VOZES DA RUA No mês de setembro é celebrado, dentro do calendário da Igreja, um período de oração pela Pátria, aproveitando as comemorações da Independência do Brasil no dia 7. Compreendemos que o processo de independência é permanente para que o processo democrático do país alcance o desafio da nossa doutrina social: “é injusto aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e oprimidos. Os programas para aumentar a renda nacional precisam criar distribuição equitativa de recursos, combater discriminações, vencer as injustiças econômicas e libertar o ser humano da pobreza” (Credo Social da Igreja Metodista). Todos nós estamos atentos às últimas manifestações populares, que conduziram milhares de pessoas às ruas, tendo como ponto de partida o movimento chamado Passe Livre. As reivindicações foram tão mobilizadoras que os governos Estaduais e Municipais foram obrigados a retrocederem os seus decretos do aumento das passagens do transporte público. As reivindicações iniciais foram atendidas, mas o povo aproveitou a oportunidade dessa mobilização social para colocar para fora o sentimento de indignação frente aos principais problemas da realidade nacional, como saúde, educação, segurança, moradia, gastos públicos, salários dignos e corrupção nos diversos escalões do governo. À luz dessa impactante manifestação social, o governo federal se movimentou de imediato, propondo-se a discutir uma pauta dos principais temas que sufocam a sociedade brasileira: reforma política, financiamento de campanhas, realinhamento dos partidos políticos, etc. Nessa esteira, os poderes constituídos analisam a melhor maneira de ouvir as vozes da rua: se isso deve ser feito por meio de um plebiscito ou um referendo, a fim de garantir o preceito constitucional no processo democrático da “soberania popular”.
As promessas de convocar um plebiscito ou um referendo para ouvir a população brasileira sobre os temas da Reforma Política não conseguiram avançar junto ao Congresso Nacional, que alegou que os prazos são insuficientes para atenderem às exigências do calendário eleitoral do país. Do mesmo modo, as manifestações populares do último mês de junho de 2013 abrandaram. Entendemos que os motivos que levaram milhares de pessoas às ruas não podem sofrer um refluxo. O exercício pleno da cidadania exige uma constante vigilância por parte das organizações sociais e pelo povo. No entanto, o mais importante nessa mobilização nacional são as vozes da rua que apontam, através das diversas bandeiras, a urgente necessidade de mudanças concretas nas políticas governamentais. Desse modo, se faz necessária uma agenda política que possa fortalecer o processo democrático em termos de ir além do voto. Aliás, acreditamos que já aprendemos a votar, inclusive eletronicamente. Mas, isso não basta, precisamos acompanhar os nossos representantes e cobrar deles ações que estejam em consonância com as reais necessidades da sociedade. A Igreja, como povo de Deus, não pode estar alheia aos clamores do nosso povo em termos de dignidade de vida. Uma Igreja em missão precisa ter a sensibilidade de ouvir a voz do povo, que sempre tem algo a dizer à Igreja no seu compromisso de ser uma voz profética, pastoral e sacerdotal. Nesse sentido, é preciso responder, em nome do evangelho, às demandas do nosso povo que, muitas vezes, vive como “ovelhas que não têm pastor” (Mateus 9.36b). A Igreja Metodista, por meio dos seus documentos pastorais, tem demonstrado “permanente compromisso com o bem-estar da pessoa total, não só espiritual, mas também seus aspectos sociais (Lucas 4.16-20). Este compromisso é parte integrante de sua experiência de santificação e se constitui em expressão convicta do seu crescimento na graça e no amor de Deus. Desse modo especial, os/as metodistas se preocupam com a situação de penúria e miséria dos pobres. Como Wesley, combatem tenazmente os problemas sociais que oprimem os povos e sociedades onde Deus os tem colocado, denunciando as causas sociais, políticas, econômicas e morais que determinam a miséria e a exploração e anunciam a libertação que o Evangelho de Jesus Cristo oferece às vítimas da opressão. Esta compreensão abrangente da salvação faz com que os/as metodistas se
comprometam com as lutas que visam eliminar a pobreza e toda a forma de discriminação” (PVMI, Cânones 2012-2016, p. 84). Sem dúvida, o amor de Deus agindo em nós cria uma tensão dinâmica que implica em atos e ações. Quem recebe o amor de Deus inevitavelmente o expressa em termos de atos de misericórdia em direção ao próximo. A Igreja é missão de Deus para nos salvar e ela atua de modo que a vontade de Deus seja realidade no mundo. Mas a proclamação do Evangelho tornar-se-á estéril sem uma visão de suas consequências sociais e políticas. A salvação que a Igreja anuncia tem um sentido total. O ser humano é uma unidade e deve ser salvo dentro dessa totalidade. A riqueza do conteúdo da salvação envolve segurança, saúde, educação, integridade da vida, inclusão, justiça, harmonia com Deus, com o próximo, consigo, com a natureza e com o universo. O compromisso social da Igreja como Corpo de Cristo, e agindo na comunidade, é parte dessa missão, em consonância com o compromisso com o Reino de Deus. A herança que recebemos do metodismo primitivo mostra uma séria preocupação social, pois ele mesmo viveu e desenvolveu intensamente uma tarefa social e política. Esse acerto pode ser perfeitamente comprovado pelas experiências das primitivas sociedades metodistas. Elas não aceitavam como membro do grupo quem possuísse escravos, lutavam contra a exploração de menores e em favor dos trabalhadores, no que se refere a seus direitos e melhores condições de trabalho. Os primeiros pregadores metodistas foram pioneiros em lutar pelo movimento de sindicatos, de cooperativas, da liberdade política e pela elevação do nível de vida na Inglaterra. “A velha fundição transformou-se em um verdadeiro crisol de projetos sociais: casa de misericórdia para viúvas, escolas para meninos, dispensário para enfermos, bolsa e agência de trabalho, cooperativas de crédito, agência de empréstimo, sala de estudos na Igreja” (Jornal London, Epworth Press, 1916, Vol. 8, p. 49). Esta ampla visão do compromisso social e político reflete o caráter inseparável do amor de Deus e amor ao próximo. Dentro deste cenário apresentado fica uma questão fundamental: E agora, o que fazer? A bispa e os bispos, no exercício do seu mandato profético, sacerdotal e pastoral, orientam a família metodista em terras brasileiras para os seguintes pontos:
a) Os metodistas alicerçam sua fidelidade ao compromisso social contido na Palavra de Deus, que é a fonte única de todos os projetos de salvação e promoção da dignidade da vida. Cremos no Deus da Vida e clamamos ao Senhor orando: “Venha o Teu Reino”; b) Acreditamos que nós, os metodistas, herdeiros de uma belíssima herança, temos um compromisso com o povo brasileiro, especialmente nesta hora em que as vozes da rua estão clamando por um país mais justo e igualitário; c) Precisamos de uma orientação pastoral segura para que o nosso povo tenha cuidado e sabedoria na formação de suas opiniões. Ou seja, sempre tendo em mente o poder reacionário que as grandes corporações midiáticas têm na nossa realidade brasileira; d) Não podemos nos encolher no conforto dos nossos templos, mas precisamos de uma ação proativa que valorize esses movimentos que vêm dos corredores da nossa sociedade, exigindo políticas públicas que possam dar um novo horizonte para o nosso povo. Nossos espaços físicos precisam estar abertos para uma maior discussão dos temas que estão sendo sugeridos no contexto da Reforma Política; e) Nossas ações estratégicas ministeriais precisam ser revisitadas, especialmente nas igrejas locais, nos movimentos societários, nos Concílios Regionais que se aproximam, bem como em nossos meios de comunicação, à luz do movimento social que chama toda a sociedade brasileira ao exercício da plena cidadania; f) Os documentos da Igreja Metodista relembram-nos a urgência do compromisso com a cidadania do Reino de Deus. “A Igreja fiel a Jesus Cristo, é sinal e testemunha do Reino de Deus. É chamada para sair de si mesma e se envolver no trabalho de Deus na construção do novo ser humano e o Reino de Deus. Assim, ela realiza sua tarefa de evangelização” (PVMI, Cânones 2012-2016, p. 91). g) Reafirmamos o nosso compromisso com o anúncio salvífico de Jesus Cristo, pois cremos que nenhuma mudança de estrutura socio-político-
econômica poderá responder ao anseio da alma humana, notadamente em nosso país, se não passar por uma experiência de espiritualidade, bem como, de uma santidade social que não passe pela experiência transformadora da Graça de Deus, manifesta em Cristo.
Por fim, trazemos à memória a recomendação do teólogo Justo L. Gonzáles, de muita ressonância para o momento da realidade brasileira: “E que o Deus que arrancou Wesley, como um tição ardente, do meio das chamas, nos arranque também a nós, a nossos irmãos e irmãs, a nossos filhos e filhas, das chamas da conformidade, das forças da apatia, dos horrores da injustiça, e nos faça tições por seu amor e sua justiça” (Justo L. González)
São Paulo, 31 de agosto de 2013. Bispo Adonias Pereira do Lago Presidente do Colégio Episcopal Bispa Marisa de Freitas Ferreira Secretária do Colégio Episcopal