Revista
Florestas Comunitárias Abril - 2016 - Ano I - Nº01
Entrevista Os rumos do manejo florestal comunitário em Unidades de Conservação na Amazônia: perspectivas e desafios
Normativa Regulamentação do ICMBio permite exploração da madeira por comunidades tradicionais de forma sustentável em Unidades de Conservação
Comunidades Acompanhe como foi o desenvolvimento do projeto desenvolvido pelo IFT em três Reservas Extrativistas, uma no Amazonas e duas no Pará
MANEJO FLORESTAL Populações tradicionais da Amazônia utilizam recursos florestais de forma sustentável
Expediente
Revista
Florestas Comunitárias Abril - 2016 - Ano I - Nº01
A Revista Florestas Comunitárias é uma publicação eletrônica do Programa Florestas Comunitárias, desenvolvido pelo Instituto Floresta Tropical. É disponibilizada on line no site institucional e enviada para listas de e-mails cadastrados para receber a newsletter. O objetivo é promover e dissseminar ações de manejo florestal comunitário realizadas por populações tradicionais da Amazônia.
SECRETÁRIO EXECUTIVO José Natalino Macedo Silva | josenatalino@ift.org.br VICE-SECRETÁRIO Iran Paz Pires Vice-Secretário Executivo | iran@ift.org.br GERENTE ADMINISTRATIVO FINANCEIRA Sônia Machado | sonia@ift.org.br COORDENADORA DO PROGRAMA FLORESTAS COMUNITÁRIAS Ana Luiza Violato Espada | anaviolato@ift.org.br JORNALISTA RESPONSÁVEL Elias Santos Serejo | SRTE-Pa/2258 - elias@ift.org.br FOTOGRAFIA Arquivo IFT e Divulgação
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Sumário 3
Manejar a floresta é conservá-la para sempre
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Fundo Vale: parceria para promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia
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Manejo florestal para quê?
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Manejo Florestal Comunitário: ciência, tradição e tecnologia em defesa da floresta em pé
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Ituxi é a terceira Resex da Amazônia a realizar o manejo florestal
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Cinco Planos de manejo da Resex Verde para Sempre aguardam Autorização de Exploração para serem executados
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Resex Mapuá é símbolo de luta e resistência das populações tradicionais da Amazônia
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Os rumos do manejo florestal comunitário em Unidades de Conservação na Amazônia: perspectivas e desafios
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Instrução Normativa permite exploração florestal sustentável em Unidades de Conservação
INSTITUCIONAL
Manejar a floresta é conservá-la para sempre
O
Instituto Floresta Tropical (IFT) é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) que atua na Amazônia com foco em questões florestais. A instituição presta contas ao Ministério da Justiça e recebe avaliação externa em relação à transparência institucional. Para isto, adotou práticas eficazes de controle dos recursos financeiros, alcançando alto nível de transparência. É apoiado por diversos doadores que recebem e aprovam projetos que objetivam promover boas práticas de manejo florestal na Amazônia. O IFT oferece experiência prática in loco, além de um relevante acervo teórico para aplicação de técnicas de Manejo Florestal com Exploração de Impacto Reduzido. O público, em geral, são agentes do governo, trabalhadores da indústria madeireira, comunidades, pequenos produtores rurais, estudantes de escolas técnicas e universidades, além de tomadores de decisão de diversas esferas. Toda a expertise técnica acumulada em 20 anos de existência gera demanda por parte de entidades governamentais, comunidades, empresas e outras organizações que contratam o IFT para implementar estudos técnicos
florestais e conduzir pesquisa florestal, assim como realizar treinamentos específicos em atividades do manejo florestal. Para a formatação e condução do programa de capacitação e treinamento, a Instituição conta com uma estrutura que inclui um Centro de Manejo Florestal Roberto Bauch (CMFRB) em Paragominas, em parceria com a empresa Cikel Brasil Verde, que dispõe de cinco mil hectares de florestas manejadas para demonstrações e treinamentos. Graças a parcerias com as empresas Caterpillar e Stihl, o CMFRB conta também com máquinas e equipamentos florestais diversos para aplicar às práticas de manejo florestal. O IFT possui hoje um portfólio de 11 cursos práticos em manejo florestal que podem ser executados no Centro de Manejo Florestal ou nas próprias áreas das empresas e comunidades. A partir destas experiências, o IFT reúne novos esforços e assume outras nuances da conservação florestal, como o fortalecimento da organização social para a realização do manejo florestal comunitário. O histórico de parceria entre IFT e povos da floresta permeia a fundação do instituto, mas alcança em 2012, ano em que implantou o Programa Florestas Comunitárias, importante relevância 3
A missão do IFT é promover a adoção de boas práticas de manejo florestal, contribuindo para a conservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população. Assista ao documentário produzido pelo IFT. Clique aqui!
na agenda institucional. A partir de então, o IFT potencializou a parceria com comunidades tradicionais e produtores rurais familiares. Em 2014, o IFT aprovou o Projeto de Apoio ao Desenvolvimento do Manejo Florestal Comunitário e Familiar em Florestas Públicas da Amazônia Brasileira, desenvolvido em parceria com o Fundo Vale, abrangendo três Reservas Extrativistas (Resex): Verde Para Sempre e Mapuá, no Pará, e Ituxi, no Amazonas. Durante os trabalhos realizados com as comunidades destas Resex no período que antecedeu a aprovação do projeto, o IFT detectou uma pré-disposição dos moradores em usar racionalmente os recursos naturais e, inclusive, estruturar e estabelecer cadeias de valor para os principais produtos florestais com os quais eles já trabalhavam em escala familiar. O IFT identificou que as dificuldades encontradas por moradores da floresta ocasionavam forte erosão das tradições e a migração para as cidades em busca de sobrevivência. Muitas famílias já promoviam o uso madeireiro e não madeireiro das florestas nestas regiões, algumas em condições informais e a grande maioria ilegais. Verificou-se que existe um forte interesse por manejo florestal, sendo necessárias políticas de fomento e de formação de
competências técnicas para permitir que o uso florestal esteja aliado à conservação ambiental e desenvolvimento local. Existem grandes desafios para o uso de recursos naturais de forma sustentável, principalmente se for considerado que as populações locais ainda estão expostas a um baixo nível de apoio em termos de políticas públicas básicas. Estas populações lutam pela efetivação do manejo florestal e encontraram na parceria com o IFT uma forma de tornar o extrativismo florestal uma alternativa de geração de renda e bem-estar social. Nasce, então, no cerne do IFT, novos olhares para a floresta, desta vez com uma visão voltada para aqueles que vivem dela e para ela. A missão do IFT é promover a adoção de boas práticas de manejo florestal, contribuindo para a conservação dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população. A visão da instituição é o desenvolvimento de um setor florestal justo, sustentável e inclusivo na Amazônia brasileira, amparado por uma indústria fortemente baseada na construção de capacidades técnicas e na legalidade, e reconhecedor das comunidades tradicionais como uma importante fonte de conhecimento e de suprimento de produtos oriundos da sociobiodiversidade. 4
INSTITUCIONAL
Acesse o site do Fundo Vale. Clique!
Fundo Vale: parceria para promover o desenvolvimento sustentável na Amazônia
O
Fundo Vale é uma associação sem fins lucrativos, com o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que busca conectar instituições e iniciativas em prol da sustentabilidade. Sua missão é promover o desenvolvimento sustentável ao induzir, conectar ou multiplicar soluções transformadoras para as sociedades, mercados e meio ambiente. Criado em 2009 pela Vale como contribuição da empresa para a busca de soluções globais de sustentabilidade, o Fundo priorizou suas ações no bioma Amazônia, apoiando e financiando projetos que unem a conservação dos recursos naturais à melhoria da qualidade de vida e fortalecimento dos territórios. Em mais de seis anos de atividades, acumulou experiência em sete estados brasileiros (Pará, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amapá e Maranhão), com mais de 45 iniciativas apoiadas e parcerias com 25 organizações socioambientais reconhecidas por sua atuação em campo e grande experiência, entre elas o Instituto Floresta Tropical (IFT).
Tais ações buscam incidência em temas como fortalecimento da sociedade civil, mecanismos de governança, nova economia, ordenamento territorial, políticas públicas e geração e disseminação de conhecimento. O Fundo Vale atua em rede, com todos os setores da sociedade, por meio de parcerias que gerem ações transformadoras e criem um processo de referência que pode ser reaplicado em outras regiões. São projetos que buscam soluções possíveis de ganhar escala e deixar um legado positivo para as comunidades locais. Prioriza ações que contribuam para a gestão integrada do território, buscando atuar como um agente de fomento e integração de agendas que levem a um modelo econômico que valorize a floresta em pé. A partir de uma equipe de profissionais e parceiros qualificados, suas iniciativas buscam transformar a realidade local, aliando a conservação ambiental com a melhoria da qualidade de vida das comunidades onde atua. Conheça um pouco mais sobre o trabalho do Fundo Vale em www.fundovale.org
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ARTIGO Manejo florestal para quê?
A
floresta amazônica abriga 30% da biodiversidade e 50% da água potável do planeta. Ainda, possui incalculável importância para a manutenção do clima e dos serviços ecológicos que fornece (manutenção de solo, evapotranspiração, ciclos biogeoquímicos, estoque de carbono, entre outros). Contudo, no último século, quase metade das florestas deixaram de existir no planeta e a maior pressão atualmente se concentra nas florestas tropicais. O Brasil se destaca nesse cenário por possuir a mais importante floresta tropical do mundo, a floresta amazônica e, ao mesmo tempo, por não conseguir controlar de forma eficiente o desmatamento e a degradação florestal. O bioma Amazônia, caracterizado pela ampla cobertura de floresta tropical, ocupa 49% do território brasileiro. Todavia, até 2013, o desmatamento acumulado na região amazônica chegou a 763.000 km², área equivalente a três estados de São Paulo. Esse montante equivale à perda de quase 20% da cobertura original do bioma amazônico. O percentual é alarmante. A perda refere-se, também, à rica biodiversidade presente nos ecossistemas florestais dos trópicos, além de afetar milhares de famílias que vivem dos recursos naturais da região. As florestas da Amazônia também são alvo de ação predatória para geração de riquezas a partir da exploração seletiva e ilegal de espécies arbóreas de alto valor comercial. Em função disso, a degradação ocasiona desvalorização das florestas, conduzindo ao desmatamento e conversão do uso do solo em atividades agropecuárias. Essa conversão do capital natural em capital econômico não necessariamente acarreta melhorias expressivas das condições socioeconômicas e de bem-estar social daquelas pessoas que vivem na região. Ao contrário, pobreza, desigualdade e problemas graves de saúde persistem ao longo das duas
últimas décadas na Amazônia. Uma forma de coibir a ação predatória é fazendo o uso racional dos recursos naturais, que pode ser feito por meio do manejo florestal sustentável. O manejo florestal é a administração de uma floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, aplicando técnicas e práticas de exploração de impacto reduzido e garantindo que a floresta seja capaz de suprir, de forma contínua, produtos e serviços ecossistêmicos. Nesse contexto, o manejo florestal comunitário na região amazônica representa uma das atividades econômicas mais importantes para inibir a exploração predatória e viabilizar transformações desejadas para a região, como aquelas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O uso planejado dos recursos florestais é uma das formas mais eficientes e legítimas de se buscar a conservação ambiental e a autonomia social e econômica em florestas comunitárias da Amazônia. Quando manejada corretamente, a floresta é valorizada em pé e os riscos de degradação florestal e de desmatamento diminuem. Com planejamento e aplicação de técnicas de bom manejo, as condições de saúde e segurança no trabalho melhoram e os grupos comunitários passam a acessar um mercado formal com a possibilidade de garantir estabilidade e legalidade na comercialização de produtos florestais madeireiros e não madeireiros. Devido ao relevante papel na conservação ambiental, o manejo de florestas naturais na Amazônia brasileira merece um olhar mais atento e cuidadoso por parte de governos (municipal, estadual e federal) que se propõem a pactuar metas de combate ao desmatamento e degradação florestal. Contudo, notamos que ainda são insuficientes os esforços para a promoção do manejo florestal comunitário que, junto a outras agendas, depende de investimentos e de um compromisso mais sério do Estado, que ainda subestima, por exemplo, o número de servidores públicos para apoiar a gestão de florestas públicas e combater a ilegalidade no setor florestal, principalmente madeireiro. O manejo florestal comunitário é fundamental para a conservação dos recursos naturais e para o desenvolvimento da Amazônia brasileira devido à dimensão territorial que as florestas públicas destinadas para comunidades ocupam. Do total de 224 milhões de hectares de florestas
“O manejo florestal comunitário é fundamental para a conservação dos recursos naturais e para o desenvolvimento da Amazônia brasileira devido à dimensão territorial que as florestas públicas destinadas para comunidades ocupam”
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entou para os problemas enfrentados por comunidades públicas federais cadastradas, 61% são destinadas ao que buscam realizar o manejo florestal como alternativa uso comunitário e a maior parte encontra-se na região amazônica. Com destaque para as Reservas Extrativistas e para geração de renda e estabelecimento de atividades econômicas legais. A partir de demandas apresentadas peos assentamentos ambientalmente diferenciados que representam 9% e 11%, respectivamente, do total de florestas las próprias comunidades e pelo órgão gestor de florestas públicas, o IFT estabeleceu um programa específico para públicas destinadas ao uso comunitário. apoiar e assessorar produtores florestais de pequena escala As Reservas Extrativistas e os assentamentos ambientale comunidades em suas escolhas produtivas relacionadas mente diferenciados possuem grande potencial para o manejo florestal comunitário, mas a maioria ainda se enao uso e à conservação de florestas. contra em situação de vulnerabilidade, seja pelas deficiên- Com o estabelecimento do Programa Florestas Comucias na gestão destas florestas públicas ou pela pressão de nitárias do IFT, o Instituto mostra à sociedade brasileira, sobretudo a amazônica, que o manejo florestal comumadeireiros e outros grupos econômicos interessados no nitário deve ser incentivado e promovido. As comuuso e apropriação dos recursos naturais em curto prazo, ocasionando degradação florestal, desmatamento e probnidades possuem papel importante para a gestão dos lemas sociais e econômicos para as famílias que vivem nas recursos florestais e áreas. conservação ambiental na Amazônia, Atualmente, em apenas quatro Unidades de Conservação mas para que isso se de Uso Sustentável geridas pelo Instituto Chico Mendes efetive, é preciso inde Conservação da Biodiversidade (ICMBio) se realvestir e oferecer apoio iza a exploração madeireira de forma comunitária na Amazônia. São elas: Resex Chico Mendes (AC), Resex técnico para as comunidades que vivem da Ituxi (AM), Flona do Tapajós (PA) e Resex Verde para Sempre (PA). Na Flona do Purus, o PMFS Comunitário floresta e pela floresta. está licenciado e em fase inicial de organização comunitária e planejamento. O Instituto Floresta Tropical (IFT), cuja missão é promover a adoção de boas práticas de manejo florestal Ana Luiza Violato Espada Ana Luiza explica contribuindo para a conservação dos recursos naturais o papel do IFT no Coordenadora do Programa e a melhoria da qualidade de vida da população, se atmanejo florestal. Ouça! Florestas Comunitárias 8
FLORESTAS
Manejo Florestal Comunitário: ciência, tradição e tecnologia em defesa da floresta em pé
E
m cinco décadas de desenvolvimento, a indústria madeireira regional, largamente incentivada pelo mercado de construção civil brasileiro, desenvolveu um padrão fortemente baseado na degradação de florestas para sua sobrevivência, nascendo uma atividade extensiva, migratória e não planejada. Na segunda metade da década de 2000, novas perspectivas surgiram para o uso sustentável e para a conservação de florestas aliadas ao desenvolvimento econômico e social, além do aprimoramento e surgimento de bases legais para o estabeleci¬mento do manejo florestal, desta¬cando o papel fundamental das florestas no câmbio climático. A exploração florestal madeireira ganhou contornos de desmatamento, mas será esta a única realidade? É muito provável associar a imagem de uma árvore sendo derrubada na floresta como uma atividade criminosa. Isso acontece muito por que há um desconhecimento por parte da população sobre o manejo florestal. Utilizar os recursos naturais da floresta de forma sustentável é possível e a madeira está entre os produtos oferecidos pela natureza que podem ser explorados. É justamente neste trabalho de desmistificação do manejo florestal, capacitação de agentes multiplicadores de boas práticas e apoio ao manejo florestal realizado por comunidades que tem se concentrado o trabalho do IFT, que atua há mais de 20 anos na Amazônia. Na visão do IFT, o manejo florestal pode ser definido como o uso de práticas de planejamento e princípios de conservação que visam garantir que uma determinada floresta seja capaz de suprir, de forma contínua, um determinado produto ou serviço. Na Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei Federal 11.284/2006), no artigo 3°, inciso VI, manejo florestal é definido como a “administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos
de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras, de múltiplos produtos e subprodutos não madeireiros, bem como a utilização de outros bens e serviços de natureza florestal”. Independentemente da definição, temos que o planejamento é o princípio por trás do manejo florestal. Só é possível fazer o bom uso da floresta se houver planejamento de como isso será feito.
E quando o manejo florestal é realizado por comunidades tradicionais? O Manejo Florestal Comunitário e Familiar (MFCF) é, segundo o Ministério do Meio Ambiente, a união do planejamento, de ações e de técnicas adequadas para o uso econômico da floresta realizado por um grupo familiar ou de moradores de áreas florestais que possuem o direito de uso da floresta (área particular ou concessão de direito real de uso). Nesse arranjo, as pessoas envolvidas assumem o compromisso de cuidar da floresta, buscando benefícios ecológicos, sociais, culturais, econômicos e legais. Isto é possível por meio da conservação do meio ambiente, saúde, educação, trabalho digno e geração de renda. O manejo de uso múltiplo propõe que as comunidades possam usufruir dos benefícios florestais, durante todo o ano, respeitando os períodos de colheita e descanso da floresta. Este manejo garante também a continuidade de remuneração às famílias, pois os períodos de safra dos diversos produtos se alternam. Comunidades tradicionais residentes em Unidades de Conservação (UCs) têm se organizado para realizar a atividade e alcançado significativos resultados. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei n. 9.985/2000, conceitua Unidade de Conservação como 9
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. As UCs asseguram às populações tradicionais o uso sustentável dos recursos naturais de forma racional
e ainda propiciam às comunidades do entorno o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis. Estas áreas estão sujeitas a normas e regras especiais. São legalmente criadas pelos governos federal, estaduais e municipais, após a realização de estudos técnicos dos espaços propostos e, quando necessário, consulta à população.
As UCs dividem-se em dois grupos:
Unidades de Proteção Integral A proteção da natureza é o principal objetivo dessas unidades, por isso as regras e normas são mais restritivas. Nesse grupo é permitido apenas o uso indireto dos recursos naturais; ou seja, aquele que não envolve consumo, coleta ou dano aos recursos naturais. Exemplos de atividades de uso indireto dos recursos naturais são: recreação em contato com a natureza, turismo ecológico, pesquisa científica, educação e interpretação ambiental, entre outras. As categorias de proteção integral são: estação ecológica, reserva biológica, parque, monumento natural e refúgio de vida silvestre.
E foi em Unidades de Conservação da categoria uso sustentável, especificamente Reserva Extrativista, que se concentrou o trabalho desenvolvido pelo IFT nos últimos dois anos. O “Projeto de Apoio ao Desenvolvimento do Manejo Florestal Comunitário e Familiar em Florestas Públicas da Amazônia Brasileira” se propôs a mitigar alguns dos problemas estruturais do setor florestal amazônico ao desenvolver, aprimorar e disseminar modelos de uso dos recursos florestais por famílias e comunidades rurais de três Resex: Ituxi, localizada no
Acesse álbum com imagens de manejo florestal! A história do manejo florestal na Amazônia. Assista!
Unidades de Uso Sustentável
São áreas que visam conciliar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais. Nesse grupo, atividades que envolvem coleta e uso dos recursos naturais são permitidas, mas desde que praticadas de uma forma que a perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos esteja assegurada. As categorias de uso sustentável são: área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva de fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), Reserva Extrativista (Resex), Área de Proteção Ambiental (APA) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). município de Lábrea, no Amazonas, Verde para Sempre, em Porto de Moz e Mapuá, em Breves, ambas localizadas no estado do Pará. O projeto buscou reunir conhecimentos empíricos e as necessidades das famílias e comunidades rurais com os aprendizados técnicos, operacionais e científicos aprimorados pelo IFT por meio do Programa de Capacitação e Treinamento em Manejo Florestal, além das experiências e lições apreendidas de projetos desenvolvidos pelo Instituto.
FLORESTAS
Silvério Maciel, líder comunitário, fala sobre a 1ª exploração madeireira. Assista!
Ituxi é a terceira Resex da Amazônia a realizar o manejo florestal
O
destino final da audaciosa Rodovia Transamazônica - que percorre sete estados brasileiros (Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas) - é a cidade de Lábrea, no Amazonas. Com pouco mais de 37 mil habitantes, está localizada na região sul do estado, e pertence à uma extensa área de conflitos do arco do desmatamento que inclui, ainda, áreas de Rondônia e Acre. É neste cenário que está localizada a Reserva Extrativista Ituxi, que integra o espaço territorial de Lábrea. O acesso às principais comunidades que vivem nesta UC é fluvial, em barcos ou voadeiras. Criada em 2008, a Resex possui área aproximada de 780 mil hectares cobertos de florestas de terra firme e várzea. No último censo demográfico realizado pelo ICMBio, em 2012, foram registrados 564 habitantes distribuídos em 123 famílias e 19 assentamentos humanos. As principais atividades produtivas desenvolvidas pelas comunidades de Ituxi são a coleta da castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), produção de farinha de mandioca e a extração do óleo de copaíba (Copaifera sp.). Além desses produtos, a extração da madeira é uma atividade econômica bastante importante para os moradores.
A Resex Ituxi é um dos territórios abrangidos pelo projeto desenvolvido pelo IFT. A relação entre as comunidades da região e o Instituto foi estabelecida em 2012, quando o IFT foi contratado pelo Banco Mundial, em um projeto conduzido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para conduzir algumas capacitações preliminares (técnicas pré-exploratórias do manejo florestal) e para avaliar o potencial para o manejo florestal em quatro Unidades de Conservação federais da Amazônia. O relatório da avaliação revelou um alto potencial para o desenvolvimento do manejo florestal na Resex Ituxi. Entre os produtos já explorados de forma sustentável pelos povos que habitam a Resex, estão a castanha-do-brasil, o óleo de copaíba, o pirarucu e mais recentemente a madeira, cujo a autorização para exploração autorizou um volume explorado na primeira Unidade de Produção Anual (UPA) de cerca de 1400m³ de madeira em tora revertidos em 440 metros cúbicos de madeira serrada. O trabalho é conduzido pelo Empreendimento Angelim, um grupo de manejadores formado pelos próprios comunitários que fazem a gestão de 11
todo o projeto de manejo florestal. “Hoje temos um grupo organizado, uma cooperativa formada para comercializar os produtos que trabalhamos, uma associação fortalecida e estamos inclusive executando recursos da Fundação Banco do Brasil, que vai nos auxiliar na compra de equipamentos para ajudar na exploração da madeira”, comemora Silvério Barros Maciel, presidente da Associação do Produtores Agroextrativista da Assembleia de Deus do Rio Ituxi (APADRIT). A luta para chegar até a execução do manejo florestal comunitário foi árdua e o projeto do IFT, segundo Silvério, foi propulsor de muitas mudanças que ocorreram dentro da Resex. “Tenho certeza que sem o apoio do IFT não teríamos chegado até aqui. Entendemos que há muita dificuldade e que nossos conhecimentos de gestão são poucos, por isso é necessário esse apoio. Com nosso grupo de manejadores organizado agora já estamos extraindo nossa madeira e logo colheremos os frutos desse trabalho”, comemora. Os produtos da Resex Ituxi serão comercializados por meio da Cooperativa Agroextrativista do Rio Ituxi (Coopagri), criada ao logo do projeto desenvolvido pelo IFT. A assembleia de criação da Coopagri foi realizada no dia 12 de dezembro de 2015 na comunidade Vila Vitória e contou com a participação de mais de 50 moradores interessados em compor a cooperativa. A chapa eleita por aclamação tem como presidente a jovem professora Gilmara Pereira do Nascimen-
to, 22 anos. Aliás, fôlego jovial é o que não vai faltar ao grupo que é composto em sua maioria por jovens com idade entre 20 e 30 anos. Para a presidente, este é um momento de olhar para dentro da Reserva e unir esforços para levar o desenvolvimento com foco na sustentabilidade para as terras de Ituxi. “Eu precisei sair daqui para estudar na cidade, quero que todos tenham a oportunidade de crescer aqui dentro mesmo, com escola, posto de saúde, transporte. Temos a força da juventude em nossas mãos e a garra para lutar pelos nossos direitos, por isso vamos atrás de parceria, para que nos ensinem o que a gente não sabe”, disse a jovem.
“Tenho certeza que sem o apoio do IFT não teríamos chegado até aqui. Entendemos que há muita dificuldade e que nossos conhecimentos de gestão são poucos, por isso é necessário esse apoio. Com nosso grupo de manejadores organizado agora já estamos extraindo nossa madeira e logo colheremos os frutos desse trabalho” Silvério Barros Maciel - Presidente da Apadrit
Álbum com imagens do manejo florestal comunitário em Ituxi. Veja!
FLORESTAS A Coopagri nasceu a partir das necessidades dos moradores de terem uma entidade jurídica capaz de comercializar os produtos da floresta. “Nós já estamos na floresta, manejando, e isso é o mais importante. Foram anos de luta para concretizar esse sonho. O cansaço bateu em vários momentos e a vontade de desistir foi muito grande. Imagina o que é esperar, esperar, e nada acontecer? Agora já temos até nossa cooperativa que vai comercializar os produtos e distribuir os recursos. Agora vejo que tudo valeu a pena”, destaca o manejador Francisco Monteiro Duarte, conhecido como Chicão. Joedson Quintino, gestor da Resex Ituxi pelo ICMBio, recorda que os avanços se deram em várias frentes e que cada instituição envolvida foi fundamental para alcançar as conquistas. “Com o GT da Madeira avançamos no diálogo e no fortalecimento da governança local. Realizamos eventos que puderam aproximar governo, organizações não governamentais s comunidades e, assim, alinhar os objetivos. Resultado disso foi a liberação da Autorização de Exploração (AUTEX) em 2014, em seguida os treinamentos e capacitações do IFT e a efetivação do Empreendimento Angelim de manejo florestal que recentemente foi contemplado com recursos da Fundação Banco do Brasil que será utilizado na compra de equipamentos e insumos para a próxima exploração”, lembra Joedson. Alternativa O manejo florestal comunitário surge como alternativa de combate à degradação florestal e
Entrevista com Chicão, manejador Assista!
desmatamento em áreas de uso coletivo. Dados do Instituto do Homem e do Meio Ambiente (Imazon), organizados de forma independente pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), mostram que em agosto de 2015 foram detectados 415 km² de desmatamento na Amazônia Legal, com uma cobertura de nuvens de 7% do território (as nuvens influenciam na visibilidade das fotografias realizadas por satélite). Isso representou uma redução de 5% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o desmatamento somou 437 quilômetros quadrados e a cobertura de nuvens foi de 6%. Em agosto de 2015, o desmatamento esteve concentrado no Pará (36%), seguido por Mato Grosso (28%), Amazonas (17%), Rondônia (8%), Roraima (5%), Tocantins (5%) e Acre (1%). As florestas degradadas somaram 131 km². Em relação a agosto de 2014 houve redução de 59%, naquele período a degradação florestal somou 319 quilômetros quadrados. A maior degradação (79%) ocorreu no Mato Grosso, seguida pelo Pará (9%), Rondônia (9%), Roraima (3%) e Amazonas (1%). O manejo florestal é uma atividade de geração de renda para as populações tradicionais, ao mesmo tempo em que alia o uso eficiente e racional das florestas ao desenvolvimento sustentável. A efetivação do manejo florestal contribui para a diminuição do desmatamento ilegal, uma vez que proporciona a execução da exploração madeireira pelos comunitários dentro de diretrizes legais estabelecidas.
Entrevista com Joedson Quintino, gestor da Resex - ICMBio. Assista!
Expressas...
Presidente da Coopagri conta a experiência de ser uma liderança jovem. Ouça!
Na Resex Ituxi, o manejo florestal comunitário é uma realidade. A gestão da atividade é realizada pelo Empreendimento Angelim, formado pelo grupo de manejadores e manejadoras que vivem na UC.
Vice-Presidente da Coopagri cfala da alegria de morar na Resex. Ouça!
Com as atividades propostas pelo IFT, APADRIT conseguiu a aprovação do Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) e liberação da AUTEX. Em 2015, foram manejados 140 hectares de floresta pública e está em processo de comercialização 440 m³ de madeira serrada em pranchão. Estima-se que a receita bruta chegará a 250 mil reais, os custos em torno de 90 mil reais e a receita líquida próximo de 160 mil reais. Foi criada uma cooperativa e os comunitários puderam ampliar a governança local. É mais autonomia para a comercialização dos produtos da sociobiodiversidade e tomada de decisão sobre questões produtivas e econômicas. As mulheres e jovens engajados nos debates do manejo florestal comunitário estão ocupando, inclusive, cargos estratégicos dentro da gestão comunitária da atividade. O IFT contribuiu, ainda, com a proposta apresentada à Seleção Pública n° 2014/020 – ECOFORTE Extrativismo da Fundação Banco do Brasil e BNDES, aprovada em 2015. São R$ 450 mil reais destinadas para a estruturação da cadeia produtiva sustentável da madeira na Resex Ituxi, com a compra de trator, balsa para transporte da madeira, motosserras, equipamentos de proteção individual, eletrônicos e insumos para o beneficiamento da madeira e comercialização. 14
FLORESTAS
Cinco Planos de manejo da Resex Verde para Sempre aguardam Autorização de Exploração para serem executados
Evandro Pinheiro, líder comunitário, conta como é a vida na Resex. Assista!
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s rios que atravessam a Resex Verde Para Sempre conduzem os viajantes por comunidades tradicionais que há décadas ocupam aquela região. De vasta beleza cênica, emoldurada por áreas de várzea que impressionam por sua exuberância, a Unidade de Conservação possui inúmeras riquezas naturais que podem ser utilizadas de forma sustentável para levar desenvolvimento às comunidades que por lá habitam. Para a utilização dos recursos naturais é necessário um árduo caminho que ganhou um importante parceiro nos últimos, o IFT. Criada em 2004, a Reserva possui área aproximada de 1,3 milhão de hectares. Localizada em Porto de Moz, no Pará, faz parte da mesorregião do Baixo Amazonas. Segundo dados do IBGE, a população da Reserva representa 42% dos habitantes do município (10 mil habitantes), distribuídos em 58 comunidades e 31 localidades. A maioria destes habitantes concentra-se nas comunidades que se estabeleceram na área de transição entre os ambientes de várzea e de terra firme ou somente na várzea. No passado, a ação de madeireiros, fazendeiros, grileiros e especuladores imobiliários resultou em mortes e ocasionou a saída de famílias de suas terras. Este quadro alarmante foi instalado no município com a intensificação da exploração madeireira após a chegada das serrarias. Outro fator que impulsionou este cenário foi o esgotamento das espécies exploradas na várzea, a partir disso a extração de madeira passou a ser realizada em uma distância bem maior dos rios, incluindo a utilização de maquinário pe-
sado. A região ainda sofre com ações de degradação dos ecossistemas locais e prejuízos ambientais significativos. O Grupo de Ação e Reflexão da Floresta (GAR-Floresta) busca, de forma participativa e integrada, promover as bases para que as comunidades detentoras de direitos sobre os recursos naturais possam implantar cadeias produtivas florestais. A falta de apoio técnico era uma das lacunas e o trabalho desenvolvido pelo IFT suprimiu essa demanda. “Nós começamos a discussão do manejo florestal a partir do seguinte princípio: nós temos uma floresta e temos várias riquezas, mas de que forma nós podemos usar? De forma planejada podemos usar todo o potencial que ela oferece. Nós estamos dentro de uma Unidade de Conservação que tem uma dinâmica diferente e precisamos entender isso”, contou Maria Creusa da Gama Ribeiro, coordenadora do Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz (CDS). A subsistência dos moradores da Resex Verde para Sempre se baseia no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de corte e queima, na criação de animais de pequeno porte e uma pequena porção de criação de gado bubalino leiteiro e de corte. A parceria entre a Unidade de Conservação e o IFT surgiu quando este último realizou estudo de potencial florestal com apoio do Banco Mundial. Naquele momento, a Resex foi considerada um caso de grande potencial ao desenvolvimento do manejo florestal comunitário. “Com os dados em mãos incluímos o território dentro do projeto que estava sendo apresentado ao Fundo Vale, que foi aprovado, permitindo assim o início
das atividades de apoio ao manejo florestal na Reserva”, explica Ana Luiza Violato Espada coordenadora do Programa Florestas Comunitárias do IFT. Existem grandes desafios para a gestão e uso sustentável dos recursos naturais na Amazônia por populações tradicionais, como o baixo nível de efetividade de políticas públicas básicas. Estas populações lutam pela implantação do manejo florestal sustentável e buscam parcerias como forma de tornar o extrativismo uma alternativa de geração de renda, bem-estar social e desenvolvimento local. É neste cenário que o IFT desenvolveu o projeto na Resex Verde para Sempre. No trabalho desenvolvido pelo IFT em parceria com outras instituições, como o SFB, foram aprovados 40 mil hectares de florestas públicas para o manejo florestal comunitário na Resex Verde para Sempre, envolvendo cinco comunidades e mais de 100 moradores. O IFT já entregou o Plano Operacional Anual (POA) que será enviado ao ICMBio para que a associação comunitária tenha expedida a AUTEX para efetivar o manejo florestal sustentável. Este desfecho só foi possível pois o trabalho desenvolvido pelo IFT na Resex se desenvolveu, também, em ações de fortalecimento da organização social, treinamento, capacitação e sensibilização para o manejo florestal comunitário. Com foco na comunidade Itapéua, as atividades focaram, sobretudo, na preparação dos comunitários para a gestão do empreendimento florestal comunitário. Agostinho Tenório, gestor da Resex pelo ICMBio, comenta a luta pela implantação do manejo florestal na Reserva: “A comunidade Itapéua vem lutando pela legalização há anos. Lá, antes da criação, era um foco muito grande da ilegalidade por parte de empresas. Agora são as famílias que querem fazer o manejo e estão organizadas e há interesse por parte dos comunitários que foram beneficiados com o apoio do IFT. Aliás, nós buscamos a parceria com o IFT por meio do CDS justamente pelo know how técnico em questões florestais, o que ajudou a avançar muito em toda Resex”. As atividades realizadas pelo IFT objetivavam fortalecer a
organização social visando a implantação e consolidação da cadeia produtiva sustentável da madeira na Reserva. Com a colaboração do IFT, os comunitários produziram o Regimento Interno do Manejo Florestal Comunitário em que constam os direitos e deveres, além de mecanismos de distribuição de renda pensando nos benefícios coletivos. Outro importante mecanismo utilizado pelo IFT é o Marco Estratégico. Trata-se de um planejamento estratégico-organizacional que trabalha noções de coletivismo, princípios e diretrizes organizacionais a partir da visão das comunidades em relação aos objetivos finalísticos do desenvolvimento do manejo florestal comunitário. O Marco Estratégico, idealizado por meio de consultoria especializada em organização social comunitária, despertou reflexões entre os participantes sobre os modos de produção sustentável pelo qual estão lutando para ser implantado, além de proporcionar interessantes diálogos entre os comunitários que nortearam as decisões tomadas no processo e apontaram estratégias de articulação que mais tarde se tornariam normas de convivência e regras de uso dos recursos florestais e distribuição da renda oriunda do manejo florestal comunitário, por exemplo. O presidente da Associação de Desenvolvimento Sustentável dos Produtores Agroextrativistas da Comunidade Itapéua, Evandro de Almeida Pinheiro, detentora do PMFS, conta que os manejadores estão preparados para iniciar as atividades e que estão compromissados com a missão do Projeto Jutaí. “Existe uma ansiedade entre todos aqui na comunidade. A gente não vê a hora de começar o trabalho. Meus companheiros estão empolgados, participando das atividades e demonstrando que confiam que tudo vai dar certo”, comentou. O IFT atuou na preparação dos comunitários para implantarem a cadeia produtiva sustentável da madeira de forma organizada do ponto de vista da divisão do trabalho e alinhamento dos interesses coletivos e proporcionando meios para que os comunitários sejam os protagonistas de toda a cadeia. Após o projeto, o IFT deixa um legado de união para alcançar os objetivos comuns.
Jovem manejador, Gideão, fala da parceria com o IFT. Ouça!
FLORESTAS
Expressas... Um dos resultados mais importantes da parceria entre IFT e os moradores da Resex Verde para Sempre foi a aprovação de cinco planos de manejo florestal sustentável. Serão 40 mil hectares de floresta pública a serem manejadas de forma responsável e sustentável. Estima-se que a receita bruta da comercialização da madeira licenciada seja de 6 milhões de reais anualmente. Na comunidade Itapéua, foi criado o Projeto Jutaí, que nasceu dos esforços da Associação de Desenvolvimento Sustentável dos Produtores Agroextrativistas da Comunidade Itapéua e tem por missão realizar o manejo florestal comunitário legalizado, agregar valor à produção florestal, contribuir com a conservação da floresta e dar continuidade às tradições locais. Nesta comunidade também foi estabelecido o Regimento Interno do grupo de manejadores, além do Marco Estratégico do Projeto Jutaí. Por meio destes mecanismos, os comunitários estabeleceram diretrizes internas de organização para o manejo florestal.
Ziza, manejadora, fala do papel da mulher no trabalha da floresta. Ouça!
A igualdade de gênero também esteve em pauta. Pelo menos duas mulheres integram o grupo de manejadores ocupando funções estratégicas. Os jovens também foram envolvidos nas atividades e compõem o grupo de manejadores. Alguns deles estão se profissionalizando na casa Familiar Rural de Senador José Porfírio (PA) para atender as demandas produtivas das comunidades da Resex. Curso de manejo de açaízal. Assista! Entrevista com Agostinho, do ICMBio, gestor da Resex. Ouça! Álbum com fotos das atividades realizadas na Resex. Veja! 17
Resex Mapuá é símbolo de luta e resistência das populações tradicionais da Amazônia
Arnaldo, liderança comunitária, conta como é a luta pela implantação do manejo florestal. Assista!
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s dias ensolarados no arquipélago do Marajó se tornam agradáveis graças aos ventos que sopram sobre os rios da região. O verde imponente das florestas ainda reina em uma paisagem cada vez mais ameaçada pelo avanço da exploração desordenada que desrespeita o patrimônio natural e social da Amazônia. É neste cenário rico em sociobiodiversidade que está localizada a Reserva Extrativista Mapuá, território do município de Breves, cuja gestão é de responsabilidade do ICMBio. Na Resex Mapuá, o extrativismo de produtos florestais não madeireiros e a exploração de madeira são atividades produtivas econômicas que ocorrem há muitas décadas e que permitem a geração de trabalho e renda para as famílias da região. Entretanto, por mais que sejam áreas com grande potencial para o manejo florestal, as famílias carecem de apoio técnico e financeiro para consolidar o manejo florestal comunitário e a cadeia de valor de produtos florestais. “Além do isolamento, sofremos com a falta de políticas públicas que sejam realmente efetivas para tratar dos nossos problemas. Por outro lado, somos um povo que historicamente se organizou e não se acomodou. Quando olho o salto que demos na discussão do manejo florestal fico imensamente feliz. O que parecia só uma coisa distante, hoje está mais próximo de acontecer”, discursou Rita Freitas do Nascimento, liderança da comunidade Santa Rita de Cássia. Aliás, a localidade é um território de forte atuação feminina na organização social. A visibilidade dada à mulher reverbera na participação delas no debate sobre o
desenvolvimento das comunidades. O açaí e a madeira são os principais produtos florestais extraídos e comercializados pelas famílias na Resex Mapuá. Com grande demanda regional, são vendidos para municípios próximos, para a capital paraense e para outros estados, como Amapá. Contudo, a extração desses produtos florestais ainda não é feita sob as diretrizes do manejo florestal comunitário, que pressupõe práticas ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. Em virtude disso, ocasiona riscos para a conservação florestal e bem-estar social.
“... somos um povo que historicamente se organizou e não se acomodou. Quando olho o salto que demos na discussão do manejo florestal fico imensamente feliz. O que parecia só uma coisa distante, hoje está mais próximo de acontecer”. Rita Freitas do Nascimento - liderança comunitária A comercialização informal dos produtos ainda é feita de maneira informal, atingindo valores muito baixos no mercado. O potencial econômico de produtos florestais não madeireiros é alto, mas ainda pouco aproveitado. O 18
açaí, por exemplo, é um desses produtos que, além de constituir a base alimentar da população local, tem grande potencial para gerar renda. Sem arranjos comerciais justos, sem o conhecimento necessário para a comercialização e a falta de um acompanhamento técnico no manejo floresta e da gestão da atividade entra em cena uma figura muito conhecida das populações ribeirinhas da Amazônia, o “atravessador”. A madeira, outro produto importante para a econômica local, também é explorada de maneira irregular, sem utilização de técnicas de redução de impacto sobre a floresta. A retirada irregular ou ilegal de madeira é uma atividade econômica significativa na Amazônia e a proibição da atividade é uma solução restrita, uma vez que não elimina a causa do problema - que é a necessidade de as pessoas gerarem renda para obter bens de consumo além da subsistência, para gastos com saúde, educação, apenas parcialmente cobertos pelo poder público, além de transporte e lazer. Criada em 2005, Mapuá foi a primeira Unidade de Conservação estabelecida no Marajó. A atuação do IFT nas comunidades da região iniciou em 2012, quando a pedido do ICMBio e comunidades residentes, os técnicos da Instituição foram até a floresta com o objetivo de avaliar o potencial para o desenvolvimento do manejo florestal comunitário e familiar. “Na ocasião, identificamos forte cultura e tradição extrativista, sendo que o extrativismo do açaí e o uso da madeira são atividades importantes na cesta de produção local. Além disso, existem diversas serrarias de pequeno porte estabelecidas dentro da Reserva, havendo a necessidade urgente do estabelecimento de modelos que possam garantir a sustentabilidade da produção florestal no longo prazo”, argumenta Ana Luiza Violato Espada, coordenadora do Programa Florestas Comunitárias. Munido das informações, o IFT inseriu a Resex Mapuá em projeto desenvolvido com o apoio do Fundo Vale e iniciou uma série de atividades na região. O trabalho desenvolvido pela Instituição só foi possível pois contou com a parceria de importantes lideranças comunitárias,
como Antônio Ferreira Gonçalves, o “Galo”, morador da comunidade Bom Jesus. Galo é vice-presidente da Associação dos Moradores da Resex Mapuá (AMOREMA), e suplente do conselho deliberativo. Segundo ele, as comunidades da região estão organizadas e esperam ansiosas pela implantação da atividade. “Essa luta se estende desde 2005, quando a AMOREMA começou a lutar pelo povo e nos identificamos como extrativistas. O manejo para mim é uma forma de conservar a natureza, tirando a madeira de maneira sustentável. O manejo comunitário é a única saída para desenvolver as comunidades, já que eles terão os conhecimentos para realizar o trabalho da melhor forma”, argumentou. Um dos grandes entusiastas do manejo florestal da Resex Mapuá é Arnaldo Costa da Silva, liderança comunitária do rio Aramã-Grande, um dos principais rios da Unidade, além do Mapuá. Extrativista conectado com a necessidade do seu povo ele acompanha os debates sobre o tema desde o início e tem somando esforços junto às instituições parceiras para sensibilizar outros moradores sobre o tema. “Com a legalidade do trabalho, teremos um controle da madeira tirada da floresta. Assim vamos poder organizar nossa atividade de uma forma que não tenha tanto impacto na floresta e assim ter uma condição de renda digna para nossas famílias. O papel do GT é contribuir com esse trabalho, sem eles é impossível desenvolver o manejo aqui”, disse.
FLORESTAS
“Quando instituições como as que compõem o GT se unem com um objetivo comum e compromisso social a gente vê o trabalho fluir. Cada um tem seu espaço, sua forma de trabalhar e algo acrescentar.” Alcir Borges - Supervisor regional da Emater-Pa no Marajó O GT ao qual Arnaldo se refere é o Grupo de Trabalho do Manejo Florestal Comunitário do Marajó (GT MFC do Marajó), espaço de governança que discute as questões
Antônio Galo, liderança comunitária, conta como é a luta pela implantação do manejo florestal. Ouça!
Rita, liderança comunitária, conta como é a luta pela implantação do manejo florestal. Ouça!
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Arnaldo, liderança comunitária, conta como é a luta pela implantação do manejo florestal. Assista!
Seleção de imagens das atividades realziadas em Mapuá. Veja!
florestais da região sob diversas óticas. Participam do grupo instituições plurais que contribuem nas diversas frentes: ICMBio; IFT; Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB); Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater-Pa); Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – Campus Breves (IFPA); e conta ainda com o apoio da Prefeitura Municipal de Breves. A iniciativa de criação de um grupo interinstitucional envolvendo poder público e organizações da sociedade civil foi inovadora para o arquipélago do Marajó e ocorreu dentro das atividades do projeto desenvolvido pelo IFT. Embora o tema manejo florestal comunitário e cadeias socioprodutivas florestais sejam temas recorrentes na região, apenas com a criação do GT é que ocorreu significativos avanços para a gestão e uso de recursos naturais na UC. “Quando instituições como as que compõem o GT se unem com um objetivo comum e compromisso social a gente vê o trabalho fluir. Cada um tem seu espaço, sua forma de trabalhar e algo acrescentar. Os avanços são inegáveis, apesar de que temos muito a fazer ainda”, comentou Alcir Borges, supervisor regional da Emater-Pa no Marajó. O GT conseguiu mobilizar mais de 500 moradores nas ações de mobilização para uma agenda comum que prevê a conservação ambiental e o desenvolvimento comunitário a partir do uso dos recursos naturais da região. O próprio arranjo interinstitucional que se deu envolvendo governo e sociedade civil organizada foi um dos principais passos da ação coletiva instalada para a governança socioambiental
do Marajó. A partir d GT, são pensadas ações estratégica para o território, reconhecido pelo Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó (CODETEM), do qual representantes do GT fazem parte (Emater-PA, IFPA e IEB) e são realizadas ações concretas junto às comunidades para consolidar cadeias produtivas sustentáveis e promover o desenvolvimento local. O GT também produziu informações importantes para as políticas públicas nas UCs do Marajó, como o levantamento de serrarias existentes nas Resex contendo informações geográficas das serrarias, de produção, custos, trabalhadores envolvidos, principais atividades produtivas dos entrevistados, dentre outros. Tal levantamento subsidiou todo Plano de Ação Institucional e Comunitário do grupo. Outro resultado importante foi a realização das Caravanas de Sensibilização do Manejo Florestal Comunitário criando um pacto entre GT e moradores para a regularização da exploração madeireira e das serrarias. A partir do pacto, moradores e GT estabeleceram compromissos para licenciar planos de manejo florestal comunitário, regularizar a situação das serrarias, promover cursos e treinamentos para manejo de açaizais e promover fortalecimento da agricultura familiar. Um dos resultados mais concretos do pacto já pode ser visto com a contratação dos projetos do Pronaf Florestal. Cerca de 30 famílias da Resex Mapuá assinaram a contratação dos projetos do Pronaf Florestal. As linhas de crédito liberadas para fortalecimento da agricultura familiar e extrativismo florestal somam aproximadamente R$350.000,00. 20
ENTREVISTA
Os rumos do manejo flores em Unidades de Conservaç perspectivas e desafios
O manejo florestal realizado por povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária e agricultores familiares em florestas públicas na Amazônia é resultado de lutas históricas cujos principais militantes são os próprios extrativistas. No caminho árduo percorrido para alcançar políticas que regulamentassem as atividades, eles encontraram importantes parceiros, como instituições do próprio governo federal, além de organizações não governamentais, instituições de educação e de pesquisa, dentre outros atores dos cenários local e regional e dos segmentos florestal e ambiental. No âmbito das UCs é o ICMBio o responsável pela execução das ações do SNUC, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela União. Cabe a ele, ainda, fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das UCs federais. Portanto, é o ICMBio a entidade responsável por acompanhar a rotina do trabalhador do campo que mora em áreas de proteção, observando anseios e compartilhando desafios para que o manejo florestal se torne uma realidade. Em entrevista EXCLUSIVA à Revista Florestas Comunitárias, o Diretor de Ações Socioambientais e Consolidação Territorial em Unidades de Conservação do ICMBio, Renato José Rivaben de Sales, contou como funciona a liberação dos planos de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) e apontou os desafios para a implementação do manejo florestal comunitário.
cas advindas do manejo visando a melhoria da gestão das unidades de conservação. Quais são as iniciativas em andamento de manejo florestal comunitário focado na madeira? ICMBio - No presente momento há 10 iniciativas de manejo florestal comunitário aprovadas, no âmbito do ICMBio, em unidades de conservação de uso sustentável federais. Estas iniciativas estão distribuídas no Sul do Amazonas (Resex Ituxi e Flona Purus), no Acre (Resex Chico Mendes), na região de Santarém (Flona Tapajós) e também na Resex Verde para Sempre, área protegida que está localizada no município de Porto de Moz (PA) e para a qual há um PMFS Comunitário em execução e 5 Planos comunitários aprovados e em fase de elaboração dos respectivos Planos Operacionais Anuais iniciais.
Qual a visão do ICMBio sobre o manejo florestal comunitário e familiar em UCs? ICMBio – Conforme estabelecido na Instrução Normativa nº 16/2011, que dispõe sobre as diretrizes para o manejo florestal sustentável comunitário em Resex, Floresta Nacional e RDS, o ICMBio busca a promoção do uso múltiplo da floresta, a diversificação produtiva das comunidades, a capacitação, o desenvolvimento de atividades ambiental, social e economicamente sustentáveis, o respeito às formas tradicionais de uso dos recursos naturais, a geração e apropriação de conhecimento, bem como a sistematização das informações técnicas e ecológi-
Discussões e planejamentos comunitários para manejo de recursos madeireiros também estão em andamento em comunidades das Reservas Extrativistas da região do Ma21
stal comunitário ção na Amazônia: Imagem: ICMBio
Qual a avaliação do ICMBio em relação ao manejo florestal madeireiro realizado por comunidades em Unidades de Conservação de Uso Sustentável? ICMBio -Atualmente as iniciativas de manejo florestal sustentável em unidades de conservação refletem a diversidade das organizações sociais e dos modos de produção e cultura das populações tradicionais da Amazônia. Cada um dos PMFS Comunitários em execução apresenta uma organização própria, tendo sido necessários instrumentos de gestão e acordos comunitários com a identidade dos grupos comunitários para viabilizar estas iniciativas. Estes Planos encontram-se em estágios de implementação distintos não somente devido ao tempo e às particularidades do processo de amadurecimento dos empreendimentos comunitários, mas também devido a um conjunto complexo de fatores sociais, técnicos, financeiros e de intervenções externas, entre outros. Um fator importante a ser destacado é o estabelecimento de importantes arranjos institucionais para a implementação do manejo florestal comunitário madeireiro tanto nas iniciativas em andamento quanto nas em construção. Este contexto proporciona que cada etapa do manejo (organização social, gestão administrativa e contábil, qualificação técnica e comercialização) seja apoiada por instituições com expertise. Avaliamos, desta forma, que estão sendo efetivamente buscados melhores resultados a partir das diretrizes institucionais para o manejo comunitário, considerando o uso múltiplo de recursos naturais, o estímulo à diversificação produtiva, a agregação de valor da produção florestal de base comunitária, a capacitação dos manejadores e o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis com vistas à melhoria da qualidade de vida das famílias.
rajó (Resex Mapuá, Resex Terra Grande-Pracuúba e Resex Arióca-Pruanã), na Resex Tapajós-Arapiuns (PA) e em comunidades da Resex Chico Mendes, situada no município de Brasiléia (AC). Cabe destacar que estas novas iniciativas contam com o importante apoio de parceiros como o IFT, o IEB, O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a Conservação Estratégica (CSF), governos estaduais e universidades, além do SFB. Outro fator de sucesso para as novas iniciativas é a atuação de instituições comunitárias que estão na fase de repassar o conhecimento técnico adquirido, como é o caso da Cooperativa Mista da Flona Tapajós (COOMFLONA)). Destaca-se também a importância de arranjos de parcerias locais — como o Grupo de Trabalho do Marajó — para articular as competências específicas e coordenar os esforços para a organização social, capacitação e qualificação técnica e gestão administrativo-financeira necessários para a concepção e implementação de empreendimentos florestais comunitários.
O ICMBio acredita que o manejo florestal comunitário é uma alternativa ao desmatamento e degradação florestal, sobretudo nas regiões de Unidades de Conservação? ICMBio – Em consonância com a estratégia governamental para controle do desmatamento expressa no PPCDAm e demais programas federais afetos ao tema, a promoção do uso sustentável da floresta — contemplando a diversidade de atividades produtivas presentes nos distintos contextos, o que inclui o manejo florestal sustentável comunitário —, apresenta-se não somente como uma alternativa, mas como uma efetiva estratégia de conservação ambiental. Esta estratégia otimiza a gestão compartilhada da floresta com as populações tradicionais 22
ENTREVISTA
o sucesso do manejo florestal comunitário nas unidades onde está estabelecida esta atuação conjunta.
beneficiárias das unidades de conservação e possibilita a valorização da floresta em pé e de seus benefícios diretos e indiretos.
Saliento que, para materializar a integração de esforços entre o ICMBio e o IFT, foi firmado Termo de Reciprocidade, o qual tem por objetivos a promoção de melhores práticas e tecnologias, a difusão do conhecimento tradicional, o estímulo ao protagonismo e a evolução organizacional e produtiva das comunidades, bem como o respeito ao modo de vida, às expectativas e decisões das comunidades tradicionais beneficiárias das UC no manejo de recursos florestais.
Relembro que temos como uma das diretrizes o manejo florestal comunitário, concebido como ferramenta para a melhoria da gestão das unidades de conservação e importante instrumento para o cumprimento da missão do Instituto, de “proteger o patrimônio natural e promover o desenvolvimento socioambiental“. Qual é o atual cenário de desmatamento e degradação florestal nessas regiões? Há dados que indiquem se houve sérios danos às florestas geridas pelo ICMBio?
Para as unidades de conservação citadas, um ponto que merece destaque é a atuação mais harmônica e sincronizada entre as equipes do ICMBio, IFT e demais parceiros, proporcionada pela dinâmica do Grupo de Trabalho do Manejo Florestal Comunitário do Marajó (GT MFC do Marajó).
ICMBio – Toda a Amazônia brasileira é monitorada quanto à evolução do desmatamento por meio do PRODES (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite). Neste sentido, pode-se dizer que as unidades de conservação são, de fato, efetivas para conservação da biodiversidade quando comparadas às áreas sem regime de proteção especial, que possuem maiores taxas de desmatamento. Pode-se destacar que as pressões de desmatamento são maiores na região do eixo da rodovia BR-163, em razão das grandes obras e do acelerado ritmo de ocupação desordenada desta área. Neste contexto, as áreas que são objeto dos PMFS aprovados pelo ICMBio não são, em nenhum dos casos, expressivas no cenário de desmatamento nacional, mesmo considerando a realidade da Reserva Extrativista Chico Mendes, que sofreu os impactos mais significativos, os quais não chegaram, em 2015, a 0,2% da área total desta área protegida.
Na Resex Ituxi, o IFT desempenha um papel crucial na qualificação técnica, organização comunitária para a produção e capacitação dos manejadores, com as atividades direcionadas para a formação de capacidades locais, de modo que os trabalhos sejam completamente conduzidos pelos comunitários. Um papel que também merece destaque é a atuação como articulador e viabilizador do fomento da atividade de manejo comunitário na Resex Ituxi, com apoio na elaboração e gestão do projeto em Imagem: ICMBio
Qual o papel das parcerias com entidades do terceiro setor na implantação do manejo florestal comunitários em UCs? ICMBio – Como já dito anteriormente, o apoio de instituições com competências específicas e expertise, bem como a formação de arranjos de parcerias institucionais em contexto local, tem-se mostrado fator indispensável para o sucesso dos empreendimentos florestais comunitários. Sem o braço forte dos parceiros e a união de todos por um objetivo comum não conseguimos manejar a floresta de forma sustentável. Qual a avaliação do ICMBio em relação ao papel desempenhado pelo IFT, sobretudo nas Resex Verde Para Sempre (PA), Mapuá (PA) e Ituxi (AM)? ICMBio – O papel do IFT na qualificação técnica dos processos de elaboração dos PMFS Comunitários, na organização social para o manejo e estabelecimento de instrumentos comunitários para gestão dos empreendimentos florestais, bem como na implementação de arranjos de parcerias locais, vem a potencializar os esforços para 23
Apenas 3 Resex na Amazônia realizam o manejo florestal madeireiro O ICMBio é o órgão responsável pela aprovação dos planos de manejo. Conte-nos como é feita essa análise e quais critérios são utilizados para aprovar ou não um PMFS:
execução pela Associação dos Produtores Agroextrativistas da Assembleia de Deus do Rio Ituxi (APADRIT). Com relação à atuação do IFT na Resex Verde para Sempre, recordamos que foi iniciada em 2011 inciativa liderada à época pelo Comitê de Desenvolvimento Sustentável (CDS) Porto de Moz, no âmbito do “Projeto Governança”, objetivando a articulação de instituições parceiras com a expertise necessária para o desenvolvimento do manejo florestal comunitário na Resex. Atualmente, face ao momento de elaboração dos PMFS Comunitários, dos primeiros POA e demais instrumentos comunitários, o IFT apresenta-se como importante instituição animadora das discussões sobre do manejo comunitário nesta Reserva Extrativista, juntamente com o IEB.
ICMBio – A análise dos PMFS Comunitários no âmbito do ICMBio é de responsabilidade da Coordenação Geral de Populações Tradicionais (CGPT), por meio da Coordenação de Produção e Uso Sustentável (COPROD). As análises são realizadas por analistas ambientais com formação em engenharia florestal do corpo técnico do ICMBio, podendo serem acionados analistas das Unidades da região onde o Plano é proposto. Lembramos que os trâmites de licenciamento dos PMFS Comunitário iniciam-se com a Autorização Previa à Análise do PMFS (APAT), que é realizada na própria Unidade de Conservação objeto do manejo florestal. Com isso, procura-se encurtar a distância de relacionamento entre as comunidades proponentes dos Planos e o ICMBio, bem como encurtar o tempo para análise e emissão da APAT, atendendo inclusive às instâncias de gestão participativa da UC, como o conselho gestor.
Com a Instrução Normativa nº16/2011 estabeleceu-se um marco para o manejo florestal em UCs. Atualmente, qual são os principais desafios de se estabelecer a atividade? ICMBio – Atualmente os principais desafios para o manejo florestal comunitário estão expressos no Plano Anual de Manejo Florestal Comunitário Familiar. Os desafios estão relacionados com a priorização da agenda pelos programas e órgãos de governamentais federais, a melhoria e adequação da assistência técnica, a adequação dos instrumentos econômicos e financeiros para a atividade, a simplificação dos procedimentos de licenciamento e a regularização fundiária.
Basicamente, as análises dos PMFS Comunitários são norteadas pelos critérios técnicos e legais estabelecidas na legislação atualmente vigente. Porém, tendo em vista que o ICMBio é o responsável pela gestão das unidades de conservação, trabalha-se também no estabelecimento de canais de comunicação que consigam ajustar procedimentos téc24
ENTREVISTA
nicos e de transparência e controle social que permitam aprimorar não só o conteúdo técnico e de execução dos Planos como também colaborar com a gestão da UC.
Os aspectos sociais de determinada comunidade ou associação comunitária solicitante de um PMFS também é levado em consideração pelo ICMBio. Por que é importante compreender a organização social e determinados aspectos da vida em comunidade para aprovação do PMFS? ICMBio – Os aspectos sociais, de organização comunitária, incluindo nestes o conjunto de representações comunitárias e parceiros, demandam atenção equivalente aos aspectos técnicos dos PMFS Comunitário. Como exemplo, podemos citar vistoria realizada em iniciativas em processo de aprovação na Resex Verde para Sempre, onde um dos principais objetivos da vistoria foi avaliar a coesão as comunidades sobre o tema, a força dos acordos comunitários para o bom uso da floresta e como a atividade pode influenciar nas dinâmicas sociais das comunidades. Esta vistoria foi objeto de matéria vinculada no Observatório Florestal (http://ift.org.br/observatorio-florestal/vistoria-realizada-na-resex-verde-para-sempre-aponta-os-rumos-do-manejo-florestal-comunitario-na-regiao/) Para o ICMBio, quais são os principais problemas enfrentados na gestão das UCs?
ICMBio – As dificuldades estão associadas ao desafio de se gerir um conjunto de áreas protegidas que representam um total de quase 10% do território nacional, especialmente tendo em vista que se trata de unidades de conservação de grandes dimensões, muitas vezes sujeitas a fortes pressões e interesses, e situadas em áreas remotas. Além disso, um desafio relevante diz respeito à insuficiência de dotação orçamentária para a agenda de conservação ambiental, o que impacta em baixa disponibilidade de recursos passíveis de destinação às ações de produção e uso sustentáveis. O que está sendo feito para dirimir esses problemas e quais as perspectivas para o futuro das UCs de Uso sustentável no que diz respeito ao manejo florestal comunitário? ICMBio– Tendo em vista as dificuldades acima destacadas, e considerando que o apoio às ações de produção e uso sustentáveis constituem uma estratégia para a conservação ambiental, o ICMBio tem buscado estabelecer parcerias e arranjos institucionais capazes de potencializar as iniciativas produtivas nas unidades de conservação de uso sustentável. Objetivando agregar conhecimento técnico e capacidades. Para tanto, o ICMBio tem buscado celebrar diversas parceiras, como a prevista com o IFT, observada, não obstante, a diretriz de respeito os modos de vida das comunidades tradicionais beneficiárias das unidades de conservação de uso sustentável.
Carlos Santos, analista ambiental do ICMBio fala sobre a IN16. Ouça!
Instrução Normativa permite exploração florestal sustentável em Unidades de Conservação
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impulsionada pelos processos de discussão da implementação do Programa Federal de Apoio ao Manejo Florestal Comunitário e Familiar que promoveu ‘ajustes’ no marco regulatório incidente sobre as florestas comunitárias. Acompanhava essas discussões nos colegiados do Programa e em outros fóruns articulados pelo Serviço Florestal Brasileiro que discutia o manejo em florestas públicas”, explica. De acordo com ele, se por um lado a publicação da IN proporcionou a regulamentação do manejo em UCs, por outro, as mudanças para as populações tradicionais são pouco evidenciadas. “Isso porque a dinâmica de aprovação de planos de manejo não mudou com a publicação dessa Instrução Normativa. Ainda existe uma enorme fragilidade do ICMBio para lidar com o manejo florestal em unidades de conservação. Chegamos a discutir a possibilidade de criar um ‘Grupo de Apoio’ no órgão para fortalecer essa temática. Essa situação não reflete a demanda por aprovação de planos de manejo em unidades de conservação”, comenta Manoel. Manuel Amaral acredita que a Instrução Normativa deveria atender à uma demanda reprimida de favorecer a habilitação de florestas comunitárias para o mercado de madeira, especialmente na Amazônia. “Nossas estimativas remetem à necessidade da entrada das UCs para ‘fechar’ a equação da produção de madeira para o mer-
s procedimentos para o licenciamento do manejo florestal madeireiro em Reserva Extrativista (Resex), Floresta Nacional (Flona) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) foram instituídos pela Instrução Normativa nº 16, de 4 de agosto de 2011, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. A regulamentação possui as diretrizes para execução da atividade em Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Pauta fundamental para discutir o desenvolvimento e a sustentabilidade de atividades realizadas por populações tradicionais que vivem na Amazônia, a normativa foi um marco que permitiu iniciar um processo de legalização da exploração realizada tradicionalmente pelos povos da floresta há décadas. A concretização de um dispositivo legal que permitisse o manejo florestal madeireiro foi uma conquista, contudo, ainda é preciso incluir as mais diversas organizações e agentes no âmbito dos debates de aprimoramento de todo esse processo de implantação do manejo florestal nas Unidades. Entre as instituições que acompanharam a formulação da normativa está o IEB, responsável pelas “Oficinas de Manejo Florestal Comunitário na Amazônia Brasileira”, cuja regulamentação era um tema recorrente, é o que conta Manuel Amaral, coordenador regional da ONG. “Basicamente, sua formulação foi 26
em unidades de conservação. As comunidades têm sofrido com isso e a consequência é a demora na aprovação dos planos. Os resultados são relações infrutíferas com setores do empresariado florestal que atuam com o único interesse em saquear as florestas comunitárias. Esse cenário favorece a um clima de insustentabilidade, conflitos e aumento do desmatamento em unidades de conservação na Amazônia”, critica Manuel. Para Ana Luiza Violato Espada, coordenadora do programa Florestas Comunitárias, do IFT, a IN representa as reivindicações de movimentos sociais ligados às comunidades que habitam Unidades de Conservação. Porém, precisa ser melhorada. “Teve um salto de qualidade e celeridade nos processos de licenciamento do manejo florestal, sobretudo para madeira. Vale lembrar que a construção da IN envolveu diversos setores e dentre eles o movimento social. Embora a IN possa ser aprimorada, mesmo porque agora temos mais elementos para discutir o que está dando certo e o que ainda não está claro ou aplicável, foi um ganho para as populações tradicionais com certeza”, afirma. Segundo Ana Luiza, quando o ICMBio assumiu a responsabilidade de licenciar o manejo florestal, também se aproximou do diálogo com as comunidades e instituições parceiras. “Os processos se tornaram mais claros e rápidos e regras aplicáveis e positivas foram consideradas, como a necessidade do ICMBio ter ciência dos contratos entre empresa e comunidades para determinados serviços do manejo florestal. Isto trouxe também salvaguardas para as comunidades”, aponta. Ana Luiza lembra que após a publicação da Normativa foi possível aprovar em quatro meses o Plano de Manejo Florestal Comunitário da Resex Ituxi. “Também aprovamos, cinco planos na Resex Verde para Sempre. Sem dúvidas que esses resultados também se relacionaram ao empenho do ICMBio em fomentar atividades produtivas sustentáveis nas UCs, principalmente aquelas mais controversas, como a exploração madeireiras, que também faz parte da cesta de produtos das populações tradicionais. E o mais interessante é que o ICMBio se atentou para as realidades locais e respeita os modelos de manejo florestal comunitário apresentados nos planos, claro que observando as diretrizes da IN”, argumenta. Carlos Eduardo dos Santos, analista ambiental da Coordenação de Produção e Uso Sustentável (COPROD/DISAT) do ICMBio, explica que os processos para regulamentação do manejo florestal eram notadamente morosos e esbarravam em outras ações prioritárias do governo federal. “Naquele período ocorreram grandes discussões sobre o tema, como o Grupo de Trabalho de 2007 em que as principais demandas dessa agenda foram reunidas numa carta e apresentadas à então ministra do meio ambiente, Marina Silva. Dentre as reivindicações estava a necessidade de uma melhor adequação dos instrumentos normativos para o manejo florestal comunitário e familiar. Para dar maior agilidade aos processes de licenciamento”,
cado. Fazer isso mediante o manejo sustentável e ainda com o protagonismo das famílias que habitam as florestas comunitárias é fundamental. Primeiro, para estabelecer um mecanismo de controle social sobre a atividade madeireira fortalecendo as organizações comunitárias, envolvendo as instâncias de gestão das unidades de conservação, articulando os órgãos ambientais, etc. Segundo, para o fortalecimento da economia local. Estimativas do PNUMA dão conta de que 1,8 bilhão de reais por ano são perdidos em negócios, só com a madeira, em unidades de conservação”, defende.
ENTREVISTA
“Torna-se necessário um amplo programa de fortalecimento institucional das organizações comunitárias e dos órgãos governamentais para se relacionarem com o manejo” Manuel Amaral - Coordenador regional do IEB
Imagem: IEB
Para o coordenador regional do IEB, ainda é preciso discutir em profundidade a dinâmica de manejo florestal em UCs. “Torna-se necessário um amplo programa de fortalecimento institucional das organizações comunitárias e dos órgãos governamentais para se relacionarem com o manejo. O ICMBio não dispõe, atualmente, de instrumentos necessários para o licenciamento de planos de manejo
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recorda Carlos. A resposta a essa demanda, afirma Carlos Eduardo, veio em forma de decreto. “Então foi decretada o Programa Federal de Manejo Florestal Comunitário e Familiar, ao qual a operacionalização desse programa eram os planos de manejo florestal anuais. Então, o ICMBio iniciou a formatação de quais seriam as nossas
diretrizes e procedimentos diferenciados, olhando para a melhor adequação da normativa para as necessidades dos moradores de Unidades de Conservação. Foi nesse sentido que o documento foi discutido”, ressalta. Para construção da normativa, Carlos Eduardo explica que foram reunidas equipes técnicas especializados, representação dos movimentos sociais, das populações tradicionais e o ICMBio. “Nós trouxemos questões do empoderamento das comunidades na gestão efetiva das florestas, da capacitação e apropriação das comunidades sobre o manejo florestal, para que a normativa trouxesse como diretriz o empoderamento no manejo florestal sustentável dessas florestas. Contudo, sem deixar de lado o uso tradicional que essas comunidades fazem de suas áreas”, finaliza. A IN 16 foi editada em um contexto que de lutas por garantia de direitos dos povos que habitam áreas federais de proteção ambiental e apontou as principais diretrizes e procedimentos administrativos, valorizando as instâncias de gestão participativas dessas UCs, das instituições proponentes, e a condução de forma coletiva do manejo.
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