a revista do novo líder
O fim da vantagem cOmpetitiva, pOr rita mcgrath
management
Uma abordagem mais prática par a a base da pirâmide
exclusivO: aprenda a transformar seU negócio com a vangUarda do design
inovação 0 01 0 3 >
r$ 54,00 nº 103 mar./abr. 2014
ISSN 1415-8868
9 771415 886008
esse pode ser o fUtUro de sUa empresa também
ISS
NESTA EDIÇÃo
MAR./ABR. 2014
Nosso código de cores A partir de agora, HSM Management organiza seu conteúdo pelos seis temas de gestão que mais interessam aos líderes de hoje e de amanhã. Cada matéria tem um tema principal e, de modo multidisciplinar, aborda outros. Identiique os temas também pelas cores:
• estratégia • liderança • empreendedorismo • educação • sustentabilidade • inovação
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84 Yang Yuanqing, CEO e chairman da Lenovo
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O design é que manda Se os produtos se igualam, a estética os diferencia. Conheça os designers que ditam moda, como Stefan Sagmeister, que faz do corpo sua plataforma. Empreender é sair fazendo Alexis Ohanian, do Reddit, ensina a não pedir permissão.
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A vantagem competitiva chegou ao fim? Dez empresas provam que sim, na pesquisa de Rita Gunther McGrath.
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Premiar o cliente atual ou o novo: eis a questão corporativa Uma matriz ajuda a decidir caso a caso.
Spotify e os negócios pós-pirataria Risco e recompensa em uma indústria destruída –a da música. O mundo PC-Plus da Lenovo Teremos tablets, smartphones e mais, garante Yang Yuanqing.
DIrETo Ao poNTo Contagem regressiva com Scott Belsky • 10 Se você compartilhasse... • 12 Como cultivar futuros inovadores • 16 Para enfrentar transições • O melhor chefe para uma mulher • 18 Lições dos livros de Zeynep Ton e David Zweig, do filme de Spike Jonze, dos dilemas pessoais de Arianna Huffington e Bernardo Paz
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inovação
social
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Que cavalo você deve seguir? Uma análise do episódio Eike Batista à luz da accountability do líder, por João Cordeiro.
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A solução “business” da pobreza Nem Prahalad, nem Yunus; é a abordagem do empreendedor Paul Polak.
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Focar (ainda) é fundamental Daniel Goleman, o “pai” da inteligência emocional, explica por que isso faz diferença.
Qual é o futuro das empresas que visam lucro? Dossiê sugere que ele passa por iniciativas intersetoriais que buscam soluções novas e mais eficazes para os problemas sociais. (p. 57)
•58• Inovação social aponta novos caminhos para as empresas
•66• 18 ideias para o sucesso
•72• 4 fontes de inspiração
book
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Para você ler, na íntegra, um capítulo do novo livro dos líderes da Ideo, uma das maiores agências de design do mundo. Tema: o equilíbrio entre coração e bolso.
coluNISTAS • 78 John Davis • 116 Betania Tanure • 126 Carmen Migueles
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Mapa mental
Desenhamos a sucessão do CEO da Microsoft.
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editorial
foto: Divulgação
Manifesto José Salibi Neto cofundador e CKo da HSM
A tEcnologIA rEVolucIonárIA dE HoJE podE SEr coMo uMA SIMplES torrAdEIrA no Ano QuE VEM”
I
Inspirei-me nessa frase do designer Jake Barton, citada em nossa reportagem especial sobre design, para ampliá-la: se ele diz que nada envelhecerá mais do que a nova tecnologia, nós dizemos que outras coisas talvez envelheçam tanto quanto ela, dos modismos de negócios às fórmulas competitivas de prateleira. A verdade fundamental dos negócios, infelizmente nem sempre lembrada, é que todo empreendimento deve ser desenvolvido, caso a caso, com base em uma mensagem, na emoção e na conexão humana. Fizemos um manifesto sobre o que buscamos na HSM e no que acreditamos:
que façam acontecer em suas empresas e construam o país que queremos.
8. Acreditamos que o equilíbrio das empresas depende do equilíbrio das pessoas e que este é obtido com menos controle e mais coniança.
9. Acreditamos que é preciso correr os riscos necessários para fazer o Brasil chegar ao patamar competitivo almejado e sabemos que estes podem ser controlados com o conhecimento adequado.
1. Buscamos um Brasil competitivo em nível mun-
10. Buscamos, sobretudo, humildade, para
dial, não apenas em termos econômicos, mas também em desenvolvimento humano.
aprender todos os dias com as experiências alheias e poder disseminá-las.
2. Acreditamos
que empresas competitivas são o requisito e a fundação de um Brasil competitivo.
3. Acreditamos que as empresas, tanto quanto as pessoas, têm de priorizar a educação.
4. Acreditamos
que os líderes são os atores fundamentais de qualquer movimento de melhoria, seja das organizações, seja das pessoas.
5. Acreditamos
que, para responder aos desaios atuais e futuros, as empresas precisam ter estratégia e execução eicazes.
6. Acreditamos que investir em inovação, cultivar um empreendedorismo permanente e fazer a coisa certa para todos os stakeholders são a chave para o presente não inviabilizar o futuro.
7. Buscamos, nesta
revista e nas demais linhas de negócios da HSM, capacitar os líderes para
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Você, líder, está no centro de nossas crenças e esforços; o objetivo da HSM é lhe entregar, todos os dias e em todos os nossos pontos de contato, um conteúdo de gestão de primeira linha, por meio de experiências “inesquecíveis” e gerando oportunidades de relacionamento. Mais do que tudo, no entanto, o que buscamos é sua coautoria. Queremos que você seja coautor nesta revista em sua nova fase, no avanço de nossas empresas e na construção de um Brasil novo, competitivo e muito melhor para os brasileiros. É com muito orgulho que estreamos nesta edição nosso novo projeto, editorial e gráico, que foi cuidadosamente elaborado por nossa equipe e que você poderá conferir nas próximas páginas. Esperamos de todo o coração que você aprecie!
direto ao ponto
Para enfrentar
Transições
O especialista de Wharton Richard Shell encoraja os gestores a enfrentar suas mudanças profissionais repensando o sucesso e a felicidade
C
omo enfrentar os momentos de transição mais difíceis da vida proissional –da universidade para o primeiro emprego, de uma carreira para outra, do trabalho para a aposentadoria? O professor Richard Shell, da Wharton School, ministra um curso sobre isso, que agora icou acessível também a quem não estuda na célebre escola de negócios da University of Pennsylvania. Em 2013, o curso virou livro: Springboard: Launching Your Personal Search for Success (ed. Penguin). Nesta entrevista, ele levanta questionamentos em relação à cultura da celebridade e diz que o conceito de “felicidade” de Thomas Jefferson inluenciou o mundo ocidental, talvez erroneamente.
Por que tantos buscam fama e fortuna como sinônimo de sucesso? Gostemos ou não, a cultura em que nos inserimos cria muitas expectativas para nós. Como a cultura ocidental atual é baseada na mídia e no culto à celebridade, é muito comum ver as pessoas inconscientemente presumirem que, se não forem famosas ou ricas, não serão bem-sucedidas. Pior: mesmo quando tomam consciência disso, elas continuam a se sentir insatisfeitas se não são famosas ou ricas o suiciente. Parte do que faço é tentar colocar novos objetivos no lugar daqueles automáticos que nossa cultura estabelece. Procuro fazer com que as pessoas pensem sobre ganhar respeito em vez de fama –respeito de quem elas conhecem e daqueles que as conhecem, algo bem diferente do reconhecimento de indivíduos desconhecidos. 16
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Em relação ao dintheiro, busco enfatizar necessidades relacionadas com segurança inanceira para você e sua família, em detrimento de uma tabela de pontos de status ligados a renda.
Na Declaração de Independência dos Estados Unidos, Thomas Jefferson escreveu que temos os inalienáveis direitos à vida, à liberdade e à felicidade. Felicidade é sucesso? Sabia que o texto original dizia “vida, liberdade e propriedade”, e Jefferson substituiu “propriedade” por “felicidade”? E que, como Jefferson era um ilósofo estoico e seguia um regime muito estrito de vida, enxergava felicidade na jardinagem e na busca intelectual?
E isso inluenciou o Ocidente... Sim! Minha pesquisa mostrou que, em geral, felicidade signiica três coisas para as pessoas: uma emoção momentânea; uma avaliação positiva de esforços recompensados em algum tipo de realização; a satisfação que vem de uma dimensão quase espiritual –da apreciação da natureza, de um senso de conexão com o mundo ou com alguma divindade. Quando se fala de busca da felicidade, costuma-se falar de uma mistura dessas três coisas, o que inclui sucesso, portanto.
Seu livro cita um “anjo perspicaz” que resumiu “felicidade como ter saúde, uma ocupação que faça sentido e amor”. Está tudo aí? O “anjo perspicaz” era um senhor que apareceu em um seminário da Wharton sobre a relação entre renda e felicidade. Ele vestia roupas de operário, não
O melhor chefe para
uma muLHer Springboard: Launching Your perSonaL Search for SucceSS
G. Richard Shell ed. Penguin
pertencia àquele grupo social, mas sua airmação foi muito profunda e inteligente. O que ele esqueceu de observar, talvez, é que muita gente associa isso a uma realização notável. Creio que é um erro. As pessoas podem sentir felicidade ao realizar algo que seja signiicativo para elas e as satisfaça, e que não seja necessariamente notável.
FOTOS: SHUTTERSTOCk E DIVUlGAçãO
Qual é o maior obstáculo na busca do sucesso? O medo. Quando olho nos olhos de meus alunos de graduação que encaram o primeiro emprego, eles temem não ter feito a escolha certa. Digo para cada um: “Use esses primeiros anos de trabalho como um experimento para aprender mais sobre quem você é, do que gosta e que habilidades tem”. Mesmo nos gestores experientes eu vejo medo, em especial em fases de transição de vida. Enxergam um buraco negro no futuro.
mulher que deseja ser bem-sucedida proissionalmente e avançar na carreira precisa escolher um chefe homem que tenha ilhas, não tenha irmãs e cuja esposa trabalhe fora. Parece brincadeira, não é? No entanto, uma recente reportagem da revista norte-americana The Atlantic tirou essas conclusões nada precipitadas de pesquisas acadêmicas desenvolvidas no país. Por exemplo, CEOs homens geralmente pagam salários menores aos funcionários depois que têm ilhos do sexo masculino, mas isso não acontece quando são ilhas. E, se a primogênita é menina, o chefe costuma dar mais aumento para as funcionárias (pesquisa de Michael S. Dahl, Fatherhood and Managerial Style: How a Male CEO’s Children Affect the Wages of His Employees). O exato oposto se aplica a quem tem irmãs, pois prefere a distância tradicional entre homens e mulheres (pesquisa de Andrew Healy e Neil Malhotra, Childhood Socialization and Political Attitudes: Evidence from a Natural Experiment). Por sua vez, chefes cuja esposa é dona de casa tendem a promover menos suas funcionárias e crer que organizações com mais mulheres funcionam pior (pesquisa de Sreedhari Desai, The Organizational Implications of a Traditional Marriage). Vale pesquisar sobre seu chefe.
A
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oD ma
inovação | reportagem estratégia empreendedorismo
é
A reportagem é de
Florencia Lafuente, com a colaboração de Viviana Alonso, Carolina Suárez e Luz Landa, de NovaYork, e Lizandra M. Almeida, de São Paulo. 20
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eq sun e i D g a
As empresas brasileiras estão aprendendo: quando os produtos ofertados se tornam equivalentes, é o design que os diferencia. Mas como acompanhar as tendências mundiais de design? Seguir oito designers de referência é uma boa medida
“
n
“na Sony, partimos do princípio de que os produtos de nossos concorrentes têm a mesma tecnologia, o mesmo preço, desempenho e funcionalidades idênticos. O design é a única coisa que diferencia uns dos outros no mercado.” Essa frase de norio Ohga, ex-presidente da multinacional japonesa, é corroborada por uma de A.G. Laley, o lendário CEO da P&G: “Os produtos concorrem todos os dias pela escolha dos clientes; um bom design é essencial para ganhar a disputa”. Ohga e Laley não se referem apenas ao design do produto. O design da embalagem, o logo, o desenho do ambiente, a sinalização, o design gráico, tudo conta. A estética é, cada vez mais, um fator de diferenciação e, por que não dizer, uma vantagem competitiva. Segundo Gisela Schulzinger, diretora da Associação Brasileira das Empresas de Design (Abedesign), o Brasil começa a ver um papel protagonista do design agora. “Com a evolução da indústria, que tornou o quesito ‘qualidade’ praticamente obrigatório em todos os produtos, as marcas vêm usando o design para diferenciar-se da concorrência”, diz ela. E o interessante é que isso não ocorre só com produtos destinados ao consumidor inal, mas também no segmento business-to-business. Começa a icar mais frequente em território brasileiro a preocupação com design, e em todos os pontos de contato entre a marca e seu público. Isso inclui o formato do produto, assim como o planejamento dos espaços da empresa e de venda, a identidade visual, as embalagens, o layout de sites, os projetos editoriais diversos ligados a uma marca etc. Schulzinger acredita que isso seja verdade até em relação às empresas voltadas para os consumi-
dores emergentes das classes C e D. “Não é porque é popular que precisa ser feio e muitas companhias vêm descobrindo isso”, airma a designer. E os custos? “A maioria das empresas ainda está muito voltada para essa questão imediata, mas, quando começam a investir em design, elas veem que a conta muda”, ressalta Schulzinger. O fato é que hoje muitos consumidores viajam a outros países, têm mais referências na própria internet e suas exigências mudam. “na Abedesign, nosso objetivo é mudar o background estético das empresas brasileiras e fazer com que incorporem o design no negócio, independentemente do porte que tenham”, diz Schulzinger, que também é sócia da Pande Design, uma das maiores agências de design brasileiras. Com a proposta de apoiar nossas empresas em sua jornada estética, HSM Management preparou uma reportagem especial sobre oito designers de inluência mundial entre os mais inovadores e lançadores de tendências, dos lendários Milton Glaser e Paula Scher ao jovem Ji Lee, descrevendo seu estilo e suas fontes de inspiração, explicando seu processo criativo e suas crenças, mostrando obras signiicativas. Um alerta importante vem de um nono designer, Jake Barton, segundo o qual não basta seguir a tecnologia para acompanhar as tendências estéticas. “A tecnologia mais revolucionária de hoje pode ser como uma simples torradeira no ano que vem; o que importa mesmo é a mensagem, a emoção, a conexão humana.”
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inovação| reportagem
chip Kidd
“O design é a respOsta a um prOblema específicO. é precisO deixar que O própriO prOblema diga qual é a sOluçãO.” pág. 24
ji lee
“a tipOgrafia pOde ser tãO artística e cOnceitual quantO qualquer elementO das belas-artes.” pág. 28
Mirko ilić
“pense OitO hOras, trabalhe duas.”
pág. 32
stefan sagmeister
“reclamar é burrice. aja Ou esqueça.”
pág. 36
natasha jen
“um bOm design é O que redefine a expectativa Original.” pág. 40
paula scher
“O design nãO leva tempO. O que leva muitO tempO é O cliente.” pág. 44
michael bierut
“nem tudO é design, mas O design está em tudO.”
pág. 48
miltOn glaser
“princípiO nº 1: nãO prejudicar.”
pág. 52
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inovação| reportagem
R
econhecido mundialmente por um excepcional design de capas de livros, Chip Kidd hoje é diretor de arte associado da Knopf, selo editorial do grupo Random House. Seus projetos mais famosos consistem em sobrecapas que dialogam com as capas dos livros de maneira provocativa. Para a revista Publishers Weekly, essas sobrecapas “fazem com que os leitores apreciem os livros como objetos de arte e literatura ao mesmo tempo”. Se os tablets acabarão com os livros? Kidd tem certeza de que não e cita o comediante Stephen Fry. “Os livros são tão ameaçados pelo Kindle como as escadas pelos elevadores.” Tornar-se capista de livros não foi algo premeditado. “Estudei design gráico na Pennsylvania State University e obviamente criei muitas coisas. Cheguei até a fazer o que hoje se chama ‘branding’, que naquela época era ‘identidade corporativa’. Esse era meu sonho. Mas o primeiro trabalho que me ofereceram foi em uma editora. Aceitei sem pensar e iquei.” Até hoje. Kidd faz parte da equipe executiva da Knopf, que tem em seu catálogo de livros 17 prêmios Nobel e 47 Pulitzers, entre eles Bill Clinton, Gabriel García Márquez, Haruki Murakami, Ezra Pound... Kidd ainda tem um lado B: os quadrinhos. Tinha obsessão por Batman desde pequeno. Em 2012, escreveu a graphic novel Batman: Death by Design (Batman: morte pelo design) com o ilustrador inglês Dave Taylor. Na capa, um lúgubre Batman pendurado de cabeça para baixo como um morcego sobre Gotham City, um best-seller, segundo a lista do New York Times. “Em 75 anos de história, Batman nunca apareceu em capa de livro pendurado como um morcego”, comenta. Amante da cultura pop, quer que o leitor trabalhe. Seus projetos nunca explicam ou complementam o título do livro, não o “ancoram” –na verdade, uma regra inquebrantável no mundo editorial é jamais descrever uma foto com os elementos que a compõem, mas deixar essa brecha para que o leitor se aventure e investigue por si mesmo do que se trata. Para Chip Kidd, a capa de um livro é um haicai do texto. “Primeiro, é preciso ler o livro. Só depois
Chip Kidd, 49 anos
marco de carreira: ilustração do dinossauro da sobrecapa do livro Jurassic Park, ícone do ilme homônimo
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fotoS: DivulgAção
Designer gráico norte-americano, músico, editor
“DeMoS Ao leitoR A PiStA PeRfeitA De coMo ‘Se livRAR DeSSA cuecA’. A SobRecAPA Não cobRe totAlMeNte A cAPA.” Quando se tira a sobrecapa, o leitor vê na capa um exame de raios X do que há atrás da cueca samba-canção: ossos da bacia. “A curiosidade leva o leitor tão longe que ele pode enxergar algo mais íntimo do que a própria carne”, diz Kidd.
JANN WeNNeR, fuNDADoR DA ReviStA Rolling Stone, PeRMitiu Que KiDD MoDificASSe o logo icôNico PARA SuA eDição DA MelhoR MúSicA DA DécADA De 2000. o DeSigNeR tRANSfoRMou oS “oS” eM zeRoS.
“uAu! uMA SobRecAPA fANtáSticA e MAlDitA PARA o Meu livRo!” o autor do livro Jurassic Park, Michael crichton, mandou um fax com essa frase para Kidd parabenizando seu esboço. Mais tarde, o estúdio universal comprou a imagem e usou-a em todo o merchandising do filme de Steven Spielberg. edição 103 |
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inovação| reportagem
é que se começa a trabalhar. Aí é necessário intrigar o leitor, dar-lhe algo para pesquisar, porque, se ele ica sabendo de tudo de antemão, o projeto está perdido. Além disso, uma obra sempre exige uma imagem visual icônica, que a conecte com o leitor e lhe permita sentir que está ligado ao objeto. Isso nunca vai sair de moda”, diz o designer. O estilo Kidd? Ele procura sempre formas de inovar, de um projeto para outro, e de fundir movimentos. Sabe integrar com grande precisão, no design de suas capas, elementos diferentes, como fotograias, materiais e papéis, desenhos e colagens. Suas inluências são variadas: o Modernismo do início do século 20, o Bauhaus, o Construtivismo russo, o Art Déco e, entre os designers contemporâneos, o vanguardista Paul Rand, morto em 1996 aos 82 anos, especializado no design de logos (IBM, UPS, Westinghouse, ABC, NeXT) e, claro, Milton Glaser.
oS DeSAfioS Do AutoR MoRto e DA hiStóRiA ReAl o célebre autor japonês de mangás, osamu tezuka, escreveu sobre a vida de buda em oito volumes. Kidd liderou a republicação.
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O DESIGN é A RESPOStA A UM PrOBLEMA ESPECíFICO. é PrECISO DEIXAr qUE O PRóPRIO PrOBLEMA DIGA qUAL é A SOLUçãO”
DoiS MuNDoS Murakami conta a história de uma mulher que sente viver em dois mundos paralelos (está em um ônibus e, de repente, vê um dinossauro na rua). Kidd faz a capa ter esses dois planos de realidade e desenha uma mulher coberta por fino papel transparente, com o título 1Q84 impresso em cor e, embaixo, o título em branco.
eDição De luXo DA SéRie De livRoS fAMoSoS De hiStóRiAS eM QuADRiNhoS Do AutoR AlAN MooRe e Do ARtiStA DAve gibboNS, PublicADoS PelA Dc coMicS Kidd criou as capas dessa série para o relançamento dos livros. Depois de 25 anos, era o momento de os personagens clássicos do universo Watchmen viverem novas aventuras. Kidd destacou que tentaria honrar os ar tistas originais.
“QueRiA Que A cAPA [Do livRo De MeMóRiAS De ReAbilitAção De uM AlcoólAtRA] foSSe viStA coMo Se o AutoR eStiveSSe MeNtiNDo. fiz uM DeSigN tiPogRáfico Muito SiMPleS; iMPRiMi A cAPA eM uMA JAto De tiNtA coMuM, PReguei NA PAReDe e Joguei uM bAlDe De águA PoR ciMA. e ficou ASSiM.”
RocKStAR Do DeSigN Seu livro mais recente, lançado em outubro de 2013, foi escrito para quem deseja conhecer o segredo de como fazer as coisas de maneira mais dinâmica e interessante. “Kidd é como uma estrela de rock do design”, disse o jornal USA today sobre ele. Kidd colocou a palavra “go” (siga) em um cartaz de “Stop” (pare). Quis demonstrar que o mundo parece melhor quando se olha de outro ângulo.
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inovação| reportagem
Ji Lee, 42 anos Designer de comunicação sul-coreano e estrategista criativo do facebook
Lee fala com sinceridade total. nem deixa transJiparecer o peso do afastamento de sua terra natal,
A TIPOGrAFIA PODE SEr TãO ArTíSTICA E CONCEITUAL qUANTO qUALqUEr ELEMENTO DAS BELAS-ArTES”
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Seul, capital da Coreia do Sul, que deixou aos 10 anos, emigrando para o Brasil e, em seguida, para os Estados Unidos. quando fala sobre seu passado, percebe-se que é com orgulho. Cada obstáculo foi, para ele, a prova mais contundente de que era autêntica sua habilidade de comunicar-se por outros meios que não a linguagem. Hoje, Lee é estrategista criativo de comunicação do Facebook em Nova York, mas, até 2011, era diretor criativo do Google. Antes, passou por algumas agências, entre elas Saatchi & Saatchi, Droga5, classiicada em 2012 como a “agência do ano” pela revista Adweek, e Tsang Seymour Design, especializada em aplicar o pensamento de design ao desenvolvimento de conteúdo. Atualmente, Lee colabora com grandes marcas e ajuda as agências de publicidade a fazer marketing eicaz no Facebook. “Anunciar no Facebook é diferente de tudo. Uma plataforma multidimensional, usada por mais de 1 bilhão de pessoas por dia, deve ser abordada de
maneira diferente da tV e dos outros meios gráicos”, explica. No Facebook, os anúncios são consumidos no “news feed”, na página inicial do site. “E cada ‘news feed’ transmite informações muito pessoais dos usuários: fotos de amigos, de ilhos de amigos, imagens de casamentos, de férias familiares... e, em meio a tudo isso, aparecem os informes publicitários. Para que eles tenham relevância, os anúncios devem ser signiicativos, falando diretamente com a pessoa, com uma mensagem útil e divertida, que mostre que a marca é boa e escuta seus consumidores. E as agências precisam de uma mãozinha para criar esse tipo de anúncio”, acrescenta Lee.
fotoS: DivulgAção
marco de carreira: “Word as an image” (palavra como imagem), um projeto –e um hábito– que se transformou em livro
ExtrAtErrEStrE quando Lee chegou ao Brasil, vindo de uma Coreia do Sul pobre, que ainda se recuperava da guerra, a maioria dos coreanos estava emigrando para os EUA. Mas o avô de Lee, “um homem aventureiro e empreendedor”, tinha um amigo que havia triunfado no Brasil. “Meu avô tinha sete ilhos. Viajou para a América do Sul com os quatro solteiros, enquanto minha mãe e os outros dois ilhos icaram na Coreia até meus avós conseguirem se estabelecer em São Paulo.” Lee chegou à cidade sem conhecer nada da cultura ocidental, além dos seriados norte-americanos que via quando criança. “Mudar para o Brasil foi um acontecimento gigantesco. tudo era diferente e, literalmente, deu um nó na minha cabeça. O idioma foi um grande desaio, eu tinha de me comunicar da forma mais simples possível, e essa experiência teve uma inluência profunda sobre o que penso a respeito da comunicação. Boa parte do meu trabalho é visual, simples e universal. Minha experiência como imigrante incapaz de falar me obrigou a encontrar uma nova forma de dizer as coisas.” Lee, no entanto, tinha bons antecedentes; seus pais eram professores na Coreia. A mãe dava aula de coreano, e o pai, de ciências. Ambos se interessavam muito por arte, seu pai desenhava e pintava, e sua mãe era amante da boa música e literatura. “O clima na minha casa desde criança me inluenciou a estudar arte. Na Coreia, os pais querem que seus ilhos sejam médicos ou empresários e ganhem muito dinheiro. Há muita pressão. Nesse sentido, minha família era incomum, porque eles me encorajaram a seguir meus interesses e eu
“QuANDo eu eRA cRiANçA, AS letRAS eRAM coMo bRiNQueDoS. foRAM viRANDo PAlAvRAS, fRASeS, PeNSAMeNtoS e, De RePeNte, eu Não bRiNcAvA MAiS coM elAS.” A mania de lee pelas letras começou na universidade, em um trabalho para descobrir algo além da funcionalidade, como a “personalidade” da palavra que as letras formavam.
PALAVrAS A MAiS, PALAVrAS A MEnoS “Word as an image” (A palavra como imagem) é um dos projetos pessoais de lee e ganhou tanta importância que a Penguin books publicou um livro com ele. Sua ideia foi identificar elementos gráficos nas letras de uma palavra –basicamente, visualizar o conceito de forma estética. Na verdade, é certa obsessão de lee: descobrir imagens escondidas nas palavras. “Por exemplo, consideremos a palavra ‘elevador’ [‘elevator,’ em inglês]: há um v e um A; o v aponta para baixo, enquanto o A, para cima. São como os sinais ascendentes e descendentes do elevador.” tudo começou quando estava na Parsons university e o acompanha até hoje. “Quando não consigo dormir, fico desmontando palavras.” outro exemplo: a palavra “moon” [“lua”] tem dois os. Se um for grande e o outra pequeno, o primeiro será a Terra, e o último, a Lua. “Isso é divertido; para mim, é como resolver um quebra-cabeça. Quando consegui minhas primeiras cem palavras, montei um livro com a Penguin Books. Para promovê-lo, desenvolvi um vídeo de dois minutos com palavras animadas; transformou-se em um viral e foi visto por mais de 1 milhão de pessoas.”
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inovação| reportagem
bAtAtA lAY’S em 2013, uma das campanhas de lee para o fb convidava os usuários a criar a receita de um novo sabor e ganhar dinheiro com isso.
the new yoRk timeS lee fez uma ilustração simbolizando a bandeira dos estados unidos.
frequentava assiduamente as aulas de desenho. Aos 4 anos já sabia o que queria: ser artista. Gostava de olhar as enciclopédias, ver as obras de grandes artistas, como Van Gogh e Picasso, e desenhá-las.” No Brasil estudou pintura, depois seguiu para artes plásticas na Parsons The New School for Design, em Nova York. “Mais uma vez, uma cultura diferente, outro idioma. Ainda me lembro do dia em que cheguei à cidade, no começo dos anos 1990, me lembro até do cheiro. na hora senti que ali era o lugar onde eu queria estar.” Embora matriculado em artes plásticas, Lee abandonou a faculdade, basicamente por impaciência. Apesar de ter sonhado a vida toda com pintar e esculpir, as aulas eram muito abstratas para ele, com muitos debates ilosóicos sobre teoria da arte. Lee queria pôr as mãos na massa, e foi aí que descobriu o design gráico. “Lembro-me de um grande professor, Charles Nixon, que me ensinou tudo o que sei sobre tipograia. Ele me fez ver que ela podia ser tão conceitual e artística quanto qualquer outro elemento das artes plásticas.” Lee icou conhecido por usar as palavras como se fossem imagens e trabalhar a tipograia como desenhos. “quando me formei, participei da exposição dos formandos com um pequeno estande, no qual mostrava meu trabalho. Ali conheci o designer e tipó30
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grafo genial Stefan Sagmeister, que me ofereceu trabalho em seu estúdio: o trabalho dos sonhos. Não podia acreditar. O azar é que eu já tinha aceitado um emprego em uma agência especializada em design corporativo que fazia logos e relatórios anuais para companhias como Time Warner, LG e Nike. Por isso, não pude aceitar, me desculpei e expliquei. Talvez não fosse o momento oportuno.” Pensando no passado, Lee acredita que foi uma boa decisão. “Aprendi muito sobre o mundo corporativo na agência e isso me foi útil nos trabalhos posteriores. Além disso, continuei em contato com Sagmeister: ele se tornou meu mentor.” Depois daquela agência, Lee entrou em uma pequena empresa que desenvolvia folhetos e livros para museus como o MoMA de Nova York, o Museu Metropolitano de Arte e o Guggenheim.
“Era design puro. Produzia livros e mergulhei no mundo da tipograia. Mas a tarefa era muito disciplinada e eu queria fazer trabalhos conceituais. No Brasil existem comerciais televisivos muito bons, uma enorme criatividade, inteligência e humor gráico. Decididamente, queria me dedicar à publicidade.” Graças a um projeto de tipograia da faculdade, Lee então foi contratado como diretor de arte júnior da Saatchi & Saatchi. Depois de três anos na agência, em uma época conservadora nos EUA (os anos 1990, quando os clientes preferiam segurança a inovação), Lee se sentia frustrado. “A Saatchi & Saatchi dominava o espaço publicitário da cidade. Ver os anúncios me incomodava tanto quanto o ruído. Era poluição visual e, ao mesmo tempo, uma lembrança das oportunidades perdidas entre tanta mediocri-
dade. Então, eu pensei em intervir sobre os anúncios e me perguntei: ‘O que diriam as pessoas se tivessem essa possibilidade?’. Assim nasceu o The Bubble Project, em 2002: colei balões de diálogo vazios em vias públicas para que as pessoas os preenchessem. Gastei milhares de dólares das minhas economias nisso, comprei mais de 30 mil decalques.” O projeto virou um site para encorajar as pessoas a baixar balões e colá-los onde quisessem, o que foi feito por mais de 100 mil indivíduos. tornou-se uma campanha viral e Lee se transformou em um dos designers mais procurados. no GooGLE E no FACEbooK Depois de um período trabalhando para várias agências de publicidade, Lee recebeu uma liga-
ção de robert Wong, diretor criativo do Creative Lab do Google. “A área tinha de tudo: cineastas, redatores, publicitários, produtores, diretores de arte, artistas digitais e escritores. Foi gratiicante. Passei a maior parte do tempo criando mensagens para um produto gratuito que ajudava as pessoas.” Depois disso, Lee conheceu um designer do Facebook, que o indicou para a empresa. Logo o convocaram para uma reunião com Mark Zuckerberg, na Califórnia. Aceitou a proposta instigado pelo desaio de explorar um terreno novo, em um lugar que encoraja a experimentação. Lee trabalha há mais de três anos no departamento Facebook Creative Shop, na criação de anúncios como o da batata Lay’s, e vive em Nova York. “Sempre penso sobre a diferença entre de-
sign e arte, e acredito que o design trata de resolver um problema especíico do cliente. A arte, por sua vez, não resolve problemas.” E o estilo Ji Lee? A diversão é a chave, e também a inspiração é fundamental. “Em meu caso, ideias aparecem nos primeiros três a cinco minutos. Aprendi a coniar na minha voz interior. Existem tantas vozes dando voltas na nossa cabeça, a dos nossos pais, chefes, clientes, da sociedade inteira, dos meios de comunicação... quando recebo um projeto, ponho o foco no objetivo da iniciativa e o primeiro pensamento que me vem à mente é a resposta.” Se o método não funcionar –não funciona 100% das vezes–, Lee opta por desligar-se do problema por um tempo. E também desligar-se do entorno. “noto que a hiperconexão é prejudicial para a criatividade. Há alguns meses, comecei a icar 15 minutos contemplando a parede antes de me levantar, não fazendo nada. Deixo os pensamentos virem à minha mente e não me apego a eles.” E as inluências de Lee? “Minhas fontes de inspiração foram Marcel Duchamp, Picasso e Van Gogh, gente apaixonada pelo que fazia. Hoje admiro os fazedores, como Zuckerberg.”
the bubble PRoJect lançado em 2002, o projeto dos balões de texto tornou-se um movimento global. Até hoje existem “bubblers” rabiscando avisos em anúncios nas vias públicas.
cARtõeS De viSitA google Me As primeiras 5 mil pessoas que se inscreveram no novo perfil do google ganharam esse presente de Ji lee.
SoMoS 1 bilhão logo criado pelo designer Ji lee para anunciar, em 2012, que a rede chegava a 1 bilhão de pessoas.
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PEnSE OItO HORAS, TrABALHE DUAS.”
Designer gráico iugoslavo marco de carreira: pôster “Liberty Kissing Justice”
iz ele que virou designer por acaso. que se mudou para Nova York em 1986 por causa do café expresso. que, em 1991, aceitou o cargo de diretor criativo do jornal New York Times porque achou que icaria bem em seu currículo. que, em 1995, fundou o próprio estúdio para icar no mesmo edifício de Milton Glaser, que sempre admirou. Mirko Ilić nasceu em Bijeljina, uma belíssima cidade medieval no norte da Bósnia-Herzegovina, na antiga Iugoslávia, em 1956, durante o primeiro mandato de Tito. Desenhou histórias em quadrinhos,
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Mirko ilic, 57 anos
pôsteres políticos ou de ilmes como Mensagem para Você, capas de discos, capas do New York Times e da revista Time, logotipos, identidade visual para hotéis, como o Casa Moderna Hotel, em Miami, e o Alpina Gstaad, na Suíça, e para restaurantes famosos, como Le Cirque e La Fonda del Sol, em Nova York. Também escreveu e ilustrou livros: Genius Moves, The
Design of Dissent, The Anatomy of Design e Stop Think Go Do. Mas Mirko Ilić é, basicamente, um iconoclasta, o enfant terrible da proissão, rebelde por natureza. Ele não acredita em design sem mensagem. Ainda na Iugoslávia, em Zagreb (hoje na Croácia), no começo da década de 1980, batizou seu primeiro estúdio de SLS (em português, lento, ruim e caro). Suas experiências com a quebra da estrutura do texto no New York Times são famosas: evitava as ilustrações em si mesmas, criando uma espécie de visualização tipográica de iguras baseadas no conceito da história. Por exemplo, às vezes o texto de um artigo formava uma pilha de palavras que compunham o desenho de livros empilhados. Isso, sem nunca comprometer a leitura, apenas quebrando as colunas de texto. “O conteúdo é muito importante para mim. Não estou interessado no design puro, é um pouco chato. Sempre senti que meus projetos tinham de ser contrários ao pensamento dos outros.” Sua obra está ligada à política e iniciativas sociais desde o princípio.
o SíMbolo gAY “um de meus trabalhos mais populares, embora não seja necessariamente o meu favorito, foi o pôster da Estátua da Liberdade beijando a Justiça. é sobre o casamento gay. Acreditava que faria sentido unir as ideias de liberdade e justiça em um beijo, imitando a fotografia do marinheiro beijando a enfermeira na times Square no dia em que acabou a guerra, o dia da vitória. o beijo é uma representação da vitória do casamento gay. eu não sou homossexual, mas me parece muito importante apoiar qualquer minoria que não tenha os mesmos direitos que as demais pessoas.”
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SuAS cAPAS DA ReviStA time eStão eNtRe AS MAiS coNheciDAS De toDoS oS teMPoS –chegou A fAzeR 600 DelAS
Ele é um lutador: contra a violência, o nacionalismo, o racismo, as políticas oiciais que procuram se perpetuar no poder. Isso vem também do ambiente político e socialmente turbulento em que viveu na ex-Iugoslávia. DE Grão EM Grão Ilić foi eleito um dos designers mais inluentes dos últimos 50 anos pela revista Graphic Design USA. Começou bem jovem, ainda sem ter muita ideia do que queria ser. nunca concluiu os estudos e começou desenhando histórias em quadrinhos, o que considera sua formação. “Eu não tinha muito trabalho nessa época, mas os quadrinhos exigem 34
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critério, disciplina e habilidade, porque você precisa realmente contar as histórias.” Então se cansou e, como aconteceu com várias outras atividades depois, abandonou os quadrinhos. Seu estilo de trabalho se formou na SLS, em sua terra natal. quando a agência tinha dois anos, começou a trabalhar em uma famosa revista, chamada Danas. Ali, colaborava de forma muito próxima do hoje conhecido fotógrafo Luka Mjeda. Eles lideravam uma equipe do departamento de design da publicação. Criaram 150 capas em três anos, em geral uma foto/ilustração que apenas deixava espaço para os editores escreverem o título. Sua ideia desde o início era não usar ilustração nem foto, e sim uma combinação de ambas, mais forte do que cada uma em separado. “Tinha de criar 20 ideias diferentes sobre temas como a inlação”, recorda Ilić. Seus trabalhos eram provocativos e encorajavam as pessoas a ler a revista. Muitos anos mais tarde, já vivendo nos Estados Unidos, recebeu um prêmio pela obra.
DESiGn é tuDo Ilić chegou a Manhattan aos 30 anos sem conhecer ninguém, com uma mochila cheia de originais que considerava seu portfólio. “Era a mistura perfeita de Europa e América, e uma das poucas em que se pode tomar um café expresso bom.” A única pessoa que conhecia era a jornalista Gloria Steinem, que liderou o movimento de libertação feminina dos anos 1970, foi colunista da revista New York e cofundadora da publicação Ms. “Gloria me perguntou o que podia fazer por mim e eu disse que só queria que ela me apresentasse a Milton Glaser.” Os dois se conheceram em um evento social e depois de se tornaram amigos e colaboradores. Glaser lhe ofereceu uma mesa em seu estúdio para quando precisasse. Anos depois, Ilić lembrou-se da oferta, mas, em vez de uma mesa, pediu um andar do edifício em que o estúdio estava instalado. E foi assim que fundou sua companhia de design, a Mirko Ilić Corp., em 1995. Cinco dias depois já tinha um contrato com Steve Heller, que liderava na época a área de ilustrações do New York Times. Surpreso com o talento do bósnio, Heller lhe destinou um projeto relacionado com a seção de crítica literária do jornal. “Acho que viram em meus trabalhos um humor ácido e honesto. A honestidade é muito importante para o design.” Chegou a ser diretor de arte de uma seção do diário, embora nunca tenha gostado da vida corporativa.
o teXto é A iMAgeM Modificar o tamanho das colunas de texto pode fazer um texto sobre ave ter o formato de uma. converter texto em imagem foi algo que o designer fez várias vezes no new york times.
RetRoSPectivA Em 2012, Dejan Kršić fez uma retrospectiva dos 40 anos de trabalho de Mirko Ilić, que mostrou, entre outras coisas, os trabalhos da revista Danas
RAge AgAiNSt the MAchiNe O baixista da banda de rap-metal croata Rage Against the Machine, Tim Commerford, viu pôsteres de Ilić sobre comunismo e fascismo na revista suíça graphis, gostou e tatuou-os em seu braço. Depois, conheceu a mulher de Ilić na Sony (ela trabalhava na gravadora) e pediu mais algumas imagens. fez outra tatuagem no ombro (foto acima). Resultado: apesar de ter forte identificação com os movimentos punk rock, new wave e gótico, ele fez várias capas dos álbuns do Rage Against the Machine.
o “estilo” ilić: o insight rápido, o pânico ou o dinheiro “Não acredito em estilo, acho que isso é invenção de gente limitada. Sim, tenho uma forma de pensar, uma metodologia de trabalho que se manifesta em tudo o que faço, mas não há um estilo. “Quando falo com um cliente, a ideia me vem à mente nos primeiros segundos de conversa. essa ideia costuma ser o gatilho, que logo adapto à criação. Se isso não acontece, o melhor é esperar até o último momento. A procrastinação gera uma espécie de estado de pânico, que faz com que o cérebro reaja de maneira diferente do normal. e, quando tudo falha, uma boa quantidade de dinheiro é inspiração suficiente para que algo me ocorra.” Ilić compara o trabalho de um designer ao de um músico. Nesta época de comunicação excessiva, tanto o design como a música devem atravessar um túnel
de ruído e, para que sobrevivam e se destaquem, têm de ser sinceros, honestos. A música popular e o design ruim não partem de uma mensagem verdadeira, e sim de uma “fórmula para criar”, por isso o resultado é medíocre, explica. “Não acredito em seguir as regras do mercado; o mercado não sabe nada. ir atrás das tendências é uma história sem fim, que pode funcionar com os jovens. Não é meu caminho. eu acredito mais em fazer o que tenho vontade, e, se isso ressoa, melhor ainda. Assim, terei um pouco menos de trabalho, mas pelo menos fiz o que quis. um verdadeiro designer não quer ficar rico para aposentar-se jovem e ir pescar. Se o que apaixona alguém é a pesca, deveria pescar a vida inteira. eu adoro design; quero morrer na frente do teclado.”
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á uma foto famosa de Stefan Sagmeister: aquela em que se cortou com uma lâmina de barbear para um pôster da Aiga (a associação proissional do design). Foi um tributo ao violento movimento artístico de vanguarda denominado Ativismo Vienense, dos anos 1960, cuja meta era levar a arte ao campo da ação. “E, sim, doeu”, diz nas entrevistas quando lhe perguntam sobre a aventura. Reconhecido por usar a própria imagem em muitos de seus trabalhos, o grande designer gráico e tipógrafo austríaco costuma aparecer em suas histórias em quadrinhos e ilustrações. Graduado como designer gráico pela University of Applied Arts Vienna, ganhou uma bolsa de estudos Fulbright para estudar no célebre Pratt Institute, em Nova York, e nunca mais largou a cidade. “tornei-me designer porque gostava de música, da arte das capas, me parecia um trabalho superdescolado, típico da minha época de juventude.” Ele fez parte da equipe da agência de Leo Burnett em Hong Kong até 1991, quando voltou a Nova York, cidade em que inalmente fundou a Sagmeister Inc., em 1993. Passou, então, a dedicar-se ao design gráico de marcas, embalagens e capas de discos. Colaborou – e continua colaborando, em muitos casos – com bandas e cantores emblemáticos como Aerosmith, The Rolling Stones, the talking Heads e Lou Reed, além de empresas como HBO, Guggenheim e Time Warner. O corpo é uma ferramenta fundamental da obra de Sagmeister, um elemento de design. “O corpo é uma
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Stefan Sagmeister, 49 anos
Designer gráico e tipógrafo austríaco marcos de carreira: pôster para a Aiga e capa do álbum Bridges to Babylon, dos Rolling Stones
rECLAMAr é BUrrICE. AJA OU ESqUEçA”
outrA bELEzA Sagmeister fez um pôster icônico de Lou reed em 1996, no qual o cantor aparecia com o rosto “manuscrito”. Para construí-lo, ele se inspirou em uma performance da artista iraniana Shirin Neshat, que tinha mãos e pés pintados com símbolos arábicos. “Aquilo me pareceu muito original. quando li a letra de Trade in, do Lou Reed, um tema muito pessoal sobre sua necessidade de mudança, decidi que escreveríamos a canção em seu rosto.” Em 2000, fez o mesmo com a capa do songbook Pass Thru Fire, com as letras do artista, mas, dessa vez, a tipograia estava gravada em relevo na pele de Reed. nas capas de discos que criou para Reed, Sagmeister idealizou um tratamento tipográico sempre diferente; variava com as emoções que o artista revelava em suas canções. Segundo o austríaco, o design é uma forma de expressar sentimentos. “Como muitos designers da minha geração, quando tinha 14 ou 15 anos amava a música. Portanto,
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das formas naturais mais fortes que existem, é algo incrivelmente familiar para todos.” Isso tem a ver com a beleza? “Meu mentor, o designer gráico húngaro Tibor Kalmann, me disse certa vez: ‘Não tenho nada contra a beleza, apenas não acho que ela seja interessante’. Sempre amei essa frase, mas hoje discordo e acho que a beleza é interessante, sim.” No entanto, sua deinição de beleza é bem ampla. “Muita gente confunde o design com o que é belo, mas design e beleza não são a mesma coisa. O design não é só funcionalidade, ou só beleza, é algo muito mais complexo. Se olharmos à nossa volta, tudo o que nos rodeia é design.”
NeSte PôSteR, ele eScReve No RoSto De lou ReeD A letRA De SuA MúSicA tRADe in, Que AboRDA uMA MuDANçA PeSSoAl “Aceite-me como sou, um artista... O outro eu está morto, um novo eu está nascendo....”, canta lou Reed. inspirado nessa letra e em uma performance da artista Shirin Neshat, do oriente Médio, que usava símbolos arábicos em mãos e pés, Stefan Sagmeister criou esta obra.
eM hoMeNAgeM Ao MoviMeNto AtiviSMo vieNeNSe, o PRóPRio SAgMeiSteR Se coNveRte eM PôSteR cortado com uma lâmina de barbear por seu assistente, fez um tributo ao movimento Ativismo vienense, dos anos 1960, que levava a violência a extremos para fazer arte.
thingS i hAve leARneD in my life So fAR em seu livro de 2008, apresentou 15 capas diferentes com seu retrato.
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PARA SAgMeiSteR, o coRPo huMANo é fuNDAMeNtAl Ao DeSigN; ele é ReiNciDeNte eM Seu tRAbAlho
desenhar a capa de um disco era o melhor que poderia me acontecer. Estudando arte, descobri mil e uma facetas do design. Por exemplo, nos anos 1990, o design de discos era uma forma de chegar a milhões de pessoas. Além disso, as capas eram uma das poucas embalagens que não eram jogadas no lixo.” O proissional ressalta uma diferença fundamental entre o design de algo visual, como o pôster de um ilme, e o de algo “emocional”, como a parte gráica de um disco. “Capturar visualmente as emoções é complexo, embora permita criar algo completamente original. A imagem de um disco deve estar ligada ao sentimento musical. Por sua vez, a representação gráica de um ilme é a redução de uma coisa que é visual desde o princípio.” Mas um dia ele se cansou de tudo. APoStA no ProPóSito “Em vez de renunciar ao design gráico, tenho de reinventá-lo”, disse a si mesmo. Precisava de um espaço para experimentar e “sonhar com coisas maiores”, com um design que valesse a pena e izesse a diferença. De alguma forma, criou inimizade com as corporações e suas diretorias de marketing. “tanto talento dedicado a pequenos projetos que ninguém vê... nós, os designers, deveríamos estar criando garrafas de re38
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frigerante, caminhões de correio e grandes sites comerciais (que realmente têm impacto cultural), em vez de deixar esses trabalhos aos idiotas do marketing e à construção de marca.” O designer mudou de rumo e entrou em uma fase introspectiva. A chegada da música digital foi corresponsável por isso. “Fechei o estúdio durante um ano e mudamos radicalmente. Começamos a trabalhar em um projeto experimental que vinculava o design à felicidade. Tentávamos entender se podíamos criar uma relação direta entre essas duas coisas. Hoje, a maior parte do trabalho que fazemos tem a ver com isso. Ainal, tudo o que fazemos nesta vida é para melhorar nosso bem-estar. Fazemos trabalhos mais tradicionais atualmente, como construção de marca e publicidade, mas para clientes cujos produtos e serviços usamos e respeitamos.”
SAGMEiStEr ADorA FAzEr LiStAS. EiS SuA LiStA Do quE é felicidade: pensar sem pressão. viajar, pois inspira a criar. usar uma ampla variedade de ferramentas e técnicas, muito além da tela do computador. envolver-se em iniciativas que tenham importância, conteúdo e estejam perto de seu coração. que o que manda para a gráfica volte bem-feito, refletindo a qualidade de seu trabalho. receber feedback das pessoas que veem o que faz. criar projetos em parte novos e em parte conhecidos.
Estratégia & Organização
Planejamento Estratégico:
. ESTRATÉGIA DE NEGÓCIOS . ESTRATÉGIA CORPORATIVA
. ESTRATÉGIA DE CRESCIMENTO
Governança Corporativa Estruturação de Fusões & Aquisições Estruturação de Modelo de Negócios Arquitetura Organizacional Family & Business Ownership Network
Dextron Management Consulting Actionable Insights. Outstanding Results.
O Family & Business Ownership Network (FBON) nasceu como centro dedicado à ampliação e à aplicação desse amplo repertório de conhecimentos especializados para atender a necessidades e demandas de um dos mais intrigantes e desafiantes segmentos empresariais: as empresas familiares e as famílias empresárias que as comandam. http://www.dextronconsulting.com/site/family.asp
Av. Major Sylvio de Magalhães Padilha 5.200 Edifício Miami cj21 São Paulo SP 05693-000 Phone 5511 3759 8660 Fax 5511 3759 8661 www.dextronconsulting.com
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Natasha Jen, 37 anos Designer gráica de Taiwan
designer gráica de Taiwan Natasha Jen já trabalhou para marcas de luxo e esportivas e para museus. É especializada na tecnologia de iluminação de LED e, em 2014, representará os Estados Unidos na Bienal de Arquitetura de Veneza. Ela começou a icar mais popular quando iluminou um edifício da Times Square, de Nova York, em uma noite de 2011. A Nuit Blanche já tinha contratado Jen para criar a imagem do festival de arte que aconteceria naquele ano, mas os organizadores do Nuit Blanche
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New York –o evento noturno de arte contemporânea de instalações luminosas, som e projeção– informaram que desejavam usar a tela de LED de 4,5 mil m², pendurada ao longo da fachada do edifício de 25 andares, para promover um evento em particular, o Flash:Light, e queriam que ela izesse algo especíico para ser mostrado na tela.
Um Bom DESigN É o qUE rEDEFiNE A ExpEcTATiVA origiNAL”
fotos: DivulgAção
Marco de carreira: Pentagram Remix
40 anos em uma mosTRa em homenagem a seu aniversário, a agência Pentagram, de natasha Jen, foi convidada a participar da exposição da 7ª Bienal Internacional de Design de ningbo, na China. Concebida por Jen, a mostra é um percurso dos grandes marcos e influências que guiaram o trabalho da empresa. É composta de diferentes espaços inovadores, dos pontos de vista gráfico e tecnológico, nos quais o público pode interagir com diversas propostas.
“perfeito”, disse Jen. “quando é o evento?” “Amanhã”, responderam. Se perguntassem às pessoas que o admiraram quanto tempo ela levou para projetar o movimento de luzes, ninguém acertaria. “Tivemos de fazer tudo em apenas 24 horas”, airma Jen. “por alguma razão, muitos dos meus projetos entram nessa categoria de pressa. Não sei por quê, mas é assim, e, por isso, me acostumei a trabalhar muito rápido. É necessário pensar velozmente, tomar decisões imediatas, coniar no instinto, ser
analítico, claro, mas é como estar nadando com tubarões... não dá tempo de parar e meditar sobre o próximo passo.” Além de trabalhar contra o tempo, outra prática comum de Jen é, como ela mesma a deine, meter-se em áreas que não conhece. por exemplo, passar da tela gigante de um arranha-céu para a
tela mínima de um telefone celular. quando a empresa Foneclay, uma startup de San Francisco, califórnia, propôs-lhe a elaboração de uma interface para o Android, Jen não tinha por que aceitar. A Foneclay não pagaria pelo design, só programaria a interface e o mercado decidiria se o projeto geraria lucro ou não.
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Ainda na exposição chinesa, a seção “zona da diversidade” mapeia espacialmente os projetos em uma nuvem de livros
Em Ningbo, uma cronologia introduz os profissionais conforme foram integrando os quadros da Pentagram
“Eu só conhecia o iphone”, lembra Jen. “mas olhei para meu iphone mesmo e me perguntei como poderia fazer a tela de início ser mais divertida. A sequência de desbloqueio e inicialização do telefone era chata; havia uma oportunidade de transformá-la em algo divertido. o que izemos foi projetar uma interface chamada TransFoner, por meio da qual os aplicativos se unem formando um robô cada vez que se desbloqueia o telefone e logo depois se reordenam. isso dá uma sensação de surpresa e animação.” De Taipei a Nova York Nascida e criada em Taipei, Taiwan, Jen desembarcou em Nova York em 1998, aos 21 anos, com a intenção de estudar artes plásticas. Depois do primeiro ano de faculdade, no entanto, sua mãe lhe disse que, com pinturas e desenhos, não chegaria muito longe. “Você precisa pensar no futuro, em qual será seu trabalho”, aconselhou. “por que não estuda algo mais prático?” Jen seguiu o conselho da mãe e se matriculou na School of Visual Arts de Nova York, onde se formou com honras em 2002. Nos oito anos seguintes, trabalhou como designer sênior e diretora criativa de importantes 42
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anDRoID Jen achou entediante a sequência de desbloqueio e inicialização do telefone. Viu uma oportunidade de transformá-la em entretenimento e fez uma interface chamada TransFoner, em que as aplicações se unem para formar um robô cada vez que o telefone é desbloqueado. É uma surpresa. Depois tudo se reordena.
agências, como Base Design, 2x4 e Stone Yamashita partners, até que fundou seu estúdio, em 2010. “Não me tornei independente porque queria trabalhar sozinha, mas porque me pareceu que esse era o passo seguinte a dar na minha carreira”, diz Jen, que contava com clientes como chanel, Nike, Harvard Art museums, guggenheim museum/Foundation, omA, rEx, Wexner center for the Arts, Target, puma, Kiki de monparnasse, SoHo/Tribeca grand Hotels, Aiga, miT Architecture, Vitra e NYU Kids at Langone. pouco tempo depois de inaugurar sua empresa, a agência pentagram a convidou para dar uma palestra sobre sua história, vida e trabalho. “queriam que eu relatasse tudo o que tinha passado, desde minha infância em Taiwan até ter meu estúdio em Nova York. Depois da conferência, me chamaram para ser sócia da empresa. Foi uma enorme surpresa para mim, porque só fazia três meses que eu tinha fundado minha empresa.” A princípio, Jen quis dizer não. “Sentia que estava buscando minha identidade e, por isso, não acredita-
BIenal De Veneza natasha Jen vai liderar o pavilhão norte-americano na Bienal de Veneza de 2014, que acontece de junho a novembro. Durante os cinco meses, ele será um escritório que avaliará mil projetos arquitetônicos do país dos últimos cem anos.
crise De iDeNTiDaDe
“Há designers profissionais e amadores do design”, sentencia natasha Jen. “antes, a relação era de dois profissionais para cada amador. agora, é de um profissional para cada 10 mil amadores.” os números não são resultado de um censo, e sim da experiência de Jen. ela diz que chegou a eles para “ilustrar o fato de que, graças ao acesso a ferramentas e conhecimentos tecnológicos, o interesse das pessoas por design nunca foi tão forte. Hoje, qualquer um pode criar a qualquer momento, de qualquer dispositivo. só se passaram 11 anos desde que me graduei, mas as coisas mudaram completamente. até então, o designer gráfico era alguém que tinha feito essa faculdade. Hoje, essa definição já não descreve o que constitui um designer. não determina quem tem permissão para isso. eu continuo pensando que um designer deve ser alguém formado e treinado, mas, quando vejo gente criar no celular, no Twitter, no Instagram, no Facebook ou no Pinterest, sofro, por alguns segundos, uma crise de identidade”.
va que fosse o momento adequado para dar esse passo. mas logo conheci a pentagram, um lugar organizado de maneira que cada sócio tem, realmente, autonomia criativa. Entendi que, de alguma forma, ia continuar cuidando do meu estúdio, só que faria isso sob a proteção da pentagram.” Em 2014, a menina que veio de Taiwan estará representando os Estados Unidos. Sua equipe na pentagram foi selecionada para criar o pavilhão norte-americano da Bienal de Arquitetura de Veneza de 2014, que acontece de junho a novembro. “É uma proposta ambiciosa, que chamamos de ofice US. Será um escritório em funcionamento
durante os cinco meses da Bienal. Sua atividade consistirá em examinar e avaliar mil projetos de arquitetura gerados nos Estados Unidos durante os últimos cem anos. Enviamos a ideia ao comitê do Departamento de Estado e, depois de um processo de seleção de vários meses, fomos selecionados. Fiquei muito honrada. A apresentação foi por escrito; então, a única coisa que criamos até agora foi o logo do ofice US.”
emPReenDeDoRa Peões que cumpriam a função de estruturas de tendas temporárias para o new museum Festival of Ideas for the new City, realizado em nova York, em 2011.nesse período, Jen tinha a própria empresa, a njenworks.
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paula scher, 65 anos Designer gráica norte-americana Marcos de carreira: logotipos do Citigroup e do Windows
o DESigN Não LEVA TEmpo. o qUE LEVA mUiTo TEmpo É o cLiENTE”
m segundo. Foi o tempo que a designer gráica paula Scher levou para resolver a imagem da maior fusão de companhias de serviços inanceiros da história. Em 7 de abril de 1998 foi concretizada a união do grupo bancário citicorp com a gigante seguradora Travelers group. Nascia o citigroup, e seus executivos se reuniram com Scher, sócia da agência pentagram em Nova York, para pensar no logotipo da nova empresa. Ela o desenhou em um segundo. Um segundo que se transformaria em um ano e meio. “No primeiro momento da primeira reunião me dei conta de que, ao colocar um arco sobre o ‘t’ minúsculo do citigroup, formava-se um guarda-chuva, símbolo da Travelers. peguei o guardanapo que tinham me dado com o café e escrevi a palavra ‘citigroup’ com o arco sobre o ‘t’.” A reunião, que, supostamente, seria longa e tediosa, e apenas a primeira de muitas outras igualmente longas e tediosas, havia durado apenas um segundo e nenhuma outra seria necessária. No entanto, Scher não se livraria tão facilmente do tédio. Foi necessário um ano e meio para convencer os diretores das duas companhias de que esse primeiro esboço, desenhado em um guardanapo, era o logo deinitivo.
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uma emPResa mulTImIlIonáRIa BaseIa sua IDenTIDaDe em um logo CRIaDo em um segunDo? “Foi um segundo feito em 34 anos”, responde scher. “É um logo intelectual, é o casamento entre o tradicional guarda-chuva vermelho da Travelers (antigo grupo financeiro que se fundiu ao Citibank) e a palavra ‘Citi’ (cidade), para criar um guarda-chuva no meio do mundo.” Foi um logo debatido. “o designer deve estar presente nas reuniões, porque alguém sugerirá uma mudança mínima, com as melhores intenções, e destruirá a integridade do desenho. o único que sabe, e que pode, impedir isso é o criador.”
“VeR o que esTá DIanTe
Do nosso naRIz ImPlICa uma luTa ConsTanTe.” a frase é do escritor george orwell e descreve a situação que scher enfrentou ao apresentar o esboço do logo do Windows a sam moreau, diretor de experiência do usuário do sistema operacional. scher fez uma pergunta sincera: “se o nome de vocês é Windows, por que o logo é uma bandeira?”. Devia ter planos, linhas e formas limpas. TRaBalHo sÉRIo x solene na opinião de scher, “trabalho sério é o que rompe fronteira, entra em terreno inexplorado; trabalho solene se limita a cumprir a tarefa designada”. a maioria de seus trabalhos tem de ser do tipo solene, mas mudar o tradicional Public Theater com tipografia foi sério.
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gRaVaDoRa CBs, anos 1970 o primeiro trabalho sério de scher foi com discos de jazz de artistas desconhecidos e de música clássica. Com roqueiros consagrados, o trabalho tinha de ser solene.
meT X meT
na cidade de nova York, historicamente, “The met” era a metropolitan opera. Com o tempo, porém, outra notória instituição, o metropolitan museum of art, foi monopolizando o apelido, até usurpá-lo por completo. Hoje, em nova York, met é o museu, e não a sala de ópera. Paula scher jura saber quem é o culpado por essa peculiar subtração de apelido: a sacola de compras. “o metropolitan museum tinha uma bolsa de compras muito atraente que dizia ‘ The met’ na margem”, aponta scher. “não é genial? a metropolitan opera perdeu o apelido por causa da sacola.” a ópera contratou, então, um diretor visionário, chamado Peter gelb, que encarregou Paula scher do redesenho do logo, com um pedido muito concreto: “quero que também nos chamem de alguma forma”. “É um logo complicado, muito grande. nós o montamos para ressaltar ‘met’ e ‘opera’. as pessoas começaram a dizer ‘The met opera’, e pegou.”
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“os designers jovens pensam que o trabalho de criar um logo para uma empresa consiste simplesmente em idealizá-lo. Nada está mais longe da realidade. Desenhar o logo é uma parte ínima da tarefa. o trabalho, na verdade, é persuadir as pessoas da companhia a concordar com a ideia.” Um segundo para um ano e meio, essa é a relação mais comum. “Na verdade, os executivos do citigroup que vinham da citicorp nunca icaram completamente satisfeitos com meu desenho. No entanto, tínhamos de lançar uma campanha publicitária e só faltava o logo, por isso se viram forçados a aprovar. Se não fosse a urgência da campanha, as discussões teriam ido muito mais longe... e elas eram extremamente chatas!” Algo parecido aconteceu na microsoft. “quando redesenhei o logo do Windows, para o Windows 8, trabalhei somente com um homem da empresa, mas logo tive de vender a ideia a todo o resto da companhia. A ideia não agradava a muitos diretores, mas, para minha sorte, tínhamos prazos a cumprir. Acho que essas pessoas aceitaram o logo quando viram o produto no mercado.” Se Scher aprendeu algo com a experiência corporativa foi uma lição que se resume em duas frases: “o design não leva tempo. o que leva muito tempo é o cliente”.
coNTorNaNDo o miTo Da Demora o problema começa na primeira oração: algo que não leva muito tempo é praticamente uma heresia no sacriicado mundo do trabalho. os executivos das empresas acham difícil levar a sério algo em que não se tenham investido incontáveis e tortuosas horas. “Eles acham que devemos fazer uma pesquisa exaustiva sobre a história da companhia, sua missão, seus objetivos e ilosoia. Acreditam que apenas depois de conhecer essas informações estaremos em condições de desenvolver um logo. mas isso não ajuda o design em nada; só ajuda as pessoas da empresa a valorizar seu trabalho e a receber melhor o projeto”, explica. o segredo que Scher aprendeu foi que, para convencer gestores sobre um design, o melhor é mantê-lo simples. “Um novo design será algo que as pessoas nunca viram, e elas normalmente rejeitam o que nunca viram”, diz. A única maneira de fazer com que os executivos de uma empresa aceitem um projeto ousado, conforme ela, é se acostumarem com ele vendo-o várias vezes até aceitá-lo. “por isso deve ser simples; o simples é mais fácil de lembrar do que o complicado”, explica Scher.
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inovação| reportagem
michael Bierut , 56 anos Designer gráico e tipógrafo norte-americano Marcos de carreira: adaptação do logo do New York Times e design de sacolas da loja saks Fifth avenue
impossível caminhar pela ilha de manhattan sem deparar com trabalhos do designer gráico michael Bierut. conhecendo-o ou não, gostando ou não, o transeunte estará apreciando sua arte nas placas de orientação para pedestres, no edifício do jornal New York Times e nas sacolas da Saks Fifth Avenue que circulam pelas calçadas. porém, apesar das suas obras adornarem a cidade mais importante do mundo, Bierut, outro sócio da agência pentagram em Nova York, diz não ser criativo. “Não sou”, insiste. “Não mesmo. Não tenho essa avidez de expressão que invade os artistas. Não tenho
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ideias com urgências para tomar forma na cabeça. Se me dessem total liberdade e todos os elementos para desenhar algo, não saberia o que fazer.” o que ele sabe fazer é resolver os problemas dos outros. “o que eu gosto mesmo é de que me apresentem um problema para solucionar. Talvez a maneira de resolvê-lo seja criativa, mas, nesse sentido, não sou mais criativo do que um advogado que vence um caso complicado ou um médico que escuta com cuidado o que acontece com o paciente e usa sua experiência, conhecimentos e intuição para chegar a um diagnóstico acertado.” A transparência é um conceito fundamental para qualquer meio jornalístico e foi a condição que o New York Times impôs ao arquiteto renzo piano quando o diário decidiu abandonar a sede antiga, na qual os jornalistas dividiam espaço com o parque gráico, hoje inútil, e se mudar para uma construção moderna, adequada aos tempos da comunicação digital. o resultado foi uma torre de vidro de 52 andares e 228 metros de altura, no número 620 da 8th Avenue, rodeada por uma cortina de cerâmica que ajuda a bloquear a luz direta do sol.
“É um arranha-céu de cristal. De fora dá para ver a atividade no interior. Trata-se de uma instituição de grande prestígio em Nova York. A Times Square tem esse nome graças ao jornal. quando estavam construindo o prédio, me contrataram para fazer várias coisas, das quais a mais importante era colocar o nome do periódico na frente.” como colocar um cartaz em uma fachada de vidro sem arruinar a vista das janelas? “o logo de quatro palavras do The New York Times tinha de ocupar toda a extensão da fachada principal do edifício, com quatro metros de altura. A solução que nos ocorreu foi dividi-lo em 900 pequenas peças e montar cada uma delas separadamente sobre as hastes horizontais da cortina de cerâmica. Assim, as peças
“meu TRaBalHo É muITo melHoR quanDo esTou InTeRessaDo nas mesmas CoIsas que o ClIenTe.” “existe algo calmo e seguro em um símbolo inalterável, duradouro, sobre o qual as pessoas podem fazer as próprias interpretações. o dinamismo acontece de maneira muito mais natural quando se cria um sistema de logotipo que permite transformar o símbolo em 10 mil formas diferentes.”
NEm TUDo É DESigN, mAS o DESigN ESTá Em TUDo”
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“os PeDaços queBRaDos Do logo RePResenTam o FRenesI que se VIVe nas Ruas De noVa YoRk.” “queríamos que a saks Fifth avenue fosse imediatamente identificável, de longe, pela janela de um ônibus em movimento. quebramos o logo em 64 fragmentos e o remontamos de mil maneiras.” Hoje, ele aparece em sacolas, caixas, avisos e na publicidade da marca.
do logo são apenas elementos horizontais que se sobressaem das barras. quando alguém olha da rua, o olho une as peças e vê a imagem completa. Do interior do edifício, por sua vez, o logo não incomoda, porque a pessoa olha através dele, como se estivesse olhando por uma persiana. Dessa maneira, conseguimos dar ao emblemático jornal seu grande cartaz, sem bloquear a vista dos funcionários.” volTa ao passaDo outro famoso edifício, pertencente a outra instituição de prestígio de Nova York, é o da Saks Fifth Avenue, localizado no número 611 da 5th Avenue. “A Saks está ali desde que os nova-iorquinos se lembram. isso confere autoridade à marca, uma autoridade baseada 50
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na reputação e na tradição. isso seria extremamente positivo, se não se tratasse de moda. o que importa na moda não é o passado, precisamente, e sim o presente, o que está acontecendo nesse momento e o que acontecerá no minuto seguinte. É a urgência por mudança e por se manter atual. Então, quando a Saks nos encarregou do remodelamento de suas embalagens, entendemos que devíamos fazer algo atual, mas sem renunciar a seu valor histórico.” para qualquer empresa de grande alcance, a embalagem é importante, mas, para a Saks Fifth Avenue, chegava a ser relevante. “Já faz tempo que as grandes lojas de Nova York, como a Saks, perceberam que a sacola de compras é um elemento de publicidade gratuita
fantástico. As pessoas compram algo na sua loja e durante o resto do dia passeiam pela cidade com a sacola. Seus clientes se transformaram em maravilhosos cartazes ambulantes.” Ao experimentar diversas formas de exibir a marca na sacola, Bierut e sua equipe rapidamente se viram redesenhando o logo, e não era o que queriam. “Escrevemos as palavras Saks, Fifth e Avenue de centenas de maneiras diferentes, e foi um exercício desanimador, porque não queríamos reinventar uma instituição tão irmemente estabelecida”, confessa. “Assumir uma marca com tanta história e levá-la outra vez ao ponto zero era como cortar suas pernas ou arrancar seu coração.
uRBanIsmo gRáFICo nos anos 1990, Bierut desenhou a sinalização de manhattan, o que está fazendo agora em Chinatown. Também foi chamado a sinalizar a cidade Celebration, da Disney, na Flórida.
parecia cruel e desnecessário. Ao mesmo tempo, todos gostávamos de um logo que a empresa tinha usado nos anos 1950, reinado nos 1970 e esquecido nos 1990. Era, basicamente, o nome da empresa escrito à mão, em um estilo elegante. o público se lembra perfeitamente, tanto é que muita gente achou que o logo atual era aquele, apesar de já estar há mais de uma década fora de circulação. Entendemos que, se recuperássemos aquele logo, teríamos a parte da herança resolvida. Só faltava dar uma nova guinada.” A solução surgiu quase por acidente. Uma das assistentes de Bierut estava trabalhando nesse logo antigo. Na tela de seu computador, via-se apenas uma de suas partes aumentada, algumas poucas curvas. Nem se sabia a que parte pertencia. “parecia um quadro abstrato. Aproximei-me do computador, chamei o resto da equipe, apontei para a tela e disse: aqui está o contemporâneo. Se olharmos o logo completo, parece tradicional. mas, se pegarmos certos detalhes e ampliarmos, temos algo extremamente moderno.” o artista convenceu a empresa a voltar a usar seu velho logo e implementá-lo nas sacolas.
“o logo está escrito sobre um espaço quadrado. o que izemos foi dividir esse espaço em 64 pequenos quadrados, que ampliamos e combinamos de diferentes maneiras. Em alguns pacotes, utilizamos somente 4 dos 64 quadrados; em outros, 12. Vamos montando quebra-cabeças abstratos com essas peças”, explica Bierut. com o argumento de que a moda é, sobretudo, a atenção aos detalhes e o reconhecimento da marca, Bierut convenceu os responsáveis pela Saks Fifth Avenue a embarcar em seu projeto. “E eles gostaram da ideia de aproximar o olhar de diferentes partes do logo e enviar ao público a mensagem de que cada um desses fragmentos contém o DNA da marca”, observa.
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milton Glaser, 84 anos Designer gráico e ilustrador norte-americano
esenhar é pensar, transformar as ideias em coisas. quando alguém desenha, vê algo pela primeira vez. muitos passam a vida sem ver nada. ‘Ver’ é muito difícil, as pessoas têm muitos preconceitos que formam sua visão das coisas.” Só agora, aos 84 anos, milton glaser está se aventurando com computadores pela primeira vez. Ele sempre teve assistentes que passavam seu trabalho manual para o formato digital. “A mão é um instrumento do pensamento.” glaser nasceu no Bronx, Nova York, em 1929. o maior ícone do design gráico dos EUA, ilustrador, publicitário, autor de livros infantis, professor há quase 60 anos da School of Visual Arts de Nova York e idealizador do imortal logo do coração –“i love NY”– começou a estudar arte aos 13 anos, pelas mãos do pintor realista russo moses Soyer. Ele fundou o famoso estúdio pushpin, em 1954, que funcionou durante duas décadas, com outros designers reconhecidos, como Seymour chwast e o genial ilustrador e caricaturista Edward Sorel. criaram um estilo tão audaz que transcenderam todas as fronteiras. Na década de 1970, suas retrospectivas começaram a ser exibidas no museu de Arte moderna (momA) de Nova York, no museu de Artes Decorativas do Louvre e no centre pompidou, em paris, entre outros centros culturais da Europa, Brasil e Japão.
“D
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priNcípio Nº 1: Não prEJUDicAr” Foi na pushpin que glaser desenvolveu seu gosto pela criação de pôsteres, capas de discos e livros. Seu famoso desenho do peril de Bob Dylan (silhueta negra e grande cabeleira de arco-íris) para o pôster encartado no álbum Greatest Hits, que o cantor lançou em 1967, foi um marco na indústria fonográica, representando de maneira cabal o espírito psicodélico da década. Em 1968, fundou, com clay Felker, a pioneira New York Magazine, na qual trabalhou como presidente e diretor de arte até 1977. A revista foi um modelo a seguir para dezenas de publicações que falavam sobre o que acontecia na cidade.
Em 1974, fundou a milton glaser inc., dedicando-se a trabalhos para a mídia impressa, de identidade corporativa, pôsteres, campanhas de marketing institucionais, logos e design de ambientes e interiores para restaurantes, shopping centers, exposições e hotéis. Nove anos depois, uniu-se a Walter Bernard e fundou a WBmg, empresa de design para publicações. Entre muitas coisas, os dois criaram os projetos gráicos de jornais como The Washington Post, Los Angeles Times, The Boston Globe, La Vanguardia, de Barcelona, O Globo, do Brasil, L’Espresso, de roma, e Business Tokyo, do Japão, além de revistas como Golf Digest e Wine Spectator. “participei de uma ininidade de projetos em minha vida. Nunca percebi nenhum deles como um risco. Há tarefas mais complexas do que outras. por exemplo, projetar restaurantes é um desaio: implica lidar com diferentes variáveis; a interface entre o serviço,
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Marco de carreira: logotipo “I love nY”, o mais imitado de toda a história
“FoI Como se o munDo esTIVesse esPeRanDo PoR uma maneIRa De DIzeR Isso.” “o ano era 1977 e o estado mandou o secretário de Comércio de nova York, Bill Doyle, e seu assistente, que vinham de Hong kong, direto para meu escritório. ‘Temos um problema’, disseram. era algo muito específico: queriam criar um logo para a cidade. Contavam com a frase ‘I love new York’, que vinha de uma canção, mas não tinham uma imagem. “em uma semana preparei algo e aceitaram. mas, no dia seguinte, me arrependi, podia fazer melhor. Desenhei esse pequeno esboço, com um coração que representava a palavra ‘love’, e liguei para Doyle dizendo que tinha uma ideia melhor. “só que ele me respondeu que não, que já tinham aceitado a primeira proposta. Tratei de convencê-lo de que essa última era genial e insisti para mostrá-la, algo que nunca deve ser feito quando já aprovaram a primeira ideia. mas Doyle admitiu que o coração era melhor e convenceu seus chefes. Foi um sucesso e ficou muito popular. acho que muito poucas coisas na imagem contemporânea alcançaram esse incrível nível de circulação no planeta. o logo é usado em todas as partes, com qualquer palavra depois do coração.”
o PeRFIl De BoB DYlan e as InFluênCIas “meu estilo está em algum lugar entre Picasso e o pintor italiano giorgio morandi, que me ensinaram tanto, só que um queria dinheiro, mulheres, tudo, e o outro, nada.”
“compuTaDores Nos limiTam”
“o computador é um instrumento tão poderoso que depois de um tempo acaba definindo o que é possível para as pessoas. e o que parecia um incrível servidor, com uma grande inteligência, começa a tomar decisões por nós. agora estou com um novo projeto experimental, usando um mac, e, como nunca coloquei as mãos em um desses, abuso: exijo coisas que o deixam incomodado.”
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PRoJeTo gRáFICo Do JoRnal o gloBo em 1995, o escritório de design WBmg, de Walter Bernard e milton glaser, foi contratado para fazer a reforma gráfica do diário brasileiro.
a atmosfera, a cor, o ambiente. o design, em geral, é visto como algo somente gráico: um logo, uma tipograia. mas, na verdade, é muito mais do que isso. É a interseção entre várias disciplinas: psicologia, história, comportamento... Todas elas convergem em um ponto e devem colaborar entre si para dar forma a um projeto. o interessante do design é quantos mundos ele pode unir.” camiNho siNcero “Se existe algo de que sou desprovido é do sentimento de orgulho. Fico muito feliz porque o logo ‘i love NY’ se tornou um ícone, ajudando a criar uma imagem positiva da cidade para seus habitantes, convidando-os a conhecê-la. mas isso não quer dizer que uma ideia ou a execução dela representem algo do qual esteja orgulhoso”, explica o artista. Sim, glaser sente orgulho, mas é de saber que seus trabalhos surtem efeito, modiicam coisas. “Ainal, quando comecei a delineá54
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alGuNs prêmios: National Medal of Arts, National Endowment for the Arts, entregue por Barack Obama Hall of Fame Laureate, Art Directors Club Fulbright Lifetime Achievement Medal, Illustrators Hall of Fame August Saint-Gaudens Award, The Cooper Union Masters Series Award, School of Visual Arts Cooper-Hewitt Lifetime Achievement Award
-los, eles eram apenas um problema a mais a abordar.” o orgulho de glaser também nasce, segundo ele, de poder não envergonhar-se de nada que tenha feito e de seu trabalho não prejudicar ninguém. “gosto de saber que não menti nem traí e também, é claro, que levei às pessoas algo que serviu para melhorar a vida delas.” A educação e o conhecimento de glaser são resultado do desenvolvimento de uma visão histórica da arte por meio, justamente, do estudo da história da arte, do renascimento, o modernismo e, sobretudo, diz, de sua admiração pela aliança The Vienna Werkstatte, criada em 1900: artistas e designers que trabalhavam com múltiplas disciplinas, desde o design de joias e objetos de metal e couro até o segmento gráico. esTilo ou espíriTo? “Acho que meu estilo, ou meu espírito, está em algum lugar entre picasso e o pintor italiano giorgio morandi, que me ensinaram muito. picasso demonstrou que é possível aprender algo, renunciar a isso, seguir adiante e aprender algo novo. morandi tinha uma postura parecida. o que os separava era que, para picasso, tudo se tratava de dinheiro, mulheres e fama, enquanto morandi não queria nada.” Após essa comparação, o próprio glaser dispara a pergunta-chave: existe alguma diferença entre arte e design? E uma segunda: se ela existe, qual é? Há obras de arte que não são arte, assim como trabalhos de design que se tornam arte, explica ele. “A arte existe como um condutor da beleza –e a beleza é um acordo histórico. Uma pessoa encontra objetos que não são arte em um museu, e outros que são arte na rua.”
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De acordo com glaser, arte remete a transformação, tanto do artista como da audiência, enquanto design tem a ver com mover-se de uma condição dada a outra a partir de um material visual. “A diferença entre ambos é clara, mas a maioria das pessoas não a vê e, quando fala de arte, não sabe se é arte, decoração ou design.” impulso De fazer para glaser, o ponto central é não perder o impulso de fazer as coisas. “o desejo de criar beleza é adicional a esse impulso, é um mecanismo de sobrevivência de todo ser humano. Existe algo em fazer coisas belas que é inevitável. o que acontece é que uns têm a capacidade de articular isso, enquanto em outros esse impulso permanece adormecido.” A disciplina é fundamental a esse designer. “Sempre chego a meu estúdio com a esperança de descobrir algo novo. Temos de ser disciplinados e, se alguém não é, deve saber compensar isso”, airma glaser. para ele, a maioria das pessoas tem talento, não genialidade. “por aí existem gênios, mas são muito poucos neste mundo e, certamente, muito, muito poucos no ambiente do design. mas, claro, o talento pode e deve ser desenvolvido com vontade e desejo. Talento e disciplina andam de mãos dadas.” outra máxima de glaser é a de que trabalhar duro não pode ser um peso para ninguém. “Basta fazer o que se ama; quem não o faz acaba sentindo que não viveu. meu conselho sempre é este: encontre sua paixão e siga-a.”
eleGâNcia e Dilema com o capiTalismo gosto, elegância, imaginação, simplicidade e ética profissional implacável. as contribuições de milton glaser ao mundo da publicidade o transformaram em um dos designers mais famosos dos estados unidos e do mundo. “Como designer, sempre sigo adiante, não quero ficar preso ao passado e tento fazer isso com muito esforço. acredito que, em algum momento da minha vida, identifiquei esse caminho tão peculiar, que me permite descartar muitas coisas que sei para descobrir novas. essa é a única forma de alguém se manter vivo profissionalmente.
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“estou muito feliz por ter dinheiro suficiente para viver bem, mas nunca pensei nele como um impulso para trabalhar. o trabalho é uma questão de sobrevivência. Tenho de trabalhar para sentir que sou humano. “um dos dilemas de ser um artista gráfico é que o propósito da profissão é servir ao capitalismo. É preciso compartilhar os objetivos do cliente. eu sirvo a um propósito social, tento não prejudicar ninguém com o que faço. quando sinto que faço parte de uma conspiração para vender coisas às pessoas, eu me sinto péssimo.”
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empreendedorismo | case inovação estratégia
Spotify e os negócios pós-pirataria
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Bem no início, quando tentava convencer a indústria da música a cooperar com seu serviço de streaming, Daniel Ek, um dos fundadores do Spotify, convocou uma reunião com os diretores de grandes selos musicais da Suécia. Na época com 20 e poucos anos de idade, Ek inocentemente deixou de avisá-los de que o encontro seria em grupo. Quando todos chegaram, foi um constrangimento geral. Advogados foram chamados às pressas para afastar possíveis preocupações com truste. “isso revela quanto eu sabia sobre o que se pode e não se pode fazer na indústria da música”, conta Ek. o momento, porém, foi perfeito. o setor estava em frangalhos e a Suécia era líder global da pirataria, lar orgulhoso do notório hub de compartilhamento pirate Bay e lugar onde os fãs viam a música grátis como um direito. “Vejam, a Suécia é a ovelha negra do mundo”, disse Ek a eles.
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Mas ele não estava ali para deprimir seus convidados. Na verdade, oferecia uma tábua de salvação: ajudar os suecos a ser “retreinados” no sentido de pagar por música digital, baixando-a de maneira mais rápida, mais fácil e menos arriscada do que a da pirataria. “Acho que podemos fazer isso, mas vou precisar da ajuda de vocês.” os executivos não estavam otimistas, porém concordaram em dar uma chance a Ek. Eles não tinham nada a perder, ainal. Hoje, mais de um terço da população sueca usa o Spotify, que agora permite acesso ilimitado a mais de 25 milhões de músicas. Dez por cento desses usuá-
foto: ShutterStock
Sua oferta de assinaturas aos consumidores que dão acesso ilimitado a 25 milhões de músicas por streaming irrita alguns artistas. Mas, possivelmente, esse modelo de negócio salvará a indústria fonográfica mundial
ameaça sueca O Spotify nasceu em 2008 na Suécia, país líder mundial da pirataria de música e ovelha negra do mundo dos negócios, um contexto ameaçador que acabou alavancando sua estratégia
A reportagem é de Josh Dean, colaborador da Fast Company.
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Receita x lucRo o Spotify já está gerando receitas signiicativas todo mês. Desde sua fundação, a empresa pagou mais de US$ 1 bilhão aos detentores de direitos –70 cents de cada dólar que recebe vai para artistas e selos–, dos quais US$ 500 milhões 86
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só em 2013. É hoje a segunda maior fonte de receita da indústria da música depois do itunes. Muito tem sido comentado, porém, sobre os prejuízos da empresa –US$ 77 milhões em 2012–, ao que Ek responde: “Se só estivesse interessado no lucro, recuaria para seus mercados mais maduros, onde o modelo de negócio já funciona bem”. Ek está investindo cada coroa, cada libra e cada dólar disponíveis no crescimento mundial do Spotify para que sua marca seja, como em seu país natal, a mais lembrada pelos consumidores no novo mercado de música. Ek tem de se mexer com agressividade, porque a concorrência é forte. No im do primeiro semestre de 2013, a Apple entrou no mercado de streaming com o itunes Radio. o Beats by Dre, liderado pelo lendário executivo de gravadoras Jimmy iovine e pelo superstar Dr. Dre, também está no jogo. o Google introduziu um serviço de assinatura sob demanda em maio de 2013, e a Microsoft tem o Xbox Music. Sem contar o pioneiro pandora –que tem 71 milhões de usuários mensais ativos (mas não permite que eles ouçam músicas ou álbuns especíicos)– e uma série de outros serviços, como Rhapsody, Rdio, Songza e Muve. E ainda existe o youtube, é claro, o site de vídeos que, isoladamente, é a maior fonte de streaming de música e pouco paga aos donos dos direitos. “Nos próximos dez anos mais ou menos, as pessoas estarão consumindo principalmente serviços de streaming”, airma Adam Tudhope, diretor da Mumford & Sons, cujo álbum de 2012, Babel, bateu o recorde do Spotify de maior quantidade de streams em uma única
semana. “Eles estão ajudando a trazer consumidores da música pirata de volta.” Enquanto milhões de fãs assinam serviços de streaming, porém, downloads digitais caem: em 2013, o primeiro ano de declínio, houve 2,3% menos downloads nos EUA. Nos mercados mais maduros do Spotify, o recuo tem sido de até 20%. “Nos EUA, o streaming ainda é muito pequeno”, diz Ek –apenas 5 milhões de assinantes em todas as plataformas. Mas, na Suécia, os assinantes perfazem 10% da população total, o que equivaleria a 30 milhões de pessoas no mercado norte-americano. “o setor deveria dar apoio a todos os serviços legais”, airma. “Se é legal, é bom. Esse deveria ser o mantra.” o pioneiro foi o Pandora, e a concorrência é forte, com Apple (itunes radio), Google e Microsoft (Xbox Music)
o bom e o fácil A ideia de uma empresa de streaming de música rondou Ek quase desde o lançamento do Napster, em 1999, o que, diz ele,
foto: ShutterStock
rios pagam US$ 10 por mês pela versão premium, gerando tanto dinheiro que os grandes selos lucram como nunca. Mais de 70% da receita de música dos países nórdicos vem do streaming digital, e o Spotify está na linha de frente de uma revolução que se espalha rapidamente pelo globo. A última vez que números foram divulgados, em março de 2013, o Spotify tinha 24 milhões de usuários registrados e 6 milhões de assinantes pagos, e estava convertendo 20% a 25% das contas gratuitas em assinaturas pagas. A empresa tem evitado atualizar os números de resultados, mas, em dezembro de 2013, divulgou uma parceria com a banda de rock Led Zeppelin e um total de 4,5 bilhões de horas de músicas ouvidas no ano. Quando foi lançado nos EUA em 2011, o Spotify estava em seis países. Em janeiro de 2014, tinha chegado a 55. Segundo a reportagem de um jornal sueco publicada em setembro de 2013, a empresa corria atrás de capital para crescer (dessa vez, um empréstimo) no valor de US$ 5,3 bilhões, o que a tornaria uma das mais valiosas companhias de tecnologia de capital fechado do mundo. Até o início de 2014, nada tinha sido deinido e uma de suas investidoras, a nórdica Northzone, cogitava abrir o capital do Spotify no mercado de ações, o que aparentemente não estava nos planos de Ek.
Spotify,
e os negócios pós-pirataria “mudou minha vida”. Como muitos suecos, Ek pirateava música, mas achava que a principal razão para as pessoas fazerem isso era a facilidade. o produto certo, bem executado, poderia reconquistá-lo. Em 2006, Ek hibernou e construiu uma versão crua da plataforma do Spotify, usando o dinheiro do investidor sueco Martin Lorentzon, e começou a cortejar as gravadoras. No im, uma das maneiras de persuadi-las a compartilhar seus catálogos –sem os quais não haveria Spotify– foi oferecer ações da empresa. “Fizemos uma parceria de verdade”, airma ele. Quando a União Europeia criminalizou a pirataria, em 2009, Ek tinha o substituto perfeito para oferecer. “o Spotify era melhor e mais rápido do que o download ilegal e você não pegava vírus”, diz per Sundir, chefe da Universal Music para a Escandinávia e um dos executivos que embarcaram no conceito de Ek. o setor também estava em crise nos EUA e, usando o modelo sueco como evidência de que poderia gerar receitas por lá, Ek conseguiu fechar negócio com todas as gravadoras norte-americanas grandes também. Quando o Spotify US foi lançado, no segundo semestre de 2011, os fãs foram atraídos porque podiam ouvir música gratuitamente. Ek e Lorentzon estavam convencidos de que os usuários pagariam pelo Spotify quando se apegassem
atrair grátis Os fundadores estavam convictos de que os usuários pagariam pelo Spotify quando se apegassem a ele, mas, antes, era preciso atrair as pessoas entregando uma versão gratuita
a ele, mas entenderam que precisavam atrair as pessoas antes. Então a versão básica do Spotify era, e ainda é, grátis. (os usuários às vezes ouvem anúncios.) também só serve para desktop. para ter o Spotify em seu smartphone e permitir que sua conta compartilhe músicas, você precisa assinar por US$ 10 por mês. Uma versão grátis para desktop era crítica, porque essencialmente “estamos concorrendo com a pirataria”, diz o investidor do Spotify e membro de seu conselho de administração Sean parker, que, como cofundador do Napster, sabe alguma coisa sobre download ilegal. “precisávamos criar uma experiência pelo menos tão boa quanto a da pirataria”, diz parker. “isso acabou sendo o modelo de negócio correto para a empresa. A maior parte da receita de assinaturas é de pessoas que têm acesso no pC, mas quer acessar no celular.”
O cenário BRASiLEiRo do StREAMiNG A cOncOrrente frAnceSA deezer AvAnçA nO pAíS Durante o ano passado, o Spotify avançou por regiões antes inexploradas –e a América Latina foi uma delas. A empresa começou pelo México e anuncia sua chegada ao Brasil. Nos últimos meses de 2013, alguns usuários foram convidados a se inscrever e testar o serviço. Aos poucos, isso foi se ampliando e hoje existe um site em português, dizendo que o Spotify ainda não chegou, mas permitindo o cadastro de e-mails de quem quer ser avisado do lançamento. outros concorrentes, porém, já se estabeleceram. É o caso da francesa Deezer, que chegou em janeiro de 2013 com um acervo de 20 milhões de músicas. o rdio veio antes ainda, em novembro de 2011, em parceria com a operadora de telefonia celular oi. Por r$ 14,90, o cliente da oi pode ouvir as músicas e também baixá-las em seu smartphone. De olho nesse mercado, a telefônica Vivo anunciou em dezembro de 2013 uma parceria com o Napster para oferecer um serviço muito semelhante ao Spotify a seus assinantes brasileiros. enquanto as conexões de smartphone com a internet ainda não são ubíquas –e muito menos confiáveis–, o serviço permite o download de músicas para ouvir offline em até três aparelhos (celulares, tablets e desktops) pelos mesmos r$ 14,90.
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O nada emotivo
DANiEL EK mAS ele entendeu que preciSAvA Ser O “cArA irrAciOnAl”
“Não é que as pessoas tinham parado de ouvir música”, diz Ken parks, diretor de conteúdo do Spotify e encarregado dos Estados Unidos. “É que havia muita insatisfação com o modelo existente [antes do itunes]. tornaram-se até criminosas, pirateando música para contornar isso. o negócio mais bem-sucedido não é o que faz as pessoas mudarem de comportamento, mas o que se adapta a ele. É isso que estamos fazendo.” a voz Dos aRtistas Ash pournouri, proprietário da empresa de gestão e produção At Night, era um jovem promoter de boate quando ouviu as faixas criadas na garagem de tim Berling, de 18 anos, postadas na internet. os dois se uniram, tim 88
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quase como um garoto –seu escritório, na verdade, mais parece um lounge, com uma tV de tela plana e um sofá preto em L e nenhuma mesa. “era óbvio que as pessoas consumiriam música assim e que eu precisava ser o cara irracional.” ek pegou uma guitarra pela primeira vez aos 4 anos e o primeiro computador aos 5. Programador autodidata, ganhava uS$ 15 mil por mês criando websites na adolescência. escrevia códigos para uma rede online de publicidade com 20 e poucos e se tornou multimilionário aos 23, quando vendeu o código a uma empresa administrada pelo empreendedor sueco Martin Lorentzon, que se tornaria cofundador do Spotify. esse “cara” é que está mudando o mercado da música.
stream x download O valor do stream é uma fração do pago pelo download, mas, como é pay-per-use, a cobrança se repete a cada execução
virou o DJ Avicii e hoje é uma potência global (a música Wake Me Up chegou ao primeiro lugar em 70 países e tinha chegado aos top 5 da Billboard). o ano em que o nome Avicii nasceu, 2008, também foi o ano em que o Spotify surgiu, então as duas marcas compartilham a mesma longevidade e uma trajetória de crescimento vertiginosa. por ser um executivo que surgiu na era do streaming, pournouri olha para o Spotify não só como fonte de receita, mas como uma plataforma promissora para apresentar artistas aos jovens consumidores. foi o que ele fez com o duo de DJs suecos Cazzette, lançando-o exclusivamente no Spotify, ao subir o álbum grátis antes que houvesse um produto físico. Depois de permitir streamings grátis ilimitados do álbum do Cazzette por seis semanas, pournouri o vendeu a um selo grande –a Universal Records– por uma soma de sete dígitos. “isso contradisse o que todo mundo dizia, que o streaming estava arruinando as vendas potenciais”, diz ele. Nem todo artista compartilha o mesmo entusiasmo. Em julho, o produtor do Radiohead, Nigel Godrich,
fotoS: ShutterStock e DiVuLGAção
Na parede do escritório de Daniel ek em estocolmo, logo acima de uma fender Stratocaster verde-limão (ela parece ter importância, mas só está ali porque ele assume seu lado guitarrista e a toca de vez em quando) está escrito: “o homem razoável se adapta ao mundo; o irracional tenta adaptar o mundo a si mesmo. ou seja, todo progresso depende de um homem irracional – George Bernard Shaw”. Desde o dia em que ek decidiu fundar o Spotify, as pessoas diziam que não funcionaria. um amigo enviou a ele essa frase de Shaw logo depois da reunião fatídica com os executivos das gravadoras. “foi um dos momentos mais terríveis, mas a frase fez com que eu me desse conta de que só precisava continuar lutando”, explica ele, da mesma forma como explica tudo –com muita calma e pouca emoção. hoje com 30 anos, o empreendedor relê as palavras de Shaw no escritório de maneira tímida,
Spotify,
e os negócios pós-pirataria anunciou no twitter que ele e thom yorke, o homem de frente da banda, estavam tirando do Spotify vários projetos paralelos ao Radiohead, em uma “pequena rebelião sem sentido”, com o objetivo de chamar a atenção para a distribuição dos royalties de streaming. Antes, David Lowery, cantor das bandas alternativas Cracker e Camper Van Beethoven, criticou os serviços de streaming em seu blog, gerando manchetes quando destacou que mais de 1 milhão de audições da música Low, do Cracker, no pandora tinham rendido a ele colossais US$ 16,89 em royalties pela composição da letra. (Ele recebeu um segundo pagamento, ligeiramente maior, como intérprete.) “os compositores se ferraram no mundo digital”, diz Lowery. Ek está bem consciente das críticas. “Há três anos, tive o mesmo problema [na Suécia]”, airma ele. “todos os artistas estavam apontando suas armas. ‘Eu vejo 50 mil streams e ganho 50 paus! Vocês estão me zoando?’ Mas, no ano passado, acho que recebi uma reclamação –só uma– no mercado escandinavo.” o motivo, diz, é o tamanho da audiência. “Cinquenta mil streams hoje são 5 milhões. Mesmo que você não tenha lançado um disco este mês, está recebendo praticamente o mesmo do ano passado.” Ek acha que os críticos estão atirando no alvo errado. Quando olham para o valor pago por um download e para o de um stream, não há comparação. “A receita de streaming é minúscula se comparada à do download [por faixa]”, observa ele. “Eu admito isso. Mas, se você olhar um ano depois do lançamento do disco, o jogo é totalmente diferente. três meses depois que o disco é lançado, ele
está morto no itunes. No entanto, depois de três meses de lançamento no Spotify, as pessoas o colocaram nas playlists que mais ouvem e continuam ouvindo.” Com um download, você paga uma vez, então ouve quanto quiser sem custo adicional. o streaming é um modelo pay-per-use e, mesmo que o pagamento seja uma fração do dólar pago por faixa baixada, essa cobrança se repete a cada execução. “yorke estava questionando com razão o que há no streaming digital para novos artistas e novas músicas”, disse depois o empresário do Radiohead, Brian Message, sobre a decisão de tirar algumas músicas do Spotify. Mas as músicas do Radiohead não foram tiradas, e o próprio Message apoia o serviço. Quanto a Lowery, ele airma que é “agnóstico” em relação ao Spotify, porque acha que sua estrutura paga tem potencial de dar maior retorno no longo prazo. “Se eles convencerem mais usuários a pagar, ganho mais dinheiro, e talvez seja assim que as coisas funcionam.”
o APi mais popular do Spotify até o momento é o tunigo, que usa especialistas em música como curadores de playlists
customização assistiDa No início de 2012, o Spotify apresentou seu aplicativo de interface de programação (Api, na sigla em inglês) para desenvolvedores, que na mesma hora criaram centenas de apps que permitiam aos fãs descobrir e compartilhar novas músicas. o mais popular foi o tunigo, que usa seus especialistas em música para fazer a curadoria de playlists com foco no estado de espírito do ouvinte. o serviço se provou tão bem-sucedido que o Spotify o comprou, transformando-o na peça central do Browse, departamento interno de curadoria que mergulha fundo no catálogo do Spotify e entrega uma seleção sempre crescente de playlists. Já existem mais de 27 mil, e elas crescem e se modiicam todos os dias. Além disso, o fundador do tunigo, Nick Holmsten, e sua equipe de 25 pessoas hoje têm
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empreendedorismo | case
ajudam os usuários a criar as próprias listas de música, colaborando nas escolhas. “Experimentou essa? Que tal essa outra?” A ideia de que o Spotify pode reduzir a fricção é consensual; o diretor de produção Gustav Söerström diz que ele deve resolver problemas existentes nos outros meios de entrega de música: o itunes dá exatamente a música que você escolheu, mas é preciso pagar e sincronizá-las; o rádio permite apertar um botão e ouvir o dia inteiro, mas não se escolhe a música etc. A empresa introduziu o Connect, uma integração de áudio doméstica que vai permitir aos usuários transferir música de um equipamento móvel para seus alto-falantes de casa (ou vice-versa) apertando um botão. Um problema resolvido. (o próximo passo é levar o Connect aos carros.) Sean parker, do conselho de administração do Spotify, destaca mais uma motivação: transformar a maneira pela qual descobrimos, consumimos e compartilhamos música. Ainda em estágio bem inicial, o Spotify, graças a parker, pôs seus engenheiros no facebook para racionalizar a plataforma de integração dos dois, e essa colaboração resultou em altos picos de tráfego. parker prevê música mais bem-feita, distribuída a baixo custo, uma “era de ouro da música”. o desaio só estará em criar modelos de streaming para mercados como os da China e da Índia –provavelmente um indiano médio não pode pagar US$ 10 por mês.
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5 perguntas-chave
por claudiney fullmann
Na academia, o método de estudo de caso prevê perguntas que provoquem no aluno uma relexão voltada para a ação.Todo gestor e empreendedor deveria fazer o mesmo exercício, conforme propomos a seguir. Além de responder a essas questões, discuta-as com colegas, se for possível.
1. Segundo Marlane Miller, no livro Brainstyles, o que torna o empreendedor diferente das outras pessoas é que ele faz conexões entre os hemisférios direito e esquerdo (emocional e lógico) de seu cérebro com grande velocidade para criar cenários que os demais não conseguem vislumbrar tão rapidamente. David ek demonstra ter essa característica? Por quê?
2. Quais são as forças, fraquezas, oportunidades e ameaças de um modelo de negócio como o do Spotify? ele é replicável somente em mercado maduro?
3. o Spotify poderia ter nascido ou ser rapidamente copiado no Brasil, um país tão ligado à música? E o Netlix, que é o streaming de vídeos? Se a resposta for sim, por que ainda não temos cópias nacionais, e por que o primeiro player não deve vir de uma startup?
4. o Brasil vive momentos críticos quanto à desindustrialização, com intensa impor tação de produtos e até serviços, concentrando-se na precária expor tação de commodities, principalmente minérios. É possível rever ter isso apenas com 20 milhões de empreendedores ou um pouco mais, como mostram as estatísticas?
5. o ingrediente de sucesso do caso Spotify está ao nosso alcance: é a tecnologia do streaming, disponível ao mundo inteiro, com custos acessíveis e em uma evolução vertiginosa.Você é capaz de desenhar um negócio diferente que a utilize? imagine-o. Procure-o na internet. Se não existir, que tal você mesmo criá-lo? Claudiney Fullmann é professor da HSM Educação, consultor e sócio-fundador da Educator. Ele declara-se favorável a cópias de modelos de negócio estrangeiros, desde que melhoradas, como outros mercados fizeram e continuam fazendo. Em 1968, como estudante, testemunhou o movimento japonês de cópia na Feira de Máquinas de Hannover, Alemanha –“fotografavam tudo de ângulos diferentes, mas não compravam nada”. Em 1972, na Feira de Chicago, nos EUA, viu as “cópias” das máquinas fotografadas –e elas eram melhores.
foto: ShutterStock
acesso a uma ininidade de dados em tempo real sobre que músicas estão sendo mais tocadas, ou mais puladas, e fazem mudanças na hora. As listas do Tunigo inluem bastante na popularidade da música. Quase toda vez que uma música antiga entra numa playlist quente, seus streams disparam. Conforme o Spotify se expande para outras partes do mundo, Holmsten planeja agregar especialistas em outros sons –K-pop na Coreia, Bollywood na Índia. Corre a tese de que o Spotify ainda não chegou ao Brasil para valer porque um mercado com uma ligação tão forte com a música requer muito cuidado –e a forma como os usuários interagem com as playlists em si pode diferir de país para país. Um dia, o Spotify pode agregar características do pandora que
mapa mental • SUCESSÃO NA MICROSOFT•
por adriana Salles gomes
Seu Sobrenome é ballmer-gateS. como você eScolheria, em 12 meSeS, o novo ceo deSSa empreSa de uS$ 77,8 bilhõeS e maiS de 100 mil funcionárioS? deSenhamoS o mapa mental hipotético da SuceSSão
Queremos mudança? Sim, totalmente
Não, queremos continuidade Sim, parcialmente
prós
produtos e mercados atuais da MS produtos e mercados pouco ou nada explorados
atributos hard
(ceo da ford, inspirador, pouco background tecnológico)
atributos soft
onde vou buscar? contra 1. Parece que tudo continua igual
Fora
prós
contra
1. 70% dos líderes top dos EUA são de fora 2. Transmite percepção de inovação
1. É difícil
de controlar
externamente
candidatos finalistas:
candidatos finalistas: Alan Mullaly
e
inovador/radical x conservador (incremental) inspirador x team member
Em casa
1. Pesquisa o associa a sucesso. McGrath -pág. 98 2. É fácil de controlar 3. Tem nossa cultura
perfil do líder
Stephen Elop (ex-ceo da nokia, ex-mS, quer inovar demais)
em fevereiro, seis meses antes do previsto, a microsoft anunciou nadella como ceo e ele declarou que priorizará o mobile. as reações do mercado e dos funcionários foram diversas. pelas especulações de alguns, era a segunda opção e só prevaleceu porque mulally teria querido continuar na ford; para outros, era a opção mais segura de quem não quer mudar demais. bill gates abriu mão do cargo de chairman, o que foi visto como sinalização de que nadella terá liberdade para agir.
Tony Bates (ex-cisco, evangelista/ estrategista da mS, ex-líder do Skype, preferido do vale do Silício)
Kevin Turner (coo, com 18 anos de experiência no varejo –no Walmart)
Satya Nadella (domina cloud computing, indiano, low proile, conhecedor do time mS e bem-visto no vale)
fotos: divulgação e edward botman
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