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As grandes conquistas científico-tecnológicas Cláudia
1.Introdução
No Ocidente, atribui-se geralmente a reputação de excelência da civilização chinesa à sua ‘sabedoria’ (reservando-se apenas para o pensamento ocidental o termo ‘filosofia’), à sua literatura e poesia, às suas variadas artes visuais, havendo quem reconheça ainda a sua precocidade na reflexão moral, na sociologia, na crítica histórica e na teorização estética. Todavia, exceptuando as “Quatro Grandes Invenções Chineses”, raramente se menciona a sua ciência e tecnologia, que não são sequer ensinadas nas escolas. Isto sucede apesar de existirem publicações notáveis em língua inglesa e demais línguas europeias acerca do brilhantismo da história da ciência e da tecnologia chinesas, a começar pelo ciclópico Science and Civilization of China (1954-até ao presente), de Joseph Needham. Deve-se tal relutância a uma determinada concepção ocidental de ciência que emergiu no séc. XIX, época em que se consolidavam os grandes impérios coloniais da Europa e em que a história da ciência enquanto disciplina se formou. Essa concepção, que ainda hoje vigora, promove a ideia de que toda a ciência digna desse nome nasceu na Europa a partir da chamada Revolução Científica dos sécs. XVI e XVII e é a marca distintiva da superioridade da sua civilização, excluindo da mesma esfera todas as outras civilizações da Terra, como a chinesa, a árabe, a indiana e as pré-colombianas. Ora, há que ter consciência de que essa concepção de ciência não é, ela própria, científica. Na melhor das hipóteses, é uma concepção filosófica, legítima mas questionável, que resulta da visão da história da ciência como uma adição de estados descontínuos e não como um processo contínuo. Na pior das hipóteses, é uma concepção meramente ideológica assente numa agenda oculta que visa incrementar o mito da supremacia ocidental. Mas aqueles que recusam tanto essa posição filosófica como essa ideologia injusta podem afirmar que, se a ciência é feita sobre os ombros de gigantes, segundo a fraseologia de Bernardo de Chartres (séc. XII) retomada por Newton em 1675, esses gigantes tiveram, bastas vezes, feições chinesas. Um caso paradigmático é o de Francis Bacon (1561-1626), considerado um dos fundadores da Revolução Científica que assinalou a emergência da ciência moderna. Para Bacon, o co- nhecimento sob a forma empírica de inovações mecânicas e tecnológicas era a força propulsora do desenvolvimento humano. Na obra Novum Organum (1620), Bacon afirmou que, de entre todas as invenções humanas, três havia cuja contribuição para o advento do mundo moderno não tinha rival, acrescentando que a sua origem era, todavia, anónima e obscura. Tratava-se da pólvora, da bússola magnética e do papel e da imprensa que, sabe-se hoje, são invenções chinesas. Devido àquela afirmação de Bacon, a que se juntaram afirmações posteriores de Joseph Edkins (1823- 1905), sinólogo e missionário protestante inglês na China, e de Joseph Needham (1900-1995), bioquímico e historiador das ciências inglês, o Ocidente acabou por criar o epíteto “As Quatro Grandes Invenções Chinesas”, exportando-o para todo o mundo, inclusivamente para a própria China (四大发明 si da faming).
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No entanto, poder-se-ia com justeza e facilidade acrescentar-se pelo menos mais uma vintena de Grandes Invenções Chinesas, várias delas decisivas para o advento da Revolução Científica. Joseph Needham elaborou uma lista de 26 tecnologias inventadas pelos chineses que foram transmitidas ao Ocidente. É provável que se trate apenas da ponta do iceberg, uma vez que, quanto mais se recua atrás no tempo, mais difícil é traçar a origem de um dado conhecimento. Contudo, como o tempo que decorre entre as invenções chinesas e o seu surgimento no Ocidente é em geral muito longo, não é difícil imaginar que tenham conseguido percorrer entretanto enormes distâncias. Assim, e dada a precocidade científico-tecnológica do antigo Império Celeste, não será demasiado ousado supor que existirão muitas mais invenções cuja origem se desconhece ou cuja origem seja atribuída ao Ocidente quando, na verdade, a origem será chinesa. Certo é que, depois de o Império Romano ter notícia acerca da civilização chinesa, o conhecimento ocidental acerca dela se atrasou e desacelerou com a interrupção de contactos na Idade Média e pode, ainda hoje, ser considerado deficiente. O desenvolvimento científico-tecnológico da China não teve paralelo em todo o mundo até ao séc. XV. Eram seus os navios mais rápidos, as sedas mais preciosas, a agricultura mais sofisticada. Para além disso, arquivistas natos, os chineses compilavam todas as suas invenções e descobertas em tratados, compêndios e enciclopédias por vezes gigantescas como, para o caso da medicina, o Nei Jing (内經), também conhecido como O Clássico de Medicina Interna do Imperador Amarelo, redigido entre 445 e 221 a. C.; o Mo Jing, sobre física, óptica, magnetismo, acústica, datado de entre os séc. IV e II a. C.; o Sancai Tuhui (三才圖會), ou Colecção de Ilustrações dos Três Reinos (céu, terra e homem), de 1609, publicado por Wan Qi e Wang Siyi na dinastia Ming (1368-1644) com artigos versando sobre astronomia, biologia e geografia. Sobre tecnologia militar, publicou-se em 1044 o Wujing Zongyao (武經總要), de Zeng Gongliang, Ding Du e Wang Weide, entre outros. Sobre ciências físicas e procedimentos técnicos, surgiu em 1086 o Mengxi Bitan (夢溪筆談, Ensaios do Ribeiro dos Sonhos), de Shen Kuo, onde este descreve os princípios de erosão, soerguimento e sedimentação que são a base das ciências da Terra. E sobre matemática, publicou-se em 1247 o Shushu Jiuzhang (数书九章 Tratado de Matemática em Nove Secções), de Qin Jiushao. Em 1313, pelo pincel de Wang Zhen, deu-se à estampa o Nong Shu (農書, O Livro da Agricultura). Em 1403 publicou-se a Yongle Dadian ou Enciclopédia da Era Yongle, que contava com 22 877 rolos de manuscritos dos quais sobreviveram cerca de 3% depois de 1644. No séc. XVII surgiu o Tiangong Kaiwu (天工開物, A Exploração dos Trabalhos da Natureza), de 1637, onde o autor, Song Yingxing, descrevia as técnicas coevas utilizadas na exploração mineira, na metalurgia, na indústria têxtil, na construção naval, na química, na hidráulica, na tecnologia militar e na agricultura. O mundo moderno é sem dúvida fruto de correntes de informação entre o Oriente e o Ocidente que atravessaram as vastidões da Eurásia e as rotas marítimas ao longo de milénios. Se hoje se pode contar com uma agricultura e construção naval modernas, uma indústria do gás e do petróleo, observatórios astronómicos modernos, matemática decimal, foguetes multiestágios, relógios mecânicos, armas de fogo, minas subaquáticas, gás tóxico, para-quedas, a impressão e o protótipo do motor a vapor, deve-se isso à China e às viagens do conhecimento.
2. Agricultura
Na esfera da agricultura, os chineses cedo revelaram um génio com que poucos podiam rivalizar. Desde 1400 a. C. que faziam várias colheitas por