Revista Ideia Sustentável - 1/2019

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Cons ul t or i aquepr omove va l or e sene góc i oss us t e nt á ve i s

ATI VI SMO EMPRESARI AL

PorqueTheovanderLooeout r os l í de r ss et or nar am at i vi s t a sde c a us a si mpor t ant e spar aas oc i e da de



CARTA AO LEITOR

Ativando o modo inspiração

C

ARO LEITOR, esta revista é fruto de um verdadeiro mergulho da Ideia Sustentável no tema do ativismo empresarial. Nos últimos meses, a consultoria se aprofundou e identificou as principais lideranças a empunhar causas socioambientais no Brasil e no mundo, os pioneiros desta história, os benefícios e as dores das empresas ativistas e até mesmo as bandeiras que estão à espera de líderes que as defendam. Todo esse estudo resultou no evento CEO com Propósito, realizado na FAAP, no dia 27 de novembro, e nesta Ideia Sustentável – Uma revista de líderes com valores e negócios sustentáveis. Nosso objetivo, como sempre, é inspirar você a se engajar em temas e desafios diretamente ligados à perenidade das empresas no século 21. O ativismo corporativo é justamente uma forma de assegurar uma atuação relevante não só para os negócios da organização e seus acionistas, mas para toda a sociedade. Na

Linha do Tempo, selecionamos os 15 principais marcos desta discussão; na seção Em Foco, o consultor Ricardo Voltolini apresenta estudos que apontam a importância do ativismo na reputação das marcas e até nas intenções de compra dos consumidores; em Ideias, Thais Vido destaca causas que merecem a atenção das companhias, levando em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU; e na Entrevista Especial, Theo van der Loo conta como se tornou um porta-voz da equidade racial nas organizações e indica os desafios relacionados à pauta para os próximos anos. Nesta edição, comemoramos ainda a contribuição especial de articulistas renomados, que compartilharam suas causas e iniciativas em suas organizações. São eles: Joanes Ribas, diretora de Sustentabilidade da Telefônica Brasil; Orestes Pullin, presidente da Unimed do Brasil; Jorge Soto, diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem; Tabajara Bertelli, presidente da Ultragaz; Andreia Dutra, diretora-presidente da

Sodexo On-site Brasil; Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação; Tatiana Maia Lins, fundadora e CEO da Makemake; e Alessandra França, fundadora e diretora do Banco Pérola. E como não poderia faltar, selecionamos 12 cases de ativismo corporativo. Não perca a oportunidade de conhecer as histórias de Tadeu Nardocci (Novelis), Jean Jereissati (Ambev), Adriana Castro (Ben & Jerry’s), Tânia Cosentino (Microsoft), Cristina Palmaka (SAP), Paula Paschoal (PayPal), Claudia Abreu (Mundo Verde), Carlos Takahashi (BlackRock), Luciana Antonini (EB Capital), Leonel Andrade, Eduardo Gouveia e Sonia Favaretto (Pacto Global). Aproveite a leitura e inspire-se para identificar ou rever sua causa e reunir argumentos para incentivar sua empresa a dar os primeiros (ou os próximos) passos nessa discussão.

Grande abraço, Equipe Ideia Sustentável

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EXPEDIENTE

Ricardo Voltolini CEO E FOUNDER

Jorge Voltolini DIRETOR-FINANCEIRO

Paula Pompeu GERENTE EXECUTIVA

Fábio Congiu CONSULTOR

Evelyn Munhoz GESTORA ADMINISTRATIVO-FINANCEIRA

Marcos Cardinalli COORDENADOR DE COMUNICAÇÃO

Consultoria que promove valores e negócios sustentáveis

ATIVISMO EMPRESARIAL

Por que Theo van der Loo e outros líderes se tornaram ativistas de causas importantes para a sociedade

EDIÇÃO

Fábio Congiu DESIGN E DIAGRAMAÇÃO

Tatiana Carlini | Dupla Ideia ARTICULISTAS

Ricardo Voltolini | Em Foco Thais Vido | Ideias COLABORADORES

Joanes Ribas (Telefônica Brasil) Orestes Pullin (Unimed do Brasil) Jorge Soto (Braskem) Tabajara Bertelli (Ultragaz) Andreia Dutra (Sodexo) Alessandra França (Banco Pérola) Priscila Cruz (Todos Pela Educação) Tatiana Maia Lins (Makemake) Essa revista integra as publicações da consultoria Ideia Sustentável - Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade. Apresenta os cases selecionados para o CEO com Propósito 2019, evento da Plataforma Liderança com Valores. A publicação não se responsabiliza pelas opiniões de terceiros. A reprodução do conteúdo editorial deste estudo, assim como de sua versão online, só será permitida com a autorização da editora ou com a citação da fonte. REDAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO: Rua Bagé 269 - São Paulo/SP - Brasil CEP: 04012-140 TEL.: (11) 5579 8012 - E-MAIL: contato@ideiasustentavel.com.br

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SUMÁRIO

06 TIMELINE

15 importantes marcos do ativismo corporativo

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EM FOCO

Em tempo de CEOs ativistas, desafios socioambientais representam causas

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IDEIAS

As vozes transformadoras dos CEOs ativistas

REFLEXÃO 30 Joanes Ribas

Por negócios mais responsáveis

32 Orestes Pullin

Qualidade de vida, bem-estar e sustentabilidade

34 Jorge Soto

Ativismo e a liderança empresarial, um papel necessário

36 Tabajara Bertelli

Não é sobre sustentabilidade. É sobre pessoas...

38 Andreia Dutra O papel de cada um de nós na construção de um mundo mais justo 40 Priscilla Cruz Para um país plenamente desenvolvido, educação básica de qualidade 42 Tatiana Maia Lins A jornada do ativismo corporativo em “4 is” 82 Alessandra França O incômodo que virou banco

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ENTREVISTA ESPECIAL: THEO VAN DER LOO

CASES SELECIONADOS 56 Tadeu Nardocci

Novelis | Equidade racial

58 Jean Jereissati

Ambev | Impacto positivo na sociedade

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60 Adriana Castro Ben & Jerry’s | Ativismo como princípio de atuação 62 Tânia Cosentino

Microsoft | Democratização da Inteligência artificial

64 Cristina Palmaka

SAP | Valorização da vida

66 Paula Paschoal PayPal | Empoderamento feminino 68 Claudia Abreu

Mundo Verde | Saúde, bem-estar e qualidade de vida

70 Carlos Takahashi

BlackRock Brasil | Empresas com propósito além do lucro

72 Luciana Antonini

EB Capital | Negócios como soluções para gaps brasileiros

74 Leonel Andrade

Felicidade no trabalho

76 Eduardo Gouveia Simplicidade na vida 78 Sonia Favaretto

Pacto Global | ODS como causas para todos

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Do desabafo nas redes sociais ao ativismo pela equidade racial

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LINHA DO TEMPO

15 marcos do ativismo empresarial

72 76 89 1972

HONESTIDADE DESCONFORTÁVEL

Alpinista renomado, surfista e ecologista, Yvon Chouinard cria a Patagonia, empresa norte-americana especializada em roupas esportivas. Em uma de suas primeiras ações, ele teve a ideia de estimular o consumo consciente de suas peças usando uma polêmica etiqueta com a seguinte frase: “Você realmente precisa disto?”

1976

A CULTURA HIPPIE E O LUCRO ÉTICO

A inglesa Anita Roddick funda, no Reino Unido, a sua The Body Shop, especializada em cosméticos. Ativista de direitos humanos, ela rapidamente se destaca pregando ideias como as de “lucro ético”, contribuição para a “formação do espírito humano” e atuação com elevado “senso de comunidade”. Foi recebida como uma hippie excêntrica.

1989

SORVETE ENGAJADO

Fundada em 1978, em Burlington, Vermont, nos Estados Unidos, pelos amigos Ben Cohen e Jerry Greenfield, a Ben & Jerry’s já era suficientemente conhecida quando assumiu pela primeira vez uma bandeira de interesse público: contra o hormônio para crescimento bovino e seus impactos negativos na agricultura familiar. Daí por diante, empunhou bandeiras como o combate ao racismo e à homofobia, pela educação e os direitos civis, tornando-se um ícone de empresa engajada no mundo.

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00 06 98 2000

O GÊNIO INDIGNADO

Depois de deixar a presidência da Microsoft, Bill Gates e sua mulher, Melinda Gates, criam em Seattle, Washington, nos Estados Unidos, a Fundação que leva os seus nomes. Emblemático e genial executivo, Gates passa a se dedicar a causas humanitárias, como a distribuição de vacinas pelo mundo e a criação de um vaso sanitário inteligente que independe de rede de esgotos.

PELA AMAZÔNIA EM PÉ

Guilherme Leal, Pedro Passos e Luiz Seabra, fundadores da Natura, capitaneiam o lançamento da linha Ekos, projeto disruptivo no setor de cosméticos que assumia um compromisso de preservação dos ativos da biodiversidade da Amazônia. Com essa nova linha de produtos, a empresa passa a operar um novo modelo de negócio, mais sustentável, baseado em parcerias com as comunidades para realizar ações de impacto socioambiental na região.

2006

1998

FAZENDO A COISA CERTA

Fábio Barbosa assume a presidência do Banco Real. Dois anos depois, começa a empunhar uma bandeira pessoal pela construção de empresas mais éticas e mais sensíveis aos impactos ambientais e sociais. Em poucos anos, tornou-se um ícone global da defesa de negócios mais sustentáveis.

ALTERNATIVA B Após venderem uma rede de artigos esportivos nos Estados Unidos, Jay Coen Gilbert, Bart Houlahan e Andrew Kassoy, iniciaram o movimento que resultaria na criação do Sistema B – um selo que distingue empresas com impacto positivo, que cumprem metas sociais, ambientais e de transparência. MILITÂNCIA MAIS DO QUE CONVENIENTE Ex-candidato à presidência dos Estados Unidos, Al Gore cria uma palestra, escreve um livro e vira personagem de um filme, Uma Verdade Inconveniente, e se transforma no primeiro militante global a pedir uma ação imediata de empresas e governos para interromper os efeitos danosos das mudanças climáticas sobre o meio ambiente.

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LINHA DO TEMPO

09 15 2009

CONTRA O AQUECIMENTO GLOBAL Ao assumir a presidência global da Unilever, o holandês Paul Polman passa a ser um dos mais ativos porta-vozes mundiais da inserção da sustentabilidade nos negócios, incluindo, entre suas causas, a questão das mudanças climáticas. Em 2019, ao deixar o comando da empresa, juntou-se com outros dois líderes, Valerie Keller e Jeff Seabright, para criar uma organização denominada Imagine, cuja missão é erradicar a pobreza e a desigualdade e impedir as mudanças climáticas descontroladas.

2015

EM DEFESA DOS DIREITOS LGBTI+ Tim Cook, CEO da Apple, é o primeiro executivo a se opor a uma lei do Estado de Indiana que permite a comerciantes e prestadores de serviços se recusarem a atender clientes gays. Sob a tese da “liberdade religiosa”, a lei confere ao proprietário de um restaurante o direito de se negar a fornecer serviços a um casal gay, por exemplo, por se sentir ofendido em sua crença religiosa.

2011 LÍDERES QUE INSPIRAM LÍDERES Percebendo que algumas empresas avançavam mais rapidamente que outras nas questões de sustentabilidade no Brasil, o especialista Ricardo Voltolini começa a investigar os diferenciais das companhias mais céleres. Entre diversas variáveis identificadas, uma era comum a todas elas: a presença de um líder pessoalmente engajado em promover uma nova maneira de fazer negócios, com ética, transparência, respeito à diversidade e cuidado com o meio ambiente. Voltolini registrou as histórias desses executivos no livro Conversas com Líderes Sustentáveis e eles se engajaram na Plataforma Liderança com Valores, um movimento de storytelling no qual compartilham suas crenças e trajetórias e, por meio do registro e divulgação online desses conteúdos, contribuem com a formação de novos líderes com valores pelo país. Em oito anos, a Plataforma integrou mais de 160 CEOs e executivos de grandes empresas no Brasil e seus vídeos já foram vistos por mais de 5 milhões de pessoas. Mais informações em: liderancacomvalores.com.br/. 8 | IDEIA SUSTENTÁVEL

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17 2017

O BRANCO MAIS NEGRO Ex-CEO da Bayer no Brasil, Theo van der Loo transformou-se no mais importante defensor da inclusão de profissionais negros nas empresas ao fazer um desabafo em seu LinkedIn, denunciando o preconceito racial sofrido por um amigo em situação de entrevista de emprego. A postagem alcançou milhões de pessoas em todo o mundo. Theo tornou-se um ativista respeitado dessa causa.

2018

DESAFIANDO TRUMP Executivo negro, Kenneth Frazier, CEO da Merck, impôs uma primeira derrota política a Donald Trump ao ser o primeiro a deixar o conselho de líderes empresariais do novo presidente norte-americano. Ele tomou essa decisão porque Trump não se manifestou contrariamente às manifestações neonazistas ocorridas em Charlottesville, no estado da Virgínia.

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NEGÓCIOS COM PROPÓSITO Larry Fink, CEO da BlackRock, maior investidora do mundo (US$ 6,5 trilhões em carteira), escreve primeira carta aberta aos clientes e sociedade pregando a importância de que os negócios incorporem questões sociais, ambientais e de governança e tenham um propósito para além do lucro.

19 2019

NOVAS REGRAS PARA O CAPITALISMO Organização que reúne os CEOs de 181 das principais corporações dos Estados Unidos, a Business Roundtable publica, desde 1978, declarações sobre governança corporativa, nas quais defende a geração de valor para o acionista como a responsabilidade social e a missão de uma empresa. Mas, em agosto de 2019, tudo mudou, com a divulgação do novo propósito desse grupo, cujas organizações integrantes somam juntas mais de 15 milhões de funcionários e faturamento anual de US$ 7 trilhões. A partir de agora, a missão de uma empresa consiste em: entregar serviços ou produtos de valor aos clientes, investir na formação dos funcionários e recompensá-los de maneira justa, estabelecer relações éticas e transparentes com fornecedores, desenvolver comunidades do entorno e gerar resultados de longo prazo para acionistas.

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EM FOCO Por Ricardo Voltolini

Em tempo de CEOs ativistas, desafios socioambientais representam causas Um panorama das histórias de líderes e empresas cujos “valores não estão à venda”

O

que pode haver de comum entre uma empresa de artigos esportivos, outra que produz cosméticos e uma terceira dedicada a fabricar sorvetes? Além de serem empresas nascidas nos anos 70, influenciadas por ideias hippies como paz, liberdade e amor ao meio ambiente, Patagonia, The Body Shop e Ben & Jerry’s devem parte importante de sua reputação atual ao ativismo pioneiro de seus fundadores. E ainda hoje, graças às suas singulares histórias, estão entre as marcas mais engajadas do mundo, o que lhes confere uma aura cool crescentemente valorizada pelos millennials. Ativismo, segundo o Dicionário Aurélio, significa a transformação da realidade por meio de ação prática. Ativistas são, portanto, militantes de determinadas causas que preferem ajudar a resolver problemas a reclamar de seus efeitos. Existem aos montes na sociedade civil. Mas ainda

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são espécimes raros no árido habitat empresarial, exatamente porque não se enquadraram na lógica pragmática de que negócios não devem se misturar com as opiniões e convicções pessoais dos seus idealizadores. Yvon Chouinard, Anita Roddick e a dupla de amigos Ben Cohen e Jerry Greenfield, criadores respectivamente de Patagonia, The Body Shop e Ben & Jerry’s, sempre foram tratados como outsiders. Desafiando o ceticismo de agentes do mercado (porque ganharam dinheiro defendendo causas) e também os manuais de administração (porque, sabiamente, nunca os levaram completamente a sério), eles fizeram dos seus negócios empresas bem-sucedidas e, ao mesmo tempo, um canal de expressão de seus ideais. Quase sempre sob a desconfiança dos pares. Pois, então, vejamos. Imagine o que pensaram os agentes de mercado em 1972, quando Chouinard, alpinista renomado, surfista e ecologista, teve a ideia de colocar nas roupas uma etiqueta com a

seguinte pergunta aos clientes: “Você realmente precisa disto?” Que ele deveria, claro, esquecer os negócios e se dedicar a pegar ondas no Havaí ou subir montanhas no Parque de Yosemite. Afinal, só mesmo um maluco botaria em dúvida o consumo de seu produto em vez de estimulá-lo. Hoje, o consumo consciente é uma ideia relativamente bem aceita. Mais plausível, certamente, do que nos anos 1970. Nem por isso encontramos etiquetas com tal nível de honestidade nas lojas de roupas. Diverte-me imaginar, com a distância do tempo, a reação contrariada do último fornecedor de marketing da empresa a deixar a sala de Chouinard, prenunciando que tal arroubo de transparência levaria a empresa à ruína. Anita Roddick enfrentou igual descrença. Quando fundou a sua The Body Shop, na Inglaterra, em 1976, pregando ideias como as de que uma empresa deveria almejar o “lucro ético” (sem prejuízo de pessoas e meio ambiente), contri-


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EM FOCO

ISTA LÍDER ATIVSCIENTE <<<

O CON >>> CONSUM

YVON CHOUINARD

Yvon Chouinard é fundador e proprietário da Patagonia, marca de roupas esportivas que, além de faturar mais de US$ 750 milhões ao ano, é reconhecida como uma das empresas mais éticas do mundo, especialmente pela preocupação com as questões ambientais. Ele aliou o empreendedorismo com diversão, boas ações e ativismo ambiental. Quando criança, Yvon se mudou com seu pai, um ferreiro franco-canadense, para o Sul dos Estados Unidos, com pouco dinheiro e quase sem nenhum domínio da língua inglesa. Empreendedor, o jovem usou as ferramentas do pai para criar, no final da década de 1950, equipamentos de escalada que mudaram para sempre o esporte. Sua criação serviu como base para as piquetas de gelo modernas. A vida ao ar livre o fez criar uma relação de amor com o meio ambiente. Em 2001, ajudou a fundar a 1% For The Planet, uma aliança empresarial que incentiva as companhias associadas a doar ao menos 1% de suas vendas para organizações comprometidas com a preservação da natureza. Atualmente, Yvon Chouinard contribui com ativistas de todo o mundo pela causa ambiental. Além disso, faz parte de diversas organizações ambientalistas e dedica grande parte de seu tempo para o contato com o meio ambiente.

buir para a “formação do espírito humano” e atuar com elevado “senso de comunidade”, houve quem a considerasse apenas uma figura “excêntrica”, diletante, com espírito de ONG, mais preocupada com questões socioambientais do que com os balanços financeiros. Hoje, a empresa, que já foi L’Oréal, integra o grupo da Natura em completa simbiose de DNA. Com ideais semelhantes, ambas se beneficiam da defesa de causas, pertencem a um 12 | IDEIA SUSTENTÁVEL

seleto time de empresas que soube tirar proveito da terceira onda de marca, a de natureza ética (a primeira e a segunda foram, respectivamente, a racional e a emocional). O sorvete da Ben & Jerry’s já era suficientemente conhecido e apreciado nos Estados Unidos, quando, em 1989, graças ao espírito ativista dos dois colegas de infância fundadores, a empresa assumiu pela primeira vez uma bandeira de interesse público: contra o hormônio para crescimento

bovino e seus impactos negativos na agricultura familiar. Daí por diante, não parou mais de usar a marca, os seus pontos de venda e, claro, o seu poder de influência a serviço de causas como o combate ao racismo e à homofobia e em defesa da educação e dos direitos civis. Cohen e Greenfield, personagens pouco afeitos ao business as usual, mantiveram-se firmes em seu propósito de filantropia e ativismo mesmo após a venda da companhia para a Unilever no ano 2000.

TEMAS CONSENSUAIS, DIVISÓRIOS E CONTROVERSOS Observando à distância, 30 a 40 anos depois, mas com as referências atuais, parece difícil compreender as barreiras enfrentadas pelos pioneiros do ativismo empresarial. Afinal, questões como consumo consciente, senso de comunidade e defesa de causas como inclusão étnica, liberdade de orientação sexual e respeito a direitos humanos tornaram-se pauta comum de muitas empresas. O fato é que, por entenderem suas empresas como extensão de suas vidas, os líderes precursores fizeram intuitivamente o que hoje muitas empresas fazem como estratégia de fortalecimento de reputação e adição de valor socioambiental à marca e para atender, de alguma forma, à pressão de colaboradores, comunidades, clientes e investidores. Ainda assim, cabe uma pergunta provocativa: quantas empresas estão, de fato, usando o seu enorme poder de influência e também a sua estrutura de recursos e pontos de venda para mobilizar os seus públicos em torno


de causas relevantes, para além das campanhas de comunicação pontuais? Melhor e mais específico: quantos líderes empresariais conseguem ser reconhecidos pela defesa de ideias relevantes para a sociedade? Poucas e poucos, certamente. Apenas para efeito didático, classifico os temas atuais do universo ativista corporativo em três níveis: (1) os consensuais, de fácil aceitação pública, porque não geram nenhum tipo de dissensão; (2) os divisórios, que implicam uma re-

partição mais ou menos equilibrada de opiniões; e (3) os controversos, cuja tomada de posição exige maturidade, coragem e, sobretudo, uma convicção muito profunda da causa. Tratemos dos primeiros. Ninguém mentalmente são poderá ser contra, por exemplo, líderes empresariais que empunham bandeiras para grandes desafios sociais ou ambientais globais, como a melhoria da educação pública com a inteligência artificial, o uso de tecnologias a favor do bem-

ISTA LÍDER ATIV O IC <<< >>> LUCRO ÉT

ANITA RODDICK

Anita Lucia Roddick foi uma empresária britânica e conhecida ativista tanto de direitos humanos quanto ambiental. Em 1976, Anitta fundou a The Body Shop, loja de produtos de beleza, produzidos com materiais naturais e fornecidos em recipientes recarregáveis. A The Body Shop foi a primeira empresa a proibir o uso de produtos testados em animais e uma das primeiras a promover uma negociação justa com países em desenvolvimento. Seu objetivo era oferecer produtos de qualidade e éticos, além de gerar renda para ela e suas filhas enquanto o marido estava no exterior. Seis meses depois, abriu a segunda loja e, em uma década, a The Body Shop já contava com 700 filiais. Apesar de ser vista, no início, como uma inimiga do progresso econômico e sua empresa tratada como um experimento de ativismo político radical, Anita Roddick é, hoje, uma grande inspiração para líderes do mundo todo. Enquanto seu discurso de lucro ético parecia bastante utópico décadas atrás, é agora uma meta a ser alcançada. Para ela, os negócios eram uma força poderosa na sociedade, até mais que religião e governo, e, por isso, deveriam oferecer uma nova forma de liderança, mais moral e ética, que melhorasse o mundo.

-estar e saúde das pessoas, o combate à fome e má nutrição, a produção de orgânicos em escala ou mesmo a valorização do voto consciente – temas defendidos, respectivamente, por CEOs como Tânia Cosentino (Microsoft), Cristina Palmaka (SAP), Andreia Dutra (Sodexo), Pedro Paulo Diniz (Fazenda da Toca) e Jefferson de Paula (ArcelorMittal). Do mesmo modo, pouca gente se opôs ou se opõe a ideias ligadas à agenda de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas, como erradicação da fome, acesso à agua e saneamento, energia limpa, cidades mais inteligentes, preservação das florestas e da vida nos oceanos. Cada vez mais gente têm aderido à ação quase evangelizadora de líderes como Paul Polman (ex-Unilever) e Larry Fink (BlackRock), na defesa de causas como as de mudanças climáticas e empresas com propósito social. A aura simpática desse tipo de causa explica por que os seus militantes costumam ser queridos não só por colaboradores, mas por fornecedores, clientes, comunidades, investidores e também pelos pares de mercado. A despeito da forma mais ou menos veemente e aguerrida com que são conduzidas, essas bandeiras promovem benefícios tão indiscutíveis que raramente sofrem críticas, mais raro ainda se defrontam com algum grupo de oposição. Eventualmente, são objeto de crítica pontual nas redes sociais dirigidas muito mais por pessoas que, de algum modo, identificam algum ponto de incoerência – real ou imaginário – entre discurso e prática, não gostam dos líderes ou simplesmente

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EM FOCO

tiveram alguma experiência ruim, no passado, com a empresa. Os temas relacionados, por exemplo, com a diversidade em todas as suas formas (etnia, gênero, idade e orientação sexual) já não sofrem a implacável resistência de outros tempos. Isso não quer dizer, no entanto, que agradem todas as pessoas nem que os seus problemas já tenham sido superados. Muito pelo contrário. Estão na pauta dos temas divisórios, de natureza moral, que entusiasmam indivíduos mais progressistas, mas ainda irritam um público mais conservador, contrário ao casamento gay, ao banheiro sem indicação de gênero, às cotas para mulheres, negros e pessoas com deficiência e defensores de conceitos supostamente “justos”, como o da meritocracia.

Cada vez mais aceitos na sociedade, por conta da pressão dos millennials, esses temas vêm sendo objeto recorrente da pregação de líderes e CEOs ativistas que querem deixar um legado pessoal distintivo. Theo van der Loo (ex-Bayer), Tadeu Nardocci (Novelis) e Candido Bracher (Itaú Unibanco) são três bons exemplos de CEOs antirracistas, homens brancos identificados com a luta pela equidade racial nas companhias. Paula Paschoal (PayPal), Lídia Abdalla (Grupo Sabin Medicina Diagnóstica), Maren Lau (Facebook) e Luiza Trajano (Magazine Luiza) dividem o pelotão de frente de um batalhão cada vez maior de mulheres em defesa da promoção da mulher dentro e fora das empresas. Paulo Correa (C&A), Henrique Braun (Coca-Cola Brasil) e Adriana

DER LOO THEO VAN YER <<< >>> EX BA

OCCI TADEU NARD S <<< >>> NOVELI

ACHER CANDIDO BRANCO <<< IB >>> ITAÚ UN

HOAL PAULA PASC <<< >>> PAYPAL

LLA LÍDIA ABDA<<< >>> SABIN

MAREN LAU <<< OK >>> FACEBO

EA PAULO CORR< >>> C&A <<

BRAUN HENRIQUE BRASIL <<< LA >>>COCA CO

STRO ADRIANA CA RRY’S <<< >>> BEN & JE

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Castro (Ben & Jerry’s) são alguns dos porta-vozes conhecidos da questão de LGBTI+ em suas empresas. Assumir uma bandeira ligada à diversidade agrega valor à empresa e à sua liderança? Esta é uma pergunta em busca de respostas científicas. A julgar pelo grande número de líderes envolvidos atualmente com as questões de gênero, etnia e orientação sexual, a resposta empírica parece ser sim. Mas transformar temas, ainda que cada vez mais valorizados pela sociedade, em causas não é exatamente uma atitude sem risco num mundo marcado por patrulhamento ideológico, ódio à diferença de opinião e extremismo de pontos de vista manifestado nas redes sociais. Especialmente quando as causas se tornam mote de comunicação das empresas com o grande público.

ANO LUIZA TRAJLUIZA <<< E >>> MAGAZIN


Estudo de 2018 da MindMiners, empresa especializada em pesquisa digital, denominado Publicidade e Propaganda na Visão dos Consumidores, revela que 64% dos consumidores brasileiros já identificaram o maior interesse das empresas por colocar diversidade em sua propaganda. No entanto, mais da metade dos entrevistados (55%) considera esse interesse “oportunista”, resultado de um discurso elaborado para as companhias parecerem mais diversas do que são de fato. Há, portanto, desafios nada triviais na direção de selecionar causas mais afinadas com os valores das empresas, de integrá-las à cultura das organizações e, por tabela, estabelecer narrativas mais autênticas.

O QUE GANHAM E PERDEM CEOS PELA DEFESA DE CAUSAS SÓCIO-POLÍTICAS Crescentemente mais valorizada nos Estados Unidos, em tempos histéricos de Trump, a prática do ativismo de causas sociopolíticas está mudando a forma como a sociedade enxerga líderes empresariais no país. Estudo de 2017 da empresa de relações públicas Global Strategy Group concluiu que 81% dos cidadãos norte-americanos querem mesmo empresas mais atuantes na solução de problemas da sociedade. CEOs de importantes corporações já entenderam o recado. E passaram do confortável silêncio dos bastidores para a linha de frente do ativismo, sofrendo na pele, inclusive, as consequências de suas posições. Em fevereiro de 2018, o CEO da Delta Airlines, Edward Bastian, in-

IVISTAS LÍDERERSE JUASTTIÇA CLIMÁTICA <<< O >>> PAZ, AM

BEN&JERRY’S

Ben Cohen e Jerry Greenfield foram amigos de infância em Nova Iorque e se tornaram hippies juntos. Em 1977, iniciaram um curso à distância de produção de sorvetes e, em 1978, fundaram a Ben & Jerry’s, sorveteria que viria a se tornar uma marca reconhecida no mundo inteiro. Um ano após a inauguração, a Ben & Jerry’s lançou a campanha Free Cone Day, um dia em que distribuíam sorvetes gratuitamente. A campanha existe até hoje. A marca Ben & Jerry’s possui um longo histórico de apoio a causas sociais e ambientais. Entre as bandeiras defendidas, estão a educação, direitos civis, diversidade, combate ao racismo e homofobia, entre outras. Em 2015, após episódios de violência policial contra negros nos Estados Unidos, a Ben & Jerry’s passou a apoiar o Black Lives Matter, movimento ativista internacional contra a violência direcionada a pessoas negras, e lançou uma campanha em que se dizia que a vidas negras importam. Já no Brasil, em 2017, a marca doou o dinheiro arrecadado com a venda de um de seus sorvetes à Casa 1, entidade que apoia pessoas LGBTI+ expulsas de casa. Em 2016, também nos Estados Unidos, a Ben & Jerry’s lançou uma campanha de conscientização política dos eleitores americanos, e os próprios fundadores chegaram a ser presos em um protesto a favor dos direitos civis e contra o financiamento privado de campanha. terrompeu uma política de descontos para integrantes da National Rifle Association (uma organização de advocacy dos interesses de fabricantes de armas nos Estados Unidos) após a chacina que abateu a tiros 17 alunos e professores de uma escola da Flórida. A atitude teve represália imediata: parlamentares do estado abandonaram um projeto de Lei para isenção fiscal de combustível de aviões. Bastian re-

agiu com uma frase que, a meu ver, sintetiza com rara felicidade a força da convicção dos ativistas empresariais: “Nossos valores não estão à venda.” Outro caso bastante rumoroso nos Estados Unidos envolveu o CEO da Merck, Kenneth Frazier. Executivo negro, conhecido pela firmeza de suas posições, ele foi o primeiro a deixar, em agosto de 2017, o conselho consultivo de líderes empresariais do

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EM FOCO

governo de Donald Trump. Sua decisão representou uma resposta pessoal ao fato de o presidente não ter se manifestado contrariamente – e de forma veemente – às manifestações neonazistas de 2017, em Charlottesville, no estado da Virgínia. A atitude, vista como corajosa e aplaudida por muitos americanos, influenciou outros CEOs a também baterem em retirada. O conselho acabou por falta de quórum e Trump teve que amargar uma dolorosa derrota política no início de seu mandato.

A contraofensiva não tardou a ocorrer. Um irritado Trump recorreu ao Twitter para detonar Frazier, acusando-o de mau americano, alguém que exporta empregos para outros países e pratica preços extorsivos na venda de medicamentos. “Como CEO da Merck e por uma questão pessoal, sinto-me impelido a adotar uma posição contra a intolerância e o extremismo”, publicou Frazier em seu Twitter. A Frazier juntaram-se importantes CEOs. Dan Schulman, do PayPal, cancelou a abertura de um centro de

ISTA LÍDER AUMTAIV < NITÁRIAS <<

H >>> CAUSAS

BILL GATES

O cofundador da Microsoft, maior e mais conhecida empresa de software do mundo, é reconhecido como a pessoa mais rica do planeta. Além de empresário, investidor e magnata, Bill Gates é um grande filantropo. No ano 2000, junto de sua esposa Melinda, Bill Gates criou a Fundação Bill e Melinda Gates. A organização filantrópica tem como objetivo incentivar e promover pesquisas e estudos sobre AIDS e outras doenças que atingem, principalmente, os países em desenvolvimento. Além da questão da saúde, a Fundação Bill e Melinda Gates também se preocupa com o desenvolvimento de novos tipos de energias limpas e sustentáveis. Desde a criação da Bill e Melinda Gates, seu fundador, Bill Gates, já doou aproximadamente US$ 30 bilhões para a caridade. Por sua atuação como filantropos, Bill Gates e sua esposa já foram reconhecidos como Pessoas do Ano pela revista Time, que também incluiu Gates algumas vezes como uma das 100 pessoas mais importantes do século. Distante do comando da Microsoft desde 2006, Bill Gates atualmente se dedica a diversos projetos pelo mundo, nos quais investe parte de sua fortuna. 16 | IDEIA SUSTENTÁVEL

operações em Charlottesville, com cerca de 400 empregos previstos. Outros presidentes de empresa seguiram a mesma trilha, contra o racismo, encorpando um movimento que, contabilizado o prejuízo global, resultou em evasão de US$ 3,7 bilhões de investimentos na região. Não se trata, apenas, de ativismo baseado em discurso. Sanções econômicas ampliam o poder de fogo de defesa de pleitos de líderes empresariais. Apesar de originalmente advindo do mundo das empresas, Trump tem estado em litígio permanente com os líderes mais ativistas, principalmente em questões polêmicas, como as de mudanças climáticas e imigração, desde que assumiu a presidência. Quando anunciou, em 2017, sua decisão de proibir o ingresso nos Estados Unidos de cidadãos imigrantes de sete países, em especial os muçulmanos, cerca de 100 CEOs de empresas de tecnologia, entre os quais Tim Cook (Apple), Mark Zuckerberg (Facebook) e Bill Gates (fundador da Microsoft), abriram fogo contra a posição xenofóbica do principal mandatário do país, sem qualquer receio de represálias. No Brasil, o ativismo de natureza sociopolítica ainda não pegou. Talvez com receio de sofrer retaliações de governos, criando embaraços adicionais e desnecessários aos negócios que aqui já operam em situação adversa, ou preocupados em poupar suas empresas do julgamento emocional da opinião pública, os CEOs brasileiros parecem querer distância dos temas controversos. No caso mais recente das queimadas na Amazônia, que gerou uma gritaria global, poucos


ISTA LÍDER ATIV <<< O PR PÓSITO

OS COM >>> NEGÓCI

PAUL POLMAN

Paul Polman esteve à frente da Unilever por quase uma década e sua liderança foi reconhecida pelo protagonismo socioambiental. Sua missão pessoal na companhia era conduzi-la a ser uma força efetiva para o bem. Antes de assumir como CEO da Unilever, Paul Polman passou por outras grandes empresas, como Proctor & Gamble e Nestlé, sempre orientado pelo objetivo de melhorar o mundo por meio das corporações. “Eu queria ser padre, depois médico, mas acabei nos negócios e aprendi que, aqui, posso ajudar muito mais pessoas a melhorar de vida”, afirmou em uma entrevista de 2017 ao jornal holandês Het Financieele Dagblad. Recentemente, após deixar a liderança da Unilever, Paul Polman fundou uma nova corporação, a Imagine, consultoria que ajuda empresas a combater desigualdades e mudanças climáticas. Polman investiu uma grande quantia – não especificada – de seu próprio fundo nesse projeto. Seu objetivo com a Imagine é alcançar, com um senso coletivo de urgência, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos pela ONU.

líderes empresariais tomaram a atitude de se manifestar a respeito, preferindo reagir a entrevistas pontuais ou mesmo a assinar discretas moções de apoio. Não se veem muitos líderes brasileiros tratando abertamente de questões como o desmatamento da Amazônia, uso de armas, imigração, ameaças ao estado laico, corrupção endêmica e agressões aos direitos das populações indígenas. O que hoje é visto como risco pode ser, a rigor, uma oportunidade num país como o Brasil, em que, segundo estudo da Edelman (2016), organização de rela-

ções públicas, 65% dos cidadãos (no mundo são 63%) não conseguem se lembrar de nenhum CEO de empresa. O silêncio ajuda ou atrapalha? Melhor: o ativismo gera bons resultados para o líder ou sua empresa? O ativismo constitui um campo de conhecimento novo no mundo empresarial. São escassos, portanto, os estudos correlatos. Aaron Chatterji, professor da Duke University, e Michael Toefl, da Harvard Business School, dedicam-se ao assunto há cinco anos. Em 2017, realizaram uma sondagem para avaliar a influência do

ativismo sobre o comportamento dos consumidores nos Estados Unidos. Uma síntese do resultado foi publicada na revista de Harvard, em fevereiro de 2019, em matéria intitulada Os CEOs de melhor desempenho no mundo em 2017, de Daniel McGinn. Com o apoio de uma empresa de pesquisa, perguntaram a um grupo de consumidores norte-americanos sobre a intenção de comprar produtos da Apple em futuro próximo. Para alguns, os pesquisadores apresentaram uma declaração de Tim Cook, CEO da empresa, de que a lei de liberdade religiosa de Indiana cometia discriminação contra pessoas LGBTI+. Para outros, mostraram uma opinião genérica sobre o pensamento de gestão de Cook. Para um terceiro grupo, apenas indagaram a respeito de sua intenção de compra. No total, 2.176 pessoas responderam à enquete. E a conclusão foi a seguinte: o grupo de informados sobre o ativismo do CEO da Apple demonstrou vontade muito maior de comprar produtos da empresa. Conhecer a opinião de Cook aumentou o interesse de compra por parte dos apoiadores do casamento entre pessoas de mesmo sexo sem destruir a intenção dos que são contra. Esse resultado, na avaliação dos pesquisadores, revela que o ativismo pode impactar positivamente a reputação do líder e da empresa ainda que a posição manifestada tenha opositores. Há, no entanto, controvérsias. Pesquisa da empresa de relações públicas Weber Shandwick indica um quadro ligeiramente diverso. Segundo ela, 40% admitem maior propensão a comprar de empresas desde que

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EM FOCO

ISTA LÍDER ATIV <<< FEMININO RAMENTO >>> EMPODE

SHERYL SANDBERG

Empresária americana que hoje é a COO do Facebook, Sheryl Sandberg já foi eleita como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, pela revista Time, e como a 10ª mulher mais poderosa, pela Forbes. Contudo, ela também é reconhecida pela bandeira que defende: a liderança e o empoderamento feminino. Sandberg escreveu o livro “Faça Acontecer”, que logo se tornou um ícone do movimento pela liderança feminina. Na obra, ela apresenta, além de diversos dados do universo corporativo, situações de sua própria carreira que ilustram temas como representatividade feminina, equidade de gênero e liderança. Para ela, contratar, orientar e promover as mulheres dentro das empresas é a única solução para o assédio sexual que ocorre no ambiente de trabalho, pois ele está associado ao abuso de poder. Além de seu ativismo pelo empoderamento feminino, Sheryl Sandberg assumiu um compromisso filantrópico com o Giving Pledge, um movimento em que as pessoas e famílias mais ricas do mundo se comprometem a doarem parte de sua riqueza.

concordem com a posição do CEO. Entre os que discordam, 45% se dizem menos propensos a comprar. Para pesquisadores da Universidade de Bath e do Imperial College, da Inglaterra, e da Audencia Business School, da França, o ativismo do CEO atrai talentos para a empresa. Em 2019, eles ouviram mil candidatos a empregos. E chegaram a uma conclusão interessante, que reforça os achados de Chatterji, da Duke University, e Toefl, da Harvard Business School: independentemente de perfil e di18 | IDEIA SUSTENTÁVEL

vergência de opiniões, os candidatos se mostraram 20% mais dispostos a trabalhar numa empresa liderada por um CEO ativista, que defende ideias como as de casamento gay ou apoio a imigrantes. Chamou a atenção de um dos pesquisadores, Andrew Crane, professor da Universidade de Bath, justamente o fato de que os interessados apreciam a atitude ativista, a despeito de, eventualmente, discordarem da opinião do líder. Outros números comprovam os benefícios do ativismo corporativo. E,

por oposição, os prejuízos causados pela não militância. Levantamento feito em 2018 pela Edelman mostra que os consumidores querem comprar de marcas defensoras de causas ligadas à diversidade e sustentabilidade. E mais: esperam que os CEOs empunhem essas bandeiras e influenciem transformações positivas na sociedade, sem esperar sentado pelas ações de governo. Após ouvirem 33 mil pessoas (1.150 brasileiros) em 28 países, os pesquisadores da Edelman concluíram que 56% dos entrevistados não respeitam CEOs que não se manifestam em assuntos relevantes para o país. No Brasil, 60% consideram muito importante que presidentes de empresa liderem movimentos de mudança, segundo aponta uma pesquisa feita em 2017 pela Weber Shandwick e pela KRC Research. De acordo com essa mesma sondagem, quase metade dos millennials em todo o mundo se mostra predisposta a comprar produtos e serviços de empresas lideradas por CEOs ativistas. Cerca de um terço dos integrantes da geração X e dos baby boomers apresentam a mesma intenção. Aclamado pelo The Wall Street Journal, em 2016, como principal CEO ativista do país, Marc Benioff, da Salesforce, alcançou tal reputação não só por defender aberta e corajosamente o direito dos gays, mas também por influenciar outros líderes a fazerem o mesmo. No Twitter, ele explicou as razões pelas quais decidiu ser um ativista corporativo. “O ativismo não é uma escolha da liderança, mas uma expectativa moderna. E em evolução. Os CEOs precisam perceber que os millennials estão entrando na empre-


ATIVISMO CORPORATIVO EM ALTA

O ativismo empresarial está em alta em setores, por exemplo, como o de tecnologia da informação. Estudo denominado CEO Activism in 2018: The Purposeful CEO, realizado por Weber Shandwick, em parceria com KRC Research, revelou números de aprovação da ideia de ativismo corporativo superiores aos das demais enquetes citadas neste artigo. Segundo a pesquisa, 82% dos profissionais de tecnologia querem ser liderados por CEOs ativistas e 81% admitem que todo presidente de empresa deveria ter uma posição clara a respeito de assuntos que interessam à sociedade. CEO Activism in 2018, um dos mais aprofundados estudos setoriais, traz ainda outros dados reveladores da ascensão do interesse pelo ativismo corporativo. De acordo com o estudo, 88% dos entrevistados de TI acreditam que o CEO tem a obrigação de se posicionar publicamente nas situações em que os valores de sua empresa sofrem algum tipo de ameaça ou violação. Cerca de 35% acham que atitudes como esta mostram “honestidade e alinhamento com os valores corporativos.” Impressionantes 79% dizem que seriam mais leais a empresas cujos CEOs se manifestassem em público sobre questões socialmente importantes. As mulheres se apresentam como mais simpáticas ao movimento: 80% seriam mais leais a líderes ativistas.

sa e esperando que o CEO represente (publicamente) os valores organizacionais.” Além dele, outra figura emblemática desse movimento nos Estados Unidos, Brian Moynihan, CEO do Bank of America, deu a seguinte declaração: “Nossos empregos agora incluem a condução do que achamos que é certo. Não é exatamente ativismo político, mas uma ação sobre questões além do negócio.”

RICARDO VOLTOLINI, CEO e founder da consultoria Ideia Sustentável IDEIA SUSTENTÁVEL |

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EM FOCO

OS OITO PASSOS PARA SER UM BOM LÍDER ATIVISTA São muitas as razões pelas quais parece interessante hoje para um CEO exercer o seu ativismo. Alguns o fazem por pura convicção cidadã, para impactar positivamente os seus públicos de interesse ou ainda para dar visibilidade pública aos valores das empresas que dirigem. Outros entendem que, por terem poder, não podem abrir mão da responsabilidade de participar das soluções de problemas que afetam a vida de seus colaboradores, clientes e comunidades, sob pena de serem julgados, mais tarde, por indiferença e omissão. Em comum, todos parecem querer ser percebidos – especialmente pelos engajados millennials – como protagonistas de companhias movidas por um propósito que excede o imediatismo pragmático do lucro pelo lucro. A CEOs ativistas, novos e velhos, cabe tomar o mesmo cuidado dos que, de modo geral, escolhem causas. Com base em minha experiência profissional no tema, recomendo um passo a passo básico.

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Selecione o tema de sua causa por convicção e não por conveniência. Convicção é o que vem de dentro para fora, representa um valor essencial para o líder e para a sua empresa, está na cultura organizacional, tem legitimidade, ajuda a construir reputação; conveniência é o que vem de fora para dentro. Pode resultar em ganhos pontuais de imagem, mas não se sustenta ao longo do tempo.

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Escolhido o tema, domine-o profundamente. Leia os autores/pensadores básicos. Estude os seus conceitos e os incorpore em seu discurso, associando-os a práticas pessoais e da empresa. Crie uma narrativa pessoal baseada em exemplos concretos. Atualize-se sempre. Aproxime-se de outros líderes que defendem a mesma causa. Aprenda com a experiência deles.

3

Ao escolher o tema, verifique a afinidade dele com os valores e expectativas do conjunto dos stakeholders da empresa. Um tema controverso que desagrade a todos ao mesmo tempo pode trazer dissabores e conflitos. Avalie se está preparado ou disposto a enfrentá-los. Qualquer que seja a sua abordagem, cuide

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para que ela atinja a todos, de forma equânime, fortalecendo o ânimo dos que são favoráveis e educando/engajando os que são contrários.

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Selecionada a causa, qualquer que seja ela, avalie todos os riscos de defendê-la e esteja pronto para responder às eventuais objeções.

Ao se manifestar publicamente sobre o tema, não volte atrás, muito menos recue do debate ou desapareça de cena após as primeiras críticas nas redes sociais. Esse tipo de atitude será visto como fraqueza e oportunismo. Vale lembrar o caso de uma empresa que, há alguns anos, apoiou uma exposição sobre cultura queer e, depois das primeiras manifestações críticas, decidiu encerrar a mostra antes do tempo previsto. Desagradou, ao mesmo tempo, contrários e favoráveis.

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Seja você, líder, e a empresa que dirige exemplos de coerência de discurso e prática. Pratique o walk the talk. Faça a lição de casa todos os dias para se certificar de que todo mundo, ao seu lado, também a está fazendo. Os colaboradores podem ser os primeiros embaixadores da causa. Mas também duros advogados de acusação. Incoerências costumam destruir reputações.

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Pondere sobre os momentos certos de falar e de calar. Escolha os fóruns mais adequados. E, principalmente, não se envolva pessoalmente em longas discussões desimportantes. Prefira os palcos mais abalizados, nos quais esteja presente uma audiência capaz de entender e valorizar sua causa. Fale o estritamente necessário para se comunicar bem, com energia e autenticidade. Não alimente debates vazios de redes sociais.

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Avalie regularmente o impacto de sua participação no tema. Crie métricas próprias. Não se limite a critérios, como espaço na mídia. Mas procure analisar o quanto sua participação no debate tem trazido de retorno em termos de mais adesões, de colaboradores mais integrados, clientes mais entusiasmados, comunidades mais engajadas e investidores mais satisfeitos.


DIVERSIDADE, O TEMA QUE SE TORNOU A BANDEIRA DE MUITOS CEOS NO BRASIL Conceitos como diversidade e inclusão nas empresas já foram temas de um dos encontros da Plataforma Liderança com Valores. Na edição de 2018 do CEO com Propósito, líderes de grandes empresas se reuniram para falar sobre inovação em diversidade para além dos números apresentados em relatórios corporativos. Os CEOs presentes contaram sobre as ações que têm adotado nas empresas e suas experiências pessoais com o assunto. Candido Bracher, CEO do Itaú Unibanco, percebendo a baixa representatividade de negros empreendeu esforços nos processos seletivos e de mentoria para incluir e manter profissionais negros no banco. Além da diversidade e inclusão na estru-

tura interna da empresa, Tadeu Nardocci, CMO da Novelis, promove a diversidade em toda a cadeia de valor da companhia, principalmente a inclusão racial e de gênero. A empresa incluiu uma nota para diversidade no sistema de avaliação de fornecedores e iniciou um programa específico para o desenvolvimento da gestão nas cooperativas de reciclagem. E Paulo Correa, CEO da C&A, desde que entrou na companhia, entendeu que a moda, é uma forma de as pessoas se manifestarem e se expressarem como indivíduos. Neste caso, nada melhor para a companhia se conectar com seus consumidores do que promover a diversidade internamente.

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IDEIAS Por Thais Vido

As vozes transformadoras dos CEOs ativistas

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Um olhar sobre as causas que estão à espera de novos líderes para defendê-las

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ada vez mais é possível encontrar CEOs que expressam publicamente suas opiniões sobre questões-chave para o desenvolvimento da sociedade e que decidem mobilizar a proposição de soluções para problemas sociais e ambientais. Geralmente motivados por convicções pessoais e pelo desejo de criar um legado para as próximas gerações, muitos vêm abandonando a postura de neutralidade para assumir uma bandeira. Em síntese, um CEO ativista assume posições públicas e promove a mobilização de esforços para a resolução de problemas que afetam a sociedade. Para isso, ele usa sua voz, influência, rede de relacionamentos e poder econômico. É diferente do líder tradicional, que evita confrontos e raramente usa sua influência para enfrentar desafios sociais e ambientais que extrapolam os limites da empresa. As causas defendidas são as mais variadas: educação de qualidade, voto consciente, mudanças climáticas, combate à corrupção, erradicação do trabalho infantil, conservação de espécies, privacidade de dados, entre tantas outras.

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IDEIAS

Para gerar conscientização sobre as questões que defende, o líder pode, por exemplo, usar declarações públicas em meios de comunicação oficiais da empresa, redes sociais pessoais, coletivas de imprensa e eventos de sensibilização. Outro mecanismo comum é o de estabelecer parcerias com outros líderes engajados, por meio de acordos empresariais, cartas abertas e compromissos voluntários. Em paralelo, é possível exercer poder econômico determinando que a empresa somente faça negócios e investimen-

tos que atendam a certos critérios sociais e ambientais alinhados às causas que defende.

QUAIS CAUSAS DEVEM PAUTAR O ATIVISMO NOS PRÓXIMOS ANOS? Para apresentar aos leitores um panorama dos grandes desafios do mundo atual, cruzamos duas fontes de informação: o relatório Causas para Observar em 2019, elaborado pela agência Cause, e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU.

O documento da Cause revelou 37 grandes tendências para este ano, organizadas em cinco blocos temáticos – Manifestações Culturais, Grupos Identitários, Meio Ambiente, Saúde e Tecnologia – e dois recortes geográficos, nacional e global. Já os ODS representam uma agenda global desenvolvida pela ONU para promoção do desenvolvimento sustentável, que abrange 17 objetivos desdobrados em 167 metas para 2030. Veja a seguir como causas da atualidade estão relacionadas com objetivos de médio e longo prazo da sociedade:

CAUSAS PARA OBSERVAR EM 2019 (FONTE: CAUSE)

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (ODS) DA ONU PARA 2030

Nutrição

OBJETIVO 2 Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável

Imunização infantil Maconha para uso medicinal Bioética

OBJETIVO 3 Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades

Prevenção da AIDS entre jovens Saúde mental Defesa dos mecanismos de incentivo Apoio à leitura Redução do feminicídio Combate ao assédio Reforma da previdência Multilateralismo

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OBJETIVO 4 Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos

OBJETIVO 5 Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas

OBJETIVO 8 Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos


Regulamentação da inteligência artificial Proteção de dados

OBJETIVO 9 Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

Acesso à internet Visibilidade Trans Ações afirmativas para combater o racismo Representatividade racial nas artes Crise migratória

OBJETIVO 10 Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

Redução da desigualdade Crise dos refugiados Prevenção de desastres socioambientais Valorização da cultura indígena Mobilidade autônoma

OBJETIVO 11 Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis

Saiba mais em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/ http://www.cause.net.br/causas-para-observar-em-2019/

Preservação de patrimônio histórico Combate às mudanças climáticas

OBJETIVO 13 Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos

Combate à poluição dos oceanos

OBJETIVO 14 Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável

Conservação das espécies Combate ao desmatamento

OBJETIVO 15 Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade

Liberdade de expressão artística Segurança pública Combate à corrupção Liberdade de imprensa

OBJETIVO 16 Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

Fortalecimento da democracia Combate às fake news

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IDEIAS

SERÁ QUE É SÓ DA BOCA PARA FORA? Quando um CEO se posiciona a respeito de um tema-chave para a sociedade ou de uma questão controversa, é natural que existam dúvidas sobre a legitimidade e a sinceridade do discurso. Será que ele está mesmo envolvido com o tema? Ou seria somente uma jogada de marketing? Antes de tudo, é preciso lembrar que, em um mundo ideal, um líder não se torna ativista da noite para 26 | IDEIA SUSTENTÁVEL

o dia. Ele precisa estar bem informado, sensível e atento às pessoas e situações que o cercam. O diálogo com diferentes grupos sociais e a escuta de pontos de vista distintos contribuem para o exercício da empatia. Sem isso, será difícil despertar genuinamente para uma causa. Vale destacar também que, na prática, o ativismo só convence quando há coerência entre o que o líder diz e o que ele pratica no dia a dia. Pouco adianta declarar que defende o meio ambiente

sem promover uma adequada gestão de riscos ambientais, ou dizer que apoia a igualdade de gênero sem estabelecer políticas claras de equidade salarial para homens e mulheres. Sem resultados, o discurso ativista se esvazia. O problema não está em considerar o ativismo nas estratégias e mensagens de relações públicas e marketing. O erro é quando as comunicações se descolam da realidade, apenas com o intuito de gerar boa reputação e engajamento.


OS LÍDERES DE HOJE O Brasil conta hoje com a contribuição valorosa de grandes líderes corporativos para enfrentar desafios sociais e ambientais da sociedade. Conheça a seguir alguns exemplos de CEOs que estão transformando o país e, além disso, cooperando para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

AGRICULTURA SUSTENTÁVEL ODS relacionado: 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável CEO de destaque: Pedro Paulo Diniz O ex-piloto de F1, sócio do restaurante Maní e filho do empresário Abílio Diniz transformou uma propriedade de 2.300 hectares de área, em Itirapina (SP), em uma incubadora de agricultura sustentável que tem sido referência no país e no mundo. A Fazenda da Toca – como é chamado o negócio – se tornou um núcleo de produção de orgânicos em larga escala, que fornece para grandes varejistas, como Pão de Açúcar e Carrefour, além de indústrias. Diniz tem demonstrado que o modelo agroflorestal é vantajoso em relação à agricultura tradicional, pois permite uma redução de até 75% dos custos totais e gera benefícios como comida de qualidade, acessível, produzida com menor consumo de água e sem agrotóxicos. A Fazenda da Toca foi a primeira certificada como Empresa B no mundo, ao se consolidar como negócio de impacto positivo.

IGUALDADE DE GÊNERO ODS relacionado: 5 – Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas CEO de destaque: Paula Paschoal Na posição de CEO do PayPal Brasil desde julho de 2017 e há nove anos na organização, a líder tem contribuído para que a divisão brasileira seja uma referência global da companhia em igualdade de gênero. Além de garantir que existam políticas e procedimentos efetivos de diversidade e inclusão, aplicáveis à seleção de candidatos e aos processos de desenvolvimento e promoção de colaboradores, Paula busca inspirar outras mulheres com seus depoimentos. Frequentemente, ela compartilha as transformações positivas que a maternidade gerou em sua vida pessoal e profissional, destacando que se tornou uma líder mais empática, paciente e colaborativa – soft skills muito valorizadas pelo mercado de trabalho. Hoje, 54% da liderança do PayPal Brasil é feminina.

EDUCAÇÃO DE QUALIDADE ODS relacionado: 4 – Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos CEO de destaque: Claudio Sassaki Filho de imigrantes japoneses, ele já alcançou altas posições no mundo corporativo, como a de vice-presidente do Credit Suisse nos Estados Unidos. Por reconhecer o papel que os estudos tiveram em sua trajetória e pelo desejo de criar um legado positivo de educação para a sociedade, fundou com o administrador Eduardo Bontempo a Geekie, uma plataforma de ensino que utiliza a tecnologia para personalizar e aprimorar o aprendizado. O sistema utiliza algoritmos capazes de identificar as dificuldades individuais de cada aluno, o que permite aos professores a criação de planos de estudo sob medida. Mais de 5 mil escolas – a maioria particular – e 12 milhões de estudantes foram alcançados pela empresa. Um dos objetivos de Sassaki é ampliar o uso pelo sistema público, transpondo barreiras burocráticas de licitações, que não costumam contemplar tecnologias para educação.

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IDEIAS

ECONOMIA INCLUSIVA

PRODUÇÃO E CADEIA DE FORNECIMENTO SUSTENTÁVEIS

ODS relacionado: 9 – Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

ODS relacionado: 9 – Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação

CEO de destaque: Bernardo Bonjean

CEO de destaque: Jorge Hoelzel Neto

Depois de uma carreira no mercado financeiro (BT Pactual e da XP Investimentos), o executivo tomou a decisão de fundar um negócio que pudesse contribuir para a uma economia mais inclusiva e um país menos desigual. Assim criou a Avante, fintech especializada em microcrédito, que atende apenas regiões periféricas e de baixo desenvolvimento social. O modelo de negócio está alinhado ao conceito de capitalismo consciente, que busca aliar lucro com bem-estar social, e é inspirado no Grameen Bank, criado pelo economista Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz. Nele, é possível conceder empréstimos para pessoas mais pobres sem as mesmas exigências dos bancos tradicionais, e com uma avaliação mais pessoal, feita por agentes que moram dentro das comunidades. Com alta taxa de aprovação de crédito (próxima a 70%) e baixa inadimplência, o negócio se mostra viável, enquanto contribui para o desenvolvimento de microempreendedores da base da pirâmide.

O herdeiro da Mercur, empresa fabricante de produtos de borracha com 95 anos de trajetória, vem liderando importantes transformações na organização desde 2007. Naquele ano, a empresa reviu sua estratégia de negócio, eliminando a linha de material escolar com personagens infantis e os produtos direcionados às indústrias tabagista, armamentista e de bebidas alcoólicas. Foram mantidos os produtos para as áreas de saúde e de educação. A ideia foi alinhar o portfólio da companhia ao propósito de gerar impacto positivo para as pessoas e o meio ambiente. Pouco tempo depois, em 2010, Neto decidiu implementar um projeto para a promoção do desenvolvimento do extrativismo sustentável na Amazônia, com a manutenção da floresta em pé e respeito ao modo de vida dos povos indígenas e ribeirinhos. Nesse contexto, passou, também, a negociar a compra de látex diretamente com as comunidades de seringueiros da região de Altamira (Pará), sem intermediários, considerando a disponibilidade de extração.

IGUALDADE RACIAL ODS relacionado: 10 – Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles CEO de destaque: Theo van der Loo Em 2017, o então CEO da Bayer fez um desabafo em seu perfil do LinkedIn, denunciando um caso de racismo em uma entrevista de emprego. Ele relatou o caso vivenciado por um colega, que ouviu de um recrutador que “não entrevistava negros”. Em sua postagem, o líder criticou o racismo ainda enraizado nas instituições e reforçou a importância da denúncia contra casos de discriminação. O que ele não imaginava é que essa publicação fosse viralizar e abrir um canal de diálogo sobre o tema na rede social. A repercussão desse caso, somada a ações consistentes para promoção de equidade racial na Bayer, transformou o líder em uma importante voz em defesa da inclusão social e racial por meio das relações de trabalho, além de outras agendas relacionadas à diversidade. Mesmo depois de deixar cargos executivos, Theo van der Loo continua abraçando essas causas e atuando como um facilitador dos temas, principalmente para outros altos executivos, contando sua experiência em eventos e comitês de grupos de afinidades em empresas. 28 | IDEIA SUSTENTÁVEL


UMA VOZ MAIS CONFIÁVEL EM MEIO ÀS FAKE NEWS Em um ambiente de crescente descrença nas instituições tradicionais, curiosamente, cresce a valorização da figura do dirigente empresarial. Este dado é apresentado no Edelman Trust Barometer 2019. Na 19ª edição da pesquisa, 77% dos brasileiros afirmaram confiar em seus empregadores, 65% demonstraram acreditar que os dirigentes das empresas são capazes de gerar mudanças positivas em várias áreas, como igualdade social e proteção ambiental, e 48% avaliam que os CEOs estejam mais próximos da verdade do que o governo e a mídia. Estas duas foram consideradas instituições “não confiáveis” por apresentarem níveis de confiança inferiores a 50% – de 28% e 41%, respectivamente. Sobre os líderes empresariais recai outra expectativa: 78% dos entrevistados disseram que uma companhia pode tomar atitudes que aumentem o lucro e, ao mesmo tempo, melhore as condições econômicas nas comunidades onde opera.

PREPARE-SE PARA TODO TIPO DE REAÇÃO Mesmo diante de pesquisas que apontam um ambiente favorável ao ativismo empresarial, os líderes devem estar preparados para gerenciar diferentes tipos de reações e consequências, especialmente após posicionamentos controversos, impopulares ou reconhecidamente antiéticos.

Dependendo de como um dirigente se comporta publicamente e do que comunica aos seus stakeholders, ele pode conquistar a simpatia e a identificação de pessoas alinhadas com seus valores ou a repulsa de quem reprova sua postura. Pode, portanto, provocar mais engajamento com a marca que representa ou ser alvo de protestos e até motivar boicotes. Para dar uma ideia de como funciona essa dinâmica, veja alguns exemplos. Em 2017, quando muitas empresas já se posicionavam contra Donald Trump, Kevin Plank, principal executivo da Under Armour, afirmou que o presidente norte-americano teria um valor importante para os Estados Unidos. Como consequência, atletas patrocinados pela marca criticaram a declaração e muitos consumidores se mobilizaram nas redes sociais com a campanha #boycottUnderArmour. Temendo que o apoio a Trump poderia representar alinhamento a posições discriminatórias do governante, a marca decidiu vir a público dizer que acredita no comércio justo e em uma política migratória inclusiva, além de afirmar que tem “colaboradores de diferentes religiões, raças, nacionalidades, gênero e orientações sexuais; diferentes idades, experiências e opiniões”. Um exemplo bastante negativo é o da Abercrombie & Fitch. O CEO da marca varejista de moda, Mike Jeffries, foi duramente criticado depois de revelar para os autores do livro The New Rules of Retail, Robin Lewis e Michael Dart, que a empresa não fabrica roupas nos tamanhos G e GG, a fim de evitar que pessoas gordas usem produtos da marca, pois quer que a

marca só seja usada por pessoas “bonitas” – o que para ele significa que sejam magras. As declarações geraram boicotes em diversos países e até protestos inusitados no Brasil, como a criação de um perfil na rede social Tumblr – o Abercrombie Popular – com a imagem de moradores de rua posando com roupas da marca. Nem sempre as reações negativas surgem após posicionamentos desrespeitosos como o de Mike Jeffries. Muitas vezes, apenas refletem preconceitos e medos existentes na sociedade, como ocorreu com a Starbucks em 2017. Depois que o então CEO da companhia, Howard Schultz, anunciou que a rede de cafeterias iria contratar 10 mil refugiados nos próximos cinco anos em todo o mundo, em resposta à política migratória de Donald Trump, houve uma onda de protestos nos Estados Unidos e em países europeus. Porém, na mesma época, dirigentes de outras grandes marcas – tais como Brian Chesky (Airbnb), Reed Hastings (Netflix), Travis Kalanick (Uber) e Sundar Pichai (Google) – decidiram se posicionar contra a xenofobia e anunciar medidas de apoio a refugiados e imigrantes.

THAIS VIDO Diretora e consultora organizacional da NEXO Comunicação e Sustentabilidade IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

Por negócios mais responsáveis A sustentabilidade como estratégia para direcionar diversas áreas nas empresas rumo a um objetivo comum

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omo uma profissional que iniciou sua carreira nas áreas Comercial e de Marketing, trabalhei durante muitos anos com foco no cliente e no atingimento de metas financeiras como forma de ajudar as companhias a crescerem e se consolidarem no mercado. Naquele momento, eu entendia que o valor econômico impulsionado pelo aumento das vendas já era um resultado para a sociedade – a geração de novos empregos, aumento da demanda para a cadeia de suprimentos, o crescimento da satisfação dos clientes. Eu não estava totalmente errada; afinal, eram impactos positivos reais que meu trabalho gerava, mas percebi que essa contribuição era apenas uma parcela do que poderia ser feito, pois ao mesmo tempo que esses impactos poderiam criar vínculos perenes e admiração dos clientes com a marca, esse tema era pouco comunicado. Nesse momento, além de solucionar a forma de atingir as metas de fidelização de clientes, também consegui conectar meus propósitos pessoais com a minha carreira, em que ações socioambientais poderiam permear todo o negó-

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cio, influenciar parceiros e alcançar os clientes, criando um ecossistema com alto potencial de maximizar resultados, não apenas para companhia, mas para os profissionais envolvidos e, sobretudo, para toda a sociedade. A partir dessa experiência, compreendi que meu papel como executiva seria impulsionar toda a organização para atuar de forma mais responsável, integrando as boas práticas de sustentabilidade aos processos de cada área, engajando a alta lideran-

cada área, a forma mais sustentável de fornecermos nossos produtos e serviços, pois além de sermos reconhecidos como líderes de mercado, com cerca de 100 milhões de clientes, queremos continuar ocupando essa posição com responsabilidade. Nesse sentido, implementamos uma estratégia de longo prazo, que se desdobra em diversos projetos que consolidam os valores a Vivo e a preparam para o futuro, inclusive com metas de sustentabilidade vinculadas

É hoje que construímos uma empresa mais sustentável e pronta para o futuro.” ça para tornar o tema cada vez mais relevante em suas agendas e mobilizar líderes e colaboradores para serem protagonistas de práticas mais sustentáveis em suas próprias atividades. Sob essa visão, quando assumi a área de Negócio Responsável da Vivo, uma das principais empresas responsáveis por concretizar a transformação digital do Brasil, também assumi o desafio de construir, com

à remuneração dos executivos. Como exemplo, em conjunto com a Vice-Presidência de Pessoas, trabalhamos para tornar a diversidade de pessoas, comportamentos e atitudes um diferencial da Vivo, criando o Programa Vivo Diversidade. Assim, conseguimos envolver a Alta Liderança de tal forma que, além de assumirmos os principais compromissos voluntários associados aos nossos quatro pilares (Gênero,


Raça, LGBT+ e PCDs), obtivemos o reconhecimento destas iniciativas por meio do Prêmio WEPs Brasil (Empoderamento das Mulheres) da ONU. Nossa atuação junto as áreas de Rede e Patrimônio permitiu que priorizássemos a redução dos impactos de nossas operações, e antecipamos o atingimento das metas globais para descarbonizar nossas operações. Como resultado, somos a primeira empresa do setor brasileira e segunda do Grupo Telefónica a ser 100% energia renovável, reduzindo mais da metade das nossas emissões de gases do efeito estufa. Toda a nossa frota já é carbono zero e estamos testando os primeiros carros elétricos. Também implementamos projetos que buscam a eliminação do uso de papel e de copos plásticos em prédios administrativos. Somos pioneiros em discutir temas emergentes relacionados à conectividade e digitalização. Temos o Dialogando, uma plataforma desen-

volvida no Brasil – em que convidamos as pessoas a refletirem sobre o melhor uso da tecnologia – que está presente em 12 países do Grupo Telefónica e já alcança mais de 5 milhões de acessos somente no Brasil; e contamos também com o Centro de Privacidade, com o qual nos posicionamos de forma ética e transparente sobre a forma que tratamos a privacidade e segurança digital dos clientes. Além disso, assumimos o papel de disseminar a sustentabilidade de forma prática aos nossos consumidores, orientando desde o processo de escolha até o descarte de seus equipamentos. São práticas como o selo Ecorating, que avalia critérios ambientais relacionados ao ciclo de vida dos produtos, e o Programa Recicle com a Vivo, que oferece aos clientes e não clientes a coleta e destinação adequada dos seus resíduos eletroeletrônicos. Esses projetos, assim como toda estratégia que implementamos, nos

permitem contribuir com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, demonstrando que é possível conciliar a tecnologia ao desenvolvimento sustentável como uma forma de construir um Brasil não apenas digital, mas mais ético, inclusivo e sustentável, pois é hoje que construímos uma empresa mais sustentável e pronta para o futuro. Uma empresa preparada para atender as expectativas dos nossos stakeholders, que, a cada dia, não se preocupam apenas com o que fazemos, mas por que fazemos.

JOANES RIBAS Diretora de Sustentabilidade da Telefônica Brasil. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

Qualidade de vida, bem-estar e sustentabilidade Unimed do Brasil incentiva o autocuidado e a atenção integral da saúde

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ara falar de nosso propósito, tenho de estabelecer uma relação com o DNA da Unimed e os valores que são compartilhados por todas as nossas instituições: o cooperativismo. Somos médicos. Somos uma cooperativa de médicos. O Sistema Unimed nasceu, há 52 anos, para defender a dignidade da nossa profissão, sua liberdade, e oferecer possibilidades para o desenvolvimento social e econômico dos associados. Por meio disso, colocamos em prática nossa vocação para cuidar das pessoas e garantir ao cliente da saúde suplementar um atendimento de excelência, humano. Não por acaso, não falamos de doença, mas sim, de tudo o que pode tornar a vida das pessoas melhor. É nosso diferencial voltar olhares e corações às contribuições positivas de nossa presença nas comunidades que acolhem nossas mais de 340 cooperativas. Afinal, Interesse Pela Comunidade é um dos princípios cooperativistas e nós, embai-

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xadores do movimento SomosCoop – criado pela Organização das Cooperativas Brasileiras para despertar ainda mais o orgulho em todos os que seguem esse modelo e torná-lo conhecido e reconhecido – orientamos muito de nossa atuação para o apoio ao crescimento do país. Sustentabilidade é um tema muito estimado pelas Unimeds, incentivado pela Unimed do Brasil. Como seria diferente, uma vez que um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas é justamente Boa Saúde e Bem-Estar? Somos o maior sistema cooperativo de saúde do mundo, construído por 116 mil médicos. Nosso comprometimento é com a qualidade de vida e em ajudar cada indivíduo a encontrar uma versão cada vez melhor de si mesmo. Uma ação que abraça grande parte dos 84% do território nacional em que estamos presentes é o Mude1Hábito. Lançado como campanha institucional em 2017, logo se tornou um movimento nacional do Sistema Unimed. Diante de um

panorama de envelhecimento populacional e aumento da incidência de doenças crônicas, queremos cumprir nosso papel de ser referência em saúde e cuidado para ajudar as pessoas a serem mais saudáveis, física e mentalmente, ao longo da vida. Um hábito por vez. Ademais, enxergamos, aqui, mais uma oportunidade de cooperar pelo planeta: o Mude1Hábito possibilita que todos avaliemos nossa forma de ver o mundo por meio da solidariedade. No período de um ano, impactamos mais de 15 milhões de pessoas em mais de 1.170 experiências realizadas pelas Unimeds, com foco em equilíbrio, movimento e alimentação, além de ativações em mídias on e off-line. Nosso foco no autocuidado, acompanhando a saúde, e não a doença, e na inserção do modelo de Atenção Integral à Saúde se fazem presentes, valorizando a individualidade do beneficiário e o equilíbrio dos recursos do nosso setor. Na Unimed, já são 70 iniciativas, entre programas, produtos e benefícios.


Todos os meses, trabalhamos campanhas de combate a males como arboviroses, hipertensão arterial, gripe, pneumonia, obesidade, diabetes e AIDS. Outras, propagam o bem: doação de sangue, meio ambiente, amamentação e saúde mental. Em 2018, o Sistema investiu cerca de R$ 82 milhões em ações sociais. Fomentamos saúde, é claro, mas também projetos ambientais, de voluntariado, educação, capacitação profissional, esportivos, lazer e filantropia. Beneficiamos, com isso, quase 10 milhões de pessoas em todo o país – e continuamos em

na arrecadação de lacres de latas de alumínio que são trocados por itens de acessibilidade. Só em 2018, foram mais de 620 de cerca de 160 cooperativas participantes. No âmbito do princípio cooperativista de Educação, Formação e Informação, contamos com a Faculdade Unimed, Instituição de Ensino Superior credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) – de quem recebeu o conceito institucional máximo, a nota 5 – desde 2016 e com campus em Belo Horizonte (MG). Por acreditar no poder transformador da educação, seu propó-

Nosso espírito é repleto de valores que excedem qualquer questão mercadológica e que enxergam nosso lugar no todo.” 2019, com dados em apuração. Reconhecemos a responsabilidade que temos com relação à infraestrutura hospitalar em várias partes do Brasil, que estariam praticamente desprovidas de atendimento se não fossem nossas Federações e Singulares. Nossa rede de hospitais, próprios e credenciados, chega a cerca de 2.700 estabelecimentos, disponibilizando mais de 120 mil leitos. Isso sem falar em prontos atendimentos, laboratórios, centros de diagnósticos e clínicas. Organizamos a campanha anual Eu Ajudo Na Lata, que envolve grande parte das Unimeds em uma corrente de boas ações refletidas

sito é promover o desenvolvimento de profissionais de alto desempenho, com foco nas áreas de gestão, saúde e cooperativismo. Inspirada pela experiência e credibilidade dos mais de 20 anos de história da Fundação Unimed, sua mantenedora, a Faculdade atua em todo o país, oferecendo soluções educacionais que contribuem para o fortalecimento do sistema cooperativo e para a formação dos demais profissionais do mercado. Já são mais de 100 mil pessoas capacitadas. Nada disso seria possível se não contássemos com gestões – independentes, vale ressaltar, como prega o cooperativismo – comprometidas

com a boa governança. Para isso, a Unimed do Brasil confere às Unimeds, a cada dois anos, o Selo Unimed de Governança e Sustentabilidade. No ano passado, 170 foram certificadas. Há, ainda, o Selo Hospital Unimed de Sustentabilidade, já conquistado por 55 de nossas instituições. Esses são alguns dos motivos que fizeram, para nosso orgulho, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) ratificar a Unimed como marca de alto renome por seu nível de conhecimento pelo público, autoridade incontestável e fama que ultrapassa os limites do segmento de saúde. Retomando o que falei anteriormente, somos uma cooperativa de médicos e, como tal, empenhamos todos os esforços para oferecer o melhor a eles e, por meio de seu trabalho, a nossos clientes. No entanto, nosso espírito é repleto de valores que excedem qualquer questão mercadológica e que enxergam nosso lugar no todo. E nosso lugar é junto às pessoas, fortalecendo relacionamentos e laços, lembrando e sendo lembrados. Sendo um diferencial para médicos, beneficiários e sociedade. Somos Unimed. SomosCoop. E somos brasileiros, com orgulho.

ORESTES PULLIN Presidente da Unimed do Brasil IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

Ativismo e a liderança empresarial, um papel necessário A importância da atuação dos executivos na promoção de causas para estimular o engajamento dos demais atores da cadeia de valor

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raças ao propósito da Braskem de “melhorar a vida das pessoas, criando as soluções sustentáveis da química e do plástico”, posso acompanhar de perto, ou de dentro, os principais eventos que discutem o presente e o futuro da humanidade e do nosso planeta, associados à agenda do desenvolvimento sustentável. Em agosto deste ano, um deles aconteceu em Salvador: a Semana do Clima da América Latina e do Caribe. Desde a Rio+20, em 2012, não acontecia um evento relevante do multilateralismo no Brasil associado ao assunto. Já em setembro, foi a vez da Semana do Clima de Nova York, com participação global. Nesses eventos, é comum ver as mesmas pessoas do meio empresarial. Fica a sensação de evolução muito lenta ou até de pregação para os convertidos. Por outro lado, alguns fatos surpreendem. Por exemplo: • o número de empresas membros do Pacto Global da ONU, a maior iniciativa de sustentabilidade

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empresarial do mundo, cresceu de menos de 2.500 para quase 10 mil de 2005 para hoje; • no tema climático, 625 empresas já assumiram um compromisso de redução de suas emissões em linha com o que que é recomendado pelos estudos do IPCC (Painel

focando as mudanças climáticas nas decisões de investimento, ou no engajamento empresarial, ou na transparência no assunto . Esses números mostram que cada vez mais empresas entendem que a situação socioambiental nas regiões onde operam, ou no mundo,

Em 2016, 78% dos CEOs viam oportunidades em contribuir para o alcance dos ODS por meio de seus negócios. Já agora, em 2019, apenas 21% dos CEOs percebem essa contribuição.” Científico Intergovernamental de Mudanças Climáticas). E mais de 80 já foram mais ambiciosas, comprometendo-se com operações de emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050; • 1.200 investidores institucionais afirmam estar tomando ações

precisa do seu próprio engajamento. Por outro lado, essas mesmas empresas sentem que o ambiente político do momento não está dando mensagens claras. Uma pesquisa com mil CEOs de empresas integrantes do Pacto Global de 99 países, entre eles o CEO da Braskem, deixa clara essa


apreensão . Essa pesquisa é realizada a cada três anos. Em 2016, 78% dos CEOs viam oportunidades em contribuir para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (os chamados 17 ODS) por meio de seus negócios. Já agora, em 2019, apenas 21% dos CEOs entendem que os negócios estão contribuindo de forma relevante para o alcance dos ODS. Ao mesmo tempo, 63% afirmam que a incerteza política nos mercados é o ponto global mais crítico para as estratégias competitivas das suas empresas. Segundo este relatório, os líderes entendem que devem fortalecer seu papel e ao mesmo tempo esperam que governos e outras partes interessadas façam sua parte. Os três principais pontos levantados por esses líderes foram: • a necessidade de aumentar o nível de ambição das empresas, puxando transformações sistêmicas nos mercados associados aos temas dos ODS; • a importância de atuar de forma colaborativa com outras empresas, governos, reguladores e organizações não governamentais para definir soluções para os problemas globais baseadas na ciência; • e a relevância de fortalecer o próprio papel como líderes responsáveis que buscam mudanças disruptivas dentro das suas empresas, na sua cadeia de valor, no seu setor e além. Caberia, talvez, perguntar: por que esses líderes veem a importância desse engajamento? Acho que as motivações são diversas, mas deixem-me voltar à questão do propósito empresarial (como o da Braskem, por exemplo). Parece que

o repensar do papel empresarial está se tornando uma tendência. Parece que a máxima de que “não há como ter uma empresa de sucesso em uma sociedade falida” está cada vez mais clara. Um dos sinais desta tendência é o crescimento das “empresas B”. As chamadas B Corp já são mais de 120 no Brasil e de 2.500 no mundo. Um dos pré-requisitos para se ser considerada uma empresa B é a redefinição do propósito no seu próprio estatuto. Ou seja, não é uma mudança simples. Uma outra motivação pode ser simplesmente que os negócios dessas empresas estão associados à evolução do próprio desenvolvimento de forma sustentável. Isso também é verdade na Braskem. Investimos no desenvolvimento de uma linha de produtos que utilizam matéria-prima renovável, sendo esta possivelmente a química do futuro. Recentemente, lançamos um outro negócio que visa produzir polímeros a partir da reciclagem de resíduos plásticos. Há cinco anos, apoiamos startups que usam química ou plásticos e entregam algum impacto socioambiental positivo por meio da nossa iniciativa chamada Braskem Labs. É claro que nós na Braskem e todas as mais de 70 startups que apoiamos querem que seus negócios deem certo. Quando olho para o Brasil, com uma matriz energética das mais limpas do mundo, com uma produtividade de biomassa também das maiores do mundo, me pergunto: se este país não olhar para todos os seus desafios socioambientais e os

do mundo pela ótica da oportunidade em vez da de ameaça, quem mais olhará? Pois pasmem: recente trabalho da indústria química europeia definiu a visão do setor para 2050 exaltando que os europeus podem “liderar a transição do setor oferecendo soluções [sustentáveis] para os desafios globais”. Apenas para comparar os dois fatores que citei: o percentual de energia renovável no Brasil em 2018 foi de 45,3% , enquanto o da Europa, em 2017, foi 13,6% ; a produção de etanol no Brasil é mais de quatro vezes mais produtiva em energia renovável que a da Europa. E eles serão o futuro da química sustentável? Será que nós perderemos a oportunidade que nos é tão mais próxima? Será que o Brasil está sempre fadado a ser o país do futuro? Espero que não. A Braskem é a maior produtora mundial de biopolímeros. Tenho certeza que podemos mais. Para tal, as empresas líderes devem continuar a investir e a se arriscar, mas seus líderes também precisam continuar a falar a respeito para que outros atores se engajem junto. Seria isso um “ativismo empresarial” ou simplesmente o exercício adequado do papel dos líderes?

JORGE SOTO Diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

Não é sobre sustentabilidade. É sobre pessoas... Por que a empatia deve permear todas as ações – e os resultados – das empresas

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enho acompanhando com muito interesse, notadamente nos últimos anos, a mudança que tem se caracterizado pela preocupação com engajamento. Essa preocupação é cada vez mais contundente, a ponto de se tornar praticamente um pré-requisito, uma condição básica, manifestada já nas primeiras entrevistas de emprego pela pergunta: “vocês desenvolvem programas de sustentabilidade?” Com respostas convincentes, há grande possibilidade de interesse; caso contrário, mesmo considerando as necessidades de sobrevivência, recebemos um “muito obrigado, mas não me interessa”. Isto porque temos toda uma geração que está mais interessada em propósitos e causas do que no sucesso profissional puro e simples. O papel que a empresa desempenha na sociedade dá a verdadeira margem de quanto ela se preocupa e se empenha em ter a sustentabilidade como um pilar para sua estratégia de desenvolvimento e qual é o seu propósito. Se num passado nem tão distante assim o desafio era conseguir um 36 | IDEIA SUSTENTÁVEL

estágio, ser efetivado e desenvolver uma carreira, o trabalhar pela sociedade era um objetivo subjacente que permeava todo o esforço do indivíduo, junto com o sobreviver, ampliar conhecimentos, desenvolver novas habilidades. A preocupação com o outro, com o meio ambiente, com a postura sustentável era desejável, sim, mas ainda estava longe de atingir o grau de importância que hoje vemos presente na cultura dos profissionais, das empresas e na própria sociedade como um todo – uma mudança inclusive bem acelerada, se considerarmos que ocorreu em pouco mais de uma geração e que, mais importante, não se limitou a ficar na teoria. Empresas com visão sustentável dedicam boa parte de seu tempo à condução de um processo de transformação que visa à inclusão de todos os níveis nessa cultura. Eu não fui exceção: em mais de duas décadas trabalhando para uma empresa voltada para serviços e, desde sempre, fortemente preocupada em manifestar responsabilidade ambiental, aprendi que seu foco tem que estar voltado também para as

pessoas. Só assim a questão passa a ser holística, permitindo crescimento consciente e não apenas um amontoado de iniciativas esparsas. O fato de atendermos mais de 11 milhões de residências e a 52 mil clientes empresariais, que, juntos, consomem mais de 1,7 milhão de toneladas de GLP, e de atuarmos em todo território nacional, nos dá uma base de relacionamentos extremamente diversificada, que nos permitiu o desenvolvimento de um amplo programa com foco em três frentes de trabalho: educação e cultura para crianças, jovens e adultos de classes menos favorecidas, de abrangência nacional ou regional; apoio ao desenvolvimento sociocultural das comunidades, principalmente do entorno das unidades da companhia; e, finalmente, campanhas educativas sobre saúde, bem-estar e preservação ambiental, direcionadas à sociedade como um todo. Cada uma dessas escolhas traz uma identidade que está no nosso DNA, seja da entidade empresarial em si, seja de cada um de nós. Essa postura, deve se refletir em todos os níveis da empresa, interna e externamente, inclusive no caso de nossos


mais de 5 mil revendedores em todo o país. Em conjunto com eles e em parceria com o Ministério da Saúde, já ajudamos a mobilizar a população divulgando temas como estímulo à amamentação, combate ao Zika Vírus e campanhas diversas de vacinação. Essa preocupação com a condição de vida das comunidades, tão presente em todas as nossas permanentes orientações sobre segurança – um tema que rege nossas atividades –, atinge, agora, uma nova dimensão. Pelo programa de Empoderamento Feminino, capacitamos mulheres no

consultas a representantes do Poder Público (Prefeituras e Secretarias Municipais), Organizações da Sociedade Civil e Lideranças Comunitárias. Os resultados desse processo são utilizados para a melhoria da nossa atuação social nas regiões onde a companhia está presente. Diante dos desafios e oportunidades identificados, criamos e revisamos projetos, com o objetivo de mitigar carências observadas nas comunidades e valorizar as pessoas como agentes transformadores na construção de uma sociedade mais

É a disposição em ouvir que orienta a ampliação do diálogo e a promoção dos impactos positivos nas comunidades da região de nossas plantas.” desenvolvimento de suas carreiras, ampliando a qualidade e quantidade de ações que garantem melhor condição de vida para todos e gerando impacto mensurável na sociedade. É a disposição em ouvir que orienta a ampliação do diálogo e a promoção dos impactos positivos nas comunidades da região de nossas plantas. Por isso, realizamos, periodicamente, uma pesquisa para identificar os reais desejos e necessidades dessas comunidades, localizadas no entorno de todas as nossas bases de produção. A pesquisa utiliza dados quantitativos e qualitativos, que são obtidos a partir de indicadores socioeconômicos e ambientais e por meio de

sustentável e consciente. Outra importante avaliação que fazemos a cada três anos, por meio de entrevistas, é sobre o êxito dos projetos implementados nas comunidades em relação aos objetivos preestabelecidos. A avaliação desenvolvida em 2018 abrangeu 13 projetos e conquistou um Índice Geral de Satisfação de 8,42 (em uma escala de zero a 10), a partir dos critérios relevância (8,68), qualidade das estratégias (8,05), resultados (8,41), contribuição da Ultragaz (8,46) e perspectiva para o futuro (8,49). Adicionado a estes movimentos, ressignificamos o nosso propósito, um processo que envolveu os colabo-

radores numa ampla discussão, capaz de nos conectar de forma explícita com a razão de ser da nossa companhia. Foi inspirador. Tive a oportunidade de participar ativamente destes momentos e posso assegurar que foi uma experiência emocionante, seja pelo compromisso que ele por si só representa, seja pela própria vivência de cada um sobre o tema. “Usamos nossa energia para mudar a vida das pessoas” demonstra mais claramente essa empatia com o outro – presente em nosso DNA desde sempre – que deve permear todas as nossas atitudes e como traduzi-las em ação e resultados. Só em 2018, por exemplo, mais de 10 milhões de pessoas, de diversas comunidades, foram atingidas por 23 programas de sustentabilidade diferentes, com a participação de centenas de voluntários cadastrados, reforçando a percepção de que somos uma empresa que cultiva relações e cria soluções que mudam a vida das pessoas. Essa evolução constante, mais do que motivo de orgulho, é garantia de que o conceito de sustentabilidade, que escolhemos incorporar, continue a integrar permanentemente nossas vidas. Porque, no fim, tudo tem a ver com as pessoas.

TABAJARA BERTELLI Presidente da Ultragaz.

IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

O papel de cada um na construção de um mundo mais justo A responsabilidade de líderes e empresas no empoderamento feminino

É

importante frisar que quando você empodera uma mulher, você muda o mundo. Espero que, em 20 anos, tenhamos menos batalhas e que toda mulher possa ser aquilo que deseja”. A frase da famosa estilista e empreendedora belga Diane von Fürstenberg sintetiza um pouco o que eu acredito e desejo: que, em um futuro próximo, a equidade de gênero não precise ser tão debatida, esperando 217 anos para ser real (segundo dados do Fundo Monetário Internacional), e que o feminismo seja visto como algo natural. Nesse mundo hiperconectado e em constante transformação que vivemos, a maneira como empresas e

líderes se relacionam com as comunidades onde atuam precisa também estar em evolução contínua. É preciso olhar para as importantes causas e gerar conteúdos para discussões, mudança e principalmente crescimento. Hoje, gerar valor é mais do que produzir um produto ou entregar um serviço. É ouvir e entender as necessidades das pessoas e incorporá-las ao negócio. Por isso, quando as empresas apoiam, de maneira legítima, causas e interesses da sociedade como o respeito e a promoção da diversidade, estabelece-se uma relação humanizada e de confiança. Acredito, apoio e defendo a diversidade e o respeito às pessoas. Neste sentido, cada um de nós é um importante agente de transforma-

Hoje, gerar valor é mais do que produzir um produto ou entregar um serviço. É ouvir e entender as necessidades das pessoas e incorporá-las ao negócio.” 38 | IDEIA SUSTENTÁVEL

ção, que promove o desenvolvimento humano e permite a igualdade de oportunidades para todos. Ao longo da minha carreira, tive e tenho a oportunidade de fazer parte de movimentos comprometidos com a participação feminina no ambiente corporativo. Eu me deparei com histórias de mulheres que foram as primeiras a assumir cargos de liderança e de todas as dificuldades que enfrentaram para estarem em suas posições. Olhando mais atentamente a participação da mulher no mercado de trabalho, percebi que o gênero não deve definir a capacidade de ninguém, por isso eu luto para garantir a criação de um ambiente justo, que atrai, retém e desenvolve pessoas, e não vê barreiras para que mulheres cresçam profissionalmente e também se tornem líderes. Cerca de 30 milhões de mulheres são chefes de seus lares no Brasil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e dados do Sebrae citam que 34% dos negócios no Brasil são liderados por mulheres. Além


disso, uma pesquisa da Organização das Nações Unidas mostra que as mulheres chegam a gastar até 90% de sua renda com alimentação, saúde e educação para suas famílias. Dessa forma, torna-se claro que é fundamental o apoio à atuação delas em posições que, antes, eram destinadas apenas para os homens. Hoje, estou como diretora-presidente de uma das maiores empresas de serviços do mercado. Tenho muito orgulho de representar uma companhia que compartilha dos mesmos valores que eu tenho e que acredita que a equidade de gênero é inerente ao princípio da igualdade entre homens e mulheres, pois entende que todos os seres humanos, independentemente do sexo, são livres para desenvolver suas habilidades pessoais, suas carreiras profissionais e fazer escolhas sem as limitações estabelecidas por estereótipos, papéis rígidos de gênero e preconceitos. Não podemos esquecer que empoderamento feminino é o ato de conceder o poder de participação social às mulheres, garantindo que possam estar cientes sobre a luta pelos seus direitos. Estamos falando aqui de uma consciência coletiva que constrói uma sociedade que promove para a mulher o seu espaço, seja de fala ou mesmo no mercado de trabalho e na política. Afinal, as mulheres precisam entender que são capazes, para então poder começar a fazer mudanças. Estou aqui falando de encontrar espaço para as mulheres; no entanto, ainda vivemos em um mundo em que elas são assassinadas, simplesmente, por serem mulheres.

Infelizmente, o Brasil caminha para liderar o ranking mundial da violência contra mulher. Tal situação representa uma das principais formas de violação dos direitos humanos das mulheres. Mais do que isso, trata-se de algo estruturante da desigualdade de gênero. Um levantamento do Datafolha e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontou que, em 2018, 1,6 milhões de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil, enquanto 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio. Entre os casos de violência, 42% são de violência doméstica, seja ela física, psicológica, moral, patrimonial ou sexual. Isso coloca, lamentavelmente, nosso país na quinta posição no ranking de feminicídio mundial, atrás de países como El Salvador, Guatemala, Colômbia e Rússia. O ciclo de violência precisa ser quebrado, e sabemos que a empregabilidade e autonomia financeira são importantes pontos de partida nesta luta. Neste sentido, tenho orgulho de dizer que a Sodexo faz parte do Programa Tem Saída, uma iniciativa advinda da parceira do Ministério Público, Prefeitura de São Paulo, Defensoria Pública, ONU Mulheres e diversas empresas do setor privado, que viabilizam vagas de emprego para mulheres em situação de violência, promovendo a sua inserção no mercado de trabalho. São temas como este que me fazem ter certeza do quanto o empoderamento tem ainda grande importância. Não estou falando apenas de uma ideia a ser divulgada, mas sim,

da criação de consciência e apoio à causas e ações que promovam a equidade de gênero e igualdade social. Enquanto líderes, servimos de modelo para diversas equipes; por isso, busco estimular, apoiar e incentivar constantemente a equidade de gênero dentro e fora da Sodexo. Acredito que nossas atitudes têm o poder de equalizar as diferenças entre homens e mulheres estabelecidas há tanto tempo na sociedade e no ambiente corporativo. E, nesse sentido, o primeiro passo é mudarmos hábitos que temos no dia a dia junto às mulheres que convivemos, como compartilhar conhecimento, especialmente com as mulheres mais jovens e com menos experiência, ou reconhecer as que têm um bom desempenho. Na Sodexo, promovemos a sororidade e sugerimos que cada colaboradora atue em prol da propagação desta atitude. Mas a atuação com mulheres, especialmente em situação de violência doméstica, é apenas uma das vertentes do nosso trabalho em diversidade. Ainda há muito a se fazer para termos uma sociedade melhor e mais justa! Tenho certeza que cada um de nós tem um importante papel nessa construção.

ANDREIA DUTRA Diretora-Presidente da Sodexo On-site Brasil IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

Para um país plenamente desenvolvido, educação básica de qualidade As relações entre educação e um crescimento econômico consistente e duradouro

Q

uando me perguntam por que eu decidi trabalhar todos os dias pela Educação Pública, sempre respondo que é para mudar a vida de crianças e jovens que não conheço e nunca conhecerei. Com toda a certeza, não poderei enxergar em seus olhos o brilho de novos aprendizados e nem saberei das oportunidades ganhas. Mas sei que esse é o poder da Educação: garantir que os filhos e filhas de todos possam sonhar. É inegável o quanto o indivíduo ganha com uma Educação Básica de qualidade. Mas e a nação? Cada vez mais pesquisas mostram que o ensino assume um papel absolutamente central no desenvolvimento de um país. A educação, sozinha, não re-

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solverá todos os problemas do Brasil, mas, sem ela, não será possível garantirmos um crescimento econômico consistente e duradouro. Recentemente, o Banco Mundial divulgou o Índice de Capital Humano (ICH), indicador que define a quantidade de capital humano que uma criança nascida hoje pode alcançar considerando os riscos de saúde precária e educação insuficiente do país em que vive. Os resultados mostram que os brasileiros que

nasceram em 2017, quando adultos, terão 56% da produtividade que poderiam ter caso tivessem acesso a um ensino e uma saúde adequados. Estes resultados são próximos da média global, com o Brasil ocupando o 81º lugar em uma comparação entre 157 países analisados, mas abaixo do que seria esperado para um país com o seu nível de renda. O que acontece na Educação Básica brasileira para que tenhamos tão baixa competitividade? Para

Dados mostram que 48% das crianças brasileiras não conseguem ler e entender um texto simples aos 10 anos.”


entender melhor o se que passa por aqui, primeiro precisamos ter em mente o quão gigante é o sistema educacional brasileiro: são 48,6 milhões de alunos, quantidade maior que a população inteira da Espanha. Todos esses estudantes são atendidos em 181 mil escolas, sendo que 78% delas pertencentes à rede pública. Nos últimos anos, houve melhorias significativas no ensino brasileiro. Se no começo da década de 1990 tínhamos 76% das crianças e jovens de 4 a 17 anos na escola, hoje contabilizamos mais de 96%. O grande desafio, porém, está na aprendizagem: dos estudantes que terminam o Ensino Médio, apenas 9% têm aprendizagem adequada em matemática e quase 30% em português. Ou seja, quase todas as crianças e jovens estão na escola, mas, com a baixa qualidade do ensino, os avanços em anos de escolaridade não têm se refletido em ganhos de produtividade. O conceito de Pobreza de Aprendizagem, também do Banco Mundial, se encaixa perfeitamente na situação brasileira. Essa concepção é definida como uma criança que não consegue ler e entender um texto simples aos 10 anos. Os dados mostram que 48% das crianças brasileiras nessa idade estão nessa situação. Como queremos que essas pessoas cresçam aprendendo se não conseguimos oferecer a elas o principal meio de tornar isso possível? A educação deve estar no centro de nosso projeto de país e, para que isso aconteça, precisamos de prio-

ridade política. Os tomadores de decisão necessitam ter em mente que, além de um direito fundamental, o ensino de qualidade precisa ser entendido como uma política de competitividade. E, para isso, as pastas responsáveis pela área, seja em âmbito nacional ou regional, devem ter status de importância – assim como as que centralizam as decisões econômicas. O engajamento pela educação, no entanto, não deve se restringir à classe política. A sociedade civil também tem um relevante papel a desempenhar pelo país. Mais do que apoiar financeiramente projetos do terceiro setor, é primordial a participação efetiva – que começa com a compreensão da importância desse tema e passa pela mobilização individual e de quem está próximo por melhorias na área, de forma tão legítima e natural como aquela originada da preocupação com a inflação e o baixo crescimento econômico, por exemplo. Felizmente, é possível avançar de forma rápida. Com a devida priorização e as políticas públicas corretas, o Brasil pode melhorar significativamente a Educação Básica nos próximos anos. E já há no país uma gama de diagnósticos e evidências para basear essas decisões. Exemplo de esforço nesse sentido é o Educação Já!, iniciativa suprapartidária lançada em setembro de 2018, liderada pelo Todos Pela Educação, que reuniu mais de 80 especialistas e organizações para elaborar uma proposta técnica de estratégia para a Educação

Básica e prioridades para o Governo Federal 2019-2022 na área. São elas: reestruturação das regras de governança e melhoria da gestão das redes; financiamento mais redistributivo e indutor de qualidade; efetivação da Base Nacional Comum Curricular em todas as redes de ensino; profissionalização da carreira e formação docente; Primeira Infância como uma agenda intersetorial; alfabetização em regime de colaboração; e nova proposta de escola no Ensino Médio. O documento apresenta recomendações baseadas em diagnósticos detalhados, informadas pelas evidências e experiências de sucesso nacionais e internacionais. Além disso, ele é vivo, pois seguimos articulando em diversas esferas de governo para que possa subsidiar a formulação das políticas públicas educacionais. Enquanto o país não investir em sua gente, as diversas reformas em curso não serão suficientes para, de fato, termos um Brasil mais justo e próspero. Garantir a aprendizagem adequada para todas as crianças e jovens brasileiros é também um rumo certo para uma nação mais competitiva.

PRISCILA CRUZ Presidente-executiva e cofundadora do Todos Pela Educação. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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REFLEXÃO

A jornada do ativismo corporativo em “4 is” Um caminho para mitigar os riscos do ativismo para a reputação das empresas

P

recisamos colocar os pingos nos is quando falamos em ativismo corporativo: ele faz bem às empresas, aos acionistas e, sobretudo, à sociedade, maior beneficiada pelas ações de ativismo corporativo. Mas ainda é visto com ressalva em boards mais conservadores pelos riscos de associação a escândalos ou por uma associação a modismos. O ativismo corporativo faz bem à empresa, pois dá aos colaborado-

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res uma razão maior do que apenas gerar lucro para os acionistas. E diversos estudos demonstram que senso de pertencimento, ambiente saudável e engajamento a uma causa valem mais do que salários acima da média do mercado na definição do que é um local em que as pessoas almejam trabalhar. Empresas que se envolvem genuinamente com causas tendem a ser percebidas como empresas com lucro ético, o que atrai aqueles preocupados com os impactos negati-

vos gerados pelos negócios. Dados do Reputation Institute de 2018 já mostram uma queda de 6,52% na importância que stakeholders chaves (consumidores, acionistas e empregados) davam para o desempenho financeiro das empresas nos três anos anteriores, aumentando a expectativa das pessoas em relação ao envolvimento das empresas com causas. Isso não quer dizer que o desempenho financeiro não tenha mais importância, mas as empresas cujos líderes se posicionam em


questões socioambientais críticas apresentam maior valorização de seus ativos intangíveis. E é inegável que a reputação dos CEOs está intrinsecamente relacionada à reputação das empresas que estão sob seu comando. Outros dados do Reputation Institute mostram que empresas com CEOs conhecidos pela população em geral possuem cerca de 10 pontos a mais de reputação no RepTrak (estudo anual que aponta as empresas com melhor reputação no mundo, cujo score varia em uma escala de zero a cem) do que as empresas similares com CEOs não

processo de quatro is: identificar, idealizar, integrar e interagir. 1) Identificando as causas com aderência ao negócio: Cada negócio tem as suas particularidades e é cobrado de forma diferente por parte de seus stakeholders. O primeiro passo para uma empresa começar a sua jornada de ativismo de maneira segura é identificar as causas que têm aderência ao negócio e quais as causas que a empresa têm legitimidade para se envolver. 2) Idealizando um futuro compar-

Empresas que se envolvem genuinamente com causas tendem a ser percebidas como empresas com lucro ético.” conhecidos pela população. É muita coisa! Mas se a familiaridade com o CEO e o ativismo possui este poder de aumentar a reputação das empresas, ambos representam também um risco para a reputação das instituições. Crises sérias acontecem quando as empresas decidem se envolver com causas nas quais os stakeholders não percebem legitimidade para a ação. Após muita reflexão e estudo dos casos de sucesso, acredito que cheguei a um modelo simples e eficiente para resolver o dilema. Precisamos tratar o ativismo corporativo como uma jornada baseada em um

tilhado: Engajamento só acontece quando as pessoas compartilham os mesmos objetivos. Portanto, após descobrir quais as causas que a empresa pode abraçar, ela precisa dialogar com os seus stakeholders sobre os benefícios que o envolvimento com determinada causa trará para todos os envolvidos, idealizando um futuro compartilhado. Esta etapa ajudará a traçar metas que a empresa e demais stakeholders devem atingir quando a jornada com causa em questão chegar ao fim. 3) Integrando a causa à estratégia da empresa: Falar é fácil, mas palavras ao vento não possuem credibi-

lidade se não estiverem apoiadas em ações. Nesta fase, a empresa deve integrar a causa escolhida aos seus planos de ação, revisando, inclusive, processos e métricas do negócio para que fiquem alinhados com a causa escolhida. 4) Interagindo com a causa: Feito o dever de casa de integrar a causa aos planos de ação da companhia, é chegada a hora de a empresa interagir com o mundo em defesa desta causa, tornando-se uma embaixadora do tema e trazendo-o para conversas externas, não sem antes se certificar de que os porta-vozes estão preparados para esta interação. Passando por este processo em quatro etapas, os riscos de o ativismo corporativo sair pela culatra são mitigados. A etapa de interação com a causa retroalimenta as etapas de idealização de um futuro compartilhado e de integração da causa à estratégia da empresa por outros pontos de vista. A jornada somente chegará ao fim quando os seus objetivos macro forem alcançados. O trabalho é longo, mas vale a pena. Por todos nós e pelas futuras gerações. Vamos juntos?

TATIANA MAIA LINS CEO e fundadora da Makemake – A casa da reputação no Brasil. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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ENTREVISTA ESPECIAL | THEO VAN DER LOO Por Ricardo Voltolini Fotos: Marcos Cardinalli

Do desabafo nas redes sociais ao ativismo pela equidade racial Ex-presidente da Bayer recebeu a equipe da Ideia Sustentável em sua residência para uma entrevista especial sobre sua atuação como porta-voz da inclusão de profissionais negros nas empresas

N

ão entrevisto negros”. A revolta que essa frase, ouvida por um candidato durante o processo seletivo de uma vaga na área de TI, causou no ex-presidente da Bayer, Theo van der Loo, ficou conhecida por muita gente em 2017. O então executivo compartilhou o fato nas redes sociais e seu texto inconformado alcançou mais de 500 mil visualizações. De lá para cá, ele se tornou um verdadeiro porta-voz pela equidade racial no mercado brasileiro, reconhecido tanto por lideranças ativistas negras quanto por pares do mercado. O que, talvez, poucos saibam é que esse tema integra a agenda de preocupações de Theo van der Loo há muitos anos, tanto por influência de valores familiares quanto por consciência social. E “sempre por intuição”, como afirmou nesta entrevista exclusiva ao CEO e fundador da Ideia Sustentável, Ricardo Voltolini, na qual dividiu sen-

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timentos e receios quanto à repercussão da famosa postagem e indicou os próximos grandes desafios de diversidade e inclusão para o mercado. RICARDO VOLTOLINI: Você fez um post de desabafo nas redes sociais sobre preconceito racial e, a partir de então, se tornou provavelmente o mais conhecido defensor da inclusão e da equidade étnica no universo corporativo. Como foi essa história? THEO VAN DER LOO: Foi um fato realmente interessante. Mas preciso relembrar um pouco o contexto para contar melhor. A questão da inclusão e diversidade foi sempre algo que, de forma intuitiva, me preocupava. Em 1988, por exemplo, comecei a fazer um trabalho com mulheres. Eu estava na Schering, empresa dedicada à saúde da mulher, e constatei que não havia uma colaboradora sequer na força de vendas. Questionei aquele quadro e pude perceber como havia

uma resistência enorme dos homens à contratação de mulheres. Já naquela época entendi o tamanho do desafio, pois não basta alguém querer incluir, é preciso mobilizar e sensibilizar as pessoas, tocar seus corações e mentes. Segui mobilizando até que um gerente regional de Minas Gerais me ouviu e decidiu levar uma mulher para seu time. Fiquei muito animado, pois consegui influenciá-lo positivamente. Foi preciso paciência, mas aquilo me mostrou que era possível incluir. Sobre a questão racial, é algo com que também me preocupo há anos, pois se trata de um tema relacionado à minha educação, a aprendizados da infância. Minha mãe sempre foi uma pessoa inclusiva. Em 2011, no entanto, quando assumi como CEO da Bayer, comecei a me perguntar mais sistematicamente sobre esse tema, seus desafios. Coloquei meu foco nisso. Nem eu e nem o RH sabíamos como abordar o assunto, o que me levou a


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ENTREVISTA ESPECIAL | THEO VAN DER LOO

me aprofundar ainda mais para encontrar soluções. Marquei um café com duas pessoas negras. Uma delas era a Gisele, que, há muitos anos, em 2004, me trouxe um insight importante. Ela trabalhava no SAC da Schering e, certa vez, ao passar por lá – eu andava muito pela empresa, gostava de sentir o clima organizacional –, pensei: “Essa moça é tão agradável, tem tanto carisma... Por que não está falando com os clientes?”. Então, ela participou de um processo e foi promovida a representante. Foi mais um indicador de que incluir é possível. Perguntei a essas duas pessoas como, na visão delas, eu poderia contribuir com a questão racial, e elas me recomendaram seguir no que eu vinha fazendo. Passei, então, a procurar candidatos negros para encaminhar ao RH e a insistir em um follow up constante. Um dia, soube que um dos candidatos que conheci e recomendei à área de TI não havia sido escolhido – o que é normal de acontecer em um processo seletivo –, mas, como havia ligado para ele, soube que, quando o entrevistador o viu chegar, imediatamente disse que não entrevistava negros. Orientei o rapaz a ir até a polícia e denunciar. “Se eu for, vou ‘queimar meu filme’ no mercado. Não é a primeira vez que isso

acontece, vou tentando até conseguir”, ele me respondeu. Avisei que colocaria um post no Facebook. Ressaltei que, caso aquelas informações não fossem reais, eu estaria me expondo e sofreria consequências. Ele confirmou, avaliou meu texto e me autorizou a postá-lo. Decidi publicar também no LinkedIn, devido ao público mais profissional. E aí veio a repercussão, que me marcou muito, tanto que estou engajado na causa até hoje. Aquele post teve 500 mil visualizações em menos de duas semanas. Foram mais de 4 mil likes e mais de mil comentários. Mas o que me preocupou foi quando começaram a me ligar dos jornais. O BBC foi o primeiro; depois, El País. E não parou mais. Fiquei assustado. Pensei em excluir o post, pois minha intenção não era criar um alvoroço assim. Fiquei sabendo do LinkedIn que as 500 mil visualizações eram o limite que se poderia atingir na época, ou seja, eram muito mais do que 500 mil views, tanto que chamou atenção da matriz. Além da repercussão de audiência, teve outro fato interessante: as pessoas negras me pediam para não parar com aquela indignação, aquele movimento, e isso abriu meus olhos para compreender como o desafio era ainda mais profundo. Alguns me criticaram tam-

Como brasileiros, o lugar de fala é de todos nós, mas devemos entender que quem sente na pele o racismo não somos nós, os brancos.” 46 | IDEIA SUSTENTÁVEL

bém, por entender que, como branco, eu não poderia ser protagonista da causa negra – e eu não tinha mesmo essa pretensão. Como brasileiros, o lugar de fala é de todos nós, mas devemos entender que quem sente na pele o racismo não somos nós, os brancos. Por isso, respeito quem tem essa visão. Acredito, porém, que deve existir uma parceria, e os comentários de pessoas negras apoiando minha indignação reforçava minha postura. Elas me agradeciam, inclusive, pois era a primeira vez que o CEO de uma empresa se posicionava sobre essa questão. Também me chamou a atenção a grande quantidade de mulheres ne-


Theo van der Loo recebeu o CEO da Ideia Sustentável, Ricardo Voltolini, em sua residência, em São Paulo.

gras me escrevendo. Algumas diziam, no privado, que tinham medo de postar ou comentar algo em aberto e perderem o emprego. Pessoas negras altamente qualificadas, com formação no exterior, comentavam que não conseguiam emprego e não tinham dúvidas de que era devido ao racismo. Conheci muita gente depois disso, pessoas com currículos incríveis e experiências de muito tempo no exterior, que realmente não conseguiam emprego. E muitas mulheres também relatavam assédio moral e sexual. Tudo isso me marcou. Em paralelo, havia um silêncio muito grande dos brancos; principal-

mente, no início, dos CEOs brancos. Recebi alguns comentários como “nossa, você é corajoso” e outros que insinuavam que a obrigação de lidar com o tema era do RH, não minha. Houve muita pressão. Cheguei, inclusive, a perguntar a algumas pessoas o que eu estava fazendo de errado, e a resposta era: “Você sabe o que quero dizer.” Mas se nós, na Bayer, falávamos em inclusão e diversidade, o que poderia haver de errado naquele post? Ele representa, no fim das contas, um divisor de águas, no sentido de ter colocado o tema da equidade racial em maior evidência e, assim, promover cada vez mais discussões.

Em paralelo, faço parte do CEO’s Legacy, da Fundação Dom Cabral, e, naquela época, em que cada integrante estava procurando sua área de legado, comecei com a questão racial. O Tadeu Nardocci, da Novelis, se juntou a mim, bem como o Hamilton Amadeo, da Aegea. Foram os primeiros a abraçar a causa comigo. O Hamilton elaborou uma campanha que dizia “o respeito dá o tom”. E a Aegea a promoveu no Brasil todo, pois a maior parte de seus colaboradores é composta por negros – porém, poucos em cargos de liderança. Hamilton e Tadeu foram grandes parceiros.

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Hoje, na Fundação Dom Cabral, temos um grupo de CEOs que só tratam do tema da diversidade, liderado pelo Gustavo Werneck, da Gerdau, que está fazendo um trabalho fantástico. Então, podemos ver esse avanço no tema. RV: O fato de ser um CEO branco abordando aquele tema certamente contribuiu com a repercussão. Se você não tivesse “convocado” o diálogo, os “grupos” continuariam separados, não é? TL: Eu chamava a atenção dos organizadores de eventos dos quais passei a participar para a importância de termos mais brancos na plateia, no sentido de promover a formação deles no tema. Pois não param de surgir insights. Por exemplo, a questão da meritocracia, que 48 | IDEIA SUSTENTÁVEL

é muito mencionada, mas que representa uma grande desculpa para deixar tudo como está. Muitos se posicionam contrariamente a flexibilização nas contratações por causa da meritocracia, mas, se participassem de mais diálogos, entenderiam que não se trata de flexibilizar, e sim, de tirar as barreiras. Os negros não querem favores. Eles querem oportunidades para mostrar os seus talentos. Se houver barreiras como a exigência de nível de inglês avançado, muitos deles serão excluídos automaticamente dos processos seletivos, considerando as diferenças históricas do cenário dos negros no Brasil. E vale lembrar que, algumas vezes, vemos pessoas brancas sem inglês em cargos que exigem o idioma, mas dificilmente vemos uma pessoa negra.

Sigo refletindo sobre o racismo estrutural. No meu prédio, por exemplo, tem uma plaquinha dizendo que é proibido discriminar, mas uma vez chamei alguns amigos negros para virem aqui e eles foram convidados a usar o elevador de serviço. Aquela plaquinha é a prova do racismo institucional que temos no Brasil, pois precisamos de uma lei contra a discriminação! E tem a questão do “mimimi”, quando as pessoas brancas falam: “Mas eu também já fui discriminado uma vez.” Um dia, alguém me disse algo parecido. Respondi: “Escuta, você não entendeu. Muitos negros são discriminados três vezes por dia. E quem somos nós, brancos, para achar que sabemos melhor do que eles o que um negro sente na própria pele?”.


É uma arrogância das pessoas brancas. Elas não se dão conta desses detalhes. O importante, na minha opinião, é ouvir mais, falar menos e fazer mais nas empresas. A propósito, vejo muitas empresas levando a inclusão para o lado racional, com foco exclusivo na melhoria de resultados financeiros. É certo que virão, mas tê-los como fator principal é um erro. Afinal, se diversidade faz tão bem para o negócio, por que a inclusão não aconteceu naturalmente e foi preciso criar um programa específico? Os esforços devem se concentrar no combate ao preconceito, ao viés inconsciente, na sensibilização dos colaboradores. E a sensibilização acontece pelo coração. Não adianta focar só na lógica e nos números, pois, assim, o processo não será genuíno. RV: Parece conveniência, não convicção. TL: Para mim, essa é uma grande questão: as pessoas sempre usam a razão para justificar algo que não é justo. Tentam racionalizar para explicar o motivo da existência de determinado problema. Mas ninguém precisa ser muito inteligente, nem muito sensível, para compreender os desafios dessa natureza no Brasil, um país que tem mais da metade de sua população composta por pessoas negras e, mesmo assim, precisa implantar cotas para incluir essa maioria nas universidades e no mercado de trabalho. RV: O seu ativismo lhe trouxe algum tipo de prejuízo? TL: Nunca foi minha intenção me tornar um ativista pela equidade racial. Se você me perguntasse

há cinco anos o que eu faria quando me aposentasse, com certeza eu não imaginaria que estaria dando palestras sobre esse tema. E na maioria das vezes, não sou remunerado nessas atividades. Hoje, muitas empresas têm grupos de afinidade compostos por negros que me convidam para falar da questão racial! Meu lugar de fala é o de uma pessoa branca contando sua experiência com o tema, por isso considero ideal levar comigo uma pessoa negra; no entanto, como já há negros nesses comitês, não preciso ir acompanhado. É interessante ver o desdobramento das discussões. Se alguém me perguntar por que estou fazendo todo esse movimento, responderia que minha intenção é incentivar mais CEOs a ter a experiência que eu tive (e ainda tenho): fazer o bem, fazer o certo, ajudar as pessoas, combater o preconceito, vencer obstáculos. É transformador para as pessoas e para as empresas. Transformou também o Theo van der Loo.

RV: Sua trajetória vem sendo construída com muita autenticidade. Todos se referem a você com muito respeito e admiração. O reconhecimento de lideranças negras mostra como a sua liderança foi e continua sendo genuína. TL: Usei sempre a intuição. O ex-CEO da Bayer, um holandês, me orientava a usar a emoção também nos negócios. Não precisa muita informação para identificar problemas. Basta olhar os números, o conjunto de evidências. RV: Queria saber um pouco de sua história, das suas influências. Você vem de uma família que poderia considerar “inclusiva”? A família é nossa primeira escola nesse sentido... TL: Meu pai, durante a Segunda Guerra Mundial, morava na Indonésia, que era colônia da Holanda. O Japão invadiu a Indonésia e ele se tornou prisioneiro, fazendo trabalho forçado até 1945. Foi escravizado. Trabalhou na Ferrovia da Morte, na Tai-

Muitos se posicionam contrariamente à flexibilização nas contratações por causa da meritocracia, mas, se participassem de mais diálogos, entenderiam que não se trata de flexibilizar, e sim, de tirar as barreiras. Os negros não querem favores. Eles querem oportunidades para mostrar os seus talentos.” IDEIA SUSTENTÁVEL |

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lândia. Considero um milagre ele ter sobrevivido. Essas experiências, com certeza, influenciaram a educação que ele deu para os filhos. Quando eu já era um pouco maior, perguntei a ele se pensava muito na guerra. Ele ficou um pouco calado e depois respondeu: “Não tem um dia em que eu não pense.” Mas ele nunca falava sobre o tema com a gente. Nunca. Quando faleceu, eu tinha 25 anos. Refleti sobre como deveria ter procurado mais falar com meu pai sobre aquilo... Ele conheceu minha mãe por volta de 1946, 1947, após a guerra, na Holanda, e vieram um tempo depois para

muito sobre a importância da inclusão. A minha mãe, principalmente, era de ajudar as pessoas. Naquela época, havia muitas obras na cidade, casas sendo reformadas, e não tinha lei trabalhista nem mesmo segurança. As pessoas dormiam no canteiro de obra. Minha mãe fazia marmitas e pedia para entregar a essas pessoas. Ela também doava roupas para os mais pobres. E ainda por cima era muito empreendedora. Ajudou as pessoas e trabalhou até seus últimos dias. Nesse sentido, tive muita sorte, pois não cresci com aquele ideal machista da mulher não poder trabalhar. Os dois

A ideia de termos CEOs ajudando no progresso do país em vez de pensar exclusivamente na sua empresa é um avanço. Se o CEO conseguir convencer os acionistas da importância do papel da empresa nesse progresso, melhor ainda.” o Brasil. Minha mãe passou pela guerra lá. A cidade dela foi bombardeada e, em 20 minutos, destruída. Meu pai tinha um trauma, um medo de que, com a Guerra Fria, os russos invadissem a Europa toda. Como ele já havia passado por uma guerra, decidiu deixar a Holanda e veio para o Brasil no final de 1947. Eles tiveram seis filhos. Eu sou o quarto. Em 1967, 20 anos depois, eles decidiram voltar para a Holanda. E na minha infância, ouvia

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trabalhavam bastante. E muita gente que passou pela guerra compartilha desses valores. RV: Sem dúvidas. A situação de guerra ajuda a criar essa resiliência e um olhar um pouco mais altruísta. TL: Com quase 25 anos, no começo da década de 1980, eu voltei para o Brasil e comecei a trabalhar no Rio de Janeiro. Falava para meus pais: “Quando eu me formar na faculdade,

voltarei ao Brasil.” E, de fato, três meses depois de formado, estava empregado aqui. Cumpri a promessa que fiz a mim mesmo. Na hora que vi a Rocinha, no entanto, tive um choque. Lembro-me perfeitamente do que pensei: “Nossa, como um país deixa isso acontecer com ele mesmo?” Como aceitamos essas situações no Brasil? Não nos damos conta, mas a verdade é que compramos nossos carros blindados, implantamos todos os sistemas de seguranças em nossos condomínios e nos iludimos de que tudo está bem. RV: Você viveu na pele a experiência de sair da posição de “CEO convencional” para a posição do que chamaríamos de “CEO ativista”. Como você vê essa ideia de CEOs assumirem pautas do interesse da sociedade? TL: Considero um movimento muito saudável. Quando fiz meu MBA, não havia espaço para discutir questões sociais. Tudo se concentrava em rentabilidade, eficiência, concorrência, market share… Nenhum problema em tratar desses temas, mas não a qualquer preço. Naquela época, a grande questão era se, no Brasil, uma empresa deveria oferecer almoço aos funcionários. O debate surgiu em um case do curso. Eu defendia que sim, mas um colega me disse que jamais ofereceria refeições na sua companhia, a menos que um business case comprovasse o aumento da produtividade. A dificuldade de avançar nas questões de diversidade, a meu ver, tem origem nessa ideia do “business case que comprove o aumento da pro-


dutividade”, pois, sem o tal business case, não há investimentos relevantes. Gasta-se muito recurso nas empresas sem se basear em business cases, mas, para temas “menos tangíveis”, eles se tornam um requisito, uma exigência. Aquela diferença de ponto de vista em relação ao meu colega me marcou, pois sempre tive esse “lado social”. Sempre me senti, em relação a essas questões, um peixe fora d’água. Nunca deixei de entregar resultados e nunca deixei de manter um olhar atento para os colaboradores. A ideia de termos CEOs ajudando no progresso do país em vez de pensar exclusivamente na sua empresa é um avanço. Se o CEO conseguir convencer os acionistas da importância do papel da empresa nesse progresso, melhor ainda. Aliás,

os acionistas também vêm mudando sua visão. Não querem mais apoiar empresas antiéticas, por exemplo. A influência deles é fundamental. Se todas as empresas fizerem um pouco mais pela inclusão social e racial no Brasil, eliminando barreiras, investindo mais em desenvolvimento de pessoas, toda uma camada da população brasileira será alavancada e participará da economia. Será bom para todos, no curto, médio e no longo prazo. Quando há uma crise econômica, as empresas demitem colaboradores; ao fazerem isso, desencadeia-se um efeito em cascata, pois não se trata apenas de um corte de funcionários, mas de consumidores. Dessa forma, o corte volta para a empresa. Se a empresa não estiver em um cenário de prejuízo, mas

sim, de lucro menor, não precisa imediatamente demitir seus empregados. A mentalidade do investidor deveria considerar a possibilidade de poder viver com menos lucro durante algum tempo, sabendo que, a médio e longo prazo, isso será bom para os negócios. E deve se lembrar de que as pessoas que o ajudaram a ganhar dinheiro no passado foram os empregados. RV: Quais são os próximos grandes desafios para a inserção de funcionários negros no mercado? TL: Um desafio para empresas globais é promover os temas da diversidade e redução de desigualdades pelo mundo de forma mais acentuada. Temos que provocar as empresas para não só saírem na

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foto, mas quererem participar do filme. Precisam ser genuínas. Vou a muitos eventos, vejo CEOs contarem o que estão fazendo. Mas, um ano depois, se perguntarmos o que realmente fizeram pela inclusão social, muitos não avançaram quase nada. Faltou recurso, faltou priorizar, faltou gente... O desafio é falar menos e fazer mais. Às vezes, pedem-me para mostrar métricas, apresentar o que, de fato, foi possível mudar na Bayer. Eu não sou mais CEO da companhia, mas sei que metade dos estagiários é composta por profissionais negros – que, em sua maior parte, são mulheres. Mas os estagiários representam uma questão um pouco menos complexa de se resolver, pois estão em formação. Outro desafio, portanto, é realizar um trabalho de desenvolvimento com trainees, promover pessoas negras, contratar executivos e altos executivos negros. Isso ainda não acontece em grande escala, acredito que por questões de vieses inconscientes. Se formos falar de nível de conselhos de administração, então... Há muito a se fazer. Também entendo que as métricas de inclusão social devem integrar a composição da remuneração variável dos executivos. É muito difícil, mas precisa existir esse compromisso. Mais do que estar engajado, o CEO deve estar comprometido para que a evolução aconteça. Ainda em relação aos desafios, pude constatar nos últimos tempos que, enquanto os executivos brancos afirmam não conseguir encontrar candidatos negros, os executivos

negros conseguem. Só que eles contratam negros e brancos também, ou seja, são mais inclusivos. Poderiam decidir contratar apenas negros, mas não o fazem. Por isso digo que o preconceito é terrível. Os talentos existem, mas é preciso procurar por eles sem o olhar do preconceito. RV: Determinadas práticas ou premissas de mercado eram comuns no passado e, hoje, são intoleráveis. Procedimentos antiéticos, por exemplo, até pouco tempo atrás, faziam parte da rotina de várias companhias, mas, com a evolução da sociedade, se tornaram responsáveis pela queda de grandes corporações. O mesmo aconteceu com as piadas homofóbicas e racistas. Na sua opinião, qual outra premissa mudou ou vai mudar em breve no mundo dos negócios? TL: Sem dúvida, a toxicidade interna na empresa. Líderes que tratam mal os colaboradores. Não tem como tolerar uma cultura assim. Mesmo cientes de que determinados líderes pressionam exageradamente os funcionários, as organizações, muitas vezes, não tomam atitudes, pois se trata de pessoas em cargos importantes. Se o empregado faz uma denúncia, “queima o filme” no mercado, enquanto os executivos “ganham” processos de coaching em vez de serem efetivamente advertidos. As empresas precisam encarar esse cenário. As pessoas estão adoecendo. Um CEO tem que estar muito presente na companhia. De-

pendendo da estrutura, ele pode dedicar mais tempo a sentir melhor o ambiente corporativo. Eu andava pela organização e levava comigo um bloco de notas. Anotava constantemente minhas percepções. E eram muitas. A propósito, nos próximos anos, uma questão que ganhará força é o crescimento de um interesse genuíno dos investidores pelo clima organizacional. RV: Você se tornou defensor de uma causa específica, mas há um conjunto de causas à espera de líderes que as empunhem no Brasil. Quais seriam as principais, na sua opinião? TL: Para mim, a mais importante é a desigualdade social. Vai um pouco além da equidade racial. Como reduzir efetivamente a desigualdade? Mas há também a questão dos ex-presidiários, o papel das empresas na sua ressocialização, e ainda o desafio da inclusão dos profissionais mais velhos. O Brasil é um país jovem, e a tendência é que os mais velhos fiquem para escanteio. Como apoiar essas pessoas? RV: Para concluirmos, que líderes ativistas inspiram você de alguma maneira? TL: Com certeza, Paul Polman, ex-CEO da Unilever, e Richard Branson, da Virgin. Ele sempre disse algo tão óbvio e ao mesmo tempo tão inovador: “Se você cuidar bem das pessoas na sua empresa, elas também vão cuidar bem do seu negócio.” Eu sempre compartilhei dessa tese.

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CASES

O que aprender com as principais lideranças ativistas do país Uma reunião de sonhos, ideias, inspirações, propósitos e iniciativas de líderes pessoalmente engajados em melhorar a sociedade e o planeta

A

A Plataforma Liderança com Valores selecionou, para o CEO com Propósito 2019, 12 histórias de líderes e companhias que têm promovido causas que buscam beneficiar a sociedade e o meio ambiente. São 12 cases de pessoas que vão além, em suas atividades à frente de negócios relevantes, das preocupações com a geração de resultados financeiros e colocam na sua agenda profissional questões como equidade racial, geração de impacto positivo, justiça, combate à depressão entre jovens e adolescentes, saúde e bem-estar, empoderamento feminino, propósito, resolução de gaps para o desenvolvimento do país, simplicidade, gratidão, entre outros temas de fora do radar do universo corporativo convencional. Nas páginas a seguir, o leitor pode conhecer a fundo essas histórias, que foram apresentadas pelos próprios líderes, no dia 27 de novembro, no palco do CEO com Propósito, em palestras curtas e objetivas. Também registrados em vídeo, os depoimentos serão publicados no acervo audiovisual da Plataforma Liderança com Valores, no site liderancacomvalores.com.br. Boa leitura!

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EQUIDADE RACIAL NOVELIS LÍDER: TADEU NARDOCCI

Equidade racial dentro e fora dos muros da empresa O engajamento de Tadeu Nardocci, da Novelis, na inclusão de negros no mercado

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uando o grupo de CEOs que o vice-presidente sênior e diretor de Produção da Novelis, Tadeu Nardocci, integrava começou a discutir sobre o legado que eles gostariam de deixar para o Brasil como líderes, um dos temas mais abordados foi a inclusão racial, devido especialmente às provocações de Theo van der Loo, então à frente da Bayer. Para Nardocci, fazia todo sentido, uma vez que a equidade de gênero, outra questão já muito relevante à época, estava bem endereçada na sua empresa

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(50% do corpo de colaboradores e 40% da diretoria eram mulheres), enquanto os desafios de etnia ainda eram grandes. Ficava cada vez mais claro para o líder que ter um negócio realmente perene dependia diretamente de ter a sociedade brasileira representada na organização. “A diversidade sempre traz diferentes formas de pensar e ajuda a empresa a crescer”, afirmou Nardocci em entrevista a Ricardo Voltolini para o próximo livro do consultor, O Poder da Liderança com Valores. “Comecei a olhar para minha própria história. Minha família é de origem humilde, sempre estudei em escola pública, na Parada Inglesa, em São Paulo. Sou branco, ou seja, posso ser considerado um privilegiado, mas quando fui para a faculdade, passei a fazer parte de um universo em que eu não era maioria. Na Politécnica, meus colegas vinham de grandes colégios particulares, como Bandeirantes. Eu era o melhor aluno da minha escola; na Poli, não era ninguém. Assim, pude perceber como esses gaps representam verdadeiros desafios para as pessoas.”


Sob a liderança de Nardocci, a Novelis iniciou seus esforços para reduzir os gaps de diversidade, especialmente aqueles relacionados à diversidade étnica. Internamente, lançou o programa IguAL (o “AL” do final da palavra remete à sigla do alumínio) e promoveu sensibilizações de colaboradores em relação ao tema, passando a incluir para concorrer a vagas candidatos de faculdades antes não consideradas nos processos seletivos. Com isso, a companhia comemorou, em 2017, a contratação de 27% de estagiários negros, resultado superior à meta inicial de 10% de contratações. Externamente, a empresa, que é líder mundial em laminados de alumínio e reciclagem, investiu em um de seus principais públicos de interesse, as cooperativas de catadores, para as quais implantou o programa Gestão Solidária e Crescimento Consciente, voltado ao aperfeiçoamento e à profissionalização desses parceiros, que, em geral, são pessoas de baixa renda e carentes de ferramentas de gestão. As cooperativas eram formadas, em grande parte (60%), por pessoas negras e lideradas em 90% dos casos por mulheres.

Os cooperados passaram a receber até mesmo formações sobre a importância do seu papel na sociedade e o valor do trabalho de reciclagem. “Sinto que meu envolvimento e o da empresa com os catadores não é pontual. Tem sido sistêmico e assim vai continuar. Vai melhorar não só em padrão de qualidade, mas também em perspectivas”, vislumbra Nardocci. “Para assegurar que essas preocupações continuarão na companhia independente de quem esteja na liderança, procurei formalizá-las em compromissos públicos e incluir o máximo possível do que discutimos até aqui em políticas. Se alguém quiser fazer diferente, vai precisar alterar a governança, algo complexo”, explica. Para Nardocci, um dos valores mais importantes na condução das empresas é a não discriminação, bem como a crença nas pessoas, para que sejam cada vez mais autônomas e empoderadas. Na visão dele, essa a melhor maneira de fazer o que é certo: de forma transparente, envolvente e, principalmente, inclusiva. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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IMPACTO POSITIVO PARA A SOCIEDADE E O PLANETA AMBEV LÍDER: JEAN JEREISSATI

Negócios com impacto Ambev busca, cada vez mais, conciliar resultados econômicos, sociais e ambientais

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ean Jereissati, presidente da Operação da Cervejaria Ambev no Brasil, está há 21 anos na companhia e acompanhou de perto a história de crescimento da marca. Para ele, que tinha o sonho de empreender, a cervejaria representou a oportunidade de encabeçar novos negócios, assumir riscos, conhecer culturas e trabalhar com pessoas que o inspiram. A principal sinergia entre o líder e a empresa, contudo, se dá na convicção de que toda atividade corporativa deve gerar impacto positivo para a sociedade e o planeta, criando e alimentando um ecossistema estruturado por funcionários, parceiros, clientes e outros stakeholders. A mobilização pelo impacto positivo se revela em diversas iniciativas da Ambev. A água mineral AMA, por exemplo, lançada em 2017, representou uma importante inovação para o setor de bebidas, uma vez que 100% do lucro das unidades vendidas são revertidos a projetos de acesso à água potável no semiárido brasileiro. Os recursos da cervejaria possibilitam obras que vão desde a perfuração de poços de água à instalação de microusinas de energia solar. Uma vez implementados, o gerenciamento dos projetos fica a cargo das comunidades. Outro projeto relevante da empresa é o VOA, um programa de mentoria e capacitação em gestão oferecido a ONGs, no qual os funcionários da companhia compartilham tempo e conhecimento para aumentar o impacto social de organizações atuantes no desenvolvimento, edu-


cação e geração de oportunidades para crianças e jovens. Atualmente, mais de 260 voluntários e 80 organizações participam do VOA, que oferece um curso de gestão composto por nove módulos – da definição de princípios e estratégia à captação de recursos e gerenciamento de projetos – e apoio e mentoria na implementação das ideias. A Academia 100+ de Startups também é uma iniciativa nova e relevante da Ambev. Trata-se de um programa que oferecerá treinamentos e workshops em diferentes áreas de negócios para startups que já passaram pela aceleradora da cervejaria, em um processo de “pós-aceleração”. A empresa já fechou negócios com 11 das 21 startups selecionadas para o projeto, movimentando até agora cerca de R$ 3 milhões. A companhia ainda anunciou recentemente a construção de uma usina eólica para abastecer todas as suas fábricas na região Nordeste, na qual desembolsará cerca de R$ 600 milhões em 15 anos. A obra terá 1.600 hectares,

potência superior a 80 megawatts e, claro, impacto positivo para o meio ambiente: 20 mil toneladas de dióxido de carbono deixarão de ser emitidas por ano, o equivalente à retirada anual de 35 mil carros das ruas. O complexo deve gerar energia limpa suficiente para 30% de todas as fábricas de bebidas da Ambev no Brasil e integra um esforço global da companhia de ter, até 2025, 100% da eletricidade usada nas operações advindas de fontes limpas. Também na frente ambiental, a Ambev pretende, até 2023, ter um terço da frota parceira, que transporta os produtos da marca, composta por caminhões elétricos, com abastecimento usando fontes de energia renovável, redução do uso de combustíveis de origem fóssil na produção (favorecendo opções como biomassa e biogás) e criação de metas para os fornecedores de produtos e de serviços, a fim de torná-los mais sustentáveis. Por essas e outras ações, a Ambev foi eleita como destaque em “Mudanças Climáticas” do Guia EXAME de Sustentabilidade.

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ATIVISMO COMO PRINCÍPIO DE ATUAÇÃO BEN & JERRY’S LÍDER: ADRIANA CASTRO

Paz, amor, justiça climática... e pioneirismo

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Por que a Ben & Jerry’s apostou em ser uma marca ativista (e incentiva todos os players do mercado a fazer o mesmo)

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m 1979, um ano após abrirem uma pequena sorveteria em Vermont, nos Estados Unidos, os sócios Ben e Jerry decidiram comemorar aquele importante marco com um agradecimento aos seus clientes: distribuíram sorvetes de graça durante o dia todo. Era uma forma de celebrar e, ao mesmo tempo, reconhecer a comunidade como parte fundamental do negócio e, ainda, de alguma maneira, compartilhar com ela resultados atingidos. Essa ideia de envolver, dividir e contribuir com a sociedade orienta, desde então, a atuação da hoje multinacional Ben & Jerry’s. “A empresa nasceu com essa visão e ela é inegociável. Claro que vivemos dilemas de negócios, de números, metas, mas, na hora das tomadas de decisões, o critério de maior peso se encontra na nossa Missão Social”, reforça Adriana Castro, head da Ben & Jerry’s Brasil. A missão social a que Adriana se refere é a grande diretriz da companhia. Dividida em três partes, orienta a empresa para: a busca de um crescimento financeiro sustentável, que crie valor para acionistas e amplie oportunidades para os colaboradores (Missão Econômica), a condução inovadora dos negócios, de modo a fazer do mundo um lugar melhor para as pessoas (Missão Social), e a produção sempre apoiada em ingredientes naturais e saudáveis, respeitando o meio ambiente e se valendo de práticas de comercialização justas e éticas (Missão de Produto). A força da missão social da marca foi ratificada com a criação, após se tornar subsidiária da Unilever, de um Conselho de Administração independente, composto por ativistas de causas socioambientais, empreendedores e executivos, dedicado a manter e potencializar a integridade da cultura e da atuação da

Ben & Jerry’s. Em outras palavras, a gigante de bens de consumo não desejava “simplesmente” adquirir os originais e deliciosos sorvetes, mas sim, compreendia como valor intrínseco aos produtos (e à sustentabilidade do negócio) o jeito de ser da sorveteria. O pioneirismo e a longevidade da Ben & Jerry’s mostram justamente o valor do ativismo de marca para a sociedade e o mercado. Mesmo que em alguns momentos a companhia aborde temas que podem até mesmo custar a perda de clientes, como a defesa de pautas LGBTI+, mal vistas por alguns setores da sociedade brasileira, ou de apoio aos refugiados, ainda com forte resistência na Europa, ela não abre mão de se posicionar. E os dados de crescimento da marca, o reconhecimento junto aos consumidores e o clima interno são indicadores de que o caminho, embora muitas vezes conturbado, está correto. A Ben & Jerry’s levanta bandeiras como o comércio justo (a garantia de que os fornecedores recebem corretamente por seus serviços); a igualdade no casamento, atuando em discussões sociopolíticas e assegurando direitos dos colaboradores; a justiça climática, ao defender e apoiar iniciativas contra o aquecimento global; e a promoção da paz, participando de movimentos por condições dignas de vida pelo mundo. Esse ativismo, cujas pautas podem se alterar/atualizar à medida que novas questões se impõem na sociedade, se sustenta em uma ideia que pode servir à reflexão de outras empresas: se a companhia já sabe fazer e vender bem seus sorvetes (e se as organizações já sabem produzir e negociar bem seus serviços e soluções), o que é possível fazer a mais pela sociedade e o planeta e, assim, fortalecer uma atuação (e uma existência) relevante para os públicos de interesse? Uma vez mobilizadas a atuar como ativistas, as empresas deveriam, segundo conselho de Adriana Castro, “primeiramente observar o que é importante e necessário para o país, para a realidade em que estão inseridas, não para interesses do negócio e dos consumidores”. Afinal, a capacidade de contribuir efetivamente com o desenvolvimento da sociedade e do planeta está diretamente relacionada à legitimidade das práticas e à reputação das marcas.

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DEMOCRATIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL MICROSOFT LÍDER: TÂNIA COSENTINO

Tecnologia para empoderar o ser humano Ao democratizar o uso da inteligência artificial, Microsoft visa benefícios para a educação e formação dos profissionais do futuro

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ânia Cosentino se tornou uma liderança empresarial reconhecida no mercado por seu empenho na promoção do empoderamento feminino nas organizações e pelos avanços resultantes de seus esforços. E desde que assumiu o comando da Microsoft no Brasil, sua nova bandeira é a democratização do uso da inteligência artificial para, entre outros benefícios, tornar os profissionais mais qualificados e aptos a enfrentar os desafios do mercado. Esse desejo de contribuir de forma efetiva com a sociedade ganha corpo com o AI for Good (Inteligência Artificial para o Bem), conjunto de programas da Microsoft criado para colocar dados, tecnologia e recursos a serviço de projetos voltados a questões humanitárias e a tornar o mundo mais sustentável e acessível. O AI for Good concentra-se em três frentes de atuação: soluções para desafios ambientais globais, ligados a mudanças climáticas, agricultura sustentável, gestão da biodiversidade, uso racional da água, entre outros temas (AI for Earth); empoderamento de pessoas com deficiência para promover sua autonomia e capacidade de produção (AI for Accessibility); e iniciativas desenvolvidas para apoiar cidadãos em condições de vulnerabi-


lidade, como refugiados e vítimas de desastres naturais (AI for Humanitarian Action). Em entrevista para o próximo livro do consultor Ricardo Voltolini, O Poder da Liderança com Valores, Tânia Cosentino comentou: “Quando vim para a Microsoft e conheci o AI for Good, compreendi o potencial de escala da companhia. Quantos produtos desenvolvemos aqui que permitem a uma pessoa com deficiência performar como uma pessoa sem deficiência? Isso se dá em uma escala de milhões. No caso da educação, quantas pessoas podemos formar com competências de inteligência artificial? Em parceria com SESI e SENAI, vamos treinar 3 milhões de jovens! É um impacto positivo muito relevante!” Tornar a inteligência artificial cada vez mais presente na vida das pessoas consiste, para a Microsoft, em um processo de empoderamento do ser humano que possibilita a todos acompanhar as transformações sociais da quarta revolução industrial. Segundo pesquisa do World Economic Forum, 35% das habilidades profissionais hoje consideradas essenciais irão mudar nos próximos cinco anos e conhecimentos em biotecnologia, genômica, ro-

bótica avançada, transporte autônomo e, como não poderia faltar, inteligência artificial serão imprescindíveis. Nesse cenário de rápida transformação, ganha força a necessidade de as empresas investirem no desenvolvimento de pessoas e estimularem processos de capacitação tecnológica, pois só assim se conseguirá usar todo o potencial das tecnologias disponíveis (e criar novas). Sem esforços de democratização do uso da inteligência artificial no Brasil, as tecnologias continuariam nas mãos de uma pequena parcela da população, o que reduziria o potencial delas de contribuir com soluções para desafios como a desigualdade, a pobreza, as mudanças climáticas e o aumento da competitividade do país. “Na Microsoft, desenvolvemos produtos que representam respostas para problemas sociais e ambientais. Algumas pessoas apresentam esses serviços como ‘meras’ soluções tecnológicas. Já eu apresento como soluções tecnológicas que endereçam especificamente determinados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Gosto de fazer essa conexão. Espero, em 2030, ter feito a diferença nessa agenda global”, ressalta Tânia.

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VALORIZAÇÃO DA VIDA SAP BRASIL LÍDER: CRISTINA PALMAKA

Na luta contra a depressão e o suicídio entre adolescentes e jovens Empresa de tecnologia oferece suporte para aprimorar e ampliar escala do “algoritmo da vida”

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a hora de escolher um tema para levantar como bandeira, é comum empresas pensarem em questões mais genéricas, como educação, cultura, esporte, entre outros; mas há também aquelas que fogem bastante da curva e promovem causas específicas e nada habituais. Um exemplo interessante é o da SAP, com seu empenho em aprimorar o “algoritmo da vida”, ferramenta criada para combater o crescente número de casos de suicídio entre jovens, a partir da análise de postagens nas redes sociais. Hoje, 15% da população brasileira de 15 a 29 anos está deprimida ou apresenta transtornos como ansiedade e, no mundo, o suicídio já representa a segunda causa mais

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frequente de morte entre pessoas da mesma faixa etária. Diante desse quadro, que vem piorando, a agência Africa e Bizsys desenvolveu um algoritmo para identificar potenciais casos de depressão pelo conteúdo publicado de usuários do Twitter. Ao identificar riscos em alguma conta, uma mensagem é enviada ao perfil com recomendações para procura de auxílio profissional. Pesquisas sobre saúde mental notaram o uso recorrente de determinado grupo de palavras entre pessoas com depressão. Tais vocábulos ou expressões indicam, em diferentes níveis, a possibilidade de se apresentar a doença, e a aplicação desses termos se manifesta também nas redes sociais. O papel do “algoritmo da vida” é monitorar a presença de elementos que indicam sintomas de ansiedade e problemas correlatos em publicações no Twitter. Após a primeira “varredura”, uma equipe treinada analisa contextos, periodicidade, entre outras variáveis, para validar o potencial de risco. É no processo de identificação desses usuários com potencial de depressão que a SAP entra. A companhia uniu forças com a Amazon Web Services para refinar a ferramenta e aumentar o alcance do “algoritmo da vida”.


A parceria não só passa a prontificar uma equipe de analistas de dados e engenheiros para se dedicar continuamente ao aperfeiçoamento da tecnologia, como também potencializa a base de informações e a aplicação de inteligência preditiva, responsável por captar mudanças no comportamento dos usuários monitorados e por avisar quando uma intervenção é imprescindível. Entre os aprimoramentos, destacam-se ainda o aumento da segurança das informações e confiabilidade no uso dos dados, além da possibilidade de oferecer diagnósticos em tempo real dos perfis acompanhados, os quais servem para amparar ações de suporte e apoiar iniciativas de saúde pública. O “algoritmo da vida” já detectou 3,4 milhões de postagens no Twitter com perfil de risco. Desse esforço, 1,4 mil pessoas entraram em contato com o Centro

de Valorização da Vida, recebendo apoio e orientação. Anualmente, mais de 1 milhão de pessoas se suicidam no mundo todo, o equivalente a uma morte a cada 40 segundos. No Brasil, diariamente, 32 pessoas tiram sua própria vida (foram 11 mil casos só em 2018). Dados do Ministério da Saúde mostram que os casos de suicídio entre jovens de 15 a 19 anos aumentaram 20% só nos últimos cinco anos. E por que uma questão de saúde pública entrou para a agenda de preocupações de grandes empresas? “Salvar vidas pela tecnologia resume o propósito da SAP, é o que nos conecta como propósito de vida”, explicou a presidente da companhia, Cristina Palmaka, no lançamento da parceria com a AWS, durante o SAP NOW 2019, maior evento de Negócios e Tecnologia da América Latina. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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EMPODERAMENTO FEMININO PAYPAL LÍDER: PAULA PASCHOAL

Mais do que uma questão de equidade, uma questão de matemática Os benefícios do empoderamento feminino para a carreira e a vida das mulheres e seus benefícios para as empresas

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a posição de diretora geral de uma empresa como o PayPal, que tem a tecnologia em seu DNA, Paula Paschoal acredita que o modo mais fácil (ou menos difícil) de reduzir o gigantesco gap que ainda existe entre homens e mulheres, em termos de participação no mercado de trabalho, salário, oportunidades de desenvolvimento e crescimento profissional, é por meio do incentivo às meninas, desde pequenas, para que sigam carreiras de STEM (siga em inglês para Science, Technology, Engineering and Mathematics). “Temos de aproveitar o fato de que vivemos em um mundo no qual o termo ‘empoderamento feminino’ está finalmente na moda para fazer

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ainda mais, trabalhar dia e noite pela igualdade no campo das ciências exatas. Isso porque países como o nosso só terão chance de atingir patamares mais elevados de renda e PIB se investirem em tecnologia e inovação, e as mulheres brasileiras são, já há muito tempo, mais bem preparadas do que os homens nesses temas, segundo o IBGE”, afirma. Na liderança de uma empresa que já chegou a crescer 10% por dia, Paula passou a refletir cada vez mais sobre meu papel no mundo e o legado que poderia deixar. Ao analisar criticamente o cenário do mercado, constatou a falta de incentivo às mulheres interessadas em seguir carreira executiva, por causa da suposta impossibilidade de se harmonizar vida pessoal feliz com trajetória profissional de sucesso. E para o objetivo de superar esse paradigma e servir como exemplo que a executiva dedica parte do meu tempo fora do escritório, ministrando palestras e compartilhando sua experiência com outras mulheres. “Quero mostrar que é possível, sim, conciliar vida pessoal e profissional. Além de ir às faculdades, participo de programas do terceiro setor alinhados ao meu propósito. Sempre imaginei não ter tido privilégios e que o crescimento se devesse apenas ao es-


forço, ao foco em chegar onde desejava. Só quando passei a conviver com pessoas que não tiveram oportunidades é que comecei a entender o quanto minha situação era ‘privilegiada’ em comparação à de tantas mulheres que mal tiveram chances de disputar uma vaga em igualdade de condições com candidatos minimamente preparados”, explica Paula. E complementa: “Tenho me esforçado em entender como é possível levar às mulheres oportunidades semelhantes às que eu tive. Considero essa ação fundamental para a minha carreira, pois é o legado que quero deixar.” Internamente, o PayPal pode ser considerado uma exceção do mercado, pois 54% dos cargos de liderança no Brasil estão nas mãos de executivas e, desde 2016, homens e mulheres que desempenham as mesmas funções recebem o mesmo salário. Mas a companhia não se limita aos desafios de gênero, e sim, acredita que, quanto mais diversificado for o time, melhores serão os resultados, razão pela qual incentiva também a diversidade racial, cultural, de orientação sexual, entre muitas outras, na hora de contratar novos colaboradores.

Entre várias iniciativas, o PayPal promove o Girls in Tech, programa implantado em resposta ao fato histórico de que mulheres não são devidamente apresentadas às ciências exatas na mesma proporção dos homens O programa nasceu nos Estados Unidos, em 2015, e agora já tem desdobramentos em diversos países onde a companhia atua, como Singapura e Índia. Ele reúne meninas de 8 a 14 anos durante duas semanas nos laboratórios da empresa, onde elas aprendem conceitos de programação e os colocam em prática, monitoradas por especialistas do PayPal. “Sou uma porta-voz da causa, onde quer que eu vá. Não admito que uma mulher seja interrompida quando está falando em uma reunião na qual estou presente, por exemplo. Acho profundamente desrespeitoso. E, sempre que posso, participo de eventos voltados a essa causa tão urgente no país. Porque não é questão apenas de equidade, mas de matemática. Empresas com mulheres na liderança têm resultados melhores. Empresas que investem em políticas de igualdade de gênero e diversidade apresentam melhores resultados, inclusive na sua rentabilidade”, finaliza Paula.

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SAÚDE, BEM-ESTAR E QUALIDADE DE VIDA MUNDO VERDE LÍDER: CLAUDIA ABREU

O conceito que sustenta a marca Mundo Verde nasceu para promover hábitos mais saudáveis de vida por meio de suas lojas e seus produtos

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ara grande parte das empresas do mercado, tornou-se necessário, especialmente nos últimos 10 anos, rever estratégias e iniciativas a fim de inserir as questões de sustentabilidade nos modelos de negócio. Outras, no entanto, já nasceram mais conectadas com os valores e as demandas da sociedade e, assim, se veem mais na condição de aprimorar práticas do que de revisitar o core business. É o caso da Mundo Verde, a maior rede de lojas de produtos naturais, orgânicos e de bem-estar da América Latina, cujo propósito é a vida saudável e a sustentabilidade. “Mundo Verde é mais do que uma marca, é um conceito”, resume Claudia Abreu, CEO da companhia. Com passagens por Microsoft, L’Oréal e outras importantes corporações, a executiva tinha plena compreensão de

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que, ao assumir a liderança da rede, automaticamente se tornaria porta-voz das ideias por trás dos produtos vendidos nas mais de 400 lojas distribuídas por todo o Brasil. O que não representaria nenhum esforço significativo, segunda ela, pois havia uma sinergia muito forte entre seus valores e crenças com os da empresa. Engajada na causa do empoderamento feminino e da maior representatividade de mulheres em posição de liderança, Claudia Abreu passou a integrar à sua agenda de pautas questões como a promoção da saúde, do bem-estar e da qualidade de vida. Com 30 anos de história, a Mundo Verde é pioneira na promoção do conceito de vida saudável por meio da alimentação e se tornou a maior franquia do segmento na América Latina, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF). O grupo, que nasceu de uma ideia que já era tendência no exterior, mas ainda engatinhava no Brasil, levanta também bandeiras como o comércio justo, o consumo consciente, a ética nos negócios e a responsabilidade social, cultural e ambiental. Para estimular a ideia de vida saudável, as lojas da rede oferecem produtos variados, desde alimentos diet, light, integrais, orgânicos, funcionais sem glúten e sem lactose a complementos alimentares e suplementos para atletas. Atualmente, passam pelas unidades da Mundo


Verde mais de 120 mil pessoas por dia, em busca de pelo menos um dos cerca de 10 mil itens disponibilizados por mais de 1.200 fornecedores. Não é somente a variedade de produtos, no entanto, que desperta o interesse dos consumidores. Os franqueados e suas equipes de lojas recebem treinamento para dar suporte e informações nutricionais aos clientes. Em várias lojas, há, inclusive, palestras abertas ao público sobre alimentação e cuidados com a saúde e a qualidade de vida. E os clientes podem contar ainda com o Olá Nutri, um serviço gratuito para esclarecimentos de dúvidas, dicas e orientações por telefone ou pela internet, e uma newsletter com informações sobre hábitos para uma vida mais saudável. Trata-se, portanto, de um ativismo amparado em inúmeras frentes de atuação voltadas a um estilo de vida

mais positivo e “saudável” para as pessoas e o planeta. E esse lifestyle tem se mostrado não só uma tendência de comportamento da sociedade como também um negócio promissor, uma vez que a Mundo Verde estima encerrar 2019 com crescimento de 25% em receita. Muitas pesquisas confirmam essa tendência. Um estudo realizado pela Euromonitor International, por exemplo, indica que o segmento de produtos saudáveis – aqueles livres de glúten, lactose e de ingredientes menos indicados em sua composição, além de contarem com certificações reconhecidas – movimentou, em 2017, R$ 92,5 bilhões no Brasil, o que equivale a um crescimento relevante de 9,5% em comparação a 2012. Na mesma direção, levantamento da agência de pesquisas Mintel aponta que 79% dos entrevistados já procuram trocar produtos industrializados convencionais por outros mais saudáveis. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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EMPRESAS COM PROPÓSITO ALÉM DO LUCRO BLACKROCK LÍDER: CARLOS TAKAHASHI

Empresas sem propósito, empresas sem futuro BlackRock estimula a criação de valor a longo prazo entre seus stakeholders

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m janeiro de 2018, como faz todo ano, Larry Fink, Chairman e CEO da BlackRock, maior empresa de gestão de ativos no mundo (US$ 6,9 trilhões sob administração), divulgou uma carta com perspectivas e conselhos não só para os presidentes das companhias investidas por sua organização, mas também a todos os interessados nos rumos da economia. O conteúdo, no entanto, surpreendeu muita gente e se tornou um marco para as discussões de sustentabilidade, responsabilidade e legado dos negócios. Intitu-

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lado Um Senso de Propósito, o documento tratava do papel do setor privado no desenvolvimento de soluções para desafios da sociedade e do planeta. “Estamos vendo um paradoxo de altos retornos e alta ansiedade. Desde a crise financeira, aqueles com capital colheram enormes benefícios. Ao mesmo tempo, muitas pessoas em todo o mundo enfrentam uma combinação de baixo crescimento salarial e sistemas inadequados de aposentadoria. (...) Como resultado, a sociedade está cada vez mais se voltando para o setor privado e pedindo que as empresas respondam aos desafios sociais mais amplos. De fato, as expectativas públicas da sua empresa nunca foram maiores. A sociedade está exigindo que as empresas, públicas e privadas, sirvam a um propósito social”, escreveu Fink. Em sua análise, fica clara a expectativa que tem sido depositada em relação à contribuição das empresas frente aos desafios socioambientais, bem como a mensagem de que, ciente disso, a BlackRock procurará, cada vez mais, ser um agente engajado não só na construção dos resultados financeiros das companhias investidas, mas no acompanhamento próximo de como elas bus-


cam promover valor a longo prazo. “Chegou a hora”, anunciou Tink, “de um novo modelo de engajamento dos acionistas – que fortalece e aprofunda a comunicação entre eles e as empresas que possuem.” No Brasil, Carlos Takahashi é o diretor geral da BlackRock, tendo a missão de orientar as atividades com as premissas defendidas por seu CEO, Larry Tink. No país, as companhias investidas têm o mesmo desafio de, por exemplo, serem capazes de descrever sua estratégia de crescimento a longo prazo, implantada com o envolvimento do conselho de administração, que, por sua vez, deverá ter claro como supervisionará os desdobramentos desse plano. Além das questões de governança, as empresas deverão conseguir explicar seus impactos positivos e negativos na comunidade e meio ambiente, seus esforços para promover um corpo de colaboradores diverso, seu empenho em

acompanhar mudanças culturais e tecnológicas, entre outras questões ligadas a um futuro mais sustentável. E Fink não está sozinho. Em agosto de 2019, na mesma linha, 181 CEOs das principais empresas americanas, que formam a associação Business Roundtable, anunciaram uma transformação radical na maneira como suas corporações entendem a ideia de propósito e responsabilidade social. Até então, por mais de 20 anos, disseminou-se que a missão de uma companhia era, acima de tudo, maximizar os lucros para os acionistas; agora, essas organizações que, juntas, somam mais de 15 milhões de funcionários e US$ 7 trilhões de faturamento anual, defendem que uma empresa deve: entregar valor aos clientes, investir no desenvolvimento e bem-estar dos funcionários, lidar de forma justa e ética com fornecedores, apoiar as comunidades do entorno e gerar valor – a longo prazo, como propõe a BlackRock – para os acionistas.

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NEGÓCIOS COMO SOLUÇÕES PARA GAPS BRASILEIROS EB CAPITAL LÍDER: LUCIANA ANTONINI RIBEIRO

Ações que transformam Desafios socioambientais deixam a agenda de governos e da sociedade civil e passam a ser vistos como oportunidades de negócio

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estora de private equity – modalidade de investimento em que, resumidamente, uma empresa que administra fundos compra parte de determinado negócio para se tornar sócia, valorizar suas operações e lucrar com sua venda após contribuir com seu desenvolvimento –, a EB Capital tem como premissa identificar organizações não só com bom potencial de crescimento, mas cujos produtos e serviços representem soluções para gaps estruturantes do Brasil. “A história do fundador da Bridges Ventures, Sir Ronald Cohen, é muito inspiradora para mim. Ele é basicamente o criador do private equity na Inglaterra. Tinha o sonho de ajudar empresas em crescimento a alcançar um impacto positivo maior e, em um dado momento, se deu conta de algo importante: os grandes problemas da sociedade moderna não serão resolvidos apenas com esforços

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do governo ou com a filantropia. Seria necessário usar o capitalismo como instrumento para a resolução desses desafios”, conta Luciana Antonini, sócia fundadora da EB Capital, em entrevista para o próximo livro do consultor Ricardo Voltolini, O Poder da Liderança com Valores. Influenciada pelos valores do Grupo RBS, conglomerado de mídia brasileiro com atuação na região sul, onde trabalhou por mais de 15 anos, Luciana almejava construir no mundo dos investimentos uma atuação com importância similar à que a mídia exerce na democracia e na agenda de pautas da sociedade. “Se nós – sociedade, empresários e investidores – não entendermos que também é parte da nossa missão ajudar na construção de soluções para o Brasil, vamos continuar como estamos hoje: esperando reformas, esperando iniciativas do governo, esperando mudanças de comportamento. Precisamos assumir o nosso papel!”, afirma Luciana.


Essa conscientização não se deu em um insight ou num “estalo”, mas em um processo. Ela conta, por exemplo, quando se deparou com o case de um negócio voltado ao tema da educação na África, em que se cobrava US$ 1 para a formação de cada criança e, concomitantemente, elas eram acompanhadas para a avaliação das melhorias de condições de suas famílias; ou seja, analisavam-se os impactos positivos do ensino não só nos pequenos estudantes, mas no seu entorno, nas pessoas ao seu redor. A história foi uma das inspirações para Luciana e seus sócios idealizarem a EB Capital. Saneamento, água, educação, saúde e conectividade são, portanto, além de desafios socioambientais, temas de negócios. Por isso, segundo Luciana, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU consistem em um excelente panorama de ideias para empreendedores, pois apresentam desde oportunidades mais “básicas”, como energia limpa e mobilidade urbana, a outras menos óbvias,

como o combate à obesidade infantil, no ODS 3. Como um negócio pode impactar positivamente nesse tema? Empresas de private equity com preocupações socioambientais, como a EB Capital, estão à procura dessas ideias. “O que, antes, era discutido como tese foi se tornando, pouco a pouco, realidade. A construção de novos mercados é capaz, sim, de garantir uma prosperidade sustentável. Agora, o próximo passo importante será a mensuração das externalidades positivas e negativas dos negócios que apoiamos”, prevê Luciana. “Nosso objetivo é que, em 20 anos, considerando nossa capacidade de atuação, possamos ver vários temas dos ODS endereçados e dizer, com orgulho, que contribuímos em alguma medida com essas soluções. O mundo está passando por um momento de transformação rápida. Em última análise, o que está sendo discutido é como todos os atores da sociedade participam dessa transformação”, afirma. IDEIA SUSTENTÁVEL |

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Felicidade no trabalho, um caminho para a autorrealização 74 | IDEIA SUSTENTÁVEL


FELICIDADE NO TRABALHO LÍDER: LEONEL ANDRADE

Para ex-CEO da Smiles, o bem-estar nas organizações está diretamente ligado à sustentabilidade dos negócios

A

s pessoas passam a maior parte de seu tempo ativo no trabalho. E as tendências de atuação profissional, impulsionadas pelos novos modelos de negócio e o uso de tecnologias digitais, são trabalhar em períodos cada vez maiores – ainda que em formato de home office –, assumir mais responsabilidades, criar um relacionamento constante com o emprego e vincular cada vez mais a vida profissional com a pessoal. Essa atuação profissional constante, isto é, que não se limita mais ao tempo presente no escritório, alinhada à falta de identificação pessoal com as atividades, cobranças em excesso e desmotivação, tem levado a enfermidades e distúrbios, como depressão, síndrome do pânico e ansiedade, doenças já consideradas como “os males do século 21”. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu, pela primeira vez, a Síndrome de Burnout na Classificação Internacional de Doenças, lista de enfermidades que prevalecerão no mundo nos próximos anos. De acordo com o Ministério da Saúde, o transtorno consiste em um distúrbio emocional com sintomas de exaustão extrema, estresse e esgotamento físico, cuja causa é justamente o excesso de trabalho somado a situações desgastantes, que demandam muita competitividade ou responsabilidade. Segundo pesquisa da International Stress Management Association (ISMA-BR), 32% dos trabalhadores

brasileiros podem estar sofrendo desses distúrbios, o que corresponde a mais de 33 milhões de pessoas. Além da questão de saúde, o elevado nível de estresse, a insatisfação com o trabalho e, sobretudo, o mau relacionamento com colegas/líderes aumentam as taxas de turnover, ou seja, a rotatividade de funcionários em uma empresa. De acordo com dados de 2017 do Ministério do Trabalho, a taxa geral de turnover no Brasil chegou em 3,79, que é um percentual bastante elevado. Segundo uma pesquisa da Deloitte nos Estados Unidos, 2 de cada 3 profissionais da Geração Y (nascidos entre as décadas de 1980 e 90) desejam mudar de emprego até o próximo ano, e um dos principais motivos é a insatisfação com o atual trabalho. Por quê? Porque os jovens profissionais têm buscado empresas cujos valores estejam alinhados com aquilo em que acreditam, com seu propósito de vida. Para Leonel Andrade, sócio-fundador da Lavi Gente e Gestão e ex-CEO da Smiles, ser feliz no trabalho é essencial para a autorrealização, desenvolvimento pessoal e para prevenir doenças como depressão e Síndrome de Burnout. Leonel aponta cinco comportamentos que conduzem o indivíduo a ser feliz na vida profissional: proatividade, bom-humor, emotividade, empatia e gratidão. “Na prática, não importa onde você trabalha, pois estará sempre buscando a felicidade, e isso também depende da maneira como você a interpreta”, explica. Para ele, o líder deve conduzir sua equipe guiado não só pela razão e focado nos negócios, lucratividade e produtividade, mas também pela emoção, respeito e empatia. Precisa saber equilibrar as dimensões do universo masculino e as do feminino. Esse é o líder do novo século, aquele capaz de influenciar os profissionais do novo século. A partir do momento em que o líder passa a humanizar as relações profissionais, sobretudo com sua equipe, e equilibrar o tempo pessoal e profissional, os liderados se sentem mais motivados e confiantes, o que aumenta a produtividade e eficiência. Além disso, segundo pesquisa publicada no Journal Of Applied Psychology, um indivíduo feliz e com altos níveis de satisfação em seu emprego é mais cooperativo, propenso a ajudar os outros e se sente mais contente com seus resultados. “Quem consegue promover a felicidade normalmente tem maior retorno e melhora a sustentabilidade do seu negócio”, afirma Leonel.

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CASES

Simplicidade para se reconectar Por que o ex-CEO da Cielo trocou a agenda agitada de workaholic por um estilo de vida mais simples e desapegado

SIMPLICIDADE NA VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL LÍDER: EDUARDO GOUVEIA

A

s companhias brasileiras baseiam-se em um modelo de gestão convencional que, apesar de modernizar os negócios e apresentar bom retorno financeiro, criou uma cultura corporativa focada na competitividade agressiva, no lucro acima de tudo e na entrega constante de resultados. Para os executivos e lideranças, isso se traduz em uma agenda de compromissos agitada, como muitas reuniões e viagens, carga horária intensa de trabalho, disponibilidade integral para atender telefonemas e responder e-mails. 76 | IDEIA SUSTENTÁVEL

Nesse modelo de gestão, muitos “benefícios” são oferecidos às lideranças para “compensar” essa agenda, colocando à sua disposição veículos importados, motoristas, seguranças, celulares, entre outras vantagens incorporadas ao status da liderança que, muitas vezes, impulsionam os profissionais a trabalhar ainda mais. A Síndrome de Burnout é um distúrbio cada vez mais comum no mercado, e pesquisas indicam que as pessoas com maior propensão a apresentar os sintomas de esgotamento são justamente líderes empresariais, devido ao acúmulo de atividades e responsabilidades. Segundo dados da Nascia, uma rede espanhola de especialistas em tratamento de estresse, 60% dos casos de Burnout associados ao estresse crônico do trabalho afetam esses profissionais, que são responsáveis por pessoas e projetos nas empresas. Eduardo Gouveia, hoje conselheiro de empresas e investidor em startups, passou por diversos cargos de liderança antes de se tornar CEO de companhias como Multiplus, Alelo, Livelo e Cielo. O líder sentiu na pele o que um estilo de vida focado integralmente no trabalho pode causar. Depois de anos de atividade profissional intensa, Gouveia percebeu o quanto estava afastado de sua família aquele estilo workaholic estava influenciando negativamente sua saúde física e mental. O estalo que teve ao perceber sua situação de estresse corporativo veio, contudo, com uma enfermidade de sua esposa.


O casal, então, decidiu tirar um ano sabático em Londres, abrindo mão da vida corrida, mas materialmente bem compensada, no Brasil por um padrão mais básico e desapegado. A experiência os permitiu ver a vida de modo mais descomplicado, e ambos passaram a buscar a simplicidade como forma de autoconhecimento e de conexão com a família e a sociedade. “Em Londres, tinha uma vida confortável, mas sem empregados, motoristas e toda a estrutura com a qual estava acostumado no Brasil. E também não carregava mais o sobrenome corporativo, que muitas vezes me proporcionou momentos de privilégios”, conta Gouveia. “Já na Europa, utilizávamos transporte público e andávamos a pé pelas ruas. Percebemos que não precisávamos de tudo aquilo que tínhamos anteriormente. Descobrimos que dá

para se viver com poucas camisetas, três calças jeans e três pares de sapato”, complementa. De volta ao Brasil, Gouveia e sua família decidiram manter o estilo de vida simples. Diminuíram a estrutura da casa, doaram parte de seus bens e aboliram o uso do próprio carro. “Estou muito melhor que antes, mais pleno. A vida vale a pena”, afirma. Agora, busca sempre equilibrar a vida profissional com a pessoal, direcionando mais tempo para a convivência em família. Hoje, o líder tem como missão influenciar outros executivos a repensar seus caminhos e a também adotar um estilo mais simples para se viver, além de se preocuparem com outras questões além da entrega de resultados e lucros, buscando um propósito para a profissão e dando mais sentido à vida.

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CASES

“Aceita esta caneta!”

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ODS COMO CAUSAS PARA TODOS PACTO GLOBAL LÍDER: SONIA FAVARETTO

Pacto Global mobiliza CEOs de todo o mundo a assinarem compromisso pelo clima

“C

ada 0,1 grau importa. Juntos, podemos evitar uma catástrofe climática.” Com esse mote, o Pacto Global – iniciativa criada pela ONU para incentivar empresas do mundo todo a adotar práticas de sustentabilidade – lançou a campanha #AceitaEstaCaneta, em que incentiva CEOs a assumir publicamente um compromisso contra o aquecimento global e pela Agenda 2030 nas organizações. A proposta da campanha consiste em mobilizar empresas a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. A meta é limitar o aumento da temperatura global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM), o planeta já apresenta um aumento de 1ºC em sua temperatura em comparação com o período anterior à industrialização. Se a tendência continuar, até o fim do século a temperatura do planeta poderá estar 5º mais elevada. Ainda segundo a OMM, mesmo se todas as metas do Acordo de Paris forem cumpridas, o planeta ainda poderia esquentar em 3ºC até o ano de 2.100. A campanha do Pacto Global é focada na alta liderança por focar no poder de tomada de decisão. Para Sonia Favaretto, presidente da Rede Brasil do Pacto Global, essa campanha tem um simbolismo especial, tornando-se uma bandeira que ela carrega consigo. Sonia, em toda sua vida profissional, desde a formação como jornalista até as atividades como líder de grandes empresas – e agora como presidente do Pacto

Global no Brasil –, encontrou na caneta, um objeto tão simples e comum, um símbolo poderoso para melhorar o mundo. Para um jornalista, personagem essencial na manutenção da democracia, a caneta é ferramenta que comunica, informa e educa a sociedade a respeito de temas de interesse público – inclusive, pode também levar ao conhecimento dos cidadãos dados e informações sobre o aquecimento global e suas consequências. Para um líder, a caneta representa a tomada de decisão. Com uma assinatura, ele determina ações corporativas que têm potencial de impactar de forma significativa a sociedade e o planeta, seja positiva ou negativamente. Sonia Favaretto foi vice-presidente da Rede Brasil do Pacto Global de 2017 a junho de 2019, quando assumiu a presidência. Seu ativismo pelos ODS, contudo, vem de antes de sua atuação como liderança do Pacto. Em 2016, ela foi eleita entre os primeiros líderes SDG Pioneer, reconhecimento da organização a executivos pioneiros na sustentabilidade, que atuam pela promoção da Agenda 2030. De 2016 a 2019, 39 líderes mundiais já foram reconhecidos como SDG Pioneer, sendo quatro deles brasileiros. “O que é ser uma pioneira? ‘Palavra usada para descrever alguém que é o primeiro a abrir caminho através de uma região mal conhecida’, define um dicionário. Desbravador, descobridor, aquele que prepara os resultados futuros. Bom, tem a ver, sim, com o que faço em sustentabilidade há quase duas décadas. Então me sinto um pouco mais confortável nesse belo rótulo, me acomodo um pouco mais dentro dessa “fantasia”, consigo carregar um pouco mais esse importante título”, escreveu Sonia em uma crônica publicada após o reconhecimento. Sobre a responsabilidade do líder em tomar decisões que favoreçam o planeta e a humanidade, Sonia afirma que é grande; porém, recompensadora. Em sua crônica, ela recomenda que o líder olhe para si mesmo, para seus gestos e falas e reveja seus comportamentos e seu modo de fazer negócios. Para ela, não basta abraçar a causa solitariamente. O líder precisa inspirar outras lideranças a fazer o mesmo e multiplicar pioneiros pela sustentabilidade, sejam estes reconhecidos ou não pela ONU. E esta é a missão de #AceitaEstaCaneta, uma bandeira defendida por Sonia antes mesmo de a campanha ser criada.

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INSTITUCIONAL

Chegou a hora de definir a causa da sua empresa Ideia Sustentável e Makemake convidam você a percorrer a jornada do ativismo corporativo em 4is

IDENTIFICAR Imersão para identificar causas que tenham a ver com o negócio.

INTEGRAR IDEALIZAR Diálogos entre a empresa e seus stakeholders para expor os problemas a serem resolvidos e para idealização de um futuro compartilhado.

Revisão de planejamentos estratégicos para integrar a causa à empresa.

O QUE É Um framework que permite às consultorias Ideia Sustentável e Makemake prover soluções para as empresas durante toda as etapas do processo de ativismo corporativo, desde a identificação das causas que a organização pode defender à interação com seus públicos estratégicos.

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INTERAGIR Apoio de conteúdo, de estratégia e para melhoria de soft skills para que a empresa interaja com os seus públicos com segurança.

FINAL DA JORNADA Empresa e sociedade alcançaram os objetivos pretendidos.


SERVIÇOS OFERECIDOS A CADA ETAPA: IDENTIFICANDO AS CAUSAS:

1

Imersão na empresa para conhecer a sua história e atributos de valor para a sociedade Pesquisa com público interno e acionistas Revisão das causas já adotadas em busca de alinhamento com a empresa

2 3

IDEALIZANDO O FUTURO COMPARTILHADO:

1 2 3

Rodas de diálogo internas para sensibilização em torno da causa adotada Definição do lugar de fala da empresa em relação à causa Criação de manifesto para adoção da causa

INTEGRANDO A CAUSA À EMPRESA:

1

Revisão de planejamentos estratégicos para integrar a causa aos planos de ação 2 Criação de métricas em torno da causa 3 Revisão de processos e práticas internas para alinhamento à causa 4 Criação ou revisão de formas de prestação de contas à sociedade em relação ao envolvimento com a causa

INTERAGINDO COM A CAUSA: 1 Elaboração de planejamento de comunicação da causa na empresa 2Curadoria e assessoria para eventos 3 Curadoria de conteúdo para redes sociais 4 Treinamentos de lideranças 5 Curadoria de conteúdo para campanhas e comunicação interna 6 Criação de sugestões de pautas para divulgação do envolvimento da empresa com a causa de forma

AS CONSULTORIAS ENVOLVIDAS

!

IDEIA SUSTENTÁVEL

MAKEMAKE

A Ideia Sustentável é uma das primeiras consultorias especializadas em sustentabilidade empresarial no Brasil. Elabora/revisa planejamento estratégicos de sustentabilidade, realiza palestras e workshops para líderes e colaboadores e produz conteúdo para empresas inovadoras.

A Makemake é “A casa da Reputação no Brasil”, com consultoria em Reputação, Planejamento de Comunicação, Projetos de Memória Corporativa e Cursos in Company, criadora da Revista da Reputação e do movimento Reputação Brasil.

Fundada e dirigida por Ricardo Voltolini, é realizadora da Plataforma Liderança com Valores.

Liderada por Tatiana Maia Lins, foi criada em 2011 no Rio de Janeiro.

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REFLEXÃO

O incômodo que virou banco Como Alessandra França fez do sonho de democratizar o acesso ao crédito no Brasil um negócio de sucesso

É

difícil realizar o fato de que o Banco Pérola completou, em 29 de outubro de 2019, 10 anos. Mais do que ver meu sonho se concretizar, celebramos mais de 3.500 micro e pequenos empreendedores que receberam empréstimos justos, em negociações honestas, com atendimento humanizado. Nossa missão se manteve a mesma desde o começo: democratizar o acesso ao crédito de qualidade no Brasil. A primeira inspiração foi a história da minha família. Sou filha de microempreendedores que vieram do Paraná procurar melhores oportunidades de trabalho no interior de São Paulo, em Sorocaba. Acompanhei de perto a luta deles em um ambiente político e econômico tão inóspito quanto o brasileiro. Aos 16 anos, participei de um processo que resultou, ao mesmo tempo, em uma bolsa de estudos em um colégio particular da cidade (até então frequentava a rede pública) e uma vaga no Projeto Pérola, de inclusão digital e cidadania. Também no Projeto Pérola me envolvi com o programa Escola de Talentos, que ensinava empreendedo-

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rismo a jovens da comunidade. Percebi que, mesmo com boas propostas, demanda de mercado e força de trabalho, faltava crédito para que eles iniciassem um negócio próprio. Outra grande influência na minha trajetória foi Muhammad Yunus, criador do primeiro banco de microcrédito do mundo, o Grameen Bank. Começava a surgir uma ideia do que um dia seria o Banco Pérola; porém, foi na Artemísia, incubadora de negócios sociais, que consegui ter clareza de um projeto concreto, após uma imersão facilitada pela equipe. Classificada como uma das cinco vencedoras do prêmio oferecido, recebi R$ 40 mil para fazer as primeiras operações de microcrédito produtivo orientado, ou seja, empréstimos específicos para investir em pequenos negócios. Como é a realidade de muitas ONGs, um dos grandes desafios que enfrentávamos era funding. Durante anos, angariamos doações e ganhamos premiações, mas demos um passo importante quando, em 2014, fiz parte de um grupo que conseguiu a aprovação do Pérola FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), na CVM (Comissão de Valo-

res Mobiliários). O tempo que despendia em busca de funding podia ser muito mais bem aproveitado se nos dedicássemos a desenvolver um instrumento que trouxesse recursos maiores e de forma recorrente. O nome da associação de crédito e do fundo foi uma homenagem ao Projeto Pérola, o que acabou sendo muito auspicioso, pois transmite com exatidão o impulso propulsor do trabalho realizado: como escreveu Rubem Alves em Ostra feliz não faz pérola, a pérola nasce da dor da ostra que, para se proteger de um corpo estranho que entra na concha, gera uma preciosidade. Assim como na natureza, foi o meu incômodo, ao ver a dificuldade do pequeno empreendedor da minha comunidade, que me motivou a descobrir e a viver esse propósito.

ALESSANDRA FRANÇA, fundadora e diretora do Banco Pérola


REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO GOLD

PATROCÍNIO SILVER

PATROCÍNIO BRONZE

PARCEIROS INSTITUCIONAIS

PARCEIRO DE MÍDIA


O que aprender com os LÍDERES ATIVISTAS de causas que beneficiam as pessoas e o planeta

NTINO TÂNIA COSE MICROSOFT

ARETTO SONIA FAV L BA PACTO GLO

DRADE LEONEL AN

OUVEIA EDUARDO G

REVISTA 2030 |

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DOCCI TADEU NAR NOVELIS

LMAKA CRISTINA PA

NTONINI LUCIANA A L

HOAL PAULA PASC

ASTRO ADRIANA C

BREU CLAUDIA A

ISSATI JEAN JERE

KAHASHI CARLOS TA

EB CAPITA

’S BEN&JERRY

AMBEV

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PAYPAL

RDE MUNDO VE

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