Texto dulce golpe de 64 biblioteca nacional 2

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Para mim é uma grande honra e um enorme desafio fazer a conferência inaugural no Seminário sobre os 50 anos do Golpe de 1964 organizado pela Biblioteca Nacional. Fui convidada para falar sobre como o Brasil de hoje lida com o seu passado ditatorial, a partir da minha experiência enquanto historiadora e, ao mesmo tempo, vítima do Estado repressor implantado pela ditadura civil militar iniciada em 1964. E é exatamente desse duplo lugar que pretendo fazer algumas reflexões e expor algumas das minhas angústias, dilemas e perplexidades sobre como, hoje, eu e o Brasil lidamos com o passado ditatorial. Como historiadora, sei que o historiador, para fazer história, precisa se separar do testemunho. Sei também dos riscos que corremos quando, ao invés de decifrarmos a memória e usá-la como fonte de nossas pesquisas, tentamos substituir a história pela memória. Por isso, ao falar desse duplo lugar, tentada pela memória e desafiada pela história, certamente vou correr alguns riscos. Esclarecido o lugar da minha fala, é preciso dizer sobre o que vou falar. O título dessa conferência é “O presente do passado”. Falar sobre o passado, sobretudo sobre o chamado passado sensível não é tarefa fácil. E para quem foi “vítima”, uma “sobrevivente” desse passado, a tarefa se torna ainda mais difícil. A relação entre passado, presente e futuro é complexa e, desde os tempos mais remotos, tem sido objeto de preocupação de filósofos e historiadores. Sabemos que cada presente resssignifica tanto o passado como o futuro. Ou seja, é a partir das experiências do presente e das expectativas do futuro que o passado é reconstruído. E, é por isso, que a memória, diferentemente do que pensa o senso comum, não é apenas passado. Ela é presente e é futuro. E como muitas são as reconstruções sobre o passado, muitas são as memórias que disputam um mesmo passado. Assim, do mesmo modo que existe uma constante tensão entre passado, presente e futuro, existe, dito de outro modo, uma relação também tensionada entre as lembranças do passado, as experiências ou vivências do presente e as expectativas do futuro. Se muitas são as memórias, as experiências e as expectativas, qual o “presente do passado” devo escolher para falar nesse seminário? Qual a minha memória e quais as memórias que estão em disputa sobre o regime militar? A partir desse passado, qual é o presente e qual o futuro que queremos para o país? Qual a minha expectativa diante do meu passado, diante das minhas experiências?


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