Uma Viagem na Minha Terra

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UMA VIAGEM NA MINHA TERRA Ilídio Salteiro por ocasião da exposição de arte no Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior



UMA VIAGEM NA MINHA TERRA Exposição de arte de

Ilídio Salteiro 12 de abril a 13 de maio de 2018

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Núcleo da Real Fábrica Veiga Centro de Interpretação dos Lanifícios

Covilhã


Catálogo Título

Textos

Uma viagem na minha terra: por ocasião da exposição de arte de Ilídio Salteiro António dos Santos Pereira (apresentação),

João Paulo Queiroz (prefácio) e Ilídio Salteiro (autor)

José Rogeiro | Tipografia UBI

Capa

Edição

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (abril, 2018)

Execução Gráfica

Tipografia da Universidade da Beira Interior

Tiragem

Depósito Legal Nº

60 exemplares 439203/18

ISBN

978-989-654-444-7

Exposição Organização

Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior

Montagem

Helena Correia, Joaquim Vicente e Amélia Pombo Exposição patente ao público no Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior Núcleo da Real Fábrica Veiga - Centro de Interpretação dos Lanifícios (Covilhã, Portugal) entre 12 de abril a 13 de maio de 2018

© Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior


UMA VIAGEM NA MINHA TERRA, OU PORTUGAL E O MUNDO António dos Santos Pereira

Diretor do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior

Estamos sempre onde não estamos e o nosso quarto é acima do arco da lua. Uma colina é uma montanha, subimo-la com D. Afonso Henriques nos primórdios, a definir, em Lisboa, no alto da Graça, Portugal, o ponto de encontro entre o Norte e o Sul, duas civilizações que se haviam de congregar no meio do Mundo em que nos encontramos. Chegamos nas galés e nas barcas antigas, pelo largo Tejo, para um dia voltar a sair a sua barra. Entretanto, fizemos cavalos de pau com freios de vento, as caravelas, para termos um país diferente, solidário. Estamos nos quatro cantos dele e o espaço e o tempo, referências do historiador, são uma criação contínua dos nossos artistas. Nada há mais próximo da eternidade do que a arte, a criação em permanência, como a dos antigos aedos, em versos, em música e imagens. A tela do pintor é a nossa nau. Nós somos apenas homens e o nosso destino é Ítaca. Regressamos aos temas: o que é a Arte e nela, a Pintura, qual a sua função no todo humano, a arte com e sem história, sempre contemporânea ou do tempo presente ou com a nostalgia do passado e a ansiedade do futuro ou apenas mítica, uma narrativa paradoxal fora do tempo. O artista reconhece-se um privilegiado. Ele está sempre no princípio da História a que se entrega e em que se partilha, Ilídio Salteiro diz adiante «sem dogmas, sem compromissos e sem constrangimentos» e mostra-nos imagens míticas, emergentes, para não dizer disruptivas: destas, a Torre de Babel é o signo paradigmático. Hoje, todos assentamos em uma humanidade em processo contínuo de criação. É assim desde Hegel, desde Teilhard de Chardin, desde Edgar Morin, desde os nossos modernos filósofos e literatos, como Leonardo Coimbra e Fernando Pessoa, e pintores, como Amadeo de Sousa Cardoso e Almada Negreiros. 3


Comemoramos recentemente os cem anos do futurismo. Se a pintura é um assunto de visualidade, os seus artistas são os faróis do futuro nas tempestades do presente, os mestres da utopia. As linhas e os pontos não têm realidade física e as cores estão nos olhos de quem as vê. É um privilégio ser Diretor do Museu de Lanifícios e poder participar nesta viagem de arte com o Ilídio Salteiro. Ele traz consigo as marcas das terras onde nasceu, Alpedriz, do Mosteiro de Alcobaça, de S. Bernardo de Claraval, e onde reside, ali, perto do Convento da Graça, de Santo Agostinho, aquele e este, arautos da bondade da criação. Dado o tema, eu queria ter o talento de Almeida Garrett que ajudou a criar um país novo com um novo Camões, uma nova epopeia de um país que se refaz com novos homens e mulheres, iguais e livres, assim como ele se definiu e o nosso artista se assume e poder dizer dele o que merece por tamanho talento. A sua arte vem-me à mente como um salmo no paraíso e o regato que nele corre é o Tejo e as terras que ele desenha e pinta são Portugal e o Mundo, que precisam dele para serem melhores, ou vencerem as tempestades, sempre vizinhas.

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UMA VIAGEM NA MINHA TERRA João Paulo Queiroz

Professor da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa

1. O Pintor Ilídio Salteiro Ilídio Salteiro, nascido em 1953, formou-se em pintura e obteve formação complementar de mestrado e de doutoramento. É hoje professor na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e participa regularmente em exposições, desde 1979, podendo referir-se como uma das mais significativas, a exposição “o Centro do Mundo” no Museu Militar de Lisboa, em 2013 (Salteiro, 2013; Queiroz, 2013; 2018). A pintura de Salteiro é, no seu começo, contemporânea da parte final da “Nova Figuração” e do começo do período de um certo regresso à pintura, que se observou nos movimentos mediterrânicos da época, anos 80, como a Transvanguardia italiana, ou a movida espanhola, a que se acrescentam os posicionamentos pós-modernistas franceses e ingleses, tanto na pintura como no design, como também na arquitetura. São elementos recorrentes, na obra de Ilídio Salteiro, a Ponte, a Casa, e a Terra (ou Montanha). Sobre a sua terra, há viagens subindo rios, e contemplam-se margens de musgo vivo. É sobre esta obra plástica persistente e duradoura que me irei debruçar neste texto 2. Viagem à volta do meu quarto Visitando a casa de Ilídio Salteiro, alteada no cimo de uma montanha, que é a colina da Graça, em Lisboa, entramos num universo de infinitos dentro de salas. Sítios onde pinturas, objetos, desenhos e materiais denunciam que estamos na casa de artistas, ou seja, de Ilídio Salteiro e de Dora Iva Rita. Aqui, soalhos antigos têm a patine do tempo e da tinta, e as mesas contêm 5


paletas, e as gavetas, pincéis. Os azuis prússia, os verdes veronese, as terras de sienna desdobram-se em tubos de tinta meio gastos e, nas paredes, alguns trabalhos em descanso e em processo. As pinturas são feitas em paralelo, em simultâneo, tirando partido das acumulações e texturas, fazendo surgir formas a partir de matérias significantes. Os livros, noutra divisão, fazem de parede. De alguns destes livros se adivinham os contributos para uma reflexão pintada. Penso em Xavier de Maistre (2015), que imagina o mundo inteiro na sua prisão domiciliária. Um outeiro. Uma montanha. O poder do pensamento, da imaginação, da visualização. Esta é uma viagem no material da pintura, verde afora, feita para nos perdermos por florestas que respiram, seres que partilham a beira dos rios e a orla das marés. 3. Viagens na minha terra Talvez ilhas, talvez continentes, talvez lameiros de um jardim da sua infância. O riacho imaginado com água da chuva. A ponte brincada. A terra argilosa, húmida que recebe os dedos de uma criança, os dedos de um pintor. As viagens podem ser grandes como aquelas que partiram de Lisboa para novos mundos e, uma vez virada a história, as viagens podem ser pequenas como as viagens na minha terra. Ir de Lisboa a Santarém, viagem inversa na miniatura de um império desaparecido e contado por Almeida Garrett e os seus amigos de viagem. O Tejo, o estuário, a fragata, a Carolina. A Carolina, nome de barco, nome importante. Barco que voltou a ser barco, mastro desenterrado, madeiras resgatadas do lodo do Tejo, o começo de uma viagem nova, no rio, na maré, ao vento, ao sol, e uma resistência ao mundo da facilidade e do conforto. Ilídio Salteiro trata as coisas com a sabedoria de um jardineiro que sabe deixar os outros crescer: é também um professor. 4. Ridendo castigat mores Gil Vicente também fazia barcos. A sua travessia era a da Barca do Inferno. Por cima do título do auto, este adágio latino: rindo se corrigem os costumes (Vicente, 2017). Podemos considerar as artes próximas do riso, porque apelam aos sentidos, nos comovem, e talvez nos corrijam. As artes são coisa séria. Decidir quem entra no barco ou quem sai. Ilídio foi mesmo o barqueiro 6


do seu navio. Este navio ainda percorre os esteiros com o seu fundo plano, rente aos moliços e às conchas. Um cavername que sobe e desce com as águas das marés do estuário. O mundo que respira. Os seres inumanos que mostram que a vaidade é assim vã. O Barqueiro que recusa todas as moedas de todos os onzeneiros. A pintura ri, como Gil Vicente fez rir, partindo das construções mais ou menos inúteis, as torres mais ou menos vaidosas, os sítios por onde os homens se espalharam depois de a Torre de Babel parecer demasiado grande. 5. Casas que olham Os homens, assim confundidos, pois falando diferentes línguas, espalharamse por toda a terra e construíram diferentes casas, agora bem menos altas do que a Torre de Babel, mas sempre espantadas com o mundo. As janelas parecem olhá-lo, absurdas, ou, ao invés, parecem mostrar o interior destes espaços humanos, casas de migrantes. As casas olham a paisagem que todos nós olhamos. Nós, os observadores, aqueles que estão do lado de fora do quadro, eu e tu. Podemos ver o interior absurdo e caprichoso de um inventor de perspectivas, brincadeiras de Giotto na capela Scrovegni. São casas simples que contrastam com a paisagem verdescente, musgosa, vermiculada e viva. Que há para ver? O paraíso entrevisto pelo monge da Finisterra, do farol romano de Hércules. Um Paraíso com o preço da lepra. Um sítio sem dor e sem falta, um lugar para uma eternidade. O sonho de uma promessa, de um pacto de Fausto, um castigo por termos inventado a Pintura. 6. A visão na Finisterra Como esse monge, temos uma visão na Finisterra. Está marcada por um retângulo regular como uma janela, a pintura. Janela que se repete, pintura após pintura, como nas construções que brincam dentro delas. Cada pintura é uma promessa do paraíso feita a um homem desperado. O homem que sabe que vai morrer, qualquer homem, afinal. E por isso mesmo o homem procura um sítio para lá do tempo, um lugar sem necessidade, o lugar perfeito da pintura. 7


Assim procuramos na pintura uma terra nova, um sítio para onde brincar como uma criança, um jardim original e onde é impossível cair. Pendurados destes rebordos, espreitamos e vemos. Terra, ilhas e rios. Coisas de tinta. Coisas da terra. Coisas para os bons selvagens (Rousseau, 2001). 7. Conclusão: navegações sem mapa e sem fim Destes sítios querem-se viagens, caminhos, pontes, mapas, orientações. Territórios. Trajetórias. Direções. Operações. Manobras. Sítio de passagem, entre capítulos de um livro onde corre uma tempestade e um pensamento. As páginas e o conhecimento, Ariel e Próspero. Uma ilha que enfrenta os mares e seduz os viajantes para o mundo das coisas que só podem existir dentro dos livros (Shakespeare, 2001). Sujo de tinta, Caliban será aqui o pintor que, veículo de coisa maior, nos dá a experimentar as coisas realmente verdadeiras do mundo. As coisas do amor que têm de ser procuradas e mostradas através da tinta. Tinta acesa, coisas que nascem com a maré espessa de cada pintura. Ilidio Salteiro trata de nos mostrar coisas de uma verdade para além do mundo e da morte. Mostrar as coisas vivas.

Referências Maistre, Xavier de (2015) Viagem à Volta do Meu Quarto. Tradução: Carlos Sousa Almeida. Lisboa: Tinta da China. ISBN: 9789896712570 Queiroz, João Paulo (2013) “Propostas para ‘o centro do mundo:’ as pinturas de Ilídio Salteiro” Revista: Estúdio. ISSN 1647-6158, e-ISSN 1647-7316. Vol. 4 (8) pp. 310319. Queiroz, João Paulo (2018) “Mundus novus: algumas cartas para Ilídio Salteiro”. In Salteiro, Ilídio (Org.) Faróis e tempestades: anotações sobre um processo artístico. Lisboa: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes. Pp. 21-6. ISBN: 978-989-8771-92-6. Rousseau, Jean-Jacques, (2001). Rêveries du promeneur solitaire. Col. “Les Classiques de poche”. Paris: Livre de Poche. Salteiro, Ilídio (2013) O Centro do Mundo. Lisboa: Museu Militar. Shakespeare, de William (2001) A Tempestade. Lisboa: Campo das Letras. ISBN: 9789726104728 Vicente, Gil (2017) Auto da Barca do Inferno. Porto: Porto Editora. ISBN:978-972-0-72699-5. 8


NO ACTO DE PINTAR Ilídio Salteiro

Nesta exposição mostra-se um conjunto de trabalhos realizados recentemente, constituídos por pintura aguada, acrílica e a óleo, sobre tela e papel. Coisas simples, feitas de águas, resinas e óleo, como entendemos que deve ser a arte, ou seja, como entendemos que deve ser o factor humano (Garcia,2014). E quando se faz, pensa-se. Pensamento e fazer-pintura são indissociáveis. No fazer não existem estéticas ou géneros pré-estabelecidos em formas ou conceitos. Ela é um campo de possibilidades para se desbravarem caminhos, individuais e coletivos, onde a humanidade é desenhadora, descobridora ou prospetora dos futuros que se aproximam (Vieira, 1718). Pelas artes, visuais, a humanidade dá a ver o nunca visto, causando enormes estranhezas no tempo presente, originando várias querelas (Jimenez, 2005) sobre o que é ou não é arte. Perguntas que devem ser substituídas por uma reflexão sobre porque é que precisamos da arte? Porque haverá alguém que não precise dela? A qualidade cultural do ser só depende da arte. Deveremos perguntar o que é que precisamos que o artista nos demonstre, que portas queremos que ele nos abra, porque cumpre-lhe essa função. A função de descobridor de futuros, de desvendador de espaços, de iluminador do impercetível. E cumpre-lhe ainda a função de responder às inquietações e ansiedades globais demonstrando as soluções que podem compor o mundo. Para quem faz estas demonstrações, ou estas coisas (Heidegger, 1977), a arte é sempre contemporânea, porque pertence ao tempo próprio que lhe deu forma, quer seja no século V a.C. quer seja em 2018. Sem tempo será apenas um anacronismo. A arte contemporânea tem apenas como contraponto uma arte anacrónica, ou seja, aquela que sendo feita no presente tem os modos do passado, onde técnica ou cópia, maneirista, académica e revivalista, são exercício habilidoso. 9


O tempo presente, atual ou contemporâneo, é a idade da inquietação e da ansiedade caracterizada pelo stress do apocalipse, pelo desejo de perenidade, pelos ícones referenciais, pela memória que se esvai se não for preservada e pelos mapas que nos traçam os percursos (Salteiro, 2013). A arte do tempo presente resulta de um hibridismo cultural, de multiculturalidades e miscigenações, entre academismos que respondem aos desejos de ser e fazer arte, maneirismos que justificam o anseio de estar de acordo com uma lei globalizante do gosto e da moda, e revivalismos que vivem a nostalgia romântica do tempo passado. Hibridismos resultante dos novos espaços que habitamos onde a aproximação continental, culturalmente é um facto. É neste contexto que a Europa que antes era um continente é hoje um arquipélago num mar revolto, agitado numa guerra entre a globalidade e a multiculturalidade. E os artistas-pessoas vivem neste mar, rodeados da mítica Babel, de ilhas, de terras incógnitas, de águas, de óleos e resinas, de faróis, tempestades e viagens (Salteiro, 2018). O trabalho da pintura é um trabalho de investigação sobre a vida e a sua forma, onde o ser ou não ser arte é apenas uma adjetivação secundária. O relevante são as perguntas que se formulam, as respostas que se obtêm e as partilhas que se conseguem. Por isso, como pessoa que pinta, tenho o privilégio de ser investigador, curador e professor de pintura, retirando proveito destes espaços sociais de partilha. Os modos que o artista tem de estar no mundo da arte pouco mudaram ao longo do tempo. Por um lado, são o caminho da encomenda, moderna e mecenática, tanto do antigo regime, religiosa e aristocrática, como do novo regime, onde prevalece a encomenda privada legitimada por salões, bienais, galerias e feiras e por governos, autarquias, museu e fundações. E por outro lado temos a partilha com os outros das prospeções efetuadas dentro dos limites do nosso território-projeto, questionando tudo, permanentemente, sem dogmas, sem compromissos e sem constrangimentos. Cennino Cennini explica que no mundo da arte há uns que a fazem por amor e grandeza e outros por lucros (Ceninno Ceninni, 1988). Amor e grandeza pela investigação contínua, formulando perguntas e hipóteses a que se sucedem respostas sem outra expectativa que não seja estruturar no presente a humanidade futura. Um campo de investigação que 10


entende a arte e a pintura como trabalho de prospeção. Um campo onde a estética será apenas um meio nem sempre relevante. O relevante será o exercício do pensamento na formulação de novos mundos. Os princípios basilares que se constituem nos fatores impulsionadores do processo expresso neste conjunto de obras enquadradas pelos títulos, Faróis e Tempestades e Viagem na Minha Terra, correspondem ao facto de se considerar a Pintura, como um assunto de visualidades que, no entanto, mais do que servir para ser vista, serve para ser feita, para ter existência e para ocupar espaço na perenidade relativa do tempo. O espaço bidimensional que a pintura nos oferece corresponde a esse espaço essencial da criação universal, sempre livre e disponível para prospetar todas as utopias do presente, cor após cor, linha após linha. É também um assunto de matérias, de coisas físicas, e das ações do pensamento sobre elas, transformando-as numa entidade com vida própria. É um processo de pensamento fundamentado nos modos de rever e de refazer o mundo. A arte refaz, reorganiza, recompõe, reordena e enfatiza as matérias universais, conhecidas ou desconhecidas (Godman, 1995). A característica da Humanidade para, continuamente, aprofundar o saber, coloca a arte, pela liberdade que lhe está inerente, num patamar independente de médiuns e formatos.

Óleos, águas, ceras, quadros, enquadramentos,

imitações, representações, construções, figurações ou abstrações, realidades, virtualidades são domínios ancestrais da atividade humana que se constituem como conhecimento cultural e racional complementar da ansiedade e da inquietação que nos faz mover no universo. Na arte, integrada nos domínios dos sentidos e das sensibilidades, não podem existir dogmas. Estes, quando existem, transformam-na em mera tecnologia. O dogma existe na religião, mas não pode existir na arte. Aceitar doutrinas pré-estabelecida e utilizar os modelos oficialmente difundidos, é recusar a arte como modo de investigar a vida e a humanidade, é aceitar a arte como ornamento formal e social. A atividade prospetiva da arte, podendo culturalmente ser a consequência de muitos factos, garante sobretudo que seja a causa de muitos outros. É como coisa precedente que a consideramos. A pintura, como a arte, é contribuinte essencial para o mapeamento da consciência da humanidade. 11


Na arte compete a cada interveniente definir os limites ontológicos da sua atividade artística. Estes limites, delimitados pelo pensamento individualizado, são a estrutura possível desta profissão. Só depois deste pensamento se definem os objetivos, se determinam os modos de operar, se fazem as escolhas e se tomam as opções. Produzir inquietações e equacionar os sentidos das coisas, dos mapas, das ilhas, dos paraísos perdidos, de uma Babel utópica, dos mundos e da vida, têm sido alguns dos objetivos questionados recorrentemente. Mas pintar não garante que cada obra produzida corresponda a uma coisa artística, nem tão pouco que cada um dos seus profissionais seja artista. Essa classificação dependerá sempre de outros. No acto de pintar a arte é apenas entendida como um objetivo superior a atingir. Pintar ou fazer coisas não é difícil, necessita apenas de aprendizagem, prática e focagem. Aprendizagem e prática correspondem a um período de dependência em relação aos modelos e à habilidade. Focagem corresponde a saber o que se pinta ou a saber o que se faz. Este saber exige que se esteja atento e desperto para o espaço-tempo que habitamos, porque o mundo carece de contributos positivos que garantam a energia capaz de o manter em movimento. Compete aos protagonistas da arte, uns após outros, ao longo de todos os tempos e espaços, desenharem os mundos futuros, embora quotidianamente não nos apercebamos de tal. Como seria o Mundo hoje se as obras de William Shakespeare, Wolfgang Amadeus Mozart ou Leonardo da Vinci não tivessem sido feitas? Igual? Temos muitas dúvidas.

Referências Cennino Cennini (1988). El Libro del Arte. Madrid: Ediciones AKAL, S. A., 1988. Garcia, Dora (2004). Factor Humano. Consultado em http://doragarcia.org/ elfactorhumano/index.html, 12 março 2018. Godman, Nelson (1995). Modos de Fazer Mundos. Lisboa: Edições Asa. Heidegger, Martin (1977). A Origem da Obra de Arte. Lisboa: Edições 70. Jimenez, Marc (2005). La querelle de l’art contemporaine. Paris: Éditions Gallimard. Salteiro, Ilídio (2013). O Centro do Mundo. Lisboa: edição de autor. Salteiro, Ilidio (2017). Faróis e Tempestades – Anotações sobre um processo artístico de pintura. Lisboa: CIEBA-FBAUL. Vieira, Padre António (1718). História do Futuro. Lisboa: António Pedrozzo Galram. Fac-simile comemorativo dos 500 Anos da Biblioteca da Universidade de Coimbra. 12


Babel (3)

2017 | Óleo sobre tela, 60x80 cm

Faróis e tempestades (5)

2017 | Acrílico sobre tela, 70x90 cm

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Farรณis e tempestades (6)

2017 | Aguadas sobre papel, 37x52 cm

Farรณis e tempestades (7)

2017 | Aguadas sobre papel, 37x52 cm

14


Faróis e tempestades (8)

2017 | Aguadas sobre papel, 37x52 cm

Faróis e tempestades (14)

2017 | Acrílico sobre tela, 37x52 cm. Coleção particular

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Farรณis e tempestades (17)

2017 | ร leo sobre tela, 60x80 cm

Farรณis e tempestades (18)

2017 | Aguadas sobre papel, 37x52 cm

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Faróis e tempestades (24)

2017 | Acrílico sobre tela, 70x90 cm

Faróis e tempestades (30)

2017 | Óleo sobre tela, 60x80 cm

17


Faróis e tempestades (31)

2017 | Óleo sobre tela, 60x80 cm

Faróis e tempestades (18)

2017 | Acrílico sobre tela, 70x90 cm

18


Viagem na minha terra (33)

2018 | Aguadas sobre papel, 37x52 cm

Viagem na minha terra (34)

2018 | Aguadas sobre papel, 37x52 cm

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NOTA BIOGRÁFICA Ilídio Salteiro (Alpedriz – Alcobaça, n. 1953)

Reside e trabalha em Lisboa. Pintor, investigador e professor de pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa desde 1998. Doutoramento em Belas-Artes Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa em 2006. Mestre em História da Arte pela Universidade Nova de Lisboa em 1987. Licenciado em Artes Plásticas-Pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1979. Desde 1979, expõe regularmente e, em 1981, participou na LIS’81-2ª Bienal de Desenho, e, em 1986, na III Exposição da Fundação Calouste Gulbenkian. Está representado na Coleção Culturgest e em outras coleções públicas e privadas. Realizou trinta e uma exposições individuais, das quais se destaca «O Centro do Mundo» no Museu Militar de Lisboa em 2013. Desde os anos 80 do séc. XX, participa em diversos projetos de intervenção social, cultural e artística. Websites: http://www.salteiro.arte.com.pt/ http://salteiro.blogspot.pt/2018/01/prospecao.html Contactos: Ateliê: Escadinhas Damasceno Monteiro, nº 5, 1170-107 Lisboa Tel.: 213 252 100 (FBAUL) | Tlm.: 938 737 411 E-mail: Ilidio.salteiro@gmail.com

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Núcleo da Real Fábrica Veiga / Centro de Interpretação dos Lanifícios Calçada do Biribau, s/n (ao Parque da Goldra) | 6201-001 Covilhã - Portugal GPS: 40º 16’ 37” | N 7º 30’ 29” W Tel.: +351 275 241 411 (Geral) | muslan@ubi.pt www.museu.ubi.pt | www.facebook.com/museu.delanificios


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