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N I V E R S I D A D E
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U S Ă? A D A
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Nelson Manuel Bastos Ferreira
Lisboa Setembro 2012
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N I V E R S I D A D E
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Nelson Manuel Bastos Ferreira
Lisboa Setembro 2012
Nelson Manuel Bastos Ferreira
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.
Orientador: Prof. Doutor Arqt. Mário João Alves Chaves
Lisboa Setembro 2012
Ficha Técnica Autor Orientador
Nelson Manuel Bastos Ferreira Prof. Doutor Arqt. Mário João Alves Chaves
Título
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Local
Lisboa
Ano
2012
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação FERREIRA, Nelson Manuel Bastos, 1981[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia : construtivismo russo revisitado / Nelson Manuel Bastos Ferreira ; orientado por Mário João Alves Chaves. - Lisboa : [s.n.], 2012. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - CHAVES, Mário João Alves, 1965LCSH 1. Construtivismo (Arquitectura) 2. Construtivismo (Arquitectura) - Rússia (Federação) 3. Arquitectura e sociedade 4. Arquitectura moderna - Século 20 5. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 6. Teses – Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4. 5. 6.
Constructivism (Architecture) Constructivism (Architecture) - Russia (Federation) Architecture and society Architecture, Modern - 20th Century Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon
LCC 1. NA682.C65 F47 2012
Sui
generis
no
retalho
do
meu
pensamento, dedico esta peรงa de mim a quem sempre me ensinou como compor, peรงa por peรงa, quem hoje sou.
Mรฃe.
AGRADECIM ENTOS СПАСИБО
O agradecer parte da nossa relação directa com o que nos completa, de tal modo que à medida que o tempo passa, a reflexão sobre o que nos foi compondo como pessoa torna-se mais precisa, as verdadeiras influências tornam-se evidentes. Tecnologia: Sublinha até onde queremos ir, assinalando por onde nos podemos ficar. Tanto possibilita quanto destrói. Agradeço não só o que a tecnologia permite mas igualmente o que revela. É o mais verdadeiro espelho da humanidade. No entanto, a possibilidade é infinita. A partilha de informação que a sua evolução cada vez mais permite. Wikipédia, Google, Youtube, e até Facebook de onde se destaca a minha comunicação directa com uma das mais importantes influências críticas actuais para este trabalho, Ethel Baraona Pohl, da dpr-barcelona, a quem agradeço pela sua unicidade na conjugação de inúmeros temas entre arquitectura e utopia, e respectiva partilha, são a componente mais importante na consciencialização bibliográfica como ponto de partida do raciocínio lógico que se desenvolveu ao longo deste trabalho. Consequentemente, a possibilidade de acesso à base de dados de grandes bibliotecas nacionais como, a por mim mais utilizada, Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste
Gulbenkian,
à
da
própria
Universidade
Lusíada,
como
sistematização de acesso à bibliografia pretendida, tornam a minha relação com o livro, pragmática e objectiva. O mais fascinante implícito a esta dinâmica é que, enquanto o ser humano conseguir, pode sempre ser renunciada. Quando eficiência não é a premissa, ignoramos a tecnologia, e vivemos o que uma biblioteca tem de melhor. Academia: Prof. Doutora Arquitecta Isabel Maria Rodrigues, a primeira página académica que verdadeiramente me sabe bem ler e reler. Enquanto viva, soube ouvir, reconhecer e defender até à última instância aquilo em que acreditava. Prof. Doutor Arquitecto Bernardo D’Orey Manoel. Facilmente desenvolvi a minha visão poética em relação ao quer que seja que fosse digno de o assumir. Nunca até então certas afirmações como “excesso de informação, preciso de digerir”, “belíssimo” ou “filme doloroso”, me tinham feito tanto sentido. Submete a arquitectura ao nível de qualquer outra de forma de expressão, defendendo sempre que é ofício, inspirando sempre como arte. Prof. Doutor Arquitecto Mário Chaves, um acompanhamento académico em ambos os extremos do meu percurso: no primeiro ano de curso e no final, na composição da dissertação. Pragmatismo e assertividade no que expõe, no que comunica.
Pensamento e cultura abrangentes e polivalentes na expressão de uma ideia, multiplicidade de perspectivas numa qualquer definição. O meu maior ensinamento no modo de agir, no concretizar, e principalmente na reflexão a curto, médio e longo prazo, das várias frentes desses actos. Amizade: Sou uma pessoa de pessoas. Cada amigo uma infinidade de adjectivos, uma referência que marca presença aqui ou acolá. Inevitavelmente a injustiça predominará nesta parte do meu todo mas terei que me resumir aos que desde sempre, como grupo, foram apoio, sabedoria, electricidade, respeito e grandes exemplos: João Sebastian, Eduardo Pinto, Eduardo Ulrich e Daniel Rodrigues (Los 5). Família: Jorge Ferreira, meu irmão, que nem dez anos de distância o impedem de me completar. Nas épocas mais complicadas, não só esteve sempre presente, como muitas vezes com uma palavra sábia rematava uma qualquer inquietação. A referência, Mónica Carvalho, minha mãe, minha essência, de quem eu tudo apreendo. Ensinamento constante de todas as bases da vida. O meu maior exemplo de altruísmo, mutualidade, inteligência, audácia, espírito de sacrifício e (consequente) concretização.
“Nothing accidental, nothing unaccounted for, nothing as the result of blind taste and aesthetic arbitrariness.”
GAN, Aleksei (1977) – Konstruktivizm. Milano: Edizioni dello Scorpione.
APRESENTAÇÃO ПРЕЗЕНТАЦИЯ
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado. Nelson Manuel Bastos Ferreira Utopia, por si só, revela uma ambiguidade de definição que, na realidade (sem ironia), coexistem de um modo muito particular. Já desde as reflexões sociais de Platão que Utopia se foi adaptando aos diversos contextos da evolução. Neste documento, construtivismo apodera-se do papel principal ao impor-se como o vórtex de uma evolução massiva com uma elevação intelectual até então nunca testemunhada. Na segunda metade do século XIX, a figuração e a lógica perspética renascentistas não seriam suficientes para acompanhar a tecnologia, a ciência e a filosofia que, em grande escala, evoluíam e escreviam história com novas ideias e ideais. O homem foi conseguindo libertar-se de um tradicionalismo absolutista. A igreja perde a exclusividade de patrocínio da Arte com o privado a abrir muitos caminhos ao artista face à liberdade de expressão. Princípios abstractos emergem pela Europa sob diversas linguagens. Impressionismo e expressionismo, as primeiras sugestões. Euclides perdera enfim o domínio absoluto de uma geometria única e espaço seria mais uma componente do novo pensar com novas premissas. Rússia foi o último país europeu a libertar-se do Direito Divino 1 , consequentemente os verdadeiros activistas movimentavam-se pela Europa Moderna, onde começam a surgir as verdadeiras ameaças à monarquia russa. Marx e Engels proferiram os princípios, Kropotkin resume-os à anarquia da existência humana. Genebra é onde surge o Grupo de Emancipação do Trabalho2, de onde Lenine mais tarde assume que surgiram as verdadeiras fundações para o movimento social-democrata. No limiar do século XX, o contexto estava criado. Nicolau II assina o caos político e social na Rússia, ao acenar positivamente à participação na Primeira Grande Guerra, sem o mínimo de condições e de preparação, face às potências centrais que se demarcavam pela mais avançada tecnologia militar, assistindo-se ao fim do absolutismo czarista. São Petersburgo, 1917, revolução de outubro. Até então, a produção arquitectónica russa seria essencialmente aristocrática e académica e os princípios básicos da 1 2
Direito Divino dos Reis: doutrina político-religiosa que defendia a voz do Rei como a voz de Deus. Grupo de Emancipação do Trabalho: O primeiro grupo marxista russo da história (1883-1889).
arquitectura estavam desactualizados, a precisar de uma revolução social. Consequentemente, do íntimo, do privado, passava-se para o público, universal. Devastada pela guerra e pela fome e em isolamento do resto do mundo, na Rússia os níveis de produção anteriores à guerra foram rapidamente alcançados, mas a verdade é que face à situação pós-guerra, esses níveis eram assustadoramente insuficientes. Ter-se-ía que reforçar o ritmo, que lutar para aumentar a taxa de crescimento. Ambicionava-se eficiência. Só a alcançariam se não houvesse a limitação inerente ao que sempre existiu. Não se poderiam limitar a reconstruir, mas construir. Construção de um novo sistema, de uma nova indústria. É esta [r]estruturação da produção que cria uma nova concepção de vida, de cultura, consequentemente de arquitectura. O nascimento da máquina denunciou a inevitável revolução tecnológica, que destruiu a arte popular e proporcionou um papel deveras importante no crescimento da produção em larga-escala da era moderna. A irreverência da inovação precisou apenas de um século para alterar todos os aspectos da vida humana. A tecnologia teve impacto não só a nível do desenvolvimento socioeconómico, como no da estética, como no da própria relação com o homem. Face à sua existência, o homem revolucionário tentou compreender-se. Questões ainda hoje por responder, constatações que ainda hoje inspiram. Existia o foco no campo emocional do artista desenvolvendo o subconsciente no processo criativo. Também se destacou quem negou a emoção e viveu sob a objectividade da expressão. Ainda subsistiam as vertentes suprematista e experimentalista. Nesta exploração, neste pensamento, surgia um campo de possibilidades verdadeiramente rico em questões de luz e sombra, com uma mestria no contraste de escalas entre volume e espaço, entre corpo e forma. hyNchustrutivismo nasce de uma abordagem arquitectónica muito específica de todo este tema numa realidade de projecto de 5º ano 2008/2009. Cova do Vapor e Trafaria compõem a extremidade poente do limite margem sul/Tejo que se confronta directamente com Lisboa. Uma zona cuja realidade abrange indústria, natureza protegida, história militar, uma comunidade parte envelhecida e pobre, parte clandestina, actividade piscatória como tradição, e uma incoerência urbana e social que cada vez mais dita as regras. Indissociáveis de áreas tão complexas como a política, a sociologia, as mais evidentes componentes da ciência e da arte, a filosofia, a economia, etc., face ao contexto actual, pode perceber-se como os mesmos princípios construtivistas poderiam ser postos em prática e com que objectivo. A
arquitectura construtivista existiu no limiar do futuro e comprometeu-se com muito mais que meramente construir. Teve como fundamento entender as novas condições de vida, de modo a que através da criação de projectos em resposta conseguissem participar activamente na realização completa desse novo Mundo. O verdadeiro sucesso construtivista foi a coexistência entre arquitectura, arte, sociedade, política e exército. Só foi possível pela concentricidade de novas possibilidades, novas ambições e nova tecnologia. A linguagem industrial, o gigantismo, o ferro, não assustavam, antes pelo contrário, libertavam. Sonhava-se com o desenvolvimento do país e consequentemente com o das condições de vida. O contraste, tanto social como arquitectónico e territorial, que a estrutura da Silopor proporciona no local de intervenção pode ser contemplado, se portador de mais premissas para além da única actual: a função. Construtivismo permitiu essa relação e um pensar urbano sob a mesma. É, por isso, base do fio condutor desta dissertação. Hoje, hyNchustrutivismo não pretende dar resposta, mas uma perspectiva de reflexão com a convicção de uma prática actual.
Palavras-chave: construtivismo, arquitectura social, arquitectura industrial
ABSTRACT
ПРЕЗЕНТАЦИЯ
[hyNchustructivism] Man - Space – Utopia: Russian Constructivism revisited. Nelson Manuel Bastos Ferreira Utopia, by itself, implies an ambiguity of definition which, in reality (no irony), coexist in a very particular way. Ever since Plato’s social reflections, Utopia has been adapting itself to the several contexts of evolution. In this essay, Constructivism has the main stage, imposing itself as the vortex of a massive evolution with a highly intellectual state until then not witnessed before. In the second half of the 19th century, the Renaissance figuration and logical perspective were not enough to keep up with technology, science and philosophy, which, at a large scale, were evolving and writing History with new ideas and ideals. M an was finally able to free himself from an absolutist traditionalism. The Church was losing exclusivity on sponsoring Art as private sponsors started providing new paths to the artist to experiment with full freedom of speech. Abstract principles emerged around Europe in several languages with Impressionism and Expressionism as primal suggestions. Euclid had finally lost the absolute control of single geometry, and space became the main component of the new thinking/new premises. Russia was the last European country to set itself free from the Divine Right of Kings3, and, as a consequence, the real activists were moving around Modern Europe while real threats to Russian Monarchy started to arise. Marx and Engels uttered the principles and Kropotkin summarized them to the anarchy of human existence. Geneva is where the Emancipation of Labour Group
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first emerged and where the true
foundations of the Social-Democrat movement were born, as was admitted years later by Lenin. At the beginning of the 20th century the right setup was in place. Nicholas II had brought political and social chaos to Russia, pushing the country to war (First World War) without the minimum requirements nor adequate preparation while up against the most advanced military technology seen to date controlled by the Central Powers. This event marked the end of the czarist absolutism. St. Petersburg, 1917, October Revolution. Until then, Russia’s architectural production was essentially academic and aristocratic and the basic architectural principles were 3 4
Divine Right of Kings: is a political and religious doctrine, which defends the King’s voice as God’s voice. Emancipation of Labour Group: the first Russian Marxist group of History (1883-1889).
out-dated and in much need of a social revolution. The revolution came at last changing what before was intimate and private to public and universal. Despite war, hunger and isolation from the rest of the world, Russia easily caught up with pre-war production levels. However, given the post-war production needs, this was still massively insufficient. The pace would have to be reinforced in the struggle to growth at record speed. Efficiency was needed and it would only be achieved if no inherent limitation from what had previously existed would prevail. Russia could not confine itself to reconstruct, but to construct. Construction of a new system and of a new industry. It is this production [re]organization that creates a new conception of life, culture, and consequently, architecture. M achine’s birth announced the inevitable technological revolution, pushing back folk art and playing a very important role in the modern era’s large-scale production growth. In only one century, newness’ irreverence changed every aspect of human life. Technology’s impact not only embraced socioeconomic development, but also aesthetic, and its’ own relationship with man. Facing his own existence, the revolutionary man tried to understand himself. Questions today still unanswered, findings today still inspiring. Some artists focused on their emotional side developing the subconscious in the creative process. Also stood out those who denied emotion and lived under the expression’s objectivity. And also, the suprematist and experimentalist current prevailed. In this exploration, in this thought, a resourceful field of possibilities of light and shadow would show up, within the mastery of scale contrast, between volume and space, between body and form. hyNchustructivism is born from a very specific architectural approach of all this subject, under the reality of my last academic work, 5th grade Project subject 2008/2009. Cova do Vapor and Trafaria draw up the edge cape of the limit south margin/Tagus river, facing Lisbon. An area which reality embraces industry, protected nature, military history, a community partly old and poor, partly illegal, traditionally living from fishing, and an urban and social incoherence which is increasingly dictating the rules. Inseparable from subjects as complex as politics, sociology, the most obvious components of science and art, philosophy, economy, etc., facing current times, we can perceive how would the same principles be put into practice and with which objective. The Constructivist architecture existed on the threshold of the future and has committed itself to so much more than simply to build. As
starter, it was necessary to understand new life conditions, in order to, by creating projects in response, actively participate in the completion of this New World. The true success of Constructivism was the coexistence between architecture, art, society, politics and army. It was possible only due to the concentricity of new possibilities, new ambitions and new technology. The industrial language, the gigantism, the steel, did not frighten, on the other hand, they would set free. The Russian man dreamed about the country’s development, and consequently his own life conditions. The contrast, both social and architectural/territorial, that the Silopor structure provokes over the whole intervention site can be contemplated, if it actually evolves more than its mere function. Constructivism allowed not only that link but also a new urban thought from it. That’s why it has become the basis of this dissertation’s conducting wire. Today, hyNchustructivism does not intend to give an answer, but to give a perspective of thought with the conviction of an actual practice.
Keywords: constructivism, social architecture, industrial architecture.
LISTA
DE ILUSTRAÇÕES
СПИСОК ИЛЛЮСТРАЦИЙ
Ilustração 1 - “A ecologia do medo.” (Ilustração nossa) ........................................... 45 Ilustração 2 - “A inevitabilidade do limite,” (Ilustração nossa) .................................. 51 Ilustração 3 - “Capitalism Kills Love,” Claire Fontaine. Exposição “Às Artes Cidadãos!” (Ilustração nossa, 2010, Fundação Serralves) ................................... 53 Ilustração 4 - Capa do manifesto ”On New Systems in Art/Statics & Speed,” que embora date 1919, representa o pensar de Kazimir Malevich, exposto em 1915. (Railing, 1999, p. 48) ............................................................................................. 56 Ilustração 5 - “Exposição 0.10: A Última Exposição Futurista,” Kazimir Malevich, Petrogrado, 1915. (Gough, 2005, p. 22) ............................................................... 56 Ilustração 6 - “Relevo de Pintura,” Vladimir Tatlin, madeira, gesso, alcatrão, vidro, metal laminado, 1915. (Kiaer, 2005, p. 51) ........................................................... 56 Ilustração 7 - “Contra-Relevo (Conjugação Material),” Tatlin, madeira, pau-rosa, abeto, metal, 1917. (Perloff et al., 2003, p. 38) ..................................................... 56 Ilustração 8 - “Contra-Relevo de Canto nº 133,” Vladimir Tatlin, alumínio e folha de estanho, pigmento de óleo, tinta primária, fio e componentes de fixação, 1915. (Kiaer, 2005, p. 51) ................................................................................................ 56 Ilustrações 9, 10 - Segunda Exposição de Primavera da OBMOKhU, 1921. (Gough, 2005, p. 62) ........................................................................................................... 58 Ilustração 11 - “KPS VI,” Vladimir Stenberg, 1921. (Gough, 2005, p. 97)................ 58 Ilustração 12 - Convite para a inauguração da “Second Spring Exhibition of the OBMOKhU,” 1921. (Gough, 2005, p. 73) .............................................................. 59 Ilustração 13 - “Spatial Constructions II, III, IV,” Karl Ioganson, 1920-21. (Gough, 2005, p. 81) ........................................................................................................... 60 Ilustração 14 - Capa da “Hygiene and Health of the Worker and Peasant Family,” Nº 4, 1927. (Kiaer, 2005, p. 256) ................................................................................ 67 Ilustração 15 - Cartaz “The new everyday life is the child of October,” 1923. (Kiaer, 2005, plate 7) ........................................................................................................ 67
Ilustração 16 - Cartaz da peça “Through Red and White Glasses,” Varvara Stepanova, 1923. (Kiaer, 2005, p. 117) ................................................................ 67 Ilustração 17 - Composição “About this,” Aleksandr Rodchenko, 1923. (Kiaer, 2005, plate 12) ................................................................................................................ 67 Ilustração 18 - Desenhos de vestuário e um fogão, no artigo “The New Everyday Life,” Vladimir Tatlin, 1924. (Kiaer, 2005, p. 40) .................................................... 69 Ilustrações 19, 20 - A experimentar o seu fato de desporto masculino (frente e costas), Vladimir Tatlin, 1924-25. (Kiaer, 2005, p. 75) .......................................... 69 Ilustração 21 - Desenho de um casaco para homem, Vladimir Tatlin, 1923. (Kiaer, 2005, p. 80) ........................................................................................................... 69 Ilustrações 22, 23 - Composições “About This” para Mayakovsky, Aleksandr Rodchenko, 1923. (Kiaer, 2005, p. 156) ............................................................... 70 Ilustração 24 - Varvara Stepanova a desenhar com compasso, Aleksandr Rodchenko, 1924. (Kiaer, 2005, p. 99) ................................................................. 72 Ilustração 25 - Padrão têxtil, Varvara Stepanova, 1923-24. (Kiaer, 2005, p. 103)... 72 Ilustração 26 - Desenho para vestuário de produção para actor nº5, Liubov Popova, (Kiaer, 2005, p. 131) .............................................................................................. 72 Ilustração 27 - Um operário da fábrica de construção naval de Nevskii com a sua família ao jantar. Fotografia cortesia do Museu Russo de Etnografia (São Petersburgo, Rússia), Medvedev, Leninegrado, 1925. (Kiaer, 2005, p. 56) ......... 75 Ilustrações 28 e 29 - Fotos documentais de operários em uniforme de trabalho (frente e costas), Kubesh, 1924. (Kiaer, 2005, p. 70) ........................................... 76 Ilustração 30 - “Having wiped out capitalism, the proletariat will wipe out prostitution,” poster, 1923. (Kiaer, 2005, plate 3) .................................................. 77 Ilustração 31 - “Conversa com Diógenes, Antígona, Thoreau e amigos,” António de Sousa, 2010. (Ilustração nossa, exposição “Às Artes Cidadãos!”, Fundação Serralves, Porto). Surge como analogia à “mesa de laboratório,” pois tanto a concepção, como o título, como os materiais utilizados pelo artista misturam o conceito de mesa com o de jangada, os materiais pobres com o carácter industrial e o símbolo da comunicação. A essência de criar. ............................................... 79
Ilustração 32 - “La màquina de l’amor,” Antigua i Barbuda, 2005 (Arts Santa Mònica, 2009. Fotografia de Oscar de Paz, 2011) ............................................................. 82 Ilustração 33 - “La pianola dels olors,” Antigua i Barbuda, 2005 (Arts Santa Mònica, 2009. Fotografia de Oscar de Paz, 2011) ............................................................. 82 Ilustração 34 - “L’ànima de la màquina,” Antigua i Barbuda, 2005 (Arts Santa Mònica, 2009. Fotografia de Oscar de Paz, 2011) ................................................ 82 Ilustração 35 - “Deus Ex: Human Revolution,” cenário onde se reconhece bem a ideia de mega estrutura. (Eidos, 2011) ................................................................. 85 Ilustrações 36, 37 - “Deus Ex: Human Revolution,” cenários representativos de realidades submetidas à evolução. (Eidos, 2011) ................................................. 85 Ilustração 38 - “Deus Ex: Human Revolution,” ilustração de Adam Jensen num momento muito humano. (Eidos, 2011) ................................................................ 85 Ilustração 39 - “Deus Ex: Human Revolution,” cenário da residência de Jensen. (Eidos, 2011) ......................................................................................................... 85 Ilustração 40 - “Meta-for”, Paula Rosa, 2008. (Rosa, 2012) .................................... 86 Ilustração 41 - “Memorial to Empty Hearts”, Paula Rosa, 2008. (Rosa, 2012) ........ 86 Ilustração 42 - “Human DK”, Paula Rosa, 2008. (Rosa, 2012) ................................ 86 Ilustração 43 - “O tempo e o universo,” Pietro Proserpio , 2012. (Ilustração nossa, Lx Factory, Lisboa) ................................................................................................ 87 Ilustração 44 - Pietro a arranjar um imprevisto mecânico, 2012. (Ilustração nossa, Lx Factory, Lisboa) ................................................................................................ 87 Ilustração 45 - “SINTESI FUTURISTA DELLA GUERRA,” Filippo Tommaso Marinetti, manifesto, 1914. (Danchev, 2011, p. 90) .............................................. 89 Ilustração 46 - “Estação de comboios e aviões com elevadores e carros em cabos em três pisos exteriores,” António Sant’Elia, perspectiva, 1914. (Sant'Elia, 1988, p. 85) ......................................................................................................................... 89 Ilustração 47 - Publicação periódica “bauhaus,” 1928. (Wingler, 1969, p. 445) ...... 90
Ilustração 48 - Publicação periódica vorticista “BLAST,” 1914. (Weston, 1996, p. 88) .............................................................................................................................. 90 Ilustração 49 - Publicação periódica “DE STIJL,” 1917. (Weston, 1996, p. 102) ..... 90 Ilustração 50 - Publicação periódica “L’ESPRIT NOVEAU,” 1920. (Weston, 1996, p. 107) ....................................................................................................................... 90 Ilustração 51 - Vista geral da Praça do Palácio, à esquerda está o Palácio de Inverno com uma pintura de V. I. Kozlinsky e à direita a Coluna de Alexandre com várias telas em seu redor. (Cooke et al., 1990) .................................................... 95 Ilustração 52 - Exército Vermelho no Campo das Vítimas da Revolução, May Day, Petrogrado, 1923. (Cooke et al., 1990) ................................................................. 96 Ilustração 53 - “The Apotheosis of October,” P. S. Duplitsky, décimo aniversário da revolução, 1927. (Cooke et al., 1990) ................................................................... 96 Ilustração 54 - Carruagem de um “comboio de propaganda” para a frente de leste, 1919. (Kopp, 1970, p. 49) ...................................................................................... 96 Ilustração 55 - “Barco de propaganda,” 1919. (Kopp, 1970, p. 49).......................... 96 Ilustração 56 - Carro alegórico representativo de uma das fábricas da cidade, sétimo aniversário da revolução, 1924. (Cooke et al., 1990) ................................ 96 Ilustração 57 - “The Apotheosis of October,” P. S. Duplitsky, décimo aniversário da revolução, 1927. (Cooke et al., 1990) ................................................................... 96 Ilustração 58 - Carro alegórico de Lenine que falecera a 21 de Janeiro desse mesmo ano, May Day, 1924. (Cooke et al., 1990) ................................................ 96 Ilustração 59 - Carro alegórico de uma imitação básica do modelo de Tatlin para a Terceira Internacional de 1919, May Day, 1925. (Cooke et al., 1990) .................. 96 Ilustração 60 - Vista do Hotel Metrópole com a instalação da MTS (“Machine-Tractor Station”) em grande escala, N. A. Musatov, May Day, praça Sverdlov, Moscovo, 1933. (Cooke et al., 1990) ..................................................................................... 97 Ilustração 61 - Carro alegórico representativo de uma locomotiva, quinto aniversário da revolução, Moscovo, 1922. (Cooke et al., 1990) .............................................. 97
Ilustração 62 - Composição decorativa do “Promfinplan” (“The State Industrial and Financial Plan”), May Day, praça Vermelha, Moscovo, 1930. (Cooke et al., 1990) .............................................................................................................................. 97 Ilustração 63 - Estrutura decorativa sob o tema “A frente vermelha,” V. A. Raevskaya, May Day, Campo das Vítimas da Revolução, Leninegrado, 1930. (Cooke et al., 1990) ............................................................................................... 97 Ilustração 64 - Detalhe do modelo do MTS, N. A. Musatov, May Day, praça Sverdlov, Moscovo, 1933. (Cooke et al., 1990) .................................................... 97 Ilustração 65 - Carro alegórico da União dos Operários Metalúrgicos, decorado com um globo e uma imagem de Marx, May Day, praça Skobelev, Moscovo, 1918. (Cooke et al., 1990) ............................................................................................... 97 Ilustração 66 - May Day, praça Uritsky, Leninegrado, 1932. (Cooke et al., 1990)... 98 Ilustração 67 - May Day, praça Uritsky, Leninegrado, 1931. (Cooke et al., 1990)... 98 Ilustração 68 - Uma procissão de operários que transportam consigo a maqueta das suas novas habitações em Moscovo, sob o regime Soviético, décimo quarto aniversário da revolução, Moscovo, 1931. (Cooke et al., 1990) ........................... 98 Ilustração 69 - “Nós ensinamos a ver.” (Ilustração nossa)..................................... 101 Ilustração 70 - “The Bathing of the Red Horse,” Petrov-Vodkin, 1912. (Rusakov et al., 1986, p. 59) ................................................................................................... 103 Ilustração 71 - “Violin,” Petrov-Vodkin, 1918. (Rusakov et al., 1986, p. 114) ........ 103 Ilustração 72 - “Blue Rayonism,” Mikhail Larionov, 1912. (Gray, 1986, p. 133)..... 105 Ilustração 73 - “Cats,” Natalia Goncharova, 1911-12. (Gray, 1986, p. 138) .......... 105 Ilustração 74 - “Portrait of Vladimir Tatlin,” Mikhail Larionov, 1913-14. (Gray, 1986, p. 139) ................................................................................................................. 105 Ilustração 75 - Poster da revista Kino-Glaz de Dziga Vertov, Aleksandr Rodchenko, 1924. (Weston, 1996, p. 155) .............................................................................. 107 Ilustração 76 - “Construction by Ioganson (Representation),” Karl Ioganson, 1922. (Gough, 2005, p. 108) ......................................................................................... 110
Ilustração 77 - “Graphic Representation of a Construction,” Karl Ioganson, 1921. (Gough, 2005, plate 8) ........................................................................................ 110 Ilustração 78 - “Composition,” Aleksandr Rodchenko, 1917. (Gough, 2005, plate 6) ............................................................................................................................ 112 Ilustração 79 - Montagem que incorpora o artigo “The New Everyday Life,” Vladimir Tatlin, 1924-25. (Kiaer, 2005, plate 1) ................................................................. 114 Ilustração 80 - “An Englishman in Moscow,” Kazimir Malevich, 1914. (Gray, 1986, p. 157) ..................................................................................................................... 116 Ilustração 81 - Esboço base do pano de fundo (um hipercubo) do cenário da ópera futurista “Victory over the Sun” de Kruchenikh, Kazimir Malevich, 1913. (Gray, 1986, p. 158) ....................................................................................................... 116 Ilustração 82 - Esboço do pano de fundo (um hipercubo) de um dos cenários da ópera futurista “Victory over the Sun” de Kruchenikh, Kazimir Malevich, 1913-14. (Gray, 1986, p. 158) ............................................................................................ 116 Ilustração 83 - “Yellow Quadrilateral on White,” Kazimir Malevich, 1916-17. (Gray, 1986, p. 173) ....................................................................................................... 119 Ilustração 84 - “Dynamic Suprematism,” Kazimir Malevich, 1916. (Gray, 1986, p. 169) ..................................................................................................................... 119 Ilustração 85 - “Composition of Arkitectons,” Kazimir Malevich, 1925. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 34) ........................................................................... 119 Ilustrações 86, 87 - “Horizontal Arkitectons,” Kazimir Malevich, 1916. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 34) ........................................................................... 119 Ilustração 88 - “Proun Room Drawing,” El Lissitzky, 1923. (Perloff et al., 2003, p. 49) ............................................................................................................................ 120 Ilustração 89 - “Construction - Proun 2,” El Lissitzky, 1920. (Perloff et al., 2003, p. 204) ..................................................................................................................... 120 Ilustração 90 - Chávenas feitas na fábrica Lomonossov, Kazimir Malevich, 1923. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 36) ................................................................ 121
Ilustrações 91, 92 - “Spatial Compositions ‘on the principle of identical forms,’” Aleksandr Rodchenko, 1923. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 47) ................. 121 Ilustração 93 - Aleksandr Rodchenko em pose à frente das suas “Hanging Spatial Constructions” desmanteladas, 1922. (Gough, 2005, p. 95) ............................... 121 Ilustração 94 - Interior do “Workers Club,” Aleksandr Rodchenko, Paris, 1925. (Kiaer, 2005, p. 198) ............................................................................................ 121 Ilustrações 95, 96 - Prova de demonstração de volume/forma (curso básico). Disciplina “Espaço” na VKhUTEMAS, 1925. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 120) ..................................................................................................................... 121 Ilustração 97 - Exposição de trabalhos académicos (curso básico), Disciplina “Espaço” na VKhUTEMAS, 1925. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 121) ........ 121 Ilustração 98 - “O síndroma do mundo alternativo.” (Ilustração nossa) ................. 123 Ilustração
99
-
Estudos abstractos dos dois “princípios construtivos” de
“abraçamento” e de “montagem,” Yakov Chernikhov, sem data. (Cooke et al., 1989, p. 39) ......................................................................................................... 128 Ilustração 100 - “Conjugação” de “princípios construtivos,” Yakov Chernikhov, sem data. (Cooke et al., 1989, p. 54) .......................................................................... 128 Ilustração 101 - Ilustração da colecção “Construction of Architectural and Machine Forms,” Yakov Chernikhov, 1925-31. (ICIF, 2007) ............................................. 128 Ilustração 102 - Desenho de “um edifício funcional” sob os “princípios construtivos” da ilustração 75, Yakov Chernikhov, sem data. (Cooke et al., 1989, p. 39) ....... 128 Ilustração 103 - Projecto concurso Palácio do Trabalho, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Kopp, 1970, p. 54) .................................................................................... 129 Ilustrações 104, 105 - Projecto concurso Palácio do Trabalho, Teplitsky (VKhUTEMAS), Moscovo, 1926. (Kopp, 1970, p. 58) ......................................... 129 Ilustrações 106, 107 - Projecto concurso Palácio do Trabalho, Trotsky, Moscovo, 1923. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 405) .................................................... 129 Ilustração 108 - Unidade habitacional dois pisos com rua interior, maqueta, Ol (OSA), Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 128) ..................................................... 132
Ilustrações 109, 110 - Unidade habitacional dois pisos com rua interior, plantas e corte, Sobolev (OSA), Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 128) ............................. 132 Ilustração 111 - Desenho para uma casa comunal na sua evidente declaração de influência nas habitações da Unité d’Habitation de Le Corbusier, corte e planta, Ivanov, Terekhin e Smolin. (Kopp, 1970, p. 148) ................................................ 132 Ilustração 112 - Clube Rusakov, Konstantin Melnikov, Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 118) ................................................................................................................. 133 Ilustração 113 - Clube Zuyev, Ilya Golosov, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 119) ............................................................................................................................ 133 Ilustração 114 - Proposta Clube dos Operários, irmãos Vesnin, Bacu, 1928. (Kopp, 1970, p. 118) ....................................................................................................... 133 Ilustração 115 - “Parque contínuo de cultura e lazer ao redor de Moscovo,” M. Shirov, 1929. (Kopp, 1970, p. 166) ..................................................................... 135 Ilustrações 116, 117 - Dois esquemas da Secção de Instauração Socialista de acordo com o “plano estatal da RSFSR:” “desurbanizado” (92) e “descentralizado” (93). (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 318) ..................................................... 136 Ilustrações 118, 119 - Dois esquemas da Secção de Instauração Socialista de acordo com o “plano estatal da RSFSR:” “centralizado-A” (94) e “disperso” (95). (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 318) .............................................................. 136 Ilustrações 120, 121, 122 - Desenhos para o concurso de planeamento de Magnitogorsk: traçado geral de urbanização linear (120), vista axonométrica de um detalhe da linha urbana (121), vários detalhes da unidade habitacional (122), Okhitovich, Barshch, Vladimirov e Sokolov, 1930. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 319) ................................................................................................................. 138 Ilustrações 123,
124
-
Desenhos para o concurso de planeamento de
Magnitogorsk: perspectiva da zona industrial (123), alçados e axonometria da “estação quilómetro” (124), Okhitovich, Barshch, Vladimirov e Sokolov, 1930. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 320) .............................................................. 139 Ilustração 125 - Esquema de distribuição de equipamentos e serviços com base nas teorias “desurbanistas” para planeamento urbano a uma escala territorial. Traçado geral de uma zona povoada num momento geográfico escolhido
arbitrariamente. A autoestrada (recta horizontal a negro, que se entende aqui como qualquer tipo de rede de transportes) atravessa esta zona interligando-a com centros industriais (não representados no esquema). Os equipamentos estão distribuídos em faixas em ambos os lados da autoestrada, a uma distância da mesma de 150m, ritmadamente consoante a frequência da sua utilização. As habitações individuais estariam dispersas por território rural. Este esquema permitia mais tipos de habitação que o plano “The Green City” de Ginzburg, que lhe é posterior. Existiam unidades individuais sobre pilotis, tal como apartamentos colectivos para operários solteiros e habitações colectivas para famílias de pequena escala. A - correios, telefone, telégrafo; B - jornais, editoras; C enfermarias, jardins-escola, escolas, etc.; D - centro de saneamento; E - estação de água; F - lavandaria; G - administração e planeamento; H - centro de distribuição de produtos essenciais; I - cinema e teatro; J - clube. (Kopp, 1970, p. 176) ..................................................................................................................... 139 Ilustração 126 - “The Green City,” Ginzburg e Barshch, Moscovo, 1930. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 320) ......................................................................... 141 Ilustração 127 - Maqueta do troço do plano para Magnitogorsk, a faixa central seria destinada para habitação, constituído por aglomerados habitacionais de pouca altura e por torres. Edifícios de serviços ocupam as faixas laterais e as zonas industriais estão para além das auto-estradas, Leonidov, 1930. (Kopp, 1970, p. 180) ..................................................................................................................... 142 Ilustração 128 - Monumento para a Terceira Internacional, Vladimir Tatlin, maqueta, 1920. (Kiaer, 2005, p. 42) .................................................................................... 144 Ilustrações 129, 130 - Monumento para a Terceira Internacional, Vladimir Tatlin, alçados frontal e lateral, 1920. (Kopp, 1970, p. 53) ............................................ 144 Ilustrações 131, 132 - Dois frames da curta metragem “The Unbuilt Monuments,” Takehiko Nagakura, 1999. (Coates, 2000, p. 194) ............................................. 146 Ilustração 133 - Pavilhão Soviético, plantas, Konstantin Melnikov, Paris, 1925. (Kopp, 1970, p. 61) .............................................................................................. 147 Ilustração 134 - Pavilhão Soviético, Konstantin Melnikov, Paris, 1925. (Gray, 1986, p. 264) ................................................................................................................. 147
Ilustração 135 - Quiosques Torgsektor, Konstantin Melnikov, Paris, 1925. (Kiaer, 2005, p. 205) ....................................................................................................... 147 Ilustração 136 - Clube da Fábrica Kauchuk, Konstantin Melnikov, Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 117) ............................................................................................ 148 Ilustração 137 - Clube Rusakov, Konstantin Melnikov, Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 118) ................................................................................................................. 148 Ilustrações 138, 139 - Proposta Sede Comissariado do Povo de Indústria Pesada, perspectivas, Konstantin Melnikov, 1934. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 268) ............................................................................................................................ 148 Ilustração 140 - Proposta “The Green City,” Konstantin Melnikov, 1930. (Kopp, 1985) ................................................................................................................... 149 Ilustrações 141, 142, 143 - Clube Zuyev, exterior e interiores, Ilya Golosov, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 119) ................................................................. 150 Ilustrações 144, 145 - Proposta para o palácio do trabalho, interior e alçado, Ilya Golosov, Moscovo, 1922-23. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 96) ................. 151 Ilustrações 146, 147 - Proposta para o palácio do trabalho, alçado e planta, Ilya Golosov, Moscovo, 1922-23. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 96) ................. 152 Ilustrações 148, 149 - Alçados dos concursos do pavilhão soviético para a exposição de Paris de 1925 (124) e dos escritórios de Moscovo do jornal Leningradskaya Pravda (125), Ilya Golosov, 1924. (Kahn-Magomedov et al., 1987, pp. 97, 98) ........................................................................................................... 152 Ilustração 150 - Esquisso de cenário para a peça “O homem que era quinta feira,” irmãos Vesnin, 1922. ........................................................................................... 153 Ilustração 151 - Construção do cenário para a peça “O homem que era quinta feira,” irmãos Vesnin, 1923. ................................................................................ 153 Ilustração 152 - Proposta palácio do trabalho, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Gray, 1986, p. 206) ............................................................................................ 153 Ilustração 153 - Proposta palácio do trabalho, plantas, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Gray, 1986, p. 206) .................................................................................. 153
Ilustração 154 - Proposta palácio do trabalho, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Kopp, 1970, p. 54) .............................................................................................. 153 Ilustração 155 - Proposta estação, perspectiva exterior, irmãos Vesnin, Kiev, 1928. (Kopp, 1970, p. 70) .............................................................................................. 154 Ilustração 156 - Proposta estação, perspectiva interior, irmãos Vesnin, Kiev, 1928. (Kopp, 1970, p. 70) .............................................................................................. 154 Ilustração 157 - Narkomtiazhprom, perspectiva da primeira proposta, irmãos Vesnin, Moscovo, 1934. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 266) ...................... 155 Ilustrações 158, 159, 160 - Dneprostroi, Viktor Vesnin, 1927. (Kopp, 1970, pp. 150-152) .............................................................................................................. 156 Ilustração 161 - Proposta sede do jornal Leningradskaya Pravda, perspectiva, irmãos Vesnin, Moscovo, 1924. (Curtis, 2006, p. 207) ....................................... 157 Ilustração 162 - Proposta sede do jornal Leningradskaya Pravda, alçados, irmãos Vesnin, Moscovo, 1924. (Kopp, 1970, p. 234) .................................................... 157 Ilustração 163 - Narkomfin, perspectiva, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 137) ....................................................................................................... 159 Ilustração 164 - Narkomfin, vista exterior sul, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 137) ............................................................................................ 160 Ilustração 165 - Narkomfin, vista exterior nascente, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 138) .................................................................................. 160 Ilustração 166 - Narkomfin, interior de uma unidade K, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 141) .................................................................................. 160 Ilustração 167 - Narkomfin, interior do elemento de distribuição, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 141) ................................................................. 160 Ilustração 168 - Stroikom, plantas modelo unidade F, tipologias de 30m2, 1930. (Kopp, 1970, p. 134) ............................................................................................ 160 Ilustração 169 - Narkomfin, plantas das tipologias F e K, Moisei Ginzburg, 1928. (Kopp, 1970, p. 136) ............................................................................................ 161
Ilustração 170 - Narkomfin, alçado norte, corte e alçado nascente, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 136) ................................................................. 161 Ilustração 171 - Narkomfin, plantas de todo o complexo habitacional, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 139) ................................................. 162 Ilustração 172 - Ilustração retirada do “Fundamentals of Modern Architecture,” Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 171) ......................................... 163 Ilustração 173 - Axonometria de uma nova cidade imaginária, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 74) .......................................................................... 163 Ilustração 174 - Axonometria de uma nova cidade socialista imaginária, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 74) ...................................................... 163 Ilustração 175 - Axonometria de uma nova cidade industrial imaginária, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 75) ...................................................... 163 Ilustração 176 - Composição nº 86, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 206) ....................................................................................................... 164 Ilustração 177 - Laboratório de pesquisa científica para a indústria da luz, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 75) ...................................................... 164 Ilustração 178 - Ilustração, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 63) .. 164 Ilustração 179 - Composição nº 76, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 205) ....................................................................................................... 164 Ilustração 180 - Ilustração de “Fundamentals of Modern Architecture,” Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 170) ............................................. 165 Ilustração 181 - Análise de estrutura de fonte cirílica, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 165) .................................................................................. 165 Ilustração 182 - Alfabeto palmireno, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 155) ....................................................................................................... 165 Ilustração 183 - Alfabeto latino, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 135) ..................................................................................................................... 165
Ilustração 184 - Esquisso dos panteões da Segunda Guerra Mundial, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 66) ............................................... 166 Ilustração 185 - Desenho Palácio do Trabalho, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 207) .................................................................................. 166 Ilustrações 186 - Desenho da série “Port cranes”, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 66) .................................................................................... 167 Ilustrações 187, 188 - Desenhos da série “Street overpasses”, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 67) .......................................................................... 167 Ilustrações 189, 190 - Proposta para o palácio da cultura, alçado expressionista (164) e planta (165), Ivan Leonidov, 1930. (Kopp, 1970, p. 199) ........................ 168 Ilustração 191 - Proposta para o instituto Lenine, maqueta (detalhe), Ivan Leonidov, 1927. (Kopp, 1970, p. 194) .................................................................................. 170 Ilustração 192 - Proposta para o instituto Lenine, maqueta (detalhe), Ivan Leonidov, 1927. (Kopp, 1985, p. 110) .................................................................................. 170 Ilustração 193 - Proposta para o instituto Lenine, corte do auditório, Ivan Leonidov 1927. (Kopp, 1970, p. 192) .................................................................................. 170 Ilustração 194 - Proposta para o instituto Lenine, planta geral, Ivan Leonidov 1927. (Kopp, 1970, p. 190) ............................................................................................ 170 Ilustrações 195, 196 - Proposta para o instituto Lenine, maqueta (detalhes), Ivan Leonidov, 1927. (Kopp, 1970, p. 192) ................................................................. 170 Ilustração 197 - Proposta para o instituto Lenine, corte do auditório, Ivan Leonidov 1927. (Kopp, 1970, p. 195) .................................................................................. 170 Ilustração 198 - Proposta para o ministério da indústria, axonometria, Ivan Leonidov, 1933. (Kopp, 1970, p. 197) ................................................................. 171 Ilustração 199 - Proposta para a cidade de Magnitogorsk, perspectiva geral, Ivan Leonidov, 1930. (Kopp, 1970, p. 181) ................................................................. 171 Ilustrações 200, 201 - Proposta para o comissariado de indústria pesada, alçado e perspectiva, Ivan Leonidov, 1934. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 267) ....... 172
Ilustração 202 - Proposta para o comissariado de indústria pesada, perspectiva, Ivan Leonidov, 1934. (Cooke et al., 1989, p. 63) ................................................ 172 Ilustração 203 - “On the Future of Architecture” na BLUEPRINT Nº 157, capa e título, Jean Baudrillard, 1999. (Baudrillard, 1999) ............................................... 175 Ilustração 204 - “Influenza,” Jeroen Jongeleen, Manchester, Reino Unido, 2004. (Seno, 2010, p. 155) ............................................................................................ 178 Ilustração 205 - Mural de influências (primeira metade): Bertolt Brecht com uma camisa de alças que tem “daily practice of theory makes me” escrito; o “dedo do operário;” Rosa Luxemburgo de face tapada; e Nikolay Chernyshevsky, Chto Delat?. Exposição “Às Artes Cidadãos!” (Ilustração nossa, 2010, Fundação Serralves) ............................................................................................................ 179 Ilustração 206 - Mural de influências (segunda metade): Nikolay Chernyshevsky; Guy Debord a fumar charuto; e Vladimir Lenine com uma camisola que tem escrito à frente “2+2” e na manga “practicing Godard”, Chto Delat?. Exposição “Às Artes Cidadãos!” (Ilustração nossa, 2010, Fundação Serralves) ........................ 179 Ilustrações 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213 - Storyboard representativo da relação irónica ideologia/poder. (Bansky, 2006, pp. 88-89) ................................ 181 Ilustração 214 - “Broken Promises/Falsas Promesas,” John Fekner, Nova Iorque, 1980. (Seno, 2010, pp. 86-87) ............................................................................ 182 Ilustração 215 - “Growth Decay,” John Fekner, Nova Iorque, 1978. (Seno, 2010, p. 212) ..................................................................................................................... 182 Ilustração 216 - “Plug-in City,” Peter Cook, 1964. (Buckley et al., 2011, pp. 84, 85) ............................................................................................................................ 183 Ilustrações 217, 218 - Miradouro de Krestovski Pereval, representativo dos dois séculos de “amizade” russo-georgiana, George Chakhava, Geórgia, 1983. (Chaubin, 2011, pp. 284-285) ............................................................................. 187 Ilustrações 219, 220 - Memorial representativo das execuções colectivas ligadas ao Holocausto, Alfonsas Ambraziünas, Lituânia, 1983. (Chaubin, 2011, pp. 290291) ..................................................................................................................... 188
Ilustração 221 - Spomenik Kozara, Dušan Džamonja, Sérvia, 1972. (Neutelings, 2010, p. 27) ......................................................................................................... 188 Ilustração 222 - Ministério das auto-estradas da Geórgia, George Chakhava, Tbilissi, 1974. (Chaubin, 2011, pp. 104-105) ...................................................... 190 Ilustração 223 - “Habitat 67”, Moshe Safdie, Montreal, 1967. (Gossel, 2010, p. 466) ............................................................................................................................ 190 Ilustração 224 - Centro de Radiodifusão e de Imprensa de Yamanashi, Kenzo Tange, Kofú, 1966. (Gossel, 2010, p. 526) ......................................................... 190 Ilustração 225 - “Cidade sobre pilotis”, Lazar Khidekel, perspectiva e corte, 192528. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 302) ........................................................ 190 Ilustrações 226, 227 - “Cidade sobre pilotis”, Lazar Khidekel, axonometria, corte e perspectiva, 1927-29. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 303) .......................... 190 Ilustrações 228, 229 - Projecto para garagem para 1000 carros, Konstantin Melnikov, perspectiva e alçado, Paris, 1925. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 296) ..................................................................................................................... 191 Ilustração 230 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, axonometria, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) ............................................... 191 Ilustração 231 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, planeamento urbano, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) .............................. 191 Ilustração 232 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, corte, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) .............................................................. 191 Ilustração 233 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, perspectiva, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) ............................................... 191 Ilustração 234 - “Cities of the Avant-Garde,” WAI Think Tank (Nathalie Frankowski e Cruz Garcia), 2011. (Pohl, 2012) ........................................................................ 192 Ilustrações 235, 236, 237 - Derzhprom, fotografia aérea da construção, detalhe de pormenor de um dos pórticos exteriores, planta geral da praça Dzerzhinsky (actual “praça da liberdade”), Kharkov, 1925-28. (Kahn-Magomedov et al., 1987, pp. 292-293) ........................................................................................................ 194
Ilustrações 238, 239 - Derzhprom, fotografia panorâmica da frente principal e respectiva planta, Kharkov, 1925-28. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 293) .. 195 Ilustração 240 - Modus: Localização, 2009. (Ilustração do Google Earth, preto e branco nosso, vermelho nosso) .......................................................................... 196 Ilustração 241 - Modus: Contexto e primeiras premissas, planta territorial, 2009. (Ilustração nossa) ................................................................................................ 197 Ilustração 242 - Modus: Estratégia territorial, esquisso sobre planta, 2009. (Ilustração nossa) ................................................................................................ 198 Ilustração 243 - Bateria da Raposeira, 2009. (Ilustração nossa) ........................... 199 Ilustração 244 - Ruínas pela mata da Cova do Vapor, 2009. (Ilustração nossa) .. 199 Ilustração 245 - Ruínas pela mata da Cova do Vapor, 2009. (Ilustração nossa) .. 199 Ilustração 246 - Vista da Bateria da Raposeira sobre o Forte de São Lourenço do Bugio, 2009. (Ilustração nossa) ........................................................................... 199 Ilustração 247 - Trafaria: panorâmica Trafaria, Silopor, Torrão I e Torrão II, 2009. (Ilustração nossa) ................................................................................................ 200 Ilustração 248 - Modus: Planta geral final da intervenção, 2009. (Ilustração nossa) ............................................................................................................................ 201 Ilustração 249 - Plantas da plataforma habitacional que tentam traduzir vários níveis de apropriação, escala 1/5000. (Ilustração nossa) ............................................. 202 Ilustração 250 - Módulos representativos de possibilidades base e detalhe do modo como se integrariam na estrutura. (Ilustração nossa) ......................................... 203 Ilustração 251 - Composições habitacionais experimentais, elevadas ao extremo de serem pensadas unicamente ou sob o plano vertical, ou sob o plano horizontal. (Ilustração nossa) ................................................................................................ 204 Ilustração 252 - Composição habitacional desenvolvida em ambos os eixos (horizontal e vertical) da estrutura. (Ilustração nossa) ........................................ 205 Ilustração 253 - “Corte expressionista” da plataforma de habitação no contexto local. (Ilustração nossa) ...................................................................................... 206
Ilustração 254 - Detalhes da maqueta do projecto Modus, escala 1/2000. (Ilustração nossa) .................................................................................................................. 207 Ilustração 255 - “Definição humana.” (Ilustração nossa) ....................................... 209
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SUM ÁRIO РЕЗЮМЕ
1. Introdução ............................................................................... 45 2. Sociedade como essência ........................................................ 51 2.1. Construtivismo ............................................................................. 52 2.1.1. Praxis ..................................................................................................................... 52 2.1.2. Kropotkin (a origem) ............................................................................................ 62 2.1.3. O novo homem e o homem novo ........................................................................ 64 2.1.4. Deus ex machina ................................................................................................. 81 2.2. Rússia e Europa ........................................................................... 88 2.2.1. Antes da revolução de 1917 ............................................................................... 88 2.2.2. A revolução ........................................................................................................... 93 2.2.3. Comunismo poético e a abstracção de poder ................................................... 99
3. Arte como pavio ..................................................................... 101 3.1. Novo pensar do século xx ........................................................... 102 3.2. A geom etria e a abstracção ........................................................ 110 3.3. O laboratório .............................................................................. 113
4. Arquitectura como meio ......................................................... 123 4.1. M odernism o Soviético ................................................................ 124 4.1.1. Arquitectura [a]política (=social?) .................................................................... 124 4.1.2. Tatlin .................................................................................................................. 144 4.1.3. Melnikov............................................................................................................. 147 4.1.4. Golosov .............................................................................................................. 150 4.1.5. irmãos Vesnin .................................................................................................... 153 4.1.6. Ginzburg ............................................................................................................. 158 4.1.7. Chernikhov ......................................................................................................... 163 4.1.8. Leonidov ............................................................................................................ 168 4.2. hyNchustrutivism o ...................................................................... 173 4.2.1. Jean Baudrillard e a radicalidade da verdade ................................................ 174 4.2.2. Praxis da actualidade ....................................................................................... 179 4.2.3. Estilo activo........................................................................................................ 185 4.2.4. Modus [projecto] ............................................................................................... 196
5. Conclusão .............................................................................. 209 Referências ................................................................................. 213 Bibliografia ................................................................................. 217 Glossário ..................................................................................... 219 Apêndices ................................................................................... 221 Anexos ........................................................................................ 225 Lista de anexos ........................................................................... 227 Índice de títulos .......................................................................... 329 Índice de autores ........................................................................ 331 Índice de assuntos ...................................................................... 333
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
1. INTRODUÇÃO ВВЕДЕНИЕ
Whether you think of consciousness as a light (the lumens naturae of Cartesian philosophy or the sparkling light bulb of comic strips), a patriarchal helmsman or pilot (a metaphor dear to Renaissance poets and moralists alike), a mirror (or even a mirror-like tabula rasa) or, in the postmodern fashion, a nexus (a neutral net, a computer web or the ‘architecture’ of a chip), your discourse will invoke spatial metaphors. Freud’s analysis of consciousness as a series of distinct functions, moving upwards from id to superego, actually constructs a narrow tower. It is a tower that imperiously summons into use further metaphors of light, reflection, a helmsman (the superego) and a nexus of commands ( a censor, a system od repression): it is monumentally spatial in all its nooks, branches and layers. (Featherstone et al., 2000, p. 253)
Ilustração 1 - “A ecologia do medo.” (Ilustração nossa)
Ilustração 1 - “A ecologia do medo.” (Ilustração nossa)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Colide no mesmo local uma série de componentes que geram um dos maiores insultos ao homem e à sua razão de existência. A grande maioria das existências históricas, que sendo militares destacariam o homem, a sua inteligência e a sua força, estão ao abandono. A evolução destaca-se sem o homem como centro fundamental, o seu gigantismo esmaga os humildes sistemas urbanos, que por sua vez, socialmente, cada vez mais se desmoronam. Trafaria e Cova do Vapor, demarcam um dos lugares com mais potencial do país, contemplando uma das mais belas noções de mar, de rio, de cidade (Lisboa), com uma interactividade histórica entre margens cheia de carácter, com enumeras possibilidades de a actualizar, desenvolver e contemplar, e com uma natureza e topografia imponentes, ainda pouco exploradas, que estando “de costas para o sol” salientam outras tantas possibilidades de luz e sombra naturais tornando o todo único. Tempo e homem. Natura e cultura. Evolução e criação. Condições que coexistem e que juntas proclamam o acto de existir. Não se pretende neste documento responder a conceitos de tamanha complexidade que ainda hoje disso carecem. Este trabalho pretende apenas uma lógica que deles subsista reflectindo na arte e na arquitectura essa proclamação, a sua consciencialização e respectiva expressividade. O homem e a máquina têm o papel principal na reflexão construtivista. hyNchustrutivismo tenta por sua vez criar uma linguagem actual com base na genuinidade construtivista de forma a questionar a segregação pós-modernista e a encontrar soluções, sempre em prol do lugar. A sociedade dita a verdadeira inspiração no pensar em arquitectura e a máquina no pensar do futuro. Aliadas, são uma arma que, dependendo tanto da sua reflexão como manipulação, tanto pode contribuir para o revigoramento como para a destruição de lugar. A praxis surge como o fundamental do pensamento que gera arquitectura. Entre os dois elementos essenciais já mencionados, homem e máquina, subsiste tanto a poesia como a verdadeira essência das variadas noções de poder. Sobressaem complexas contradições e definições de fronteira (física, psíquica, política e filosófica) que não só nos levam ao que de mais essencial em nós vive, como, face à sua subjectividade, o construtivismo responde, em muito, de forma5 inquestionável, por mais utópica que a resposta tenha sido.
5
Procurou-se na elaboração deste documento, ao utilizar-se uma locução conjuncional consecutiva, não optar pela palavra “forma” para a sua composição, pois por si só abrange um significado que em muito se relaciona com arte e com arquitectura, embora neste caso tenha sido propositada a utilização e possíveis analogias.
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Esta pesquisa defende a crítica, especialmente face ao carisma do tema que aqui se expõe, como reconhecimento da verdadeira essência do modo de pensar. A crítica intemporal, de hoje, de ontem. A evolução e a evolução de como se reflecte sobre a evolução. As primeiras três décadas do século XX na Rússia representam um novo modo de pensar que confrontou, derrotou e actualizou um enraizamento absolutista secular. É o cerne investigado mas também o ponto de partida para a sua consolidação actual, pois não se pretende de todo abandonar essa relação directa com a actualidade nem a realidade de que é uma condição que permanece[rá]. Partindo de um dos momentos mais dinâmicos da história, na busca de uma nova arte, de um novo homem, sob a complexidade do contexto geral da Rússia de então, verifica-se uma efervescência humana sem igual, de onde nasce manifesto atrás de manifesto (dignos dessa designação), verso atrás de verso, acto atrás de acto. É precisamente essa ebulição que se procura verter sobre pacifismo crítico pósmodernista. Todo o “reino descartável” bebia dessa agitação e comunicava sob a mesma linguagem. Como tal, a par com a arquitectura (que por si só, grande parte seria “arquitectura de papel”), a publicação periódica (revistas e jornais), a brochura, o panfleto, o cartaz, a ilustração, e principalmente, como já mencionado, o manifesto, seriam fundamentais nessa demarcação do homem como centro do todo, através dos quais a argumentação ganharia as suas raízes pela sociedade. É necessária esta abordagem para se perceber a exaustão que se dedicava à experimentação, como esta passava de um contexto bidimensional de comunicação para a experimentação no espaço, através da matéria, através da forma. A história vai-se sucedendo, e a verdade é que o homem cada vez mais a ela recorre para argumentar, para consistir a sua acção. Uma das premissas deste trabalho é o construtivismo russo ser pioneiro na elevação de um determinado modo de pensar ao seu extremo. O domínio da abstracção só existe quando a complexidade e a simplicidade intelectuais se juntam. É aqui que a era construtivista se destaca, nesta capacidade intelecto-social de negar o supérfluo e cingir a comunicação à mais complexa exactidão. Assume a sua posição tanto face às obrigações como às aspirações do novo homem. Salienta-se neste trabalho como a arte em comunhão com a máquina e o seu formalismo e gigantismo, tanto físico como significativo, se apoderam de todas as formas de expressão: nas manifestações, nas comemorações, no teatro, no cinema, na poesia, na arquitectura. Toma-se como essencial o modo como o novo modo de vida abraçava o dia-a-dia da sociedade e procura-se relatar uma pequena parte desse activismo.
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
A Rússia sempre demarcou um percurso muito próprio, quase isolado da Europa, do mundo. Contudo, as relações são evidentes. A sua origem passa por um processo político-artístico extenso, desde o final do século XIX até à Primeira Guerra Mundial, cujo apogeu se identifica na revolução de outubro. Por mais que se afirme que o construtivismo está para a Rússia, como a Bauhaus está para a Alemanha, como o vorticismo está para Inglaterra, como o futurismo está para Itália, não será totalmente correcto. O construtivismo está bem distante do fascismo do futurismo italiano, da fragilidade do vorticismo inglês, como do institucionalismo da Bauhaus. O construtivismo é um acto social, que surge numa mudança de regime consumada e colabora mutuamente com a mesma na perseguição da utopia socialista-comunista. Este trabalho tem como princípio que o que de mais essencial vive na existência humana, é a coexistência. Daí surgiram uma série de outros conceitos que ajudaram ao longo do tempo a compor história. É do acto de coexistir que nasce a noção de comunidade, de onde por sua vez se geram todos os modelos de sociedade que conhecemos até hoje, e o que daí advém (sistema, comunicação, hierarquia, poder, política, etc.). Embora seja quase definitivamente impossível existir um sistema universalmente conveniente, numa última premissa, a contradição construtivista salienta uma abordagem diversificada ao mesmo objectivo, o que mais uma vez vem a confirmar a coexistência, visto que todas as vertentes subsistem na evocação do homem, como fundamental: se num lado está Chernikhov, noutro estarão os Vesnin; num Mayakovsky, noutro Tolstoy; num Lenine, noutro Kropotkin. Está tudo patente no laboratório onde se desenvolve o construtivismo, embora esteja igualmente patente a negação desse equilíbrio. Muitas das vertentes pré e construtivistas notificam-se como únicas, autónomas e independentes, indiferentes ao que as rodeia, quando na realidade o que verdadeiramente as caracteriza é a reivindicação da sua negação. O construtivismo abrange um colectivo activista composto por uma grande variedade de individualismos na reflexão da arte e da arquitectura na sociedade. Isto é, o artista/arquitecto tanto precisa de agir em colectivo para demarcação dos novos ideais como procura incansavelmente destacar as suas premissas, sejam elas técnicas, plásticas ou exclusivamente teóricas, na sua afirmação na sociedade da arte. “The initiative individual is the refraction point of the collective’s creativity and brings realization to the idea.” 6 (Tatlin apud Kiaer, 2005, p. 43). Como tal, procurou-se esquematizar a organização lógica deste trabalho sob os temas mais representativos da era construtivista, consequentemente do pensar hyNchustrutivista, muitas vezes sob o nome do seu melhor representante. 6
“A iniciativa individual é o ponto de refracção da criatividade colectiva e traz concretização à ideia.” (Tradução nossa)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Defende-se nesta dissertação a fusão lógica de várias perspectivas que centralizem o homem e a sua expressão. Construtivismo é tanto o resultado como a impulsão de uma complexidade que ainda hoje se testemunha na política, na sociedade, na arte, na arquitectura. hyNchustrutivismo será a transposição do activismo construtivista para o contexto e possibilidades actuais. Numa pesquisa sobre a evolução dessa manifestação crítica, destaca-se como, por mais que hoje ainda se adopte a designação de “manifesto,” o último encontrado digno desse nome, “On the Future of Architecture,” 1999, onde Jean Baudrillard questiona isso mesmo usando como representação
dessa
vulnerabilidade
da
verdade,
longe
de
metaforismo,
a
arquitectura.
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
2. SOCIEDADE
COM O ESSÊNCIA
ОБЩЕСТВО КАК СУЩНОСТЬ
Architecture has always been serving power and authority within society. It has always been serving wealth and the wealthy and is certainly going on to play this role further, because it is suitable for monumentalizing, mythologizing and confirming the people who are already powerful and so to convince the not rich that the interests of the rich are as well theirs. (Woods apud Noever, 1993, p. 85)
Ilustração 2 - “A inevitabilidade do limite,” (Ilustração nossa)
Ilustração 2 - “A inevitabilidade do limite.” (Ilustração nossa)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
2.1. CONSTRUTIVISMO КОНСТРУКТИВИЗМ
Em 1927, depois de uma visita a Moscovo, Walter Benjamin desenha o todo soviético. A particularidade dominante da fisionomia da cidade não é o edifício, o local, mas “the ruling passion” pela experimentação. “Each thought, each day, each life lies here as on a laboratory table. And as if it were a metal from which an unknown substance is by every means to be extracted […]”7 (Gough, 2005, p. 1).
2.1.1. PRAXIS ПРАКТИКА
“Às Artes, Cidadãos!”8 Construtivismo emerge da revolução. A desilusão (tanto no sentido de decepção como de desengano) com a cidade9 despertou a força da revolta e da renovação, ironicamente acompanhada de uma nova ilusão, o comunismo10. O interessante de uma revolução é que tem como característica principal reagir contra o meio que lhe deu forma. A utopia entra em cena elevando ao extremo o que a contradição necessidade/aspiração tem de pior, a ilusão de perfeição. Mutagénese histórica só acontece quando se trespassam os limites humanos, quando a realidade ganha uma nova dimensão. Contudo, são contextos exaustivos, ambíguos e contraditórios. Construtivismo não é excepção. A arquitectura alia-se à revolução representando a sua prática mais eficaz, e sublinhando uma das questões que ainda hoje perdura sobre a sua neutralidade. Actualmente ainda se discute se a arquitectura sobreviveria neutra, sem revolução. Ou se terá sempre que demarcar uma posição, reivindicando, redefinindo, afirmando. Um conceito que abrange mais que um momento da história, mais que um estilo, mais que uma revolução. Abrange uma série de contradições, mas que efectivamente coexistem sob os mesmos princípios. Serve o presente capítulo como composição de uma retrospectiva da era construtivista em que se defende a
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“Cada pensamento, cada dia, cada vida, existe como numa mesa de laboratório, como se fosse um pedaço de metal, do qual uma substância desconhecida teria que, a qualquer custo, ser extraída.” (Tradução nossa). 8 “Às Artes, Cidadãos!”, Fundação Serralves, Porto, 21 de novembro de 2010 a 13 de março de 2011. Uma exposição que será referenciada várias vezes neste capítulo e sob várias perspectivas por englobar uma selecção distinta de activistas da actualidade que se manifestam assumidamente sob a voz do passado: “A exposição ‘Às Artes, Cidadãos!’ incide sobre algumas das intersecções que a arte e o político, entendido como acção, representação ou referência, manifestam na actualidade.” 9 “Cidade” como sistema, não resumida à composição urbana mas a tudo o que envolve essa concepção. 10 Comunismo dota de uma complexidade tão abrangente que tem permitido, ao longo do tempo, o mais diverso tipo de abordagens. Construtivismo tenta exaustivamente submeter-se aos seus princípios mais genuínos, sendo essa uma das suas premissas base, embora seja hoje possível perceber o verdadeiro teor utópico de tal tentativa.
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contradição como essencial na catarse inerente a essa metamorfose, onde a tradicional opressão se torna o foco principal do novo sistema.
Ilustração 3 - “Capitalism Kills Love,” Claire Fontaine. Exposição “Às Artes Cidadãos!” (Ilustração nossa, 2010, Fundação Serralves)
In schematic form, Moscow, as it appears at this very moment, reveals the full range of possibilities: above all, the possibility of the revolution’s utter failure and of its success. In both instances, however, there will be something unforeseeable whose appearance will be vastly different from any programmatic painting of the future. 11 (Gough, 2005, p. 1)
A praxis construtivista vive sobre a emancipação artística mas sob a opressão política, sendo normalmente a primeira consequência da segunda. Procura-se quebrar ligações com o passado a todos os níveis, a construção de uma nova sociedade. A sociedade que não se rende ao fetiche da comodidade nem ao consumismo capitalistas que cada vez mais vigoravam desde a revolução industrial. A sociedade em que a arte, no geral, mais activista que nunca, ganha a dimensão do homem. “[…] object-as-comrade.”12 (Kiaer, 2005, p. 1). A sociedade em que a própria composição do objecto é tão essencial quanto o todo, o material, a matéria. A sociedade filha da fábrica. A sociedade mãe da acção. Por si só, o conceito de emancipação enquadra-nos na realidade da praxis, levantando enumeras questões dessas intersecções artístico-políticas, que sugerem, uma vez mais, acção, tornando-se referência e inevitavelmente ainda se manifestando na actualidade. Construtivismo faz fronteira directa com essas questões, talvez por isso mesmo esteve longe de ser um sucesso prático. Embebido na utopia de que um país viveria para o povo, face a um capitalismo camuflado de uma ditadura socialista, 11
“De forma esquemática, Moscovo, como se apresenta neste preciso momento, revela a mais completa variedade de possibilidades: sobretudo, a possibilidade do seu total fracasso e do seu sucesso. Em ambos os casos, porém, existirá algo imprevisível cuja aparência será verdadeiramente diferente de qualquer pintura programática do futuro.” (Tradução nossa). 12 “[...] objecto-como-camarada.” (Tradução nossa).
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dificilmente subsistiria a verdade e liberdade artística. Numa época em que toda a componente abstracta colide com os maiores avanços científicos e tecnológicos, na Rússia, entre 1914 e 1935, produzir arte e construir edifícios eram processos encarados como subconjuntos um do outro, como actividades não tanto que se processavam em paralelo mas que conjuntamente se dedicavam a construir uma revolução. Junta-se na mesma campânula o comunismo de Karl Marx13 e Friedrich Engels14, o socialismo15 de Leon Trotsky16 e Vladimir Lenine17, a anarquia18 de Piotr Kropotkin19, o cubismo20 europeu, o futurismo21 de Vladimir Mayakovsky22, a intuição de Vladimir Tatlin
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, o produtivismo
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de Aleksandr Rodchenko
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e Varvara
Stepanova 26 , o suprematismo 27 de Kazimir Malevich 28 com o cinetismo 29 de Naum Gabo 30 e Antoine Pevsner 31 , a razão de El Lissitzky 32 , a utopia a todos inerente, resultado: construtivismo. É imediata a dúvida na compatibilidade do novo comunismo e das suas exigências sociopolíticas sobre um povo, culturalmente, seriamente básico com o formalismo e abstração da era construtivista. Várias vertentes forçosamente surgiram de encontro a essa resposta, uma resposta para todos. Duas tendências principais demarcam a evolução construtivista, o funcionalismo e o utilitarismo aliados na concentração 13
Karl Marx (1818-1883), por muitos referenciado como pai do comunismo, sociólogo, economista político, filósofo e revolucionário alemão, importante pela sua desmesurada influência nos princípios sociais construtivistas. 14 Friedrich Engels (1820-1885), industrialista, sociólogo, revolucionário, teórico político e filósofo alemão, a par com Marx, desenvolve uma vertente comunista, mais ligada à revolução. 15 Socialismo: sistema político-económico cuja base social se estruturaria sobre políticas de produção. 16 Leon Trotsky (1879-1940), revolucionário, político e fundador russo do exército vermelho, o estratega mais activo da revolução. A relação directa entre o povo e exército. 17 Vladimir Ilyich Lenine (1870-1924), revolucionário bolchevista e político russo, pensador e criador do leninismo-marxismo, a ponte entre a vida e o futuro, líder soviético. 18 Anarquia: merecia maior destaque nesta dissertação, embora pela sua expressão e fundamentação extremista seja frequentemente considerada pejorativamente, denota muito da verdade subjacente. 19 Piotr Kropotkin (1842-1921), escritor, cientista, filósofo, revolucionário, activista e zoologista russo, fundamental neste trabalho pelo seu anarco-comunismo mortalmente assertivo, a ponte entre a mais pura essência humana e o indagar persistente do que a gere. 20 Cubismo: vertente artística que surge neste trabalho como a origem do pensamento construtivista. 21 Futurismo: o mais vigoroso desprezo pela arte burguesa, a mais directa relação artística com o proletariado. Mas é importante a distinção entre o futurismo russo e o italiano, este último fascista e elitista, muito longe da essência construtivista. 22 Vladimir Mayakovsky (1893-1930), poeta, pintor, guionista, designer e revolucionário, o futurista russo que melhor se expressa no contexto construtivista. 23 Vladimir Tatlin (1885-1953), pintor e escultor russo, era a ponte mais utilitária entre homem e objecto. 24 Produtivismo: corrente socialista que pretende ser uma política económica sustentável para a humanidade, sem nunca se ter concretamente a noção se chega a passar de utopia. 25 Aleksandr Rodchenko (1891-1956), artista, escultor, fotógrafo e designer gráfico russo, um dos melhores exemplos de activismo construtivista. 26 Varvara Stepanova (1894-1958), ao lado de Popova, a mais conhecida designer russa construtivista. 27 Suprematismo: a vertente artística malevichiana do novo pensar moderno russo. 28 Kazimir Malevich (1879-1935), pintor, escultor e teórico de arte russo, pai do suprematismo, artista abstracto, referência de muitos dos mais genuínos princípios construtivistas. 29 Cinetismo: a vertente artística que permitia que o movimento interagisse na sua mensagem. 30 Naum Gabo (1890-1977), escultor e teórico de arte russo, o melhor exemplo de cinetismo. 31 Antoine Pevsner (1886-1962), escultor russo, irmão de Gabo, juntos elaboram o “Manifesto realista.” 32 El Lissitzky (1890-1941), artista multifacetado russo, o mais internacional dos construtivistas.
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exaustiva dedicada ao objecto do dia a dia, contrariamente à tendência nãodeterminista que se preocuparia mais com a noção de processo que com a de produto. Qualquer das convicções permitiu, pela primeira vez na história, ao artista construtivista actuar sob um meio industrial. Como modelo, construtivismo na sua contradição, provocação e emoção, explica como “[…] formalism, functionalism, and failure – that are of central importance to our understanding not only of the Soviet phenomenon but also of the European vanguards more generally.” 33 (Gough, 2005). Curiosamente, nas diferenças idiomáticas é onde se encontra umas das melhores explicações da sua verdadeira origem. O idioma russo contém uma série de palavras cuja tradução passa por “construção,” mas apenas duas delas têm literalmente essa definição sendo ainda assim completamente distintas. строить (Stroitel’stvo34) que significa construir, no sentido de “botas enlameadas no local de obras” (Cooke et al., 1989, p. 11). E конструировать (Konstruktsiia), cujo significado é o mesmo mas no sentido de organização estrutural. Relativo à construção de argumentos através da composição de sequencias de ideias. No idioma russo, é de конструировать que o termo construtivismo (конструктивизм) advém. Uma categoria intelectual, tal como os próprios construtivistas gostavam de lhe chamar (Cooke et al., 1989, p. 12). Embora a tendência construtivista tenha ganho alguma forma e conteúdo muito antes, o artista russo só começaria a chamar ao seu trabalho construção e a si mesmo construtivista depois da revolução de outubro de 1917. Até aqui a abstracção sugeria vários princípios mas percebe-se claramente este momento de consolidação da vontade, de estilo e de estratégia. Antes da revolução, Malevich e Tatlin (ilustrações 4, 5 e 6, 7, 8, respectivamente), entre outros, demarcam bem a intuição abstracta como método na exploração das qualidades de textura, espaço e forma, em combinações de novos materiais, como o metal, vidro, madeira e cartão. Rodchenko, Stepanova, Karl Ioganson35, Konstantin Medunetsky36, e os irmãos Georgi e Vladimir Stenberg 37 são os pioneiros na noção de experimentação laboratorial. Declaravam principalmente que a noção tradicional de obra de arte era absolutamente rejeitada, como produto fruto de uma genialidade individual ou de uma comodidade vendável. 33
“[...] formalismo, funcionalismo, e fracasso – são da maior importância para o nosso entendimento não só do fenómeno soviético como das vanguardas europeias em geral.” (Tradução nossa). 34 Transliteração será, ao longo da dissertação (com excepção de títulos) a par com a tradução, componente da utilização de palavras, frases ou acrónimos russos. Como parte do entendimento da relação entre os alfabetos cirílico e latim, para uma mais fácil leitura e consequente registo. Neste seguimento, sempre que algum conceito russo se repetir, o que constará em texto será a sua transliteração. 35 Karl Ioganson (1890-1929), designer e escultor russo, mestre na síntese da ideia desenhada, dedicavase a estruturas espaciais complexas, sendo por alguns considerado o pai da tensegridade. 36 Konstantin Medunetsky (1899-1935), escultor, pintor e pensador russo. 37 Vladimir Stenberg (1899-1982) e Georgy Stenberg (1900-1933), escultores e designers russos, um pouco como Ioganson, dedicavam-se a essa síntese estrutural, principalmente nas suas esculturas.
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Em vez, procurava-se desenvolver um novo modo de actividade criativa onde se fundiriam objectivos formais, ideológicos e utilitários. Ou seja, uma arte muito mais apropriada às necessidades e aos valores colectivos desta nova ordem pósrevolucionária, na qual o trabalhador, teoricamente, reinava como supremo. Em março de 1921, fundou-se a INKhUK 38 , que ao ser composta por vários sectores, esses artistas, aliados ao escritor Aleksei Gan39, representavam o sector Grupo de Trabalho de Construtivistas, consumando assim em muitas publicações, desde então, que daí proveio a designação construtivismo, embora a origem mais frequentemente defendida seja a exposição no “café dos poetas.”40
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Ilustrações 4 - Capa do manifesto ”On New Systems in Art/Statics & Speed,” que embora date 1919, representa o pensar de Kazimir Malevich, exposto em 1915. (Railing, 1999, p. 48) 42 Ilustração 5 - “Exposição 0.10: A Última Exposição Futurista,” Kazimir Malevich, Petrogrado , 1915. (Gough, 2005, p. 22) Ilustração 6 - “Relevo de Pintura,” Vladimir Tatlin, madeira, gesso, alcatrão, vidro, metal laminado, 1915. (Kiaer, 2005, p. 51) Ilustração 7 - “Contra-Relevo (Conjugação Material),” Tatlin, madeira, pau-rosa, abeto, metal, 1917. (Perloff et al., 2003, p. 38) Ilustração 8 - “Contra-Relevo de Canto nº 133,” Vladimir Tatlin, alumínio e folha de estanho, pigmento de óleo, tinta primária, fio e componentes de fixação, 1915. (Kiaer, 2005, p. 51) 38
INKhUK: Instituto de Cultura Artística de Moscovo, representa a primeira comunidade de princípios assumidamente construtivistas. Slogan: “Da representação para a construção.” 39 Aleksei Gan (1889-1942), teórico e artista russo, primeiro gestor de princípios construtivistas já sob essa designação e autor do primeiro manifesto: Konstruktivizm. 40 Поэты кафе (Kafe Poetov), em Moscovo, segundo consta seria um local muito frequentado pelos intelectuais da época (artistas, filósofos, poetas, etc.) e é onde se realiza a exposição em que no catálogo constaria, pela primeira vez, literalmente o termo “construtivismo,” como movimento moderno, em 1922. 41 “Abaixo com o antigo mundo de arte. Que seja atravessado pelas palmas das vossas mãos;” “Sobre Novos Sistemas em Arte/Estática, Velocidade; Resolução A; Malevich K.” 42 Actual São Petersburgo. Em 1914, com a primeira guerra mundial, Alemanha tornava-se inimigo directo da Rússia. Como “São Petersburgo” soava demasiado alemão para os russos contemporâneos, alterouse o nome da então capital russa para Petrogrado, como Aleksandr Pushkin já o teria feito num dos seus poemas em 1830. Em estratégia de demarcação como cidade socialista, em 1924, três dias após a morte de Lenine, passa a chamar-se Leninegrado. Mais tarde, com o declínio da União Soviética em 1991, volta ao seu nome original São Petersburgo. Neste estudo tenta-se, como na maior parte das publicações estudadas, manter o nome da cidade respectivo ao contexto em que se insere.
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Reuniam-se para debater teoricamente a verdadeira distinção entre composição e construção enquanto princípios de organização artística. Reuniões concretizadas no Grupo de Trabalho de Análise Objectiva, também sector da INKhUK. A palavra construção parecia abranger tudo o que os definia. Conotações de tecnologia e engenharia, consequentemente era caracterizada pela economia de materiais, precisão, clareza de organização e ausência da decoração, de elementos supérfluos. Curiosamente, todo o processo de experimentação não se restringe à noção de laboratório, mas invade todos os aspectos da vida quotidiana da Moscovo soviética. Como consequência imediata deste desejo inquietante de extracção do desconhecido, existe uma metamorfose a um passo demasiado acelerado, tanto topográfico como administrativo. Tudo muda. A vida muda, a cidade muda. O tecido que resulta de toda essa experimentação, no laboratório da cidade, chama-se construtivismo. ”Over the course of the early 1920, it puts on the laboratory table one problem after another – composition, construction, excess, faktura43, tectonics, economy, modularity, purpose, structure, function, production, process, the object, and, most fundamentally of all, the artist’s right to exist […]” 44 (Gough, 2005, pp. 1-2). Uma das características mais interessantes deste processo laboratorial, as operações construtivistas, é que seriam concebidas como obras de arte e todo o seu fundamento experimental seria enfatizado pela sua própria exposição, pois eram apresentadas como demonstrações, como conversas, como peças45 (ilustrações 9, 10 e 11). Para além da obra de arte, existia uma rede de troca, tanto verbal como escrita, de quem defendia e praticava o construtivismo. At times, these operations appear, especially in retrospect, as instantiations of an internal process cloistered from the incursions of everyday life, but that perception is illusory – there is nothing pristine about the conditions within which Constructivism invents and reinvents itself, conditions at once methodical and manic, continually informed and reinformed by the protean policies and machineries of the fledgling Russia 46 republic. (Gough, 2005, p. 2)
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“Faktura” tem sido, ao longo da pesquisa, um palavra difícil de traduzir, quererá dizer “textura” embora num sentido mais profundo, intrínseco ao corpo do objecto produzido. 44 “No desenrolar dos primórdios dos anos 20, em cima da mesa de laboratório é, constantemente, colocado problema atrás de problema, composição, construção, excesso, faktura, tectónica, economia, modularidade, propósito, estrutura, função, produção, processo, o objecto e, o mais fundamental, o direito do artista de existir.” (Tradução nossa) 45 Entenda-se “peça” como componente de um todo (não só o todo contextual da exposição como a sociedade em si) e não o mero artigo de exposição individual[ista]. 46 “Por vezes, essas operações poderiam parecer, especialmente em retrospectiva, como estonteamento de um qualquer processo interno enclausurado pela vida quotidiana, mas essa percepção é pura ilusão, não há nada de prístino nas condições sob as quais o construtivismo se inventa e reinventa. Condições outrora metodológicas e maníacas, constantemente informada e reinformadas pelas políticas proteicas e maquinarias da incipiente república russa.” (Tradução nossa)
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Ilustrações 9, 10 - Segunda Exposição de Primavera da OBMOKhU, 1921. (Gough, 2005, p. 62) Ilustração 11 - “KPS VI,” Vladimir Stenberg, 1921. (Gough, 2005, p. 97)
Tudo estava em cima dessa mesa de laboratório, qual seria efectivamente o verdadeiro papel do artista e sua eficácia de nessa revolução vanguardista? E como revolução não se entende meramente a revolução de outubro de 1917, há também todas as incertezas da guerra civil 47 (1918 a 1921) em que os bolcheviques predominaram na sua vitória colossal, há toda a Nova Política Económica48 (que se desenvolveu entre 1921 e 1928). Respostas ansiadas a enumeras novas questões, difíceis de decifrar. Para os construtivistas, o seu papel e a sua eficácia tinham uma urgência inquestionável. Pois tinham não só que ripostar toda a noção burguesa de artista que existia devido ao anterior regime político, como também era necessário, o quanto antes, abolir a divisão mental e manual do trabalho. Uma luta em que se elevava o artista de vanguarda como exclusivo nessa produção cultural radical. Até a sua identidade de artista de vanguarda que, há mais de um século já teria sido uma noção criada e abordada em França, estava em cima da mesa: o que é o artista da vanguarda? A ideia passa por essa condição humana elevado ao extremo. O questionar. O questionar cada componente da sua vida. O futuro, o seu trabalho, o impacto político, social, o impacto universal da sua existência, do seu gesto, da sua intenção, do seu conforto, da sua paz. Experiências transicionais com materiais modernos e métodos de construção sob um prisma imune à, até então, tradicional noção de estética. O objectivo ignorava o decorativo, essencialmente era o objecto do dia-a-dia, o seu desenho. As primeiras exposições ocorreram em 1921, pela
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Guerra civil russa (outubro 1917 - outubro 1922): situação político-social pós-revolução russa de 1917, resultado do contraste de sobreposição de regimes. 48 NPE: sistema económico que visava a rápida industrialização do país, no o qual se escrevem as premissas político-sociais sobre as quais acabará por se desenhar o construtivismo.
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OBMOKhU49, em Moscovo. Composta por esculturas construídas com madeira, vidro, fio, vários tipos de metal, foram muito identificadas como peças de engenharia por quem as visitou. Exploração de espaço num compromisso com o material e a forma da tecnologia contemporânea. Ioganson e os irmãos Stenberg evocavam estruturas de engenharia, como pontes ou gruas, através de formas tipo esqueleto em madeira, metal e vidro. Já Rodchenko expunha as suas reflexões em como o plano se transforma em forma geométrica tridimensional através da sua decomposição em configurações concêntricas e da rotação dessas partes segundo eixos específicos, “completamente permeado pelo espaço.” (Oxford University Press, 2009). Logo em 1922, é perceptível a renúncia construtivista de formatos artísticos convencionais. Rodchenko e os artistas que o acompanhavam, começaram a desenvolver uma nova metodologia de desenho dentro do contexto da VKhUTEMAS50, igualmente em Moscovo, que rapidamente se expandiu para outras áreas práticas de produção que envolviam tipografia, trabalho gráfico, desenho tridimensional e arquitectura. Ainda em meados desse mesmo ano, a complexidade construtivista sistematiza-se passando a ser composta por duas vertentes fundamentais, particularmente quando El Lissitzky começa a exportar a matriz e a conjugá-la com outras vertentes modernistas que defenderiam os mesmos princípios pela Europa. Uma das vertentes é a própria origem, que constitui uma extrema intensificação dessa pesquisa modernista da noção de arte enquanto modo primário de produção, em vez de modo de expressão.
Ilustração 12 - Convite para a inauguração da “Second Spring Exhibition of the OBMOKhU,” 1921. (Gough, 2005, p. 73)
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OBMOKhU: Sociedade de Jovens Artistas. VKhUTEMAS: Escola Superior de Arte e Técnica.
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Ilustração 13 - “Spatial Constructions II, III, IV,” Karl Ioganson, 1920-21. (Gough, 2005, p. 81)
Um dos motes da experimentação construtivista nesse laboratório, seria a aventura da construção espacial, sendo uma das melhores demonstrações dessa essência as já referidas exposições da OBMOKhU, onde embora não exclusiva, a abstracção predominava numa tentativa de restruturação social. A outra face construtivista, atinge a sua maturidade em finais de 1921, quando alguns dos artistas já referidos percebem o carácter de produção eminente na arte. A indústria e a produção no cerne de composição artística abandonando toda a actividade experimental divorciada da vida. O artista preocupa-se agora em dar forma não ao material de arte mas a tudo aquilo que compõe o dia a dia. Na fábrica soviética acreditava-se que o construtivista iria conseguir sobrepor à autonomia putativa da arte a organização da vida social. Embora possa contribuir para uma ideia de fragilidade ao haver a necessidade de fazer distinções dentro do mesmo movimento, a verdade é precisamente o oposto. Métodos e estímulos diferentes mas com o mesmo objectivo. O individualismo burguês na pintura, na escultura, na construção espacial, ou seja, a arte obsoleta, tomava-se agora como facilitismo. Os construtivistas eram unidos na sua essência e concretizaram uma quebra radical quando defendiam a mudança do reino da estética para o reino da realidade. O arquitecto, mais que nunca, vêse portador da capacidade de agir de uma forma crítica sobre as relações tanto de poder como de produção que estruturam uma sociedade, principalmente quando o enquadramento é precisamente a realidade russa pós-revolução de outubro. A
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arquitectura é sem dúvida uma arma política e nunca será tão eficaz, a favor dessas relações estabelecidas de poder, como quando não pensada como tal. É na praxis construtivista que se defende nesta dissertação existir um dos mais carismáticos exemplos de fronteira. O compromisso utópico para com o povo assinou uma essência que destaca a Rússia como fonte dessa criatividade arquitectónica e urbana única do seu tempo, e hoje cada vez mais evocada por uma indefinição globalizada pós-modernista. Hoje inovação tem outro significado. Mesmo com a consciência de que evolução não estagna, atinge-se agora um ponto em que a história dita quase tudo, a tecnologia permite quase tudo. O manifesto deveria passar por uma simbiose interdisciplinar mais abrangente cuja premissa principal seria o consenso da identidade social. “W e have no need of other worlds. W e need mirrors. W e don’t know what to do with other worlds.” (Lem, 1968)
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2.1.2. KROPOTKIN (A ORIGEM) КРОПОТКИНА [ПРОИСХОЖДЕНИЯ]
Publicação após publicação, a origem da definição de construtivismo naturalmente varia. Na generalidade, a revolução de outubro de 1917 consta como a impulsão para essa nova realidade. Mas em relação ao homem, assume-se nesta dissertação a inevitabilidade de um pensamento precursor de construtivismo ter começado na década anterior, sendo a sua verdadeira origem ainda na segunda metade do século XIX czarista quando se assiste à consolidação intelectual russa, em torno dos anos sessenta, e Piotr Kropotkin propagou pela Europa, constantemente perseguido, a inspiração anarquista que alimentou muitos dos artistas construtivistas. Até como contrapeso ao pensamento de controlo e planeamento centralizado de Trotsky e Lenine, Kropotkin, ao dedicar muito do seu pensamento à defesa tanto de uma organização como produção localizada, ao nível de qualquer pessoa, fosse ele líder, operário ou camponês, aumenta a escala para o indivíduo no geral, livre de elitismo. Inerente a qualquer contexto activista, o conceito anarquia será sempre uma das premissas e a arte a sua melhor forma de expressão. Kropotkin, que já desde o século XIX elegia o artista como peça-chave da revolução social, sublinha claramente a noção de anarquia social ideal para completar o que, na perspectiva desta pesquisa, se define como o que faltou para que os princípios marxistas e correntes socialistas daí provenientes resultassem. Consequentemente, o eco de Kropotkin nunca separou o conceito de anarquia do de arte. O anarquismo, então, realmente representa a libertação da mente humana do domínio da religião; a libertação do corpo humano do domínio da propriedade; libertação das amarras e restrições do governo. O anarquismo representa uma ordem social baseada no agrupamento livre de indivíduos com o objectivo de produzir verdadeira riqueza social, uma ordem que garantirá a cada ser humano livre acesso à terra e aproveitamento total das necessidades da vida, de acordo com desejos, gostos e inclinações individuais. (Goldman apud Antliff, 2009, p. 12)
Neste enquadramento percebe-se muito da vontade russa nos meados do séc. XX, não em recriar, mas construir literalmente uma nova sociedade. Parece interessante esta colisão de ideais tão semelhantes através de metodologias verdadeiramente distintas, é a premissa ideal para a revolução. Por entre uma imensidão de certezas, no caos da incerteza permaneciam “convencidos de que liberdade sem socialismo é um privilégio e uma injustiça, e de que o socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade.” (Kropotkin apud Antliff, 2009, p. 12).
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O artista age sob uma inevitabilidade muito complexa. Falamos desde estética a sociedade. A sua liberdade criativa facilmente contrasta com o que é ou não aceitável. Facilmente se apodera da radicalidade para idealizar e consequentemente afirmar. Eis a arte como mais-valia, essa característica anárquica que dita as diversas verdades de uma qualquer opressão social e gere a liberdade que a essa se opõe. Kropotkin destaca-se neste documento pelo modo como gere a sua reflexão sobre o “factor de evolução.”51 Essa reflexão estende-se por toda a sua vida e abrange uma interdisciplinaridade que se demarca como essencial quando o tema é revolução, homem e sua base de existência52. Ao reunir um conhecimento profundo de geografia, zoologia, filosofia, economia, e política, sob uma essência anarco-comunista e reflexiva sobre a evolução, debruçando-se exaustivamente sobre o panteísmo goethiano, o naturalismo darwinista, o comunismo marxista e a emoção buchneriana53, consagra-se a melhor referência da origem construtivista.
51
Mutualismo: Um Factor de Evolução de Piotr Kropotkin. Vide anexo A, p. 229 - Piotr Kropotkin: The Russian Revolution and the Soviet Government: Letter to the Workers of Western Europe. O primeiro anexo porque no seu todo não só se percebe o porquê de toda a situação social do momento, logo após revolução de outubro, como antes, a sua previsão em contraste com a sua crença, que por sua vez era a crença soviética. 53 Ludwig Büchner seria um dos escritores a explorar dentro do seu extremismo emocional abrangido pelo conceito “amor.” 52
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
2.1.3. O NOVO HOMEM E O HOMEM NOVO ЧЕЛОВЕК И НОВЫЙ ЧЕЛОВЕК
Übermensch 54. Por mais que ao longo da história o novo homem tenha tido vários nomes, em Friedrich Nietzsche55 vive talvez a fonte onde hyNchustrutivismo encontra a melhor fundamentação de essência humana tanto na sua própria ideologia activista como na sua fundamentação construtivista. Sendo um dos campos mais interessantes a explorar, este documento está longe de se aproximar de uma abordagem filosófica digna desse nome. No entanto, sendo o homem indissociável da filosofia, procura-se conjugar o que foi apreendido na tentativa de criar o melhor ponto de partida conceptual hyNchustrutivista, agora não de novo homem, mas de homem. O existencialismo56 e o niilismo57 nietzschiano talvez sejam a mais genuína e completa dimensão que o homem pudesse atingir como estado máximo de auto-significação. “Imoralista,” 58 o que não o priva de moral, contesta o que então seriam os mais proeminentes programas morais (Cristianismo, Kantianismo e utilitarismo). Philosophy, as I have understood and lived it hitherto, is the voluntary living among ice and high mountains – the seeking-out of all things curious and questionable in existence, everything that has been put under a ban by morality hitherto. 59 (Nietzsche, 2004, p. 8)
Por mais socialmente dominantes que essas doutrinas se manifestassem, Nietzsche questionava honestamente (demasiado honestamente até) o que se opunha ao que ele chamaria de afirmação da vida. Preocupava-se com a genuinidade dos impulsos vitais da própria vida, logo ambicionava uma nova avaliação dos valores do mundo judeo-cristão. Na realidade, sempre existiu a necessidade de enquadrar a nossa vida numa qualquer história, num qualquer contexto que nos transcende, algo que nos convença que a razão da existência humana efectivamente subsiste em prol do divino. Completamente contra a já referida noção nietzschiana de “afirmação da vida,” com o único intuito de controlar e mover massas, gera-se a mentalidade de 54
“Übermensch,” conceito nietzschiano de uma supremacia inerente a uma nova geração de homem excepcional. 55 Friedrich Nietzsche (1844-1900), filósofo, poeta, filologista, crítico e compositor alemão, importante na definição de “novo homem” com o seu conceito de “super-humano” [Übermensch] baseado no desejo de poder existencialista cujo vitalismo e irracionalismo da sua natureza criariam o cenário ideal para o novo homem liderar como exemplo para a humanidade. 56 Existencialismo: vertente filosófica importante na concepção hyNchustrutivista de homem, como deveríamos, de grosso modo, ter a capacidade de nos resumirmos ao acto de existir, sem significado. 57 Niilismo: vertente filosófica importante também na concepção hyNchustrutivista de homem, muito interligada com o existencialismo, como questionamento persistente de leis base da vida. 58 Autodesignação nietzschiana. 59 “Filosofia, como até agora sempre a vivi e entendi, é o viver-se voluntariamente entre gelo e altas montanhas – a procura de todas as coisas curiosas e questionáveis na existência, tudo o que foi colocado sob proscrição pela moralidade de até hoje.” (Tradução nossa)
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rebanho que coexiste com a mais interesseira noção de poder. A hipocrisia subjacente ao controlo da mente, seja qual for a sua forma (religião, política, doutrinas, o próprio conhecimento, uma verdade), destroem essa honestidade (livre e absoluta) que Nietzsche considera ser a nossa virtude (Nietzsche, 1990, p. 141). Acautelem-se, filósofos e amigos do conhecimento, e defendam-se do martírio! De sofrer «a bem da verdade»! Até mesmo de se defenderem a vós próprios! Isso macula toda a inocência e bela neutralidade da vossa consciência, torna-vos obstinados contra objecções e censuras, torna-vos estúpidos, brutais e teimosos, como se na luta contra o perigo, a difamação, a suspeita, o ostracismo e mesmo mais graves consequências de hostilidade, tenham finalmente que agir como defensores da verdade na terra [...]. (Nietzsche, 1990, p. 141)
Demasiado poético ou não, a era construtivista traz esta procura da verdade sob uma crueza única na história. A Rússia vai anunciando a mudança desde os finais do século XIX consagrando-a em 1917 com a revolução de outubro. Aqui jaz a poesia. O existencialismo construtivista subsistiu apenas como ar que revitalizava os pulmões do povo russo, que por sua vez, não sabia que sairia duma ditadura para entrar noutra. No entanto, nas mais variadas artes e doutrinas russas dessa época se percebe o homem novo do século XX, que se revê claramente na noção hyNchustrutivista. O homem e o seu intelecto apoderaram-se do papel principal, e embora parte de um todo, o homem acreditaria em si como único, agiria como sabe e como entende em prol da humanidade. O artista expressa-se longe da imposição de um qualquer sistema de crença, ou de uma qualquer versão de certo ou errado, de moral ou imoral. Distante de uma mentalidade de rebanho. Livre de fascismo psicológico. Pode acontecer, disse um trapaceiro pedante moral, eu honrar e respeitar um homem altruísta: mas não por ser altruísta, mas por me parecer ter o direito de ser útil a outro homem é sua própria custa. Basta: a questão é sempre quem ele é e quem o outro é. Numa pessoa feita e destinada ao comando, por exemplo, a auto-abnegação e o recatamento modesto não seria uma virtude, mas o desperdício de uma virtude: é o que me parece. Todas as moralidades não egoístas que se tomam por incondicionais e se dirigem a todos não são um mero pecado contra o gosto: são um incitamento aos pecados por omissão, mais uma sedução sob a máscara da filantropia – e uma sedução e um ataque precisamente aos mais elevados, mais raros, mais privilegiados. As moralidades devem antes do mais ser forçadas a curvarem-se perante a ordem da classe, a sua presunção deve-lhe ser demonstrada – até finalmente compreenderem que é imoral dizer: «O que é bom para um, é bom para o outro». (Nietzsche, 1990, pp. 136-137)
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“Leges sine moribus vanae”60 por si só não carece de objectividade neste contexto a que Nietzsche chama de “niilismo activo,” quando o homem se depara com a destruição total de valores e sucumbe ao consequente nada. Nada que possibilita a construção de algo novo, que se destaca como a premissa ideal para que o übermensch nietzschiano exista, na sua mais pura essência na construção dos seus próprios valores (Nietzsche, 2006).61 Eis o cerne construtivista, seja na arte, na política ou na sociedade. Foco: homem novo, entenda-se não como uma nova versão de homem, não como uma actualização. O ser humano nunca mudou. É hoje o que sempre foi. O que difere é a evolução de tudo o resto, que mesmo que por nós proporcionada não significa a nós intrínseca. Um estado novo de consciencialização não se poderá propriamente designar de actualização, visto que parte da negação dos valores provenientes da evolução, embora ainda assim não negue a evolução. Nietzsche acreditava numa excepcionalidade humana, e ao mesmo tempo que a cingia a uma parte microscópica da humanidade, defendia a possibilidade de ser transmitida, ensinada. O homem excepcional teria a capacidade de coexistir com a existência do conhecimento de até então, mas dela não subsistir. Tal como uma referência, existe como memória, mesmo que já não necessário para a definição do valor da existência humana, esse sim, novo. “[…] and only when you have all denied me will I return to you. Indeed, with different eyes, my brothers, will I then seek my lost ones; with a different love will I love you then.”62 (Nietzsche, 2006, p. 59) O homem construtivista seria isso mesmo, fascinado pela evolução, nela via a melhor forma de expor a sua verdade, a verdadeira valorização da existência humana. O homem vivia numa paixão absoluta pela indústria e pela experimentação. Paixão significa extremo de emoção: homem, artista, político, filósofo, poeta, tanto amam como odeiam. “The person of knowledge must not only be able to love his enemies, but to hate his friends too.”63 (Nietzsche, 2006, p. 59). Todos são parte do mesmo todo, mas cada um descobre em si mesmo o que terá de mais genuíno para o explorar em prol da humanidade.
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Mote da Universidade da Pensilvânia: “Leis sem moral são inúteis.” (Tradução nossa) O conceito nietzschiano übermensch prevalece como “o significado da terra.” 62 “[...] e apenas quando todos vocês me tiverem negado eu a vocês regressarei. De facto, com diferentes olhos, meus irmãos, procurarei eu então os meus entes perdidos; com um amor diferente amar-vos-ei eu então.” (Tradução nossa) 63 “A pessoa de conhecimento não deve apenas ser capaz de amar os seus inimigos, mas também de odiar os seus amigos.” (Tradução nossa) 61
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“Sol Lucet Omnibus” 64 resume a essência da luz não ao divino, mas à projecção bidireccional entre dois factos científicos: Sol, um das muitas estrelas; homem, um dos muitos seres. E nada invalida que nós tenhamos projecção nas estrelas como as estrelas têm no homem. Daí a beleza de ambos os movimentos da Terra, pois só assim a correlação entre todos os homens e todas as estrelas é possível. Fazemos parte de um todo. Um todo que não precisa de ir muito mais além da mera existência65. A arte procura fazer parte de toda a gente, sem excepção. Foca-se no que dela, culturalmente, mais distante sempre esteve: o operário. O operário, porque representa o povo e vive na que se acreditava ser a mais genuína mãe da vida de todas as coisas: a fábrica. Arte e vida fundidas.
Ilustrações 14 - Capa da “Hygiene and Health of the Worker and Peasant Family,” Nº 4, 1927. (Kiaer, 2005, p. 256) Ilustração 15 - Cartaz “The new everyday life is the child of October,” 1923. (Kiaer, 2005, plate 7) Ilustração 16 - Cartaz da peça “Through Red and White Glasses,” Varvara Stepanova, 1923. (Kiaer, 2005, p. 117) Ilustração 17 - Composição “About this,” Aleksandr Rodchenko, 1923. (Kiaer, 2005, plate 12)
Em muito do que se pesquisou para este trabalho está patente a questionável eficácia da arte enquanto gerador de mudança numa sociedade. O seu sucesso é discutível. Consegue-se até perceber que a arte pode acabar por ser simplesmente o registo dessa vontade de mudança. Este é o momento onde se separa verdadeiramente o conceito de arte do de arquitectura. A arquitectura colabora, tal como a arte, com um sistema político ou com a sua negação, com uma sociedade, com uma cultura. Mas colabora ainda com um qualquer sistema urbano, impõe-se fisicamente à realidade de uma sociedade tornando-se automaticamente parte do sistema que a compõe, que a gere. Evocando,
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Mote da Universidade Lusíada: “O sol brilha sobre todos.” (Tradução nossa) Niilismo hyNchustrutivista.
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por exemplo, um totalitarismo que revogue toda a arte que o afronta, destruir um livro, uma pintura, nunca será o mesmo que destruir uma obra edificada. Será que alguma vez a arte política mudou uma sociedade? Será apenas o inverso, uma sociedade em mudança que impulsiona o mesmo na arte? Mera propaganda? Qual o verdadeiro porquê da propaganda? Mudar a sociedade ou convencê-la do que já nela mudou? Uma reflexão sem fim, pois a própria sociedade é composta por quem gere e por quem se submete. Quem. O ser humano é o sistema. A noção de novo homem é a verdadeira premissa de qualquer momento da história em que o homem atinja o seu limite. Nisso o construtivismo não é excepção. Apenas o seu contexto político, económico, social, cultural e geográfico, permitiram ao construtivismo elevar o homem ao patamar da arte de um modo único na história. No rescaldo de uma emancipação humanista, com marxismo 66 como inspiração activista, o czarismo 67 teria os dias contados. Desde Georgi Plekhanov 68 e a divulgação literária marxista por ele, entre outros, proporcionada através da fundação do Grupo de Emancipação do Trabalho69, que se procuram novos valores na definição de homem. A ponte que liga esta aspiração à sua consumação, tem o nome de Vladimir Lenine. And Lenin’s own life was a model of how this should be done. Ilyich could not live any other way, he did not know how to. But he was not an ascetic; he loved skating and fast cycling, mountain-climbing and hunting; he loved music and life in all its many-sided beauty; he loved his comrades, loved people in general. Everyone knows of his simplicity, his merry, infectious laughter. But everything about him was subordinated to the one thing — the struggle for a bright, enlightened, prosperous life of meaning and happiness for all. And nothing gladdened him so much as the successes achieved in this struggle. The personal side of him merged naturally with his social activity... 70 (Krupskaya, 1924)
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Marxismo: doutrina de Karl Marx, verdadeiramente complexa e abrangente, definidora de uma postura social, política e económica, que influenciou a grande maioria dos activistas russos da era construtivista. 67 Czarismo: importante sistema monárquico na história da Rússia que, neste caso em particular, é essencial como causa principal do desenvolvimento activista russo, que proporciona a revolução de 1917 e consequente explosão modernista, cerne desta dissertação. 68 Georgi Plekhanov (1856-1918), teórico e revolucionário russo, “pai do marxismo russo.” 69 Grupo de emancipação do trabalho: primeira organização russa marxista, fundada em Genebra por Plekhanov (entre outros), importante pela contribuição na tradução de obras marxistas para russo. 70 “E a própria vida de Lenine era o modelo de como deveria ser feito. Lenine não poderia viver de outra maneira, não saberia como. Mas ele não era ascético; ele adorava patinar e ciclismo veloz, alpinismo e caça; adorava música e vida em toda a sua multifacetada noção de beleza; adorava os seus camaradas, adorava pessoas no geral. Toda a gente sabe da sua simplicidade, alegria, gargalhada contagiante. Mas tudo em si estava subordinado a uma única coisa - a luta por uma brilhante, iluminada, próspera vida de significado e felicidade para todos. E nada o satisfazia tanto como os sucessos alcançados nessa batalha. O seu lado pessoal fundiu-se naturalmente com a sua actividade social...” (Tradução nossa)
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“The common cause” (Krupskaya, 1924, negrito nosso)71 reverbera pela sociedade russa do século XX, mas se na filosofia e na política se revê essa definição, a arte destaca-se na comunicação dessa causa com o povo como fundamental. Dentro da multifacetada contradição da qual o construtivismo e a sua convicção no que se aprovaria como essencial para o homem viviam, Tatlin e Rodchenko descolam do poster da humanidade o supérfluo à sua organização, embora de forma muito distinta, destacam-se como das melhores referências do novo homem. Tatlin, como se poderá verificar posteriormente neste trabalho, enfatizava o primitivismo da relação entre o homem e o objecto. Representa uma das mais dramáticas mudanças na prática individual de um artista na história da vanguarda quando sobrepõe o toque à visão, o material ao visual. Mais concretamente, o seu esforço é constante no abandono da arte meramente visual focando-se no simples objecto utilitário do dia a dia. Tatlin será o melhor exemplo para se iniciar a definição do novo homem construtivista, visto que tinha uma postura muito particular face à realidade da época. Embora também utópico e activista, não se identificava com o desejo de modernidade do próprio objecto, ou melhor, a sua noção de modernidade passaria pela funcionalidade prática do mesmo, em vez de um estilo ou um capricho. Não consta em lado algum que alguma vez se tenha chamado de construtivista, denominava a sua prática como “culto dos materiais,” o que por si só o distinguia dos construtivistas da INKhUK. Mesmo tentando sempre abster-se à união a grupos ou instituições, acabaria por se integrar na GINKhUK em 1922 onde colectivamente com outros artistas desenvolvia “coisas novas,” (Kiaer, 2005).
Ilustrações 18 - Desenhos de vestuário e um fogão, no artigo “The New Everyday Life,” Vladimir Tatlin, 1924. (Kiaer, 2005, p. 40) Ilustrações 19, 20 - A experimentar o seu fato de desporto masculino (frente e costas), Vladimir Tatlin, 1924-25. (Kiaer, 2005, p. 75) Ilustração 21 - Desenho de um casaco para homem, Vladimir Tatlin, 1923. (Kiaer, 2005, p. 80)
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“A causa comum.” (Tradução nossa)
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Ilustrações 22, 23 - Composições “About This” para Mayakovsky, Aleksandr Rodchenko, 1923. (Kiaer, 2005, p. 156)
Guardou-se para o final deste subcapítulo o que se defende ser o essencial na coligação de todos os componentes aqui descritos que compõem o conceito sociedade da era construtivista. Natural de uma época revolucionária, a reflexão aprofunda, valores e definições básicos da vida, tão simples quanto discretos, tornamse uma vez mais fundamentais ao nosso pensar.72 Быт (byt), com o seu significado neutro modo de vida, recupera a sua dignidade e não só se torna o mais evocado conceito representativo de integridade humana como também nele se percebe como o homem acaba sempre por ter que se render a uma cadeia de interesses, que no seu terminus não terá, certamente, o povo. Mas enquanto poética resultou, e ainda resulta na prosa de Svetlana Boym.73 Byt deriva do verbo бывать (byvat’), que significa acontecer, ocorrer, estar presente. Em verdadeiro contraste com бытие (bytie) cujo sentido será algo como existência
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Muito deste trabalho assenta na relevante obra de Christina Kiaer: Imagine no Possessions. Nesta secção dedicada à conceptualização do homem construtivista, torna-se relevante enunciar o capítulo dessa mesma obra “Everyday Objects,” em especial o seu subcapítulo “Bolshevism and Byt: Can ‘Everyday Life’ Ever Be ‘New’?” que cedeu à pesquisa o que lhe faltava relativamente à verdadeira poética entre homem e sociedade construtivistas. 73 Svetlana Boym (1966), romancista e artista mídia. Actualidade poética sobre a realidade soviética.
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espiritualmente 74 significativa, no final do século XIX conhece-se o lado negativo de byt. A tão já referida sociedade subjugada ao absolutismo monárquico e capitalista, vivia sob uma experiência de vida oprimida, repetitiva e de uma trivialidade tediosa. Aliás, se, de um modo generalizado isso se verificava, na Rússia em especial a noção de liberdade só existiu como engodo. A noção que mais dela se aproxima, apenas emergiu, na Rússia, no final do século XX. Mesmo logo após a libertação dos servos, movimentos como o narodismo75 surgiram em reacção ao que na realidade foi tal acontecimento. Os escravos deixariam de ser vendidos a senhorios para serem vendidos à burguesia; nos primórdios da União Soviética festejava-se o ter-se abolido a aristocracia enquanto que, na realidade, a utopia comunista tornar-se-ia num absolutismo socialista, podendo até chegar a ser considerado ditadura capitalista. Tentando ainda não aprofundar a realidade política, as “coisas novas” teriam que fazer parte do dia-a-dia de qualquer pessoa. A arte invade cada aspecto, cada objecto da vida quotidiana. Ao lado de Tatlin, mas com uma destreza artística bem mais racional, Rodchenko, Stepanova e Liubov Popova76 são talvez os nomes mais sonantes nessa pesquisa social. Traduz-se esta pesquisa não só em objectos utilitários como também num todo propagandístico que vai desde uma embalagem de caramelos, cartazes de publicidade, capas de publicações periódicas, padrões de tecido para roupa, design de moda, etc. Popova e Stepanova seriam os únicos construtivistas a testemunhar os seus desenhos a serem produzidos em massa numa fábrica consumando assim um dos mais importantes (mas ao mesmo tempo um dos mais difíceis de alcançar) princípios construtivistas, desenvolver objectos utilitários para produção massiva. Se bem que a área têxtil, em que eram especialistas, seria a mais propícia a alcançar tal objectivo. A par da referida racionalidade, representavam como ninguém o produtivismo que evidenciava o pensar e produzir objecto sob a inteligência e intuição humana mas também sob o rigor industrial da máquina. A régua e o compasso seriam idolatrados pelo construtivista como ferramentas essenciais para alcançar a perfeição geométrica numa composição humana, embora para muitos não passassem de ferramentas para quem não sabia desenhar (Kiaer, 2005, p. 98). Todos desenvolveram planos de ensino e todos leccionaram na VKhUTEMAS, que se considera uma das maiores impulsionadoras do verdadeiro experimentalismo construtivista. 74
Tal como consta no Glossário, neste documento “espiritual” em nada se relaciona com religião, apenas remete para a plenitude do nosso bem-estar para com o mundo. 75 Narodismo: movimento mal sucedido que nasce da indignação pós libertação dos servos, em 1861, por de libertação muito pouco ter tido. 76 Liubov Popova (1889-1924), teórica, artista e pintora russa, construtivista com uma grande dedicação ao dia-a-dia. Activista, concebia cenários de teatro, leccionava e produzia arte de enumeras vertentes.
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Ilustrações 24 - Varvara Stepanova a desenhar com compasso, Aleksandr Rodchenko, 1924. (Kiaer, 2005, p. 99) Ilustração 25 - Padrão têxtil, Varvara Stepanova, 1923-24. (Kiaer, 2005, p. 103) Ilustração 26 - Desenho para vestuário de produção para actor nº5, Liubov Popova, (Kiaer, 2005, p. 131)
Uma das mais eficazes analogias entre artista, produção e objecto utilitário, é a fotografia de Stepanova, tirada por Rodchenko (ilustração 24), descreve na integra o papel do artista produtivista e o seu empenho na arte social, e viria a funcionar como representação da rejeição construtivista do que seria a causa do individualismo na arte, substituindo o toque da mão do artista pela precisão mecânica do compasso. Rodchenko desfoca a mão de Stepanova, mas o paralelismo entre as duas linhas geradas pelo seu indicador e pelo seu cigarro mastigado intersectam a verticalidade mais intensa da fotografia demarcada pelo rectângulo cujos quatro cantos são definidos pelos olhos concentrados de Stepanova e por ambas as pontas afiadas do símbolo produtivista, o compasso.
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Por terem uma ligação e dedicação completa com o teatro, desde os seus cenários ao guarda-roupa (ilustração 26), com a publicidade e com a propaganda, resumindo, as formas de expressão que mais interagiam com o povo, acabariam por desenvolver uma transparência no seu desenho, em que tanto os materiais como as partes componentes de qualquer que seja o objecto em questão, falavam por eles próprios, onde nada se escondia. Rodchenko seria quem se entregaria por completo a esta noção de “objecto socialista,” num contexto mais publicitário. Na política, foi através do jornal Pravda77 que o bolchevismo78 acaba por se relacionar directamente com byt, na medida em que, até Leon Trotsky dedicar um livro inteiro79 (Gough, 2005, p. 53) à teorização do verdadeiro significado político na vida do dia-adia, nunca ninguém o tinha feito. Trotsky, via Pravda, publicou dissertações que revelavam a necessidade de aproximar a política ao povo, ao modo de vida nesse momento de mudança. Westernizers and Slavophiles 80, Romantics and modernists, aesthetic and political utopians, and Bolsheviks and monarchists all engaged in battles with byt. For many of them what mattered was not physical survival but sacrifice, not preservation of life but its complete transcendence, not the fragile human existence in this world but collective happiness in the other world. 81 (Boym apud Kiaer, 2005, p. 53)
Seria precisamente esta noção de transcendência que impulsionaria toda a motivação para um novo mundo, que elevaria o materialismo
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marxista dos
revolucionários quase ao ponto de se sobrepor ao tão tradicional desdém característico da Rússia pelo byt. “[...] The fundamental distinction in Russian culture is not private versus public, as in the West, but material versus spiritual.”83 (Boym apud Kiaer, 2005, p. 53).
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Pravda: jornal político cujo nome significa “a verdade,” surge em 1918 e ainda hoje existe. Essencial na declaração da liderança soviética pós-revolução de 1917 e mais tarde na guerra fria. 78 Bolchevismo: termo que ganhou relevância originalmente através de Trotsky que o utilizava para fazer a distinção entre o que entendia por verdadeiro leninismo e o que se tornou, tanto o partido como o estado, sob Estaline. 79 TROTSKY, Leon - Voprosy byta, Moscovo: Krasnaia nov’, 1923. Onde se revela que o título teria sido já traduzido para Inglês em 1973 como “Problems of Everyday Life and Other Writings on Culture and Science.” 80 Eslavofilismo: um conceito específico, em que se acreditava que a Rússia deveria desenvolver-se com base na sua história de até então. Não se encontrou uma tradução directa e de fonte fiável para português, sendo esta a mais frequente e mais lógica. 81 “Ocidentalizantes e eslavófilos, românticos e modernistas, utópicos estéticos e políticos, e bolcheviques e monarquistas todos comprometidos em batalhas com byt. Para muitos deles o que importava não era a sobrevivência física mas o sacrifício, não a preservação da vida mas a sua completa transcendência, não a frágil existência humana neste mundo mas a felicidade colectiva no outro mundo.” (Tradução nossa) 82 Materialismo: na vertente marxista simboliza a crença filosófica em que a existência económica determina a consciência social. 83 “A distinção fundamental na cultura russa não é privado contra público, como pelo oeste, mas material contra espiritual.” (Tradução nossa)
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É precisamente aqui que se consagra a verdadeira essência do homem soviético. Na tentativa “[...] to transcend material byt in favour of spiritual bytie. [...] byt is perceived not simply as unspiritual but also as non-Russian in the higher, poetic sense of what it means to be Russian.”84 (Boym apud Kiaer, 2005, p. 53, negrito nosso). Transpondo este modo de vida para o revolucionário soviético, o objectivo da felicidade colectiva num futuro comunista neste mundo revigora como ideologia, e não tanto como espiritualidade: Новый быть (novyi byt): novo modo de vida. Após os bolcheviques demarcarem a sua posição no poder, após cinco anos de guerra civil, surge a necessidade política de um sistema que permitisse respirar após tamanha revolta. A NPE passa por um plano bolchevista de restruturação social, onde transparece que o governo se dedicaria mais à cultura e vida social que a perseguir poder. Novyi byt é essa nova concepção de vida que nasce como reacção à violência da guerra civil e que se torna debate público como um modo superior de vida sob o socialismo com as publicações de Trotsky já mencionadas. Foram até criadas ideias de hábitos de vida quotidiana apropriados sob o comunismo, como método de escape a prováveis ideais que surgiriam rapidamente da burguesia nesta nova era soviética. Trotsky percebeu, após analisar o verdadeiro significado do dia-a-dia da vida proletária soviética e correlacionando-o directamente com o que os bolcheviques procuravam alcançar, que seriam incompatíveis se se mantivessem nos padrões de então. Consequentemente, o contraste da regressividade das condições sob as quais o operário industrial soviético ainda se encontrava com as renovadas teorias marxistas exigia toda a atenção para que ambas as realidades não se auto-negassem logo nos primórdios da segunda década do século XX.
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“[…] de transcender o material byt a favor do espiritual bytie. [...] byt é entendido não simplesmente como não-espiritual mas também como não-russo ao mais elevado sentido poético do que significa ser russo.” (Tradução nossa)
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Ilustração 27 - Um operário da fábrica de construção naval de Nevskii com a sua família ao jantar. Fotografia cortesia do Museu Russo de Etnografia (São Petersburgo, Rússia), Medvedev, Leninegrado, 1925. (Kiaer, 2005, p. 56)
Só como contexto social, a imagem (ilustração 27) revela um dos maiores receios de Trotsky, efeitos de um tradicional byt camponês camuflados pela classe operária soviética. Uma família que representava a elite dessa classe. As condições são claramente precárias, desde o papel de parede à quantidade de comida para o número de pessoas, mas Trotsky ainda focaria o facto de estarem todos a comer da mesma grande tijela como seria tradicional pelo campo, o que seria propício a doenças infecto-contagiosas, como a tão comum sífilis. A construção de uma nova sociedade teria que partir deste novo homem, que se libertaria do byt camponês que não só ameaçaria a sua própria vida através da doença, como a sua consciência socialista. Toda a interactividade familiar teria que se socializar, passar da opressão entre marido e mulher, entre pais e filhos, causada por sistemas económicos exploradores como o capitalismo ou o feudalismo, para o que Trotsky considerava de mais importante para essa reconstrução social: “the liberation of women from domestic slavery, the socialization of child care, and the liberation of marriage from private property relations”85 (Trotsky apud Kiaer, 2005, p. 57): novyi byt.
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“A liberação da mulher da escravatura doméstica, a socialização da protecção das crianças, e a liberação do casamento das relações de propriedade privada.” (Tradução nossa)
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Ilustrações 28 e 29 - Fotos documentais de operários em uniforme de trabalho (frente e costas), Kubesh, 1924. (Kiaer, 2005, p. 70)
Daqui se percebe a abrangência do bolchevismo nessa campanha do novo regime, desde a nova voz do proletariado, ao poder da industrialização, à crítica das condições capitalistas de exploração na liberação de todos os operários, homens e mulheres, e consequentemente, à voz do feminismo.86 Trotsky, por diversas razões, assumiu que a construção de uma nova sociedade precisaria de “years and decades”87 de puro socialismo. A Rússia vivia há séculos sob hábitos e condições decadentes, onde outra realidade não se conhecia. E por mais que se quisesse, as diferenças entre homem e mulher eram abismais. A utopia Bolchevique cedo denunciou alguns paradoxos inexequíveis, como o feminismo. A emancipação da mulher, mesmo sendo fundamental no novyi byt, teve que ser controlada e directa. A mulher representava o que de mais primitivo e passivo do byt existia “behind the backs”88 (Marx apud Kiaer, 2005, p. 58) do proletariado, mas ao mesmo tempo isso significaria a base da vida social, a casa, as crianças.
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Feminismo: componente essencial na iniciativa de igualdade de direitos que, ao mesmo tempo, se revela paradoxal na sua consciencialização social. 87 “Anos e décadas.” (Tradução nossa) 88 “Detrás das costas.” (Tradução nossa)
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Ilustração 30 - “Having wiped out capitalism, the proletariat will wipe out 89 prostitution,” poster, 1923. (Kiaer, 2005, plate 3)
Logo a propaganda dedicada ao novyi byt era a ela que principalmente se destinava. A mulher e a criança enquanto tema principal de comunicação, o homem só apareceria como padrão de decência, de trabalho, quem providencia uma vida melhor à mulher e filhos. “Having wiped out capitalism, the proletariat will wipe out prostitution” (ilustração 30): o título da imagem que representa uma das maiores preocupações bolchevistas. A mulher enquanto elemento da sociedade a emancipar, seria também o que mais facilmente corromperia a campanha para o novyi byt, visto que há séculos que vivia aparte da utilidade da vida social, ou oprimida em casa ou na prostituição. A mulher era o fruto da desigualdade feminina sob o capitalismo, vítima das circunstâncias económicas, e era agora responsabilidade do novo governo socialista combater essa posição, nem que para isso tivessem que ser encarceradas em campos de trabalho. “Prostitution is a great misfortune of humanity. [Male] worker: take care of the woman
89
“Depois de aniquilar o capitalismo, o proletariado aniquilará a prostituição.” (Tradução nossa)
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worker,”90 (Kiaer, 2005, p. 59): são as palavras que acompanham a lateral esquerda da imagem. Embora pareça, a mensagem não se direcciona ao apelo de retirar a mulher da prostituição, casar com ela e proporcionar-lhe uma vida melhor. Isso seria o tradicional casamento representativo da relação de propriedade, condenável pelo bolchevismo. Em vez, o operário robusto e elegante, desenhado numa escala imponente, num branco intemporal, esmagando a obesidade capitalista e segurando a mão da pequena mulher descalça, simboliza o próprio governo proletário, cuja função passa por ajudar a mulher a transcender a miséria do antigo byt, o qual inclui a prostituição. […] the only way to promote real equality between women and men is to build up the Soviet economy to the point that it will be rich enough to liberate the family from the material worries that destroy it, and allow women to participate fully in productive labor, through public laundries, dining halls, sewing workshops, and child care. 91 (Trotsky apud Kiaer, 2005, p. 60)
O futurismo russo revoga a arte e o byt da insignificante burguesia, cresceu a passo com a consciência do proletariado e da revolução, sob a perspectiva do uso da arte como uma das armas fundamentais na produção da nova pessoa. A abordagem à sociedade construtivista não estaria completa se não se juntasse a Trotsky o futurista Sergei Tretyakov92, pois aborda o que seria considerado a maior ameaça à tentativa de implementação do novyi byt: М ещанство [meshchanstvo]: estado de ser burguês insignificante. O que pela Europa se chamaria de filistinismo93. Numa tentativa de implementação de novos ideais e novos objectivos socioeconómicos numa classe onde a noção de posse nunca existiu a não ser do homem sobre a mulher, seria difícil transmitir princípios que se sobrepusessem ao materialismo. Livre do peso material, a relação de propriedade perde o seu efeito físico e psicológico. Tanto Trotsky como Kollontai evocam o relacionamento que se baseia na racionalização total da ordem material da vida doméstica, libertando-se a mulher da tradicional dependência do homem, tendo agora a família como premissas, única e exclusivamente, a atracção e o amor.
90
“Prostituição é uma grande desgraça da humanidade. [Homem] operário: cuide da mulher operária.” (Tradução nossa) 91 “[...] o único modo de promover igualdade real entre homem e mulher é fortalecendo a economia soviética ao ponto de ser tornar fértil o suficiente para liberar a família das preocupações materiais que a destroem, e permitir que as mulheres participem inteiramente em trabalho produtivo, através de lavandarias públicas, refeitórios, oficinas de costura, e cuidar de crianças.” (Tradução nossa) 92 Sergei Tretyakov (1892-1937), dramaturgo e escritor assíduo do Pravda, representa o futurismo social mais explorado da época. 93 Filistinismo: não só o estado, mas também o acto de ser ignorante.
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Numa reunião de todos estes conceitos e na consagração deste anti-materialismo Bolchevique, Tatlin resume-se à concepção do objecto que melhor se encaixaria na simplicidade e no primitivismo do dia-a-dia. Não se preocuparia tanto com a vida em comunidade mas sim a vida familiar, o lar e o funcionalismo de cada objecto. Não se preocuparia tanto com o aspecto visual da sua invenção enquanto artista, mas com o objecto enquanto verdadeira necessidade do byt. “Distrusting the eye, we place it under the control of touch.”94 (Tatlin apud Kiaer, 2005, p. 67). Sob a teoria de Boris Arvatov95 em como a criação de cultura proletária apenas se poderia proceder através das formas do byt material (Kiaer, 2005, p. 67), percebe-se a ligação que Tatlin é na realidade entre cultura e base da vida, entre arte e pessoa. Organicidade e flexibilidade são as características que melhor descrevem o objecto socialista tatliniano: “The passion for ‘Tatlinian Constructivism,’ ‘living materials’ and ‘living space’ [...].” (Punin, 1999, p. 30).96 Como já se referiu, a contradição e a polémica são características de uma época de revolução, especialmente da construtivista, pois sobre a mesa de laboratório (ilustração 31) existia... demasiado. Arvatov é deveras importante na consciência artística sobre o byt sem revogar a produção industrial. Ou melhor, o artista face a industrialização capitalista teme que a produção em massa da máquina o desactualizasse, especializando-se, fazendo agora parte de uma produção de objectos luxuosos que satisfariam apenas a vista. Arvatov tem muitos construtivistas como exemplo quando afirma que isso seria um erro. No seu ideal, a produção industrial representava a forma mais avançada de imaginação humana. Essa estética visual burguesa é o reflexo do perigo acima descrito para o qual Tretyakov alertava.
Ilustração 31 - “Conversa com Diógenes, Antígona, Thoreau e amigos,” António de Sousa, 2010. (Ilustração nossa, exposição “Às Artes Cidadãos!”, Fundação Serralves, Porto). Surge como analogia à “mesa de laboratório,” pois tanto a concepção, como o título, como os materiais utilizados pelo artista misturam o conceito de mesa com o de jangada, os materiais pobres com o carácter industrial e o símbolo da comunicação. A essência de criar.
94
“Desconfiando do olho, nós colocamo-lo sob o controlo do tacto.” (Tradução nossa) Arvatov pertencia igualmente à INKhUK, logo não só conhecia bem Tatlin como apoiava as mesmas causas, e como teórico, formulou uma série de trabalhos sobre o objecto socialista. 96 “A paixão pelo ‘construtivismo tatliniano,’ ‘materiais vivos’ e ‘espaço vivo’ [...].” (Tradução nossa) 95
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Essa qualidade passiva fazia com que o objecto estivesse isolado dos sentidos humanos que não a visão, tornando-o mera exibição, aparte de qualquer contexto social sob o qual foi criado e no qual deveria ter tido alguma função igualmente social: Arvatov’s theory of an aesthetics made whole again under socialism imagines that industrial technology will amplify and clarify all the human senses, rather than isolate and alienate them. His theory of material culture is therefore politically ambitious: the material culture of socialism will make the subject critical and conscious, and therefore invulnerable to the lure of capitalism. 97 (Kiaer, 2005, p. 68)
É natural que, face a esta premissa, quem mais se distanciasse do meio criativo, da arte e da arquitectura, não conseguisse percepcionar logo a essência desta posição. Trotsky reagia frequentemente a este género de manifestações, nomeadamente da LEF 98 , e este era precisamente um dos pontos no qual os construtivistas menos seriam entendidos: “to reject art as a means of picturing, of imaging knowledge, is in truth to strike from the hands of the class that is building the new society its most important weapon.” 99 (Trotsky apud Kiaer, 2005, p. 69). Seguindo-se, obviamente através da LEF, a resposta de Arvatov onde esclarece que a publicação em questão promove arte visual, mas não a chamada “easel art”100 (Kiaer, 2005, p. 69). Resposta a qual, no âmbito desta dissertação, enfatiza a essência não só do construtivismo, como, sob analogia, do que se defende ser a premissa fundamental de arte e de sociedade: Decisively rejecting living-room and museum oriented easel art, Lef is fighting for the poster, the illustration, the advertisement, the photo- and kino- 101montage, i.e. for those kinds of mass utilitarian forms of visual art that are made by means of machine technology and closely connected with the material byt of urban industrial workers. 102 (Kiaer, 2005, p. 69)
97
“A teoria de Arvatov sobre uma estética novamente como todo sob socialismo imagina que a tecnologia industrial amplificará e clarificará todos os sentidos humanos, em vez de os isolar e alienar. A sua teoria sobre cultura material é portanto politicamente ambiciosa: a cultura material do socialismo tornará o seu assunto crítico e consciente, e consequentemente invulnerável ao encanto do capitalismo.” (Tradução nossa) 98 LEF: Periódico construtivista mais utilizado pelos próprios artistas de vanguarda na comunicação e divulgação das novas premissas e respectiva evolução. 99 “Rejeitar arte como meios de retratar, de representar conhecimento, é na verdade atacar das mãos da classe que está a construir a nova sociedade a sua arma mais importante.” (Tradução nossa) 100 “Arte de cavalete:” (Tradução nossa) que significa a forma mais burguesa de arte visual que opressivamente promove contemplação passiva. 101 “Kino-“ é exactamente o mesmo que “cine-“. Manteve-se como o autor escreveu, como estrangeirismo, pois, na época, era uma palavra muito utilizada por ser também tempo de verdadeira evolução para o cinema. 102 “Rejeitando decisivamente a arte de cavalete orientada para a sala e para o museu, a LEF está a lutar pelo poster, pela ilustração, pela propaganda, pela foto- e kino-montagem, ou seja, para esse tipo de formas utilitárias em massa de arte visual que são feitos por meios mecânicos tecnológicos e proximamente ligados ao byt material dos operários industriais urbanos.” (Tradução nossa)
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2.1.4. DEUS EX MACHINA НЕОЖИДАННОЕ СПАСЕНИЕ
M áquina, tem uma história quase tão extensa quanto a da existência humana. Desde o paleolítico superior que o ser humano se encontra dotado de uma organização biológica cerebral que permite reflectir. Desde então inteligência não só sugere acção como também estratégia na sua execução. A isso dá-se o nome de evolução. Invenção aliada à descoberta, sempre em prol da facilidade de concretização de alguma coisa (intellectus). Logo, a todos os níveis, a máquina foi “quem” escreveu a história (deus ex machina103). Não era muito discreta, nem era suposto, a contestação construtivista da tradicional separação entre arte, trabalho e tecnologia. Eram áreas mútuas exclusivas de pesquisa e experimentação. Será uma das premissas que mais se destaca nesta pesquisa a “[...] conviction that the meaning and significance of the Constructivist object is not exhausted in, or saturated by, the present of its production.”104 (Gough, 2005, p. IX). Neste contexto, esta pesquisa requer que se avance um pouco mais além da típica ideia capitalista de máquina, mero objecto de produção, com uma determinada função. O construtivismo bebe dessa essência como nunca na história foi confirmado, nem antes nem depois. Pois os arquitectos dessa época subestimaram não só no que realmente consistiria a possibilidade de transformar a natureza humana, como também a verdadeira dimensão temporal que tamanha transformação requereria. Logicamente que não seriam só os arquitectos embebidos nesse optimismo, mas seriam definitivamente quem mais se distanciava da atitude reactiva mais comum da época em que ganha demasiada relevância a impossibilidade de modificação do comportamento social humano. Para além das imensas contradições, existia ilusão atrás de ilusão face ao que poderia participar nessa nossa mudança. Numa realidade mais contemporânea, mais distante do tema em questão, mais experiente, em que muitas verdades já foram ao longo do tempo defendidas, denota-se como factual a possibilidade de transformação da natureza humana. O como e o porquê é que são questões que tendem a viver sob uma metamorfose constante delineada pelo tempo. O que é que verdadeiramente muda o homem? A arte? A política? A arquitectura? A economia? O totalitarismo? O passado? O futuro? A sociologia? Como já referido, um 103
Deus ex machina: “deus que provém da máquina” em latim, e é utilizada para definir, em enredos de qualquer espécie (cinema, literatura, teatro), quando no final, inesperadamente, um objecto, ou uma máquina, ou um personagem com um qualquer poder sobrenatural, salva o enredo de uma qualquer catástrofe. Utilizou-se a expressão como parte integrante deste trabalho. 104 “[...] convicção de que o significado e importância do objecto construtivista não se esgota em, nem é saturado por, o momento da sua produção.” (Tradução nossa)
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dos princípios fundamentais gestor da linha de pensamento de todo este documento tem como resposta a tecnologia. A máquina como definição de evolução. É o que se inventou no passado, mais o que se inventa e se descobre no presente, mais o que se sonha poder inventar no futuro, que nos coloca hoje, exactamente na mesma posição que esta emergência do modernismo. Para além do factor cronológico e do que evolutivamente daí advém, diferirá cyberpunk
105
assim tanto de
construtivismo? Qualquer utopia visa uma qualquer noção de perfeição. Cyberpunk não é excepção. Visa uma nova dimensão da existência humana, para não a definir como pós-humana. A simbiose entre homem e máquina numa esperança a nós inata, a eternidade. “’Man’s inhumanity to man’106 was to cease” (Kopp, 1970, p. 15), como parte integrante da definição de Anatole Kopp da época pós-revolução de outubro de 1917, paradoxalmente revela uma das maiores frentes críticas ao construtivismo. Se, na política, a desumanidade aristocrata tinha sido abolida, na arte, muitos consideravam a era modernista, em especial o suprematismo e o construtivismo demasiado geométricos, sem emoção, sem expressividade, com pouca relação com o ser humano. Mas nesse formalismo a matéria ganha uma nova relevância, afirmando a sua identidade e importância na composição. Não será mais intuitiva a sensibilidade material ao observar-se, por exemplo, o “Quadrado preto sobre fundo branco” de Malevich que qualquer composição de Kandinsky?
Ilustração 32 - “La màquina de l’amor,” Antigua i Barbuda, 2005 (Arts Santa Mònica, 2009. Fotografia de Oscar de Paz, 2011) Ilustração 33 - “La pianola dels olors,” Antigua i Barbuda, 2005 (Arts Santa Mònica, 2009. Fotografia de Oscar de Paz, 2011) Ilustração 34 - “L’ànima de la màquina,” Antigua i Barbuda, 2005 (Arts Santa Mònica, 2009. Fotografia de Oscar de Paz, 2011)
105
Cyberpunk pode ser definido como um contexto futurista muito próximo em que se assume a ambiguidade da evolução. 106 Uma expressão comum ao longo da história utilizada em diversos contextos, datando a sua primeira documentação integral de 1784, por Robert Burns, em Man was made to mourn: A Dirge.
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A geometria e a exploração muito específica da forma e da cor na pintura, o carácter estrutural e industrial das esculturas, os materiais industriais (ferro, madeira, arame, corda, metal no geral), todas estas questões na arquitectura, e a intensa relação com a fábrica como mãe do material, da matéria que compõe cidade, como mãe do operário, como mãe da cidade e da sociedade, todo o contexto funcional e utilitário em função do povo e as novas ambições industriais socialistas para o desenvolvimento da Rússia, entregam à máquina e à indústria a maior evidência dessa era. O material industrial tem agora (início da segunda década do séc. XX) uma responsabilidade social. Conecta quem observa a obra a quem vive na fábrica. Passa a ser importante a frieza do metal, a pureza da madeira, a fragilidade aparente do arame ou a inércia da corda: faktura. A composição dos mesmos num género de estrutura, que se ergue, manipula espaço, transmite solidez e imponência. São a representação genuína de uma sociedade. A estrutura por si só gera, o material por si só vive. Transmite sensações como quase qualquer obra mas o ferro arrefece, a madeira respira, o arame conecta. O artista sente e a sua obra também. O homem criativo vive nessa mutualidade com o que compõe, acredita na vida da matéria, na vida e inter-relação na sua composição, tal como o operário acredita na vida da máquina e no organismo que é a perfeição da sua mecânica. In extremis, hoje, em prol da existência, o contexto cyberpunk coloca-nos frente ao mais elevado dilema na relação homem/máquina. A mutualidade entre ambos começa a carecer de limites questionando-se frequentemente a nossa ética e os nossos valores. Além da transurbanização sonha-se com a transumanização. A tecnologia altera cada vez mais a noção de cidade, de urbanismo, de arquitectura, de homem. Se fosse permitido esta dissertação ter o dobro do conteúdo, seria este um dos aspectos que mais interessaria desenvolver num contexto actual onde existem layers de realidades distintas, camuflando algumas demasiado sérias, aparentemente passivas, não o sendo. No entanto, é importante consumar o diálogo entre as verdadeiras premissas de quase há um século atrás, com as que hoje (o futuro de então) nelas se inspiram mas que se submetem a um futuro onde da segregação à perfeição são cada vez mais as hipóteses, e com o homem. Entre muitas outras hipóteses, “Deus Ex: Human Revolution” destaca-se neste documento como a melhor representação desta ideia, com a dignidade de a colocar num futuro muito próximo, 2027. Como videojogo, oferece o que qualquer outro media está impossibilitado de oferecer: livre arbítrio. Cenários (cidades, edifícios) totalmente percorríveis, conversações com múltiplas respostas possíveis, execução de tarefas
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sob várias estratégias possíveis, o abrir uma porta pode ser procurando a chave ou hacking. Não só se vai definindo uma personalidade para o personagem principal como a história poderá ser escrita de múltiplos modos distintos. A par desta característica fundamental que nos move sob a nossa típica angústia de decisão, está o contexto cyberpunk no seu mais fidedigno esplendor, ou seja, o avanço tecnológico muito possibilita mas a muito não dá resposta. A megaestrutura e as ruínas do verdadeiro conceito de cidade - transurbanismo. “Deus Ex” revela a distopia dessa realidade em sintonia com o caos social, permitenos percorrê-los e anarquicamente decidir que posição tomar. O poder de decisão faz parte do cerne da mensagem, e até sendo a transumanização o tema principal, a ética face à mesma é persistentemente questionada. Percebe-se na introdução que, Adam Jensen, o protagonista da história, teria sido submetido a uma aumentação para ser salvo de um acidente, sem ter sido opção própria. Depois de se ser sujeito a uma aumentação, fica-se apto a fazer as que bem se entender consoante a necessidade/vontade.
Envolve-nos
no
dilema
do
homem
mecanizado
que
eventualmente se tornará na máquina humanizada e, se assim for, como isso será humanamente incompatível. Corporações com mais poder que o governo, o capitalismo na impulsão de extremos cada vez mais acentuados na sociedade. Na arquitectura curiosamente percebe-se a sua subjugação à tecnologia, perdendo um pouco do seu carácter urbano, de contexto e linguagem, passando quase a ser uma mera plataforma tecno-utilitária. A urbe é radicalmente modificada pela tecnologia, o comércio (electrónico) é universal, o trabalho e documentação é imaterial e telemático, novos modos de comunicação alteram o desenvolvimento das relações sociais. São os principais factores que corrompem o que a cidade tem de essencial, o contacto humano. A segregação urbana poderá partir daí. Novos hábitos, novas necessidades, novos conceitos de bem-estar e felicidade. A cidade viverá sempre do e para o homem, ao moldar-se a esta evolução perderá a sua função. Não será mais definida por limites geográficos nem arquitectónicos, por experiências, por estilos de vida ou atitudes, por prazer ou consumismo, por rostos ou conversas. “Deus Ex” compõe uma ideia de nova cidade onde a estruturação dessa distopia se torna tão real que já só nos compete optar (jogar), numa possível realidade para chegar. O términos da história é uma dupla ironia: Deparamo-nos com quatro botões, cada um deles com um futuro diferente para a humanidade. A ironia reside tanto no resumo desse futuro a uma única pessoa, como, se não bastasse, essa pessoa só o poderá fazer porque existe uma determinada tecnologia que o permite. A tecnologia não só é o problema de todo o enredo, como no fim é o que permite a solução, no literal sentido de deus ex machina.
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Ilustrações 35 - “Deus Ex: Human Revolution,” cenário onde se reconhece bem a ideia de mega estrutura. (Eidos, 2011) Ilustrações 36, 37 - “Deus Ex: Human Revolution,” cenários representativos de realidades submetidas à evolução. (Eidos, 2011) Ilustração 38 - “Deus Ex: Human Revolution,” ilustração de Adam Jensen num momento muito humano. (Eidos, 2011) Ilustração 39 - “Deus Ex: Human Revolution,” cenário da residência de Jensen. (Eidos, 2011)
“Every machine we use – even the smallest one, leave some traces in our life; the
continuous interaction between form and content has an
emotional component.”107 (dpr-barcelona, 2012) O contexto de “Deus Ex” destaca ainda alguns detalhes com uma intensidade bem real: está bem demarcado o ensombramento geral causado pelas megaestruturas, parecendo frequentemente de noite; a luz, embora artificial, ganha outra importância sendo por vezes apenas a projecção de imagens que a possibilita (o que pode reflectir uma manipulação de espaço interessante); e os criadores do videojogo assumem a necessidade de criar elementos renascentistas (como os vãos da residência de Jensen, ou a mobília em madeira com motivos estilizados) pelo todo se ter tornado demasiado desumano. 107
“Qualquer máquina que usemos – mesmo a mais pequena, deixa vestígios na nossa vida; a interacção contínua entre forma e conteúdo tem um componente emocional.” (Tradução nossa)
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No limite, se nos resumirmos a tudo o que de material por nós passa, a verdade é que os nossos desperdícios sobrevivem-nos. Seja plástico ou ferro, sob padrões que desconhecemos, permanecem na biosfera, reorganizam-se com a natureza, sendo nós, apenas, uma memória. Podem ter pulsação, mover, fundir, encaixar, ou até sentir coisas que nós somos apenas demasiado humanos para perceber. O que nos distinguirá de matéria? Será a vulnerabilidade? Precisamos de outro tipo de matéria que nos proteja. Será o porquê da vulnerabilidade? Será a razão, ao dela nos tornar conscientes? Será a vida? O que é matéria? Massa? Átomo? Como se movimenta? I love the landfill as you love cemeteries. I am nothing more than a machine. I also want to be scrapped my blood along with lubricants and coolants, let the flesh rot next to plastic and rubber. My bones will turn into rods and camshafts the heart will stop beating along with power supplies 108 and my brain will forget everything I was, everything I did. (Siqueira apud dpr-barcelona, 2012)
Ilustrações 40 - “Meta-for”, Paula Rosa, 2008. (Rosa, 2012) Ilustração 41 - “Memorial to Empty Hearts”, Paula Rosa, 2008. (Rosa, 2012) Ilustração 42 - “Human DK”, Paula Rosa, 2008. (Rosa, 2012)
108
“Eu amo o aterro como tu amas cemitérios. Não sou nada mais que uma máquina.\ Também quero ser desmantelado\ O meu sangue juntamente com lubrificantes e refrigerantes,\ deixar a carne apodrecer com o plástico e com a borracha.\ Os meus ossos transformar-se-ão em roldanas e árvores de cames\ o meu coração parará de bater juntamente com as fontes de alimentação\ e o meu cérebro esquecerá tudo o que fui, tudo o que fiz.” (Tradução nossa)
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Hoje, ainda mais em causa se põe o racionalismo de Hegel, quando a cibernética se junta ao debate. Por mais cíclica que seja a nossa estabilidade política e social, esse ciclo por si só denota a decomposição da transcendência utópica. Aquele homem é um sonhador. Sonha em chegar à lua com aquele chapéu de chuva. Pelo caminho, encontra aquela gaivota, que imediatamente se junta a ele no sonho. Mais adiante, encontra aquele anjinho. Os anjos gostam muito de sonhadores. Ao aproximar-se do anjinho, ele diz para o homem: “pensa bem, se chegares à lua, serás simplesmente um 109 americano.” (Proserpio, 2012)
Palavras proliferadas ao mesmo tempo que, Pietro Proserpio110, aponta cada detalhe da sua invenção. Pietro constrói máquinas que desempenham a função que mais nos identifica, nós humanos, como tal: contar histórias. O facto de ser uma máquina a expor uma ideia, não só é ainda mais susceptível de diversas interpretações, como por vezes um ou outro mecanismo deixa de funcionar, o observador não se apercebe, e a mensagem acaba por ser diferente. É interessante perceber que a existência de Pietro não só é fundamental para se perceber a ideia transmitida na íntegra, como pela sua chave de fendas de bolso, que por vezes tem que resolver uma situação ou outra no próprio momento. Remete-nos para a mais verdadeira essência de máquina, e consequentemente de homem. A máquina é criada pelo homem, para comunicar algo que o homem quer transmitir ou para executar algo que o homem quer concretizar. O homem controla quando a quer ligar ou desligar. O homem arranja quando algum mecanismo teima em não funcionar. O homem. Niilismo mais puro impossível. Por mais que a evolução tecnológica se assuma como essencial, na verdade, mais que útil nunca será.
Ilustrações 43 - “O tempo e o universo,” Pietro Proserpio , 2012. (Ilustração nossa, Lx Factory, Lisboa) Ilustração 44 - Pietro a arranjar um imprevisto mecânico, 2012. (Ilustração nossa, Lx Factory, Lisboa)
109
Vide apêndice, p. 223 - Entrevista a Pietro Proserpio. Pietro Proserpio: um artista escultor cinemático actual que surge como remate deste subcapítulo “Deus Ex Machina.”
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2.2. RÚSSIA E EUROPA РОССИЯ И ЕВРОПА
A revolução Bolchevique, tal como o construtivismo, centraliza-se no raciocínio lógico e claro, com a maturidade de instituições humanas e com o estabelecimento de leis baseadas em factos científicos. A maturidade e o sucesso da revolução russa de 1917 apenas se consumaram pois pouco mais que meio século foi o tempo que a Rússia demorou a prepará-la. Num martírio sequencial de uma aristocracia que teimava em reinar, uma reactividade também sequencial foi demarcando a frustração de impotência perante a mesma. Até fevereiro de 1917.
2.2.1. ANTES DA REVOLUÇÃO DE 1917 ДО РУССКОЙ РЕВОЛЮЦИИ 1917 ГОДА
O contexto operário na Rússia é complexo e extenso. O boom ideológico marxista começa logo após a libertação dos servos111, em 1861, e a ritmo galopante, impõe-se à constituição aristocrática que prevaleceria até à era construtivista. Existiu sempre um paralelismo entre a Rússia e toda a Europa, embora não sob o mesmo contexto, as interligações existiam e é hoje evidente a relação entre ambas as nações. Por mais que seja identificada, a arquitectura russa desse período, como romantismo russo pois na Europa vivia-se sob precisamente essa influência, a verdade é que até ao período da vanguarda russa a cultura arquitectónica do país baseou-se em tradições vernáculas, influências ocidentais, cultura popular e o poder monetário de investidores interessados. Experimentalismo vingou na fase de transição que a Rússia viveu nos finais do séc. XIX e meados do séc. XX, semelhante à crise da arquitectura clássica que se fazia sentir pela Europa, também os arquitectos russos procuravam novas soluções. Com uma preparação que durou mais de duas décadas, a revolução russa de 1917 foi a porta aberta para o construtivismo sublinhar a sua teoria na prática. O novo pensamento tem uma origem universalizada, embora, nesta dissertação, se defenda que a mesma provém nitidamente dos princípios construtivistas russos que compõem o subcapítulo anterior. A opressão russa destacava-se de toda a situação europeia do final do século XIX.
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Libertação dos servos (1861): a primeira impulsão intelecto-social numa consciência que, face ao contexto russo, ganha uma dimensão deveras importante na práxis construtivista.
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Ilustrações 45 - “SINTESI FUTURISTA DELLA GUERRA,” Filippo Tommaso Marinetti, manifesto, 1914. (Danchev, 2011, p. 90) Ilustração 46 - “Estação de comboios e aviões com elevadores e carros em cabos em três pisos exteriores,” António Sant’Elia, perspectiva, 1914. (Sant'Elia, 1988, p. 85)
Arquitectónica e artisticamente, após o cubismo se ter propagado pelo pensar artístico europeu logo em meados do século XX, Itália criava o seu fenómeno artístico por volta de 1909, assinado por Filippo Tommaso Marinetti no seu “Manifesto futurista”, o futurismo, onde se terá assumido mais evidentemente a admiração pela tecnologia, velocidade, juventude, até violência. Percebe-se, em cada manifestação vanguardista, a importância da geometria como demarcação desse confronto com a passividade tradicional. António Sant’Elia foi quem começou por elevar a arquitectura a esse exponente com desenhos como os da “Nova Cidade”. Inglaterra embora menos receptiva ao modernismo, o vorticismo 112 respirava futurismo mas Wyndham Lewis impunha uma agressividade perspética que se distinguia de qualquer outro movimento com o objectivo criar movimento na própria imagem (ilustração 48). França em plena Terceira República, apenas começara a expor o seu pensamento moderno em 1921, na revista “L’Esprit Noveau” com Le Corbusier e Amédée Ozenfant como editores. Alemanha e a sua Bauhaus (1919-1933, em constante comunhão com a VKhUTEMAS) fundada por Walter Gropius, sendo mais tarde gerida por Hannes Meyer e Mies van der Rohe, sustentava a mesma vertente vanguardista, contudo, o enquadramento cultural era completamente distinto. De Stijl, fundado na Holanda em 1917, cuja designação terá degenerado da publicação periódica com o mesmo nome publicada por Theo van Doesburg, perdura por catorze anos sob um rigor geométrico ideal da forma que, tanto na simplicidade de composição como na abstracção, muito directamente se relacionava com o construtivismo.
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Vorticismo: uma vertente inglesa de pouca dura, que em muito se assemelha ao construtivismo, e consta neste trabalho pela sua agressividade perspéctica e literal.
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Ilustrações 47 - Publicação periódica “bauhaus,” 1928. (Wingler, 1969, p. 445) Ilustração 48 - Publicação periódica vorticista “BLAST,” 1914. (Weston, 1996, p. 88) Ilustração 49 - Publicação periódica “DE STIJL,” 1917. (Weston, 1996, p. 102) Ilustração 50 - Publicação periódica “L’ESPRIT NOVEAU,” 1920. (Weston, 1996, p. 107)
O impacto da condição moderna estava a fazer-se sentir por toda a Europa. Quando a Primeira Guerra Mundial teve inicio, embora Paris nunca se tivesse conseguido libertar do cubismo, a vanguarda nas artes visuais propagava-se, desenvolvendo centros exponenciais principalmente nas grandes cidades da Alemanha e Áustria. Continha uma muito forte componente de subjectividade expressiva, onde se relacionavam vertentes filosóficas e culturais, opondo-se às tendências racionais e clássicas que persistiam em permanecer pela arte de França. A verdade é que o foco recai principalmente nos centros de arte urbanos que mais tarde aderiram à modernização, neste caso na Rússia, que para além de se demarcar pela tentativa de abranger, na arte, os distintos ritmos do moderno que tanto chocaram com as sociedades até então mais atrasadas, ainda consegue integrar nessa atitude um radicalismo político-social na construção de uma nova sociedade. Talvez mesmo por esse atraso em se deixar envolver na modernização, a consciência de que a arte e a sociedade na Europa estavam em mudança permitiu que, na Rússia, se reflectisse essa mudança que mais perseverança ainda demonstrou por surgir como consequência revolucionária. Esquematizando, pode-se dizer que na década anterior à Primeira Grande Guerra, pela Europa, o cubismo, o expressionismo e o futurismo caracterizam os diversos tipos de interpretação vanguardista. A resposta à condição moderna aparenta ter sido vivida de dois modos simultaneamente interligados e opostos. Um pessimismo profundo proveniente do crescimento populacional e a sua concentração nas grandes cidades deve-se ao aparente controlo evolutivo da vida humana por parte da máquina. Com tudo o que se alcançava sentia-se que a vida perdia essência, uma dimensão de liberdade, e que o
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homem vivia cada vez mais na “gaiola de ferro”113 da modernidade. A modernização foi um fenómeno Europeu e a mudança normalmente torna-se mais intensa perto do seu limiar, quando o ritmo da mesma inicialmente se atrasa por alguma razão depois terá que acelerar drasticamente para se equilibrar. Esta é a imagem que mais conjuga com todo o contexto russo da época, o “trovão distante”114 que estaria, enfim, prestes a chegar. Já por outro lado, estas mesmas mudanças que criaram uma noção de alienação e de apocalipse, propulsionaram noutro grupo de pessoas o oposto, um género de uma hilaridade histérica. Talvez a manifestação mais demarcada deste tipo de reacção tenha sido de Marinetti, poeta italiano, simbolista tal como Blok, que começou por escrever nessa franja Europeia, a transição. Separou-se do legado simbolista de modo a conseguir conceber uma resposta à nova era. Nos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra Mundial, todo o impulso absorvido por Marinetti no termo profético futurismo foi sentido por todo o continente, desde Londres até Moscovo. O foco no dinamismo e na mudança como as marcas de referência do moderno não se dissecava pelo Marinetti. Até à invenção do motor a vapor ninguém teria antes viajado mais rápido que as possibilidades que os cavalos ofereciam. Neste início de século o homem disputavam corridas de carros entre continentes levando todo esse conceito para o ar. Por mais agressiva que seja a comparação de tais factos, na altura esta evolução devia ser mais que evidente. Tentativas filosóficas de mapear a consciência humana em termos de fluxo, mudança e sensação. Num gesto paradoxal, o triunfo da tecnologia e da ciência fomentaram uma resposta idealista à sua significância. Homem. Nasce e morre num dado tempo. Activo ou passivo, age em função de algo, pensa, reflecte, cria e destrói. Tanto é fruto do meio como o verdadeiro agente da sua transformação. Nasce num mundo que lhe é pré-existente, adapta-se e interage consoante o que o envolve social, política e culturalmente. Ou não. Como em tudo, existe a excepção. A arte, nisso, não o é. Na arte existe apenas um factor que a distancia, nesta perspectiva, de qualquer ciência. Estas procuram um fundamento, completar um raciocínio, resolver um enigma, um dilema, uma simples questão. Normalmente vivem com um fim concreto, e a arte tem a liberdade de até disso se refugiar.
113
Definição que o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) utilizou para descrever a sociedade moderna. 114 Aleksandr Blok (1880-1921), poeta russo, definia o desfasamento entre Rússia e Europa.
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Na Rússia anterior à revolução de outubro, enquanto no oeste as mudanças territoriais e culturais ocorriam em simultâneo com uma fertilização cultural cruzada, a sua vasta extensão territorial e o carácter especial na sua relação com as suas fronteiras leste e oeste, foram responsáveis por um diferente tipo de desenvolvimento. Numa cronologia tão extensa quanto a do resto do mundo, a Rússia teve apenas dois acontecimentos incisivos na sua história, as invasões da Tartária e da Mongólia, o que fez com que se criasse uma lacuna cultural, social e política de trezentos anos na evolução do país. Até à primeira invasão, a da Tartária, em 1238, toda a evolução russa condizia com a vizinha Europa e os países vizinhos do oriente. Houve uma fusão artística muito interessante desde que a Rússia aceitou o cristianismo de Bizâncio, com a ajuda das tradições nativas, a sua arte e arquitectura tornaram-se referência, inspiração e até motivação para o cristianismo ortodoxo de leste. Existia um enraizamento bastante intenso nessas tradições de uma arquitectura doméstica em madeira o que, ao longo dos séculos, acabou por se tornar uma forma de arte bastante sofisticada e complexa. Toda a tendência russa para a decoração e para a escultura provém das tradições deste tempo e a da cor da arte popular. Esta combinação das tradições com a riqueza bizantina atribuiu à arquitectura russa uma unicidade nacional bastante peculiar e representava uma das muitas fontes que acabaram por ser absorvidas pelo realismo socialista, embora de uma forma extremamente abrupta e extravagante. Mas toda a motivação que do contexto pré-modernista adveio não careceria de unicidade. A Rússia foi o local escolhido por todas as condições que implicavam mudança para se reunirem. A causa principal para que assim fosse nasce da opressão imperial que reinou séculos seguidos em coesão com enumeras tentativas frustradas de reivindicação. O prelúdio para a definitiva revolução de 1917 foi em 1905, quando o czar Nicolau II voltou a consumar promessas em vão, quando criou o Duma115 estatal sem qualquer tipo de poder definitivo e quando permitiu que acontecesse algo como o “domingo vermelho.”116 Em 1905 foi o último acto revolucionário frustrado.
115
Duma: muito pedido pelo povo revolucionário à aristocracia, surge como o primeiro parlamento eleito mas, para surpresa de todos, só com poderes consultivos. Foi uma das principais causas à origem da revolução mal sucedida de 1905. 116 “Domingo vermelho:” São Petersburgo, 22 de Janeiro de 1905, um grupo de manifestantes tipicamente pacíficos (ainda), a caminho de apresentarem uma petição ao czar, foram mortos a sangue frio pela guarda imperial. Um acontecimento que destruiu por completo o apoio ao regime czarista por parte do povo.
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2.2.2. A REVOLUÇÃO РЕВОЛЮЦИИ
Transição: exigida. Tradição: negada. Novo contexto e definição de sociedade necessários. Desde a era da revolução industrial e depois com a emancipação dos servos que já se anunciava uma mudança. Petrogrado, fevereiro de 1917, o protesto político comunista começa finalmente a demarcar a sua posição. Após o “domingo vermelho”, a Rússia viveu uma sequência de protestos, culminando em acção quando, para juntar à causa, Nicolau II assina a presença da Rússia na Primeira Guerra Mundial. A Rússia já se encontrava em crise económica, logo não podiam fornecer armamento nem munições suficientes para o bom desempenho militar, a sociedade passava cada vez mais fome pela escassez na agricultura e os preços subiam desmesuradamente. Nicolau II teria os dias contados no poder. Mencheviques e socialistas revolucionários apoderaram-se do Duma estatal e após várias assembleias, os vários grupos procuravam o melhor desempenho nesta “dualidade de poder.”117 A revolução de fevereiro permitiu que muitos que viviam em exílio no estrangeiro pudessem voltar. Abril de 1917, Lenine regressa a Petrogrado, e o partido Bolchevique ganha rapidamente uma popularidade ensurdecedora. O descontentamento em geral com o governo provisório e com a guerra, moveu massas para as motivações mais radicais. A grande influência Bolchevique por entre os operários e os camponeses, visto que eram a grande maioria da população, fez com que em setembro desse ano já fossem considerados a única oposição organizada face tanto ao governo provisório que só dava provas de incapacidade de liderança, como aos mencheviques e aos socialistas revolucionários que quereriam tudo menos largar a ideia da Rússia como um país de classes unificadas. Lenine teve que fugir para a Finlândia em julho mas volta depois do verão consciente de que a cidade não só já não se lhe apresentava perigosa como estava propícia a uma nova revolução. Outubro de 1917, o comité central Bolchevique evoca a extinção do governo provisório a favor da Petrogrado soviética. Nova revolução: aceite.
117
“Dualidade de poder” ou “poder dual” é o nome atribuído ao regime que existiu entre a primeira fase da revolução russa, em fevereiro de 1917, e a segunda fase, em outubro desse mesmo ano, em que a Rússia era governada simultaneamente pelo Soviete de Petrogrado e pelo Governo Provisório Russo.
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É o começo da propagação comunista, sob a ideologia marxista-leninista, no século XX. Rússia, agora governada por soviéticos, operários e camponeses é que elegiam os concelhos locais, era o palco de confrontos atrás de confrontos entre o “exército branco” (liberais e monárquicos) e o “exército vermelho” (Bolchevique), liderado por Trotsky. Enquanto duraram, deram nome à guerra civil russa. Todo este raciocínio contextual europeu e a finalização do mesmo na revolução russa de 1917, apresenta-se deste modo para realçar o que, agora no contexto hyNchustrutivista, se tenta consolidar como um dos princípios essenciais na procura da concretização: activismo. O “activismo” que nos direcciona a um determinado objectivo, que nos faz reflectir e agir, que questiona e consuma. Antes, durante e após a revolução, o activismo russo é do mais inspiradores de toda a história. Mergulhado em correntes político-sociais radicais e guerra declarada com um absolutismo que reinou durante séculos, teria que, a todo o custo, consolidar-se. A guerra civil é precisamente o nome dado a essa consolidação que durou precisamente cinco anos na instauração de um novo regime. Passados todos esses anos de inquietude política, eis o momento em que activismo alcança uma dimensão social e artística que, como crítica, teria agora que se impor ao que até então dominava. A celebração (que também se poderia designar de “manifestação”) do fim de tais exponentes humanos ganhou idioma próprio. Um idioma que já há muito existia na arte, agora existia nas ruas, transportado e elevado por quem sempre se submeteu. Afinal de contas, o socialismo poderia agora, finalmente, proporcionar uma vida melhor e construir uma Rússia estável e poderosa, que, embora posteriormente aos primórdios soviéticos até hoje ainda tenha tido enumeros momentos de uma vulnerabilidade extrema, natural de um país em evolução galopante, é hoje um dos lados mais importantes da balança mundial. Não só pela sua dimensão geográfica e populacional, mas pelo seu carácter e organismo geral que, desde exactamente meados da era soviética, representa uma consideração imponente na correlação mundial. No abraço a essa convicção, o activismo russo fazia-se notar de diversos modos. Para além das típicas manifestações direccionadas a problemas específicos do povo, como já se destacou no subcapítulo “O novo homem e o homem novo,” a palavra propaganda ainda carecia de sentido pejorativo e a sua ramificação passou por transportes pintados com motivos revolucionários ou políticos (os conhecidos “comboios de propaganda,” ou os “barcos de propaganda”), posters, rádio, cinema, arte no geral, jornais, manifestações, livros, teatro, etc. O homem e os seus novos valores, consequentemente também os de sociedade, seriam o foco principal. Era
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urgente a definição de novos princípios, abolir vícios e enfatizar valores de comunidade, de união. Desde o plano de propaganda monumental de Lenine, até a departamentos variados como o AGITPROP 118 do Partido Comunista da União Soviética, são inúmeras as iniciativas propagandísticas da era construtivista. Sem espaço para mais, o foco final deste capítulo incide directamente nas celebrações da revolução de outubro de 1917, pois é onde se reúne um activismo exponencial que abrange uma diversidade de preocupações, de objectivos e convicções da época, e traz esse activismo, as telas, os ideais, os modelos, para a rua. Evoca, reivindica e afirma.
Ilustração 51 - Vista geral da Praça do Palácio, à esquerda está o Palácio de Inverno com uma pintura de V. I. Kozlinsky e à direita a Coluna de Alexandre com várias telas em seu redor. (Cooke et al., 1990)
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Departamento de Agitação e de Propaganda do Partido Comunista da União Soviética.
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Ilustrações 52 - Exército Vermelho no Campo das Vítimas da Revolução, May Day, Petrogrado, 1923. (Cooke et al., 1990) Ilustração 53 - “The Apotheosis of October,” P. S. Duplitsky, décimo aniversário da revolução, 1927. (Cooke et al., 1990) Ilustração 54 - Carruagem de um “comboio de propaganda” para a frente de leste, 1919. (Kopp, 1970, p. 49) Ilustração 55 - “Barco de propaganda,” 1919. (Kopp, 1970, p. 49) Ilustração 56 - Carro alegórico representativo de uma das fábricas da cidade, sétimo aniversário da revolução, 1924. (Cooke et al., 1990) Ilustração 57 - “The Apotheosis of October,” P. S. Duplitsky, décimo aniversário da revolução, 1927. (Cooke et al., 1990) Ilustração 58 - Carro alegórico de Lenine que falecera a 21 de Janeiro desse mesmo ano, May Day, 1924. (Cooke et al., 1990) Ilustração 59 - Carro alegórico de uma imitação básica do modelo de Tatlin para a Terceira Internacional de 1919, May Day, 1925. (Cooke et al., 1990)
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Ilustrações 60 - Vista do Hotel Metrópole com a instalação da MTS (“Machine-Tractor Station”) em grande escala, N. A. Musatov, May Day, praça Sverdlov, Moscovo, 1933. (Cooke et al., 1990) Ilustração 61 - Carro alegórico representativo de uma locomotiva, quinto aniversário da revolução, Moscovo, 1922. (Cooke et al., 1990) Ilustração 62 - Composição decorativa do “Promfinplan” (“The State Industrial and Financial Plan”), May Day, praça Vermelha, Moscovo, 1930. (Cooke et al., 1990) Ilustração 63 - Estrutura decorativa sob o tema “A frente vermelha,” V. A. Raevskaya, May Day, Campo das Vítimas da Revolução, Leninegrado, 1930. (Cooke et al., 1990) Ilustração 64 - Detalhe do modelo do MTS, N. A. Musatov, May Day, praça Sverdlov, Moscovo, 1933. (Cooke et al., 1990) Ilustração 65 - Carro alegórico da União dos Operários Metalúrgicos, decorado com um globo e uma imagem de Marx, May Day, praça Skobelev, Moscovo, 1918. (Cooke et al., 1990)
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Ilustrações 66 - May Day, praça Uritsky, Leninegrado, 1932. (Cooke et al., 1990) Ilustração 67 - May Day, praça Uritsky, Leninegrado, 1931. (Cooke et al., 1990) Ilustração 68 - Uma procissão de operários que transportam consigo a maqueta das suas novas habitações em Moscovo, sob o regime Soviético, décimo quarto aniversário da revolução, Moscovo, 1931. (Cooke et al., 1990)
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2.2.3. COMUNISMO POÉTICO E A ABSTRACÇÃO DE PODER КОММУНИЗМ ПОЭТИЧЕСКИХ И АБСТРАКТНОСТЬ ВЛАСТИ
Na sociedade, na arquitectura, no construtivismo, hoje, e indiscutivelmente amanhã, é complicado consolidar uma posição relativamente à veracidade daquilo em que se acredita. Isto é, concretamente em relação ao contexto da dissertação, indiscutível é a afirmação de que o proletariado teria que ser o foco de intervenção, mas igualmente indiscutível é o simples facto de que, pela sua ignorância em geral, pela tradicional opressão, pelas suas condições desde sempre precárias, pela indiferença, pela exploração e pela fome, é precisamente o proletariado que acreditaria em qualquer coisa a partir do momento em que se lhe fosse ensinado a sonhar. […] We are in the eighteenth century. An illusionist well versed in clockwork has devised an automaton. An automaton so perfect, with movements so fluid and natural, that when the illusionist and his creation appear on the stage together, the audience cannot tell which is which. The illusionist then finds himself obliged to make his own gestures mechanical, and – in what is really the pinnacle of his art – to alter his own appearance slightly so as to give his show its full meaning; the spectators would eventually chafe if they were left in doubt as to which of the two figures was ‘real’, and the neatest solution is that they should take the man for the machine, and vice versa. […]. 119 (Baudrillard, 2005, p. 59)
Uma das muitas ilustrações baudrillardianas que transbordam de analogias. Na cena principal da ilustração está a noção do poder de espectáculo, a comunicação para com uma multidão, e o que poderá a verdadeira essência dessa comunicação. Uma analogia directa à política e à sua relação com a sociedade. No construtivismo, a ignorância levou ao sucesso do espectáculo político, que embora entre 1917 e 1925 parecesse ter muito de genuíno, foi apenas o prelúdio a que o espectador se tornasse o actor principal. Mas tão importante quanto o espectáculo, está bem patente a “[…] a familiar fatal relationship to technology”120 (Baudrillard, 2005, p. 59), que tanto na actualidade como no esplendor da industrialização do início da União Soviética, se enquadra tão bem quanto o lado poético do comunismo. Muito contra a convicção em relação à essência de Pietro, esta citação representa um claro eufemismo da máquina que esmaga o 119
“ [...] estamos no século dezoito. Um ilusionista experiente em mecanismos de relógios inventou um autómato. Um autómato tão perfeito, com movimentos tão fluidos e naturais, que quando o ilusionista e a sua criação entram juntos em palco, o público não consegue dizer quem é quem. O ilusionista vê-se obrigado a tornar os seus gestos mecânicos, e – no que é realmente o pináculo da sua arte – a alterar a sua própria aparência levemente de modo a dar ao espectáculo o seu verdadeiro sentido; os espectadores poderiam eventualmente irritar-se se permanecessem na dúvida de qual das duas figuras seria a ‘real’, e a mais pura solução é que deveriam escolher o homem como a máquina, e vice versa […].” (Tradução nossa). 120 “[...] fatal relação familiar com a tecnologia.” (Tradução nossa).
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homem enquanto ser funcional, enquanto essencial. A subjectividade humana que advém da evolução, Baudrillard assume-a iminente. Duas formas de poder abstracto que acentuam “[…] the void that separates us from our power; […]”121 (Baudrillard, 2005, p. 58). É um vazio complexo, que poderá ter vários nomes, contudo, hyNchustrutivismo defende a posição de Lebbeus Woods 122 quando o denomina de ideologia. O homem, aquele que raciocina e ambiciona, muito dificilmente se soltará do futuro. A ideologia, face ao futuro, direcciona-nos activamente numa convicção, embora corroa o que “Deus Ex” mais persiste em representar como fundamental: livre arbítrio. Ideologies insist on enforced belief, and thus on non-choice. It makes no difference what the ideologies are, of the Right or Left, of nation or race or religion. Freedom is nothing more than or less than the freedom to choose between as broad a range of possibilities as conditions present. Freedom of choice obviates ideologies by placing them on a landscape of incessant dialogue and inescapable relationship with others. There it is not possible to choose non-choice. 123 (Woods, 1993, p. 8)
A revolução de outubro de 1917, a consequente guerra civil russa, as novas noções de comunismo da União Soviética, a própria existência dos exércitos vermelho e branco, e tudo o que envolve o conceito de poder, são imposições de crença através do medo. Eis quando se “dá” o poder ao proletariado, sob a mais pura convicção comunista, o espectáculo da revolução em prol do homem, quando, no entanto, o autómato seria quem tinha o verdadeiro poder, tanto face à multidão como face ao seu criador.
121
“[...] vazio que nos separa do nosso poder [...]” (Tradução nossa). Lebbeus Woods (1940), arquitecto, artista e pensador americano. Uma posição actual de uma das vertentes mais radicais de arquitectura. 123 “Ideologias insistem em crença imposta, e consequentemente não-escolha. Não faz diferença de que ideologia se trata, de direita ou esquerda, de nação ou raça ou religião. Liberdade é nada mais que ou menos que a liberdade de escolher entre tanto uma gama vasta de possibilidades como condições existentes. A liberdade de escolha obvia ideologias colocando-as num panorama de diálogo incessante e de relacionamento inescapável com outros. Aí não será possível optar pela não-opção.” (Tradução nossa). 122
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3. ARTE
COM O PAVIO
ИСКУССТВО КАК ФИТИЛЬ
Tectonic, factura, construction. Retaining the lasting material and formal basis of art such as colour, line, surface, volume and movement, artistic work materialistically directed will become, in conditions of expedient activity and intellectual-material production, capable of opening new means of artistic expression. Not to reflect, not to represent and not to interpret reality, but to really build and express the systematic tasks of the new class, the proletariat. The master of colour and line, the builder of space-volume forms and the organizer of mass productions must all become constructors in the general work of the arming and moving of the many-millioned human masses…. Our Constructivism has declared unconditional war on art for the means and qualities of art are not able to systematize the feelings of a revolutionary environment. […] (Gan apud Harrison et al., 2003, p. 344)
Ilustração 69 - “Nós ensinamos a ver.” (Ilustração nossa)
Ilustração 69 - “Nós ensinamos a ver.” (Ilustração nossa)
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3.1. NOVO PENSAR DO SÉCULO XX НОВОЕ МЫШЛЕНИЕ XX ВЕКА
1. Destroy the all-canons freezer which turns inspiration into ice. 2. Destroy the old language, powerless to keep up with life’s leaps and bounds. 124 3. Throw the old masters overboard from the ship of modernity. (Mayakovsky apud Danchev, 2011, p. 103)
Após a revolução e mais tarde, à medida que os anos vinte se iam tornando trinta, argumentos selvagens enraiveciam no mundo da arte soviética. O extremismo era literalmente tudo excepto a definição de todos os programas artísticos, não existia misericórdia para com os adversários, e tristemente, por vezes nem sequer se tentava perceber o porquê da oposição. Muitas das disputas eram forçadas, muitos dos conflitos nem sequer passavam do imaginário, como até o próprio consenso provou por várias vezes também o ser. “The actual battleline was often far away from the polemical front, and there were silent disputes - not between artists but between their works.”125 (Guerman, 1988, p. 7) O novo pensar invadiria todo e qualquer aspecto da vida soviética, sendo a arte das áreas mais importantes no entendimento da arquitectura, pois não só explora vários níveis de experimentação, como é pura inspiração para quem reflecte sobre espaço na sua procura/exploração variada da 2ª, 3ª e 4ª dimensões. O aspecto da arte russa dos anos vinte que provavelmente tem sido mais complicado de prevalecer de uma definição ajustada é precisamente a ebulição e a intensidade explosiva sem precedentes da vida artística numa era de mudança social veloz e dificuldades diárias - uma era de fome, frio e carência de materiais e de condições de trabalho elementares. As mudanças políticas há muito esperadas na Rússia não afectariam apenas o mundo, mas o mundo interior dos artistas também sofrera as suas consequências. Até quem há muito ansiava a revolução com convicção e esperança não aceitaram com facilidade a nova realidade pela sua rigidez. A imaginação dos artistas colidiu com o aqui e com o agora. Mesmo com alguns resultados trágicos, muitos artistas encararam esta era como, embora dolorosa, um benefício para a inovação e para alcançar uma nova audiência.
124
Vide anexo D, p. 247 - Vladimir Mayakovsky: A Drop of Tar, 1915. “1. Destruir o congelador de cânones que transforma inspiração em gelo.\ 2. Destruir a linguagem antiga, incapaz de acompanhar os saltos e ressaltos da vida.\ 3. Atirem os velhos mestres pela borda fora do navio da modernidade.” (Tradução nossa) 125 “A verdadeira linha de batalha estava frequentemente afastada da frente polémica, e existiam conflitos silenciosos - não entre artistas mas entre as suas obras.” (Tradução nossa)
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Existe um elo óbvio entre os acontecimentos que ocorreram na Rússia de meados dos anos vinte com os anos anteriores. Esta noção de pioneirismo, na Rússia, nesta época, é, como já aqui se constatou, de uma extensão incalculável. Homens e mulheres que aderiram à expressão da nova era, muitos deles estavam intimamente ligados ao virar do século. Não só muitos dos grupos de artistas que já existiam perduraram como se mantiveram fieis às suas tradições de sempre e como ainda em muito influenciaram as novas direcções que a arte tomava. Como reforço de ideia, muita da arte que hoje em dia é considerada arte da revolução - como o classicismo patente no “Banho do Cavalo Vermelho,” 1912, de Kuzma Petrov-Vodkin126 (ilustração 70), os manifestos furiosos dos futuristas ou as experiências corajosas de Malevich - foi criada antes dos acontecimentos de novembro de 1917. O florescer da arte nos anos vinte foi alimentado pelas esperanças e preocupações dos anos pré-revolução, enquanto novas disputas era verdadeiras extensões de disputas já travadas no passado, embora a situação pós-revolução fosse radicalmente diferente. Nestes primeiros anos, o corte verbal e o impelir constante entre os vários grupos de artistas tornava a situação bem mais complexa que a simples justaposição de trabalhos de referência específicos de artistas específicos. Por exemplo, o “Violino” de Petrov-Vodkin, 1918 (ilustração 71), com o seu surpreendente universo cambaleante, com o charme da representação das cores de plástico desintegrado numa janela suja, uma desprotecção pungente de um instrumento frágil num mundo instável e desertificado. A verdadeira beleza da desprotecção afirmando o quão essencial e importante ela é para o homem.
Ilustrações 70 - “The Bathing of the Red Horse,” Petrov-Vodkin, 1912. (Rusakov et al., 1986, p. 59) Ilustração 71 - “Violin,” Petrov-Vodkin, 1918. (Rusakov et al., 1986, p. 114) 126
Kuzma Petrov-Vodkin (1878-1939), pintor russo que não abraçou a vanguarda modernista da época, mas dos mais importantes destacar como paralelismo.
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Esta obra, que é um exemplo de uma destilação poética das esperanças e confusões que existiam nesta altura e que ainda hoje dificulta o processo de abrangência do todo vanguardista Russo, será uma antítese por exemplo ao experimentalismo de Malevich? Ou reflectirá o mesmo mas de uma outra forma? Há uma face artística desta época que seria importante aprofundar e transmitir, uma série de referências que exacerbam de intensidade e que só com o passar dos anos se foram dignificando no seu reconhecimento, talvez por não terem desempenhado um papel tão activo ou tão sonante na opressão dos que a eles se opunham, mas que igualmente criaram, face a tão complexa tarefa como a avaliação do importante estrato da arte na era construtivista. Sublinha-se discretamente Pavel Filonov127, com toda a influência que tem a mestria das pinturas e desenhos. Embora o fenómeno de Filonov possa parecer que não se enquadra na história da arte, as respectivas raízes daí claramente advêm. São reveladas não tão típicas da cultura russa: a consciência inflamada (Guerman, 1988, p. 7), o dom de antever que proclama que o sofrimento e o mal devem ser vividos antes de se atingir a harmonia, e uma percepção analítica rara que fragmenta as moléculas do mundo visível, tal como Dostoyevsky fragmentou as profundezas abismais do subconsciente. Contudo, Dostoyevsky, Tolstoy, Pushkin, etc., seriam precisamente quem Mayakovsky definiria como exclusão importante do navio da modernidade. (Danchev, 2011, p. 43) O foco deve ser empregue na objectividade formal que tanto caracterizou o caminho desde a abstracção à efectivação arquitectónica. No entanto, quando a era construtivista é o tema, é fácil (hoje) ser-se conduzido para toda a energia explosiva inovadora e independente como era a de Filonov ou a de Wassily Kandinsky, principalmente pelo seu carácter comunicativo. No construtivismo, a vertente propagandística é tão importante quanto a essência de qualquer mensagem, pois não só a divulga como a potencia. ROSTA128 surge como um grande exemplo nos posters pelos seus elementos criados. Preservam o intenso entusiasmo que se vivia na altura, quando as experiências mais audazes tinham também a intenção transmitir uma qualquer mensagem social. O temperamento robusto dos artistas que deram continuidade à tradição do Valete de Ouros129, verte uma nova luz na viabilidade deste rumo revolucionário, particularmente nos anos vinte, tal como a sua própria reflexão do progresso ansioso das mudanças que estavam a decorrer. 127
Pavel Filonov (1883-1941), pintor, teórico de arte e poeta russo, anti-cubista, modernista sob realismo analítico, que o próprio defendia não se limitar à superfície do objecto como o cubismo, mas representaria elementos intrínsecos à alma do próprio objecto. 128 ROSTA: Agência Telegráfica Russa, responsável por um dos tipos de propaganda mais carismáticos da época 129 Grupo de artistas fundado em 1909 em Moscovo. Um grupo radical e polémico, embora rapidamente se tenha tornado um dos mais importantes dos primórdios vanguardistas russos, durou apenas dois anos.
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O Valete de Ouros poderá consagrar-se como o primeiro grupo que expôs os verdadeiros princípios para o modernismo soviético, dentro de um activismo radical muito próprio, que acabaria por ser a maior contribuição para a democratização da sociedade da arte na Rússia. Dentro das divergências naturais de grupos de arte radicais, o Valete de Ouros desintegra-se, fundando um dos seus elementos, Mikhail Larionov, o grupo “Donkey’s Tail” 130 que seria onde começariam as verdadeiras experiências cubo-futuristas e raionistas131, e onde lideravam nomes como Malevich, Larionov, Natalia Goncharova e Aleksandr Shevchenko. A Rússia sempre procurou desenvolver os seus próprios métodos na arte (primitivismo russo, cezannismo russo, raionismo, construtivismo, etc.), não só afirmando autonomia e unicidade como revelando orgulho na sua independência geopolítica. Raionismo não é excepção, liderado por Larionov e Goncharova, é talvez o primeiro grito vanguardista que assume indiferença para com tudo e todos, anti-agostiniano:
We, Rayonists and Futurists, do not wish to speak about new or old art, and even less about modern Western art. We leave the old art to die and leave the ‘new’ art to do battle with it; and incidentally, apart from a battle and a very easy one, the ‘new’ art cannot advance anything of its own. It is useful to put manure on barren ground, 132 but this dirty work does not interest us. (Danchev, 2011, p. 45)
Ilustrações 72 - “Blue Rayonism,” Mikhail Larionov, 1912. (Gray, 1986, p. 133) Ilustração 73 - “Cats,” Natalia Goncharova, 1911-12. (Gray, 1986, p. 138) Ilustração 74 - “Portrait of Vladimir Tatlin,” Mikhail Larionov, 1913-14. (Gray, 1986, p. 139) 130
Grupo de artistas fundado em 1911 em Moscovo. “Cauda de burro.” (Tradução nossa) Raionismo: movimento russo claramente proveniente do futurismo de Marinetti, caracterizado pela agressividade perspéctica e movimento abstractos que ligavam directamente o artista e o público. 132 Vide anexo B, p. 237 - Mikhail Larionov e Natalia Goncharova: Rayonists and Futurists: A Manifesto, 1913. “Nós, raionistas e futuristas, não pretendemos falar sobre arte nova ou velha, muito menos sobre arte moderna ocidental.\ Deixamos a arte velha morrer e deixamos a arte “nova” disputar com isso; e incidentalmente, aparte de uma batalha por sua vez muito fácil, a “nova” arte não conseguirá avançar com nada seu. É útil pôr adubo em solo árido, mas esse trabalho sujo não nos interessa.” (Tradução nossa) 131
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Malevich, a sensação que causou por muitos mais anos continuará a ter as suas influências. Um dos pais da vanguarda contemporânea cuja arte e respectivos princípios serviram de manifesto para gerações de abstraccionistas por todo o mundo, Malevich foi até ao fim dos seus dias um artista da Rússia soviética, preocupado com o seu bem-estar e com o dinamismo da sua arte, e ainda para muitos artistas conterrâneos, foi um estimado professor e mentor. Um mundo desprovido de volume (embora faça experiências volumétricas), sombra, e por vezes, embora apareçam pessoas nas suas composições, o seu mundo possui uma harmonia rigorosa, no sentido geométrico e da não-figuração. We see an unusual picture. The new order of objects makes reason shudder. The mob screams and spits, critics rush at the artist like dogs from a gateway. (Shame on them.) The futurists have shown enormous strength of will in destroying the habits of the ancient mind, in stripping the hardened skin of academism and 133 spitting in the face of the old common sense. (Malevich apud Railing, 1999, p. 35)
A vanguarda geralmente atrai e choca. A verdade é que para além das grandes experiências dos representantes mais famosos, para além dos grandes clássicos pósrevolucionários e das belas telas da LEF, há um grande estrato de arte que, se não totalmente desconhecida, passa muito despercebida, como passou nos últimos quarenta ou cinquenta anos. Uma das principais razões para esse acontecimento foi precisamente a crença generalizada de que, 1917, teria sido um vínculo de transição na arte russa. A veracidade desta constatação é parcial. Se toda a situação social se alterou e em sincronização o contexto social e civil de muitos artistas também, não quererá dizer que a essência, enquanto artistas, tenha mudado em paralelo. Enquanto declaravam a sua lealdade para o problema da forma, os membros do movimento “quatro artes”134, que não eram apenas altamente cultos (visto que muitos já tinham até pertencido a outros grupos como o “mundo da arte”135) como de uma seriedade vincada na sua estética e sensibilidade social, não se separavam do expressionismo, mergulhando sob temas contemporâneos embora sob técnicas anti-vanguardismo.
133
Vide anexo E, p. 253 - Kazimir Malevich: From Cubism and Futurism to Suprematism, 1916. “Deparamo-nos com uma imagem incomum.\ A nova ordem dos objectos faz a razão tremer.\ A ralé grita e cospe, críticos precipitam-se sobre os artistas como cães que guardam o portão de entrada. (Que vergonha.)\ Os futuristas demonstraram uma enorme força de vontade em destruir os hábitos da mente antiquada, descascando a pele dura do academismo e cuspindo na cara do velho senso comum.” (Tradução nossa) 134 “Quatro artes” (1925): grupo artístico que juntou um grupo de artistas sólidos e experientes. O seu nome deve-se a englobar arquitectos, pintores, artistas gráficos e escultores. 135 “Mundo da arte” (1898): grupo artístico muito abrangente, activo e poderoso, mas que em nada se relacionava com princípios vanguardistas.
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A pintura, os desenhos e estampagens soviéticos dos anos vinte e trinta tinham uma ligação muito forte com o que vivia para além das belas artes. A literatura, o teatro e o cinema. Entre muitos nomes, nas artes visuais sobressai (constantemente) Rodchenko, com uma imensa substância em design, em escultura, em fotografia, fotomontagem e alguma participação cinematográfica. As suas foto-colagens inseriamse no mesmo domínio do pensamento de Filonov e as suas esculturas continham uma afinidade nítida com o “Monumento para a Terceira Internacional” de Tatlin, enquanto que a nível da fotografia, parte estava directamente relacionada com a noção de estética da OST136 que passava pela qualidade emocional e pela escolha de tipos. Rodchenko trabalhou durante uma era em que o cinema viva um progresso instantâneo, Sergei Eisenstein137 começava a utilizar dispositivos de montagem sem precedentes e Dziga Vertov138 estava a filmar uma sequência de documentários de grande nível para o seu mundialmente já muito famoso jornal cinematográfico KinoGlaz. Talvez tenha sido mesmo Vertov quem melhor caracterizou toda a procura emaranhada dos anos vinte e trinta.
Ilustração 75 - Poster da revista Kino-Glaz de Dziga Vertov, Aleksandr Rodchenko, 1924. (Weston, 1996, p. 155) 136
OST: Sociedade de Artistas de Cavalete. Sergei Eisenstein (1898-1948), realizador de cinema soviético com registos importantes entre a guerra e a sociedade, considerado “pai da montagem.” 138 Dziga Vertov (1896-1954), realizador de cinema soviético com concepções muito importantes do novo modo de vida. 137
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Estas experiências artísticas partilhadas são bem ilustradas pela OST, que ocupa uma posição verdadeiramente importante na história da arte soviética dos anos vinte e trinta, tanto pela sua persistência na tentativa de expressar a nova realidade em termos poéticos como pelo seu papel no desenvolvimento da pintura soviética. A OST é um exemplo típico da cooperação natural por entre artistas de convicções distintas, que nem eram vanguardistas marxistas nem meros registadores da vida quotidiana. A história da OST é como a destilação de conflitos característicos e frutíferos, as greves e as conquistas dessa era, em miniatura. A esmagadora maioria dos seus membros tinha já estudado VKhUTEMAS, e resistiram ao teste de serem instruídos por professores que competiam entre si com interesses completamente distintos. Embora muito se tenha vindo a dizer sobre as deficiências de ensino por parte da VKhUTEMAS, elevadíssimos eram os requerimentos profissionais exigidos no sistema. As aulas leccionadas por Rodchenko e El Lissitzky, com o seu culto de grafismo ascético e experimentação composicional, e a oportunidade pelo estudo exaustivo das colecções de pintura pós-impressionistas, forneciam uma base sólida para alcançar uma individualidade criativa. O artista-rebento podia familiarizar-se com trabalhos executados pelos mais modernos mestres no Museu de Cultura Artística, museu que pode ser denominado como o local de nascimento da OST. Ainda se deve sublinhar que os objectivos da OST desafiavam não só uma aproximação documentaria à AKhRR 139 como às experiências vanguardistas mais abstractas. O mundo da actividade humana, a cidade, a fábrica, as ruas movimentadas, era precisamente pelo que os membros da OST inicialmente mais se interessavam, embora o todo temático e motivador nunca se esgotasse. Graças em grande parte à OST, o valor estético da era da máquina foi-nos revelado. Alguns artistas que subordinaram o seu sistema plástico ao poder da máquina, conquistadora, todopoderosa. Os membros da OST, no entanto, tentaram reconciliar a urbanização e os valores tradicionais do mundo visual. Por entre tão variada iniciativa artística, sob reflexão na exploração de escultura cinética, Naum Gabo e o seu irmão Antoine Pevsner desenvolvem “o manifesto realista,”140 que assumidamente como parte integrante do construtivismo não evoca a noção de “realismo” artístico, mas sim uma arte que se dedica à “vida real.”
139 140
AKhRR: Associação de Artistas da Rússia Revolucionária. Vide anexo H, p. 279 - Naum Gabo e Antoine Pevsner: The Realistic Manifesto, 1920.
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141
Besides those two artistic schools our recent past has had nothing of importance or deserving attention. But Life does not wait and the growth of generations does not stop and we go to relieve those who have passed into history, having in our hands the results of their experiments, with their mistakes and their achievements, after years of experience equal to centuries… we say… No new artistic system will withstand the pressure of a growing new culture 142 until the very foundation of Art will be erected on the real laws of Life. (Naum Gabo apud Danchev, 2011, p. 191)
No começo dos anos trinta, o tom da luta entre ideias artísticas começou a ser travada pela RAPP143 e pela RAPKh144, que despoletaram de forma agressiva o avanço da arte do proletariado e declararam guerra a quem não prescindia da exclusividade do seu próprio ponto de vista. Até que em 1932, quando se forma o Comité Central da União do Partido Comunista, a 23 de abril, aprova-se dissolução de todos os grupos literários e artísticos.
141
Cubismo e futurismo. “Para além dessas duas escolas artísticas o nosso passado recente não tem tido nada de importante ou que mereça atenção.\ Mas a Vida não espera e o crescimento das gerações não pára, e nós aliviemos aqueles que passaram a história, tendo nas nossas mãos os resultados das suas experiências, com os seus erros e conquistas, após anos de experiência equivalentes a séculos... nós dizemos...\ Nenhum novo sistema artístico resistirá à pressão de uma nova cultura em crescimento até que a própria fundação da Arte seja erguida sobre as leis reais da Vida.” (Tradução nossa) 143 RAPP: Associação Russa dos Escritores do Proletariado. 144 RAPKh: Associação Russa dos Artistas do Proletariado. 142
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3.2. A GEOMETRIA E A ABSTRACÇÃO ЗНАЧЕНИЕ ГЕОМЕТРИИ
Through a transformed, [more] abstract reality, the artist will be liberated from all the conventional world-views that existed hitherto. In the absolute freedom of non-objectivity and under the precise dictation of its consciousness (which helps the expediency and necessity of the new artistic organization to manifest themselves), [the artist] is now constructing [his] own art, with total conviction. Our fanaticism is conscious and assured, for the scope of our experiences has taught us to assume our positive place in history. The more organized, the more essential the new forms in art, the more apparent it will become that our era is a great one and indispensable to humanity. (Form + colour + texture + rhythm + material + etc.) x ideology (the need to 145 organize) = our art. (Popova apud Danchev, 2011, pp. 196, 197)
Ilustrações 76 - “Construction by Ioganson (Representation),” Karl Ioganson, 1922. (Gough, 2005, p. 108) Ilustração 77 - “Graphic Representation of a Construction,” Karl Ioganson, 1921. (Gough, 2005, plate 8)
145
Vide anexo I, p. 287 - Liubov Popova: On Organizing Anew, 1921. “Através de uma realidade transformada, [mais] abstracta, o artista será liberado de todas as visões do mundo convencionais que existiram até então.\ Na liberdade absoluta da não-objectividade e sob o ditar preciso da sua consciência (que ajuda na expediência e na necessidade que a nova organização artística tem em se manifestar), [o artista] constrói agora a [sua] própria arte, com total convicção.\ O nosso fanatismo é consciente e seguro, no âmbito das nossas experiência ensinou-nos a assumir a nossa posição positiva na história.\ Quanto mais organizadas, quanto mais essenciais as novas formas na arte, mais evidente se tornará que a nossa era é grande e indispensável para a humanidade.\ (Forma + cor + textura + ritmo + material + etc.) x ideologia (a necessidade de organizar) = nossa arte.” (Tradução nossa)
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A geometria tem uma história vasta, complexa mas muito lógica. E no contexto hyNchustrutivista, o boom não-euclidiano na geometria e consequentes influências na arte e na arquitectura também mora na essência construtivista, como à grande maioria dos movimentos simultâneos e adjacentes. Na geometria reside não só o mais eficaz contraste com a tradição, pelo seu formalismo e arrogância, como (talvez por isso mesmo) a mais mútua sintonia com revolução. É precisamente uma das alíneas mais importantes deste documento que a geometria tão bem ajuda a relatar, a relação tradição/evolução, os desafios que daí advêm e como a resolução desse desafio passa, na grande maioria das vezes, pela total indiferença a uma das suas premissas. Defende-se aqui que ambas as premissas devem ser sempre evocadas nesse processo de pensamento e/ou criação, o desafio não se deve resumir ao imediatismo dessa negação e funcionar como um organismo que somente nessa relação se pode desenvolver e concretizar. Tanto geometria como abstracção não pretendem existir somente sobre si próprias, antes pelo contrário, a eficácia da sua intensidade só é permitida pelas várias vertentes que a negam. Este é um dos pontos mais importantes do raciocínio hyNchustrutivista: por norma, a revolução reivindica mudança, reivindica um novo sistema como solução de tudo que o que se manifesta incompatível com a sociedade, mas na realidade o extremismo da mudança total, por mais totalitário que seja o regime, nunca existe, nem faria sentido. Neste seguimento, revoca-se o raciocínio tipicamente agostiniano, em que nada poderá existir sem que, em simultâneo, exista algum tipo de negação. Pela primeira vez era possível identificar beleza no discurso matemático. Embora não seja o foco desta análise, é a geometria que marca esse momento de revolução na matriz matemática que até então se defendia. Pois muitos dos artistas nem teriam muita afinidade com a matemática propriamente dita, mas com o formalismo que a geometria permite, fosse ela ou não matematicamente concebida, é essencial no mundo da arte e da arquitectura principalmente na afirmação da era modernista. Karl Ioganson será um dos grandes exemplos do construtivista enquanto inventor, dedicava todo o seu empenho à noção técnica de uma construção, e no cerne desta pesquisa, ao lado de Malevich, El Lissitzky, irmãos Stenberg e Rodchenko, destaca-se como uma das pontes principais entre desenho e escultura, entre bidimensionalidade (ilustrações 76, 77) e tridimensionalidade, ortogonalidade e inércia. Estuda nas suas composições tridimensionais (ilustração 13) noções de tensão, inércia de materiais, a estrutura que manipula espaço. O mais interessante da sua postura artística passa por Ioganson admitir desde sempre que a “arte é uma mentira,” e que o artista apenas tem a função de enganar toda a gente, como que um parasita (Gough, 2005, p. 106).
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A abstracção das representações construtivistas em geral gerou uma série de debates na INKhUK sobre funcionalismo, onde se debatia se a forma ou estrutura de um objecto deveria ou poderia ser determinada antecipadamente pelo propósito ou função do objecto em questão. Ao contrário de Ioganson, Rodchenko defendia que deveria existir um propósito para o objecto desde a sua concepção.
Ilustração 78 - “Composition,” Aleksandr Rodchenko, 1917. (Gough, 2005, plate 6)
É frequente a denúncia da arte abstracta e/ou geométrica como falha na comunicação com a humanidade, argumentando que o homem nunca será capaz de identificar a sua mais íntima emoção nem o seu mais alto nível de ambição num tipo de expressão que o restringe à pureza e impersonalidade da forma geométrica. Esta é precisamente uma das perspectivas da relação do homem com a arte, e com o seu próprio meio, que denota a falácia patética 146 dos românticos. A ideia de que o exterior existe como uma ressonância agradável ao sentimento humano, e que o artista deveria recriar essa mesma ressonância nas suas obras. Essa suposição confortável de uma qualquer harmonia entre o sentimento humano e o mundo exterior é precisamente algo que o construtivismo rejeita. Em oposição, afirma que o homem deve ele mesmo ser o criador da ordem num mundo que não é, por definição, nem condolente nem hostil, e que o artista deve ter o papel principal na definição da tipologia da ordem que deve ser imposta.
146
Falácia patética: uma declaração dirigida ao exagero romântico na intolerância ao formalismo.
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3.3. O LABORATÓRIO ЛАБОРАТОРИЯ
[...] The concept of constructivism can be defined as any compact combination and articulation of differing objects that can be united in a whole. Apart from that, a construction represents a concept that acquaints us in practical, visual, tangible and experimental forms with the different principles of unification. When certain solids in conjunction with others form something whole and harmonious, and this whole presents a definite coherent composition, the problem of constructivism is resolved. The totality of all the participating elements indicates that the combination of all the elements creates a phenomenon that we call a construction. The birth of constructive principles occurs when there is a real necessity 147 and demand for it. […] (Chernikhov apud Bann, 1974, p. 164) […] However embryonic man’s first achievements in industry were, the nevertheless required a constructive unification of their parts. Aspects of constructive solutions were being advanced, developed, and perfected throughout the natural development of all technology. We should therefore acknowledge industrial technology and the gradual perfecting of each construction resolved by man as one of the fundamentals of 148 constructivism. (Chernikhov apud Bann, 1974, p. 166)
Durante a revolução, grande parte do processo de mobilização de massas passou por artistas e activistas com baldes de tinta, criando murais por vezes de tamanho colossal para que a mensagem fosse constante. Fachadas edifícios pelas grandes cidades, inutilizados ou inacabados, seriam tela para frescos, abstractos ou realistas; placards de todo o tipo desenhados por artistas; “propaganda trains”149 (Babel apud Kopp, 1970, p. 45) que se movimentavam pelos campos, onde a realidade por vezes era ambígua, tudo fazia parte do oficial plano de propaganda monumental. A revolução precisaria da arte tanto quanto a arte precisaria da revolução. É precisamente sob este activismo que os artistas criam no seu “laboratório.” Recorre ao pensar sobre a acção. Um formalismo industrial em cada ideia, em cada objecto.
147
“O conceito de construtivismo pode ser definido como uma qualquer combinação e articulação compacta de objectos distintos que podem ser unidos como um todo. Aparte disso, uma construção representa um conceito que nos familiariza de modo prático, visual, tangível e experimental com os diferentes princípios de unificação. Quando certos sólidos, em conjunção com outros, formam algo completo e harmonioso, e esse todo apresenta-se como uma composição coerente definida, então o problema do construtivismo está resolvido. A totalidade de todos os elementos participativos indica que a combinação de todos esses elementos gera um fenómeno, ao qual chamamos uma construção.\ O nascimento de princípios construtivos ocorre quando existe uma necessidade real e uma procura dos mesmos. [...]” (Tradução nossa) 148 “Por mais embrionárias que tenham sido as primeiras conquistas do homem na indústria, ainda assim exigiam uma unificação construtiva das suas partes. Aspectos de soluções construtivas estavam a ser explorados, desenvolvidos e aperfeiçoados como parte do desenvolvimento natural de toda a tecnologia. Deveríamos, portanto, reconhecer a tecnologia industrial e o aperfeiçoamento gradual de cada construção resolvida pelo homem como um dos fundamentos do construtivismo.” (Tradução nossa) 149 “Comboios de propaganda.” (Tradução nossa).
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Ilustração 79 - Montagem que incorpora o artigo “The New Everyday Life,” Vladimir Tatlin, 1924-25. (Kiaer, 2005, plate 1)
Vladimir Tatlin é, no contexto desta dissertação, um dos mais entusiastas construtivistas do seu tempo. Sob a postura artística por si tão destacada de qualquer outro ofício por “we know how to see,”150 exemplifica com um activismo muito próprio directamente ligado ao primitivismo do qual a vida deveria beber mais essência. A montagem anterior (ilustração 79) é um bom exemplo. Entre vários documentos, consegue-se identificar tanto o artigo “The New Everyday Life” (ilustração 18), que começa precisamente por afirmar que Tatlin e o seu grupo faziam experiências com “the organization of everyday life,” 151 que por sua vez baseava-se em “calling maximum attention to the simplest things that surround us” 152 (Kiaer, 2005, p. 44), como uma das suas fotografias do seu fato de desporto para homem (ilustração 19). A fotomontagem está embebida na posição tatliniana face ao byt descrita no subcapítulo 2.1.3., em que a produção industrial teria como foco as necessidades diárias das grandes massas em vez de anteder aos seus desejos banais. A secção inferior do trabalho contém a fotografia de Tatlin no seu modelo para fato de desporto masculino quase branco colado por cima de dois exemplos de roupas elegantes colados na horizontal, escuros, sendo o exemplo superior bem fora de moda. Embora o contraste 150
“Nós sabemos como ver.” (Tradução nossa) “A organização da vida do dia-a-dia.” (Tradução nossa) 152 “Apelando à máxima atenção às coisas mais simples que nos rodeiam.” (Tradução nossa) 151
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na composição por si só já seja óbvio, os escritos pela mão de Tatlin assumem o testemunho final da intenção. No lado direito, com uma seta recta que representa o pragmatismo da vida, a simplicidade do viver, o texto revela: “This clothing is made with the advantage of being warm, not restricting movement, being hygienic and lasting longer.”153 (Tatlin apud Kiaer, 2005, p. 44); enquanto que do lado esquerdo, a seta que anuncia a descrição do vestuário elegante é arredondada e indirecta: “This clothing restricts movement, is unhygienic, and they wear it only because they consider it beautiful.”154 (Tatlin apud Kiaer, 2005, p. 44). Com a NPE, o burguesismo tendia a reaparecer. A representação dos exemplos horizontais desorientados que apenas vestem pela beleza representam um dos mais propícios desejos burgueses sob o antigo modo de vida capitalista, face à nova economia. Tanto a linha preta que centraliza a imagem de Tatlin como a técnica copy-paste155 por ele utilizada, vincam que essa “cultura material” eclipsará por completo desejos consumistas estéticos, substituindo-os por consumidores que apenas desejam coisas simples e sem adornos, que por sua vez são as que verdadeiramente preenchem as necessidades humanas. [...] Tatlin’s art-into-life project defies de commodity of aesthetics and consumer desires that flourished again in revolutionary Russia during the period of the New Economic Policy (NEP). For Tatlin, the everyday life of 156 noncapitalist modernity would be simple and functional. (Kiaer, 2005, p. 44)
Relativamente sob a mesma premissa activista mas bem mais preocupado com a verdadeira função do artista e em encontrar a forma de expressão perfeita, livre da representação trivial e obsessão pelo quotidiano, está Malevich. Contudo, um certo sentido de grandeza e significância do quotidiano por vezes marcava a sua presença. Apenas mais uma das contradições. A sua arte era uma combinação paradoxal e trágica de teorias complexas e um tremendo sentido na nova pulsação desta época. Não é coincidência que o seu trabalho dos anos vinte e trinta seja pesquisado como síntese da harmonia cósmica abstracta e das actividades do dia a dia. Representa pessoas no caminho para os seus empregos banais mas aplicando, nessas pessoas, uma
altamente
significativa
e
solene
impersonalidade.
Ocasionalmente,
ele
deliberadamente não pintava rostos retendo apenas meros símbolos para pessoas.
153
“Este vestuário é feito com a vantagem de ser quente, sem restrição de movimento, sendo higiénico e de maior durabilidade.” (Tradução nossa) 154 “Este vestuário restringe o movimento, não é higiénico e usam-no apenas por o considerarem - bonito.” (Tradução nossa) 155 Estrangeirismo actual que significa repetição. Neste caso, é mera descrição técnica. 156 “[...] o projecto arte-em-vida de Tatlin desafia a comodidade estética e desejos consumistas que floresceram novamente na Rússia revolucionária durante o período da Nova Política Económica (NPE). Para Tatlin, a vida do dia-a-dia da modernidade não-capitalista seria simples e funcional.” (Tradução nossa)
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Ilustrações 80 - “An Englishman in Moscow,” Kazimir Malevich, 1914. (Gray, 1986, p. 157) Ilustração 81 - Esboço base do pano de fundo (um hipercubo) do cenário da ópera futurista “Victory over the Sun” de Kruchenikh, Kazimir Malevich, 1913. (Gray, 1986, p. 158) Ilustração 82 - Esboço do pano de fundo (um hipercubo) de um dos cenários da ópera futurista “Victory over the Sun” de Kruchenikh, Kazimir Malevich, 1913-14. (Gray, 1986, p. 158)
Contudo, o seu mundo exacerba significado e seriedade, procurava ansiosamente contacto entre o presente e o futuro. Sonhou com uma nova arquitectura e os seus esboços de “planitude” (casas do futuro) parecem agora extremamente actuais, como se tivessem sido um salto na altura para o século XXI. Também focava muito a sua atenção nas artes aplicadas porque reconhecia que as suas experiências na abstracção precisavam de ser concretizadas em objectos. Além disso, as pinturas que fez no final da sua vida tornam-se questões decisivas na abstracção dos seus trabalhos anteriores. Antes de se dedicar à emergência do suprematismo, Malevich dedica-se a principalmente duas iniciativas abstractas, o cubo-futurismo em 1913 e o realismo transracional em 1914. A sua experimentação começa nos finais de 1912 onde se destaca a introdução do movimento muito característico do futurismo italiano. No entanto não passariam de experiências mantendo-se pelo cubismo que nos anos treze seria o mais recorrente pela Rússia. Em novembro de 1913, emerge o seu conceito de realismo transracional que seria o seu primeiro grande passo em direcção à noção da dimensão para além da já tão cansativa 3ª, declarando a incompetência da noção perspética multifacetada cubista. Reconhece-se aqui, ao cargo de Malevich, a primeira verdadeira iniciativa à necessidade de mudança de mentalidade, de consciência e da própria arte. Trabalhos realistas transracionais, como “um inglês em Moscovo,” assaltam o observador com um novo tipo de perspectiva propositadamente incorrecta. As colagens denotam um cubismo sintético que tornam possível uma sobreposição irracional de formas que variam ilogicamente de tamanho. Mas o que Malevich procurou objectivar seria que o efeito da mensagem de um quadro realista
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transracional dependeria quase totalmente do seu conteúdo: a aparentemente absurda sobreposição de uma serra, um peixe que camuflava metade da face de um homem, uma colher, um candeeiro, uma pequena escada, uma pequena igreja e um sabre juntamente com palavras, que neste caso compõem a expressão “eclipse parcial”, consumavam a hora de uma nova ordem. Sob este contexto, as experiências de composição geométricas de Malevich encaminham-no rapidamente em direcção ao suprematismo, testemunhado no seu trabalho para a ópera futurista de Kruchenikh “Vitória sobre o Sol,” onde desenha um hipercubo com ângulos intensos numa perspectiva agressiva. Durante 1914, as suas pinturas ganharam uma nova dimensão, aproximando-se bastante da noção de 4ª, ao tentar agitar os seus observadores para fora da sua percepção complacente do mundo aproximando-os de uma nova consciencialização do observar. Neste momento, nem futurismo nem cubismo resistiam às críticas, tanto artísticas como verbais, na sua busca da 4ª dimensão. O suprematismo de Malevich representava entre a 2ª e a 4ª dimensão do espaço. O número de planos e de cores ditariam em que dimensão se conjugaria a composição. Muito raramente apelando à terceira dimensão como forma de chegar à quarta, a volumetria, luz e dimensão das formas representadas, seriam faces de objectos, identificando e definindo espaço. É inevitável existir um género de filosofia hiperespacial inerente ao suprematismo, moção e tempo são caraterísticas essenciais da sua alta dimensionalidade. Neste princípio, a exploração de dinamismo e movimento corresponderia à definição de suprematismo nessa conectividade com tempo e moção. A essa pesquisa Malevich dedicava uma sensibilidade artística que teria que subsistir, se se poderá assim dizer sem se cair numa afirmação paradoxal, de uma intuição intelectual. Considerava que cor e forma estavam intimamente relacionadas que se traduziam em manchas de cor encerradas em figuras geométricas simples e bem definidas sobre fundo branco. Afirmava que tanto a cor enfatizava a clareza de uma forma geométrica, mas que a própria forma influenciava directamente o efeito da cor, acreditando que uma determinada forma geométrica com uma determinada cor poderia atingir uma tensão máxima. O fundo branco proporcionava às geometrias flutuarem num espaço infinito, e é precisamente nessa noção de profundidade que, na inter-relação de planos e cores se desenvolve a tensão, a dinâmica, o movimento. Contudo, após a revolução, Malevich acaba por atribuir menos valor à cor, resumindo-se a forma ao preto e ao branco, sendo o factor que o levou a começar a explorar o suprematismo volumétrico, relações arquitectónicas em experiências estéticas formais.
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El Lissitzky bem atento ao trabalho de Malevich e com uma educação muito avançada em arquitectura, percebeu o quão influente o experimentalismo formal malevichiano seria num novo estilo contemporâneo. Os Arkitectons estudados e desenvolvidos por Malevich em meados de 1920 demarcavam o passo que o suprematismo daria em direcção à arquitectura. Libertava-se da superfície bidimensional tipicamente malevichiana, modelos crus de composições arquitectónicas originais em que paralelepípedos, tanto horizontais como verticais, se compõem ou interpenetram sob ângulos precisos. Malevich deu por si com reflexões arquitectónicas, desenvolvendo até o trabalho Planits - habitação do futuro. Através da pureza geométrica da abstracção das suas composições suprematistas, os seus Planits e Arkitectons, tal como El Lissitzky previa, anunciavam um respirar fundo da arquitectura saturada do imperialismo, antecipando as tendências abstractas que surgiram logo após pela Europa, como influenciaram os principais arquitectos dos primórdios soviéticos. Como pintor, Malevich criara um novo modo de ver a arte e a arquitectura, e consequentemente sociedade, com uma infindável possibilidade de combinações formais onde a geometria seria maestra, onde se negava a simetria, onde se refrescava a típica abordagem à gravidade, onde com isso se enriqueciam as possibilidades de luz e sombra e contrastes de escalas. 157
He wrote in 1928 that ‘the whole path retraced by the new art in all aspects of culture has emerged into the one truly contemporary art, which is architecture’. Malevich stressed that the processes of form -generation were connected with the aesthetic rules of art, and that even a functional 158 form could not be created ‘without an aesthetic effect’. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 64)
Malevich interessado na transformação estilística do ambiente actual do homem, era pura inspiração para o desenvolvimento lissitzkiano, entre 1919 e 1921, dos Proun (Proekty utverzdeniya novogo [Projects for the Affirmation of the New]), que seriam representações axonométricas de sólidos geométricos variados num qualquer estado de equilíbrio, alguns erguendo-se pelo espaço, outros firmes num fundo concreto. Percebe-se claramente a relação que os Proun têm com os Arkitectons de Malevich, aliás sempre assumido por El Lissitzky, e compõem a ponte entre pintura e arquitectura, sendo depois parte integrante do pensamento lissitzkiano principalmente em projectos de instalações para exposições, mas também se percebe a sua presença, por exemplo, na série “arranha-céus horizontal.” (Ilustrações 230-233). 157
Kazimir Malevich. “Ele escreveu em 1928 que ‘todo o caminho refeito pela nova arte, em todos os aspectos culturais, emergiu numa arte verdadeiramente contemporânea, que é a arquitectura.’ Malevich afirmou que os processos de gestação de forma estariam ligados às regras estéticas da arte, e que até uma forma funcional não poderia ser criada ‘sem um efeito estético.’” (Tradução nossa)
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Ilustrações 83 - “Yellow Quadrilateral on White,” Kazimir Malevich, 1916-17. (Gray, 1986, p. 173) Ilustração 84 - “Dynamic Suprematism,” Kazimir Malevich, 1916. (Gray, 1986, p. 169) Ilustração 85 - “Composition of Arkitectons,” Kazimir Malevich, 1925. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 34) Ilustrações 86, 87 - “Horizontal Arkitectons,” Kazimir Malevich, 1916. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 34)
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Ilustrações 88 - “Proun Room Drawing,” El Lissitzky, 1923. (Perloff et al., 2003, p. 49) Ilustração 89 - “Construction - Proun 2,” El Lissitzky, 1920. (Perloff et al., 2003, p. 204)
Contudo, houve quem se preocupasse em relacionar directamente todas estas premissas da nova vida com o proletariado. Desde o manifesto dos irmãos Naum Gabo e o irmão Antoine Pevsner, as estruturas dos irmãos Stenberg e as construções espaciais de Ioganson e de Rodchenko, tentavam ser imunes ao hermetismo, do qual trabalhos como os Proun ou os Arkitectons eram acusados. Curiosamente, o que mais se relacionava com o suprematismo de Malevich acabaria por ser o mais audaz na procura da interacção social, Rodchenko, em 1918, produziu uma série de construções espaciais em papel, madeira e metal, não-objectivas, explorando unicamente composições simétricas numa superfície plana. Daqui nasce o seu interesse por composições que, em vez de assentes de uma superfície plana, dela agora provinham, um género de metamorfose de um plano, que num qualquer estado de suspensão era suposto ficarem a flutuar no espaço, focava-se agora em métodos de desenho e de estruturação de espaço. Como professor na VKhUTEMAS, desenvolve tipos de mobiliário transformável vanguardista que acaba por ser muito utilizado em exposições internacionais, como foi no pavilhão soviético de Melnikov na exposição de artes decorativas em Paris, em 1925. VKhUTEMAS será onde se gera esta efervescência, não só por ser talvez a maior mesa de laboratório da época, mas por ser onde se pretendia organizar e ensinar cultura, estilizar vida, construir sociedade. O carácter experimental e tectónico do ensino da VKhUTEMAS seria talvez o mais próximo que se chegou desse objectivo.
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Ilustrações 90 - Chávenas feitas na fábrica Lomonossov, Kazimir Malevich, 1923. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 36) Ilustrações 91, 92 - “Spatial Compositions ‘on the principle of identical forms,’” Aleksandr Rodchenko, 1923. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 47) Ilustração 93 - Aleksandr Rodchenko em pose à frente das suas “Hanging Spatial Constructions” desmanteladas, 1922. (Gough, 2005, p. 95) Ilustração 94 - Interior do “Workers Club,” Aleksandr Rodchenko, Paris, 1925. (Kiaer, 2005, p. 198) Ilustrações 95, 96 - Prova de demonstração de volume/forma (curso básico). Disciplina “Espaço” na VKhUTEMAS, 1925. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 120) Ilustração 97 - Exposição de trabalhos académicos (curso básico), Disciplina “Espaço” na VKhUTEMAS, 1925. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 121)
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4. ARQUITECTURA
COM O MEIO
АРХИТЕКТУРА КАК СРЕДСТВО
[…] Not only construct but reconstruct. We are reconstructing industry, we are reconstructing agriculture. This reconstruction of production establishes a new understanding of life. It is the fertile soil of culture - that is, of architecture also. The new architecture does not develop to a further stage a tradition that has been interrupted: rather it stands at a beginning and no longer must merely construct. Its task is to comprehend the new structures of life, in order to participate actively through corresponding forms of construction in the wholesale coming into being of the new world. Soviet architecture has taken reconstruction in hand. (El Lissitzky apud Bann, 1974, p. 141)
Ilustração 98 - “O síndroma do mundo alternativo.” (Ilustração nossa)
Ilustração 98 - “O síndroma do mundo alternativo.” (Ilustração nossa)
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4.1. MODERNISMO SOVIÉTICO СОВЕТСКИЙ МОДЕРНИЗМ
Pela Europa, destacava-se Le Corbusier, que embora teoricamente já muito dissertasse sobre a nova era industrial como essencial, ainda não se tinha conseguido libertar das suas experiências modernistas em vilas e habitações privadas. Pelos Estados Unidos, a era capitalista já há muito que ditava a nova era. Louis Sullivan e William Le Baron Jenney são exemplos de um modernismo capitalista ainda oitocentista. União Soviética, reforça-se o facto do contexto do seu nascimento em tudo diferir do já mencionado. Quando Moisei Ginzburg lança, em 1924, o livro стиль и эпох 159 (Styl i Epokha), “[…] the technical means for a renewal of architecture and city planning simply did not exist.”160 (Kopp, 1970, p. 70). No entanto o livro precedia a epokha em que a arquitectura e o urbanismo russos se consolidam e se destacam pelo mundo como únicos, numa essência que não poderia ter surgido em mais nenhum outro local que não a Rússia.
4.1.1. ARQUITECTURA [A]POLÍTICA (=SOCIAL?) ПОЛИТИЧЕСКАЯ АРХИТЕКТУРА (АПОЛИТИЧНЫЙ)
Numa dimensão histórica, existe uma dinâmica digna de ser analisada entre política e episódios de destruição, um género de periocidade de onde a sociedade assume uma qualquer saturação evocando ‘mudança’, e mesmo quando esta sucede há alíneas que acabam por nunca mudar. Até agora, reuniram-se as consequências da revolução de outubro na comunidade artística e científica que se entende como a fundação do construtivismo e que definem a base de onde partiu a grande impulsão arquitectónica e urbanística. Mudança. Ideologia. A arquitectura e a urbe de uma sociedade sem classe. Uma arquitectura diferente e genuína. Seria necessário ir mais além que a mera conjugação de formas, por mais assertivas que fossem, para fazer parte da revolução. Mais uma vez, a política ditava as regras, e pouco tempo demorou até a entrada de Estaline no poder e as regras rapidamente passarem a ser outras. Mas até lá, muito se reflectiu, muito se desenhou e projectou. Toda a definição de novo espaço que os arquitectos do comunismo inventaram seria inspiração para a Bauhaus e toda a sua concepção ideológica, para os futuristas italianos, para a De Stijl na Holanda, para a pesquisa de 159
“Estilo e época.” (Tradução nossa). “[...] meios técnicos para a renovação da arquitectura e do planeamento urbano, simplesmente não existiam.” (Tradução nossa)
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Le Corbusier e seria o conjunto de premissas para a sociedade soviética do final dos anos sessenta. O arquitecto revolucionário concebia a nova sociedade no seu trabalho, no seu projecto, no seu sonho. Até ao decair da URSS foram, na prática, inspiração e modelo de experimentação tanto a nível social como concretamente na arquitectura. Para o arquitecto da revolução, fome, frio, guerra civil, tifo, falta de condições e de comodidades, não foi suficiente para o impedir de imaginar, construir até, uma estrutura de um novo modo de vida (Kopp, 1970, p. 2). Numa dimensão crítica, defende-se aqui que o fascínio de hoje pela Rússia vanguardista dos anos vinte torna-se facilmente a sua própria descaracterização. As réplicas hoje representam, enquanto na altura experimentavam, como se poderá confirmar mais adiante com, por exemplo, o “Monumento à Terceira Internacional” de Tatlin. Face ao resto da arte, a arquitectura foi a que mais demorou a concretizar-se após a revolução. Não só pela sede pela experimentação, como embora a evolução industrial e tecnológica permitisse muito, a escassez de materiais seria uma realidade pelas cidades principais russas, como obviamente pelos seguintes anos de guerra civil, que fazia com que na prática, se destruísse mais do que se pensava construir. Já para não referir o facto de que a maior parte dos arquitectos mais confiados logo no pósrevolução fossem os mais, digamos, antigos. O que significaria que as novas oportunidades de planeamento de cidade seriam, inicialmente, pouco exploradas. Logo após a guerra civil, toda a corrente revolucionária que já se teria apoderado da poesia, dramaturgia, pintura e escultura. “Into the streets, Futurists, Drummers and poets.”161 (Mayakovsky apud Kopp, 1970, p. 43) Seguia-se a vez do arquitectura. A revolução destruiu o que se chamaria de tradição até então. Na fúria da guerra civil em perseguição do já tão mencionado byt, o proletariado ganha uma nova definição de valores. Nas ruinas da destruição, inventouse um novo código moral, consolidou-se a ciência marxista, e nasceu a arte revolucionária. Até meio da terceira década do século, as demonstrações arquitectónicas não iam muito além de manifestos, discursos e esquissos. Mas à medida que a década se aproximava do fim, os ideais Marxistas ditavam novos valores capitalistas, o novo modelo de vida cristalizava-se e, finalmente, dava o impulso que há muito se esperava. 161
“Para as ruas, futuristas,\ bateristas e poetas.” (Tradução nossa)
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Mal os bolcheviques assumiram o poder em 1917, assumiram também de um modo muito claro que não só resolveriam toda a questão social como simultaneamente lidariam com o problema da habitação para cumprir os princípios revolucionários da produção económica, dando um novo visual às vilas e às cidades. Directos ao cerne da questão, combateram os problemas de propriedade de terras e de planeamento urbano. Um detalhe importante é que, planeamento urbano, na Rússia de 1917, nem significado tinha. Se pela Europa era uma ciência rudimentar, na Rússia era inexistente. A partir de 1918, todo o processo de pensar em arquitectura, seria pensar em cidade, em planeamento urbano. Apenas quatro meses após a revolução de 1917, a 19 de fevereiro de 1918, promulga-se o decreto de socialização do solo: Article 1. All property in the land, minerals, waters, forests, and living forces of nature within the Russian Federated Soviet Republic is abolished forever. Article 2. From this day forth the land is placed at the disposal of the working population without any compensation (open or concealed). Article 3. The right to enjoy the use of land belongs only to those who cultivate it with their own hands… ... Article 5. Authority over minerals, forests, waters, and the living forces of nature is vested… in the local, provincial, regional, or federal governments under the control of the latter. 162 (Kopp, 1970, p. 34)
Ao qual meio ano depois ainda acrescentaram: Article 1. The right of ownership in all parcels of land in urban areas is abolished without exception, whether they be built upon or not, whether they belong to private individuals and industrial enterprises or to agencies and institutions. Article 2. In cities with a population of more than 1000 the right of ownership is abolished in relation to all structures which, together with the land on which they are built, have a value or yield an income greater than the limit set by the local authorities… ... Article 5. All urban land and structures which, in accordance with this decree, are withdrawn from private ownership are to be placed at the disposal of the local authorities. Article 6. In cities with a population exceeding 10 000 the right to build belongs exclusively to the local authorities. In cities with a smaller population this right may also be granted by the local authorities to private individuals. … 162
“Artigo 1. Toda a propriedade de terras, minerais, águas, florestas e forças vivas da natureza dentro da República Socialista Federativa Soviética Russa é abolida para sempre.\ Artigo 2. Deste dia em diante, as terras são colocadas ao dispor da população operária sem qualquer compensação (evidentes ou ocultas).\ Artigo 3. O direito de desfrutar do uso de terras pertence apenas àqueles que cultivam com as suas próprias mãos...\ ...\ Artigo 5. Autoridade sobre minerais, florestas, águas e as forças vivas da natureza é representado ... pelos governos locais, provinciais, regionais ou federativos sob o controlo do último.” (Tradução nossa).
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Article 12. The local authorities have the right to use a maximum of one third of the revenue from the property thus transferred to them to cover operating expenses arising out of the present decree and also to meet the general needs of city government. The local authorities must contribute 10% of the revenue to the state housing fund for the construction of new urban centers... 163 (Kopp, 1970, pp. 34-36)
A partir desta base, estavam traçadas as condições para uma reflexão global sobre o futuro estruturante de cidade. A única intenção desta urgência de emergência de tais decretos, consecutivamente completados, seria tornar o planeamento de cidade uma realidade, foi porque a finalidade da revolução era precisamente estabelecer uma nova ordem das coisas, uma nova sociedade baseada num novo sistema de produção e intercâmbio, sobre a doutrina do socialismo científico cuja base teórica teria sido organizada por Marx e Engels, a qual Lenine estaria para desenvolver e adaptar à tarefa actual de construir um estado de um novo tipo. A “’paper’ architecture”164 da Rússia dos iniciais anos 20, representava a vontade da nova arquitectura sem meios para a realizar. Pela MAO165 essa consciência era plena e incentivava-se com persistência que perdurasse essa reflexão, sem se perder a essência que em breve poderia finalmente emergir: We are undoubtedly witnessing a genuine reawakening of art in general and architecture in particular. The violence of the reawakening is directly proportional to the duration of the earlier period of passivity; this explains the present headlong pace of intellectual advance and the intolerance of all obstacles to progress… 166 (Golosov 167 apud Kopp, 1970, p. 48)
163
“Artigo 1. O direito de propriedade em todas as parcelas de terra em áreas urbanas é abolida sem excepção, sejam construídas sobre ou não, sejam de pertença de particular e empresarial industrial ou de agências e instituições.\ Artigo 2. Em cidades com população superior a 10 000, o direito de propriedade é abolido em relação a qualquer estrutura que, juntamente com as terras onde são construídas, tenham um valor ou rendam uma receita maior que o limite determinado pelas autoridades locais...\ ...\ Artigo 5. Todas as terras urbanas e estruturas que, em acordo com este decreto, são retiradas de propriedade privada serão colocadas ao dispor das autoridades locais.\ Artigo 6. Em cidades cuja população exceda 10 000 o direito de construir pertence exclusivamente às autoridades locais. Em cidades de população mais reduzida, este direito pode também ser concedido a particulares pelas autoridades locais.\ ...\ Artigo 12. As autoridades locais têm o direito de usar um máximo de um terço do rendimento da propriedade de modo a ser possível cobrir despesas operacionais decorrentes deste mesmo decreto como também para ir de encontro às necessidades em geral do governar a cidade. As autoridades locais deverão contribuir com 10% do rendimento para o fundo de habitação estatal para a construção de novos centros urbanos...” (Tradução nossa). 164 “Arquitectura de ‘papel’.” (Tradução nossa). 165 Associação de Arquitectos de Moscovo. 166 “Estamos sem dúvida a testemunhar um re-despertar genuíno da arte em geral e da arquitectura em particular. A violência do re-despertar é directamente proporcional à duração do período anterior de passividade; isto explica o actual ritmo precipitado de avanço intelectual e a intolerância de todos os obstáculos ao progresso...” (Tradução nossa). 167 Doravante, “Golosov” referir-se-á única e exclusivamente a Ilya Golosov, irmão do igualmente arquitecto construtivista Panteleimon Golosov.
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Ilustrações 99 - Estudos abstractos dos dois “princípios construtivos” de “abraçamento” e de “montagem,” Yakov Chernikhov, sem data. (Cooke et al., 1989, p. 39) Ilustração 100 - “Conjugação” de “princípios construtivos,” Yakov Chernikhov, sem data. (Cooke et al., 1989, p. 54) Ilustração 101 - Ilustração da colecção “Construction of Architectural and Machine Forms,” Yakov Chernikhov, 1925-31. (ICIF, 2007) Ilustração 102 - Desenho de “um edifício funcional” sob os “princípios construtivos” da ilustração 75, Yakov Chernikhov, sem data. (Cooke et al., 1989, p. 39)
Antes de se entrar no cerne de quem desenhava arquitectura com a ambição directa de a efectivar, na incansável exploração arquitectónica houve quem se esforçasse por cingir o seu pensamento arquitectónico, literalmente, à sua forma e à sua essência industrial. Tanto na sua expressividade como na sua própria composição, Chernikhov demarca-se numa importância muito aparte de todas as vertentes construtivistas. Catherine Cooke apresenta uma das melhores associações da pensamento construtivista à actualidade, de onde se destaca Chernikhov precisamente pela sua pesquisa de cada detalhe formal, seu verdadeiro significado e origem, e sua ligação directa a um qualquer outro organismo, pois nada funciona sem os seus componentes (Cooke et al., 1989, pp. 48-59). Em 1923 nasce o primeiro concurso público que visava resultados que demarcassem o início da arquitectura moderna soviética, o concurso para o Palácio do Trabalho (ilustrações 103-107), para Moscovo. Com o gigantismo típico do desejo de ultrapassar o mundo capitalista, o programa por si só isso evocava: The construction program was on a colossal scale: one 8,000-seat auditorium, another to hold 2,500, with the possibility of their being combined to form a single enormous hall, administrative offices, a meteorological observatory and a astrophysical laboratory, a radio station, a social-science museum, a museum of labor, a library, etc., not to mention the necessary services and a restaurant with room for 6,000 diners. 168 (Kopp, 1970, p. 55)
168
“O programa de construção em si era de uma escala colossal: um auditório com 8000 lugares, outro com 2500, com a possibilidade de se conectarem e passarem a um único salão, escritórios administrativos, um observatório meteorológico e um laboratório astrofísico, uma estação de rádio, um museu de ciência-social, um museu do trabalho, uma biblioteca, etc., para nem mencionar os serviços necessários e o restaurante com espaço para 6000 jantares.” (Tradução nossa).
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Ilustrações 103 - Projecto concurso Palácio do Trabalho, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Kopp, 1970, p. 54) Ilustrações 104, 105 - Projecto concurso Palácio do Trabalho, Teplitsky (VKhUTEMAS), Moscovo, 1926. (Kopp, 1970, p. 58) Ilustrações 106, 107 - Projecto concurso Palácio do Trabalho, Trotsky, Moscovo, 1923. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 405)
Os resultados estariam quase todos em sintonia na nova arquitectura soviética. Os irmãos Vesnin talvez tenham sido a proposta mais demonstrativa dessa nova concepção. Sob uma concepção funcional quebraram não só com a composição clássica como com a tendência romântica e simbólica. Mesmo assim não teriam passado do terceiro lugar, tendo ganho Noy Trotsky, com um gesto impossível de não correlacionar imediatamente com uma mistura entre Ledoux e Palladio (ilustração 106, 107). Com os primeiros sinais de sucesso da economia nacional, começam a surgir várias exposições de construção, onde se percebe que a arte de construir teria ressuscitado, pois não só alguns arquitectos demonstravam um espírito inventivo único que lhes permitia extraírem o máximo de meios muito limitados, como também, após o desmantelamento da exposição, toda a área que se tornaria terreno baldio, era transformada em parque, o que nunca antes tinha acontecido na Rússia. Seria na Exposição de Artes Decorativas em Paris (1925), que esses novos arquitectos se destacaram, e nomes como Konstantin Melnikov, Ilya Golosov e Moisei Ginzburg, ganharam relevância por entre os mais conhecidos irmãos Vesnin, Nikolai Ladovsky, entre outros. Ainda nesse mesmo ano Erich Mendelsohn 169 é o primeiro arquitecto estrangeiro a ser convidado a executar arquitectura na URSS. Ele próprio inspirado pela corrente construtivista que vingava pelo país, atribuiu um certo funcionalismo ao seu habitual expressionismo futurista e desenvolveu parte do projecto para a Fábrica de Têxteis Bandeira Vermelha, que abrangia a planta geral da fábrica e a concepção total da central eléctrica. Construção concluída em 1937.
169
Eric Mendelsohn (1887-1953), arquitecto judaico-alemão, notório na sua vertente expressionista, que tal como Le Corbusier, em muito se correlacionou com o construtivismo.
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Em 1926, é fundada a OSA170, que acabaria por se tornar decisiva, visto que era um grupo comprometido com a arquitectura social e racionalista. Entrava-se, entre 1925 e 1926, a era do apogeu construtivista, até aproximadamente 1932. Com a NPE próspera e em níveis estáveis, começava-se a falar de socialismo num único país. A questão já não passava por inventar um manifesto de arquitectura nem por criar formas que expressassem ideias, mas sim pela invenção de uma estrutura material que tanto reflectisse como valorizasse o novo modo de vida socialista. Como se por si só o objectivo já não fosse complexo o suficiente, vários grupos desempenham um papel fundamental nesta premissa, como a já referida OSA, que com base no pesquisado, as que nasceram para ficar seriam: A ASNOVA171, já fundada desde 1923, acabara por se dividir e grande parte dos seus elementos passou para a OSA. Voltando a acontecer o mesmo precisamente na ASNOVA, outra parte dos seus elementos, em 1928, criara a OAU172. Logo em 1929 surge a VOPRA173 e, fora estas, as regionais MAO174 em Moscovo e LOAKh175 em São Petersburgo, que já existiam antes de revolução. A verdade é que se continuou sem se trazer muitos projectos à realidade, mas a evolução da arquitectura soviética nesses sete anos foi indescritivelmente importante. Uma época que terminaria com Ivan Leonidov 176 numa liberdade de invenção que anteciparia experiências com métodos e técnicas estruturais de hoje. Na arquitectura, no seu tom genérico, defende-se também neste trabalho que nunca será muito correcto isolar um arquitecto como referência de uma determinada época, movimento ou até mesmo conceito. Até porque, como se poderá verificar adiante, um arquitecto, principalmente o que se identifica com a experimentação, pode ao longo do seu percurso profissional adaptar-se a princípios distintos, numa evolução por vezes puramente ideológica. Mas, numa colecção tão abrangente de atitudes, escolas, organizações e iniciativas, destacou-se precisamente esse isolamento como mais preciso na explicitação do todo, que é a arquitectura construtivista. Até porque cada um deles acabaria por ter melhores resultados práticos enquanto individualidade que enquanto equipa.
170
OSA: Associação de Arquitectos Contemporâneos. ASNOVA: Associação de Novos Arquitectos. 172 OAU: Associação de Arquitectos Urbanistas. 173 VOPRA: Associação de Arquitectos do Proletariado. 174 MAO: Associação de Arquitectos de Moscovo. 175 LOAKh: Associação de Arquitectos e Artistas de Leninegrado. 176 Ivan Leonidov (1902-1959), arquitecto que sublinhou o que construtivismo podia ter sido. 171
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Constructivism, as a materialistic school of artistic endeavor, as a creative technique, arose, developed, and pursued its social and productive course under the banner of dialectical materialism. The methodology of constructivism is indissolubly bound up with the proletarian revolution and with the socialist construction of the Soviet system. In spite of all the simplifications, distortions, and vulgarizations to which constructivism has been and is still exposed, it has succeeded in playing a part in building the material and cultural foundations of a young society, in introducing into the modern forms of artistic activity a genuine realism and an enthusiasm for intelligent proletarian utilitarianism and rationalism, and in giving artistic expression to the social and collective purposes of the (working) class. 177 (Gan apud Kopp, 1970, p. 94)
A arquitectura não é uma ciência exacta e, no processo da sua criação, existem demasiados elementos subjectivos para acabar por ser reduzida a um conjunto de regras, mesmo que inspiradas em princípios de uma filosofia materialista. Não é de admirar que a doutrina se desenvolveu sob o nome de “construtivismo” na arquitectura tenha impulsionado diferentes arquitectos seguirem sob diferentes linhas, que até por vezes seriam opostas aos seus princípios base. Estes erros, estes excessos, estas utopias, não podem ser abandonadas à porta de uma doutrina. Quem o fizesse, persistindo numa abordagem exclusivamente científica sobre os problemas da criação, seria provavelmente consequência de inexperiência ou da complexidade dos problemas que daí adviriam, com os quais esse arquitecto, como o resto da sociedade, seriam confrontados. De 1925 a 1932, como já se referiu, foi quando o arquitecto mais e melhor aliou a imaginação ao progresso social. As suas obras procuravam não só criar o ambiente apropriado para a sociedade socialista do futuro, como acelerar a chegada dessa sociedade influenciando o próprio homem através da arquitectura, como também encontrar soluções arquitectónicas e estruturais que permitissem atingir estes objectivos apesar da disponibilidade escassa tanto de recursos como de fundos, que mesmo assim teriam prioridade para o desenvolvimento industrial. A habitação teria cada vez mais que abraçar um aglomerado de pessoas cada vez maior. Muito à semelhança de todo o exercício académico da Universidade Lusíada a partir do quarto ano, reflecte-se sobre a habitação em larga escala mas sob a verdadeira essência de comunidade. 177
“Construtivismo, enquanto escola materialista de esforço artístico, como técnica criativa, nasceu, desenvolveu-se, e perseguiu o seu percurso social e produtivo sob o rótulo de materialismo dialéctico.\ A metodologia do construtivismo está indissoluvelmente ligado à revolução proletária e à construção socialista do regime soviético.\ Apesar de todas as simplificações, distorções, e vulgarizações às quais construtivismo tem sido e continua a ser exposto, tem conseguido desempenhar o seu papel na construção das fundações material e cultural de uma sociedade jovem, na introdução às formas modernas de actividade artística de um realismo genuíno e de um inteligente utilitarismo e racionalismo proletário, e em dar expressão artística aos fins social e colectivo da classe (operária).” (Tradução nossa).
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Ilustrações 108 - Unidade habitacional dois pisos com rua interior, maqueta, Ol (OSA), Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 128) Ilustrações 109, 110 - Unidade habitacional dois pisos com rua interior, plantas e corte, Sobolev (OSA), Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 128)
Estuda-se até à exaustão tipologias que se organizem a partir de um elemento de transição, o que mais tarde se desenvolve em apartamentos que vivem as duas frentes do edifício. As “Unité d’Habitation” de Le Corbusier, são, na nossa Europa modernista, muito evocadas como a origem desse tipo de estratégia. Não o são. A primeira dessas unidades, a de Marselha, foi construída logo após a Segunda Guerra Mundial, entre 1947 e 1952. Mas são apenas ideias retiradas das “unidades Stroikom” (Hatherley, 2008, p. 55), que são tipologias habitacionais que foram desenvolvidas na OSA, a cargo de Ginzburg. Precisamente de Ginzburg, com a parceria de Milinis, é a referência do melhor exemplo soviético de estudo desta tipologia de habitação, Narkomfin, que começou a ser pensado entre 1927 e 1928, concluindo-se a construção em 1932. É notável a semelhança entre as tipologias desenvolvidas por Ivanov, Terekhin e Smolin e as de Le Corbusier, das Unité d’Habitation, que surgiram vinte anos mais tarde. Narkomfin consta neste trabalho como o melhor exemplo por ser resultado dum sistema muito estudado nos anos a si precedentes, particularmente pela OSA, e efectivamente por ter sido construído.
Ilustração 111 - Desenho para uma casa comunal na sua evidente declaração de influência nas habitações da Unité d’Habitation de Le Corbusier, corte e planta, Ivanov, Terekhin e Smolin. (Kopp, 1970, p. 148)
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Dentro da poética que é tão característica da época, tal como o condensador eléctrico transforma a natureza da corrente, os arquitectos investiam no que chamavam “social condensers” 178 (Kopp, 1970, p. 115), que visavam precisamente transformar o indivíduo egocêntrico da sociedade capitalista num homem completo, militante da sociedade socialista na qual os interesses de cada um se fundiriam nos interesses de todos. Seria através da arquitectura que, na sociedade russa dos anos vinte, seriamente atrasada tanto em termos de produtividade como de cultura, essa ignorância que tanto prejudicaria o desenvolvimento industrial, iria ser combatida, colaborando directamente no desenvolvimento do homem e o próprio país. Foco principalmente sobre habitação e clubes de operários, consequentemente sobre a cidade, o “general condenser.”179 (Kopp, 1970, p. 116). A habitação seria um problema global e um conceito totalmente renovado, enquanto que clube, até então, significava uma sala privada onde se agrupavam grupos de nobres ou da alta burguesia, isto é, seria um novo conceito por entre a classe operária, em vez de renovado, o que impulsionaria mais polémica e excitação pela sua existência. Melnikov, Golosov e os irmãos Vesnin destacam-se na efectivação desta área. Pouco tempo depois da criação do regime soviético, vários clubes já tinham surgido em prol dessa necessidade genuína, em igrejas convertidas, em casas privadas, em barracas, basicamente qualquer sítio. Logo, consequentemente, seria das primeiras premissas a serem consideradas pela arquitectura após a revolução. A “social power plant”180 (El Lissitzky apud Kopp, 1970, p. 120) representava não só um centro de actividade e difusão de cultura, mas também o escape ao desconforto da realidade operária entre casa e trabalho.
Ilustrações 112 - Clube Rusakov, Konstantin Melnikov, Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 118) Ilustração 113 - Clube Zuyev, Ilya Golosov, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 119) Ilustração 114 - Proposta Clube dos Operários, irmãos Vesnin, Bacu, 1928. (Kopp, 1970, p. 118)
178
“Condensadores sociais.” (Tradução nossa). “Condensador geral.” (Tradução nossa). 180 “Central eléctrica social” (Tradução nossa) era a expressão utilizada por El Lissitzky como referência ao clube. É interessante como era sistemática a industrialização de conceitos sociais. 179
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Para além do mais, a habitação sempre teve a função de local para descansar, e não tendo o estado, nesta altura, meios para alojar individualmente cada família, o clube seria a sua compensação, que trazia à massa uma concepção de cultura e socialização que até então pertencera única e exclusivamente à elite. A cultura começava a penetrar na grande massa da população, e a ideia de clube emergia nessa descentralização e acesso à cultura. Todavia, por volta de 1928, a ideologia de clube começara a ser verdadeiramente contestada, principalmente pela OSA, por serem demasiado centralizados no palco e no teatro profissional. A partir daí todos os projectos de clubes que ateimavam essa posição, nunca foram construídos. Há muito do contexto político e social que não marca presença neste documento pela sua já extensa definição, mas acrescentando mais um detalhe, esta grande mudança na arquitectura deve-se a, em 1928, ter sido o primeiro ano do “primeiro plano dos cinco anos,”181 que visionava, entre outras coisas, a construção de inúmeros centros industriais, construídos de raiz em terra virgem, como parte integrante dos seus novos conceitos de planeamento urbano. Daí nasce o conceito de dom-kommuna182 (Kopp, 1970, p. 130), onde pela primeira vez se atribui ao complexo residencial mais funções que apenas as de meramente comer e dormir, passando estas a serem reconhecidas, embora essenciais, como funções básicas e passando a ter valor primordial todas as áreas sociais e de convívio. Como que a função do clube passasse a fazer parte de casa, da comunidade: dom-kommuna. Este é o momento em que a fábrica ganha verdadeiramente o papel de condensador dos condensadores. As casas comunais existiam como anexos da fábrica, a vida operário ia muito pouco além dos 5km2. Mas ao mesmo tempo teriam que ser trabalhadores motivados, convencidos de que teriam realmente pouca, mas alguma qualidade de vida. Eis que Leonidov entra finalmente em cena. Para este ambicioso arquitecto o homem era já um protótipo do novo homem do futuro. Com o seu poder de antecipação, o clube teria agora que se adaptar ao homem do futuro, tal como a habitação. Como qualquer brisa de ar fresco que subsista do futuro e da esperança sobre o homem, especialmente num contexto ainda tão em desenvolvimento como o russo dos finais dos anos vinte, como já se pôde aqui verificar, acabaria por ultrapassar as barreiras da realidade.
181
Primeiro plano quinquenal: estipulado por Estaline, num período de cinco anos, priorizar a produção industrial e agrícola em toda a União Soviética. 182 Casa Comunal.
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Num momento em que a utopia destrói qualquer proximidade com a exequibilidade real, começaria a não ser tão fácil pensar em condensador sem automaticamente se redesenhar o condensador geral: cidade. Desenhos de dom-kommuna passam rapidamente a desenhos de pedaço de cidade, porque para além de edifícios multifuncionais que satisfizessem a maioria das necessidades fundamentais do operário, o espaço exterior nunca deixara de ser considerado fundamental nessa procura. E como se não fosse já suficientemente ambicioso, surgem também concursos, como o “The Green City” que visa a total reconstrução socialista de Moscovo. Mesmo que inexequíveis, são ambições construtivistas cuja reflexão originou dos mais interessantes conceitos de arquitectura e planeamento urbano, que ao surgirem no seu estado mais genuíno, ainda hoje se evocam. Sublinhando novamente o contexto geral russo, planeamento urbano não passava somente pela definitiva instauração de regulamentação de construção e de zoneamento da mesma, mas também não só pelo desenvolvimento de estudos criativos de planeamento urbano
como,
principalmente,
pelo
agir
sobre
esses
estudos.
Depois
da
industrialização se apoderar de uma estabilidade promissora, o dinamismo em relação ao pensar cidade era único, sem igual pelo resto do mundo. A cidade soviética socialista procurava demonstrar prosperidade sublinhando a radicalidade na diferença da antiga versão capitalista.
Ilustração 115 - “Parque contínuo de cultura e lazer ao redor de Moscovo,” M. Shirov, 1929. (Kopp, 1970, p. 166)
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Ilustrações 116, 117 - Dois esquemas da Secção de Instauração Socialista de acordo com o “plano estatal da RSFSR:” “desurbanizado” (116) e “descentralizado” (117). (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 318)
Entre 1929 e 1930, gera-se o apogeu da controvérsia no debate de planeamento urbano. “Uso de terras” e “planeamento regional” em sincronização com um “reassentamento socialista” urbano na condenação da cidade capitalista do século XIX, deu origem, uma vez mais, a posturas contraditórias face ao tema. Fosse qual fosse a postura adoptada pelo arquitecto soviético, na realidade, realista nenhuma delas era. A total reconstrução do país por si só já exigiria demasiado, quanto mais sob as linhas utópicas construtivistas, mas pensou-se em cidade, pensou-se em poder social, pensou-se em pessoas enquanto o todo. A essência do pensar construtivista tem sempre foco na construção do novo homem soviético: que tem que dividir o seu tempo entre produção de trabalho, estudo, recreação cultural, desporto e treino físico; que ama os seus filhos e que, precisamente por isso, estaria disposto a confiar a educação dos mesmos a especialistas e a vê-los unicamente quando estivesse livre de todas as suas preocupações e capaz de lhes dar atenção total;
Ilustrações 118, 119 - Dois esquemas da Secção de Instauração Socialista de acordo com o “plano estatal da RSFSR:” “centralizado-A” (118) e “disperso” (119). (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 318)
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para quem o casamento não seria a submissão total de um dos elementos ao outro, mas em vez uma associação livre e propositada baseada em respeito mútuo, e que se poderia dissolver caso a harmonia deixasse de existir. Utopia, mas mais uma vez, uma ambição que traz confiança em direcção a esse estado de perfeição do homem. The club, the home, and the factory were the places where this new way of life was to grow and flourish. The city was their common frame. The novelty of that city is not to be sought exclusively in the forms that sprang from the imagination of its inventors, but in its social, economic, and political content, in the new way of life that it expressed, in the new moral 183 law that governed relations between its inhabitants. (Kopp, 1970, p. 171)
É importante fazer uma das principais distinções da época: entre “urbanistas” e “desurbanistas.” Urbanista reflectia sobre várias abordagens ao conceito de domkommuna
e
respectivas
repercussões
da
sua
multiplicação
e
consequente
composição urbana. Mais concretamente, num pensamento que pela Europa ocidental normalmente
conhecemos
como
corbusiano,
a
dom-kommuna
tinha
a
responsabilidade de satisfazer não só o novo socialismo habitacional como também qualquer necessidade cultural ou material de quem nela habitasse, libertando assim da noção de “cidade” muita da sua responsabilidade inata. Aqui entram as premissas engelianas assumidas por Leonid Sabsovich184 para o futuro do urbanismo soviético, que para além da reflexão exaustiva sobre a célula habitacional que atingiu resultados onde se conseguiam gerir questões de privacidade com células individuais de 6 m2, destacava o desequilíbrio entre os principais centros urbanos superpovoados com base industrial e as zonas rurais com base agrícola demasiado isoladas, física e culturalmente. A solução “urbanista” de Sabsovich passaria pela distribuição populacional sob intervalos regulares, como que cidades socialistas (tanto industriais como o conceito de “agro-cidade”185) interligadas, com uma população máxima cada entre os trinta e os cinquenta mil habitantes. Embora fosse precisamente o que se procurasse nesta fase, aniquilar a tão evocada expressão por Marx, Engels e Lenine “a antítese entre cidade e campo,” sublinha-se que nenhuma das premissas mencionadas teria muito de realista. “Desurbanismo” abandona por completo qualquer tipo de noção de centralização, desenvolvendo o conceito de “cidade linear.” Neste debate deu-se o primeiro conflito dentro da direcção da até então verdadeiramente sólida SA, visto que os irmãos 183
“O clube, o lar, e a fábrica eram os locais onde este novo modo de vida deveria crescer e florescer. A cidade era o quadro comum. A inovação dessa cidade não deveria ser perseguida exclusivamente através das formas provenientes da imaginação dos seus inventores, mas através do conteúdo social, político e económico, no novo modo de vida que daí seria expresso, na nova lei moral que governaria relações entre os seus habitantes.” (Tradução nossa) 184 Leonid Sabsovich, urbanista e economista russo. 185 Conceito engeliano representativo de cidade que vive da agricultura.
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Vesnin apoiavam o “urbanismo” de Sabsovich e Ginzburg identificava-se totalmente com o “desurbanismo” de Mikhail Okhitovich 186 . Rússia como um país industrial consumou-se através de um complexo e vasto sistema de grandes fábricas, alimentadas por um outro grande sistema de centrais eléctricas proporcionadas por planos de electrificação do país de Lenine e pelo já mencionado “plano dos cinco anos” de Estaline. Mas para Okhitovich seria a rede eléctrica que melhor definia o novo sistema de planeamento regional, portanto em vez de um sistema radial de distribuição eléctrica que partiria de uma fonte central, Okhitovich sugeria uma vasta rede para esse efeito, uma malha rectangular regular que cobrisse todo o país, sem favorecer ou prejudicar nenhuma área específica, permitindo assim (pelo menos teoricamente) não só instaurar uma fábrica onde quer que seja pelo território soviético como distribuí-las estrategicamente pelo país, conforme o seu desenvolvimento, sem restrições. Numa época em que a União Soviética representava 1/6 da superfície terrestre187 (22 402 200 km2), por mais utópico que fosse este activismo visionário, entre todos os que têm sido descritos até aqui, havia a consciência desses números, havia a consciência da sua dimensão, da sua possível impossibilidade, mas acima de tudo da sua necessidade para a destruição das desigualdades entre campo e cidade. O país que oferecia as mesmas condições qualquer que fosse o local de intervenção seria o palco indicado para o sonho social, o socialismo. Qualquer proposta desurbanista ignorava tanto o conceito de “cidade” como o de “campo.”
Ilustrações 120, 121, 122 - Desenhos para o concurso de planeamento de Magnitogorsk: traçado geral de urbanização linear (120), vista axonométrica de um detalhe da linha urbana (121), vários detalhes da unidade habitacional (122), Okhitovich, Barshch, Vladimirov e Sokolov, 1930. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 319)
186
Mikhail Okhitovich, teórico russo de arquitectura construtivista, urbanista e sociólogo bolchevique. Hoje, Rússia, embora ainda o maior país do mundo, representa 1/8 da superfície terrestre (17 075 400 2 km ).
187
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Ilustrações 123, 124 - Desenhos para o concurso de planeamento de Magnitogorsk: perspectiva da zona industrial (123), alçados e axonometria da “estação quilómetro” (124), Okhitovich, Barshch, Vladimirov e Sokolov, 1930. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 320)
Na sua procura do socialismo e da industrialização, o desurbanismo assumia, como já se sublinha desde o início deste documento, a fábrica como mãe da sociedade. Raciocínio lógico de um desurbanista: primeiro define-se o local de construção de uma determinada instalação industrial, agregada à mesma está a estruturação de uma unidade habitacional para a classe operária da qual a unidade industrial irá depender. Nesta dispersão desfaz-se qualquer noção de aglomerado urbano, é o fim do conceito de “rua,” de “praça,” da especificidade do limite urbe/natureza. A verdadeira intenção desurbanista não passava só pela descentralização urbana e respectivas hierarquias sociais que promoviam cada vez mais a desigualdade tão desprezada pelo comunismo, como pela relação o mais directa possível entre homem e natureza. Nessa vasta estratégia territorial, o suporte principal seria a máquina: a evolução permitia que a autoestrada e o carril se destacassem como componente fundamental na distribuição e comunicação geo-demográfica.
Ilustração 125 - Esquema de distribuição de equipamentos e serviços com base nas teorias “desurbanistas” para planeamento urbano a uma escala territorial. Traçado geral de uma zona povoada num momento geográfico escolhido arbitrariamente. A autoestrada (recta horizontal a negro, que se entende aqui como qualquer tipo de rede de transportes) atravessa esta zona interligando-a com centros industriais (não representados no esquema). Os equipamentos estão distribuídos em faixas em ambos os lados da autoestrada, a uma distância da mesma de 150m, ritmadamente consoante a frequência da sua utilização. As habitações individuais estariam dispersas por território rural. Este esquema permitia mais tipos de habitação que o plano “The Green City” de Ginzburg, que lhe é posterior. Existiam unidades individuais sobre pilotis, tal como apartamentos colectivos para operários solteiros e habitações colectivas para famílias de pequena escala. A correios, telefone, telégrafo; B - jornais, editoras; C - enfermarias, jardins-escola, escolas, etc.; D - centro de saneamento; E - estação de água; F - lavandaria; G - administração e planeamento; H - centro de distribuição de produtos essenciais; I - cinema e teatro; J - clube. (Kopp, 1970, p. 176)
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Desurbanismo, contudo, não visava abandonar a ideia de comunidade, de educação da criança, de grupo cultural ou de actividade recreativa, simplesmente promovia um certo dinamismo territorial, o que mais tarde ainda gerou novas reflexões sobre habitação, chegando-se até a questionar o peso da dom-kommuna, o seu gigantismo, a sua estaticidade, como o molde congelado da pequena burguesia, marcando presença na história durante séculos como que um anacronismo que em nada participa na rápida evolução da vida, neste caso, na instauração do socialismo. Eis a fonte de um novo conceito habitacional: adaptada à noção desurbanista, teria que ser tão fácil de construir como de desmontar, materiais baratos, leves, transportáveis, préfabricados e adaptáveis a diversas realidades (Kopp, 1970). “M obilidade” invade um dos conceitos que o homem mais reconhece como sedentário: casa. Tudo seria de pequena dimensão e serviria uma área muito restrita, em vez de lavandarias para 25 000 pessoas pensava-se em instalações verdadeiramente pouco dispendiosas na sua construção que se poderiam multiplicar consoante a necessidade da área para a qual se destinavam (embora a ideia fosse precisamente resumi-las ao indispensável). Lavandaria, restaurante, habitação, seriam módulos soltos em comunhão com a natureza, cada pessoa teria o seu, livre na opção de o juntar a outro módulo ou de o manter independente. O livre arbítrio sempre presente, até no modo como se participaria na nova noção de grupo, de comunidade. Se mais ou menos directamente. Isto tudo para destacar o colectivo. “Desurbanismo” não significa “anti-urbano,” não abandona a ideia de colectivo, antes pelo contrário, dá-lhe uma nova face: o permanecer num restaurante deixaria de significar comer no ruído de uma multidão e o mais rápido possível para dar o seu lugar ao próximo, mas antes por lá permanecer o tempo que bem entender com o seu grupo; as crianças, que Sabsovich condena à desinteressante realidade do internato, vivem, em vez, em correlação constante com a população adulta, mesmo com instalações específicas para crianças, integrar-se-iam na vida social dos adultos desde muito cedo como parte activa da sua composição. Uma “desurbanização” em prol de maior qualidade de vida e de uma solidez social, aglomerados demográficos bem mais reduzidos mas mais interligados, mais consistentes. “Desurbanismo” seria a verdadeira frente de combate a qualquer indício capitalista que o tão conhecido conceito de cidade pudesse carregar. A cidade fazia agora parte de uma rede de distribuição eléctrica, de transportação de alta-velocidade, de telecomunicações avançadas, a cidade como um tecido urbano contínuo, como sistema, como processo. Projectos como a reconstrução socialista de Moscovo, mais conhecido como “The Green City,” procuram solucionar um modo de fazer com que uma cidade, dita tradicional, possa respirar e abarcar o socialismo.
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Ilustração 126 - “The Green City,” Ginzburg e Barshch, Moscovo, 1930. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 320)
O processo para a sua realização passava por, sistematicamente, ir evacuando partes da cidade, destruindo algumas partes com dinamite e deixar que outras se autodestruíssem com o tempo e construí-las novamente já com indústria, habitação e todos os estabelecimentos essenciais à vida comunal, dispersos por território adjacente ao longo das já mencionadas grandes ligações rodoviárias e ferroviárias às cidades mais próximas. Percebem-se no plano de Ginzburg e Barshch para a “The Green City” (ilustração 126) os lineamentos que se apoderam da cidade e que sugerem continuidade território fora como ligação às cidades envolventes, sendo entre eles reino da natureza, que libertaria a cidade da sua estaticidade e dos limites que esta proporciona. Nessa distribuição, proletariado e camponeses também fariam parte do processo, ideologicamente não existiria diferença social, frequentariam as mesmas instituições culturais, as mesmas lojas, etc. E quanto à nova construção de Moscovo
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em si, seria proibida a edificação. Moscovo seria um pulmão gigante, como um jardim de cultura e lazer, preservar-se-iam ruínas, monumentos e edifícios principais, tornando-se um museu do que outrora teria sido “cidade.” Outros, como o projecto para Magnitogorsk, visavam a total construção da cidade industrial de raiz. Um complexo industrial de dimensões gigantescas, para extracção de minério de ferro, desenvolvido em torno da montanha com o mesmo nome, seria, tal como a Dneprostroi (p. 156), das principais demonstrações do novo poder soviético que elevava a URSS como uma das nações industriais mais modernas de então, fruto do “primeiro plano dos cinco anos.” Tanto sucesso teve a iniciativa que Magnitogorsk é hoje considerada uma das vinte e cinco cidades mais poluídas do mundo (Blacksmith Institute, 2006). Exactamente dentro dos padrões já aqui descritos, para além da barragem que se iria criar no lago artificial de Magnitogorsk, oito autoestradas e uma série de vias secundárias iriam definir a faixa de 25 km pela qual esse polo desurbano se iria desenvolver. Uma rede de transportes, restaurantes públicos, centros culturais e de lazer, e um parque estrategicamente colocado como local de encontro e centro de vida política, constituem naturalmente o esquema do programa “desurbanista.” Sublinha-se uma vez mais, tanto esta vertente socialista como os já mencionados custos de construção e manutenção seriam as preocupações principais na elaboração de qualquer intervenção.
Ilustração 127 - Maqueta do troço do plano para Magnitogorsk, a faixa central seria destinada para habitação, constituído por aglomerados habitacionais de pouca altura e por torres. Edifícios de serviços ocupam as faixas laterais e as zonas industriais estão para além das auto-estradas, Leonidov, 1930. (Kopp, 1970, p. 180)
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Muitos dos arquitectos que se dedicavam aos módulos “desurbanistas” que iriam ser espalhados individualmente pela natureza teriam outrora dedicado anos da sua vida a reflectir sobre o conceito massivo da dom-kommuna. Talvez pela constante nãoaceitação das suas ideias, os arquitectos vanguardistas vivessem inquietos em busca de uma solução radical que verdadeiramente evocasse o socialismo, mas na realidade o “desurbanismo” acabara por ser apenas mais uma grande iniciativa com o mesmo desfecho: sendo
evidente
a
diferença
inevitável entre
intenções
nobres
e
possibilidades físicas, o sonho nunca chegara a fundir-se com a realidade. Este conflito urbanista-desurbanista permaneceu activo até, ambas as convicções, serem consideradas especulações utópicas, em 1931. Por isso e por uma necessidade de reflexão sob outras realidades, vários arquitectos estrangeiros foram convidados a intervir no processo de planeamento do urbanismo soviético, como Le Corbusier, Bruno Taut, Ernst May, entre outros, embora tivessem que sair do país em 1937 no pico do terror estalinista, quando foi ordenado que todo e qualquer especialista estrangeiro teria que sair do país sob suspeita de “sabotagem” do progresso soviético. A realidade era evidentemente de mudança, mas essa transformação realizava-se sob padrões bem menos ambiciosos que os até agora descritos. Nikolay Milyutin 188 equilibrou o socialismo com a realidade e tornou-se o mais interessante dos concretizadores. Focou-se em questões muito concretas sociais que já se mencionaram, como por exemplo a liberação da mulher ou a autonomia de cada pessoa longe da tradicional noção de subjugação a alguém. Para além de estruturas urbanas e habitacionais que facilitassem essa autonomia individual, Milyutin defendia muitas das premissas “desurbanistas,” como a pré-fabricação, a industrialização, materiais naturais e baratos. Dedicou-se à racionalização dos métodos de construção e de planeamento urbano, libertando-os de subjectividade, integrando-os num activismo mais científico. A “nova cidade” soviética afirmava-se consistente sob as novas premissas de planeamento e esclarecia o quão superior seria um plano urbano, mesmo que questionável, a um crescimento espontâneo e anárquico baseado em questões capitalistas como lucro ou especulação.
188
Nikolay Aleksandrovich Milyutin (1899-1942), activista russo bolchevique e do sindicato, comissário de finanças (1924-1929), sempre ligado à segurança social e ao planeamento central e financeiro, dedicou muito da sua sabedoria à arquitectura e ao planeamento urbano.
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4.1.2. TATLIN ТАТЛИН
Indiscutível é que o primeiro marco arquitectónico a atrair atenção geral seria o “M onumento à Terceira Internacional” de Vladimir Tatlin, também conhecida como a “Torre de Tatlin,” apresentado em modelo em 1920. Soberano na experimentação e seriamente criativo na área da escultura, a sua torre é muitas vezes entendida como uma escultura. Embora o carácter escultórico seja fundamental na sua concepção, a “Torre de Tatlin,” que nunca fora construída exactamente pela sua complexidade estrutural, seria, literalmente, a mais fiel representação arquitectónica construtivista de comunismo. Será talvez do mais indignável a exposição actual de réplicas da mesma, quarenta a cinquenta vezes mais pequenas, sem nenhuma contextualização dimensional, sem edificação envolvente, sem referência humana. Os seus quatrocentos metros de altura de ferro desfiguramse constantemente num capricho formal. Tatlin procurou criar a referência que ultrapassasse qualquer outro marco da engenharia Ocidental. Da Torre Eiffel em Paris aos arranha-céus americanos não se encontraria semelhante. Não só a luz, toda a sua estrutura, uma hierarquia que se moveria (literalmente) segundo sempre o mesmo eixo, que se adaptaria a qualquer função. “The tower of the towers.”189 (Pyzik, 2012). Para Tatlin era mais que um monumento, seria um sistema de espaços que, com a sua função específica, interagiam nessa adaptação, seria a base da Internacional.
Ilustrações 128 - Monumento para a Terceira Internacional, Vladimir Tatlin, maqueta, 1920. (Kiaer, 2005, p. 42) Ilustração 129, 130 - Monumento para a Terceira Internacional, Vladimir Tatlin, alçados frontal e lateral, 1920. (Kopp, 1970, p. 53)
189
“A torre das torres.” (Tradução nossa).
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Dentro de uma espiral sustentada por uma estrutura de suporte complexa, quatro volumes (um cubo, uma pirâmide, um cilindro e uma semiesfera, respectivamente do corpo mais térreo para o mais elevado) totalmente em vidro, que estariam suspensos por cabos de aço. A espiral representaria “the line of advance of free humanity”190 (Kopp, 1970, p. 52). Os volumes conteriam as instalações para as várias agencias da Internacional. Os três maiores giravam, todos a velocidades diferentes, demarcando cada um a sua ciclicidade e como dependeriam umas das outras. O cubo, destinado a reuniões de congresso, palestras e conferências, completaria a sua revolução (girar em torno de si mesmo) num ano. Logo acima estaria a pirâmide, que com uma revolução de um mês albergaria actividades executivas. Quase no terminus mais elevado da estrutura estaria o cilindro como centro de informação, incluiria uma biblioteca, um restaurante e seria de onde iam ser transmitidos os mais recentes comunicados e manifestos através de telégrafo, rádio ou altifalantes, e com uma revolução de apenas um dia. A semiesfera seria apenas para equipamento de rádio e difusão. Ainda se pensaria não só que a face lateral cilíndrica fosse um ecrã gigante que estivesse em constante transmissão das notícias mais importantes, como a instalação de um projector que pudesse projectar mensagens nas nuvens em dias de piores condições meteorológicas. Tal como se poderá perceber com o desenrolar deste subcapítulo, principalmente com Leonidov, a tecnologia faria parte das mais altas ambições arquitectónicas deste tempo, no entanto o contexto que aqui se evoca é de 1920, quando, especialmente na Rússia, ainda muito faltava para se saber o que um conceito como o de “televisão” viria a ser para o homem. Tatlin defendia que sob a investigação do material, do volume e da construção, e na exploração das propriedades essenciais do ferro e do vidro, era a oportunidade ideal para se pensar em forma artística com intenção utilitária. Nunca se chegou a definir o local para a sua construção, se em São Petersburgo, se em Moscovo, pois onde quer que fosse, teria que ser uma obra que subsistisse sob e sobre si mesma. Teria a intenção de quebrar a tradição, não só a arquitectónica, como a espiritual. Tornou-se um dos projectos mais famosos do século vinte e das maiores influências para a arquitectura contemporânea, sendo o domínio tatliniano na reflexão da forma sob o carácter do material industrial que se testemunhava já desde os seus contra-relevos, ajuda fundamental para o arquitecto contemporâneo ultrapassar as barreiras psicológicas na avaliação do verdadeiro papel das novas formas na criação de um novo método arquitectónico na construção dessa contemporaneidade.
190
“[...] a linha de avanço da humanidade livre.” (Tradução nossa)
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Ilustrações 131, 132 - Dois frames da curta metragem “The Unbuilt Monuments,” Takehiko Nagakura, 1999. (Coates, 2000, p. 194)
Natural duma arquitectura erudita e eternamente contemporânea que acabara por nunca
ser
construída,
surge
frequentemente
a
curiosidade/necessidade
de
desenvolvimento de um modelo à escala real. Visto que as possibilidades tecnológicas actuais permitem aferir mais conclusões através da realidade virtual, o arquitecto japonês Takehiko Nagakura elevou essa vontade à realização de uma curta metragem que procura essas respostas em relação a vários monumentos nunca transpostos para a realidade, incluindo a torre de Tatlin (ilustrações 131 e 132), onde se visualiza a escala da obra no skyline de São Petersburgo e um detalhe da sua materialidade. Tatlin sempre se demonstrou soberanamente indiferente à complexidade de transição do modelo para a realidade, não se consegue perceber se por estar bem consciente de que nunca seria construído, se por não ter consciência da realidade que essa construção implicaria. Aqui defende-se, pela sua longa história na arte de pensar escultura e pela sua genialidade, que Tatlin apenas pretendia ter consciência de que seria um gesto verdadeiro na representação da causa comunista e na imponência dos novos valores sem elitismo. A sua efectivação teve o mesmo carácter sonhador que a grande maioria das convicções construtivistas, acreditava-se que num curto espaço de tempo muito pouco ou nada seria impossível de realizar.
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4.1.3. MELNIKOV МЕЛЬНИКОВА
Completou os seus estudos em 1917, Melnikov, mesmo sendo dos arquitectos mais novos da era Construtivista, apresenta para a Exposição de Artes Decorativas, uma proposta para o Pavilhão Soviético (ilustrações 133-135) claramente revolucionária, a forma que representaria o seu fogo e impulsão. A sua concepção estava nitidamente focada para comunicar o sentimento da própria revolução.
Ilustrações 133 - Pavilhão Soviético, plantas, Konstantin Melnikov, Paris, 1925. (Kopp, 1970, p. 61) Ilustração 134 - Pavilhão Soviético, Konstantin Melnikov, Paris, 1925. (Gray, 1986, p. 264) Ilustração 135 - Quiosques Torgsektor, Konstantin Melnikov, Paris, 1925. (Kiaer, 2005, p. 205)
A estrutura do edifício esticaria as possibilidades da construção em madeira até aos limites práticos de então e era a única a forma como a evidenciava descomprometido do esforço supérfluo de a esconder com plástico. A conjugação entre o dinamismo como espírito da revolução com a simplicidade como austeridade nacional, sem que se confundisse com pobreza. É notória a interpenetração de espaço interior e exterior, o que acabaria por se tornar o cunho da arquitectura moderna, demarcada por uma escada em diagonal através do edifício. Num todo que se relaciona directamente com o industrial, existiam grandes áreas de vidro que completariam essa relação. Após esta exposição, devido à destreza de Melnikov na sua concepção moderna revolucionária, a arquitectura soviética entrou no interesse generalizado do mundo, tornando-se parte do movimento global de renovação da arquitectura. Os diversos clubes de sua autoria e o seu ratio de construção extremamente avançado para a época, são as premissas que o possibilitam transcrever no habitável essa excitação da imaginação revolucionária. Dentro da própria nova dimensão social dos programas dos clubes existe uma flexibilidade de espaços, que se adaptam uns aos outros consoante a necessidade, permitindo sempre novas sugestões dessa socialização, transmitindo a noção de evolução constante.
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Ilustrações 136 - Clube da Fábrica Kauchuk, Konstantin Melnikov, Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 117) Ilustração 137 - Clube Rusakov, Konstantin Melnikov, Moscovo, 1927. (Kopp, 1970, p. 118)
Melnikov representava, genuinamente, o arquitecto no seu mais completo sentido, cujo trabalho, tal como toda a verdadeira arquitectura, demonstrava o esforço em alcançar a síntese entre pesquisa formal e novo conteúdo. Contudo, mesmo numa correlação com a realidade bem mais demarcada que o arquitecto vanguardista comum, especialmente o construtivista, a ASNOVA como seu meio não o libertou da típica sede de experimentação, e acabou por corromper prioridades que, naquele tempo, seriam fundamentais. Será aqui que a OSA recupera a dignidade do papel principal. A época exigia que a experimentação fosse tão explorada quanto a facilidade de construção, teria que ser o consenso entre ambas num pós-guerra que gerou um crescimento industrial (e consequente crescimento populacional, nas principais cidades) desmesurado. Logo a prioridade seria pensar em arquitectura cuja construção se baseasse em produção massificada, estandardização, industrialização e pré-fabricação.
Ilustrações 138, 139 - Proposta Sede Comissariado do Povo de Indústria Pesada, perspectivas, Konstantin Melnikov, 1934. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 268)
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E Melnikov, no seu projecto para “The Green City” (ilustração 140), 1930, ou no da sede para o Comissariado do Povo de Indústria Pesada (ilustrações 138, 139), 1934, parece ter-se liberto da realidade que lhe era tão característica e inevitavelmente essencial. Não obstante de que qualquer arquitecto ou instituição de arquitectura russos, nestes primórdios soviéticos, vivesse do sonho. Mas, por exemplo, a OSA sonhava numa base política e social, enquanto que Melnikov acabaria por mergulhar na pesquisa formal, em direcção a uma arquitectura escultural ou verbal, que sem querer acabaria por também se separar das possibilidades e aspirações do verdadeiro construtivismo.
Ilustração 140 - Proposta “The Green City,” Konstantin Melnikov, 1930. (Kopp, 1985)
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4.1.4. GOLOSOV ГОЛОСОВ
Ilustrações 141, 142, 143 - Clube Zuyev, exterior e interiores, Ilya Golosov, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 119)
O clube de Zuyev (ilustrações 141-143), de Golosov, em Moscovo, 1928, ainda existente, talvez por isso mesmo seja dos seus trabalhos mais reconhecidos, distingue no seu interior duas zonas, o teatro e a zona social. O que o teatro tem de desinteressante, a zona social revela o oposto. A flexibilidade do espaço revela o que de mais entusiasmante se procurava na época. Característica da qual Melnikov também nunca se separaria. No seu clube para os trabalhadores da fábrica Kauchuk (ilustração 136), existiam engenhosas partições que se moviam moldando espaço consoante a necessidade. Interessante também este ponto de como a arquitectura mutante já existe há tanto tempo. O que hoje, e talvez sempre, é dos pontos mais interessantes de exploração espacial, tão explorado a nível académico e cada vez mais a nível habitacional, há praticamente um século atrás já seria uma premissa. Sempre sob premissas muito equivalentes a Melnikov, Golosov seria a ponte entre Melnikov e Chernikhov, isto é, dedicando-se ao gigantismo do mais puro formalismo enfatizava a combinação expressiva de formas e volumes, simples, de grande escala, que se complementam embora nunca deixando de se destacar enquanto corpo autónomo (como se percebe claramente na ilustração 141), com a sua função específica, como parte de um todo. Em vez de uma inovação estilística detalhada, como Chernikhov desenvolveu, Golosov tornou-se mestre na composição de espaço dominada
pela
forma
que
visava
manifestar
especificidades
geométricas.
Assumidamente formal, praticamente funcional, objectivamente social. A forma arquitectónica, para Golosov, seria a totalidade de: “massa” mais “ideia.” Defendia “massa” como o molde completamente desprovido de conteúdo, enquanto que “forma” estaria não só dependente do seu conteúdo como da manifestação do mesmo. “[...] the idea being the architectural intention which had brought it into
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being.”191 (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 103). Transpondo directamente para o seu método de concepção arquitectónica, Golosov definia a “massa subjectiva” do projecto, um sólido que definiria não só a estrutura geral do corpo arquitectónico como a estratégia de composição à qual todo o conceito espacial do projecto se submeteria. Esta hierarquia reflectir-se-ia directamente na estratégia espacial, a função desse sólido seria subordinar todas e quaisquer outras funções do projecto, destacando-se sempre, como já referido, como independente mas essencial para a subsistência da “massa objectiva.” hyNchustrutivismo destaca a noção golosoviana que daqui advém, visto que na interacção das massas residia, para Golosov, a verdadeira função da propriedade geométrica. No processo composicional, a “moção inerente às massas” definiria a qualidade do organismo arquitectónico. Nessa harmonia, Golosov explorava incansavelmente a assimetria pois afirmava abranger muito mais intensidade que soluções arquitectónicas simétricas. Tal como Chernikhov, estudou não só a forma, mas tudo o que a define e a gere numa determinada composição, como vários níveis de energia provenientes da tensão da aproximação, adição, subtracção e intersecção de corpos geométricos, como também a linha e suas propriedades, a dinâmica que daí pode advir e a sua influência directa na arquitectura. Golosov cria vários conceitos nessa base, como “a linha de atracção” que se resumiria a essa gestão de forças como o verdadeiro equilíbrio no habitar desse organismo, e tendo como matriz base: as linhas de atracção verticais seriam o “activo,” as horizontais o “passivo,” deixando bem claro que o método das “linhas de atracção” não procurava obrigatoriamente o dinamismo, mas antes definir vários níveis, tanto de dinamismo como de passividade, consoante a função do elemento tridimensional em questão na composição geral desse organismo arquitectónico. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 103). Como na sua proposta para o concurso do palácio do trabalho (ilustrações 144, 145), reconhece-se,
Ilustrações 144, 145 - Proposta para o palácio do trabalho, interior e alçado, Ilya Golosov, Moscovo, 1922-23. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 96) 191
“[...] sendo a ideia a intenção arquitectónica que o tornaria real.” (Tradução nossa)
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Ilustrações 146, 147 - Proposta para o palácio do trabalho, alçado e planta, Ilya Golosov, Moscovo, 1922-23. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 96)
principalmente nos alçados mas também em planta, os espaços passivos, de permanência, e os de função activa. Este projecto seria não só o culminar do seu romanticismo como a última abordagem sob um gesto pouco construtivista. O seu “princípio de moção de massas arquitectónicas” seria a sua teoria de interpretação do carácter dinâmico da era construtivista. Movimento na composição arquitectónica reflectiria a mais pura essência da nova tarefa comunista na construção social.
Ilustrações 148, 149 - Alçados dos concursos do pavilhão soviético para a exposição de Paris de 1925 (124) e dos escritórios de Moscovo do jornal Leningradskaya Pravda (125), Ilya Golosov, 1924. (Kahn-Magomedov et al., 1987, pp. 97, 98)
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4.1.5.
IRMÃOS VESNIN БРАТЬЯ ВЕСНИНЫ
Ilustrações 150 - Esquisso de cenário para a peça “O homem que era quinta feira,” irmãos Vesnin, 1922. Ilustração 151 - Construção do cenário para a peça “O homem que era quinta feira,” irmãos Vesnin, 1923.
Aleksandr, Viktor e Leonid Vesnin, por muitos anos, anteriormente à revolução, desenharam trabalhos para engenheiros e outros arquitectos, onde compunham fachadas em qualquer estilo, consoante o pedido pelo cliente. Mas que, ao contrário de muitos outros, a evolução surgiu como uma liberação. Desde cedo que se dedicaram a projectos de habitação operária, desenhavam instalações temporárias para as manifestações populares e participavam frequentemente em produções de teatro, em particular as de Aleksandr Tairov. Resumindo, eram do seu próprio tempo, e o seu projecto para o palácio do trabalho estava longe de um capricho de adaptação ao novo estilo, mas antes um firme passo em frente, a consagração das suas próprias aspirações.
Ilustrações 152 - Proposta palácio do trabalho, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Gray, 1986, p. 206) Ilustração 153 - Proposta palácio do trabalho, plantas, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Gray, 1986, p. 206) Ilustração 154 - Proposta palácio do trabalho, irmãos Vesnin, Moscovo, 1923. (Kopp, 1970, p. 54)
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Ilustrações 155 - Proposta estação, perspectiva exterior, irmãos Vesnin, Kiev, 1928. (Kopp, 1970, p. 70) Ilustração 156 - Proposta estação, perspectiva interior, irmãos Vesnin, Kiev, 1928. (Kopp, 1970, p. 70)
Permaneceram fieis às suas primeiras linhas modernas de 1923, e mesmo em 1947, quando o classicismo se impôs novamente com Estaline, o único sobrevivente dos três irmãos que sempre se empenharam no progresso da arquitectura, Aleksandr Vesnin, ao ser confrontado com um entrevistador que o provocava evocando a forma clássica como eterna e como utilizável em qualquer momento sob qualquer propósito, argumentou e re-argumentou: The development of socialist architecture should be determined by the content of our new existence, of our new socialist way of life, by the new technology,… and by the new horizons that open up before us. New content requires new form.\ But […] could we not achieve all that by using the forms bequeathed to us by history, especially antiquity and the Renaissance?\ […] Architecture […] should not compel us to look back, to the historical past, […] it should turn our gaze forward, into the future, with its boundless creative promise. 192 (Vesnin apud Kopp, 1970, p. 56)
São os arquitectos soviéticos que mais se podem considerar construtivistas. Não se deixam entusiasmar pela utopia vanguardista inatingível, embora quando premissa programática dos concursos, não se ficariam atrás como se pode verificar no concurso Narkomtiazhprom; 193 são os que mais investem na arquitectura industrial, nunca se libertando do que era mais importante para o país, consequentemente para o povo. É importante também sublinhar que, logo após a revolução, tiveram a sorte de serem incumbidos de vários projectos industriais. Ainda antes da nova era industrial se consolidar num determinado desenvolvimento, os irmãos Vesnin já exploravam possibilidades. Aleksandr Vesnin, logo em dezembro de 1917, ficaria encarregue do projecto da central eléctrica de Shatura, e Viktor Vesnin, em 1918, responsável pelo desenho da primeira fábrica de superfosfato da Rússia, em Chernorech. 192
“O desenvolvimento da arquitectura socialista deveria ser determinada pelo conteúdo da nossa nova existência, do nosso novo modo de vida socialista, pela nova tecnologia,[...] e pelos novos horizontes que se revelam perante nós. Novo conteúdo requer nova forma.\ Mas [...] não se poderia alcançar o mesmo usando formas a nós legadas pela história, especialmente antiguidade e o Renascimento?\ [...] Arquitectura [...] não nos deveria obrigar a olhar para trás, para o passado histórico, [...] deveria direccionar o nosso contemplar avante, para o futuro, com a sua ilimitada promessa criativa.” (Tradução nossa). 193 Concurso de ideias, o qual teria o fundamento de depois se efectivar no projecto para o Comissariado do Povo de Construção Indústria Pesada.
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Ilustração 157 - Narkomtiazhprom, perspectiva da primeira proposta, irmãos Vesnin, Moscovo, 1934. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 266)
A progressividade do pensar juntamente com a ilusão de que quase tudo se pode construir, fez com que do clube e do apartamento se passasse para mercados, bibliotecas, teatros, daí para a central eléctrica, para a fábrica, daí para os grandes complexos habitacionais como anexo desses grandes centros industriais: a casa comunal, e claro, daí, só mesmo dando o salto para o já referido “condensador geral”: a cidade. O urbanismo preparava-se para se apoderar de um dos papéis principais na utopia soviética. A escala ganha novos valores, ou melhor, a utopia ganha uma nova escala. Os irmãos Vesnin criaram o que muitos historiadores defendem como o projecto pioneiro do exagero comunal. Ao elevarem o conceito de casa comunal ao nível de pedaço de cidade com o seu projecto para Kuznetsk, elevam também o interesse criativo em geral à escala urbana. Contudo, a obra industrial mais notável da era construtivista foi a central hidroeléctrica na nova barragem do rio Dnieper, a DneproGES, a maior do mundo, em Zaporizhia, actual Ucrânia. No concurso para o seu projecto, Viktor Vesnin ganhou o primeiro lugar, em pareceria com Nikolai Kolli, Georgy Orlov, Sergei Andreievsky e V. Korchinski.
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Ilustrações 158, 159, 160 - Dneprostroi, Viktor Vesnin, 1927. (Kopp, 1970, pp. 150-152)
Ficou responsável pelo projecto que viria a tornar-se a maior demonstração do poder industrial russo, a Dneprostroi (a hidroeléctrica
mais
todo
o
complexo
industrial) e um elemento crucial nas movimentações das tropas alemãs na Segunda Guerra Mundial. Ao ponto de ter sido bombardeada pelos próprios soviéticos para impedir Alemanha continuasse a conquistar terreno em 1941, sem grande sucesso, sendo novamente bombardeada quando as mesmas se retiravam em 1943. Devido à sua importância político-económica, a sua reconstrução começou logo depois em 1944 sob responsabilidade de dois dos seus originais criadores, Kolli e Orlov, terminando, face à sua destruição massiva, apenas em 1949. Representam uma face genuinamente construtivista. Em várias propostas, como a do já referido Narkomtiazhprom, ou a da sede do jornal Leningradskaya Pravda, em Moscovo, se revê uma identidade futurista, especialmente traços de Sant’Elia, principalmente como o conceito de indústria, de máquina se revelam parte integrante do organismo arquitectónico, cujo movimento declara à sociedade que está a desempenhar o seu papel de transformação de sociedade, como que uma fábrica do novo homem. Esse “centro de comunicações moderno,” ou melhor ainda “quiosque arranha-céus” (Curtis, 2006, p. 206), com o movimento dos elevadores e seu mecanismo completamente explícitos em estruturas de ferro e vidro, e os cartazes giratórios assumiam essa função de intervenção social. Dos três irmãos, Leonid é o primeiro a falecer em 1933, Aleksandr afasta-se da arquitectura executando o seu último projecto em 1940, enquanto que Viktor, logo após o concurso para o palácio dos soviéticos, que já seria sob o regime de Estaline, adapta-se à era consagrando uma evolução da sua técnica, nesse sentido.
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Ilustrações 161 - Proposta sede do jornal Leningradskaya Pravda, perspectiva, irmãos Vesnin, Moscovo, 1924. (Curtis, 2006, p. 207) Ilustração 162 - Proposta sede do jornal Leningradskaya Pravda, alçados, irmãos Vesnin, Moscovo, 1924. (Kopp, 1970, p. 234)
“The modern engineer has created works of genius: the bridge, the steam locomotive, the aircraft, the crane… The modern artist must produce objects equal to them in strength, tension and potential, organising principles in terms of their psychophysiological impact on human 194 consciousness.” (Aleksandr Vesnin apud Weston, 1996, p. 160)
194
“O engenheiro moderno criou obras de génio: a ponte, a locomotiva a vapor, a aeronave, a grua... O artista moderno deve produzir objectos equivalentes a esses em força, tensão e potencial, organizando princípios em termos do seu impacto psicofisiológico na consciência humana.” (Tradução nossa)
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4.1.6. GINZBURG ГИНЗБУРГА
1. In a country building socialism, the problems of improving the quality of housing from the standpoint of increased productivity, the cultural revolution, and the transition to a new, socially superior way of life. 2. Careful rationalization of the old prerevolutionary apartment plan, an analytical study of the way in which people use space, particularly kitchen space, can lead to savings of about 10%. 3. By exploiting the unutilized height of service areas (hallways, kitchen, bathroom) the economic efficiency of an apartment of the old type can be considerably increased. […] 4. Our present social and economic conditions are such as to make the question of the smaller, more economical apartment particularly important. 5. It is possible to design an apartment with a living area of 27 square meters (9 per person) that is just as economical as one with 54 square meters […] and, in fact, our graphs show that it is possible to go even farther in this direction. This requires a new approach to the use of space. 6. The F type unit is important as a step along the road toward a communal form of housing in keeping with the social processes of differentiation of the family and the increased use of collective facilities. 7. Solving the problem of the living unit will enable us to solve the problem of building on a community and regional scale. 8. The ideal apartment should include the following features: a. Good lighting in all areas. b. Through ventilation-two exposures. …
e. The size and shape of the rooms should be the result of a careful study of living and working requirements. f. Equipment of the highest quality. […] 9. Apartment design should be based on the principle of maximum standardization of building elements and, […] the total 195 industrialization of the building process. […]. (Ginzburg apud Kopp, 1970, p. 135)
195
“1. Num país a construir o socialismo, o problema da economia está indissoluvelmente ligado aos problemas de melhoramento da qualidade de habitação do ponto de vista do aumento da produtividade, à revolução cultural, e à transição para um novo modo de vida socialmente superior.\ 2. Racionalização cuidadosa da planta do antigo apartamento pré-revolucionário, um estudo analítico do modo como as pessoas usam o espaço, particularmente o espaço da cozinha, pode levar a poupanças que rondem os 10%.\ 3. Explorando a altura inutilizada das áreas de serviço (corredores, cozinha, casa de banho) a eficiência económica de um apartamento de tipo antigo pode ser consideravelmente aumentada. [...]\ 4. As nossas presentes condições económicas e sociais são tais que a questão sobre o apartamento mais pequeno e mais económico torna-se particularmente importante.\ 5. É possível desenhar um apartamento com uma área útil de 27 metros quadrados (9 por pessoa) que seja tão económico quanto um de 54 metros quadrados [...] e, de facto, os nossos gráficos mostram que é possível caminhar ainda mais longe nesta direcção. Isto requer uma nova abordagem à utilização de espaço.\ 6. A unidade tipo F é importante como um passo em direcção à forma de habitação comunal mantendo-se com os processos sociais de diferenciação da família e do aumento de utilização de instalações colectivas.\ 7. Resolver o problema da unidade viva permitir-nos-á resolver o problema de construir numa escala comunitária e regional.\ 8. O apartamento ideal deve incluir as seguintes características:\ a. Boa iluminação em todas as áreas.\ b. Através de ventilação – duas exposições.\ …\ e. O tamanho e forma dos quartos deve ser o resultado de
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Servem estes pontos para evidenciar a melhor pesquisa habitacional que se desenvolvia na altura, da qual Ginzburg era o próprio porta-voz e executante. Percebe-se nitidamente o nível de preocupações reais e ao mesmo tempo a utopia da as solucionar com a mais alta tecnologia. Começou nas grandes exposições com propostas para os pavilhões nacionais, mas seria em 1924, com o livro “Styl i Epokha” que, sendo o primeiro a demarcar a área de teoria da arquitectura, Ginzburg se consagraria mais reconhecido. O livro debruçavase sobre o novo na cabeça do arquitecto que vive na era funcionalista, que estando agora tão universalmente aceite não requereria explicação. Percebe-se, até porque sempre mantiveram um contacto de amizade bastante activo, as influências que “Vers une Architecture” de Le Corbusier, de 1923, teve na sua concepção.
Ilustração 163 - Narkomfin, perspectiva, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 137)
Narkomfin, em associação com Ignaty Milinis, talvez seja o edifício mais consumadamente Construtivista que ainda existe, embora tão degradado que quase nem se reconhece. Consta neste trabalho por ser um grande exemplo tanto de habitação como de urbanismo, e será a ponte para mais alguns detalhes importantes a sublinhar. Enquanto construtor do socialismo e arquitecto, via a sua função como participante activo na complexa gestação do novo mundo. “[…] for us the goal consists in the complete overthrow of the old concepts usually established by a program that sets the limits within which the architect can exercise his own creative initiative” 196 (Ginzburg apud Kopp, 1970, p. 93). Notável era o modo em como Ginzburg se debruçava maioritariamente sobre projectos que definiam a nova nação.
um estudo cuidadoso dos requerimentos de vivência e de trabalho.\ f. Equipamento da mais alta qualidade.\ 9. O desenho do apartamento deve basear-se no princípio de máxima estandardização de elementos de construção e, [...] na total industrialização do processo de construção. [...]” (Tradução nossa). 196 “[...] Para nós o objectivo consiste no completo abandono dos conceitos de outrora normalmente estabelecido por um programa que define os limites dentro dos quais o arquitecto pode exercitar a sua própria iniciativa criativa.” (Tradução nossa).
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Ilustrações 164 - Narkomfin, vista exterior sul, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 137) Ilustração 165 - Narkomfin, vista exterior nascente, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 138) Ilustração 166 - Narkomfin, interior de uma unidade K, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 141) Ilustração 167 - Narkomfin, interior do elemento de distribuição, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1967. (Kopp, 1970, p. 141)
Urbanismo e casas comunais eram a sua prioridade. Definiam-no como elemento estrutural da criatividade na construção da nova sociedade. Dom-kommuna representa esse pensar sobre o cerne humano que apresentaria, por sua vez, novas necessidades. Forma-se a equipa Stroikom, de onde surgem as unidades Stroikom. Arquitectos da OSA estudaram a tipologia sob os novos ideais de vida comunista. De toda a utopia que tanto caracteriza a época construtivista, nesta pesquisa define-se esta persistência na tipologia habitacional como o ponto onde se resumem todas as premissas utópicas e questionáveis à realidade, à verdadeira realidade: o byt. Aqui reside a ponte da tão aclamada teoria do byt e do novyi byt para o construído. Voltando ao contexto da pesquisa tipológica habitacional, foram desenvolvidas cinco unidades Stroikom mestras, e daí surgiram diversas variantes. No entanto, a que verdadeiramente se revelava como inovação seria a que designaram de “unidade F” (ilustrações 168), que correspondia à mais genuína resposta arquitectónica às tão aclamadas novas necessidades. Ginzburg acaba por também ser uma das figuras principais do “desurbanismo” desenvolvido no final do subcapítulo 4.1.1.
Ilustrações 168 - Stroikom, plantas modelo unidade F, tipologias de 30m2, 1930. (Kopp, 1970, p. 134)
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Ilustrações 169 - Narkomfin, plantas das tipologias F e K, Moisei Ginzburg, 1928. (Kopp, 1970, p. 136)
A tipologia F seria resultado de um estudo intensivo também dos apartamentos burgueses pré-revolucionários, com o intuito de perceberem como poderiam melhorar a eficiência económica da habitação, que passava pela relação entre área útil e volume. O plano não era minimizar o tamanho dos componentes habitacionais, isso não ficaria menos dispendioso, a estratégia passa por uma essência que em muito condiz com a hyNchustrutivista, como se poderá verificar no capítulo relacionado com o projecto de 5º ano, que seria a redução das áreas de serviço (cozinhas e instalações sanitárias) ao mínimo suportável. Outro detalhe importante é a dimensão do elemento de distribuição do edifício e os quartos/áreas de serviço passarem a ter uma altura, novamente, mínima suportável. Embora a construção se tornasse um pouco mais dispendiosa pelo sistema pouco convencional, compensava o suficiente (o quer que seja que isso pudesse querer dizer numa época reinada pela utopia). Ginzburg e Narkomfin, um desenvolvimento que exigiu o homem como centro de reflexão num contexto industrial que definia a sociedade soviética. É importante perceber-se como esta obra foi pensada e estruturada, visto que foi referência não só para mais variantes de tipologias que mais tarde influenciaram pela Europa como hoje em carisma de execução, de resolução, de construção do socialismo social.
Ilustração 170 - Narkomfin, alçado norte, corte e alçado nascente, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 136)
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Ilustração 171 - Narkomfin, plantas de todo o complexo habitacional, Moisei Ginzburg, Moscovo, 1928. (Kopp, 1970, p. 139)
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
4.1.7. CHERNIKHOV ЯКОВ ЧЕРНИХОВ
A individualidade ganha demasiada imponência na era construtivista, não é tarefa fácil distinguir quem é que foi mais correcto, mais eficaz, mais feliz nos resultados, mais construtivista, até porque são tudo realidades que sempre tiveram várias definições, quanto mais numa nova era. Contudo, Chernikhov desempenha um papel muito importante na estrutura construtivista, começando pelo facto da grande maioria dos livros actuais sobre a época de vanguarda russa nem sequer citar o seu nome. Isto deve-se a três factores principais: a sua obra construída sempre foi muito pouca, sendo hoje praticamente nula, a única excepção consumada na pesquisa é a torre da “Red Nailer Factory,”197 em Leninegrado, de 1931; de polemista nada tinha, talvez por provir de uma família humilde e pobre, no seu sentido mais literal, talvez por ter realizado 17 000 desenhos e projectos cheios de carácter e carisma o que dá para perceber as suas opções de dedicação, ou talvez por viver demasiado cauteloso com o regime pois a atenção que este dedicava a Chernikhov era notável pelas suas ideias invulgares; a educação e o sistema de ensino seriam a sua prioridade, desenvolveu sistemas de trabalho de um rigor incrível, de concepção e fantasia arquitectónicas, de tipografia, de design, de iconografia e de estudo da forma desenhada. A contradição construtivista é a melhor estratégia encontrada de contextualização de Chernikhov neste espectro paralelo ao até agora tão vincado na arquitectura, visto que no construtivismo a contradição é parte integrante. Chernikhov revela-se, face à utopia que acaba por descredibilizar o construtivismo, como um dos únicos elementos que efectivamente o define, curiosamente nunca se assumindo como construtivista.
Ilustrações 172 - Ilustração retirada do “Fundamentals of Modern Architecture,” Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 171) Ilustração 173 - Axonometria de uma nova cidade imaginária, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 74) Ilustração 174 - Axonometria de uma nova cidade socialista imaginária, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 74) Ilustração 175 - Axonometria de uma nova cidade industrial imaginária, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 75)
197
“Fábrica do pregador vermelho.” (Tradução nossa).
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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Ilustrações 176 - Composição nº 86, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 206) Ilustração 177 - Laboratório de pesquisa científica para a indústria da luz, Yakov Chernikhov, 1933. (Chernikhov, 2009, p. 75) Ilustração 178 - Ilustração, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 63) Ilustração 179 - Composição nº 76, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 205)
Destaca-se como o arquitecto mais apolítico da época, muito por isso criticado pois consequentemente afastava-se da realidade ideológica social que deveria ser subjacente à arquitectura, sendo um dos factores que mais o teria comprometido quando tentava expor ou publicar. Mas simultaneamente abraçou-o como um género de camuflagem, uma imunidade face à constante efervescência do regime, possibilitando-lhe desenvolver um design construtivo que por sua vez permitiu que continuasse o seu trabalho criativo mesmo sob a realidade estalinista do realismo socialista. Dedicava-se inteiramente ao pensamento formal do construtivismo e sua representação, constando, aqui, como o melhor exemplo na expressão gráfica de ideias de arquitectura e dos mais genuínos nessa construção formal. Esse significado terá nascido do seu fascínio pelo futurismo e pelo suprematismo de Malevich, e numa perspectiva hyNchustrutivista, consta como uma das mais genuínas assunções de formalismo, da sua composição e das estratégias daí possíveis, como geradores de sistema, como definição de espaço, como construção de sociedade. Entre lápis e papel, multifacetado e preciso na definição de uma ideia. Construiu pouco, mas pensou muito, desenhou muito. Comprova-se entre 1927 e 1933, período no qual publica os seus livros com base em design arquitectónico publicados em São Petersburgo, que estão entre os mais inovadores textos e ilustrações do seu tempo. Tal como muitos defendem que numa prematuridade a aptidão humana é universalmente idêntica e que é precisamente no desenvolvimento que se define uma determinada direcção, Chernikhov defendia que qualquer ser humano tem inato a si mesmo um qualquer sentimento para com o construtivo. Aqui jaz uma das já mencionadas
contradições
construtivistas:
construir
evoca
criatividade.
Tanto
criatividade como sentimento denotam o que de mais individual existe no homem. Face a uma base comunista que evoca a força da união, o activismo unido, o
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individualismo na arquitectura e na arte ameaçava por vezes o que a sociedade proclamava. Mas na realidade, sob outra condição nem a arquitectura nem a arte se poderiam reger. Existiu sempre a tentativa de, sob meios que permitissem uma qualquer evidenciação individual, colectivamente atingir os mesmo fins. Chernikhov procurava simplesmente explorar as suas ideias, individualmente. Como professor definia construtividade como “a higher level of creative energy.”198 Chega a realçar na sua obra “Fundamentals of Contemporary Architecture ” que “[...] the development of the conception must always be based upon the manifestation of the creative particularities within each individual”199 (Cooke, 1989, p. 46). Complementando toda a sua ênfase da criatividade do indivíduo, dedicou a sua vida tanto a estudar como a leccionar, algumas possíveis definições de construção, seja de um edifício, seja de uma letra. Nesse processo chegou até a desenvolver teorias sobre hierarquias de níveis de sentimento de um indivíduo face ao construtivo, contudo
salientou
que
nem
todos
os
trabalhos
poderiam
ser
resolvidos
construtivamente. Um dos aspectos mais importantes para Chernikhov era precisamente que a forma construtiva nunca deveria ser imposta artificialmente num trabalho criativo. O estudo sobre a metodologia da construção em variadíssimas áreas fez com que se tornasse mestre no modo como a reflectia e a estudava. Os seus desenhos, sejam mais expressionistas ou mais minimalistas, sejam mais técnicos ou mais abstractos, definem a maior abrangência do estudo da noção de “construtivo” que se pôde constatar nesta época. Desde a linha à composição final, o propósito no seu todo torna-se nítido depois de testemunhar o seu percurso e preocupações fundamentais.
Ilustrações 180 - Ilustração de “Fundamentals of Modern Architecture,” Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 170) Ilustração 181 - Análise de estrutura de fonte cirílica, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 165) Ilustração 182 - Alfabeto palmireno, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 155) Ilustração 183 - Alfabeto latino, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 135)
198
“Um nível superior de energia criativa.” (Tradução nossa). “[...] o desenvolvimento de concepção deverá basear-se na manifestação de particularidades criativas inerentes a cada um.” (Tradução nossa).
199
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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Ilustrações 184 - Esquisso dos panteões da Segunda Guerra Mundial, Yakov Chernikhov, sem data. (Chernikhov, 2009, p. 66) Ilustração 185 - Desenho Palácio do Trabalho, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 207)
Sendo Ginzburg e os irmãos Vesnin essenciais na divulgação dos princípios da OSA em relação à arquitectura como instalação do socialismo no sistema social, no raciocínio lógico desta dissertação, Chernikhov marca o seu registo logo após, pois a sua posição em muito confronta tais princípios: The chapter entitled Constructivism is the first section of the book shows that Chernikhov regarded this term as referring neither to any 1920s architectural style, and nor to the theory of art propounded by Moisei Ginsburg in his famous 1924 book Stil i Epokha (Style and Epoch). Rather, Constructivism was a way of perceiving space and plasticity and composing connected spatial structures, a property of the architectural form underlying the act of discovery and perception. Chernikhov also defines the word “construction” in a very distinctive way. To the OSA Constructivists such as Moisei Ginsburg, the Vesnin brothers and their colleagues, it simply meant building. Chernikhov too the concept one step further, seeing it as based on a spatial, artistically developed structure of reality, but also on the abstract, imaginary object. It can be graphic, in the form of a line, a space or building; the only important thing is that the same process be used to construct any object. 200 (Chernikhov, 2009, p. 43)
Na sua reflexão acaba-se até por, em várias colecções de trabalhos seus, perceber como a rua interage com a indústria, como que se a industrialização para além de inevitável fosse incontrolável. Logo, a rua como símbolo exponencial de povo, que gere as suas vidas e percursos todos os dias, onde todos se encontram para celebrar ou manifestar, para conviver ou reivindicar, marca presença nessa germinação 200
“O capítulo intitulado “Constructivism” na primeira secção do livro mostra que Chernikhov via este termo como referente nem a nenhum estilo arquitectónico de 1920s, nem pela teoria proposta por Moisei Ginzburg no seu famoso livro de 1924 Stil i Epokha (estilo e época). Em vez, construtivismo seria o modo de percepcionar espaço e plasticidade e de compor estruturas espaciais interligadas, uma propriedade da forma arquitectónica que subjaz o acto de descoberta e de percepção. Chernikhov também define a palavra “construção” de um modo muito distinto. Para os construtivistas da OSA, como Moisei Ginzburg, os irmãos Vesnin e seus colegas, significaria apenas construir. Chernikhov levou o conceito um passo adiante, entendendo-o como baseado numa estrutura da realidade artística e espacialmente desenvolvida, mas também no objecto abstracto, imaginário. Pode ser gráfico, na forma de uma linha, de um espaço ou edifício; a única coisa importante é a utilização do mesmo processo na construção de qualquer objecto.” (Tradução nossa).
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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industrial, como se fosse o que de mais humano conseguisse sobreviver ao apogeu da máquina. A série “Street Overpasses,” originalmente retirados da sua obra “Fundamentals of Modern Architecture,” composta única e exclusivamente por linhas, o que ainda mais acentua o rigor agressivo de uma qualquer estrutura industrial, é o exemplo que mais revela essa poética assumidamente geradora da noção de nova era que se tinha então.
Ilustrações 186 - Desenho da série “Port cranes”, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 66) Ilustrações 187, 188 - Desenhos da série “Street overpasses”, Yakov Chernikhov, 1930. (Chernikhov, 2009, p. 67)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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4.1.8. LEONIDOV ЛЕОНИДОВ
Ilustrações 189, 190 - Proposta para o palácio da cultura, alçado expressionista (164) e planta (165), Ivan Leonidov, 1930. (Kopp, 1970, p. 199)
Organization of the Work of a Club of a New Social Type Method 1. Specialized analytical work (in laboratories) Mass work 1. Broad demonstration of laboratory work 2. Lectures 3. Sports, games, military exercises 4. Museum work 5. Meetings 6. Sociopolitical campaigns 7. Exhibitions 8. Tourism 9. Production competitions 10. News films 11. Planetarium 12. Action campaigns for a new way of life, etc. Supervision This detailed analytical and mass work should be supervised chiefly by trained teachers grouped in a central institute and communicating through 201 the medium of radio, television , and the broadest possible diffusion […] 201
Em 1930, “televisão” só existia em palavra. Antecipação de tecnologia futura era uma das características fundamentais construtivistas, especialmente em Leonidov.
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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Elements of the Project, Organization, Functional Relations 1. Scientific winter garden (botanical garden), area 2,500 square meters. Including space for: a. Experimental botany. b. Zoology. c. Exhibitions. d. Playgrounds, sports, tennis, basketball, croquet, chess, etc., corners for social and political work, etc. 2. Hall, area 700 square meters, for lectures, films, demonstration s, planetarium, meetings, etc. 3. Library. 4. Eight laboratories for specialized scientific research. 5. Spacious grounds for gliding and flying, car racing, civil-defense exercises, military games, walking, etc. 6. Gymnasium and related facilities. 7. Sports ground. 8. Children pavilion with play areas and pool. 9. Park. Outside the club […] all the political and economic news of the day and the activities of the club and its scientific institutes are flashed on screens or reported over loudspeakers, a sort of animated newspaper that no workers’ or peasants’ collective should be without. Materials The skin will be chiefly of glass and the supporting structure of reinforced concrete. Up to now the wall has been treated as essentially a thermal and acoustic insulator and a source of light. Thanks to modern technology the wall need no longer be an insulating barrier, an opaque stone or wooden mass, but can be made of transparent glass, a means of widening our grasp of the dynamics of the world around us. 202 (Leonidov apud Kopp, 1970, pp. 123-126)
202
“Organização do trabalho de um clube de um novo tipo social:\ Método:\ Trabalho analítico especializado (nos laboratórios)\ Trabalho em massa:\ 1. Demonstração geral de trabalho de laboratório\ 2. Palestras\ 3. Desportos, jogos, exercícios militares\ 4. Trabalho de museu\ 5. Reuniões\ 6. Campanhas sociopolíticas\ 7. Exposições\ 8. Turismo\ 9. Competições de produção\ 10. Filmes noticiários\ 11. Planetário\ 12. Campanhas de acção por um novo modo de vida, etc.\ Supervisão:\ Este detalhado trabalho analítico e de massa deveria ser supervisionado principalmente por professores treinados agrupados num instituto central e comunicando por meio de rádio, televisão, e imagens em movimento, assegurando assim instrução de alta qualidade e [...] a difusão mais ampla possível [...] \ Elementos do projecto, organização, relações funcionais:\ 1. Jardim de inverno científico (jardim botânico), área 2500 metros quadrados. Incluindo espaço para:\ a. Botânica experimental.\ b. Zoologia.\ c. Exposições.\ d. Espaços de recreio, desportos, ténis, basquetebol, croquete, xadrez, etc., recantos para trabalho político e social, etc.\ 2. Salão, área 700 metros quadrados, para palestras, filmes, demonstrações, planetário, reuniões, etc.\ 3. Biblioteca.\ 4. Oito laboratórios para pesquisa científica especializada.\ 5. Terrenos espaçosos para planar e voar, corridas de automóveis, exercícios de defesa-civil, actividades militares, andar, etc.\ 6. Ginásio e instalações relacionadas.\ 7. Terreno de desportos.\ 8. Pavilhão para crianças com áreas de recreio e piscina.\ 9. Parque.\ Fora do clube [...] todas as notícias económicas e políticas do dia e as actividades do próprio clube e os seus institutos científicos brilham em monitores ou relatados através de altifalantes, uma espécie de jornal animado sem o qual nenhum colectivo de camponeses ou de operários devesse estar.\ Materiais:\ A pele será principalmente de vidro e a estrutura de suporte de betão armado. Até hoje, a parede tem sido trabalhada essencialmente como um isolador térmico e acústico e fonte de luz. Graças à tecnologia moderna a parede não necessita mais de ser uma barreira isoladora, uma pedra opaca ou um aglomerado de madeira, mas pode ser construída em vidro transparente, um meio de ampliação do nosso alcance da dinâmica do mundo que nos rodeia.” (Tradução nossa).
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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A sua dedicação ao homem como protótipo do futuro destaca-se numa fase em que são mais as condições e as críticas que as soluções. Numa esperança sobre o homem e a sua rápida evolução, vai publicando na SA um conjunto de propostas para o “clube de um novo tipo social”, que definitivamente merecem presença neste raciocínio. Há medida que nos aproximamos do final da pesquisa, aumenta a utopia que definiu a nova fase, e Leonidov como referência exponencial à utopia carismática construtivista será o ideal, como que um episódio em separado sob o mesmo programa. Tão separado que praticamente em nada do que concebeu se consegue criar referências ou analogias a outros arquitectos, nem a outras eras. Contudo, nenhuma das suas obras acabara por ser construída. Destaca-se claramente não como o arquitecto que pretende construir, mas reivindicar, marcar uma posição de tal modo imponente e vanguardista que seria incontestável. Viveu simplesmente para a arquitectura e para a afirmação social na sua filosofia de sociedade e socialismo. Nasceu numa família camponesa, pobre e inculta. O seu dom e originalidade encaminharam-no, ao longo do tempo, até Moscovo, onde frequentou a VKhUTEMAS, de onde surgiu o seu projecto para o instituto Lenine em 1927 (ilustrações 191-197), e também onde acabou por se juntar ao atelier dos irmãos Vesnin e se viu, sem cultura tradicional vincada na sua essência e cuja educação seria totalmente produto do novo regime, pronto para gritar através da arquitectura.
Ilustrações 191 - Proposta para o instituto Lenine, maqueta (detalhe), Ivan Leonidov, 1927. (Kopp, 1970, p. 194) Ilustração 192 - Proposta para o instituto Lenine, maqueta (detalhe), Ivan Leonidov, 1927. (Kopp, 1985, p. 110) Ilustração 193 - Proposta para o instituto Lenine, corte do auditório, Ivan Leonidov 1927. (Kopp, 1970, p. 192) Ilustração 194 - Proposta para o instituto Lenine, planta geral, Ivan Leonidov 1927. (Kopp, 1970, p. 190) Ilustrações 195, 196 - Proposta para o instituto Lenine, maqueta (detalhes), Ivan Leonidov, 1927. (Kopp, 1970, p. 192) Ilustração 197 - Proposta para o instituto Lenine, corte do auditório, Ivan Leonidov 1927. (Kopp, 1970, p. 195)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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O instituto Lenine, tanto no contexto da URSS como do resto do mundo, enquadravase no melhor ângulo. A sua expressividade plástica da arquitectura moderna conjugava formas simples que se justa posicionavam e interpenetravam-se criando um sistema de blocos rectangulares, o uso de superfícies suaves com o contraste da moldura em betão armado. Um sistema de edifícios que compunha o complexo, sendo o mais alto o destinado a compartimentar os livros e a grande esfera envidraçada o auditório. Toda a composição dos dois volumes e da plataforma comum que os interliga, já para não focar as técnicas construtivas que não seriam utilizadas até dezenas de anos mais tarde, não é menos impressionante que todo o expressionismo do sistema estrutural. A sua arquitectura foi praticamente toda concebida entre 1927 e 1930. E embora muito atento ao que se passava à sua volta, os seus ideais em relação ao homem socialista muito pouco ou nada mudaram. Em relação à arquitectura essa sua postura não se pôde manter, desenvolvendo a sua convicção socialista com um carácter que hoje se interligaria directamente ao “arranha-céus cartesiano” de Le Corbusier (ilustração 198), sublinha que “[...] the inhabitant of the socialist city could not be merely a detached individual: as an occupier, consumer, spectator, or user of public services, he had to take an active part in public life.”203 (Kopp, 1970, p. 197). Mesmo no contexto da divergência entre “urbanismo” e ”desurbanismo,” Leonidov, seguro da sua posição, humildemente percebe e adopta o método da “cidade linear” mas libertando-se da premissa de se ter que criar uma “comunidade de casas leves,” como já se descreveu no primeiro subcapítulo 4.1.1.
Ilustrações 198 - Proposta para o ministério da indústria, axonometria, Ivan Leonidov, 1933. (Kopp, 1970, p. 197) Ilustração 199 - Proposta para a cidade de Magnitogorsk, perspectiva geral, Ivan Leonidov, 1930. (Kopp, 1970, p. 181) 203
“[...] o habitante da cidade socialista não poderia ser meramente um indivíduo autónomo: como um inquilino, um consumidor, um espectador, ou um usuário de serviços públicos, teria que ser parte activa da vida pública.” (Tradução nossa)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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A habitação para si continuaria a fazer sentido como local permanente, e não por isso deixaria de ser compatível com os novos métodos de planeamento. Na sua proposta para Magnitogorsk (ilustrações 127, 199) essa preocupação é evidente. Assume a “comunidade de casas leves” como um potencial futuro organizador de cidade, mas não deixa de considerar a torre o melhor exemplo de máquina geradora de socialismo. Interviewer: How is one to account for your use of identical forms for different functions, except by formalist aesthetic considerations? Leonidov: ... We are concerned with form as a product of the organisational and functional interdependence of workers’ activities and structural factors. It is not the form one should consider and criticise, but the methods of cultural organization. Interviewer: If you are against music, what are they to listen to on the radio? 204 Leonidov: Life. (Cooke et al., 1989, p. 63)
Ilustrações Ilustrações 200, 201 - Proposta para o comissariado de indústria pesada, alçado e perspectiva, Ivan Leonidov, 1934. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 267) Ilustração 202 - Proposta para o comissariado de indústria pesada, perspectiva, Ivan Leonidov, 1934. (Cooke et al., 1989, p. 63)
204
“Entrevistador: o que significa o seu uso de formas idênticas para funções distintas, excepto sob considerações estéticas formalistas?\ Leonidov: ... Nós estamos preocupados com a forma como produto de uma interdependência organizacional e funcional entre as actividades dos operários e factores estruturais. Não é a forma que se deve considerar e criticar, mas o método de organização cultural.\ Entrevistador: Se é contra a música, o que é suposto eles ouvirem pelo rádio?\ Leonidov: Vida.” (Tradução nossa)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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4.2.
HYNCHUSTRUTIVISMO ХИНЧУСТРУКТИВИЗМА
Vivemos preocupados com a verdadeira noção de arquitectura, e respectiva função. Nós, hyNchustrutivistas! (r)hyNchus + construtivismo = hyNchustrutivismo [hɪnkuˈʃtrutɪˌvɪsmu] hyNchustructivism [hɪnkəәˈstrʌktəәˌvɪzəәm] Em grego, “rhynchus” significa “bico,” ou “extremo.” “Ch” lê-se [k]. Grego como ênfase dessa noção de “extremo,” como provocação. Este trabalho assenta sobre o que de mais genuíno adveio da absolvição do absolutismo aristocrata, cuja autocracia seria influência já de há muito tempo, directa do império bizantino, que para além de ser o maior exemplo para a Rússia Kieaviana (880-séc.XII) a nível governamental, comercial e religioso, seria também a sua maior preocupação a nível geopolítico e económico. O idioma oficial do império de Bizâncio, a partir de ano 640, era precisamente o grego. Poeticamente, o grego simboliza tudo o que os primórdios modernistas soviéticos renunciavam. Como qualquer “ismo,” tomou-se a liberdade de fundir a designação “rhynchus” com “construtivismo” como definição de uma posição actual que revisita os valores construtivistas, pois neles (na sua grande maioria) reconhece muitas das premissas essenciais para soluções de hoje e consequentemente de amanhã. Da palavra “rhynchus” removeu-se o “r” pois não se procura uma analogia directa, antes pelo contrário, um nome singular, de onde, quem souber grego, reconhecerá facilmente a sua origem como, juntamente com quem não sabe grego, questionará a adaptação. Términus: o “n” maiúsculo. Nesta simples letra reside a mais demarcada “liberdade poética” empregue no termo: a) é um modo de questionar o verdadeiro valor de hierarquia, de regra, de institucionalização, O que significará verdadeiramente “maiúscula”? Porque terá sempre que ser a primeira? Quem assim o decidiu?; b) no termo “hyNchustrutivismo,” a distinção é diferente, referindo-se apenas ao que de mais essencial abrange a palavra. “Nada”205 é uma das palavras que mantém a sua letra inicial em mais idiomas, quando traduzida ou até transliterada do russo: nihil (latim), nothing (inglês), ничего (russo; transliteração: ničego), null (alemão), etc. 205
Vide glossário, p. 216, para um entendimento sintetizado da noção de “nada” desenvolvido em 2.1.3.
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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4.2.1. JEAN BAUDRILLARD E A RADICALIDADE DA VERDADE ЖАН БОДРИЙЯР И РАДИКАЛЬНОСТИ ИСТИНЫ
O construtivismo eleva a arquitectura, de diversos modos, a um exponente onde toda a sua verdade é posta em questão. Não apenas pela insuficiência de possibilidades que os materiais, métodos e tecnologia permitiam nessa época, como também, mesmo sob essa consciência, pelo modo como se desafiava a realidade para além da existência, como que uma hiper-realidade, como se não existisse impossível, como se existisse uma verdade além daquela que conhecemos, como se o desenho, a escultura, fossem a sua representação, e a arquitectura a sua realização. O interessante desta teoria é que, na prática, o construtivismo como arma política e como laboratório do verdadeiro comunismo, fracassou. Jean Baudrillard assume que pode ser caminho para a “morte da arquitectura.” Is there nothing more to architecture than its reality – its references, procedures, functions and techniques? Or does it exceed all these things and ultimately involve something quite different, which might be its own end or something which would allow it to pass beyond its end? Does architecture continue to exist once it has passed beyond its own reality, beyond its truth, in a kind of radicality, a sort of challenge to space (and not simply a management of space), challenge to this society (and not simply a respect for its constraints and a mirroring of its institutions), challenge to architectural creation itself, and challenge to creative architects or the illusion of their mastery? That is the question. 206 (Baudrillard, 1999, p. 30)
Na arquitectura política percebe-se este limite com clareza. Política, etimologicamente deriva do grego “polis”, que por sua vez significa “cidade.” Mesmo que cidade aqui represente a sociedade imaterial constituída por humanos, respectiva inter-relação e partilha de um determinado território, é um facto que toda a dimensão física dessa cidade terá influência directa na imaterial (Lambert, 2012). A maioria das cidades sofre condenada a uma arquitectura cuja função vive em ambos os extremos da utilidade. Baudrillard alerta para o que está para além da realidade arquitectónica. Mesmo que a “architect’s adventure” decorra num mundo eminentemente real, são inúmeros os passos que a arquitectura e o seu poder de ilusão podem seguir. Em coesão com o modo como somos seduzidos visual ou mentalmente, a composição arquitectónica 206
“Existirá mais para a arquitectura que a sua própria realidade – as suas referências, métodos, funções e técnicas? Ou será que excede todas estas coisas e em última instância envolve algo bem diferente, que poderá tanto ser o seu próprio fim como algo que o permita ultrapassar? Continuará a arquitectura a existir uma vez que tenha ultrapassado a sua realidade, a sua verdade, num género de radicalidade, uma espécie de desafio para o espaço [e não simplesmente a organização de espaço], desafio para esta sociedade [e não simplesmente o respeito pelos seus limites nem o reflexo das suas instituições], desafio para a própria criação arquitectónica, e desafio para arquitectos criativos ou para a ilusão de sua mestria? Essa é a questão.” (Tradução nossa)
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poderá resultar em arquitectura ou “’constructed’ object.” Infelizmente são conceitos demasiado abrangentes, realidades que diferem de pessoa para pessoa, de educação para educação, de cultura para cultura, de mundo para mundo. Mas ainda sob a perspectiva Baudrillardiana, a linha ténue que separa arquitectura de “objecto construído,” levanta grande parte das questões que o construtivismo analisado hoje levanta, principalmente perante uma realidade como a soviética. Que limite é esse? “Do architects inhabit not the reality, but the fiction of a society?”207 (Baudrillard, 1999, p. 30) E cidade? A instauração do comunismo numa altura em que a industrialização delineava as premissas, haverá maior contradição? Industrialização não pressupõe automaticamente capitalismo? Não define automáticamente hierarquia? Não eleva automáticamente a classe social poderosa? Onde mais estará tão patente a falsificação de uma sociedade que na própria cidade? Baudrillard confronta ainda a “arquitectura e o paradoxo de dissidência” 208 com a liberdade do arquitecto. Confrontando-a até com a de um artista. Se o arquitecto lida com horário, financiamento, cliente específico, com uma equipa (logo dependerá do desempenho de cada um) e se consequentemente concebe sob uma qualquer organização profissional, como poderá um arquitecto ser livre? (Baudrillard, 1999)
Ilustração 203 - “On the Future of Architecture” na BLUEPRINT Nº 157, capa e título, Jean Baudrillard, 1999. (Baudrillard, 1999)
207
“Habitarão os arquitectos, em vez da realidade, a ficção de uma sociedade?” (Tradução nossa) “Architecture and the Paradox of Dissidence” (http://www.dissidence.org.uk/) será um simpósio que se realizará em Londres organizado pela Faculdade de Arquitectura e Design Espacial da Universidade Metropolitana de Londres (http://www.londonmet.ac.uk/architecture/) em novembro deste ano, e que no âmbito desta dissertação e do tema em questão, tanto o programa como os convidados, reforçaram a relevância do arquitecto como pensador e aniquilador da noção de dissidência inerente à arquitectura.
208
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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Esta dissertação, mesmo com muita da sua base em Baudrillard, não reconhece aqui o mesmo limite. Aristocrática, religiosa ou independentemente, toda a forma de expressão sempre teve as suas condicionantes. Mesmo quando inexistentes, por si só já é uma condicionante. São limites que se impõem, mas como desafio. Colectivismo não é incompatível com liberdade. Em última instância, qualquer pessoa tem as suas limitações, será que confrontados com elas deixamos de ser livres? Só o seremos realmente quando acabados de nascer? Quando completamente desprovidos de conhecimento, de memória, de pontos de interrogação, de luz? Nascer, poderá por si só ser um limite? Não deveríamos ser livres ao ponto de poder optar por não nascer? Será liberdade uma das faces da utopia? Não menos questionável é a formalização de espaço. A reflexão de Baudrillard sugere isso mesmo tentado resumir várias perspectivas de abordagem e o que nelas mais o inquietava, pois sob inventar espaço ecoam conceitos de criatividade que demasiado facilmente evocam a dissidência arquitectónica: The problem is one of articulating each project to a prior concept or idea (with a very particular strategy in terms of perception and intuition), which is going to define a place of which they have as yet no clear knowledge. We are in the area of invention here, the area of non-knowledge, in the area of risk, and this can in the end become a place where we do not have total control – where things happen secretly, things which are of the order of fate and the voluntary surrender of control. This is where overt illusion enters the picture, the illusion of a space which is not merely visible, but might be said to be the mental prolongation of what one sees, the basic hypothesis here being that architecture is not what fills up a space, but 209 what generates space. (Baudrillard, 1999, p. 30)
Tudo o que se constrói, pelo menos vê-se. Ou talvez não. Definindo ver literalmente sob a mesma analogia que Baudrillard, o invisível vê-se mas não corrói o acto nem todo o processo de ver. O visível fere um qualquer todo, destacando-se (no sentido de desapropriação). Desse domínio da transparência provém a veracidade do papel que o “architectural object”210 desempenha no seu espectáculo. Eis que chegamos a um dos mais importantes conceitos desta dissertação, com base em várias frentes da sua polissemia: Espectáculo, como o que se vê, como o que demonstra, como o que 209
“O problema é articular cada projecto a um conceito ou ideia antecedente (com uma estratégia muito particular em termos de percepção e intuição), o que acabará por definir um lugar do qual não têm ainda um conhecimento claro. Aqui encontramo-nos na área da invenção, a área do não-conhecimento, na área de risco, e isto no final poderá tornar-se um local onde não teremos o controlo total - onde as coisas acontecerão secretamente, coisas que pertencem à ordem do destino e da rendição voluntária de controlo. Aqui é onde ilusão evidente entra em cena, a ilusão de um espaço que não é meramente visível, mas que pode ser considerado uma prolongação mental do que se vê, sendo aqui a básica hipótese da arquitectura não ser o que preenche espaço, mas sim o que gera espaço.” (Tradução nossa) 210 “Objecto arquitectónico.” (Tradução nossa). Termo utilizado por Baudrillard que se adequa ao raciocínio em que se encontra mas que, face à definição de “objecto” defendida anteriormente no primeiro capítulo, em pouco se relacionará.
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ilude, como o que se impõe. Tanto na composição comunista construtivista, como no pós-modernismo de hoje, a sociedade vive do que se constrói e o que se constrói viverá do sucesso da sua função na sociedade. Uma mutualidade cujo sucesso se poderia designar de “the truth of architecture.” Eis um dos pontos mais interessantes a aprofundar numa futura pesquisa, que já foi mencionado, embora noutra perspectiva, no subcapítulo “deus ex machina:” qual será a verdadeira essência de sociedade e consequentemente da função da arquitectura na mesma? A arquitectura assina cada vez mais um carácter expositivo, para ser vista/admirada e não tanto vivida/habitada, isto é, uma função capitalista que visa apenas propaganda, demonstração de poder capital, originalidade caprichosa. Melhor ainda, visa apenas fazer parte de um debate corporativo. Gestão de espaço tem a si intrínseca a relação interior/exterior. E construtivismo mais uma vez se destaca porque abrange assumidamente a intenção propagandística sempre sob a preocupação constante da sua habitabilidade. Aqui o homem pode também ser o agente revelador dessa verdade quando participante activo nessa relação. Tenta-se aqui explicitar que a “verdade da arquitectura” não se deverá resumir ao contexto formal, nem ao social, nem ao espectável. O homem define essa verdade, colectivamente, quando permite a existência dessa relação, habitando-a, apropriando-se do espaço. É parte activa do processo de invisibilidade de um edifício. Salienta-se a afirmação baudrillardiana que descreve o que de espectacular deveria ser filtrado: This form of what one might call secret [in]visibility is the most effective counter to the currently hegemonic regime of visibility – that dictatorship of transparency in which everything must make itself visible and interpretable, in which the whole aim is to invest mental and visual space, space which is 211 then no longer a space of seeing, but of showing, of making-seen. (Baudrillard, 1999, p. 31)
Mas Baudrillard revela o antídoto que passaria por “[...] an architecture capable of creating both place and non-place, and retaining the charms of transparency without dictatorship.”212 (Baudrillard, 1999, p. 31). É precisamente neste ponto que se passa da verdade da arquitectura para a sua radicalidade. Esta posição dual (dualizadora até) face à ordem da realidade é onde o “objecto arquitectónico” se transcende.
211
“Esta forma que se poderá chamar de [in]visibilidade secreta é o contador mais eficaz ao regime actualmente hegemónico de visibilidade – essa ditadura da transparência na qual tudo tem que se tornar visível e interpretável, na qual o objectivo global é investir espaço mental e visual, espaço que não será mais um espaço para observar, mas para mostrar, para ser visto.” (Tradução nossa) 212 “[...] uma arquitectura capaz de criar tanto o lugar como o não-lugar, e retendo os encantos da transparência sem ditadura.” (Tradução nossa)
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Ilustração 204 - “Influenza,” Jeroen Jongeleen, Manchester, Reino Unido, 2004. (Seno, 2010, p. 155)
Existe para além da sua realidade, não se resumindo a interactividade revela “a relation of contradiction, misappropriation and destabilisation.”213 (Baudrillard, 1999, p. 31). Longe de qualquer tipo de dogma, a criatividade, aliada ao tempo, move-se dentro de uma realidade, ou por entre várias. De qualquer modo, a discussão da sua veracidade é fundamental para que da sua realidade não se afaste. É nesse debate que se contextualiza a arquitectura, onde se descobre o consenso mais abrangente, onde tanto se questiona como se responde.
213
“[...] uma relação de contradição, desapropriação e destabilização.” (Tradução nossa)
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4.2.2. PRAXIS DA ACTUALIDADE ПРАКТИКА ДЕЙСТВИТЕЛЬНОСТИ
Arquitectura deverá privar-se de hermetismo. Tanto o formalismo como o gigantismo construtivistas fazem parte de uma resposta muito pragmática e eficaz a isso mesmo. Neste trabalho defende-se a importância de, hoje, agir em prol da determinação de uma posição na sociedade. Mais concretamente, defende-se a importância de construir uma força profissional criativa que mais que criar e expor, saiba ler. Por “força profissional criativa” entende-se um grupo de activistas, que se manifeste criativamente, destacando sempre a ética subjacente à definição de humanidade. Depois da pesquisa percebe-se a gradual descaracterização do “manifesto,” que desde os primórdios modernistas mantém a sua existência mas não o seu teor, meros aforismos da vontade, naturais de tempo. O “On the Future of Architecture” de Jean Baudrillard, génese do subcapítulo anterior, destaca-se como um dos mais substanciais, precisamente porque lê e expõe uma realidade que permanece inquestionada pela dissensão natural da nossa actualidade capitalista globalizada. No “manifesto” revê-se não só a expressão mais genuína e objectiva da necessidade de mudança, como o apelo à noção, que deveria ser igualmente genuína, de colectivismo. “Comunismo,” ou “socialismo,” ou até “anarquia,” são na grande generalidade considerados adversos, mas no entanto partiram precisamente da noção de colectivismo, em prol de um determinado ideal para a humanidade. Reconhece-se aqui novamente a já mencionada noção fictícia de liberdade de Lebbeus Woods, ou seja, o passo para a insolúvel instabilidade humana: quando um determinado ideal se apodera do papel de ideologia. E sem querer, übermensch destaca-se sempre neste raciocínio como controlo dessa fronteira. Domínio da correlação conhecimento-acção.
Ilustrações 205 - Mural de influências (primeira metade): Bertolt Brecht com uma camisa de alças que tem “daily practice of theory makes me” escrito; o “dedo do operário;” Rosa Luxemburgo de face tapada; e Nikolay Chernyshevsky, Chto Delat?. Exposição “Às Artes Cidadãos!” (Ilustração nossa, 2010, Fundação Serralves) Ilustração 206 - Mural de influências (segunda metade): Nikolay Chernyshevsky; Guy Debord a fumar charuto; e Vladimir Lenine com uma camisola que tem escrito à frente “2+2” e na manga “practicing Godard”, Chto Delat?. Exposição “Às Artes Cidadãos!” (Ilustração nossa, 2010, Fundação Serralves)
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O estado hyNchustrutivista de “ser” estará entre “ideal” e “ideologia.” A ambição de alcançar um estado pleno de felicidade vive intrínseca em nós, mas nunca poderá ganhar uma dimensão maior que essa inerência. Poder-se-ia aqui recair no mesmo contexto de “poder” que se sublinha várias vezes nesta dissertação, pois no homem a preeminência gere cada vez mais a noção de felicidade. Como remate definitivo de um tema sem fim, conceitos tão complexos como “poder” terão sempre inúmeros significados, adaptações, analogias mais ou menos directas, utopias que a eles direccionam massas, etc. Até adoptam vários nomes ao longo da história, os “-ismos” já referidos e muitos outros são modos de referenciar “poder.” Hoje, o tema permanece o mesmo, e permanecerá sempre, pois por detrás da complexidade até aqui descrita de conceitos, ideologias, política e sociedade, está o homem. Aquele ser que, dado a ser portador de inteligência, mútuo com os “sete pecados mortais,” gere cada passo consoante o seu instinto, a sua personalidade, a sua cultura e educação. Logo, dificilmente existirá coerência suficiente para se consumar a definição de “poder” certa para a estabilidade/felicidade global. Consequentemente, “capitalismo” sempre existirá e prevalecerá sobre o “humanismo.” Nesta inevitabilidade, a globalização destaca-se como fundamental para que os actos reaccionários se tornem cada vez mais desesperados, mais radicais, mais “sem nada a perder,” mais conclusivos. “Что делать?” (Shto Delat?), título tanto de um romance de Chernyshevsky (1863), como de uma obra não-ficcional de Tolstoy (1886) 214 , como de um panfleto revolucionário de Lenine (1902), como de um grupo de activistas russo actual que se tornou uma das referências desta pesquisa, como poderia muito bem ser título deste trabalho na sua vertente arquitectónica, significa: “O
que
há
a
fazer?”.
Inevitavelmente cada vez mais retórica, é a pergunta que não se deveria deixar de fazer enquanto não se obtivesse resposta. É a que mais sugere acção reflexiva.
214
Embora aparentemente iguais, em russo a obra de Tolstoy teria um significado muito semelhante à de Chernyshevsky e à de Lenine, mas não igual. Procurou-se fazer essa distinção na tradução dos mesmos para inglês, chamando-se a de Tolstoy “What then must we do?” e tanto a de Chernyshevsky como a de Lenine “What is to be done?”.
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Ilustrações 207, 208, 209, 210, 211, 212, 213 - Storyboard representativo da relação irónica ideologia/poder. (Bansky, 2006, pp. 88-89)
Os acontecimentos mais interessantes não ocorrem nas inaugurações de exposições, mas nos ateliês, nas cozinhas e nas camas, onde continua um infinito diálogo sobre como, porquê, para quem fazer arte, ou se convém renunciar à arte como prática institucional e pôr o sinal de igualdade entre a arte e a vida. Acho que este colectivismo, que está sempre presente e não tem qualquer organização formal, exige, de vez em quando, alguma estruturação e um novo grau de intensidade. É assim que aparecem círculos de todo o género, seminários, escolas estivais, agrupamentos, movimentos, grupos de trabalho e grupos que não trabalham, etc. Ou seja, continuamos uma tradição, e devíamos tentar perceber como é que a nossa iniciativa [...] se distingue daquilo que já houve e há agora. (Oleynikov et al., 2010, p. 5, negrito nosso)
Eis quando se assume não só o momento em que a arte e a vida se fundem, como também a natural ciclicidade da intensidade dessa coesão. Importante também é assumir que toda esta poética activista tem enumeros modos de se afirmar, mas a arquitectura é o seu estado de solidez máximo, isto é, movimentação política, social ou artística abarcam vulnerabilidades às quais a arquitectura se sobrepõe. Embora tenha outras que, sob o tempo, possam ser ainda mais controversas. Infelizmente, na mais actual situação do nosso mundo, a política ainda gere mas a sua credibilidade carece de convicção. Vertentes políticas de carisma humanista que se renderam aos atalhos do interesse e do facilitismo; definições de ‘comunidade’ que decaíram no extremismo da belicosidade; ambições que permitiram a sua adaptação ao espectro capitalista e a sua sobreposição à mais simples noção de felicidade. Concretamente, será possível aceitar a evolução, no sentido humano-tecnológico, revogando o capitalismo? Se a natureza humana se demarca como autónoma, racional, capaz de livre arbítrio, como o cume da existência, porque não o póscapitalismo? O pós-modernismo esgota-se a cada dia que passa, pois nasceu completamente fragmentado unicamente para responder à necessidade do novo na libertação da bivalência saturante do modernismo, confronta-se o poder tecnocrático, que tem séculos de desenvolvimento, com o que aqui se destaca como essencial.
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Construtivismo é fulcral neste aspecto pelo que foi descrito e reflectido até agora, comprovando que existe um qualquer gigantismo na distância entre poder, mensagem e homem. Sempre houve, sempre haverá. A grande generalidade do homem face ao poder corrompe a mensagem, consequentemente, corrompe o próprio homem. É curioso que o que tornou o construtivismo tão verosímil é precisamente o facto de toda a frente remetente da mensagem ter como preocupação primordial o proletariado, aquele que não ambiciona nada para além das condições mínimas de felicidade (susceptível de crítica, pois a noção de felicidade do homem é vulnerável a mudanças inesperadas a cada passo dado precisamente em direcção à mesma). Logo a mensagem (aparentemente) mudaria de direcção, quase que como se fosse do povo para o poder, ou melhor, quase como se povo fosse o poder, daí ser tão agressiva e genuína. Sendo essa comunicação a base estrutural de uma sociedade, esta dissertação recai sobre o seu modo de reflexão. A genuinidade teria que ser plena desde o momento em que se põe o lápis no papel, seja para desenhar uma domkommuna, seja para escrever um manifesto. E parece que é precisamente aí que está patente a principal falha no sistema de comunicação de hoje. Quando o lápis toca no papel já trás consigo uma imensidão de premissas que em nada conjugam com a sociedade. Mesmo ao afirmar-se logo no primeiro capítulo que a máquina foi o que na verdade escreveu história, inevitavelmente foi, em qualquer uma das suas variantes, em prol de poder.
Ilustrações 214 - “Broken Promises/Falsas Promesas,” John Fekner, Nova Iorque, 1980. (Seno, 2010, pp. 86-87) Ilustração 215 - “Growth Decay,” John Fekner, Nova Iorque, 1978. (Seno, 2010, p. 212)
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We want to situate ourselves in the uncrossed interval between theory and praxis. Praxis (conservative) situates itself in the existing order. Grasping the urban totality and all of tis contradictions; apprehending every possibility. The social possibilities are presented and remain to be created - in the sense of made to appear; the urban contains and confines them; it is essentially a question of freeing them and putting their revolutionary potentiality into play. The existing order is a topos. Criticism and analysis of this topos permits 215 the elaboration of utopia; […] (Buckley et al., 2011, p. 62)
Em paralelo com a noção de “poder” vive uma série de outros conceitos que seriam muito relevantes nesta fase da pesquisa, pois é na sua inter-relação que é possibilitada uma influência utópica na realidade e a sua consequente subsistência. O texto citado faz parte da definição “Dialectical Utopia” que foi publicada na revista “Utopie,” e que eleva conceitos como “repressão” ou “efemeridade” ao nível da integridade dessa inter-relação entre utopia e sociedade, definindo-a como um ciclo interminável: “The realized utopia is a new topos, which will provoke a new critique, then a new utopia. The new installation of utopia passes through a (total) urbanism. And that is the complete process.”216 (Buckley et al., 2011, p. 63).
Ilustração 216 - “Plug-in City,” Peter Cook, 1964. (Buckley et al., 2011, pp. 84, 85)
215
“Queremos situar-nos no intervalo descruzado entre teoria e práxis. Práxis (conservadora) situa-se na ordem existente. Abraçando a totalidade urbana e todas as suas contradições; apreendendo toda a possibilidade. As possibilidades sociais são apresentadas e permanecem para serem criadas - no sentido de se tornarem visíveis; o urbano contém-nas e confina-las; é essencialmente uma questão de as libertar e colocar a sua potencialidade revolucionária em prática.\ A ordem existente é um topos. A crítica e análise deste topos permite a elaboração de utopia; [...]” (Tradução nossa) 216 “A utopia realizada é um novo topos, que provocará uma nova crítica, em seguida uma nova utopia. A instalação de utopia passa por um (total) urbanismo. E esse é o processo completo.” (Tradução nossa)
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Um ciclo cujo processo vai transformando urbanismo e cidade. Utopia como a fase de construção teórica, completamente indissociável de qualquer outra fase gerada pelo diálogo entre a “utopia dialectal” e a realidade, ou seja, a sua efectivação: a revolução. Nunca foi fácil separar o que se faz para uma sociedade da sua consequência na elevação do “eu” do seu autor. E isso sente-se na arquitectura. Um pouco na consequência do dramatismo de “Deus Ex” aqui apresentado, a cidade sofre resultados não só da evolução, como de um funcionalismo bruto imposto pelo ser humano acomodado a essa evolução, como uma brutalidade ainda maior da segregação causada pelo exponencial cada vez mais desmesurado da individualidade arquitectónica. É certo que a tecnologia, como também já sublinhado, permite novas dimensões de comunicação, é um dos objectivos deste trabalho interligar directamente o que foi o poster, a capa de revista, o anúncio da vanguarda construtivista com a realidade aumentada de hoje. O que pode a nova possibilidade representar, que na realidade hyNchustrutivismo toma como o maior desafio dos nossos dias: com a evolução tecnológica, o “bom” resultado está cada vez mais ao alcance de qualquer um, o que por si só representa um excesso de “boa” informação, mas ao mesmo tempo o nível da real boa produção sobe para um patamar completamente distinto do de sempre, e que se eleva a cada dia que passa. É um metabolismo progressivo, contudo, faz parte da nossa essência. O homem é progressivo em tudo, e arquitectura não é excepção.
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4.2.3. ESTILO ACTIVO АКТИВНЫЙ СТИЛЬ
Conhece-se desde há muito a dicotomia artística entre estilo e acção. Numa perspectiva hyNchustrutivista, é precisamente nessa relação que reside a verdadeira noção de bom, a validade do gesto arquitectónico. hyNchustrutivismo não se cinge ao absolutismo de uma convicção. Tentou-se conceber esta dissertação de modo a que intuitivamente se perceba que até a originalidade é (ou pode ser) fruto de um conhecimento abrangente. A individualidade de cada um é uma composição empírica que se destaca à medida que a reflexão sobre o quer que seja ganha complexidade e essência. O conhecimento é a base para se gerar mecanismos de apropriação. E, ainda sob a mesma perspectiva, intervir em cidade não terá premissa mais importante. Construção, conceito que desde sempre teve o seu potencial, ganhou tamanha elasticidade pelo seu poder cognitivo que se demarcou como vertente não só na arquitectura e na arte, como na filosofia, matemática, psicologia e sociologia. Hoje ainda mais interessante é o contexto com toda a evolução de reflexão sobre o mesmo, ou melhor, a partir do mesmo. O desconstrutivismo nasce precisamente da filosofia por volta de 1967, por Jacques Derrida217 em gramatologia, e aproximadamente uma década depois já estaria interpretado e repensado arquitectonicamente de diversos modos. Embora várias vezes definido, até se pode confirmar que com alguma lógica pelo imediatismo não só da prematura percepção da metodologia como pelo próprio nome, como precisamente o oposto de construtivismo. Não o é. Desconstrutivismo, cuja essência se baseia no modo como informação é apreendida ou permutada, na sociedade dos finais do século passado tende a ser entendido como o processo segundo o qual uma edificação é construída ou desconstruída, relativamente à sua realidade maciça. (Cooke et al., 1989). O desconstrutivismo cresceu, a nível da arquitectura, em paralelo com a evolução tecnológica. Muita da sua inspiração daí adveio, atribuindo ao seu formalismo puro e composições geométricas um processo de decomposição que quebra toda a noção de tabu da construção modernista. Tentando chegar ao ponto deste subcapítulo, o que será que dita se é mero formalismo ou se isso é essencial para a sua coexistência connosco, homem? A resposta hyNchustrutivista é simples: na produção arquitectónica, tanto a abrangência tecnológica como o contexto sociopolítico e cultural são fundamentais. Neste trabalho destaca-se claramente o construtivismo pela sua vertente tanto formal como social. Interessante seria comparar a época construtivista a qualquer outra do contexto russo, desde todas as suas fases de arquitectura em madeira, passando pela bizantina, a 217
Jacques Derrida (1930-2004), filósofo francês, considerado “pai do desconstrutivismo.”
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barroca, a revivalista, neo-bizantina, até a soviética depois dos anos trinta. O formalismo construtivista estava embebido numa mensagem tão imponente quanto útil, era para todos e reunia toda e qualquer forma de expressão. Daí este raciocínio. Daí o tema. O escultor e o arquitecto, por natureza, têm que dialogar com o espaço. Um, a partir de certa altura, tem que atribuir ao espaço um sentido utilitário, no caso da arquitectura, porque o espaço é habitado e tem que responder [...] à forma como a pessoa pretende utilizar esse espaço. O escultor já não tem esse sentido de função tão bem definido, mas tanto a arquitectura como a escultura existem pela relação que as ideias têm com o espaço. Mas não são só estas duas formas de expressão criativa, o bailado é o entendimento absoluto do espaço, porque é no espaço que o gesto da dança e a emoção se projectam, a tal ponto que quando o gesto acaba só fica gravado na nossa memória [...]. Por conseguinte, esta ligação ao mundo da dança, passando pela música, pela arquitectura, pela escultura, pela pintura, todo este imaginário conjunto faz parte de uma mesma matriz. E a partir do momento em que há um desenvolvimento de um vocabulário, é por esse vocabulário ao serviço das diversas especialidades. Aliás, é assim que eu entendo a nossa permanência no mundo, somos todos interdependentes. É essa a razão. É fascinante! (Almeida, 2011)
Esta reverberação de coexistência, entre o construtivismo e a consequente era estalinista, também conhecida como “realismo socialista”, traz à superfície, num a sua genuinidade, noutro o seu absurdo. Porque, dentro da poética comunista, em relação à arte havia muitas divergências. E todas as noções modernas artísticas, já sugeridas desde o cubismo e o impressionismo, declaradas nesse novo espectro da vida denominado de construtivismo, era negado por muitos. E transpondo este modo de pensar para o intelecto, seria o que verdadeiramente separava Lenine e Estaline. A forma e o contexto estão demasiado interligados, e hoje, essa interligação, demasiado criticada. A anarquia cognitiva218 do processo de construir destaca-se no ênfase da interacção com cidade descontextualizada. Sempre que a reflexão hyNchustrutivista mergulha na noção de estilo questiona se não terá sempre feito parte, até da própria noção de cidade, uma ruptura de configuração, de escala, de forma, de malha, etc., como mensagem, como astúcia, como imposição. A própria noção de praça é parte integrante nessa estratégia desde a época medieval. Então se o poder foi desde sempre também assim demarcado, porque razão seria hoje diferente? O que impulsiona a descaracterização de cidade é também o facto do “poder” ser, já bem representado por “Deus Ex” e respectivo contexto cyberpunk, cada vez mais corporativo. Sob o capitalismo, o corporativismo gere. Cada corporação 218
A evolução tecnológica e consequentes possibilidades de construção, quando dominadas, tendem a evocar gestos embebidos numa certa anarquia sobre cidade, sobre contexto.
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comunica sob as suas regras e em prol dos seus fins. Todas as preocupações já aqui reveladas com arquitectura, com cidade e com sociedade, submetem-se a essa globalização de afirmação, a esse activismo estilístico que não reflecte pensamento urbano, apenas intenciona ser uma marca que represente uma estratégia corporativa. Como um outdoor publicitário, são poucos os que não apelam a serem ignorados. É uma reflexão vasta. Estilo deveria estar sempre embebido numa intenção, num programa, numa cultura, numa cidade. O formalismo construtivista, no seu carácter moderno, traduz muito o estilo arquitectónico em corpos de geometria simples, bem definida, que se fundem como peças fundamentais de um todo, em que não existe preconceito nem por essa denúncia formal, nem pelos materiais e sistemas que a compõem. Esta dinâmica da forma e sua materialização têm dialogado com o tempo desde o construtivismo de um modo, ainda hoje perspicaz. Seja de carácter monumental ou urbano, este formalismo revela-se genuíno na relação com a envolvente e tanto na comunicação como na habitabilidade de espaço. A arquitectura e o tempo estão em diálogo constante. É pensada e nasce num determinado contexto (presente), gerida por premissas já estudadas e experimentadas, mesmo que apenas sugeridas (passado), e tem a capacidade de se ir apropriando de novas funções que acompanhem a evolução (futuro). O carácter formal industrial e primitivo do construtivismo torna-se o estilo mais eficaz nessa definição de apropriação e reapropriação.
Ilustrações 217, 218 - Miradouro de Krestovski Pereval, representativo dos dois séculos de “amizade” russo-georgiana, George Chakhava, Geórgia, 1983. (Chaubin, 2011, pp. 284-285)
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Lugar, envolvente, natureza e homem. O “estilo” não é mais que um dos agentes da ideia. Talvez o que mais demarca a produção de tempo. Nas suas afirmações e negações culturais, na sua composição formal, material, iluminativa e natural, define modos de habitar, modos de conviver, gere possibilidades, sugere velocidades, evoca influências ou premissas, afirma-se como acompanhante constante da vivência, como contexto. Forma. Será o modo como qualquer corpo comunica com o homem. No caso da arquitectura, esse corpo define espaço que por sua vez envolve o homem num diálogo constante. Nesse diálogo surge muitas vezes a confusão entre arquitectura e escultura, quando esta ganha a dimensão do habitável, embora se reconheça como arte plástica aquando essa dimensão não faz parte da sua função. É interessante a reflexão sobre este limite entre escultura/arquitectura. Será apenas a noção de habitabilidade que o define? Fará “estilo” parte dele? Existem pela Europa exemplos inquestionáveis desse diálogo, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, a noção de “memorial” procura evocar na poética da tenuidade entre vida e morte, todas as premissas que nos definem. Os Spomenik 219 com a sua monumentalidade, desenhados tanto por escultures como por arquitectos, têm essa ambiguidade entre escultura e arquitectura. Estruturas comemorativas com uma forma sempre peculiar e agressiva, de dimensões gigantescas, representam o maior ponto de interrogação ao que aqui se pretende questionar. A forma como mensagem, a forma como habitabilidade, a forma como representação. Sem nenhum contexto urbano, a sua única função é espectacular, de contemplação, única e exclusivamente para afirmar. A transposição desta função para um sistema urbano é, in extremis, a actualidade.
Ilustrações 219, 220 - Memorial representativo das execuções colectivas ligadas ao Holocausto, Alfonsas Ambraziünas, Lituânia, 1983. (Chaubin, 2011, pp. 290-291) Ilustração 221 - Spomenik Kozara, Dušan Džamonja, Sérvia, 1972. (Neutelings, 2010, p. 27) 219
“Spomenik” (monumento): monumentos memoriais espalhados ao abandono pela antiga Jugoslávia, mandados construir em locais onde teriam decorrido batalhas em plena Segunda Guerra Mundial ou onde teriam existido campos de concentração.
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Sob este teor relativamente a “estilo,” termina-se com a abordagem ao conceito “Space City Method.” Fruto da nossa era da tecnologia e da facilidade de propagação que a mesma proporciona, em enumeros sítios da internet esta noção é evocada como conceito consumado, embora nunca tenha sido, no âmbito deste trabalho, encontrada em qualquer publicação. No entanto, quando interpretado como “método da cidade espaço,” 220 traduz o que hyNchustrutivismo procura como ideal de pensamento de cidade: cidade que gera espaço, onde definições como interior e exterior, público e privado, se submetem a diferentes escalas, onde a noção de rua trespassa a mais tradicional definição de limite, onde natureza trespassa a mais tradicional definição de canteiro. A ambição passa pela mais elementar noção de espaço físico não só entre o construído e o existente como também por entre o construído. Tudo o que essa noção de espaço permite, elevado ao seu extremo. Como tal, uma das premissas será já muito reflectida por vários arquitectos, como George Chakhava (em conjunto com Z. Dzhalaganiia, T. Tkhilava e V. Klinberg) no Ministério das Autoestradas da Geórgia (1974), como Moshe Safdie em “Habitat 67” (1967), como Kenzo Tange no seu Centro de Radiodifusão e de Imprensa de Yamanashi (1966), como Le Corbusier nas já referidas Unité d’Habitation (a de Marselha, 1952), como Ginzburg no Narkomfin (1932), como os imensos estudos de “cidade sobre pilotis” de Lazar Khidekel (192529), como o “projecto para uma garagem para 1000 carros” de Melnikov (1925), como os “arranha-céus horizontais” de El Lissitzky (1923-25), é precisamente a relação de distância que a arquitectura tem com a superfície que a suporta. A sua sobrelevação (da obra arquitectónica), como sistema flutuante que liberta a superfície terrestre para que esta possa subsistir do modo mais natural possível, seja ela floresta, mar ou cidade. Este conceito aliado ao gigantismo construtivista, ainda hoje é inspiração em gestos reaccionários, em que a megaestrutura, na maior parte das vezes aliada ao conceito de cidade e com anexos gráficos de auto-suficiência muito completos e interessantes, resolveria tudo. É cada vez mais desenhada a preocupação do “verde” como parte integrante de reflexão arquitectónica, mas hyNchustrutivismo vinca assumidamente essa como uma das premissas mais delicadas, devido a essa preocupação carecer de exequibilidade.
220
Embora se pense que a analogia imediata seja universalmente “Método da cidade do espaço.” “Espaço” enquanto espaço sideral, universo. Pelo tipo de estruturas normalmente integradas nesta categoria, percebe-se o imediatismo da noção high tech na sua definição. Se bem que essa ambiguidade potencializa o conceito.
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Ilustrações 222 - Ministério das auto-estradas da Geórgia, George Chakhava, Tbilissi, 1974. (Chaubin, 2011, pp. 104-105) Ilustração 223 - “Habitat 67”, Moshe Safdie, Montreal, 1967. (Gossel, 2010, p. 466) Ilustração 224 - Centro de Radiodifusão e de Imprensa de Yamanashi, Kenzo Tange, Kofú, 1966. (Gossel, 2010, p. 526) Ilustração 225 - “Cidade sobre pilotis”, Lazar Khidekel, perspectiva e corte, 1925-28. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 302) Ilustração 226, 227 - “Cidade sobre pilotis”, Lazar Khidekel, axonometria, corte e perspectiva, 1927-29. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 303)
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Ilustrações 228, 229 - Projecto para garagem para 1000 carros, Konstantin Melnikov, perspectiva e alçado, Paris, 1925. (KahnMagomedov et al., 1987, p. 296) Ilustração 230 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, axonometria, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) Ilustração 231 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, planeamento urbano, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) Ilustração 232 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, corte, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297) Ilustração 233 - “Arranha-céus horizontal,” El Lissitzky, perspectiva, Moscovo, 1923-25. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 297)
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Demasiado elevado ou não, o patamar sugerido por esta contextualização pretende estar bem afastado de uma afirmação utópica. Pretende-se apenas sublinhar o facto da construção em altura já há muito ser pensada por enumeras razões que, há medida que o tempo passa, se tornam mais fulcrais. Pretende-se enfatizar que não deve ser uma reflexão exigida, ou seja, que exista apenas como reflexo da saturação da superfície terrestre num determinado local, mas contrariamente, como uma libertação da natural subsistência desse piso (a superfície terrestre) e da sua inter-relação com vários outros pisos, redefinindo rua, redefinindo interior/exterior, compondo espaço, compondo cidade. Não se defende como premissa o interior de uma obra arquitectónica como privado ou semiprivado. O público estende-se a vários níveis de interior, que por sua vez deverá conter diversas definições de exterior. Por exemplo, o quarteirão que se encerra sobre si mesmo (ou aparentemente), a multiplicidade de espaço público “interior” que esse encerramento permite, a noção de “pátio” ou mesmo de “atravessamento,” que tanto se gera no piso térreo como no quarto piso, ou no décimo oitavo, é do mais relevante no pensamento hyNchustrutivista. Uma reflexão que, a fim de se distanciar da previsão de “Deus Ex” em que a megaestrutura é meramente uma solução de distanciamento do caos terrestre, acentuando-o, deveria passar por várias etapas de experimentação.
Ilustração 234 - “Cities of the Avant-Garde,” WAI Think Tank (Nathalie Frankowski e Cruz Garcia), 2011. (Pohl, 2012)
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Existem vários exemplos desta reflexão, mas muito dificilmente abandonam o extremismo utópico, não obstante da exequibilidade de alguns dos exemplos, só se consumariam em condições muito especiais. Também por isso tendem a decair na conotação de capricho tecnocrático das possibilidades da nova era, sintoma já presente na nossa história desde as primeiras manifestações arquitectónicas futuristas. Do “metabolismo” ao “estruturalismo,” na arquitectura nasceram várias correntes e vários grupos que aderiram a esta reflexão em modo utópico, e, como síntese, na composição “Cities of the Avant-Garde” (ilustração 234) dos WAI Think Tank, reúne-se, desde o construtivismo até hoje, uma “Egoville” de manifestos por concretizar. Aqui expõe-se um único exemplo, construtivista, ainda existente, representativo duma escala urbana pensada sob as premissas acima mencionadas, importante pela sua consistência no seu momento cronológico, pelo seu simbolismo social, pela sua contemporaneidade e principalmente pela sua realização. Госпром (Derzhprom221, também conhecido como Gosprom 222 ), de certa forma reúne tudo o que se tem reflectido neste trabalho até agora, conseguindo gerir toda a inspiração utópica às possibilidades da realidade soviética logo nos seus primórdios, e sendo essa uma questão que paralelamente à evolução se torna cada vez mais difícil de consciencializar, declara-se como uma das maiores preocupações do arquitecto activista de hoje, tal como de hyNchustrutivismo. Kharkov (actual Kharkiv), após a revolução russa de 1917, seria a capital da Ucrânia soviética, e em 1919 foi tomada a decisão de expansão e reconstrução da cidade, pois para capital, apresentava sérias lacunas. Devido às grandes dificuldades na economia soviética de então, demorou o avanço do projecto, mas quando se consumou, os arquitectos Sergei Serafimov, S. Kravets e M. Felger, concretizaram Derzhprom em três anos, sendo 1928 o ano da sua conclusão. Tal como a Dneprostroi de Viktor Vesnin (ilustração 158, p. 156), qualquer construção/iniciativa de origem soviética teria que fazer frente ao mundo, demonstrar a virilidade do seu novo sistema políticoeconómico, mas na realidade, em termos idealísticos, os Estados Unidos da América representavam (e representam) o seu principal alvo, seja na Terra, seja no Espaço. Logo, Derzhprom não seria excepção, foi construído na intenção de ser mais alto que qualquer edifício na superfície terrestre (mas só o foi relativamente à URSS, sendo o segundo mais alto da Europa), destacando-se sim como a estrutura mais ampla (nos 221
“State Industry,” embora frequentemente traduzido como “Palace of Industry:” “Palácio da indústria.” (Tradução nossa) 222 “House of Industry:” “Casa da indústria.” (Tradução nossa)
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termos de manipulação de espaço, tanto interior como exterior, anteriormente destacados) de todo o mundo. Numa linguagem tipicamente construtivista, formal e industrial, o construído é desenhado como limite de uma praça, a “praça da liberdade,” a qual tem um ponto único do qual é perceptível a simetria perfeita arquitectónica. Entre “cheios” e “vazios,” entre “saliências” e “reentrâncias,” e até no gigantismo da relação entre eles, se percebe o modo como o edificado interage com a praça, como sugere, como afirma. É um complexo de escritórios e habitação, hoje contém numa das suas entradas um museu dedicado ao próprio edifício. Um detalhe interessante é que representa das primeiras grandes alterações do sistema de construção soviético, começou por ser construído com ferramentas primitivas, que eram as utilizadas na construção soviética até então, e terminou com 80% da sua produção mecanizada. Destaca um papel crucial na era da ideologia da mudança social face à sua notificação via arquitectura. Revoga o byt na imposição do proletariado na sociedade, como base não só da sua própria existência como na .
Ilustrações 235, 236, 237 - Derzhprom, fotografia aérea da construção, detalhe de pormenor de um dos pórticos exteriores, planta geral da praça Dzerzhinsky (actual “praça da liberdade”), Kharkov, 1925-28. (Kahn-Magomedov et al., 1987, pp. 292-293)
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Ilustrações 238, 239 - Derzhprom, fotografia panorâmica da frente principal e respectiva planta, Kharkov, 1925-28. (Kahn-Magomedov et al., 1987, p. 293)
Por mais questionável que seja o sucesso de qualquer ideologia, no construtivismo a sua clareza na evocação do novo homem soviético, o seu processo que assumia com a mesma clareza colocar todas as incompatibilidades sociais em cima da mesa de laboratório e o activismo que literalmente daí adveio, destacam-no, em gestos como este, pioneiro na capacidade de agir urbanisticamente com esse fim.
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4.2.4. MODUS [PROJECTO] МОДУС [ПРОЕКТ]
Ilustração 240 - Modus: Localização, 2009. (Ilustração do Google Earth, preto e branco nosso, vermelho nosso)
De diversas formas, existe na extremidade poente da margem sul do rio Tejo, entre a Trafaria e a Cova do Vapor inclusive, local onde se situaria o último projecto académico do autor, entre muitas outras, duas realidades que se destacam pela sua imponência e fundamentação inevitável, sem as quais esse local perderia toda o seu carisma, a sua essência, a sua identidade: a natureza e a indústria dialogam com a intenção do projecto. Carácter industrial que só sobrevive na contrastante coexistência com o verde; dois momentos urbanos, entre os quais existe um caos demasiado abrangente. Um caos construído, pouco pensado, cujo desenvolvimento foi progressivamente existindo através de problemas económico-sociais. Esse carácter orgânico, seja ele vital ou viral, merece especial atenção quanto à sua auto-regeneração, à sua sobrevivência e subsistência, o seu byt. Analisando o exemplo desta dissertação, a sociedade russa, durante a segunda metade do século XIX, ainda sob a verdadeira opressão aristocrática, não conhecia outro byt para além da subjugação ao absolutismo monárquico. Mesmo após se perceber que a libertação dos servos teria sido pouco mais que um rebuçado social, o próprio povo não aderia às primeiras reacções, como o narodismo, pois sempre haviam vivido assim. Por mais injustiçados que fossem, o czar representava deus, e qualquer que fosse a sua atitude, era certamente em prol da humanidade. Isto tudo para reforçar a ideia de que o homem adapta-se, a qualquer contexto, desde que nele acredite (ou que a isso seja obrigado). O facto de ser clandestino, de lata, ou amontoado, não implica que não funcione. Muitos exemplos o comprovam, ironicamente cada vez mais. Quantas cidades que tão bem representam o caos e que subsistem? Quantas cidades que se percebe que são fruto de uma evolução quase aleatória que hoje transparecem tudo menos caos?
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Ilustração 241 - Modus: Contexto e primeiras premissas, planta territorial, 2009. (Ilustração nossa)
Há qualquer coisa de homeopático no conceito de caos e hyNchustrutivismo investe e acredita nessa pesquisa como o processo mais revelador numa intervenção. Quando o programa sugere pensar cidade, a solução do autor passa sempre prematuramente pela tentativa de conjugar, através da forma do próprio sistema local, os seus problemas principais pré-existentes com a solução espacial (a nível territorial). A forma como solução do espaço, como parte do tempo223. A forma como pensamento critico, como raciocínio. Permanente correlação entre modo de habitar intrínseco ao existente e as novas sugestões. O conceito de continuidade, mesmo que se intervenha num território completamente descontínuo a todos os níveis. Preserva-se o deambular e a matéria. No local existe a matéria natural numa manifestação notável da sua imponência e beleza e existe também a matéria industrial, tão ou mais imponente que a anterior, num diálogo ao qual todo o “resto” se subjuga. É precisamente daqui que parte a intervenção, procura resolver o caos com o próprio caos. O caos como opção, como uma variável constante do percorrer o mesmo território. Nesse caos brota a imponência construída que define com rigor esse limite. Quase como que um caos homeopático que equilibra ambas as linguagens. Terra e massa, ambas habitáveis e percorríveis. A casa: o privado e o público tradicionais e o elo que os destaca como tal, pela sua contemporaneidade. Portanto, existem enumeras referências que por si só ditam muitas das regras que seriam tomadas em conta. A Natureza em larga escala, a referência industrial Silopor com o seu gigantismo imposto principalmente à humilde Trafaria, dois registos urbanos (Trafaria e Cova do Vapor) que seriam as extremidades da intervenção, e uma composição militar territorial que outrora criavam, em conjunto com Lisboa, a defesa da foz do Tejo. 223
Como solução do espaço porque o identifica, como parte do tempo porque o interliga.
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Ilustração 242 - Modus: Estratégia territorial, esquisso sobre planta, 2009. (Ilustração nossa)
Procura-se uma regeneração urbana e o programa passa por um complexo habitacional, um parque urbano, os serviços necessários ao contexto global de tal intervenção. No contexto territorial, as referências são enumeras e dispersas. Há uma grande tradição militar em torno da defesa da foz do rio. Existem elementos estrategicamente distribuídos pelas margens norte (Lisboa: Torre de Belém, Forte do Bom Sucesso; e Oeiras: Forte São Bruno de Caxias, Forte de Giribita, Forte São João das Maias e Forte São Julião da Barra), sul (Almada: Forte da Trafaria, Bateria de Alpena e Bateria da Raposeira) e em pleno Tejo (Forte São Lourenço do Bugio), que em conjunto desempenhavam essa mesma função. Mesmo sob uma recuperação, no geral, muito pontual e com fins exclusivamente turísticos, a força militar representa, a todos os níveis, um dos melhores exemplos de evolução da máquina e de espaço que a ela é estudado. Uma vez mais, se este documento pudesse ter uma outra dimensão, este tipo de arquitectura enquadrar-se-ia de um modo soberbo no todo deste estudo, como a máquina não só sendo o que
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determina poder como o que concebe espaço em prol dessa determinação, dessa conquista, com resultados soberbos ao longo da história, dependente ao mesmo tempo de estratégia e de cultura: arquitectura de guerra.224 Por toda a nossa história militar, por serem memórias abrangentes e por serem edifícios belíssimos, opta-se não só pela sua preservação como pelo seu ênfase, o que por todo o projecto justifica certos eixos principais, certos ênfases atribuídos a percursos (pedonais, ciclovia, ao comboio Transpraia225), a momentos arquitectónicos, à preservação de certos vãos, e no caso da margem sul, onde se dá a intervenção, são os extremos nascente e sul da mesma, sendo o norte e poente, rio e mar, respectivamente. Com esses pontos importantes de gestão estratégica, juntamente com os dois pequenos aglomerados urbanos e estratégias respectivas, com o gigantismo natural que não só dialoga com o gigantismo industrial como com ele formam a zona de maior estrangulamento territorial, quase como um ponto de colisão entre ambas as realidades que, poeticamente, é também o único ponto de passagem entre a Trafaria e Cova do Vapor. Tentou-se atribuir a esse momento o que se chama, na gíria hyNchustrutivista, de momento “big bang”. O momento onde se percebe toda a estratégia urbana, os vários núcleos e modos de distribuição. Num contexto pré-existencial essa estrangulação é sugerida pela dinâmica da arquitectura dos silos imposta à dinâmica morfológica da arriba fóssil que, por sua vez, desde sempre demarcou os limites territoriais da Trafaria. Será o momento onde colidem todas as realidades territoriais e de onde explode toda a distribuição, os diferentes percursos fundamentais e o eixo principal de todo o sistema. A Trafaria e a Silopor são duas realidades que se relacionam apenas pela imposição de uma sobre a outra, pois em nada conjugam. E nessa incompatibilidade coexistem.
Ilustrações 243 - Bateria da Raposeira, 2009. (Ilustração nossa) Ilustração 244 - Ruínas pela mata da Cova do Vapor, 2009. (Ilustração nossa) Ilustração 245 - Ruínas pela mata da Cova do Vapor, 2009. (Ilustração nossa) Ilustração 246 - Vista da Bateria da Raposeira sobre o Forte de São Lourenço do Bugio, 2009. (Ilustração nossa) 224
Reflexão arquitectónica que, em inglês, é descrita pela perspicaz fusão de palavras “war” e “architecture”: “Warchitecture”. 225 O comboio de praia que, ideologicamente, teria o seu percurso desde a Fonte da Telha até à Trafaria.
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Ilustração 247 - Trafaria: panorâmica Trafaria, Silopor, Torrão I e Torrão II, 2009. (Ilustração nossa)
O M odus procura ser a ligação entre as duas realidades, uma arquitectura que procure comunicar com a escala e estratégia da Trafaria ao mesmo tempo que comunica com o carácter industrial tanto material como dimensional da estrutura da Silopor e que os interliga com o momento de excelência que é a Cova do Vapor. Face a todo este gigantismo territorial, a Trafaria encontra-se rodeada de obstáculos suficientemente relevantes para que se submeta a um cada vez maior desinteresse de desenvolvimento. Devido aos já mencionados morfológico e industrial, socialmente gera-se um dos principais obstáculos. Entre a Trafaria e a Cova do Vapor existe o Torrão, bairro clandestino com dois núcleos. De carácter próprio e quase impenetrável, forma uma barreira colossal a qualquer tipo de desenvolvimento. Representa toda a ideia de caos urbano que se tem vindo a descrever, subsiste, e esse sim, desenvolve-se. O M odus procura intervir enfatizando a arriba fóssil, formalizando a sua topografia em vários níveis, criando vários percursos envolvidos numa materialização que funde a indústria com a natureza, que desenvolveriam uma série de espaços públicos. Na zona mais elevada encontra-se o museu militar, de onde surgem percursos pedonais que interligam o visitante com as varias ruínas, tanto militares como industriais, da zona, dando acesso ao elemento máximo de observação, que será o único momento de passagem 226 criado pelo M odus. Há medida que se vai aproximando da cota menos elevada, desenvolvem-se instalações para uma extensão do comércio local, galerias de exposição, biblioteca e um anfiteatro colossal para qualquer tipo de evento. A topografia ganha uma estratégia nítida e sem preconceitos na sua denúncia de manipulação espacial. Procura-se também que o elemento água invada um pouco mais o território, não só acentuando o momento big bang, como aproximando essa estratégia topográfica a um limite que trás uma série de novas possibilidades, como clubes náuticos, marinas, etc. Essa nova configuração limítrofe água/terra faz a transição do momento explosivo para a tranquilidade caótica do parque urbano. 226
Momento de passagem pois tem unicamente como função a contemplação, isto é, interligar tanto fisicamente os vários percursos como visualmente todos os momentos que os compõem.
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Ilustração 248 - Modus: Planta geral final da intervenção, 2009. (Ilustração nossa)
Uma anarquia de elementos naturais manipulados e suportados pelo mesmo carácter industrial. Um conjunto de bossas de terra com vegetação estudada que acaba por se fundir com a área florestal selvagem que se estende até à Cova do Vapor, bossas essas que, algumas, terão comércio, zonas de estar, zonas de ensombramento, espaços para eventos, hangares para barcos e equipamento náutico (nas bossas que se relacionam directamente com a água), e serviços como a Cruz Vermelha e centros médicos, Guarda Nacional Republicana e Bombeiros (nas bossas que se relacionam directamente com o eixo principal). A ligação directa à Cova do Vapor será mantida com o seu carácter frágil, embora requalificado, como limite entre a massiva frente arbórea, agora já selvagem, e o rio. Contudo, um eixo para uma circulação massiva existirá próximo da Cova do Vapor, com uma zona de dimensões relevantes, bem estudada, para estacionamento, dentro de uma qualquer concentricidade que a própria Cova do Vapor e respectivos percursos já sugerem. Essa concentricidade gera a organização viária dentro da mesma, que se pretende que continue a ser muito controlada, gere o Transpraia, e [su]gere um possível desenvolvimento urbano, se é que se poderá assim chamar. A habitação nasce da mesma procura, mas com um papel fundamental na poética iminente, desde sempre, na intenção para o lugar. O privado gere, literalmente, até um determinado ponto, o que o público poderá visualizar de Lisboa. Como que uma provocação ao “que de melhor a margem sul tem: a vista para a margem norte”, mas principalmente como um organismo industrial vivo, cuja existência e vivacidade apenas do homem dependerá, toda a estrutura habitacional, que de industrial mais não poderia ter, impõe-se como continuidade da estrutura da Silopor, rigorosa, vertical e, originalmente, completamente permeável. Criaram-se módulos representativos de várias tipologias que se interligam, vertical ou horizontalmente, compostas consoante a necessidade.
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Ilustração 249 - Plantas da plataforma habitacional que tentam traduzir vários níveis de apropriação, escala 1/5000. (Ilustração nossa)
Essa estrutura terá zonas onde não poderá ser preenchida, momentos estratégicos de ligações visuais para com a margem Norte, mas no seu todo, a anarquia evolutiva do seu preenchimento ditará as regras, quase como o que se passa hoje no Torrão. Existirão apenas regras sobre os percursos que terão que existir entre caixa de escadas e habitação, de resto, a estrutura viverá por si. A habitação existirá como um paralelismo à estratégia pública, acompanhando-a e vitalizando-a.
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Ilustração 250 - Módulos representativos de possibilidades base e detalhe do modo como se integrariam na estrutura. (Ilustração nossa)
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Ilustração 251 - Composições habitacionais experimentais, elevadas ao extremo de serem pensadas unicamente ou sob o plano vertical, ou sob o plano horizontal. (Ilustração nossa)
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Embora não sob os mesmos paradigmas sociais
que
existiam
no
pensar
sobre
habitação durante a era construtivista, a reflexão sobre o módulo do projecto MODUS contém algumas das mesmas premissas. Tentou-se gerir o espaço, desenhando um módulo de 9.75m2, que será a dimensão ideal para se adaptar à função de qualquer repartimento habitacional. A intenção é provocar um novo pensamento sobre a verdadeira essência de habitar. Porque na contradição entre o conceber-se um módulo o mais económico possível e, ao mesmo tempo, possibilitar a utilização de um número ilimitado desses mesmos módulos para a composição de uma habitação (claro que numa era capitalista, cada módulo terá o seu custo), irá trazer à superfície a mais genuína noção
de
valor
de
consequentemente modos
de
cada
repartimento,
equacionando
habitar.
Na
novos
ilustração
250
percebem-se as possibilidades base, tipo catálogo, a condição do cliente será apenas compor a seu gosto. Uma aleatoriedade que participará não só na composição da vida social de quem habitar no MODUS, como essa apropriação da estrutura ditará o modo como
se
observa
Lisboa
por
toda
a
estratégia projectual deste trabalho. Uma coexistência estrutural entre habitar e viver. 1/200
Ilustração 252 - Composição habitacional desenvolvida em ambos os eixos (horizontal e vertical) da estrutura. (Ilustração nossa)
O carácter industrial ainda define a premissa da universalidade. Por maiores ou menores que sejam as habitações, do exterior não haverá nem distinção, nem percepção, será literalmente um organismo único, como que uma dom-kommuna em constante mutação, apropriando-se não só de quem a habita como do que já lá existia.
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No local em questão, há muitos anos que se vive com uma certa anarquia industrial à qual, principalmente a Trafaria, teve que se submeter. A plataforma que gere a habitação dialoga directamente com essa anarquia, e esse diálogo existe apenas porque quem habita a estrutura o permite. A apropriação e reapropriação da estrutura, ou seja, não só as pessoas que nela se integram como as que, por uma razão qualquer, decidem abandonar a estrutura, atribuem a toda a estrutura industrial préexistente uma dinâmica que, até então, sempre foi meramente estática, não participativa na vida do dia-a-dia de quem é obrigado a contemplá-la todos os dias, como tal, a nível social, dispensável. Decerto que depois da pesquisa muitos detalhes teriam uma resolução diferente, mas como parte de um processo cognitivo do reflectir, passo a passo esboça-se a convicção na realidade. M odus é o primeiro esquisso hyNchustrutivista em busca da sua verdade, de modo a subsistir, hoje e amanhã.
Ilustração 253 - “Corte expressionista” da plataforma de habitação no contexto local. (Ilustração nossa)
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Ilustração 254 - Detalhes da maqueta do projecto Modus, escala 1/2000. (Ilustração nossa)
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5. CONCLUSÃO ЗАКЛЮЧЕНИЕ
In his book published in 1551, Thomas More describes Utopia, a state in which cities are not allowed to grow beyond certain limits, where education is universal, all religions are tolerated, a national welfare service cares for the sick in hospitals, and the economy is not based on money. Since More’s book was published, ‘utopia’ has meant a place ‘ideally perfect in respect of laws, customs and conditions’. (Coates, 2000, p. II)
Ilustração 255 - “Definição humana.” (Ilustração nossa)
Ilustração 255 - “Definição humana.” (Ilustração nossa)
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Hiper-realidade, Deus, bi-realidade, “Matrix,” o desmantelamento de qualquer ilusão, crença, regra ou tabu, é essencial na consciencialização da nossa realidade. Cada realidade tem um nome, um fundamento, que qualquer fundamentalista digno desse nome defenderá até última instância, impermeável a outros princípios, a outro questionar, à crítica. Obviamente que existem inúmeros níveis de fundamentalismo, mas
nesta
dissertação
defende-se
a
tentativa
da
sua
total
abolição.
hyNchustrutivismo não é uma regra, não é um objectivo em concreto, não é um movimento, não é uma analogia. É um conceito, como que uma postura activista, um manifesto, não pretensioso, digamos antes ambicioso, que se afirma nesta dissertação com o fim de se desenvolver e de se realizar. Essa realização passa precisamente pelo arquitecto que se empenha em desenvolver uma identidade própria, nunca a afirmando como a única mais-valia na sua função. As várias identidades dentro de qualquer área deveriam coexistir, se possível conjugar. Construtivismo simboliza o fim de um absolutismo, o político-social, com o fim da aristocracia, mas ao mesmo tempo, a nível artístico, emerge como uma novo absolutismo, desprezando o passado, criando uma nova ordem. Mas falamos de um absolutismo activista, supostamente em prol de todos, a “ditadura do proletariado,” que geria urbanismo e construía sociedade. Como qualquer utopia, a nível de concretização foi muito maior o fracasso que o sucesso, mas a sua dialéctica permanece até hoje na história do pensamento humano, cada vez mais evocado e reflectido. Embora a página anterior evoque utopia como definição humana e, como tal, sendo essa uma das premissas mais defendidas ao longo deste trabalho como causa da ciclicidade regenerativa que tanto nos caracteriza, demarcada por uma grande guerra, por uma revolução, pela emergência de um novo movimento, por uma descoberta ou invenção, procura-se nesta conclusão o pragmatismo na assunção de uma posição activista e consciente. Na prática, no contexto posterior ao da génese deste trabalho, nasce a URSS como se conheceu na sua generalidade. Um socialismo cujo cardiógrafo, por várias vezes, registou exponentes únicos da capacidade humana. Demarcou-se como uma das duas grandes potências mundiais na Segunda Guerra Mundial (ao lado dos Estados Unidos da América), derrotando o nazismo invasor. A arquitectura tomou proporções ainda mais utópicas, tomou responsabilidades propagandísticas totalitaristas sempre representando o regime e sua evolução. O objectivo já não passava por construir o comunismo mas pela supressão de tudo o resto:
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Faz tábua rasa. Inventa uma nova ordem. Esta radicalidade é a das novas eras. Antecipando as correntes europeias mais audaciosas, fixa a si mesma como ambição a invenção de um âmbito de vida sem precedentes para uma humanidade em marcha. O construtivismo dos anos 20 tem um objecto social estético. Largamente celebrado desde então pelo seu carácter notável, este período termina com o acesso de Estaline ao poder. (Chaubin, 2011)
A Rússia frequentemente se submeteu regimes absolutistas, uns mais disfarçados que outros, mas tanto viviam a ditadura como a revolução. Uma sociedade demasiado oprimida, o futuro ganha relevância, o sonho, o cosmos. Quando a opressão se ausentava, voltava-se à vanguarda dos anos vinte, concretizações que reavivam grandes intenções e que, embora por muitos consideradas descontextualizadas, afirmam possibilidades há muito censuradas, ainda hoje pouco exploradas. A verdadeira preocupação desta dissertação recai sobre o acto de intervir. O arquitecto intervém num determinado lugar. Na sua apropriação do lugar é onde reside toda a consciência causa/efeito. O que já existe, é. Se é, tem história, memória, valor e contexto, que tendem cada vez mais a perder consideração face ao “efeito.” É nessa relação que se define verdade. E embora aparentemente construtivismo, ao ditar uma nova ordem, não se relacionasse muito com esse equilíbrio, na verdade sublinhou a sua incansável procura, pois tentava combater séculos de figuração, de curva e contracurva, de representação. Under the guise of immutable truths, the masses are being presented with the pseudo teachings of the gentry. Under the guise of universal truth - the morality of the exploiters. Under the guise of the eternal laws of beauty - the depraved taste of the oppressors. […] It is essential - in all cultural fields, as well as in art - to reject emphatically all the democratic illusions that pervade the vestiges and prejudices of the 227 bourgeoisie. (Harrison et al., 2003, p. 333)
227
Vide anexo L, p. 305 - KOMFUT, 1919-24. “Sob a máscara de verdades imutáveis, as massas estão a ser presenteadas com pseudo-ensinamentos da pequena nobreza.\ Sob a máscara da verdade universal a moralidade dos exploradores.\ Sob a máscara das leis eternas da beleza - o gosto depravado dos opressores.\ [...]\ É essencial - em todos os campos culturais, tal como na arte - rejeitar enfaticamente todas as ilusões democráticas que imbuem os vestígios e prejuízos da burguesia.” (Tradução nossa)
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Nelson Manuel Bastos Ferreira
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GLOSSÁRIO ГЛОССАРИЙ
Espiritual
-
Assumidamente sem carácter religioso, destaca-se como o melhor conceito representativo do bem estar do homem para com o mundo, enquanto ser da Natureza: “[…] the Spirit whose objectification is identical to its alienation and whose historical wounds leave no scars.”228 (Debord, 2009, p. 60)
Lugar
-
O momento geográfico, com todos os seus componentes físicos e culturais. “Lugar” poderá ser composto por topografia, natureza, tradição, história, política, certezas arquitectónicas e/ou sociais, mas terá sempre, definitivamente, contexto, carácter e memória.
Nada
-
Embora nele embebido, não procura representar o extremo niilista da negação do conhecimento, mas sim o que se tentou compor no capítulo 2.1.3. ao evocar Nietzsche e a sua imoralidade. Não se priva de moral, mas assume como essencial dela muitas vezes abstrair-se para consciencialização da realidade. É esse estado que se alcança através capacidade de afastamento do que nos propõem como realidade que, neste trabalho, define “nada.”
Cyberpunk -
Quando
se
adquire
uma
prótese,
experienciar-se-á
dupla
consciência? O que será da consciência que temos sobre cada membro do nosso corpo? No que se traduzirá o sentir? Cyberpunk é todo esse contexto da evolução tecnológica em simbiose com o ser humano. Pensa-se que terá começado por ser um género literário, mas que rapidamente ganhou a forma de conceito e é frequentemente adoptado em abordagens possíveis ao futuro. Não só a nível da transformação do organismo humano, mas tudo no geral, sistemas de informação, inteligência artificial, cidade do futuro, etc.
228
“O espírito cuja objectivação é idêntica à sua alienação e cujas feridas históricas não deixam cicatrizes.” (Tradução nossa)
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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APÊNDICES ПРИЛОЖЕНИЕ
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ENTREVISTA Entrevistado: Pietro Proserpio Entrevistador: Nelson Manuel Bastos Ferreira Data: 3 de junho de 2012, 19h. Local: Livraria “Ler Devagar,” situada na LX Factory, Calvário, Lisboa. Tema: “Objectos cinemáticos.”
Pietro Proserpio, artista escultor cinemático, marca presença nesta dissertação por diversos motivos, entre os quais se destaca a sua relação íntima com a máquina, visto que todas as suas obras são contadoras de histórias mecânicas, pensadas e construídas pela sua própria mão, como também pela analogia directa que a sua presença na LX Factory, com a sua exposição dinâmica “Objectos cinemáticos,” faz a uma realidade que ainda hoje não se sabe muito bem o quão credível pode ser: a evolução dessa relação homem/máquina. A entrevista ocorreu por acaso, aquando pela primeira vez a visitar a livraria “Ler Devagar” na LX Factory (livraria a qual deu nova vida à antiga gráfica de Mirandela e consequentemente desenvolve-se em redor de uma máquina de gigantes dimensões, que seria a rotativa da gráfica) o autor desta dissertação se apercebeu de um terceiro piso criado em redor da rotativa com uma exposição de máquinas curiosa:
Pietro Proserpio: Desculpe incomodar, gostaria que lhe explicasse a história desta máquina? Chama-se “A espiral do tempo:” O tempo é uma espiral, que agarra em nós, e arrasta-nos irremediavelmente para o nosso destino, sem nunca parar. O tempo está inserido no universo, aqui representado por estas duas peças, como vê está aqui o Sol, e através desta correia aciona o tempo. As engrenagens pequeninas representam as engrenagens da nossa vida, para nós são coisas pesadíssimas, insuportáveis, mas que em relação às engrenagens do universo, não são nada. Este relógio simboliza a relatividade do tempo. Embora, para nós, o tempo represente uma coisa rigorosa, até ao décimo ou milésimo de segundo, não é bem assim. Estamos à espera de uma pessoa de quem gostamos, o tempo nunca mais passa. Estamos com ela, uuuuuhh! É o ver se te havias!
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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Ora bem, eu disse uma coisa que também não era totalmente exacta, disse que o tempo nos arrasta irremediavelmente para o nosso destino, sem nunca parar. Mas o homem não podia aceitar uma coisas dessas, tinha que inventar qualquer coisa que bloqueasse o tempo, nem que fosse por um instante, então inventou isto! (ao mesmo tempo aciona um botão que faz com que o seu objecto cinemático eleve mecanicamente uma representação de uma máquina fotográfica.)
Nelson Ferreira: Pietro, todos os seus objectos cinemáticos narram questões essenciais ao homem, mas qual o seu engenho que mais assume o homem como o centro da questão?
PP: Talvez “O sonhador.” (Deslocamo-nos para a extremidade da rotativa, de onde, interligadas e suspensas através de cabos sobre o vão de aproximadamente 2m que separa a rotativa da parede mais próxima, se destacam três figuras em branco). Aquele homem é um sonhador. Sonha em chegar à lua com aquele chapéu de chuva. Pelo caminho, encontra aquela gaivota, que imediatamente se junta a ele no sonho. Mais adiante, encontra aquele anjinho. Os anjos gostam muito de sonhadores. Ao aproximar-se do anjinho, ele diz para o homem: “pensa bem, se chegares à lua, serás simplesmente um americano.”
A entrevista foi mais longa, mas é difícil concretizar as conversas em ideias correntes sem imagem do que se fala. Estas são as duas obras mais fáceis de se ler e imaginar, se bem que “O sonhador” é a presença mais importante pela analogia directa ao capítulo onde se encontra.
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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ANEXOS ВЛОЖЕНИЯ
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LISTA
DE ANEXOS
Anexo A Piotr Kropotkin - The Russian Revolution and the Soviet Government: Letter to the Workers of Western Europe ........................................................................................... 229 Anexo B Mikhail Larionov e Natalya Goncharova - Rayonists and Futurists: A Manifesto, 1913. (Danchev, 2011, p. 43) .................................................................................................. 237 Anexo C Filippo Tommaso Marinetti - Futurist Synthesis of the War, 1914. (Danchev, 2011, p. 90) ................................................................................................................................... 243 Anexo D Vladimir Mayakovsky - A Drop of Tar, 1915. (Danchev, 2011, p. 101) ..................... 247 Anexo E Kazimir Malevich - From Cubism and Futurism to Suprematism. The New Realism of Painting, 1916. (Railing, 1999, p. 25) .......................................................................... 253 Anexo F Vladimir Mayakovsky - Manifesto of the Flying Federation of Futurists, 1918. (Danchev, 2011, p. 134)................................................................................................ 271 Anexo G Aleksandr Rodchenko - Manifesto of Suprematists and Non-Objective Painters, 1919. (Danchev, 2011, p. 154)................................................................................................ 275 Anexo H Naum Gabo e Antoine Pevsner - The Realistic Manifesto, 1920. (Danchev, 2011, p. 189) ................................................................................................................................. 279 Anexo I Liubov Popova - On Organizing Anew, 1921. (Danchev, 2011, p. 195) ..................... 287 Anexo J Dziga Vertov - WE: Variant of a Manifesto, 1922. (Danchev, 2011, p. 210) ............. 293 Anexo K Aleksandr Rodchenko - Manifesto of the Constructivist Group, 1921. (Danchev, 2011, p. 219) ............................................................................................................................. 299 Anexo L KOMFUT - Conjunto de textos que revelam o mais interessante encadeamento, encontrado nesta pesquisa, de ideias e ideais nos primórdios Soviéticos, 1919-24. (Harrison, Wood, 2003, p. 333) .................................................................................... 305
Nelson Manuel Bastos Ferreira
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ANEXO A Piotr Kropotkin - The Russian Revolution and the Soviet Government: Letter to the Workers of Western Europe
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ANEXO B Mikhail Larionov e Natalya Goncharova - Rayonists and Futurists: A Manifesto, 1913. (Danchev, 2011, p. 43)
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ANEXO C Filippo Tommaso Marinetti - Futurist Synthesis of the War, 1914. (Danchev, 2011, p. 90)
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ANEXO D Vladimir Mayakovsky - A Drop of Tar, 1915. (Danchev, 2011, p. 101)
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ANEXO E Kazimir Malevich - From Cubism and Futurism to Suprematism. The New Realism of Painting, 1916. (Railing, 1999, p. 25)
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ANEXO F Vladimir Mayakovsky - Manifesto of the Flying Federation of Futurists, 1918. (Danchev, 2011, p. 134)
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ANEXO G Aleksandr Rodchenko - Manifesto of Suprematists and Non-Objective Painters, 1919. (Danchev, 2011, p. 154)
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ANEXO H Naum Gabo e Antoine Pevsner - The Realistic Manifesto, 1920. (Danchev, 2011, p. 189)
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ANEXO I Liubov Popova - On Organizing Anew, 1921. (Danchev, 2011, p. 195)
[hyNchustrutivismo] Homem - espaรงo - utopia: construtivismo russo revisitado
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaรงo - utopia: construtivismo russo revisitado
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ANEXO J Dziga Vertov - WE: Variant of a Manifesto, 1922. (Danchev, 2011, p. 210)
[hyNchustrutivismo] Homem - espaรงo - utopia: construtivismo russo revisitado
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ANEXO K Aleksandr Rodchenko - Manifesto of the Constructivist Group, 1921. (Danchev, 2011, p. 219)
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ANEXO L KOMFUT - Conjunto de textos que revelam o mais interessante encadeamento, encontrado nesta pesquisa, de ideias e ideais nos prim贸rdios Sovi茅ticos, 1919-24. (Harrison, Wood, 2003, p.333)
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ÍNDICE
DE TÍTULOS
НАЗВАНИЕ ИНДЕКСА
A Drop of Tar ................................... 102 About This ................................... 22, 70 Architecture and the Paradox of Dissidence ................................... 175 Às Artes, Cidadãos! ........................... 52 bauhaus ....................................... 23, 90 Blast ............................................. 24, 90 De Stijl ....................................... 89, 124 Deus Ex: Human Revolution …23, 83, 85, 214 From Cubism and Futurism to Suprematism ................ 106, 227, 253 Fundamentals of Contemporary Architecture.................................. 165 KOMFUT ......................... 211, 227, 305 L’Esprit Noveau ................................. 89 Manifesto of Suprematists and NonObjective Painters................ 227, 275 Manifesto of the Constructivist Group ............................................. 227, 299
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Manifesto of the Flying Federation of Futurists .............................. 227, 271 May Day .................... 24, 25, 96, 97, 98 Objectos cinemáticos .............. 215, 223 On Organizing Anew ....... 110, 227, 287 On the Future of Architecture …34, 49, 175, 179 Proun ................................. 26, 118, 120 Rayonists and Futurists: A Manifesto .................................... 105, 227, 237 Sintesi futurista della guerra .... 227, 243 Styl i Epokha ........................... 124, 159 The Apotheosis of October ......... 24, 96 The New Everyday Life . 22, 26, 69, 114 The Realistic Manifesto ... 108, 227, 279 The Russian Revolution and the Soviet Government: Letter to the Workers of Western Europe ............ 63, 227, 229 Victory over the Sun .................. 26, 116 Voprosy byta ..................................... 73 WE: Variant of a Manifesto ..... 227, 293
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[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
ÍNDICE
DE AUTORES
АВТОРСКИЙ УКАЗАТЕЛЬ
Almeida, JC ..................................... 213 Arvatov, B .................................... 79, 80 Baudrillard, J ...34, 43, 49, 99, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 213 Benjamin, W ...................................... 52 Blok, A ............................................... 91 Boym, S ................................. 70, 73, 74 Chakhava, G ........ 34, 35, 187, 189, 190 Chernikhov, Y ..27, 32, 33, 43, 48, 113, 128, 150, 151, 163, 164, 165, 166, 167, 213, 217 Chto Delat? ................ 34, 179, 180, 215 Cooke, C …24, 25, 27, 34, 55, 95, 96, 97, 98, 128, 165, 185 Derrida, J ......................................... 185 Doesburg, TV .................................... 89 Dostoyevsky, F ................................ 104 Eisenstein, S .................................... 107 Engels, F ............... 13, 17, 54, 127, 137 Estaline, J …73, 124, 134, 138, 154, 156, 186, 211 Fekner, J .................................... 34, 182 Filonov, P ................................. 104, 107 Gan, A ............................... 56, 101, 131 Ginzburg, M …29, 31, 32, 43, 124, 129, 132, 138, 139, 141, 158, 159, 160, 161, 162, 166, 189, 217 Golosov, I …28, 30, 43, 127, 129, 133, 150, 151, 152 Goncharova, N .......... 25, 105, 227, 237 Hegel, G ............................................ 87 Ioganson, K …21, 25, 26, 55, 59, 60, 110, 111, 112, 120 Jenney, W ........................................ 124 Kandinsky, W ............................. 82, 104 Khidekel, L ......................... 35, 189, 190 Kropotkin, P …13, 17, 43, 48, 54, 62, 63, 227, 229 Krupskaya, N ............................... 68, 69 Ladovsky, N ..................................... 129 Larionov, M ................ 25, 105, 227, 237 Le Corbusier …28, 89, 124, 125, 129, 132, 143, 159, 171, 189 Lenine, VI …13, 24, 33, 34, 48, 54, 56, 62, 68, 93, 95, 96, 127, 137, 138, 170, 171, 179, 180, 186 Leonidov, I …29, 33, 34, 43, 130, 134, 142, 145, 168, 169, 170, 171, 172 Lewis, W ............................................ 89 Lissitzky, L …26, 35, 54, 59, 108, 111, 118, 120, 123, 133, 189, 191, 215, 218
Nelson Manuel Bastos Ferreira
Malevich, K …21, 26, 41, 54, 55, 56, 82, 103, 104, 105, 106, 111, 115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 164, 215, 227, 253 Marinetti, FT .. 23, 89, 91, 105, 227, 243 Marx, K …13, 17, 25, 54, 68, 76, 97, 127, 137 May, E ............... 24, 25, 96, 97, 98, 143 Mayakovsky, V …22, 48, 54, 70, 102, 104, 125, 227, 247, 271 Melnikov, K …28, 29, 30, 35, 43, 120, 129, 133, 147, 148, 149, 150, 189, 191 Mendelsohn, E ................................ 129 Meyer, H ............................................ 89 Naum Gabo …54, 108, 109, 120, 227, 279 Nicolau II ............................... 13, 92, 93 Nietzsche, F .................. 64, 65, 66, 219 Nikolay ............................................ 143 Okhitovich, M .................... 28, 138, 139 Petrov-Vodkin, K ............... 25, 103, 215 Pevsner, A ......... 54, 108, 120, 227, 279 Plekhanov, G ..................................... 68 Pohl, EB ................................ 9, 35, 192 Popova, L 22, 54, 71, 72, 110, 227, 287 Proserpio, P ................ 23, 87, 215, 223 Rodchenko, A …22, 25, 26, 27, 54, 55, 59, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 107, 108, 111, 112, 120, 121, 227, 275, 299 Rohe, MVR ........................................ 89 Sabsovich, L .................... 137, 138, 140 Safdie, M ........................... 35, 189, 190 Stenberg, V, G 21, 55, 58, 59, 111, 120 Stepanova, V ....... 22, 54, 55, 67, 71, 72 Sullivan, L ........................................ 124 Tange, K ............................ 35, 189, 190 Tatlin, V …21, 22, 24, 25, 26, 29, 43, 48, 54, 55, 56, 69, 71, 79, 96, 105, 107, 114, 115, 125, 144, 145, 146 Taut, B ............................................. 143 Tolstoy, L ........................... 48, 104, 180 Tretyakov, S ................................ 78, 79 Trotsky, L …27, 54, 62, 73, 74, 75, 76, 78, 80, 94, 129 Vertov, D ................... 25, 107, 227, 293 Vesnin, A, L, V …27, 28, 30, 31, 43, 48, 129, 133, 138, 153, 154, 155, 156, 157, 166, 170, 193 Woods, L ........................... 51, 100, 179
331
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
ÍNDICE
DE ASSUNTOS
ПРЕДМЕТНЫЙ УКАЗАТЕЛЬ
Absolutismo …13, 71, 94, 173, 185, 196, 210 Abstracção …43, 47, 55, 60, 89, 99, 104, 110, 111, 112, 116, 118, 218 Acção …47, 52, 53, 81, 93, 113, 169, 180, 185 Activismo …47, 49, 54, 94, 105, 113, 114, 138, 143, 164, 187, 195 AKhRR ....................................... 39, 108 Anarquia …13, 54, 62, 179, 186, 201, 202, 206 ASNOVA ............................ 39, 130, 148 Bauhaus ...................................... 23, 90 Bolchevismo …54, 73, 74, 76, 78, 138, 143 Byt …70, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 114, 125, 160, 194, 196 Capitalismo …53, 75, 77, 80, 84, 175, 180, 181, 186 Casa comunal .................... 28, 132, 155 Cinetismo ........................................... 54 Comunismo …52, 54, 63, 74, 99, 100, 124, 139, 144, 174, 175, 210 Construtivismo …1, 3, 5, 6, 13, 15, 46, 47, 48, 54, 55, 56, 57, 58, 62, 68, 69, 79, 80, 81, 82, 88, 89, 99, 104, 105, 108, 112, 113, 124, 129, 130, 131, 149, 163, 164, 166, 173, 174, 175, 177, 182, 185, 186, 187, 193, 195, 211 Consumismo ................................ 53, 84 Cubismo 54, 89, 90, 104, 116, 117, 186 Cyberpunk ..................... 82, 83, 84, 186 Czarismo ........................................... 68 De Stijl ....................................... 89, 124 Desconstrutivismo ........................... 185 Desurbanismo …138, 139, 140, 142, 143, 160, 171 Deus Ex Machina ................ 81, 84, 177 Ditadura do proletariado .................. 210 Dom-Kommuna …134, 135, 137, 140, 143, 182, 205 Dualidade de poder ........................... 93 Existencialismo ............................ 64, 65 Fábrica …22, 26, 53, 60, 67, 71, 75, 83, 108, 121, 129, 134, 137, 138, 139, 150, 154, 155, 156 Filistinismo ......................................... 78 Formalismo …47, 54, 55, 82, 111, 112, 113, 150, 164, 179, 185, 187
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Funcionalismo …54, 55, 79, 112, 129, 184 Futurismo …48, 54, 78, 89, 90, 91, 105, 109, 116, 117, 164 Geometria …13, 43, 83, 89, 110, 111, 118, 187 Guerra civil ............ 58, 74, 94, 100, 125 hyNchustrutivismo …1, 3, 5, 6, 13, 14, 15, 43, 46, 49, 64, 100, 151, 173, 184, 185, 189, 193, 197, 210 INKhUK ............. 39, 56, 57, 69, 79, 112 Laboratório …22, 43, 48, 52, 57, 58, 60, 79, 113, 120, 128, 169, 174, 195 LEF ...................................... 39, 80, 106 Libertação dos servos ......... 71, 88, 196 Livre arbítrio .............. 83, 100, 140, 181 LOAKh ....................................... 39, 130 MAO .................................. 39, 127, 130 Máquina …14, 46, 47, 71, 79, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 90, 99, 108, 139, 156, 167, 172, 182, 198, 223, 224 Marxismo ........... 13, 63, 68, 73, 88, 125 Materialismo ........................ 73, 78, 131 Modo de vida …47, 70, 73, 74, 107, 115, 125, 130, 137, 154, 158, 169 Moral ............. 64, 65, 66, 125, 137, 219 Narodismo ................................. 71, 196 Natureza …14, 41, 46, 64, 81, 86, 126, 133, 139, 140, 141, 143, 181, 186, 188, 189, 196, 200, 219 Niilismo ........................................ 64, 66 Nova política económica …39, 58, 74, 115, 130 OAU .......................................... 39, 130 OBMOKhU ................ 21, 39, 58, 59, 60 OSA …27, 28, 39, 130, 132, 134, 148, 149, 160, 166 OST ................................... 39, 107, 108 Poder …34, 43, 46, 48, 60, 64, 65, 74, 76, 81, 82, 84, 88, 92, 93, 99, 100, 108, 124, 126, 134, 136, 142, 156, 174, 176, 177, 180, 181, 182, 183, 185, 186, 199, 211 Práxis ............................ 46, 53, 61, 183 Primitivismo ................. 69, 79, 105, 114 Produtivismo ............................... 54, 71 Propaganda …24, 68, 73, 77, 80, 94, 96, 104, 113, 177 Prostituição ....................................... 77 Proun ................................. 26, 118, 120
333
[hyNchustrutivismo] Homem - espaço - utopia: construtivismo russo revisitado
Raionismo ........................................ 105 RAPKh ............................................. 109 RAPP ............................................... 109 Razão 46, 54, 64, 86, 91, 106, 186, 206 Realidade aumentada ..................... 184 Realismo socialista ............ 92, 164, 186 Realismo transracional .................... 116 Revolução de outubro de 1917 ... …13, 48, 55, 58, 62, 63, 65, 88, 92, 94, 95, 100, 124, 193 Romantismo .............................. 73, 112 SA ...................................... 39, 137, 170 Socialismo …54, 62, 74, 76, 80, 94, 127, 130, 137, 138, 139, 140, 143, 158, 159, 161, 166, 170, 172, 179, 210 Suprematismo …54, 82, 116, 117, 118, 120, 164
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Totalitarismo ................................ 68, 81 Transumanização ........................ 83, 84 Transurbanismo ................................ 84 Übermensch .............................. 66, 179 Urbanismo …83, 124, 137, 138, 143, 155, 159, 171, 183, 184, 210 Urbe .................................. 84, 124, 139 Utilitarismo .......................... 54, 64, 131 Utopia …1, 3, 5, 6, 9, 13, 48, 52, 53, 54, 71, 76, 82, 135, 154, 155, 159, 160, 161, 163, 170, 176, 183, 184, 209, 210 VKhUTEMAS …27, 39, 59, 71, 89, 108, 120, 121, 129, 170 VOPRA ...................................... 39, 130 Vorticismo ................................... 48, 89
334