EXPEDIENTE
EDITORIAL
A HSM é uma empresa dos grupos
Distribuição nacional em bancas pela DINAP S/A. Distribuidora Nacional de Publicações. HSM Management é uma publicação bimestral da HSM do Brasil. ISSN 1415-8868 O CONTEÚDO DOS ARTIGOS É DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES.
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humor e vêm de uma crônica de Paulo Mendes Campos, cujo título é “Para Maria da Graça”. Durante nossa HSM ExpoManagement 2013, lembrei-me imediatamente delas quando o especialista em inovação Vijay Govindarajan propôs que as empresas passassem a trabalhar com três caixas para classificar suas iniciativas de negócios: uma comportaria as que gerenciam o presente, outra seria voltada para as que descontinuam o passado e a terceira abrigaria projetos que criam o futuro. Assim como o cronista Mendes Campos poeticamente simplificou e facilitou nossa vida com suas três caixas de humor, Govindarajan nos apresentou o extremo da simplicidade com suas três caixas. Essa foi, aliás, a tônica do último evento: todos os palestrantes, reconhecendo o momento de ruptura que vivemos, deram sugestões valiosas –algumas inusitadas– para simplicarmos e facilitarmos nossos negócios. Você, leitor, pode conferir isso na megacobertura desta edição: Simplicidade na Ruptura. Garanto: será uma ótima maneira de começar
Maurício Escobar
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Nascida no Brasil em 1987 com o propósito de oferecer conteúdos de excelência na gestão de empresas, a HSM é hoje referência em educação executiva.
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Essas são as três caixas de guardar
2014, que promete ser um ano complexo para o Brasil. Devo admitir, contudo, que, se os desafios serão grandes para os brasileiros, é provável que o sejam ainda mais para as brasileiras. No Brasil, segundo análise da firma de consultoria Bain & Company, um homem tem 20 vezes mais chance de chegar ao topo de uma empresa do que uma mulher, e, dos cargos executivos em geral, apenas 16% são ocupados por elas aqui. A pesquisa da Bain não encontrou uma explicação unânime para o desequilíbrio: 45% dos mais de 500 entrevistados atribuem o baixo percentual de mulheres líderes ao conflito de prioridades destas, 32% acham que são as diferenças de estilo que o justificam (porque uma pessoa tende a promover perfis semelhantes ao seu) e 23% culpam o viés organizacional. Isso só ressalta a relevância do projeto de equidade de gêneros que a multinacional brasileira Vale vem implementando e que pode tornar-se uma quebra de paradigma para nossas organizações. HSM Management publica o case Vale em primeira mão, buscando a simplicidade também para as gestoras. Nossas outras páginas estão igualmente ricas, contudo. Você entenderá o que a Amazon realmente vem fazendo com o varejo; aprenderá com erros e acertos das fusões e aquisições no Brasil na pesquisa feita pela professora Betania Tanure; saberá calcular e elevar o QI de inovação de sua empresa (eu já comecei a fazer as contas); acompanhará os empreendedores que geram empreendedores, como Indiegogo, Catarse e Quirky etc. Feliz 2014!
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REDAÇÃO/TRADUÇÃO Alexandra Delfino de Souza, Fernando Moreira Leal, Graciliano Toni, Lizandra Magon de Almeida, Rosemarie Ziegelmaier, Sílvio Anaz REVISÃO Marcia T. Courtouké Menin LOGÍSTICA Walney Santos PUBLICIDADE Rita Prieto Tel. (11) 4302 2632
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para o humor mais ou menos barato que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para o humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim, uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas.
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DIRETOR-PRESIDENTE Maurício Escobar DIRETOR-EDITORIAL José Salibi Neto DIRETOR DE MARKETING Guilherme Soarez DIRETOR DE MÍDIAS André Castro PUBLISHER Renata Muller EDITOR DE ARTE Alexandre Braga DIAGRAMADOR Carlos Borges Junior EDIÇÃO AF Comunicações EDITORA-EXECUTIVA Adriana Salles Gomes COLABORADORAS Adriana Dallolio e Isabel Scafuto
AS 6 CAIXAS, A SIMPLICIDADE E AS MULHERES DA VALE
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DIRETO AO
PONTO ALTA GERêNCIA 1
CONTAGEM REGRESSIVA COM
JEAN-PIERRE CECILLóN DIRETOR PARA AS AMÉRICAS CENTRAL E DO SUL DA FABRICANTE DE MÓDULOS DE MEMÓRIA PARA COMPUTADOR KINGSTON, O EXECUTIVO BRASILEIRO FALA A SEGUIR SOBRE SEUS MAIORES DESAFIOS, A MELHOR DECISÃO QUE TOMOU, O PIOR ERRO COMETIDO, E AFIRMA QUE O SETOR CORPORATIVO CONTINUA A SER SEU FOCO E QUE DEVE APOIAR MAIS AS INDÚSTRIAS LOCAIS DE MONTAGEM
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Que desaios a posição de líder da Kingston na América Latina lhe traz? Considerando que sou responsável por oito países e venho de um nono, acredito que a diversidade cultural é um aspecto que sempre apresenta desaios nas negociações. Apesar de se falar o mesmo idioma em quase toda a região, a maneira de se comunicar e os hábitos têm suas sutilezas em cada lugar. A isso se somam diferentes graus de maturidade dos canais de distribuição, o que também está relacionado com o tempo em que atuamos em cada mercado.
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De que maneira você motiva sua equipe nesse contexto? Vários de meus funcionários trabalham comigo há anos, e a maioria tinha experiência como cliente da empresa antes de ser contratada. A ilosoia da Kingston é fazer com que o colaborador se sinta parte da organização, que tenha sentido de pertença. Somos pouco estruturados e formalizados. O que também funciona muito bem é a autonomia, a independência de ação, a liberdade para gerir o próprio tempo. Isso implica uma tremenda responsabilidade em termos dos resultados a alcançar, mas estou convencido dos benefícios. Procuro manter minha equipe informada, o que é fundamental para alcançar os objetivos planejados. Por
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Kingston da maioria das fabricantes de componentes e acessórios. De outro lado, nossa empresa está cada vez mais interessada em apoiar a indústria local de montagem nos países em que haja políticas de incentivo.
2 estarmos em países e fusos horários diferentes, nós nos reunimos duas ou três vezes por ano em reuniões de revisão de resultados e mantemos um grupo de comunicação móvel (antes com o BBMessenger, agora com o WhatsApp), no qual vale tudo, menos icar bravo.
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Qual será a estratégia de crescimento para a Kingston em 2014? Nosso negócio é muito dinâmico e o enfoque mudou bastante nos últimos anos. Creio que continuaremos irmes no setor corporativo. Estamos ampliando nossa estrutura de serviços, porque é um dos principais fatores de diferenciação da
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Qual foi sua melhor decisão antes de ingressar na Kingston? Foi deixar a startup em que havia entrado dois anos antes para ingressar em uma irma de consultoria brasileira com negócios no Brasil e na Argentina. Tratou-se de minha primeira experiência internacional, aos 24 anos, e tive a oportunidade de conhecer várias pessoas e empresas líderes.
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E seu pior erro? Foi ter misturado amizade com negócios, a ponto de aceitar certas negociações baseando-me somente na palavra de uma pessoa. Não sou contra trabalhar com amigos, mas, se as coisas não se pautam por contratos, o risco de fracasso e frustração é grande. Mesmo assim, tenho uma visão otimista da vida: foi por causa desse erro, e dessa amizade perdida, que comecei minha experiência na Kingston, há 14 anos.
HSM Management (Entrevista de Leandro Zanoni)
ALtAGERÊNCIA gERênciA ALTA
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FEMININA UMA INICIATIVA DE EQUIDADE DE GÊNEROS ESTÁ FAZENDO A MINERADORA VALE ENCONTRAR SINERGIAS E OPORTUNIDADES INIMAGINADAS PARA OS NEGÓCIOS E PODE QUEBRAR PARADIGMAS DO MERCADO CORPORATIVO BRASILEIRO.
NESTE ARTIGO EXCLUSIVO, A DIRETORA-EXECUTIVA DA VALE VANIA SOMAVILLA, A EX-EXECUTIVA CARLA GAMA E A CONSULTORA CARMEN MIGUELES DESCREVEM O PROGRAMA EM DETALHES
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uando nos sentamos para pensar em equidade de gênero pela primeira vez, em 2011, não imaginamos que nos levaria tão longe. Em pouco tempo, a busca por reduzir a desigualdade entre mulheres e homens em nossos quadros nos conduziu ao coração da estratégia e ao núcleo da cultura organizacional. Por que nos atrevemos a tentar emplacar um projeto que prestigia as mulheres em uma empresa de mineração tradicional como a Vale? Afinal, ela tem sua história marcada por esforços masculinos de desbravar territórios em busca de recursos minerais e foi condicionada pela ética dos shareholders, de Milton Friedman, segundo a qual a obrigação social da empresa é apenas produzir lucro para seus acionistas. Porque entendemos que a ética dos stakeholders, de Edward Freeman, é a mais adequada para nós, até mesmo do ponto de vista dos acionistas. Cuidar das várias partes interessadas é o que consegue garantir a sustentabilidade dos negócios e os retornos futuros. Partimos daí: abandonamos a visão centrada no lucro e de curto prazo e nos dedicamos a analisar como a equidade de gênero poderia gerar todo um conjunto de benefícios (não apenas o lucro) no longo prazo. Um projeto de equidade de gênero na Vale poderia ser importante para:
l Colocar nossos valores em prática. l Engajar mais as pessoas.
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l Apoiar o desenvolvimento de lide-
ranças em toda a organização.
l Planejar nossa estratégia de inter-
nacionalização no que diz respeito a gestão de pessoas. l Criar indicadores de governança que permitissem ao conselho de administração e demais stakeholders acompanhar a evolução dos pilares de sustentabilidade do negócio. Mas qual seria o ponto de partida?
A MULHER E A POBREZA Começamos pelo começo, pesquisando por que o tema da equidade de gênero vem surgindo com tanta força nos últimos anos e qual seria nosso papel nesse cenário, se é que haveria um papel para a Vale nele. Estudando dados e análises da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial, compreendemos logo o foco no tema: não é possível pensar em desenvolvimento sustentável, seja de um país, seja de um negócio, sem lidar com a questão de gênero. Os trabalhos da ONU e do Banco Mundial não deixam dúvida de que a pobreza e a miséria crônica são femininas: l A ONU e o relatório A Armadilha do Gênero – Mulheres, Violência e Pobreza, do Banco Mundial, revelam que mais de 70% dos pobres e muito pobres do mundo são mulheres e, dos restantes 30%, boa parte é de crianças do sexo masculino dependentes delas. Consi-
As fotograias que ilustram este artigo são de funcionárias reais da Vale que protagonizaram a publicidade da empresa em linha com seu projeto de equidade de gênero
dera-se que 86% da pobreza tem a ver com mulheres. l O Global Gender Report de 2012, do Banco Mundial, confirma a relação entre desigualdade de gêneros e a pobreza de uma nação, pois os países mais desiguais são também os mais pobres. É que mulheres pobres propagam famílias pobres. A Vale tinha um papel importante a cumprir, portanto, e o passo seguinte
SinOPSE l Em 2010, a Organização das Na-
ções Unidas estabeleceu uma série de princípios de empoderamento das mulheres, aos quais mais de 550 empresas do mundo já aderiram. O país com mais adesões é o Japão, e o Brasil ocupa o segundo lugar. Aparentemente, há aqui cada vez mais gestores já convencidos da relação direta entre a pobreza em um país e o nível de desigualdade entre seus habitantes homens e mulheres e, portanto, capazes de vender essa causa aos acionistas. l Entre as companhias que irma-
ram o compromisso em prol da equidade de gênero com a ONU está a mineradora Vale, um ícone de sucesso corporativo do Brasil e uma empresa tradicionalmente masculina, como é o padrão nesse setor. Desde 2011, a Vale tem um programa que visa dar as mesmas oportunidades a proissionais mulheres e homens, reconhecendo talentos e capacidades independentemente de gênero e garantindo a meritocracia. l O programa é detalhado neste ar-
tigo e, mesmo ainda sendo recente, já surpreendeu a Vale: conforme as primeiras reações, a maior equidade de gênero tende a aprimorar signiicativamente a gestão do negócio e melhorar resultados em diversas áreas, ao criar sinergias e oportunidades inesperadas.
Os países com maior desigualdade entre homens e mulheres são também os mais pobres
foi entender o macrocenário brasileiro: também nossa pobreza é feminina? A resposta, infelizmente, é sim. A Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a taxa de desemprego das mulheres é cerca de 58% maior do que a dos homens –mesmo sendo um dado de 2001, as projeções indicam que a relação se mantém. Além disso, a renda média delas é 21% inferior à deles, na comparação por horas trabalhadas; entre quem tem mais de 15 anos de estudo, o gap aumenta para 39%; e o desnível chega a 61% quando se trata de mulheres negras. Resultado: segundo o estudo “Pobreza multidimensional no Brasil”,
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do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a situação mais crítica de pobreza e vulnerabilidade da infância no Brasil está nos lares chefiados por mulheres negras. A continuarem assim as coisas, nosso futuro está evidentemente ameaçado, até porque cresce o número de lares chefiados por mulheres. Estes passaram de 19,3% em 1992 para 32% em 2002 e, em 90% dos casos, as mulheres não são apenas as chefes, mas as únicas provedoras. É impossível uma empresa brasileira fechar os olhos para uma situação tão grave para o País.
PRinciPAiS DESAFiOS E A tOMADA DE POSiÇÃO
A Vale é uma empresa eminentemente masculina e tínhamos dois desafios intrínsecos a isso. O primeiro deles era compreender as causas da menor participação de mulheres aqui e combatê-las. Se acreditamos que as mulheres são tão capazes quanto os homens (e, sim, nós acreditamos nisso), o problema não podia ser discriminação. Qual era, então? O segundo desafio estava em como combater tais causas. Bastaria implantar um sistema de cotas, como muitas vezes se faz? Ou isso feriria nossa meritocracia no coração e não resolveria a questão de maneira sustentável? Uma coisa logo percebemos: o escritor H. L. Mencken tinha razão quando afirmava que “para cada problema complexo há uma solução clara, simples e errada”! Não há soluções simples para a desigualdade de gêneros, pelo menos não no ambiente empresarial. Decidimos não combater uma discriminação com o que entendíamos ser outra, como o sistema de cotas; definimos em nosso posicionamento oficial que reconhecíamos e reduziríamos as diferenças: “A Vale busca reconhecer e promover o talento e a capacidade da mulher, diminuindo a discrepância histórica e cultural de acesso a oportunidades, sem criar um ambiente discriminatório. Acreditamos que, independentemente do gênero, cada um possui talentos únicos e apresenta capacidade para crescer e se desenvolver tanto pessoal quanto profissionalmente. Com paixão pelas pessoas e pelo planeta, reconhecemos as diferenças e as usamos como alavanca para criação de valor de longo prazo.”
Escolhemos também tratar o tema como equidade entre os gêneros, não igualdade, para dar conta da questão da maternidade como uma desvantagem histórica das mulheres, entre outras. E assim começou o projeto.
DO DiAgnÓSticO AO PLAnEJAMEntO O primeiro passo foi o trabalho de diagnóstico das causas da menor participação das mulheres e descobrimos os seguintes fatores: A cultura nacional, assim como o imaginário social sobre gênero dentro dela, naturalmente entra nas or-
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ganizações por meio de suas pessoas, e a cultura brasileira é mais masculina. Histórica e mundialmente, há menor número de mulheres nas carreiras técnicas e tecnológicas, como falamos, e soma-se a isso o fato de que muitas das atividades, em uma época de menor desenvolvimento tecnológico, demandavam força física. A cultura organizacional da Vale tinha o viés masculino, por duas razões claras [veja quadro na página ao lado]. O processo seletivo ao longo da empresa é realizado por gestores e funcionários que, compartilhando a cultura nacional e seus valores, podem tender a acreditar de fato que escolher homens contribui para o melhor resultado do negócio, mesmo que lhes seja dito que isso não é o ideal nem o desejável. Felizmente percebemos que muitos gestores em posições estratégicas já entendem a diversidade como um caminho para obtenção de melhores resultados operacionais.
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As próprias mulheres têm certo “preconceito” com o negócio “mineração”, desconhecendo a evolução tecnológica e as oportunidades que já existem para o sexo feminino nesse setor. A etapa seguinte, da análise, levou-nos a listar os desafios de gestão de pessoas que a Vale enfrenta hoje e observar se eles poderiam ser, de alguma forma, minorados com um projeto de equidade de gênero: l Escassez de talentos. A maioria das empresas ainda tem a propensão de recrutar seus talentos dentro do grupo de homens brancos, uma espécie de estratégia “oceano vermelho” do recrutamento e seleção, que recusa a diversidade. O fato é que cerca de 56% dos egressos dos cursos superiores no Brasil já são mulheres, além de serem no grupo com melhor desempenho de notas (estão no primeiro quartil), e vêm ocupando espaço crescente nas carreiras técnicas. De muitos modos, as profissionais do sexo feminino representam um oceano azul em si e, para completar, o combate à discriminação de gênero nos ajuda a aprender a combater com eficácia todas as formas de discriminação, promovendo a diversidade como um todo. l Cultivo à confiança. Entre outras coisas, a confiança é o que costura o comprometimento das pessoas com uma organização. A discriminação, além de intolerável por si e contrária aos valores da empresa, pode criar um sentimento de injustiça que mine a confiança. l Inovação. Há uma relação direta entre atração e retenção de talentos, gestão do conhecimento e produtividade do trabalho intelectual e inovação, como mostra um dos mais antigos programas corporativos de gestão da diversidade do mundo, o da norte-americana IBM. Na percepção de seus gestores, o fato de a empresa ser a campeã mundial de patentes relaciona-se diretamente com a diversidade. A lógica é simples: a capacidade humana está igualmente
distribuída entre gêneros, raças e etnias e, quanto mais o processo seletivo discriminar, mais se reduzirá a probabilidade de recrutar os melhores. Em paralelo, listamos os desafios da Vale no novo contexto de competição global e analisamos como o projeto de equidade de gênero poderia responder a isso: l Alinhamento com os organismos internacionais.
Entre as falsas crenças a ser combatidas entre os líderes estava a de que os ilhos prejudicam o desempenho da mãe
As grandes multinacionais precisam atuar em linha com os macrodesafios propostos pelos organismos internacionais, como o Pacto Global da ONU. Além das razões éticas, isso aumenta as chances de obter a licença social para operar e cria valor de marca em diferentes mercados; gera confiança na empresa e fornece as bases para a consolidação do crescimento. Valor de marca, no cenário da globalização, é resultado principalmente das ações orientadas por valores e produto da reputação de uma comunidade de indivíduos que faz a coisa certa. l Globalização da ética dos stakeholders. Para o desenvolvimento de competências organizacionais importantes a quem atua no cenário global e multicultural, metas de equidade de gênero precisam ser perseguidas nos diferentes locais onde uma empresa opera –no caso da Vale, devem ser buscadas seja no Canadá, seja em Omã, seja em Moçambique. A experiência no Brasil apoia outras experiências. l Criação de contexto capacitante para o desenvolvimento de lideranças adequadas a contextos multiculturais. O projeto de equidade de gênero ajuda a estabelecer um padrão de construção de confiança e engajamento dos funcionários que tenha êxito nas mais diferentes culturas. Era preciso ainda combater ativamente três falsas crenças existentes ao longo da hierarquia, com muita comunicação: l “Filhos prejudicam o desempenho da mãe.” Alguns
líderes ainda acreditavam que selecionar homens era importante para garantir a estabilidade e a continuidade do
“MULHER EM MinA tRAZ Má SORtE” Você já ouviu falar que mulher em uma mina dá azar, podendo causar acidentes e tragédias? Até pouco tempo atrás, essa crença era real na engenharia de minas e, como quase toda crendice, tem também uma explicação racional que faz sentido. A engenharia de minas surgiu ligada à engenharia militar, pela forma como lidava com explosivos e pela conquista de territórios ainda não explorados, e considerava-se que ambas as situações representavam perigo para as mulheres. Essa é uma das raízes da cultura organizacional masculina até hoje veriicada na Vale. A outra é que a empresa foi fundada em 1942, época em que era impensável mandar mulheres para regiões remotas, como era preciso fazer em uma mineradora, qualquer que fosse a atividade em questão.
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SAiBA MAiS SOBRE AS AUtORAS Em 2011, a diretora-executiva da Vale Vania Somavilla foi convidada pela ministra Izabella Teixeira, do Meio Ambiente, a participar da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade, formada para discutir as questões de gênero com vistas à Conferência Rio+20, da Organização das Nações Unidas, que aconteceria no ano seguinte. Somavilla acreditou tanto na proposta que a abraçou e a patrocinou na Vale, pedindo à então diretora de educação e gestão de talentos Carla Gama que criasse um projeto de equidade de gênero. A consultora Carmen Migueles entrou na parceria oferecendo base conceitual para a iniciativa. Em outubro de 2011, nascia o projeto, com o patrocínio imediato do presidente da Vale, Murilo Ferreira, altamente sensível ao tema. Somavilla é engenheira de formação e atua na Vale desde 2001; ali lidera as áreas de recursos humanos, saúde e segurança, sustentabilidade e energia. A também engenheira Gama ingressou na empresa em 2005 e deixou-a em abril de 2013; atualmente é consultora independente com foco em estratégia, gestão e pessoas. A consultora Migueles é sócia da Symballein, especializada em cultura e gestão de ativos intangíveis,
desempenho, porque as equipes não ficariam desfalcadas no período de licença-maternidade ou com a atenção das mães aos filhos. Por essas razões específicas, em uma disputa entre um homem de menor potencial e uma mulher mais capacitada (tanto em talento como em comprometimento), esses líderes declaradamente prefeririam o homem. Nesse caso, a falsa crença é achar que garantir a presença física do trabalhador na empresa por toda a sua vida útil e sua maior disponibilidade de tempo compensa menos talento e menos comprometimento. l “Não há desigualdade de gêneros na Vale.” Alguns líderes disseram que a empresa não tinha problemas ou desafios com essa questão, o que é uma falsa crença a julgar pelas estatísticas do quadro pessoal. l “Esse assunto não tem nada a ver com negócios; é responsabilidade social.” Alguns líderes mostraram crer que esse tipo de programa não está relacionado diretamente com a gestão do negócio e com seu desem-
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Carla Gama
Carmen Migueles
Vania Somavilla
e coordena o núcleo de estudos de sustentabilidade em gestão da Fundação Getulio Vargas. Mestre e doutora em antropologia aplicada à gestão, trabalhou por 13 anos na Universidade de Sophia, de Tóquio, Japão, em uma metodologia que relaciona cultura e sucesso em gestão.
penho e, portanto, deve ser tocado por uma área específica, à parte, como a ligada à responsabilidade social.
Montamos um comitê corporativo para pensar sobre o problema e ouvimos pessoas da ponta operacional a respeito
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Chegamos, então, à hora de efetivamente criar as medidas de promoção da equidade de gênero. Para isso, fizemos dois movimentos. Em primeiro lugar, montamos um comitê corporativo, composto por homens e mulheres, líderes em todos os níveis e de diversas localidades e negócios da empresa, para pensar sobre o problema, debatê-lo e propor soluções. Seus membros foram capacitados a fazer isso. Em segundo, ouvimos pessoas da ponta operacional a esse respeito, tanto homens como mulheres, de diferentes áreas e locais. É fundamental ouvir a ponta, pois um projeto de mudança como esse nunca é imposto de cima para baixo; a transformação só ocorre por meio do envolvimento e desenvolvimento da consciência sobre os problemas e as oportunidades. Reunimos as sugestões do comitê e da pesquisa com a ponta e as colocamos em uma matriz “Impacto x esforço requerido (em termos de orçamento e alocação de tempo das equipes)”, para priorizar as medidas a ser tomadas. Ficamos surpresas: era alto o volume de ações de alto impacto e baixo esforço que surgiram nas consultas. Definimos as ações prioritárias com base nessa matriz, e desde o início foi possível observar o resultado em termos de percepção do valor dessas ações e desejo por participação e engajamento.
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OCEANO AZUL COM A FORÇA DE TRABALHO
FEMININA O DESAFiO nO OciDEntE E nO ORiEntE Tanto na porção ocidental do mundo como na oriental, é preciso que as empresas e a sociedade como um todo desaiem arquétipos culturais há muito introjetados ou que aceitem as características descritas como capazes de contribuir para a lógica de seus negócios. A especialista Carmen Migueles fez uma série de pesquisas e compilou as principais características associadas aos dois gêneros, como se vê ao lado:
NO OCIDENTE: O MASCULINO
O FEMININO
Força
Fragilidade
Razão
Emoção
Independência
Dependência
Coragem
Medo
Lógica
Psicológica
Consciente e sensação
Aberta ao inconsciente/ intuição/sentimento
Racionalidade
Irracionalidade
Público
Privado
Sol/dia/claro/ coniável/puro
Lua/noite/escuro/ suspeito/impuro
Política
Intriga
NO ORIENTE: O MASCULINO O aspecto masculino em nós, homens e mulheres, representa a ação, a força de vontade, a capacidade de realizar, de movimentar o corpo e de fazer coisas no mundo físico.
O FEMININO A energia feminina representa a parte mais profunda e sábia, que se comunica conosco pela intuição. A energia feminina é também a capacidade de sentir, de dar e de receber carinho, afeto e amor, de expressar as emoções e desejos.
Excitado e poderoso
Calmo e irme
Desabrochar
Semente
Dia
Noite
Força
Técnica
Expirar
Inspirar
O pai, o governante, o guerreiro
A mãe
O céu, o polo, claro
A terra
Ligado à força, ao ímpeto e ao pensamento lógico e racional. Está associado aos movimentos de expansão, ao dia, ao sol, à explosão de energia. Seu atributo principal é a força para a ação. Atitudes yang: assertividade, espírito de luta, precisão, clareza, capacidade de tomar iniciativa e conquistar.
Ligado à suavidade, à sensibilidade e à intuição. Seu atributo principal é ser receptivo. Yin é o lado escuro, mas não está ligado à negatividade, e sim à fertilidade e ao mistério. Atitudes yin: aceitação, paciência, acolhimento, introspecção, recolhimento.
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MEDiDAS PRáticAS: cOnDiÇÕES MAtERiAiS, PROcESSOS E LÍDERES
As medidas práticas se referiam a condições materiais (que formam as condições reais e objetivas para colocar valores em prática), processos (que estabelecem as condições organizacionais) e comprometimento dos líderes (que geram as condições políticas). Só depois de elas serem implementadas é que a empresa poderia falar sobre valores, identidade e missão com as pessoas. Quanto às condições materiais, destacam-se as seguintes medidas: Equipamentos de proteção individual (EPIs) e uniformes sob medida. Como se sabe, tudo isso foi desenhado para homens –e mulheres não são iguais a homens menores. Já viu como fica uma luva masculina na mão de uma mulher? O redesenho dos EPIs e dos uniformes para as mulheres podia gerar mais conforto e aumentar a segurança delas. Chamamos fornecedores, que viram uma oportunidade de inovação para seu produto e uma forma de gerar mais valor para seus clientes e desenvolveram protótipos com a participação das mulheres da Vale. Isso ocorreu com base na colaboração, sem necessidade de investimentos. Reforma de instalações físicas. Para aumentar o efetivo de mulheres, seria necessário construir ou reformar vestiários e banheiros, além de rever o número e a qualidade das salas de amamentação. Investimos no planejamento, priorização e alocação de recursos para todas as reformas necessárias. Suporte para a maternidade. Embora mais engajadas do que os homens em geral, as mulheres abandonam mais o emprego, muitas vezes por causa dos filhos. Incluir mais mulheres, portanto, significa dar suporte para a maternidade e, assim, iniciamos trabalho de análise da revisão do tempo da licença e dos benefícios. É necessário fazer escolhas difíceis. Por exemplo, os homens gostariam de ter o mesmo benefício relativo a creche que as mulheres, opção que dividiria igualmente os recursos e impactaria enormemente no montante a ser empregado no programa. No primeiro momento (podemos rever isso no futuro), a escolha é pelo suporte para o ingresso e permanência das mulheres na empresa. O objetivo é a equidade, e não a igualdade, como já comentamos. No que diz respeito aos processos, podemos mencionar um:
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l Mudança no modo de ingressar na empresa. Revimos a forma de anunciar nossas vagas e de atrair talentos. Em nossa publicidade para o tema, por exemplo, predominavam imagens de homens trabalhando na empresa. Mostramos mulheres dirigindo caminhão fora de estrada, eletricistas, mecânicas e outras. É esperado aumento do número de candidatas com ações simples como essa. As mulheres são aptas a fazer tudo isso, e com muito mais cui-
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As mulheres são aptas a dirigir caminhão offroad, atuar como eletricistas e mecânicas, e fazem tudo isso com cuidado, reduzindo acidentes
dado, reduzindo os acidentes e o custo com seguros e reforçando o primeiro de nossos valores corporativos, que é o valor da vida. (Sempre é bom lembrar que as causas mais profundas dos acidentes de trabalho e da falta de cuidado com a própria saúde e com o meio ambiente estão relacionadas com o paradigma cultural da masculinidade e que confirmamos, no dia a dia, que mulheres têm menos acidentes de trabalho.) Quanto ao comprometimento dos líderes, isso passa pela construção de novos paradigmas, em andamento: l Comunicação
da separação entre os dados biológicos do sexo e as questões de gênero. Sexo é um dado biológico; gênero é uma produção cultural. A discriminação contra as mulheres está profundamente in-
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OBJEtiVOS EM 10 AnOS fluenciada pelos paradigmas culturais de gênero. Eles são transmitidos e reforçados nas artes, nos mitos, nas lendas e na literatura, tanto do Ocidente como do Oriente [veja quadro na página 43], com a diferença de que as culturas orientais aceitam que todos temos energia masculina (yang) e feminina (yin). Historicamente, nas empresas, buscavam-se apenas as virtudes masculinas do imaginário cultural e estas eram associadas somente à contratação de homens. Nossos líderes estão aprendendo que os negócios podem beneficiar-se tanto das virtudes masculinas como das femininas, e que mulheres e homens são igualmente capazes de viver e desenvolver ambas de maneira equilibrada, se forem educados desse modo. Ou seja, as mulheres são capazes de comandar e os homens são capazes de cuidar. O desequilíbrio para qualquer lado é prejudicial, e em nossa sociedade o predomínio da masculinidade vitimiza não só mulheres, mas também homens e o meio ambiente, na forma como cria problemas sociais e ambientais. O desequilíbrio faz com que o processo de socialização dos homens esteja voltado para a competição e o individualismo, com foco nas vitórias individuais em cada embate.
OS PRÓXiMOS DEZ AnOS Elaboramos uma lista de temas estratégicos para nortear nossa reflexão e as sinergias possíveis entre o projeto de equidade de gênero e outros projetos da empresa, o que ajuda a organizar a agenda de discussão dos agentes da equidade. Os agentes agora estão estruturados em três: o comitê corporativo, já relatado; os embaixa-
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Sensibilização e aprofundamento
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Engajamento
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Inluência
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FEMININA dores, que ficaram encarregados de difundir e debater o tema pela empresa; e os comitês regionais, que mantêm o debate vivo nas pontas e se encontram integrados com o comitê corporativo, dando unidade à diversidade. Dada a dispersão geográfica da Vale, foi preciso montar essa estrutura para facilitar a gestão, a produção do conhecimento sobre o assunto, sua articulação nas diferentes áreas e seu monitoramento. Os temas estratégicos da agenda são seis:
Consolidação da posição da Vale no cenário nacional
Consolidação da posição da Vale no cenário internacional
Vale como líder no tema: melhores práticas e promoção do diálogo
Vale como modelo de inspiração para outras empresas
Vale como interlocutora reconhecida por governos e sociedade por sua contribuição para o tema
Vale como modelo de inteligência estratégica em gestão multicultural e intercultural, com excelência em gestão da diversidade
Vale reconhecida internacionalmente como empresa onde diversidade é valor e gera valor para o negócio
1) Equidade de gênero em relação aos macrodesafios dos organismos internacionais. 2) O desafio da equidade de gênero para grandes multinacionais. 3) A relação com seus públicos internos e os stakeholders. 4) A relação com o desenvolvimento das pessoas e a missão maior do trabalho. 5) A relação com os desafios da responsabilidade social corporativa. 6) A equidade de gênero e a saúde e segurança no trabalho. Com base nisso, elaboramos um conjunto de diretrizes para nortear nossa reflexão sobre metas e desafios para o desenvolvimento do projeto no tempo, com etapas sugeridas para a ação em dez anos [veja a linha do tempo ao lado]. Temos consciência: o caminho para o sucesso depende de muitas coisas. Depende de formular o entendimento de aonde queremos chegar, de definir as etapas de maneira realista, de envolver e engajar nelas as pessoas (principalmente as mais próximas da operação, do dia a dia), de capturar o máximo de sinergia com outros esforços da organização, de planejar as ações de modo que todos ganhem com isso. Por fim, depende de ter claro um sentido de missão e de pensar em um legado.
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REPORTAGEM HSM MANAGEMENT APRESENTA A EMPRESA PIONEIRA DO FINANCIAMENTO COLETIVO, QUE ATUA EM 200 PAÍSES VIABILIZANDO O SURGIMENTO DE STARTUPS, EM ESPECIAL NA ÁREA SOCIAL. ELA FOI FUNDADA PELA JOVEM DANAE RINGELMANN E TEM CONVENCIDO AS PESSOAS A INVESTIR US$ 100 EM UMA BOA IDEIA
O INDIEGOGO , OS PROJETOS magine uma empresa desconhecida, chamada Kreyos, lançar uma campanha de marketing para arrecadar recursos de múltiplas fontes para a produção de um relógio inteligente [nas fotos acima] e conseguir arrecadar US$ 1,1 milhão, dez vezes mais do que a solicitação inicial. O produto é bom: o Meteor, nome do relógio, vai conectar-se com um dispositivo móvel e fornecer funcionalidades similares às de um telefone, além de controles ativados por voz e por movimentos, e acompanhará o usuário na realização de exercícios (registrando a frequência cardíaca e a queima de calorias e comparando os resultados com os padrões estabelecidos). O aparelho terá compatibilidade com a maioria dos sistemas (iOS, Microsoft Mobile e Android), além de propriedades impermeáveis, e deverá custar US$ 169,95. Seu site aceita reservas e as primeiras entregas estavam previstas para este início de ano. Contudo, outros produtos bons não conseguem chamar tanta atenção. Parte do êxito se deve ao fato de o Meteor estar no site Indiegogo, empresa com sede em San Francisco, Califórnia, Estados Unidos, pioneira na atividade de crowdfunding (financiamento coletivo). Milhares de norte-americanos investem mais de US$ 100 individualmente em projetos do Indiegogo, exercitando o poder de viabilizar o sonho dos outros, aceitando o risco de apostar em algo que pode não corresponder ao prometido e ganhando, em retribuição, recompensas como brindes, preferências na hora de comprar produtos e serviços ou agradecimentos formais.
o início em 2008 O Indiegogo estabeleceu os alicerces do financiamento coletivo como conhecemos hoje. A plataforma foi fundada oficialmente em 2008 pela jovem Danae Ringelmann (agora com 35 anos) e seus parceiros Slava Rubin e Eric Schell, com investimentos de US$ 1,5 milhão. Hoje a iniciativa está presente em 200 países e distribui milhões de dólares em financiamento para empreendedores, artistas e organizações sociais de todo o mundo. Danae Ringelmann trabalhava com entretenimento em Wall Street e sentia-se frustrada por não conseguir os resultados esperados na promoção de novos talentos. Então, decidiu investir na coprodução independente de uma obra do dramaturgo norte-americano Arthur Miller. A peça foi um sucesso, mas ela ainda não tinha conseguido o que queria: investidores para projetos novos. Foi aí que percebeu que precisava procurar caminhos alternativos e mais sistemáticos de financiamento para as criações independentes.
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E O CROWDFUNDING Em 2006, decidiu aperfeiçoar sua formação no universo dos negócios e matriculou-se na Haas School of Business, a escola de negócios ligada à University of California em Berkeley. Seu objetivo era montar a própria startup, capaz de revolucionar o setor por meio da democratização dos métodos de arrecadação de fundos. Foi na instituição que conheceu Eric Schell e Slava Rubin, donos de experiências semelhantes, e em seguida começou a amadurecer a teoria de que o sistema convencional de fundraising estava falido. Pior ainda: tinha saído de moda.
sinopse
Um FinAnciAmenTo QUe é onLine!
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Foram Schell e Rubin que lhe disseram que, se quisesse inovar, teria de transferir a atividade para o mundo online. “Então, começamos usando as redes sociais disponíveis, como o Facebook e o Twitter, e sistemas de pagamento online, como o PayPal. A arrecadação teve início nesses canais e fomos os pioneiros no modelo”, garante Ringelmann, acrescentando que, em vez de tentar conquistar o mundo, o trio decidiu se concentrar em um mercado vertical: o dos produtores artísticos. A inspiração foi a trajetória da Amazon, que partiu da venda de livros e de filmes para testar uma ideia mais ambiciosa com pouco risco. “Durante um ano, analisamos as necessidades e os desafios dos produtores artísticos norte-americanos, suas inseguranças, preocupações e paixões, e desenvolvemos um protótipo de produto que interagia rapidamente de acordo com o feedback dos usuários”, explica ela. Depois do Indiegogo, muitos sites similares surgiram. Havia, no mundo inteiro, uma grande demanda de empreender, reprimida por falta de financiamento, e essas comunidades online a atenderam, oferecendo menos burocracia, risco quase zero, mais agilidade e independência do financiador e um potencial de financiamento ilimitado. Veio o Kickstarter, por exemplo, que se tornou a maior plataforma do setor, nos EUA e no mundo, e apareceram também o Kiva e o Quirky [veja página 54], entre inúmeros outros. Ao Brasil, o crowdfunding chegou no início de 2011, com o Catarse [veja quadro na página 52], e hoje conta com cerca de 20 players –o País já está entre os que mais usam financiamento coletivo no mundo. O próprio negócio de crowdfunding vem evoluindo, desdobrando-se em quatro modalidades, conforme o retorno ao financiador: doação, empréstimo, recompensa e equity. Doação (a fundo perdido) e empréstimo (em que grupos de pessoas emprestam dinheiro a outras, com condições bem melhores que
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Relógio inteligente Meteor, projeto que recebeu inanciamento coletivo por meio do Indiegogo
Uma pesquisa feita pela CNN Money com dezenas de projetos empreendedores da maior plataforma de inanciamento coletivo do mundo, a Kickstarter, mostrou que 84% deles não cumprem os prazos estabelecidos. Mesmo assim, o setor só cresce, com os sites especializando-se em segmentos e dando vazão a variações como o crowd equity, que remunera os investidores em dinheiro. O pioneiro do crowdfunding, como essa atividade é chamada em inglês, é o site Indiegogo, presente em 200 países . Danae Ringelmann, sua fundadora, explica seus diferenciais e oferece cinco conselhos preciosos a empreendedores que queiram fazer campanhas de levantamento de recursos por esses meios.
A reportagem é de Viviana Alonso, colaboradora de Hsm mAnAGemenT.
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as de mercado) ainda são os modelos hegemônicos no mundo, seguidos por recompensa (retornos não financeiros, como presentes) e equity, que está crescendo muito (nele, o financiador tem participação no negócio viabilizado e é remunerado por isso mais adiante). Segundo a fundadora do Indiegogo, o site se mantém radical na proposta de democratizar a arrecadação de fundos para capacitar as pessoas a concretizar seus projetos. “Imaginamos um sistema aberto e inclusivo”, explica ela. “Não nos sentimos no direito de escolher quem era ou não candidato ao financiamento nem de assumir o papel de juízes, pois isso nos levaria aos modelos de financiamento tradicionais, que historicamente têm sido ineficientes. Nós fazemos as conexões, na esperança de que exista alguém para esse projeto em algum lugar. Não julgamos o valor da proposta; deixamos essa tarefa para o mundo.” Na modalidade mais básica, o uso do Indiegogo custa ao empreendedor 4% do valor total arrecadado, mas apenas quando se chega ao modelo projetado. Se isso não acontecer, o dinheiro é devolvido aos investidores e a plataforma não recebe nada. O Indiegogo tem atuação global. “Se um usuário precisa de uma conta
Slava RUBIN
Indiegogo ensina a fazer uma campanha em 5 passos
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Uma campanha extraordinária deve partir de um vídeo (vale mais do que um milhão de palavras) com a presença dos donos da ideia, porque as pessoas tendem a apoiar projetos de quem se mostra entusiasmado com o que pretende fazer. Segundo dados do Indiegogo, as campanhas que utilizam vídeo arrecadam uma média de 14% a mais de recursos do que as que não o utilizam.
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É fundamental contar com um alvo especíico na hora de pedir o empréstimo de recursos. você não tem de levantar 100% do orçamento previsto de uma vez, mas seja transparente sobre o valor essencial para iniciar e dê explicações detalhadas sobre os gastos. Se, por exemplo, precisa de US$ 10 mil para a prévia de um ilme, especiique o valor destinado ao aluguel de equipamentos, ao pagamento dos atores, às locações e a outras despesas variáveis, porque as pessoas gostam de saber como seu dinheiro será usado.
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Ofereça benefícios (“perks) estimulantes para que a comunidade participe, se envolva no desenvolvimento e se sinta parte do sucesso do projeto. alguém que pretende abrir uma padaria pode oferecer convites para a inauguração ou direito de degustação de alguns produtos especiais, por exemplo. a orientação oical do Indiegogo é para que se ofereçam de três a oito benefícios por campanha; as que mais arrecadam recursos são as campanhas que trabalham com três ou quatro benefícios.
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DaNaE RINGElMaNN em um banco, não importa onde esteja, pode partir de nossa plataforma para fazer negócios”, diz Ringelmann. “Oferecemos versões em várias línguas (francês, inglês, espanhol e alemão), além da possibilidade de operar com diversas moedas. Também divulgamos as iniciativas por meio do que chamamos de ‘fator Gogo’, único de cada campanha: trata-se de um algoritmo que mede a
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O INDIEGOGO,OS PROJETOS E O CROWDFUNDING
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Seja autêntico e relacione-se. Não basta contar uma história; é preciso que ela seja sua história de verdade. E tente contá-la primeiro para quem está perto de você: seus familiares e amigos, clientes e admiradores, pessoas que o apoiam e conhecem você, seu trabalho e sua equipe. É desse círculo que costuma vir o primeiro aporte de inanciamento social, abrindo as portas para uma esfera maior, como acontece com as bonecas russas. a atração de novos investidores, em geral, resulta na chegada de outros. O empreendedor tem de pensar em quem pode ajudar na expansão de sua iniciativa: mídia, blogueiros, organizações, formadores de opinião nas redes e todos os que ampliicam a mensagem. No Indiegogo, integram-se as mídias sociais de maneira automática, economizando uma tarefa para o empreendedor. Outro ponto-chave é manter a campanha atualizada: quem faz isso a cada cinco dias, por exemplo, consegue arrecadar 100% a mais de recursos do que aqueles que não atualizam. Trata-se de uma tarefa fácil: basta mandar um e-mail automático para os seguidores e fundadores contando as novidades. Tudo o que mantém o interesse serve para preservar o público.
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A ORIGEM DO NOME
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Contar com um público interessado naquilo que você faz é crucial, porque, mesmo com uma boa campanha e bastante criatividade, às vezes se arrecada pouco dinheiro. Não ter esse público, porém, tem sua utilidade: na verdade, o empreendedor aprende que sua ideia não era tão interessante quanto ele achava ou que ainda não existem clientes para seu produto ou serviço –uma descoberta que permite economizar muito tempo e dinheiro.
atividade e as respostas da comunidade. Quanto mais alto o fator, melhor o posicionamento do produto nas páginas do navegador e mais fácil a localização.”
proJeTos cAmpeões Slava Rubin, um dos fundadores do Indiegogo, comenta os casos de maior sucesso. “Quando começamos, em 2006, o YouTube não pertencia ao Google, o Twitter estava surgindo, o Facebook era menos utilizado do que o MySpace e até Barack Obama era um nome pouco conhecido. Arrecadar dinheiro pela internet parecia um desafio. Só que a web democratiza tudo e nós pensamos: ‘Por que não criar uma platafor-
Um dia, ERIC SCHEll passeava de bicicleta e teve um momento de iluminação: estava pensando em “independência” e em outros termos que dão ideia de atividade e de movimento quando se lembrou de uma discoteca de Los Angeles chamada Whisky a Go Go, na qual muitos artistas famosos nos anos 1970 começaram a carreira. Em seguida, juntou a abreviação em inglês “indie” com a palavra “gogo”, que representa a ação. Seus parceiros adoraram o nome. Fim da história.
ma para que qualquer pessoa possa reunir dinheiro para alguma coisa?’. Apesar da crise de 2008-2009, o Indiegogo continuou a crescer e, na verdade, acabamos de arrecadar US$ 15 milhões de fundos de capital de risco.”
perGUnTAs e resposTAs HSM Management fez uma breve entrevista com a fundadora do Indiegogo, Danae Ringelmann, em que ela destaca as diferenças entre seu negócio e os mais de 700 concorrentes que vieram depois. peter drucker costumava dizer que era mais fácil ser o segundo a chegar a um novo mercado do que o primeiro, como vocês foram. Qual é a diferença entre o indiegogo e um concorrente como o Kickstarter? Desde 2008 surgiram mais de 700 concorrentes, entre eles alguns que conseguiram financiamento por meio de nosso site, mas existem algumas coisas que só nós temos. Para começar, somos a única plataforma que permite financiar qualquer ideia, inclusive as que geram concorrentes para nós. Atuamos em todo o mundo e trabalhamos para criar uma boa estratégia de marketing. No final de cada dia, queremos estar onde os clientes desejam que estejamos, nos concentramos em nosso produto e tentamos envolvê-los.
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O CROWDFUNDING BRASILEIRO E O CATARSE O crowdfunding estabeleceu-se oicialmente no Brasil em janeiro de 2011, com a fundação da comunidade de inanciamento coletivo Catarse, que é hoje a maior plataforma no segmento de projetos criativos. “Aqui, artistas, designers, pesquisadores, gamers, cientistas, empreendedores e ativistas têm uma poderosa ferramenta para conseguir viabilizar inanceiramente seus projetos. Estes se tornam realidade por meio da colaboração direta de pessoas que se identiicam com eles, em troca de recompensas não inanceiras, de acordo com cada faixa de contribuição”, explica seu cofundador, Diego Reeberg. Em três anos, passaram pelo Catarse 1.501 projetos, dos quais 843 (56%) foram bem-sucedidos, e, em dezembro de 2013, havia cerca de 120 campanhas no ar. Um número de pessoas superior a 104 mil contribuiu com R$ 12,86 milhões para as iniciativas, segundo Felipe Caruso, seu coordenador de comunicação. As duas maiores categorias do Catarse, em número de projetos, ainda são música e cinema. Isso se deve ao fato de haver, no Brasil, profundas falhas particularmente no inanciamento de iniciativas de até R$ 100 mil, como gravar um álbum ou ilmar um curta-metragem. Como mais de 60% dos projetos são de até R$ 10 mil, eles não tinham opção. “No setor de inan-
ciamento coletivo como um todo, vemos a ascensão das categorias games, design e tecnologia, mas, aqui no Catarse, destacam-se música, cinema e os projetos de ativismo e impacto social”, diz Reeberg. O Catarse pratica a modalidade de inanciamento coletivo baseada em recompensa, na qual o realizador da ação oferece contrapartidas para cada faixa de contribuição para arregimentar pessoas que dividam os custos da empreitada proposta. O PROCESSO Os projetos são enviados ao Catarse, como explicam Reeberg e Caruso, e passam por um processo de curadoria para ver se estão de acordo com a proposta da plataforma. Quando aprovados, são lançados para a captação de recursos e os realizadores compartilham sua ideia com o mundo. Todos os projetos precisam ter um objetivo de arrecadação em valor e um prazo determinado (entre um e 60 dias). E as pessoas que gostam da ideia vão contribuindo em diferentes faixas. Quando se esgota o prazo, podem acontecer duas coisas, no que a comunidade chama de “tudo ou nada”: o projeto atinge ou supera o objetivo de arrecadação e seu autor ica com o dinheiro ou o projeto é malsucedido e o Catarse devolve todas as contribuições aos apoiadores.
Qual o conselho para quem quer começar seu negócio no indiegogo? O conselho é: comece. Não há nada mais bacana do que receber um feedback sobre o que estamos realizando. Em vez de fazer toneladas de planos de negócios, apenas começar a operar é bem mais fácil. As barreiras de ingresso são baixas. É o caso de começar e concretizar, receber feedback e insistir. Minha recomendação é pensar grande, começar devagar, insistir sempre, aprender com os dados, sentir e reagir de acordo com as informações disponíveis. As campanhas duram até três meses, só que mais tempo significa mais dinheiro. As que se prolongam por 20 a 30 dias acabam arrecadando mais recursos. existem vários casos interessantes de campanhas de arrecadação de fundos de sucesso, não é? Quais você destacaria?
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Apenas no caso dos projetos bem-sucedidos o Catarse ica com 13% do total, valor que inclui tanto a comissão da plataforma (cerca de 8%) como a taxa dos meios de pagamento que processam as transações (cerca de 5%), e reinveste o dinheiro no desenvolvimento da plataforma. A ideia é que o Catarse corra o risco com os realizadores. A responsabilidade de execução do projeto e da distribuição das recompensas é do realizador. Entre os projetos bem-sucedidos do Catarse que podem ser acompanhados pelo leitor, Reeberg cita Bota do Mundo (uma copa do mundo para garotos cadeirantes), ZINE XXX (zine para divulgar o trabalho das quadrinistas mulheres do Brasil), vários do Canal Eu Maior (que vem revolucionando a distribuição de cinema no País, segundo Caruso) e Reportagem Pública (projeto para distribuir bolsas para jornalistas fazerem reportagens investigativas). Apesar do forte foco em cultura, o Catarse também está aberto a produtos e serviços, desde que eles tenham uma proposta criativa e início, meio e im bem deinidos.
Sim, existem. Um caso é o da Protest the Hero, uma banda punk do Canadá que arrecadou US$ 350 mil para continuar na ativa depois de ser dispensada pela gravadora. Alguns produtores que eram técnicos de vídeo no YouTube recorreram ao Indiegogo, passaram a falar diretamente com seu público e reuniram US$ 300 mil para a produção de filmes. Designers de produtos criam novidades interessantes em todos os lugares... Há ainda a famosa campanha para fundar o Museu Nikola Tesla, em Nova York, no qual a prefeitura investiu US$ 850 mil. Arrecadamos um total de US$ 1,4 milhão, vindo de pessoas de 60 países, para reformar o velho laboratório do inventor da era da eletricidade. Foi um blogueiro e admirador de Tesla que começou tudo.
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COMOESTÁACULTURA
DE INOVAÇÃO EMSUAEMPRESA?
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xecutivos querem que suas empresas sejam inovadoras. Leem pilhas de livros e artigos a respeito e participam de eventos e cursos em busca do graal do sucesso na área. Ficam impressionados com empresas como Google e Facebook, que criam produtos e serviços revolucionários, e admiram organizações veteranas, como IBM, Procter & Gamble, 3M e General Electric, que se reinventam dia após dia. E se perguntam como elas fazem isso. Depois de estudar a inovação em 759 empresas de 17 mercados, os pesquisadores Gerard Tellis, Jaideep Prabhu e Rajesh Chandy concluíram que o fator decisivo para conduzir a radicais inovações é a cultura corporativa. Ela é mais importante que capital, trabalho, governo ou cultura nacional. Essa conclusão levanta duas questões: o que é uma cultura corporativa inovadora? E, se a empresa não tem uma cultura inovadora, como pode construí-la? Respondemos a isso aqui com um modelo que reúne os elementos-chave de uma cultura de inovação e com uma ferramenta de feedback de 360 graus, para que você avalie quão direcionada para a inovação está a cultura de sua organização (e identiique as áreas a encorajar nessa direção).
SEIS MÓDULOS Uma cultura de inovação se estrutura em seis módulos: valores, comportamentos, clima organizacional, recursos, processos e sucesso. Jay Rao é professor de tecnologia e inovação e Joseph Weintraub, professor de gestão, ambos no Babson College, em Massachusetts, Estados Unidos.
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OS ESPECIALISTAS DO BABSON COLLEGE JAY RAO E JOSEPH WEINTRAUB PROPÕEM UMA FERRAMENTA QUE PODE AJUDAR A LOCALIZAR OS PONTOS FORTES E FRACOS RELATIVOS À INOVAÇÃO NAS EMPRESAS E O QI QUE MAIS LHES INTERESSA HOJE
–O QUOCIENTE DE INOVAÇÃO
Foto: istock
SEM REVISĂŁO
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as pessoas têm diiculdade em lidar com o que envolve valores, comportamentos e clima, por tudo isso ser mais intangível. No entanto, é o que tem o poder de moldar a cultura de inovação e criar vantagem sustentável
Eles estão ligados dinamicamente. Os valores da empresa, por exemplo, têm impacto no comportamento das pessoas, no clima organizacional e em como os resultados são deinidos e medidos. Quando se trata de estimular a inovação, as companhias dão substancial atenção a recursos, a processos e à avaliação do sucesso, que são facilmente mensuráveis. No entanto, dão pouca atenção aos módulos relativos às pessoas, que são mais difíceis de medir. O que envolve valores, comportamentos e clima organizacional é mais intangível, e as pessoas sentem diiculdade em lidar com isso, porém tem o poder de moldar a cultura de inovação e criar uma vantagem competitiva sustentável. Valores: norteiam prioridades e decisões, que reletem como a organização gasta seu tempo e dinheiro. Os valores são menos o que os líderes dizem ou escrevem e mais o que fazem e investem. Empresas inovadoras investem no empreendedorismo e na promoção da criatividade e encorajam o aprendizado contínuo. Comportamentos: descrevem como as pessoas agem, no caso, a favor da inovação. Em relação a líderes, incluem a disposição para substituir produtos existentes por novos e melhores, empolgar os funcionários com uma vibrante descrição do futuro e contornar entraves burocráticos. Entre as ações dos funcionários que favorecem a inovação estão a obstinação em solucionar obstáculos tecnológicos, a busca de recursos e a disposição para escutar os clientes.
A bicicleta elétrica Faradat é um exemplo de parceria para inovar, entre a Ideo e a Rock Lobster
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Clima organizacional: dá o tom da convivência no ambiente de trabalho. Um clima organizacional voltado para a inovação cultiva entusiasmo e comprometimento, desaia as pessoas a assumir riscos dentro de um ambiente seguro, estimula o aprendizado e encoraja o pensamento independente.
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Recursos: compreendem três fatores principais –pessoas, sistemas e projetos. As pessoas são o fator mais crucial, porque elas têm forte impacto nos valores da empresa e no clima organizacional. Processos: são os caminhos que as inovações seguem quando desenvolvidas. Incluem o famoso “funil da inovação”, para captar e peneirar ideias, ou o modelo de stage-gate (de etapas), para rever e priorizar projetos e protótipos. Sucesso: o êxito de uma inovação pode ser observado nos níveis externo, empresarial e pessoal. O externo, por exemplo, mostra quanto a empresa é reconhecida como inovadora por clientes e concorrentes e se suas inovações trazem frutos inanceiros. O sucesso reforça valores, comportamentos e processos inovadores da organização.
TENHA AO MENOS UM MÓDULO FORTE (A IDEO TEM TRêS) O que descobrimos é que companhias inovadoras sempre estabeleceram solidamente ao menos um dos seis módulos descritos. Poucas organizações exempliicam melhor a inovação do que a Ideo, empresa global de design sediada em Palo Alto, na Califórnia, Estados Unidos, e seus módulos sólidos são, pelo menos, três: valores, comportamentos e processos. A empresa dá muito valor à criatividade produtiva, o que ela relaciona com comportamento lúdico, e sua rotina remete a brincadeiras de criança: há pesquisas exploratórias que geram ideias, aprendizado “pondo a mão na massa”, simulações em que os funcionários assumem o papel dos clientes. Placas espalhadas pela empresa relembram constantemente a quem passa o que é preciso fazer para mergulhar fundo nos problemas: l Encorajar ideias ousadas.
l Adiar julgamentos e iltros.
l Construir com base em ideias alheias. l Manter o foco.
Essas brincadeiras são apenas o primeiro estágio do processo de inovação da Ideo. Em seguida, os funcionários assumem um comportamento mais proissional, tomando decisões relacionadas com o desenho e a fabricação de produtos.
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Foto: Divulgação/arquivo pessoal
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OS 7 PADRõES DE JOHNSON O que nOs fez chegar às inOvações mais disruptivas que existem? O pesquisadOr STEVEN JONHSON identificOu sete padrões cOmuns às melhOres ideias Em meados de 2014, a rede de TV pública norte-americana PBS lançará uma série em seis capítulos intitulada How We Got to Now (Como Chegamos até Aqui, na tradução do inglês). Sua proposta é investigar a origem das ideias e a maneira como estas se combinaram para criar produtos e serviços disruptivos que existem hoje. Steven Johnson, autor de De Onde Vêm as Boas Ideias (ed. Zahar), é o criador e apresentador da série. Ele é proclamado o sucessor do célebre James Burke, escritor prolífico e produtor de TV inglês, conhecido por seus documentários sobre ciência. Johnson dedica-se, há muitos anos, a estudar padrões comuns às boas ideias e diz ter descoberto sete principais, os quais compartilhou conosco.
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1 Historiador cientíico e produtor conhecido por suas séries de documentários Conections (1978) e the Day the universe Changed (1985), James Burke escreveu oito livros. o Washington post referiu-se a ele como “uma das mentes mais intrigantes do mundo ocidental”.
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Conexões, com possíveis adjacências.
As ideias se sucedem como portas: abra uma delas e encontrará novas, mas apenas se houver algo que as conecte. A chave é não isolar sua ideia, mas tentar conectá-la com a maior quantidade possível de portas abertas. Por exemplo, a invenção das incubadoras para bebê, no inal da década de 1870, representou um salto qualitativo na preservação da vida de recém-nascidos, reduzindo a mortalidade infantil à metade. Em 2004, após o tsunami da Indonésia, um professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Timothy Prestero, descobriu que as incubadoras doadas por uma ONG dos Estados Unidos não funcionavam por falta de peças de reposição. Prestero, então, teve a ideia de construir novas com partes de automóveis, mais especiicamente, das camionetes Toyota 4Runner, que existiam em grande quantidade naquele país. E surgiu a metodologia conhecida como“fornecimento orgânico”, que procura fabricar coisas com o material disponível em cada localidade. Foi uma ideia que levou a outra a partir de uma falha, a da reposição.
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Redes líquidas. Kevin Dunbar, professor da University of Toronto, Canadá, especializado em psicologia e em ciência, buscou saber como as ideias são geradas. Em um laboratório, ilmou tudo o que acontecia, em uma abordagem do tipo “rea-
lity show”: registrou cada detalhe, desde o que havia sobre a mesa de experimentos até como se preparava o café. Seu achado: as ideias importantes não nascem no microscópio, e sim quando o pesquisador fala com colegas pesquisadores próximos. Assim se deinem as redes líquidas: as ideias não são elementos únicos, mas que se conectam entre si. Para que surjam novos conceitos nessas estruturas, os elementos devem estar dispostos de tal modo que as conexões possam ocorrer. Então, o ambiente tem de oferecer a possibilidade de que colisões aleatórias aconteçam entre os elementos de maneira constante.
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Descobertas por acaso. A inovação não pode ser planejada, já que os elementos que a compõem nem sempre são sincrônicos. Muitas vezes, as ideias surgem de incidentes fortuitos. Na verdade, um dos aspectos negativos das sessões de brainstorming é que as melhores ideias costumam aparecer bastante tempo depois de terminadas as sessões. “As ideias não são elementos únicos, mas que se conectam entre si” Há uma forma, porém, de ajudar o inesperado a acontecer: construir redes nas quais os elementos tenham a oportunidade de perdurar, dispersando-se e reconectando-se. Desse modo, novas portas a abrir serão encontradas. Uma exceção: o constante encontro entre os elementos da rede deve ter um propósito. Construir um ambiente em que o brainstorming funcione ininterruptamente, mesmo estando em segundo plano, é a maneira perfeita de facilitar descobertas fortuitas. É como navegar na internet e achar aquele conteúdo perfeito por acaso.
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Intuição lenta.
Charles Darwin descreve, em sua biograia, o momento em que lhe ocorreu o conceito da seleção natural como o típico instante “eureca”, que se costuma atribuir à inovação. Mas, há alguns anos, Howard Gruber, pioneiro no estudo da criatividade da perspectiva psicológica, leu o caderno de anotações que Darwin mantinha sobre suas pesquisas e descobriu que o naturalista estava incubando a ideia fazia algum tempo. Em um processo somatório, ele vinha reunindo provas até ter tudo em ordem para desenvolver o conceito. A esse processo, no qual paciência e contemplação são fundamentais, Gruber deu o nome de “intuição lenta”. As ideias levam tempo para se conectar (as portas que conduzem à ideia vão se abrindo aos poucos) e evoluir até algo que agregue valor. Muitas vezes, as ocupações diárias não permitem que essas intuições cheguem a algo signiicativo. Acabamos esquecendo-as antes de terem oportunidade de se conectar e crescer. Carregar consigo um caderno de anotações ajuda a juntar as peças e facilita as conexões necessárias. Escreva tudo e deixe luir.
Erros. Há mais oportunidade de as boas ideias aparecerem em ambientes com certo nível de ruído e erro, porque esses fatores conduzem a situações imprevisíveis que fomentam a inovação. Quando se tenta eliminar os elementos incômodos da rede, também se eliminam as conexões fortuitas.
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Exaptação. Não há erro de digitação; esse é o termo usado em biologia para explicar a adaptação do organismo a determinadas condições sem ter evoluído para isso, como foi o caso do ouvido dos vertebrados, resíduo de uma estrutura destinada a aspirar água até as brânquias sem ter de abrir a boca. A exaptação, nesse contexto, é a exploração de usos diversos para ideias existentes. Quanto mais conexões a rede gerar entre as ideias, mais diversidade de propósitos existirá. Por exemplo, em um ambiente livre de erros, um fósforo serve para acender o forno, mas, se faltar energia, servirá também para iluminar a casa.
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Platafomas. Nesse ca-
so, nada monopoliza a criatividade; a inovação pode vir de qualquer parte. Uma plataforma de ideias construída para o propósito de determinada inovação pode gerar novos agentes, e eles conferirão novos sentidos à estrutura. Empresas como o Google e a 3M mantêm culturas dispostas a colher ideias das fontes mais diversas. Quando existe um lugar onde as conexões podem acontecer facilmente, todos os recursos se abrem ao jogo da inovação. (Pablo Wahnon)
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INOVAÇÃ
Essa variação de comportamentos, entre brincadeira e proissionalismo, tem contribuído para trazer ao mercado centenas de produtos que combinam o melhor da forma com o melhor da funcionalidade, do mouse de computador a equipamentos médicos extraordinários.
COMO AVALIAR A CULTURA Cada um dos seis módulos do modelo é composto de três fatores (18 no total) e cada um desses fatores tem três elementos (54 no total). À medida que nos movemos dos módulos para os elementos, a cultura de inovação torna-se mais tangível e administrável. Por exemplo, o abstrato módulo do clima organizacional envolve o fator segurança, que pode ser dividido nos elementos franqueza, integridade e coniança. Preparamos um teste sobre esses 54 elementos para permitir aos gestores avaliar a cultura de inovação em suas empresas [veja quadro na
página 74]. Durante três anos, o teste foi aplicado a 1.026 gestores de 15 empresas, de diversos setores e regiões, trazendo à tona o quociente de inovação (QI) da cada uma. O quociente de inovação pode ser uma referência útil para comparar o nível de inovação entre empresas, divisões ou equipes sediadas em diferentes regiões. No entanto, os executivos com os quais trabalhamos airmaram que a contribuição mais importante do método é a capacidade de classiicar os fatores e elementos que apoiam a inovação. Isso possibilita trabalhar nas fraquezas e fortalezas da cultura de inovação nas empresas.
APLICANDO A FERRAMENTA Um grande agronegócio familiar da América Latina necessitava abrir uma nova divisão no exterior. A empresa tinha uma equipe de executivos composta majoritariamente de membros
A INOVAçãO BRASILEIRA DEVE
Marcus Vinicius de Araújo Fonseca, professor da Coppe-UFRJ, propõe o modelo SOI de inovação
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Certa vez, Donizete, parceiro do maestro Heitor Villa-Lobos em suas viagens pelo Brasil, fez-lhe uma pergunta: – Maestro, o que é o inovador? Sem pestanejar, Villa-Lobos respondeu: – É alguém que tenha a inocência da criança, a audácia do adolescente e a capacidade de realização do homem feito. O novo quando nasce é sonho. É a visão antecipada de um futuro em que só o inovador crê. Donizete perguntou-lhe novamente: – Mas, maestro, o senhor poderia me indicar um livro sobre isso? Tenho de fazer uma palestra sobre inovação. – Meu filho, o livro é o mapa do Brasil! O germe da inovação brasileira –e, portanto, o elemento principal do QI de inovação de uma empresa brasileira– está em nosso chão, na alma e na cultura de nosso povo. O foco de nossas iniciativas inovadoras deve ser o que nossa terra tem. É baseados na cultura de nossa gente que temos de lavrar o que é necessário. Porém não basta isso. Nossas empresas também têm de inovar de modo diferente,
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para contemplar a tudo e a todos. Uma organização brasileira deve aprender a inovar com cinco diretrizes simples:
• Buscar sistematicamente as oportunida-
des de fazer aquilo de que se precisa no Brasil, a partir do que se tem no País. Ter em mente que a inovação deve dirigir-se a um mundo de todos, não de poucos. Desenvolver uma inovação que seja simples e centrada em uma necessidade específica. Começar com uma iniciativa pequena, mas que ambicione a liderança de seu mercado. Almejar o uso da inovação já no presente, não em um futuro longínquo.
• • • •
Toda inovação nossa –seja de produto, processo ou serviço novo– deve ser pensada, desenvolvida e colocada no mercado com base na excelência em gestão de uma organização, mas lembrando que se encontra inserida em uma sociedade e que esta é constituída por indivíduos. Em 2010, desenvolvemos no Programa de Engenharia de Produção da Coppe-
da família. Contudo, eles entenderam que não eram capacitados para liderar aquele desaio. Decidiram usar a ferramenta de avaliação para descobrir como desenvolver a liderança criativa de que precisavam. Os funcionários deram à companhia pontuação alta para sucesso externo e sucesso empresarial, mas baixa para o componente individual do sucesso. Também deram baixa pontuação para a capacidade da liderança de engajar a força de trabalho. Não havia iniciativas individuais voltadas para a inovação, porque, talvez, os líderes não os prepararam e não davam feedback. Muitos funcionários sentiam que não tinham o apoio necessário dos líderes no sucesso ou fracasso dos projetos e não achavam que a companhia os premiaria por participarem de propostas arriscadas. Após uma saudável discussão dos resultados, os executivos decidiram desenvolver os gestores com programas de treinamento associados a sistemas de delegação, apoio, coaching e feed-
back –e, principalmente, por meio da mudança de seus próprios comportamentos. Descobrimos que as pessoas no topo da hierarquia tendem a ter uma visão mais cor-de-rosa da cultura de suas empresas do que gerentes médios e demais funcionários. Os executivos pensam que estão fazendo um bom trabalho e nem sempre têm uma visão completa da realidade empresarial. Sua opinião sobre os pontos fortes da empresa também é oposta à dos funcionários. Muitos classiicam suas organizações como mais fortes no mais intangível dos módulos, aquele voltado para as pessoas; os escalões inferiores geralmente fazem uma avaliação contrária. Se aplicado a um grupo amplo, o levantamento ajuda a corrigir esse desequilíbrio, com um feedback de 360 graus para captar os conhecimentos de muitos e trazer à tona coisas que os chefes não veem. Quanto maior a organização, maior a resistência à mudança. Isso é evidente nas multinacionais.
as pessoas no topo da hierarquia tendem a ter uma visão mais cor-de-rosa da cultura de suas empresas do que gerentes médios e funcionários em geral
FAZER DIFERENTE -UFRJ o modelo SOI, sigla que resume isto: Sociedade + Organização + Indivíduo. O modelo SOI de inovar requer, por exemplo, que as empresas brasileiras abandonem seu entendimento puramente tecnológico de inovação. Achar que inovação está obrigatoriamente atrelada a tecnologia é apenas reflexo de nossa falta de cultura (e de QI) de inovação. Não precisamos, e não vamos, criar o teletransporte. Lembremo-nos de inovações brasileiras como o consórcio, que pegou o setor financeiro de surpresa; a vela de citronela, que desmitificou o inseticida em aerossol; o restaurante de comida a quilo, que tanto chacoalhou a indústria fast-food. Há uma lista brasileira, potencialmente infinita, de “produtos, processos e serviços” simples que subverteram mercados inteiros. E, diferentemente dos iPhones, iPads e iPods, são inovações do tipo iALL, no sentido de que colocaram no mercado hordas de clientes que estavam estacionadas do lado de fora. As inovações de que o Brasil precisa não têm de ser mais caras do que o que existe, nem necessitam de mais tecnologia do que já há no mercado. Pode-se inovar para a imensa massa de
pessoas que habitam o Brasil, e o mundo, de modo barato. O caminho trilhado entre o trabalho local e a construção de negócios planetários nos diversos setores de atividade demonstra que erramos grosseiramente. Esquecemos que há, pelo menos ainda, um mundo de todos e com tudo o que nele existe. Degradamos, poluímos, matamos, extinguimos e, como se não soubéssemos e não pudéssemos mudar, continuamos inovando para poucos e na direção de um mundo que em breve não terá nada. Dá para fazer diferente, inovando de modo a contemplar a tudo e a todos; basta entender que sociedade, organizações e indivíduos formam um sistema. Então, pense no modelo SOI e construa o QI de inovação de sua empresa.
* Marcus Vinicius de Araújo Fonseca é professor do Programa de Engenharia de Produção da Coppe, a escola de pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e atua como pesquisador, orientador e responsável pela docência das disciplinas de inovação nas organizações e conexões biológicas da inovação.
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DOSSIÊ
QI DE
INOVAÇÃ
QUAL É O QI DE INOVAÇÃO DE SUA ORGANIZAÇÃO? cOnfOrme O mOdelO prOpOstO pOr Jay raO e JOseph Weintraub, uma cultura de inOvaçãO pOde ser decOmpOsta em seis blOcOs cOnstituintes, sendO que cada blOcO tem três fatOres, e cada fatOr, três elementOs, O que dá um tOtal de 54 elementOs, que
Bloco constituinte
Fator
Empreendedorismo
VALORES
Criatividade
Aprendizado
pOdem ser medidOs pela intensidade cOm que existem
Estimular
na OrganizaçãO.
para calcular O quOciente de inOvaçãO de sua equipe, seu departamentO Ou sua empresa, faça uma pesquisa cOm seus membrOs, em que estes atribuam nOtas a cada elementO em uma escala de 1 a 5, em que 1 = nãO existe; 2 = existe em pequena medida; 3 = existe em média medida; 4 = em grande medida; 5 = em medida muitO grande. estabeleça a nOta média geral de cada elementO; depOis, a nOta média de cada fatOr; em seguida, a de cada blOcO; e, pOr fim, encOntre a nOta média dOs seis blOcOs cOnstituintes. é O quOciente de inOvaçãO. cOmO Jay raO disse a HSM MANAGEMENT, uma empresa realmente inOvadOra tem qi superiOr a 4, abOrdandO a inOvaçãO de maneira intenciOnal e sistemática, cOmO um imperativO estratégicO. na experiência de raO e Weintraub, empresas cOm qi entre 3,4 e 3,75 vêm fazendO várias cOisas nO campO da inOvaçãO, mas nãO de mOdO deliberadO e sistemáticO. empresas cOm qi pOr vOlta de 2,5 sãO, tipicamente, as que falam muitO de inOvaçãO, pOrém ainda fazem pOucO. cOmpanhias cOm qi de 2 Ou menOs terãO muitO que se desenvOlver ainda. Os prOfessOres dO babsOn cOllege têm um bancO de dadOs sObre qi de inOvaçãO de 30 empresas,
COMPORTAMENTOS
Engajar
Capacitar
Colaboração
CLIMA
Segurança
Simplicidade
Pessoas
RECURSOS
Sistemas
Projetos
Ideação
PROCESSOS
Formatação
Conquista
O que ainda nãO lhes permite fazer uma análise pOr setOr de atividade, mas que, se extrapOladO, aJuda a mapear O cenáriO atual, aO menOs entre as
Externo
grandes cOrpOrações dOs estadOs unidOs: O menOr
qi encOntradO fOi de 2,5 e a maiOria das grandes
SUCESSO
Empreendimento
cOmpanhias têm entre 2,75 e 3,5. O qi de inOvaçãO médiO é de 3,1. “a excelência em inOvaçãO é uma lOnga JOrnada”, disse raO a HSM MANAGEMENT.
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Individual
Elemento
Fome Ambiguidade Foco na ação Imaginação Autonomia Descontração Curiosidade Experimento Aceitação do erro Inspiração Desaio Modelo Coaching Iniciativa Apoio Inluência Adaptação Determinação Comunidade Diversidade Trabalho em equipe Coniança Integridade Abertura Sem burocracia Responsabilidade Tomada de decisão Campeões Especialistas Talento Seleção Comunicação Ecossistema Tempo Dinheiro Espaço Gerar Filtrar Priorizar Protótipo Iteração Erros inteligentes Flexibilidade Lançamento Escala Clientes Concorrentes Financeiro Propósito Disciplina Habilidades Satisfação Crescimento Recompensa
Pergunta a ser feita na pesquisa
Temos um desejo ardente de explorar oportunidades e gerar coisas novas? Temos um apetite saudável e tolerância por ambiguidades quando perseguimos novas oportunidades? Evitamos a paralisia perfeccionista quando identiicamos novas oportunidades criando uma tendência em relação à ação? Encorajamos novas soluções e formas de pensar com base em pontos de vista diferentes? Nosso local de trabalho nos oferece liberdade para correr atrás de oportunidades? Adoramos ser espontâneos e não temos medo de rir de nós mesmos? Somos bons em fazer perguntas no sentido de desvendar o desconhecido? Estamos sempre experimentando em nossos esforços de inovação? Não temos medo de errar e tratamos os erros como oportunidades de aprendizado? Nossos líderes nos inspiram com uma visão de futuro e articulação de oportunidades para a organização? Nossos líderes nos desaiam, com frequência, a pensar e a agir de modo empreendedor? Nossos líderes são exemplos de comportamento inovador correto a ser seguido? Nossos líderes devotam tempo para ensinar e dar feedback em nossos esforços de inovação? Em nossa organização, pessoas de todos os níveis tomam a iniciativa de inovar proativamente? Nossos líderes dão suporte a membros da equipe de projeto tanto no sucesso como no fracasso? Nossos líderes usam estratégias apropriadas de inluência para nos ajudar a contornar obstáculos organizacionais? Nossos líderes são capazes de corrigir e modiicar o curso de ação quando necessário? Nossos líderes correm atrás de oportunidades mesmo diante da adversidade? Temos uma comunidade que fala uma língua comum sobre inovação? Apreciamos, respeitamos e alavancamos as diferenças que existem em nossa comunidade? Trabalhamos bem juntos em equipe para conquistar oportunidades? Somos consistentes em realmente fazer o que dizemos que valorizamos? Questionamos decisões e ações inconsistentes com nossos valores? Somos capazes de verbalizar livremente nossas opiniões, mesmo sobre ideias pouco convencionais ou controversas? Damos menos importância a regras, política, burocracia e rigidez para simpliicar nosso local de trabalho? As pessoas assumem responsabilidade por suas ações, evitando culpar os outros? Nossas pessoas sabem exatamente como dar início e continuidade a iniciativas em toda a organização? Comprometemos líderes que desejam ser campeões da inovação? Temos acesso a especialistas em inovação que podem dar suporte a nossos projetos? Temos o talento interno para obter sucesso em nossos projetos de inovação? Temos os sistemas corretos de recrutamento e contratação para dar apoio a uma cultura da inovação? Temos boas ferramentas de colaboração para dar apoio a nossos esforços de inovação? Somos bons em alavancar nossos relacionamentos com fornecedores e vendedores para perseguir a inovação? Damos às pessoas tempo de dedicação para perseguir novas oportunidades? Temos recursos dedicados a perseguir novas oportunidades? Temos espaço físico e/ou virtual para perseguir novas oportunidades?
a excelência em inovação é traduzida em um QI de 4 ou mais. se o quociente icar entre 3,4 e 3,75, a empresa tem feito coisas em inovação, mas pode atuar de modo mais deliberado e sistemático. empresas com QI de 2,5 são as que falam muito de inovação, porém fazem pouco. um QI de 2 ou menos indica um longo caminho a percorrer
Geramos ideias de modo sistemático, com base em um conjunto vasto e diversiicado de fontes? Filtramos e reinamos ideias metodicamente, para identiicar as oportunidades mais promissoras? Selecionamos oportunidades baseadas em um portfólio de riscos claramente articulado? Passamos rapidamente da fase de oportunidades promissoras para a de prototipagem? Temos rodadas de feedback efetivo entre nossa organização e a voz do consumidor? Interrompemos rapidamente projetos com base em critérios de fracasso predeinidos? Nossos processos são feitos sob medida para serem lexíveis e baseados em contexto em vez de se basearem no controle e na burocracia? Entramos rapidamente no mercado com as oportunidades mais promissoras? Alocamos com rapidez recursos para ativar iniciativas que demonstram promessas no mercado? Nossos clientes nos veem como uma organização inovadora? Nosso desempenho inovador é muito melhor do que o de outras empresas do setor? Nossos esforços inovadores nos levaram a um desempenho inanceiro melhor do que o de outras companhias do setor? Tratamos a inovação como uma estratégia de longo prazo em vez de um quebra-galho de curto prazo? Temos uma abordagem deliberada, ampla e disciplinada da inovação? Nossos projetos de inovação ajudaram nossa organização a desenvolver capacidades que não tínhamos há três anos? Estou satisfeito com meu nível de participação em nossas iniciativas inovadoras? Nós deliberadamente estendemos e construímos as competências de nosso pessoal com a participação deles em novas iniciativas? Recompensamos as pessoas por participarem de oportunidades potencialmente arriscadas, independentemente do resultado?
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DOSSIÊ
QI DE
Foto: Divulgação
INOVAÇÃ
O CASO WHIRLPOOL E O FATOR “RECURSOS” Um grupo de especialistas em inovação, que conhecem, implantam e ensinam práticas inovadoras, é um dos recursos mais importantes que uma empresa pode ter para incentivar a inovação. Por décadas, a Whirlpool, maior fabricante mundial de eletrodomésticos [e dona da marca Brastemp no Brasil], foi uma companhia focada em qualidade e custos. Em 1999, a empresa, sediada em Michigan, Estados Unidos, iniciou um processo para se tornar reconhecida como líder em inovação. Ela designou 75 funcionários para pensar produtos inovadores. O grupo apresentou um produto de sucesso, mas a maior parte das ideias foi vista como insigniicante ou inviável. Como muitos inovadores de primeira viagem, eles tiveram diiculdades em vislumbrar como uma ideia a princípio distante de ser realizada poderia se tornar uma oportunidade. Foi quando a Whirlpool adotou uma estratégia diferente. Todos os funcionários foram inscritos em um curso sobre negócios inovadores. A empresa treinou alguns deles, chamados “I-mentores”. Eles continuaram a fazer seus trabalhos rotineiros, mas incorporaram a seu dia a dia técnicas para incentivar projetos inovadores e para auxiliar as pessoas no desenvolvimento de suas ideias. Um portal na intranet oferecia um fórum para discussão dos princípios da inovação, mantinha todos informados das pesquisas e acompanhava os progressos das ideias. Equipes de inovação englobaram funcionários de todos os níveis, triando e veriicando novas ideias. Dois anos após o início do programa, a Whirlpool tinha 100 novas ideias de negócios, 40 conceitos em experimentação e 25 produtos na fase de protótipo. Em 2006, contabilizou centenas de ideias esperando aprovação, 60 na fase de protótipo e 190 sendo preparadas para o mercado. Em 2008, os produtos oriundos das áreas de inovação contribuíram com aproximadamente US$ 4 bilhões do faturamento de US$ 19 bilhões da Whirlpool, que tinha, então, 61 mil funcionários e aproximadamente 1,1 mil voluntários I-mentores espalhados pelo mundo. Executivos da empresa atribuem seus êxitos ao modo como o investimento em inovação e treinamento mudou a cultura organizacional. Um ponto-chave revelado pela Whirlpool é a construção de uma comunidade de inovação com uma linguagem própria.
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Gestores reclamam da baixa adesão a novas estratégias, da implantação desleixada de projetos, da falta de processos padronizados nas diferentes regiões e das subculturas que se formam na empresa. Usar o quociente de inovação pode checar a veracidade de tais reclamações. Por exemplo, uma companhia global de equipamentos médicos desejava ter uma estratégia de operação mundial mais coordenada. A alta cúpula da empresa falava do grande desaio que isso representava, devido às diferenças culturais entre as operações na Europa e nos Estados Unidos e entre as áreas de pesquisa e desenvolvimento e de manufatura. Para surpresa de todos, os resultados da avaliação não mostraram diferenças estatísticas entre as respostas das unidades, sugerindo que os problemas estavam relacionados com outra questão. A constatação de que os funcionários pensam e agem de maneira similar fez com que os líderes usassem as similaridades entre os grupos como base para grandes e mais ambiciosas colaborações. Outra utilidade da ferramenta é revelar inconsistências. Muitos altos executivos dão a si próprios elevada pontuação quanto a suas intenções de explorar novas oportunidades, ainda que nem sempre forneçam aos subordinados dinheiro, tempo e espaço para que o façam. Também dão alta pontuação a si mesmos em relação a dar liberdade a seus funcionários para que busquem novas oportunidades, enquanto estes descrevem o ambiente de trabalho como rígido e burocrático. Isso toca no problema central enfrentado por grandes empresas na indústria do entretenimento nos Estados Unidos. Funcionários desse setor classiicaram mal o fator criatividade. Simplicidade (ausência de burocracia e de rigidez) foi posicionada entre os últimos lugares dos 54 elementos avaliados. Também os recursos dados às pessoas para conduzir projetos inovadores não foram considerados suicientes. Como mencionado antes, valores são muito menos sobre o que os executivos pensam, falam ou escrevem, e muito mais sobre o que realmente fazem.
MUDAR ONDE É VIÁVEL Uma virtude da ferramenta é ser aplicável a qualquer nível da organização. Mesmo em companhias com uma cultura “cáustica”, líderes locais podem usá-la para ajudar a construir ilhas de pensamento e de ações inovadoras. Com base nas respostas dos subordinados, gestores determi-
RITE-SOLUTIONS: PROCESSOS E SUCESSO Os fundadores da Rite-Solutions, empresa de desenvolvimento de software e sistemas de Rhode Island, Estados Unidos, desenvolveram um processo para aproveitar a criatividade coletiva dos funcionários: dezenas de ideias são listadas e descritas em detalhe em um “mercado” interno da companhia e todas começam valendo US$ 10 por ação. Cada funcionário recebe US$ 10 mil, em dinheiro de mentira, para investir nessas ideias e pode também trabalhar voluntariamente nos projetos. Os gestores usam essa sabedoria coletiva, como um mercado preditivo, para decidir quais ideias serão inanciadas. O investimento de brincadeira é convertido em dinheiro real se e quando o projeto virar produto comercial. Na verdade, com essa iniciativa, os líderes da Rite-Solutions reconheceram que não têm o monopólio sobre as boas ideias.
empresas que têm nota baixa em alguns fatores e são fortes em outros também podem ter êxito ao inovar. e ninguém deve esperar encontrar o mesmo QI em todos os departamentos de uma companhia; uns são naturalmente menos inovadores
nam o quociente de inovação de sua área e podem iniciar uma campanha para fazer mudanças. Vejamos o caso da subsidiária norte-americana de um grande banco europeu. Este tinha a reputação de ser inlexível, burocrático e gerenciado de cima para baixo. Nem os concorrentes nem os clientes o enxergavam como uma empresa inovadora. Apesar disso, a cultura da subsidiária tinha seus pontos fortes. Os funcionários sentiam haver um clima de segurança, em que podiam questionar decisões e ações, e os executivos também os inspiravam com uma vibrante visão do futuro. Baseada nesses fatores, a unidade tornou-se “campeã da inovação” e conquistou um considerável pedaço de seu mercado. Companhias que são mal classiicadas em alguns fatores e bem em outros podem ter êxito nos negócios. Uma empresa norte-americana de alta tecnologia bem-sucedida foi mal classiicada em relação ao clima organizacional, mas bem classiicada em outros cinco fatores. Ninguém deve esperar encontrar o mesmo QI por toda a companhia. É desejável, por exemplo, que os auditores de um banco sejam menos inovadores que seu marketing.
DA AVALIAÇãO PARA A AÇãO Depois de examinar os resultados do levantamento, os gestores podem ter um retrato claro e sólido dos pontos em que a cultura da empresa é forte ou fraca e focar áreas nas quais as melhorias são necessárias e com maior possibilidade de êxito. Os resultados também fornecem oportunidades para aprendizados. Altas pontuações em uma unidade podem indicar as melhores práticas que gestores de unidades com baixa performance devem adotar.
Muitos executivos querem corrigir imediatamente os pontos negativos apontados na avaliação, mas o melhor é focar os pontos fortes. Uma grande companhia de seguro europeia, que abriu uma unidade interna para incentivar o empreendedorismo e a inovação, descobriu que ela não estava alcançando os resultados esperados. Depois de aplicar a avaliação, veriicou-se que a unidade não envolvera funcionários de diferentes níveis em suas iniciativas. Isso resultou na perda de colaboração. Contudo, a avaliação mostrou que os funcionários estavam ávidos para serem criativos e inovadores. Indicou também que eles pensavam ter a capacidade e o talento para serem bem-sucedidos em suas iniciativas de inovação. Compreendido isso, os executivos concluíram que era necessário unir as pessoas da organização para as coisas acontecerem. Gestores ávidos por transformar a cultura de suas empresas tentam fazer tudo de uma vez. Mas culturas mudam lentamente. Quando solicitadas a participar, as pessoas geralmente resistem. “Mostrar, não vender” funciona melhor nesses casos, junto com saudáveis doses de incentivo aos que aderirem primeiro. Para melhores resultados, os líderes devem buscar pequenas vitórias. Um caminho prático é pedir que uma ou duas unidades trabalhem em não mais do que três dos 54 elementos da avaliação. Seus sucessos podem disparar um círculo virtuoso de melhorias. Resultados mensuráveis são mais poderosos do que argumentos, campanhas e ordens: pessoas mudam quando veem seus pares tornando-se mais produtivos, engajados e bem-sucedidos. Usar o QI pode ser o primeiro passo para melhorar a cultura de inovação. No desenvolvimento de um plano que utilize os resultados do levantamento, empresas devem começar por seus pontos fortes, avançando aos poucos. Devem também tomar cuidado com os triunfos do passado. Com o tempo, a cultura de uma organização bem-sucedida tende a torná-la cega para novas tecnologias, novos modelos de negócio ou competidores surgindo no horizonte. A história é cheia de exemplos de companhias que eram líderes inovadoras e, no intervalo de uma geração, tornaram-se burocracias sem imaginação.
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EMPRESAS
A CORRIDA ACABOU DE COMEçAR O VAREJO JÁ ESTÁ DE PERNAS PARA O AR POR CULPA DA EMPRESA DE JEFF BEZOS, MAS ELE INSISTE QUE AINDA ESTÁ NO PRIMEIRO DIA DE UMA LONGA JORNADA. O QUE VEM DEPOIS?
SEGUNDO ESTA REPORTAGEM, PODE-SE ESPERAR UMA BUSCA INCESSANTE POR PRODUTOS MAIS BARATOS E ENTREGAS MAIS RÁPIDAS –E A CONCORRÊNCIA SE MEXE
A reportagem é de J. J. McCorvey, colaborador da revista Fast Company.
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SINOPSE l O futuro das compras, segundo a Amazon, será: “O que
você quiser, na hora em que quiser, onde quiser, com a rapidez que quiser”. É para isso que se prepara a gigante norte-americana do varejo, cujo tamanho quadruplicou nos últimos cinco anos para chegar aos US$ 61 bilhões de faturamento anual. l Por enquanto, seu palco principal está nos Estados Unidos. Depois de adquirir empresas inovadoras do setor, como a Zappos, ela tem como principal arma a velocidade da entrega. Com investimentos pesados em centros de distribuição mais próximos dos clientes e em robôs, para montagem e para entrega das encomendas (os drones), a empresa já tem até um programa embrionário de entrega no mesmo dia, chamado AmazonFresh. E o que limita-
va seu crescimento –a intenção de fugir dos impostos– não existe mais. l Em sua jornada, a Amazon está comprando a lealdade
dos clientes e isso lhe custa lucros minguados (a companhia teve lucro líquido de apenas US$ 82 milhões no primeiro trimestre de 2013), mas os centros de distribuição, o Amazon Prime e agora o AmazonFresh vêm chegando à maturidade.Isso tende a mudar todo o setor varejista e fazer muitas vítimas. Estima-se, por exemplo, que 10% dos maiores shoppings dos Estados Unidos, já esvaziados, vão fechar na próxima década. Alguns concorrentes tentam reagir com as mesmas armas, como Google, eBay e Walmart.com, que começou a testar a entrega no mesmo dia em cidades especíicas, entregando os itens a partir de suas lojas.
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EMPRESAS
primeira coisa que quase todo mundo nota em Jeff Bezos é como ele caminha a passos largos ao entrar em uma sala. Figura surpreendentemente pequena, de calça jeans e camisa listradinha abotoada, o fundador e CEO da gigante do varejo online Amazon abre a porta de supetão e toma conta do espaço com voz explosiva e atitude confiante. A primeira coisa que quase todo mundo nota nos 12 prédios do campus da Amazon em Seattle, Estados Unidos, é que eles são batizados segundo marcos históricos da empresa. Um exemplo é o edifício Wainwright, que homenageia o primeiro cliente. Outro é o edifício Day One North, que, mais do que remeter à data de inauguração da empresa (16 de julho de 1995), representa uma ideia motivadora central de Bezos, repetida desde sua primeira carta para os acionistas, em 1997: “Ainda estamos apenas no primeiro dia”. Isso vale tanto para a internet e seu desenvolvimento como para a Amazon e seu negócio de varejo. A julgar por seu entusiasmo dos últimos tempos, o Day One North poderia ser rebatizado como “dia zero”. Em uma assembleia de acionistas recente, o empresário afirmou que “o despertador nem tocou ainda” e, indagado por esta reportagem sobre como seriam os dias subsequentes ao número um, insistiu: “Por enquanto, estamos dormindo!”. A imagem é forte, mas não corresponde à verdade. A Amazon tem os olhos bem abertos e funciona como um exército. Ela continua a ser a rainha implacável dos livros –especialmente depois que a Apple perdeu sua ação sobre fixação de preços de títulos–, mas, quase duas décadas depois do Day One real, a gigante do e-commerce é muito mais do que isso: acima de 209 milhões de clientes ativos confiam na Amazon para comprar de tudo, de televisores de tela plana a comida para cachorro. Nos últimos cinco anos, suas vendas anuais quadruplicaram para colossais US$ 61 bilhões e, apesar do crescimento brutal, ela conseguiu tornar-se a empresa mais confiável do mundo, roubando o posto da Apple. Também nos últimos cinco anos, a Amazon incorporou seus concorrentes mais sofisticados. Estão nessa lista o varejo virtual de sapatos Zappos e o Quidsi, “pai” de sites como Diapers.com, Soap.com, Wag.com e BeautyBar.com. Ela também adquiriu o fabricante de robôs Kiva Systems, porque robôs aceleram a velocidade para montar os pedidos dos clientes e talvez robôs voadores possam acelerar as entregas. Tanto a Amazon não estava dormindo que se transformou de distribuidora de livros em uma supervarejista. E fez mais: ela desestruturou, redefiniu e renovou o mercado mundial. Em 2012, as vendas de e-commerce em todo o mundo ultrapassaram US$ 1 trilhão pela primeira vez, e
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coube a ela mais de 5% desse volume. A construção da hegemonia do comércio eletrônico, aparentemente inevitável, já fez muitas vítimas –e muitas mais estão a caminho. Nos Estados Unidos, megavarejistas como Circuit City e Best Buy até absorveram o choque do ataque digital da Amazon, mas lojas-âncora como Sears e JCPenney viram suas vendas despencarem. Shopping centers, que antes pareciam estar a salvo do golpe digital, estão esvaziados. Segundo estimativa da Green Street Advisors, 10% dos maiores shoppings dos Estados Unidos vão fechar na próxima década. A oportunidade de examinar pilhas de suéteres com as próprias mãos não é mais suficiente para atrair consumidores.
MAIS DE 209 MILHõES DE CLIENTES ATIVOS CONFIAM NA AMAZON PARA COMPRAR DE TUDO VELOZ E FURIOSA A dominância crescente da Amazon agora tem menos a ver com os produtos vendidos e mais com a maneira de vender, o que prenuncia uma segunda onda de mudança que vai devastar concorrentes e continuar a transformar o varejo. Não é só o “1 Click Ordering” [pedido com um clique] no aplicativo para celular da Amazon, feito sob medida para compras de impulso. Não é só o recurso de “Subscribe & Save” [assine e economize], que permite agendar reposições regulares de itens essenciais como papel higiênico e desodorante. Não é só o programa “Lockers”, no qual gigantescos armários de metal são instalados em lojas 7-Eleven e Staples para que os clientes peguem seus pacotes com segurança em vez de correr o risco de perder ou ter sua mercadoria roubada. É tudo isso e algo mais básico: velocidade. Bezos transformou a Amazon em um demônio de rapidez incomparável. Para entender melhor o agressivo plano dessa empresa –e suas verdadeiras ambições–, é preciso começar pelo Amazon Prime, programa de entregas em que o cliente paga uma assinatura
Game of a mUraLha
Thrones
do Varejo Gadgets
roupa íntima masculina Calçados masculinos
Perfumes
Produtos de barbear
jeans
ILh a dos TIPos so f I s T I Ca d o s Testando a entrega no mesmo dia da compra
Lingerie
a grande tribo guerreira amazon está na muralha. Para se fortalecer, os varejistas se estabeleceram em sete reinos, cada um testando uma nova estratégia de defesa. os cidadãos desses reinos entendem o desaio: inovar ou morrer
Combinando app de cupons e preço o ano inteiro Convertendo lojas físicas em centros de distribuição para acelerar as entregas das compras online
rrIda a Co
Pe
a da TeCno UL Lo s GI n í a n
Testando espelho que pode mudar a cor do que o cliente está usando
I m o IT d L
Garantindo sempre igualar o menor preço
an hão Te s
esvaziando lojas por conta de um novo negócio: armazenamento de dados
oferecendo mais e mais motivos para os clientes voltarem
Ca I P r e ç o
Terra e VI d
s
dIárIo
Incluindo sushi, frozen yogurt, manicure e impressão do Instagram
esToQUe aLTo oferecendo mais marcas difíceis de achar em loja
Viabilizando pesquisa de itens em casa antes de comprar
substituindo os caixas por apps que escaneiam as compras dentro da loja
aPPsLând
Ia
fazendo tudo acontecer nos apps, da escolha dos itens ao pagamento, passando pelos testes de provador
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A CORRIDA ACABOU DE COMEçAR
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de US$ 79 para receber seus pedidos no dia seguinte. “O Amazon Prime é o melhor negócio da história das compras”, conta Bezos, destacando que o serviço agora inclui entrega grátis de mais de 15 milhões de itens (no lançamento, em 2005, eram 1 milhão). Membros Prime ainda têm acesso a mais de 40 mil programas Instant Video em streaming e 300 mil livros grátis na biblioteca do Kindle. Na verdade, Bezos está disposto a perder dinheiro em entregas e serviços em troca de lealdade. Os 10 milhões de membros Prime (eram cerca de 5 milhões há dois anos) são praticamente viciados em Amazon. O membro Prime médio gasta mais de US$ 1,2 mil por ano na Amazon, US$ 700 a mais do que um usuário regular. Suas compras e taxas de filiação compõem mais de um terço dos lucros da Amazon nos EUA. E projeta-se que os associados aumentarão 15%, para 25 milhões, em 2017. Robbie Schwietzer, vice-presidente do Amazon Prime, é mais sincero do que seu chefe ao explicar o verdadeiro propósito do negócio: “Quando alguém se torna membro, a natureza humana entra em ação. A pessoa quer fazer valer seus US$ 79 ao máximo e, assim, não apenas compra mais, como também em mais categorias. Vai atrás de opções que nunca pensou em procurar na Amazon”. O Prime é o início de um esquema de três fases, que inclui a expansão das capacidades locais de atendimento da Amazon e o programa embrionário AmazonFresh, com entregas, no mesmo dia, de hortifrútis. [Em dezembro, a Amazon anunciou a divisão Amazon Prime Air e os primeiros testes com octocópteros, drones que farão entregas rapidíssimas a clientes, se tiverem
“NO MUNDO ANTIGO, VOCê PODIA VIVER DA ESPERANçA DE QUE O CLIENTE NãO SOUBESSE O PREçO DO CONCORRENTE” autorização da comissão de aviação para transitar no espaço aéreo dos Estados Unidos. Bezos afirmou que, ao menos na Austrália, as operações com drones devem começar este ano.] Bezos justifica: “No mundo antigo, você podia viver da esperança de que seu cliente não sou-
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besse o preço do concorrente, só que isso é uma estratégia muito frágil no mundo atual. Agora você não pode só convencer as pessoas de que tem preço baixo; você precisa ter preço baixo. Não é possível persuadir as pessoas de que sua velocidade de entrega é rápida; você realmente precisa ter uma entrega rápida!”.
ARMAZéNS POR TODA PARTE O centro de distribuição de quase 93 mil m2 em Phoenix, no estado norte-americano do Arizona, produz em ritmo constante e sincopado. Esteiras mecânicas, ruído seco de caixas batendo no metal, apitos de empilhadeiras movendo-se para lá e para cá, zumbido do ar-condicionado. Esse é o som da velocidade, uma representação sônica do que é necessário para atender milhões de clientes espalhados por toda parte. Centros como esse (são 90 no planeta) não têm a ver apenas com velocidade de armazenamento, porém; têm a ver também com proximidade. Nos últimos anos, Bezos investiu bilhões para construí-los em regiões cada vez mais próximas dos clientes. O armazém de Phoenix, um dos quatro da região, serve uma zona metropolitana de quase 4 milhões de pessoas. Robbinsville, em Nova Jersey, fica a praticamente uma hora de 8 milhões de nova-iorquinos; Patterson, na Califórnia, a uma hora e meia dos 7 milhões de moradores da região da baía de San Francisco. “Podemos ter estoques próximos à maioria das populações urbanas. Se formos inteligentes o suficiente –tendo a tecnologia correta, os sistemas corretos, as ferramentas de aprendizado automático– para posicionar o estoque em seus devidos lugares, os produtos nunca vão entrar em um avião. O custo é menor, com menos combustível queimado e entrega mais rápida”, explica Bezos.
MUDOU A ESTRATéGIA TRIBUTáRIA O santo graal do embarque –entrega no mesmo dia– está tentadoramente ao alcance. A Amazon já oferece esse serviço em algumas cidades, o que é chamado de entrega “expressa local”, mas o grande truque é fazê-lo nacionalmente. E o elemento crucial desse plano ambicioso é mais instável do que armazéns [e até do que os drones]. É algo que apenas um contador pode prever: uma mudança sagaz na estratégia tributária. Se você fosse um concorrente com alucinações auditivas, ouviria a música do filme Tubarão toda vez que Bezos pronuncia a palavra “impostos”. Por anos, a Amazon evitou uma presença física suficientemente grande em estados que poderiam forçá-la a recolher, de seus clientes, impostos sobre venda. Lojas de tijolo e cimento e pequenos negócios sempre argumentaram que era injusta essa vantagem tributária da Amazon. Alguns estados ousaram até desafiá-la, mas a empresa muito rapidamente encerrou suas operações neles. Mesmo em parcerias da Amazon com outros comerciantes essa questão tributária era sagrada, como lembra John Rossman, ex-executivo da
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Amazon e atual diretor-geral de uma firma de consultoria de Seattle. No entanto, a Amazon mudou de ideia, avaliando que os benefícios dos centros de distribuição –e toda a velocidade que oferecem– são maiores do que os custos das taxações. A empresa começou, então, a negociar incentivos tributários com cada estado. A Carolina do Sul concordou em deixar a Amazon não pagar impostos até 2016, em troca de 2 mil novos empregos. Na Califórnia, a empresa ganhou um ano para começar a recolher impostos, em troca de construir três novos armazéns. Só em 2012, a Amazon gastou mais de US$ 2,5 milhões em lobbies em prol de questões como o Marketplace Fairness Act –uma proposta de lei que obriga o comércio eletrônico remoto a recolher os mesmos impostos sobre vendas do comércio local, ainda em trâmite no Congresso dos EUA. Detalhe: a Amazon tinha antes movido céus e terra contra esse projeto de lei. Rossman antevê as consequências desse movimento pró-impostos: “Muitos varejistas estão celebrando o que pensam ser uma igualada no jogo, mas vão se arrepender. Os impostos eram uma das poucas coisas que impediam a Amazon de crescer. Agora não há obstáculo para ela”.
DE COMIDA TODOS PRECISAM Na ofensiva da Amazon destaca-se também o serviço de entregas de hortifrútis AmazonFresh, disponível em Seattle e Los Angeles até o fechamento desta edição. Com os hortifrútis, cerca de 100 mil itens podem ser entregues no mesmo dia. A reportagem testou-o, pagando US$ 10 de taxa de entrega e solicitando que batatas fritas, bananas, maçãs, iogurte, água mineral, um DVD e um bloco de anotações Moleskine fossem entregues entre 19h e 20h em um quarto de hotel. Às 19h15, a entregadora estava lá, carregando sacolas até o apartamento e recusando a gorjeta de US$ 5. Foi tudo muito simples, fácil e, para os concorrentes da Amazon, bem ameaçador. Assim como os robôs Kiva, o AmazonFresh é fundamental para o futuro das compras, segundo a Amazon: “O que você quiser, na hora em que quiser, onde quiser, com a rapidez que quiser”. Espera-se que se expanda para mais de 20 mercados urbanos, incluindo alguns fora dos Estados Unidos. E há inovações em cima das inovações. Por exemplo, o AmazonFresh de Los Angeles oferece um teste do Prime Fresh, de envio grátis de produtos para pedidos acima de US$ 35 para assinantes que paguem anuidade de US$ 299. Considerando que a entrega custaria entre US$ 8 e US$ 10
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neM TUDo São FLoreS No Brasil, a Amazon tem uma loja Kindle desde o inal de 2012, e a Amazon Appstore, de aplicativos para Android, desde 2013, mas o mercado acha que vai demorar até que traga para cá seu modelo operacional essencial –hsm management procurou seu CEO, Alex Szapiro, mas não conseguiu contato. Quanto mais a Amazon cresce, maiores o número e a variedade de stakeholders necessários para operar e muitos acabam icando frustrados: • Com os bilhões de investimentos, os lucros andam minguados –no terceiro trimestre de 2013, a companhia teve faturamento de US$ 17,09 bilhões, um avanço de 24%, mas sem lucro. (Como a receita foi US$ 400 milhões maior que a prevista pelos analistas, a ação subiu 8% no dia do anúncio dos resultados, em 24 de outubro, para US$ 361, uma valorização de quase dez vezes desde 2008.) • Os comerciantes parceiros da Amazon não gostaram quando, no início de 2013, a Amazon aumentou as tarifas para o uso de seus serviços de entregas; ameaçaram ir para o eBay. Sobre um item vendido por US$ 7, o “pedágio” da Amazon passou de US$ 2,37 para US$ 3,62. • Os funcionários na Alemanha izeram greve em duas das oito unidades, exigindo maior salário e horas extras. Em junho de 2013, 1,3 mil deixaram o emprego. • Os funcionários nos EUA entraram com uma ação alegando que são submetidos a excesso de revistas de segurança –para buscar itens furtados– nos depósitos e que a espera pode durar até 25 minutos.
por vez (dependendo do tamanho do pedido), a assinatura é um bom negócio para o consumidor: paga-se em cerca de 30 entregas. Qual é a razão de entrar em hortifrútis? Bezos mostra uma insatisfação com limites: “Temos sido muito eficientes em nosso modelo atual de distribuição, mas há vários produtos que não é possível simplesmente colocar em uma caixa e enviar. É o caso do leite ou do hambúrguer”. Devido à frequência com que as pessoas compram comida e precisam dela, Bezos não acha bom ter esse limite.
O DESAFIO DA ENTREGA NO MESMO DIA O AmazonFresh parece ser também um cavalo de Troia da empresa, que assim fica mais perto de criar um serviço de entregas de qualquer coisa no mesmo dia, como explica Tom Furphy, ex-executivo da Amazon que lançou o Fresh em 2007 e o comandou até 2009. Os obstáculos logísticos e econômicos são enormes para um serviço desse tipo. É tran-
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quilo despachar caminhões cheios de pacotes de um armazém, mas fazer com que um pacote único chegue à porta de determinado cliente não é fácil, porque, se o volume de frete e a frequência de entregas não compensarem os custos de combustível e de tempo, o último quilômetro ficará caro demais. Ao expandir a entrega de alimentos, a Amazon espera transformar os clientes mensais em semanais ou mais frequentes ainda e é isso que gerará o volume de pedidos que compensará o investimento em entregas no mesmo dia.
OS CONCORRENTES Já ESTãO SE MEXENDO. O EBAY LANçOU O EBAY NOW; O WALMART E O GOOGLE TAMBéM CRIARAM ENTREGAS NO DIA Em última análise, o AmazonFresh é a peça que faltava ao grande plano de Bezos de converter a Amazon no prestador de serviços dominante de toda a experiência do varejo. Imagine se todos os vendedores do mundo puderem recorrer a ela para fazer suas entregas. Os comerciantes parceiros da empresa, que hoje correspondem a 40% de suas vendas (ganhando mais de 20% de cada uma), já são incentivados a usar o Fulfillment by Amazon (entregas pela Amazon, conhecido como FBA). Eles vendem no site de Bezos e deixam para ele o trabalho pesado da logística. É parceria ganha-ganha: os comerciantes ganham novos clientes e conseguem vender a preços ligeiramente maiores, enquanto a Amazon aumenta vendas, lucros e a probabilidade de todos os clientes encontrarem tudo o que quiserem em seu site.
RIVAL DE UPS E FEDEX? O desabrochar da rede de transporte do AmazonFresh vai incrementar esses números. Em Los Angeles e em Seattle, a frota do Fresh entrega desde refeições completas até chocolates de fabricantes locais. Os caminhões pintados de verde vivo –com motoristas educados e uniformizados– permitem à Amazon personificar sua marca e criar familiaridade e confiança. À medida que a Amazon evolui em seu serviço de entrega no mesmo dia, sua frota pode
transformar-se em mais uma de suas vantagens competitivas. Ao complementar sua relação com a UPS e a FedEx com caminhões próprios, a empresa talvez se torne capaz de entregar mais rápido do que os varejistas que dependem apenas de serviços externos. Essa mudança possivelmente fará da Amazon uma concorrente da UPS e da FedEx, o antigo duopólio da entrega no dia seguinte nos EUA. “Se a Amazon tiver escala suficiente, pode entregar com taxas competitivas e ainda ter alguma margem”, diz Brian Walker, ex-analista da Forrest Research e hoje dono da Hybris, empresa de software de e-commerce. Essa é, aliás, uma estrada que a Amazon conhece. Seus serviços começaram com uma estrutura eficiente e confiável de internet –e ela se tornou tão especializada nisso que hoje oferece serviços digitais para uma gama enorme de clientes, incluindo a Netflix e, supõe-se, a Apple. Não é impossível imaginar a Amazon fazendo o mesmo com entregas. Conforme constrói mais centros de distribuição, instala mais armários e constrói a própria frota, a empresa provavelmente vai baixar ainda mais seus custos. A Amazon Freight Services seria a próxima missão de Bezos? Quando a reportagem lhe faz essa pergunta, ele sorri e diz que um serviço próprio de entregas só faz sentido no programa Fresh e apenas em grandes centros urbanos.
REAçãO EM CADEIA Ao menos nos Estados Unidos, os concorrentes estão se mexendo. O eBay lançou o eBay Now, serviço de US$ 5 que usa entregadores com sua marca em Nova York, San Francisco e San José para entregar produtos de varejistas locais como Best Buy e Toys “R” Us em uma hora. O Google, ciente de que o market share da Amazon na busca de produtos é substancial, lançou um serviço piloto chamado Google Shopping Express, em parceria com empresas de entregas. O Walmart (que tirou o Kindle de suas lojas) começou a testar a entrega no mesmo dia em cidades específicas, entregando os itens diretamente de suas lojas. (O CEO do Walmart.com até pensou em pagar clientes para entregar pedidos de outros clientes no mesmo dia.) Esse é o tipo de ideias que os varejistas –tanto virtuais como físicos, grandes e pequenos– terão de levar em consideração, enquanto a Amazon cresce. Pessoas como Jeff Jordan, sócio da firma de investimentos Andreessen Horowitz, que investe em negócios diretos ao consumidor, já tratam de averiguar isso antes de alocar capital. “Não vamos investir em uma empresa desse setor a menos que haja garantia de que não será arrasada pela Amazon.” Bezos pode ter se provado o melhor CEO do mundo no longo prazo, mesmo que ele não goste de falar a respeito.
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