e variados, mas os recursos materiais para a sua execução são limitados. Os homens partilham os mesmos desejos e necessitam das mesmas coisas, mas os meios usados para atingir os seus objectivos são diferentes, porque cada um tem uma atitude diferente em relação ao que deseja e precisa: isto é parte da sua natureza. 76 O desequilíbrio entre desejos e necessidades, por um lado, e a escassez de bens por outro, as diferenças de força e inteligência, a falta de funções e divisões precisas, e a ausência de regras claras nas relações entre homens e mulheres, tudo é causa de conflitos contínuos. Se o homem segue as suas inclinações naturais, se é incapaz de as controlar, a agressão e a avareza prevalecerão sobre a cortesia e a deferência, a violência e a desordem substituirão a paz social e a ordem, e os princípios de moralidade e coabitação civil serão destruídos:

聲免焉,順是,故淫亂生禮義亡焉。然則從 人之性,順人之性,必出於争奪,合於犯分 亂理而歸於暴。故必將有師法之化、禮義这 道,然後出於辭讓、合於文理而归於治。]

A natureza do homem é tal que ele nasceu com uma inclinação para o lucro. Se ele se entrega a este gosto, isso vai levá-lo à agressão e à cobiça. A cortesia e o respeito desaparecem. Os humanos nascem com sentimentos de ódio e inveja. Satisfa- zer estes sentimentos leva à violência e ao crime. A lealdade e honestidade perigam. O homem nasceu possuindo o que os ouvidos e os olhos desejam: sons e cores. Entregar-se a estes desejos causa libertinagem e intemperança. Os princípios básicos de moralidade e coabitação civil perigam. Por esta razão, o homem que segue a sua natureza interior e se deixa levar pelas suas inclinações naturais, irá manifestar, inevitavelmente, agressão e inveja. Tal virá acompanhado pela violação das distinções das classes sociais e pelo malogro da ordem natural, regressando a um estado de barbárie. É, assim, necessário que a natureza do homem se submeta às influências transformadoras dos preceitos positivos de um professor e seja conduzido pelos rituais e princípios morais. Só depois se desenvolvem a cortesia e o respeito. Juntam-se estas duas qualidades aos princípios básicos da coabitação civil, e o resultado é uma sociedade ordeira. 77

Xunzi parece estar convencido de que a desordem nasce do conflito entre diferentes concepções de moralidade. 78 Tal como Confúcio, reconheceu que os sábios têm o mérito de compreender o dao, de corrigir a sua própria natureza e tornar-se um modelo para a família e para toda a sociedade, criando um conjunto de ritos e convenções sociais e estabelecendo regras e modelos legais para o governo do mundo. 79 Graças aos sábios, o homem é, por sua vez, capaz de transformar a sua própria natureza inata que, deve ser notado, não é má de per si, mas contém um potencial de componentes negativas, que, se não forem corrigidas a tempo, podem levar ao mal. De acordo com Xunzi, é através da educação, do estudo dos clássicos, dos ritos e das normas tradicionais de cortesia e de uma constante atenção em pô-las em prática que se consegue criar para si próprio uma natureza diferente da original. Esta natureza adquirida será totalmente boa, como a dos Reis Sábios do passado:

[ 聖人積思慮、習偽故以生禮義而起法 度,然則義法度者,是生於聖人之偽,非故 生於人性也。 “…” 故聖人化性起偽,偽起而 生禮義,禮義生而制法度。然則禮義法度 者,是聖人之所生也。]

O sábio reúne os seus pensamentos e ideias, ensina através da prática as competências da sua actividade consciente e os princípios aí envolvidos a fim de produzir ordem moral e estabelecer normas e padrões. Por esta razão, os princípios morais, as normas e os padrões são uma criação da actividade conciente do sábio e não o produto de algo inerente à sua natureza inata. [...] Assim, o sábio ao transformar a sua natureza original começa a desenvolver a sua natureza adquirida, a partir desta, cria os princípios morais; depois de os produzir, estabelece normas e padrões. 80 [ 凡所貴堯、禹、君子者、能化性、能起 偽,偽起而生禮義]

This article is from: