Revista de História da Arte (n.º6 / 2008)

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Revista de História da Arte N.6 2008

O Mosaico

instituto de história da arte faculdade de ciências sociais e humanas · universidade nova de lisboa

na Antiguidade Tardia iss n 16 46 -17 6 2

avenida de berna, 26 c 1069-061 lisboa tel. 217 908 300 · ext. 1540 e-mail iha@fcsh.unl.pt 09h00-12h30 · 13h30-18h00

A Revista de História da Arte é uma revista académica de teoria e história da arte portuguesa e suas articulações internacionais, publicada pelo Instituto de História da Arte. Destina-se predominantemente à comunidade científica e académica, incluindo professores, investigadores e estudantes. Cada número da Revista de História da Arte é dedicado a um tema específico, tratado em artigos originais. No entanto, cada número dispõe de secções abertas a outros domínios temáticos: Recensões, Varia e Notícias.

D

ando continuidade à linha programática da Revista de História da Arte no sentido de publicar Conferências de Cursos Livres e de

Encontros Científicos realizados no âmbito das actividades do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências à estampa os textos das Comunicações proferidas no Ciclo Internacional de Palestras sobre “Arquitectura, Mosaicos e Sociedade da Antiguidade Tardia e Bizantina a Ocidente e Oriente. Estudos e planos de salvaguarda”, Congresso que teve lugar em Lisboa, Mértola e Rabaçal (Penela) nos dias 11, 12 e 13 de Julho de 2008, numa realização conjunta do Instituto de História da Arte e da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo (APECMA).

n.2 2006

n.3 2007

N.6

2008

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

direcção (fcsh/unl) M. Justino Maciel Raquel Henriques da Silva

secretariado Ana Paula Louro Hugo Xavier

conselho científico e editorial (fcsh/unl) Carlos Moura José Custódio Vieira da Silva Manuel Justino Maciel Maria Adelaide Miranda Rafael Moreira Raquel Henriques da Silva

edição Instituto de História da Arte

conselho científico externo Etelvina Fernández González (Universidade de León, Espanha) Fernando Acuna Castroviejo (Univ. de Santiagode Compostela, Espanha) Hellmut Wohl (Universidade Boston, EUA) Joaquin Yarza Luaces (Univ. Autónoma de Barcelona, Espanha) Luís Moura Sobral (Universidade de Montreal, Canadá) Mário Henrique D’Agostino (Universidade de São Paulo, Brasil) Ramón Rodrigues Llera (Universidade de Valladolid, Espanha) Thomas Noble Howe (Southwestern University, EUA)

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dão-se

n.1 2005

Ficha Técnica

tradução Michelle Nobre

n.4 2007

concepção gráfica e paginação Rita Palla impressão e acabamentos Heragráfica, artes gráficas lda. tiragem 1 000 exemplares depósito legal 227 341/05 issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte © foto de capa: Milreu. “Edifício de Culto”. Cabeça de golfinho. Fotografia de Theodor Hauschild Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL

Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade

iss n 1 6 4 6 -1 7 6 2

de Ciências Sociais e Humanas, UNL

D

N.5

2008

direcção (fcsh/unl)

Ramón Rodrigues Llera

M. Justino Maciel

(Universidade de Valladolid, Espanha)

Raquel Henriques da Silva

Thomas Noble Howe

conselho científico

(Southwestern University, EUA)

e editorial (fcsh/unl)

tradução

Carlos Moura

Michelle Nobre

José Custódio Vieira da Silva

secretariado

e acordo com a linha programática da

Manuel Justino Maciel

Ana Paula Louro

Revista de História da Arte, o seu nº 5, recolhe a maioria das conferências que

Maria Adelaide Miranda

edição

Rafael Moreira

Instituto de História da Arte

Raquel Henriques da Silva

concepção gráfica

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

estruturaram o XI Curso Livre do Instituto de História da Arte, consagrado à temática do Retrato que decorreu, com assinalável sucesso, em 2007.

conselho científico externo

e paginação

Etelvina Fernández González

Rita Palla

(Universidade de León, Espanha)

impressão e acabamentos

Como também é marca distintiva dos nossos cursos

Fernando Acuna Castroviejo

Heragráfica, artes gráficas lda.

livres, a temática do retrato foi tratada numa crono-

(Universidade de Santiago

tiragem

logia extensiva, da Antiguidade Romana em Portugal,

de Compostela, Espanha)

1 000 exemplares

passando pela Idade Média, percorrendo o Renasci-

Hellmut Wohl

depósito legal

(Universidade Boston, EUA)

227 341/05

mento e o Barroco para terminar nos tempos mais

Joaquin Yarza Luaces

próximos, do século XIX aos nossos dias. Cumprimos

(Universidade Autónoma

também outro dos traços da nossa actuação: tivemos

de Barcelona, Espanha)

conferências de docentes do Departamento de His-

Luís Moura Sobral

tória da Arte e de alguns dos nossos discípulos, mas,

(Universidade de Montreal, Canadá)

sobretudo, de colegas que trabalham noutras Univer-

Mário Henrique D’Agostino

sidades ou Institutos Politécnicos (Universidade Aber-

(Universidade de São Paulo, Brasil)

issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte

ta, Universidade de Coimbra, Universidade Católica, Instituto Politécnico de Tomar) e do Museu Nacional de Arte Antiga, com quem mantemos relacionamentos

Agradecimentos

pessoais e institucionais que são um dos mais estimuem Portugal.

ap o i o s

Câmara Municipal de Lisboa – Direcção Geral de Arquivos; Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas; Museu da Cidade – Divisão de Museus; Fundação da Casa de Bragança; Fundação para a Ciência e a Tecnologia; Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Palácio Nacional de Mafra; Relógio d’Água.

O Retrato

lantes sinais do excelente estado da história da arte

apo i o s / pat ro cí n i o s

O Mosaico

Revista de História da Arte N.5 2008 Ficha Técnica

O Retrato

A edição nº5 da Revista de História da Arte foi apoiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela Direcção-Geral do Livros e das Bibliotecas (DGLB). A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.

N.5 2008

n.5 2008

N.6 20 0 8

Agradecimentos Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Museo Nacional de Arte Romano, Mérida; Museo Arqueológico de Córdova. A edição nº6 da Revista de História da Arte foi apoiada pelas seguintes Instituições: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação Millennium bcp, Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC. A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.


Revista de História da Arte N.6 2008

O Mosaico

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avenida de berna, 26 c 1069-061 lisboa tel. 217 908 300 · ext. 1540 e-mail iha@fcsh.unl.pt 09h00-12h30 · 13h30-18h00

A Revista de História da Arte é uma revista académica de teoria e história da arte portuguesa e suas articulações internacionais, publicada pelo Instituto de História da Arte. Destina-se predominantemente à comunidade científica e académica, incluindo professores, investigadores e estudantes. Cada número da Revista de História da Arte é dedicado a um tema específico, tratado em artigos originais. No entanto, cada número dispõe de secções abertas a outros domínios temáticos: Recensões, Varia e Notícias.

D

ando continuidade à linha programática da Revista de História da Arte no sentido de publicar Conferências de Cursos Livres e de

Encontros Científicos realizados no âmbito das actividades do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências à estampa os textos das Comunicações proferidas no Ciclo Internacional de Palestras sobre “Arquitectura, Mosaicos e Sociedade da Antiguidade Tardia e Bizantina a Ocidente e Oriente. Estudos e planos de salvaguarda”, Congresso que teve lugar em Lisboa, Mértola e Rabaçal (Penela) nos dias 11, 12 e 13 de Julho de 2008, numa realização conjunta do Instituto de História da Arte e da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo (APECMA).

n.2 2006

n.3 2007

N.6

2008

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

direcção (fcsh/unl) M. Justino Maciel Raquel Henriques da Silva

secretariado Ana Paula Louro Hugo Xavier

conselho científico e editorial (fcsh/unl) Carlos Moura José Custódio Vieira da Silva Manuel Justino Maciel Maria Adelaide Miranda Rafael Moreira Raquel Henriques da Silva

edição Instituto de História da Arte

conselho científico externo Etelvina Fernández González (Universidade de León, Espanha) Fernando Acuna Castroviejo (Univ. de Santiagode Compostela, Espanha) Hellmut Wohl (Universidade Boston, EUA) Joaquin Yarza Luaces (Univ. Autónoma de Barcelona, Espanha) Luís Moura Sobral (Universidade de Montreal, Canadá) Mário Henrique D’Agostino (Universidade de São Paulo, Brasil) Ramón Rodrigues Llera (Universidade de Valladolid, Espanha) Thomas Noble Howe (Southwestern University, EUA)

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dão-se

n.1 2005

Ficha Técnica

tradução Michelle Nobre

n.4 2007

concepção gráfica e paginação Rita Palla impressão e acabamentos Heragráfica, artes gráficas lda. tiragem 1 000 exemplares depósito legal 227 341/05 issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte © foto de capa: Milreu. “Edifício de Culto”. Cabeça de golfinho. Fotografia de Theodor Hauschild Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL

Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade

iss n 1 6 4 6 -1 7 6 2

de Ciências Sociais e Humanas, UNL

D

N.5

2008

direcção (fcsh/unl)

Ramón Rodrigues Llera

M. Justino Maciel

(Universidade de Valladolid, Espanha)

Raquel Henriques da Silva

Thomas Noble Howe

conselho científico

(Southwestern University, EUA)

e editorial (fcsh/unl)

tradução

Carlos Moura

Michelle Nobre

José Custódio Vieira da Silva

secretariado

e acordo com a linha programática da

Manuel Justino Maciel

Ana Paula Louro

Revista de História da Arte, o seu nº 5, recolhe a maioria das conferências que

Maria Adelaide Miranda

edição

Rafael Moreira

Instituto de História da Arte

Raquel Henriques da Silva

concepção gráfica

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

estruturaram o XI Curso Livre do Instituto de História da Arte, consagrado à temática do Retrato que decorreu, com assinalável sucesso, em 2007.

conselho científico externo

e paginação

Etelvina Fernández González

Rita Palla

(Universidade de León, Espanha)

impressão e acabamentos

Como também é marca distintiva dos nossos cursos

Fernando Acuna Castroviejo

Heragráfica, artes gráficas lda.

livres, a temática do retrato foi tratada numa crono-

(Universidade de Santiago

tiragem

logia extensiva, da Antiguidade Romana em Portugal,

de Compostela, Espanha)

1 000 exemplares

passando pela Idade Média, percorrendo o Renasci-

Hellmut Wohl

depósito legal

(Universidade Boston, EUA)

227 341/05

mento e o Barroco para terminar nos tempos mais

Joaquin Yarza Luaces

próximos, do século XIX aos nossos dias. Cumprimos

(Universidade Autónoma

também outro dos traços da nossa actuação: tivemos

de Barcelona, Espanha)

conferências de docentes do Departamento de His-

Luís Moura Sobral

tória da Arte e de alguns dos nossos discípulos, mas,

(Universidade de Montreal, Canadá)

sobretudo, de colegas que trabalham noutras Univer-

Mário Henrique D’Agostino

sidades ou Institutos Politécnicos (Universidade Aber-

(Universidade de São Paulo, Brasil)

issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte

ta, Universidade de Coimbra, Universidade Católica, Instituto Politécnico de Tomar) e do Museu Nacional de Arte Antiga, com quem mantemos relacionamentos

Agradecimentos

pessoais e institucionais que são um dos mais estimuem Portugal.

ap o i o s

Câmara Municipal de Lisboa – Direcção Geral de Arquivos; Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas; Museu da Cidade – Divisão de Museus; Fundação da Casa de Bragança; Fundação para a Ciência e a Tecnologia; Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Palácio Nacional de Mafra; Relógio d’Água.

O Retrato

lantes sinais do excelente estado da história da arte

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O Mosaico

Revista de História da Arte N.5 2008 Ficha Técnica

O Retrato

A edição nº5 da Revista de História da Arte foi apoiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela Direcção-Geral do Livros e das Bibliotecas (DGLB). A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.

N.5 2008

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N.6 20 0 8

Agradecimentos Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Museo Nacional de Arte Romano, Mérida; Museo Arqueológico de Córdova. A edição nº6 da Revista de História da Arte foi apoiada pelas seguintes Instituições: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação Millennium bcp, Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC. A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.



O Mosaico na Antiguidade Tardia N.6 2008 Instituto de História da Arte Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa

Edição Instituto de História da Arte


abreviaturas AIEMA Association Internationale pour l’Étude de la Mosaïque Antique A P E C MA Associação Portuguesa para o Estudo

e Conservação do Mosaico Antigo CM S Câmara Municipal de Sintra DDF Divisão de Documentação Fotográfica FC G Fundação Calouste Gulbenkian F CS H/ U NL Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa FLU L Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa ICO M O S International Council on Monuments and Sites I CC M International Commite for the Conservation of Mosaics IGES PA R Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico I MC Instituto dos Museus e da Conservação MA S Museu Arqueológico de Sines M F TPJ Museu Francisco Tavares Proença Júnior M R B/ V N Museu Regional de Beja,

Núcleo Visigótico UAU M Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho U C Universidade de Coimbra


6

Entrevista com Rosado Fernandes

9

conduzida por M. Justino Maciel

A arquitectura e os mosaicos do “Edifício de Culto” ou “Aula” da Villa Romana de Milreu

17

Theodor Hauschild

A arquitectura e os mosaicos do complexo baptismal de Mértola

33

Virgílio Lopes

Mosaicos da Villa Romana de São Miguel de Odrinhas

43

Maria Teresa Caetano

Mosaicos geométricos de Villa Cardílio

61

Maria de Jesus Duran Kremer

Architecture and mosaics in recently discovered Palaeochristian basilicas

79

Mustafa Sahin – Recep Okçu

Mosaici parietali d’epoca giustinianea a Ravenna

89

Cetty Muscolino

Retour à la maison des Nymphes de Néapolis

103

Jean-Pierre Darmon

Motivos aquáticos em mosaicos antigos de Portugal

115

Cátia Mourão

A iconicidade de representações arquitectónicas em mosaicos pavimentais romanos

133

Francine Alves

Um Stibadium com mosaico na Villa Romana do Rabaçal

139

Miguel Pessoa

A Igreja Sueva de São Martinho de Dume

163

Luís Fontes

Diagnóstico de danos sobre grandes áreas de mosaicos conservados in situ

183

José Lourenço Gonçalves

Monitorização de mosaicos in situ da Villa Romana do Rabaçal

191

Lídia M. G. Catarino

La conservación in situ de mosaicos en Calpe

203

Trinidad Pasíes Oviedo – Carolina Mai Cerovaz

O inventário e o corpus dos mosaicos romanos de Portugal

215

Maria de Fátima Abraços

A propósito de um mosaico egitaniense

229

M. Justino Maciel

La villa tardoantica di Palazzo Pignano

239

Lynn Pasi Pitcher

Varia

249

Notícias

278

Índice

Editorial


D

ando continuidade à linha programática da Revista de História da Arte no sentido de publicar Conferências de Cursos Livres e de Encontros Científicos realizados no âmbito das actividades do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dão-se à estampa os textos das Comunicações proferidas no Ciclo Internacional de Palestras sobre “Arquitectura, Mosaicos e Sociedade da Antiguidade Tardia e Bizantina a Ocidente e Oriente. Estudos e planos de salvaguarda”, Congresso que teve lugar em Lisboa, Mértola e Rabaçal (Penela) nos dias 11, 12 e 13 de Julho de 2008, numa ­realização conjunta do Instituto de História da Arte e da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo (APECMA). O primeiro Ciclo Internacional de Palestras sobre “Arquitectura, Mosaicos e Sociedade da Antiguidade Tardia e Bizantina, a Ocidente e Oriente. Estudos e Planos de Salvaguarda” foi uma reunião sem precedentes no estudo do mosaico antigo em Portugal. Este Encontro, dividido em sete sessões, em conformidade com o programa previamente distribuído pelos palestrantes, colaboradores e inscritos, decorreu de uma forma descentralizada na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no Campo Arqueológico de Mértola e no Espaço-Museu da Villa Romana do Rabaçal, Penela. Reuniu 23 palestrantes, sendo 13 portugueses e 10 estrangeiros, vindos de França, Turquia, Alemanha, Espanha, Itália e Áustria, bem como cerca de uma centena de inscritos e convidados, tendo sido apresentadas um total de 22 Comunicações. Tratou-se de uma experiência de partilha de conhecimentos entre pessoas ligadas a universidades, museus, autarquias, associações, serviços de turismo, escolas, empresas de conservação e investigadores independentes, enriquecida com a visita a sítios arqueológicos onde decorrem estudos e planos de salvaguarda: Mértola e Rabaçal. Estas Jornadas foram levadas a cabo também como início da actividade da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo (APECMA), fundada em Lisboa no ano de 2006 como secção nacional da AIEMA (Association Internationale pour l’Étude de la Mosaïque Antique), numa iniciativa conjunta com o Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Pretendemos desta forma criar condições, oportunidades de intercâmbio e discussão entre todos aqueles que estejam ligados à área do estudo e conservação da arquitectura e do mosaico romanos em Portugal. Pretendemos, ainda, através do convite a colegas estrangeiros, reflectir sobre a originalidade e influências de conjuntos musivos a Ocidente e a Oriente, de forma a definirmos traços comuns a este nível, bem como especificidades regionais evidentes. Pretendemos, de facto, estimular a discussão sobre o estudo do mosaico antigo em Portugal, numa altura em que novas descobertas vêm modificando um panorama de grandeza que parecia restrito a quatro ou cinco locais em Portugal. Também os temas aqui reflectidos acerca da actualização do inventário dos mosaicos romanos no nosso País e o avanço dos estudos de conservação apresentados podem ser fundamentais numa estratégia que visa a valorização das várias componentes de um todo.

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Editorial

O Ciclo Internacional de Palestras foi considerado muito positivo por parte de todos os participantes, os quais incentivaram os organizadores a transformá-lo numa tradição, cuja periodicidade deverá ser equacionada de acordo com as necessidades, meios e objectivos a alcançar. Pensamos poder afirmar que ficaram delineadas neste Encontro as seguintes ideias essenciais: • O contributo para um aprofundar de consciência do valor deste património no nosso País e da importância do contacto e do intercâmbio com pessoas e instituições congéneres nacionais e estrangeiras para o incremento do seu estudo. • A necessidade da criação de uma base de dados sobre mosaicos romanos em Portugal. • A clarificação de uma estratégia concertada para a prossecução da publicação do Corpus dos Mosaicos Romanos de Portugal. Cumpre-nos agradecer publicamente a todos os participantes, colaboradores e instituições que nos apoiaram, destacando os importantíssimos apoios da Câmara Municipal de Penela, da Câmara Municipal de Mértola e do Campo Arqueológico de Mértola, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Fundação para a Ciência e Tecnologia, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, do Instituto dos Museus e da Conservação, da Terras de Sicó – Associação de Desenvolvimento e da Associação de Amigos da Villa Romana do Rabaçal. O estudo do mosaico da Época Romana e da Antiguidade Tardia em Portugal muito deve à figura carismática do Professor João Manuel Bairrão Oleiro, que continua a ser uma referência para todos os que se dedicam à investigação neste domínio do saber em Portugal. Fundador da Área de Especialização em História da Arte da Antiguidade na Universidade Nova de Lisboa e no Instituto de História da Arte, tem hoje bons continuadores, designadamente naqueles que têm escolhido o tema dos mosaicos para as suas teses de Mestrado e Doutoramento, nesta como em outras Universidades. Com esta publicação queremos também homenagear a sua Memória. Agradecemos às Instituições já referidas o apoio decisivo à realização do Ciclo ­Internacional de Palestras, agora que se publicam os seus textos. Destacamos neste reconhecimento as entidades que nos ajudaram também de forma directa nesta edição: Fundação Calouste Gulbenkian, com importantíssimo subsídio; Fundação para a Ciência e Tecnologia, através do Financiamento Plurianual à Unidade de Investigação que é o Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas; Câmara Municipal de Mértola e Câmara Municipal de Penela; Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas, através do seu Programa de apoio a Revistas Culturais; Instituto dos Museus e da Conservação, através da cedência gratuita de imagens. O último agradecimento, dirigimo-lo à Fundação Millennium bcp que, a partir deste número, passa a ser mecenas da Revista de História da Arte. Bem hajam, pelo apoio decisivo que assim prestam ao desenvolvimento dos estudos sobre o Mosaico Antigo em Portugal.

Manuel Justino Maciel (IHA) Miguel Pessoa (APECMA)

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e n t r e v i s ta c o m o p r o f e s s o r r a u l m i g u e l r o s a d o f e r n a n d e s

rosado fernandes, fotografia de justino maciel, 2009.

O

Professor Raul Miguel Rosado Fernandes nasceu em Lisboa em 11 de Julho de 1934. Doutorou-se na Universidade de Lisboa em Filologia Clássica, no ano de 1962. A sua tese intitulou-se O Tema das Graças na Poesia Clássica. Fez praticamente toda a sua carreira na Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi Professor Catedrático até se jubilar em 2004. Leccionou no Queens College da Universidade de New York (1965-1968). Foi Presidente do Congresso das Comunidades Portuguesas (1980). Seu mérito e competência permitiram a sua ascensão a Magnífico Reitor da Universidade Clássica de Lisboa, funções que desempenhou durante quatro anos (1979-1983). Foi fundador e presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal e deputado no Parlamento Europeu e na Assembleia da República.

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O Professor Rosado Fernandes é um consagrado Professor de Línguas e Literaturas Clássicas, desenvolvendo ainda hoje investigação não só sobre o Humanismo Clássico como também sobre o Humanismo Europeu, desde a Renascença até à Época Contemporânea. As suas publicações continuam a surgir bem marcantes no panorama cultural português. Entre muitas distinções, foi-lhe atribuída a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Como Professor Emérito de Línguas e Literaturas Clássicas marcou centenas de estudantes ao longo da sua prestigiada carreira de docente e de investigador. É para Revista de História da Arte uma honra publicar uma entrevista com este Professor. Num número dedicado à arte do mosaico antigo, as reflexões expressas pelo Professor Rosado Fernandes revelam-se úteis, sábias e oportunas.

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conduzida por m. justino maciel

Iniciamos a nossa conversa sobre a questão da visualidade (techne/ars) no mundo grego e no mundo romano.

Entrevista

rosado fernandes

com

No mundo grego e romano, a reprodução do que se vê ou do que se pretende fazer ver obedece, de forma mais discreta, aos mesmos parâmetros, por muito que isso nos surpreenda, que são seguidos com maior ou menor imaginação pelos que hoje nos procuram transmitir a realidade palpável que nos rodeia, ou a realidade criada na sua imaginação ou crença, com que pretendem seduzir a nossa sensibilidade. Essa assim chamada visualidade, termo abstracto que em certos dicionários nem sequer é referido, significa, segundo o velho dicionário de Morais: “a propriedade de ser visual. Aparência enganadora; ilusão, fantasmagoria” e dá um exemplo de Camilo. Tomemo-lo, contudo, adaptando o termo às necessidades do pós-moderno, termo que nunca entendi o que significava, “como a capacidade de transmitir o que se vê ou imagina (os deuses por exemplo)” e nesse processo todo o acto criador depende, na Grécia antiga, da téchnê, e na Roma dos Césares, da ars, manejadas pelo ingenium humano. Camões dá-se conta desta junção, quando refere, na segunda estrofe d’Os Lusíadas, “se a tanto me ajudar o engenho e arte.” É afinal a repetição do que Horácio, o mestre intemporal dos artistas, sobretudo dos poetas, nos prega na Epístola aos Pisões, mais conhecida por Arte Poética. De resto, as formas artísticas podem mudar, mas o ser humano que as transforma continua através de milénios a ser essencialmente o mesmo, com maior ou menor disponibilidade técnica dos recursos que o progresso técnico e intelectual foi criando. No que me foi dado ver, quando estudei arte clássica e vi muita arte moderna e

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e n t r e v i s ta c o m o p r o f e s s o r r a u l m i g u e l r o s a d o f e r n a n d e s

contemporânea, nunca houve nos milénios que nos precederam a ousadia evidente, digamos “descarada”, de “desconstruir”abertamente a realidade, desmontando-a, e criando com as peças obtidas uma outra realidade visual, que impressionasse favoravelmente o espectador, ou então que nele provocasse um choque de “estranhamento”, que o pode atrair ou não. Para não chegarmos aos nossos dias, só precisamos de lembrar o Jardim das Delícias (Museu do Prado) ou As Tentações de Santo Antão (Museu de Arte Antiga, em Lisboa), de Ieronymus Bosch, para verificarmos que nem as formas e vidas naturais são poupadas pela imaginação dos artistas.

Pedimos-lhe que se pronuncie acerca da importância dos estudos sobre a arte e sua transversalidade com o estudo da cultura e das línguas clássicas. É inegável que só se pode entender a extensão e capacidade da criação mental e imaginativa humana se as suas realizações forem transversalmente acompanhadas por estudos que demonstrem o entrosamento das diversas artes, agrupadas como numa espécie de teia intercomunicante. Ao mesmo tempo, contribuem esses estudos, se forem feitos com competência e escritos com um mínimo de compreensibilidade, para aumentar a delectatio, ou seja, o prazer que sentimos ao olhar para a obra que nos é apresentada. Admirador da arte abstracta, nunca compreendi a arte mais abstrusa, composta por exemplo de objectos de uso doméstico ou hospitalar, que me pode causar, sem que generalize a tudo o que vi, uma sensação de furor ou repulsa, embora admita que o abjeccionismo, por exemplo, pode ter interesse, pelo menos, para explicar os modos ínvios por que circula a mente humana. Essa intercomunicação das artes e, no caso vertente das artes figurativas e das literárias, já era sentida na Antiguidade Clássica pelo mesmo Horácio, na mesma obra, quando nos diz sem embaraço de maior, vv.360 ss: “Como a pintura é a poesia: coisas há que de perto mais te agradam e outras, se a distância estiveres.” Estes versos completam o princípio pelo poeta enunciado, logo no início do poema, vv. 9 ss: “a pintores e a poetas igualmente se concedeu, desde sempre, a faculdade de tudo ousar.” Sabemos que só parcialmente é verdade, sem necessitarmos de recordar os iconoclastas de Bizâncio, basta lembrar o hieratismo da arte egípcia, imposto pelo poder e pela religião, que tanto influenciou os primeiros séculos da arte grega. A religião e o poder desempenharam sempre de maneira mais ou menos óbvia um papel formatador e limitador da inspiração artística “transversal”, como é moda dizer-se, e que corresponde exactamente ao que figurativamente pretendemos exprimir. No entanto, a arte seguiu de forma mais fiel ou menos fiel o que a Mãe Natura nos pôs diante dos olhos, e procura imitá-la totalmente, geometricamente, hieraticamente, e toscamente como nas figurinhas cicládicas pré-helénicas ou então toda ao contrário do ordo naturalis, como em Do outro lado do Espelho na Alice no País das Maravilhas contada por Lewis Carrol às filhas do Vice-Reitor de Cambridge, Liddel, um dos dois autores do nosso dicionário de Grego, o que anos depois nos vai permitir entrar no surrealismo. De qualquer forma, é longo o caminho a percorrer entre o dinamismo da arte cretense, o hieratismo egípcio das kórai do Museu da Acrópole,

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e a estatuária helenística, ou entre os frescos de Creta e as pinturas paleocristãs e os dourados bizantinos, de que os Turcos tanto gostarão. Uma coisa porém é certa: “não vá o sapateiro além da chinela”, ne sutor ultra crepidam, aconselhou o pintor Apeles a um sapateiro que criticava os sapatos que ele tinha pintado nos pés de uma figura humana, conforme nos conta Plínio na História Natural (35,84) e porquê? Já Horácio atrás citado, poeta e artista de bom gosto, afirmava que a poesia e a arte em geral gozam de uma liberdade que foge à forma obrigatória do sapateiro, o que não impede que este também possa fazer os melhores e mais originais, pela qualidade do gosto, sapatos do mundo, nem que o artista pinte ou esculpa ou grave sapatos, parecidos com o que existe na realidade.

Portanto, é evidente a influência da expressão plástica greco-romana na nossa herança cultural. A expressão plástica greco-romana, antes e depois de Cristo, vai ser continuada e imitada, no sentido da mímesis (gr.), imitatio (lat.), pelo Homem que é sempre o mesmo e que dispõe de registos, factos e monumentos para avivar a sua memória, que procede de tempos bem anteriores aos Gregos e aos Romanos. Toda a ­vivacidade e movimento da arte minóica, certamente não grega, pois é anterior à vinda dos indo-europeus, vai influenciar a arte helénica mais pictórica, como a que detectamos nos vasos gregos que perdurarão até à época romana, e a arte romana dos frescos que vamos encontrar em Pompeios, e a própria arte geométrica dos mesmos vasos, que vai perdurar até aos nossos tempos, nas composições da pintura abstracta, ou na decoração de pratos e de esculturas, porque a memória não se perdeu, nem o gosto de renovar uma Antiguidade sempre viva, porque não perecível. Nem de tal nos devemos admirar, quando as mais do que antigas formas da arte megalítica, a dos menires, por exemplo, também perduram em monumentos e pinturas recentes. Por paradoxal que seja, o desejo de inovar leva-nos a descer a tempos quase imemoriais, talvez até porque quase olvidados pelos contemporâneos.

E o que pensa do estudo do mosaico antigo e de outras manifestações artísticas como expressão do interesse pelo humanismo clássico? O estudo do mosaico antigo, embora menos sedutor do que o do vaso grego, que é portátil, ao passo que o mosaico está agarrado em geral por materiais sólidos no terreno ou nas casas, tem uma importância fundamental para aquilatar o nível cultural das populações romanizadas da Hispânia, e, dentro desta, da Lusitânia, que era a sua parte mais pobre, mas que apesar disso nos deixou por muitos sítios, e não só por Conímbriga, inúmeros exemplares valiosos que atestam o valor real desse legado. As escavações continuam actualmente, mas a forma frouxa e desinteressada como são financiadas, a falta de coordenação entre os que trabalham no terreno, escavam e pesquisam, não tem favorecido o seu prosseguimento de forma que nos permita avaliar com serenidade e saber as riquezas artísticas de que dispomos. Há

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uma incapacidade real do povo português de acabar o que começou, não se sabe se por medo de não ter imaginação para continuar a aprofundar e a perceber o que encontrou, se por simples leveza do ser, ou se por não saber o suficiente. Basta olhar para a Tróia da margem Sul do Sado, e ficamos esclarecidos.

Conheceu bem o Professor Bairrão Oleiro. Como vê a sua acção no desenvolvimento do estudo, inventariação e aprofundamento da compreensão da arte musiva romana e paleocristã entre nós? Conheci razoavelmente Bairrão Oleiro e as suas origens familiares na zona do Tramagal, e sempre reconheci nele a capacidade de bem fazer, de observar com cuidado, durante uma carreira que não foi muito facilitada pela máquina universitária, eivada da perversidade dos burocratas e maus colegas. Em vez de se ter sentido frustrado e de trasladar a sua desilusão perseguindo os que com ele trabalhavam, ajudou-os pelo contrário no domínio bastante rico da arte romana em Portugal, da arte musiva, como diz e bem o meu entrevistador. Lembro-me igualmente das investigações de Fernando de Almeida na Egitânia, na Idanha, e em Miróbriga , perto de Santiago de Cacém, e do cuidado que teve quando director do Museu de Leite de Vasconcelos. Eram os dois investigadores humanistas e educados, que nunca se importariam de colaborar fosse em que processo fosse. Se o ambiente museológico e arqueológico fosse dominado por gente como eles, certamente que a inventariação teria grande avanço, bem como a compreensão do que dispomos pelo país fora. Registo com prazer que me seja referida a “inventariação”, que, nas mentes dos que se julgam mais privilegiados, será considerada como actividade de armazém de géneros alimentícios, mas a verdade é que nada se pode investigar sem registo, o que prejudica o trabalho dos arqueólogos. Por outro lado, toleram-se os caçadores furtivos. O mesmo acontece nos arquivos não acabados, desprezados liminarmente pelos políticos “iluminados”, que nunca os frequentaram, e por alguns burocratas, que gostariam de nunca os terem visto, mesmo que seja sua obrigação deles cuidar.

Como classicista consagrado que é, como considera a interacção dos textos clássicos com as decorações musivas: temas dionisíacos, homéricos, virgilianos, “tempora anni”, caçadas, “paradeisa”?… “Interacção” dos temas clássicos soa-me um pouco ao habitual tecnocratês, que por aí se fala, mas exprime bem o que os antigos chamavam, como já disse, mímesis ou imitatio, que nunca significou na antiguidade, cópia, mas, e agora rendo-me à tecnocracia, interacção, intertextualidade, reescrita, etc. A verdade é que ao descermos aos fundões da nossa memória, vamos ali dispor de imagens, de frases e de histórias, que provêm directamente dos autores, cujas obras escritas ou figurativas lemos ou vimos. É portanto impossível extrairmos daí uma invenção nunca ouvida ou vista, porque estamos felizmente dependentes, não sendo robots, do que apreendemos e arrumamos na memória. Não nos devemos pois admirar, quando encontramos na arte greco-romana repre-

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sentações de cenas de caça, provenientes dos poemas épicos, orgias dionisíacas com Bacantes, da tragédia homónima de Eurípides, ou do bucólico pastor, tocando flauta e pastoreando cabras, como lembrança das Bucólicas virgilianas, ou as três Estações, em Grego, Hórai, ou as tapadas, embelezadas por árvores, arbustos e flores, em Grego, parádeisa, paraísos ecológicos, mas não selváticos, como o que vemos na Ciropedia de Xenofonte. Não nos surpreenderemos também, ao ver cenas do Novo Testamento, ou a figura do Cristo pantocrátor, nos mosaicos e frescos paleocristãos e bizantinos. No fundo trata-se do locus amoenus e crenças da fé cristã da poesia, da prosa, da pintura e da estatuária clássicas e cristãs, medievais e renascentistas.

Quer referir algum episódio que tenha vivido sobre descobertas ou estudos de mosaicos em Portugal? Os episódios de descobertas e de estudos dariam assunto para um poema talvez épico, se não cómico nalguns dos casos. Vou dar um exemplo, passado comigo, na altura em que, em 1972, me preparava para me apresentar a concurso para professor extraordinário. Tinha já tudo a postos para fazer a minha lição e a anterior prova escrita, quando recebo da Junta Nacional de Educação a ameaça de um processo, porque teria destruído uma Villa romana, na herdade de D.Pedro, que fazia parte de uma boa propriedade, Fonte dos Frades, em frente de Baleizão, da minha Irmã, Cremilde Rosado Fernandes Doderer, música e cravista de profissão. A denúncia tinha partido do então Governador Civil de Beja, nosso vizinho e conhecido, arqueólogo amador, e que em vez de me telefonar a denunciar os estragos prováveis, se precipitou a denunciar-me à entidade oficial, dirigida pelo Dr. João de Almeida. Seria eu então alvo de um processo, num caso em que estava implicada uma zona que nunca me tinha sido indicada, e que exteriormente tinha um aspecto pedregoso, de tal forma que nenhum tractor lá podia entrar. Com o processo, não poderia fazer o concurso, e ficaria arruinada a minha carreira. Perturbado por tanta dissimulação, falei para o arqueólogo então Director da Faculdade de Letras, D. Fernando de Almeida, que me disse ir resolver o caso, sem me propor quaisquer condições. Disse-lhe que a minha família teria muito gosto em proporcionar escavações na herdade de D. Pedro, visto que das ruínas romanas não ­tínhamos notícia, dando guarida aos arqueólogos que escolhesse. Assim aconteceu. Fiz o concurso, depois de quatro anos de ausência por me terem rescindido o contrato de 1ºAssistente (já doutorado, portanto), e começaram-se as escavações. Ao mesmo tempo e fora da zona a ser escavada, descobri um magnífico torso de ­carneiro, que ofereci ao Museu de Leite de Vasconcelos, depondo-o nas mãos de D. Fernando de Almeida. Para meu descanso ainda lá está. Foi o casal Maia destacado para Fonte dos Frades, onde esteve, se bem me lembro, até às ocupações, em 1975. Descobriram os dois várias partes da Villa romana, naquela região profusamente romanizada, e lembro-me de um excelente mosaico da piscina, em que estava desenhado, no meio de moldura geométrica, um golfinho. Seguiram-se as ocupações, e nunca mais, depois de tomar posse da herdade, voltei

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àquele lugar, que entretanto tinha sido entregue a outra pessoa, quando da divisão de terras. Não sei se a escavação foi continuada, se algo sobre ela se publicou, o que sei é que hoje, tendo sido a herdade vendida, a toda a sua volta está um magnífico olival, pertença de uma firma espanhola. Eis um caso de mosaico encontrado e não sei se perdido ou destruído. Se destruído, foi-o devido à indiferença de uma classe dirigente que é mais inclinada a perseguir, do que a estudar, aprofundar e conservar, o que a história lhe deixou. Julgo ser este testemunho inédito, embora corra de boca em boca, entre amigos e inimigos. Mas com amigos destes dispensam-se quaisquer inimigos.

Que significado atribui a esta entrevista com um consagrado professor de Classicismo, num número temático sobre mosaico antigo de uma Revista de História da Arte? O significado desta entrevista a um classicista, é simples: tenho a suficiente preparação para me dar conta do valor do mosaico e do musismo (que é o termo latino, juntamente com tesserae) a que me referi, da Villa, cuja escavação incentivei, e um conhecimento da teia de intrigas “científicas” em que vivi, e da forma como com gente séria as pude combater. Poderia haver atitudes mais produtivas e positivas, mas não há, nem haverá tão cedo. Julgo que é uma questão do mau ensino na instrução primária. Não se ensina a respeitar o trabalho dos outros e os outros, por falta de educação, que não de instrução, de quem ensina e de quem forma família, ou sejam, os pais. Até os nossos compatriotas mais adultos são infantis e não medem as consequências dos sarilhos que provocam, julgando-se pequenos heróis.

Em que medida o tema das Graças, magistralmente tratado na sua tese de doutoramento, pode ser iluminado pela representação pictórica e musiva? O tema das Graças, que por mim foi apresentado na tese de doutoramento em 1962, prestava-se a um tratamento paralelo de três deusas da fertilidade, em Grego Chárites, em Latim Gratiae. Foram profusamente tratadas sobretudo na poesia clássica, ligadas à Natureza, a Afrodite ou Vénus, e a Apolo, que as tinha na mão direita, para recompensar os bons, tendo na esquerda o mesmo arco, que servia, com as setas que transportava no carcaz, para castigar os maus. A sua representação escultórica foi evoluindo no decorrer da época clássica até aos tempos helenísticos, sendo primeiramente representadas vestidas com péploi, longas túnicas severas, até aparecerem despidas, tal como Afrodite, na época helenística. Sabemos por Pausânias que foram tema para pintores (IX, 36,5 ss.) e por ele nos é dito que não sabia a razão por que na época tardia apareciam nuas, e assim continuarão nas imitações romanas, em frescos ou possivelmente mosaicos, uma vez que neste sector não são fáceis de detectar. No entanto, mosaicos houve na Grécia clás-

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sica, constituídos por arranjos de pequenos seixos lithostrata, até à época de Filipe da Macedónia, a seguir ao qual, no século III a.C., começaram a ser constituídos, tal como em Roma, pelo opus tessellatum, ou seja, por pedras de várias cores, mas talhadas na forma de cubos e muitas vezes enquadradas por molduras de barro ou de grés. Nos tempos do meu doutoramento nunca foi minha intenção constituir um Corpus, que integrasse todas as formas de concepção artística das Graças, uma vez que me tinha comprometido a tratá-las na literatura e na religião, além de que, tratar a potencial totalidade do tema consagrado na arte, consumiria muitos anos de trabalho em bibliotecas e em museus, pelo mundo fora. De qualquer forma sempre considerei as representações mais significativas nas esculturas e relevos antigos e quando possível nos vasos gregos. A verdade é que o tema vai perdurar até ao Renascimento, como na celebérrima pintura de Botticelli, no século XV, e mesmo na literatura do século XX poderemos ler o Two or Three Graces de Aldous Huxley.

Que conselhos lhe ocorrem para os novos investigadores sobre Arte da Antiguidade em geral e sobre a do mosaico romano em particular? Os conselhos que posso dar são os que daria para qualquer negócio: avaliar a credibilidade da instituição com que se trabalha e dos que nela trabalham, pois são estes que constituem a instituição; obter dentro dos limites do possível a garantia do financiamento, mediante a apresentação de um orçamento sério e não especulativo; exigir uma avaliação periódica do trabalho realizado, para comprometer na investigação os directores do projecto, para que estes não venham dizer que não tiveram conhecimento do que estava a ser feito. Vivemos num mundo onde a desconfiança reina e em que um aperto de mão não indica que os compromissos serão honrados.

Como vê a possibilidade de transmitir a um público culto este legado artístico da Antiguidade numa sociedade como a contemporânea, marcada pela cultura da imagem, pelas novas tecnologias de maciça informação e por um acelerado processo de globalização. Julgo que a globalização pode ajudar, porque povos há que ainda não foram amimados com tanta arte, como o Ocidente, que está medroso e desinteressado. Muita gente ainda pensa que grande parte do que de negativo se passa no mundo é devido a um tsunami de ignorância, depois do terramoto da última guerra. Muita gente há que se for atraída para certos temas como este, em que a imagem fala só por si, e a palavra a explica ao pormenor, poderá deixar-se encantar, se na instrução primária já tiver sido habituada a ouvir e ver as velhas fábulas e os contos para crianças. Se não, como se explicaria o sucesso de Harry Potter e do Senhor dos Anéis? É fundamental não esquecer que em geral quem mata as matérias interessantes ligadas à vida humana, são os que não as sabem ensinar ou descrever. É como tudo uma questão de arte.

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Resumo As escavações de Estácio da Veiga de 1877 em Milreu (Estoi/Algarve) e os trabalhos do Instituto Arqueológico Alemão na uilla e no “edifício de culto” foram a base para várias publicações sobre os compartimentos da uilla na pars urbana e também sobre o “edifício de culto”. Este novo estudo trata da decoração dos mosaicos com a temática da fauna marinha, principalmente nas paredes do pódio do “edifício de culto” e de uma hipotética reconstituição e distribuição das cenas mitológicas. Trata também da decoração no interior deste edifício, interpretado recentemente como “aula” para uma representação pessoal do dono, que pertenceu, possivelmente, ao estrato alto da sociedade na época tardia romana.

palavras-chave arqueologia romana villa mosaicos arquitectura da época tardo-romana

Abstract The discovery of the Roman uilla of Milreu (Estoi/Algarve) in 1877 by S.M. Estácio da Veiga and the excavations and studies by the German Institution of Archaeology in the villa and the “cult- building” led to numerous publications. The present study focuses on the decoration of mosaics on the walls of the podium of the “cult-building” representing mostly marine subjects and the hypothetical distribution of different mythological scenes in between, as well as on the interior decoration of the building, interpreted recently as an “aula” for the personal representation of the owner, possibly a figure of the higher society of late Roman times.

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Agradecimentos por ajuda na configuração do texto e sugestões de Ana Catarina Sousa, Pedro Fialho de Sousa, Justino Maciel, Felix Teichner e Heidi.

key-words roman archaeology villa mosaics late roman architecture


a arquitectura e os mosaicos do “edifício de culto” ou “ aula ” da villa romana de milreu th eo d o r h au sc h i l d Instituto Arqueológico Alemão

1. Estácio da Veiga, Sebastião Philippes Martins (1880), p.65 . Estácio da Veiga não chegou a publicar uma descrição das construções. 2. Brito Rebelo (1881), p.180 (planta). 3. O texto foi repetido por Hauschild, T. (2007), p.314. 4. Estácio da Veiga (1882), p.240 (foto). Esta fotografia foi retocada de tal maneira que alguns pormenores são alterados, como por exemplo a decoração da faixa inferior de corda dupla. O desenho da autoria de Leite Ribeiro guardado no arquivo do Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa, mostra a figura do tritão com patas de cavalo, ou seja, a figura deveria ser um ictiocentauro (centauro marinho). Uma comparação encontra-se em Conímbriga, Casa dos Repuxos, p.30. Sobre esta temática também Oliveira, C. de (2007), p.148. 5. Teichner, F. (1997), p.121 (Abb. 6). 6. Kremer, M. J. Duran (1999), p.514. 7. Teichner, F. (1997), p.122, 123 Abb.7. p.124-128.

As ruínas de Milreu (Estoi, Faro) foram exploradas em 1877 por Sebastião Philippes Martins Estácio da Veiga, numa das primeiras escavações arqueológicas em larga escala realizadas em Portugal. A planta que Estácio da Veiga publicou mostra toda a série de construções do conjunto da sumptuosa uilla, então escavada (Fig.1), encontrando-se assim documentadas as estruturas actualmente desaparecidas ou encobertas, tal como, por exemplo, a parte Este do conjunto, a qual pertenceu à pars rustica e à necrópole1. Existe também uma pequena planta do suposto edifício de culto, publicada em 1881, onde se identifica uma piscina hexagonal e os correspondentes canais de água na sala da cella2. Menciona-se ainda a existência de vários níveis de espaço que foi esvaziado posteriormente, sem deixar outra documentação3. Uma fotografia desta época mostra mosaicos com uma cena da mitologia do mundo marinho, um tritão e um monstro, localizados na parede do pódio que circunda a cella4. Após novas investigações desenvolvidas nas últimas décadas pelo Instituto Arqueológico Alemão, foi publicada uma nova planta, com a localização deste edifício5, separado da uilla por uma calçada e ainda o conjunto dos compartimentos da pars urbana, onde se conservam uma série de pavimentos de mosaico que foram objecto de estudo, nos últimos anos, por Maria de Jesus Duran Kremer6. Chamo a atenção, no âmbito deste colóquio, para a análise dos estratos arqueológicos encontrados debaixo dos pavimentos, realizada por Felix Teichner nos anos 90, que, no caso de alguns mosaicos com decoração geométrica, podemos atribuir aos séculos II ou III d.C 7. Foi necessário, em vários

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fig.1 milreu. planta elaborada por estácio da veiga em 1877. © ddf / imc.

pavimentos, restaurar e consolidar os mosaicos que se encontravam danificados pelo tempo, tendo sido utilizados distintos métodos para realizar essa tarefa. Assim, no caso dos compartimentos a Norte do peristilo, onde existem rupturas e depressões nos mosaicos com decoração de tipo geométrico e vegetalista, optou-se por restauro in situ, ou seja, a consolidação das bordas dos mosaicos e a preparação de escoamentos nas zonas de depressão. Esta solução, definida pelo restaurador Carlos Beloto8, requer no entanto uma limpeza contínua da superfície e uma interdição de pisar o pavimento. Um outro método de restauro dos pavimentos consiste na remoção da camada dos mosaicos da antiga argamassa de assentamento e a sua nova colocação numa base de cimento, parcelada em várias placas, o que permite, depois de assentar, continuar a pisar os pavimentos. Este trabalho foi efectuado na galeria Norte do peristilo onde existem restos de mosaicos da última fase de renovação, ou seja, meados do século IV, com uma vistosa decoração de um friso de peixes e de outras criaturas marinhas emoldurado por uma larga faixa ornamental9. Antes da remoção dos mosaicos, o seu estado foi documentado através de fotografias e um desenho efectuado sobre uma grande folha de plástico transparente em escala 1/1. Ficou assim registada igualmente uma parte da orla com trança quádrupla que se perdeu no processo de restauro10. O desenho reduzido mostra o conjunto dos peixes, alguns ilustram uma espécie de chernes ou robalos e ainda lulas, mexilhões e formas como ouriços que acompanham grandes golfinhos (Fig.2). As boas fotografias a cores, que

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8. O restauro do pavimento de mosaicos com a representação de peixes foi realizado por Carlos Beloto nas oficinas de restauro em Conímbriga. 9. O friso de mosaicos com a decoração de peixes foi descoberto parcialmente já por Estácio da Veiga, como mostra um desenho guardado no Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa (desenho n°25 h no corredor n°23, planta), publicado por Oliveira, C. (2007), p.153 (Fig.10). Excavado de novo por Hauschild, T. (1980), p. 214-219; id. (2002), p.22 (Fig.17). Também Kremer, M.J. Duran (1999), p.514. 10. O fragmento da trança está documentado por Hauschild,T. (1980), p.214 (Abb.17). Taf. 54 b; id. (2002), p.22 (Fig.17).


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fig.2 milreu. peristilo, desenho do pavimento de mosaicos com representação de peixes (iaa, 1988).

11. O golfinho foi mencionado já várias vezes. 12. Os peixes parecem chernes, mas podem ser também robalos ou pargos. Britto Rebelo (1882), p.240; Hauschild,T. (2002), p.29 (Fig.27); Veiga Pereira (2007), p.207 (fig.18). 13. Os mosaicos nas paredes do podium do edifício do culto foram mencionados a partir das excavações de Estácio da Veiga. Brito Rebelo (1882), p.240; Colecção de documentação do MNA. 14. Veiga Pereira (2007), p.207 (Fig.17).

fig.3 milreu. peristilo, representação dum golfinho no pavimento de mosaicos. fotografia do autor.

superam qualquer desenho com lápis de cor, evidenciam a característica de desenhar os peixes com linhas de contorno, à maneira de pincel, e a excelente técnica tesselária, como por exemplo a cabeça do golfinho situado na parte Norte do friso (Fig.3), com o seu olho em forma de amêndoa formado por tesserae pequenas e com a sua impressionante mandíbula com os dentes enfiados na boca11. A temática marinha repete-se numa piscina do frigidarium das termas12, e principalmente, no pódio do “edifício de culto” situado junto da antiga via de acesso à uilla13. O visitante, subindo a antiga via, caracterizada pelo pavimento de grandes lajes de pedras, distingue de longe este imponente edifício com as suas abóbadas ainda hoje de pé, com mais de 10 m de altura (Fig.4a e 4b). Na entrada do recinto, marcada pelos restos dos fortes pilares do portão, destaca-se directamente, em frente, uma construção de forma semicircular que apresenta decoração de mosaicos nas paredes exteriores e interiores. No que se refere ao exterior, virada à via, resta uma orla de tranças duplas, no seu interior com a representação de um peixe, talvez um cherne, bem como ouriços e signos em forma de V, interpretadas como uma espécie de “moscas” de água, ou, talvez, plantas ordenadas em linha horizontal. No fundo do tanque registava-se ainda um mosaico com a representação de peixes e outras formas marinhas, emoldurado por uma trança dupla que conhecemos, fortuitamente, por um desenho da época da escavação de Estácio da Veiga e de que só resta um fragmento da orla de trança dupla14. Os peixes mostram aqui uma posição quase enfiada e apertada, em conjunto

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com os ouriços e os signos em V, talvez ilustrando a densidade do mundo marinho no fundo deste tanque de água. Nas uillae da época tardo-romana, são frequentes os tanques de água nas zonas de entrada como sucede também em Milreu, mas não com esta forma específica15. Esta pequena construção, não obstante, pertence claramente a uma encenação da entrada do recinto do edifício de culto ou “aula”. A sua estrutura de várias fileiras de tijolos mostra, como parapeito, uma placa de mármore colocada em 1,40 m de altura e, sobre o muro curvo do tanque, arranques de nervos de tijolos configuram uma semicúpula, provavelmente em forma de concha, como cobertura traseira de um arco frontal, semelhante aos ninféus nos Jardins de Pompeio16. Para uma reconstituição gráfica da vista frontal desta pequena construção, proponho um coroamento em forma de ática, em consonância com a solução provável da reconstituição dos restos do portão de entrada do recinto do edifício de culto que, possivelmente, tinha uma cornija por tijolos modelados, semelhante à cornija do edifício de culto (Fig.5). Relativamente ao projecto arquitectónico deste recinto, constata-se uma disposição rigorosamente simétrica, cujo eixo, ultrapassando a via, abrange também o tanque de água. O mencionado portão grande e uma porta estreita na parte Este do muro exterior permitem o acesso a um pátio que cerca o edifício. A porta estreita conduz, a partir do pátio, a um pequeno edifício caracterizado por um grande canal de esgoto, provavelmente um dos compartimentos exteriores de apoio ao funcionamento do edifício de culto17. Este edifício, em grande parte conservado, eleva-se no meio do pátio sobre um pódio de 4 pés de altura, acessível por 3 degraus na frente da entrada do pátio, que conduzem a uma galeria que, por seu lado, circunda uma sala de planta quadrada com uma abside de planta circular com abóbada, servindo de cabeceira. Esta sala, ou cella, eleva-se sobre a galeria circundante que foi, por sua vez, coberta por uma abóbada, mostrando janelas sobre a parte superior (Fig.5). Constitui-se aqui um conjunto de forma clara e coerente, extraordinário entre os monumentos da Hispânia. O tipo de edifício é comparável com os templos de galeria, conhecidas principalmente na Gália e Germânia, como já tinha publicado há vários anos18. Mas verificamos diferenças na boa construção das paredes da cella com tijolos e aplicação de abóbadas, como encontramos na Itália, principalmente em Mausoléus de tipo central. E é ali onde existem paralelos com os extraordinários elementos arquitectónicos do remate superior da cella, ou seja, da cornija de consolas19, principalmente da época tardia romana, como nas termas de Diocleciano ou no Mausoléu de Santa Constança, no século IV. Em Milreu encontramos, como particularidade, tijolos na zona da cornija que em parte representam molduras de óvalos trabalhados antes de cozer. A proporção total da cornija, acentuadamente vertical, e o alinhamento das saliências numa recta imaginária, indicam, na verdade, uma época tardia romana, coincidindo com a classificação do selo de tijolo com o nome de “Frontinianus” encontrado na construção20. Outro elemento que reforça a datação na época tardia romana são os capitéis da colunata da galeria com as folhas expressamente vegetalistas21. Na investigação arqueológica nos estratos dentro do pódio apareceu material cerámico e uma moeda que indicam a mesma classificação

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15. Em Milreu acompanham dois tanques de água de forma semicircular, construídos na época tardia romana, o acesso à parte habitacional da villa. Hauschild,T. (1980), p.208 (Abb.13). A grande uilla de Piazza Armerina (Sicília) também mostra na zona da entrada um tanque de água. 16. Pequenos ninféus encontram-se em várias uillae na Itália. 17. As excavações do Instituto Arqueológico Alemão de Lisboa mostraram que na parte Este do recinto se abre uma estreita porta que dá acesso para um corredor e construções laterais. Hauschild, T. (1980), p.207 (Abb.12.19); Teichner, F. (1997), p.122-125 (Abb. 6). 18. Comparações: Hauschild, T. (1984/88), p.148. 19. Hesberg, H. V. (1980), p.203. 20. O nome de Frontinianus apenas surge em outro lugar da Hispania, em Astigi. Hauschild, T. (1984/88), p.144. 21. Hauschild, T. (1984/88), p.145.


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fig.4a e 4b milreu. vista do ”edifício de culto”.

22. No corte n.º114, diante da entrada da “cella”, apareceram várias camadas arqueológicas situadas ao lado dum muro anterior das estruturas do edifício de culto. Os estudos da cerâmica e de uma moeda permitem datar este edifício na média terceira parte do séc. IV d. C. Vegas,M. (1994), 647. (Archäologischer Anzeiger) 23. Reconstituição da planta: Hauschild, T. (1984/88), p.140. Fig.19 e 20. 24. Ver nota 13. 25. Existem muitos mosaicos romanos realizados em paredes. Mas até agora não conhecemos exemplos em paredes dum templo. 26. A característica dos mosaicos em paredes é que a massa das juntas entre as tesserae sobressai às vezes a nível da superfície, reconhecível em várias zonas. A limpeza destes mosaicos tomou em consideração esta característica.

temporal, ou seja, a primeira metade do século IV d.C 22. Da colunata do edifício restam várias placas de pedra do estilóbata que apresentam depressões de formas quadradas ou rectangulares, indicando as posições das bases de colunas que suportavam os arcos e a abóbada cilíndrica que rodearam a cella. Com base nestes vestígios, foi possível uma reconstituição gráfica da galeria, feita há vários anos, que evidencia o aspecto deste edifício decorado na parede do pódio por mosaicos parietais 23. Os mosaicos, conhecidos já antes das escavações de Estácio da Veiga no século XIX, formaram um friso com uma extensão de 67 m e a altura de 80 cm, limitado por uma trança dupla 24. O que mais ressalta e chama a atenção, hoje em dia, são as cenas com representações da fauna marinha, situadas junto das escadas que conduzem ao pódio. Aqui foi eleita uma disposição dos peixes diferente dos do peristilo da uilla, mais soltos, dando a impressão talvez mais realista dos peixes no mar e a sensação do edifício estar a flutuar. Não conheço outro edifício com forma de templo que possua uma decoração de mosaicos no pódio25. A parte superior do friso está limitada por várias placas de pedra que serviram de estilóbata da colunata da galeria envolvente. No que respeita à conservação da superfície dos mosaicos, constatamos que estavam cobertos, em grande parte, por raízes e deteriorados pela intensa formação de líquenes; por isso, foram limpos só com água e escovas macias para conservar as zonas da argamassa saliente entre as tessellae, como é costume nos mosaicos das paredes26. Se começamos com uma curta descrição do friso, notamos então, na parede A, ou seja na parede esquerda do patamar da escada, a orla

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fig.5 milreu. “edifício de culto”, reconstituição gráfica. (t. hauschild,1964).

fig.6 milreu. “edifício de culto”, desenho em perspectiva da vista oeste.

de tranças duplas limitada verticalmente, o que significa que o friso começa aqui27. Apreciamos, em primeiro lugar, os restos de um peixe de tipo cherne com a barbatana em vermelho, o segundo poderá ser interpretado como um golfinho pelo tamanho e pelas partes cinzentas e o terceiro volta a ser um peixe de tipo cherne (Fig.8; muro A). Na próxima parede “B” temos um grupo de peixes e outros elementos da fauna marinha (Fig.8; muro B), que recordam a cena da fauna marina existente no pavimento da parte residencial da uilla, constituindo no entanto um agrupamento muito mais aberto e também diferente no tratamento das cores e nos pormenores da técnica tesselária. O grande golfinho destaca-se pela excelente execução e representação com os impressionantes dentes, com certeza o trabalho de um mosaísta mestre28. Também é notória a representação de um pé humano (Fig.10) perto da esquina Este (Fig.8; muro B; nº12), ou seja, à esquerda29. Segundo o tamanho do pé, a figura poderia chegar até uma altura que atingiu o limite superior do friso, e era, se considerarmos a temática marinha, talvez uma nereide, um ser da mitologia antiga como o grupo do tritão e o monstro registado por Estácio da Veiga na parede Oeste do pódio30. Para podermos imaginar esta figura serve talvez o exemplo de uma nereide representada na cena do mosaico de Oceano em Dueñas (Prov. Palencia)31, com modelos no Norte de África. E numa imagem a cores desta cena (Fig.9) aparece a nereide com um golfinho e outras seres marinhos como em Milreu. Se atribuirmos à decoração da cena de Milreu uma ordem simétrica, como acontece com os elementos arquitectónicos, poderíamos pensar talvez numa outra cena mitológica no

27. O início do friso de mosaicos encontra-se na parede Este do patamar. É caracterizado por uma faixa de corda dupla vertical, existente em poucos, mas claros restos. A partir desta linha vertical, os peixes estão nadando principalmente em direcção para a esquerda, ou seja, no sentido dos ponteiros do relógio. Foi, desta maneira, escolhida a sequência das cenas do friso que, em outro sentido, começariam na parte direita do patamar.

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28. A representação do golfinho tem semelhança com um exemplo em Lod (Israel). Mourão (2008), p.121. 29. Menções: Lancha, J. (2005), Catálogo da exposição em Coimbra. 30. Ver nota 4. 31. Palol, P. (1967), p.208-214.


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fig.7 milreu. perspectiva da reconstituição do “edifício de culto” ou “aula” (p. fialho).

32. Cenas com representações mitológicas fazem parte do repertório das decorações até à época tardia romana. 33. Estácio da Veiga fez documentar em fotografia uma cena situada na parede Oeste do pódio. Brito Rebelo (1882), p.240. 34. Graen, D.(2005), p.376, Fig.23. D. Graen interpreta o “edifício de culto” como um edifício sepulcral (mausoléu) e também a decoração parietal neste sentido. 35. Restituição da cena com patas de cavalo: Ver discussão sobre a possibilidade desta restituição por Oliveira, C. (2007), p.148.

extremo lateral oeste. Mas irei tratar esta ideia mais tarde. Também no muro oriental do pódio (Fig.8; muro C) se encontram ainda poucos restos da representação de peixes e entre eles um fragmento que talvez pertença a uma figura mitológica pela forma estranha redonda do que resta (Fig.8; muro C; nº15), análoga a uma cauda de um monstro marinho. Esta cena está situada, sensivelmente, a meio do muro Este e, segundo os restos de mosaicos, não seria improvável imaginar outras cenas mitológicas nos extremos deste muro, como interpretamos na parede anterior32. E a mesma eventualidade de existirem mais cenas deste tipo poderíamos supor na parte de trás da abside, onde o muro do pódio se apresenta em forma recurva, não obstante aqui só restarem os fragmentos de mosaicos da orla inferior. Pertencerá a esta parede, talvez, o fragmento dum barco conservado no Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa. No muro Oeste (muro G), restam só alguns fragmentos de mosaicos, destacando-se o fragmento com os elementos em linhas curvas, existentes no limite inferior do friso (Fig.8; muro G; nº19) . E fica provado que corresponde à imagem de seres mitológicos de um tritão e um monstro, que Estácio da Veiga tinha fotografado e desenhado em 1877 33. O original foi tirado do pódio e perdeu-se, ficando unicamente um fragmento do tritão. Segundo as observações de Dennis Graen34 esta cena situa-se na zona onde, mais tarde, se adossou o muro do edifício do baptistério da época paleocristã, conservando-se desta forma a cena até ao século XIX. O lugar da cena mostra, simultaneamente, a sua situação mais ou menos a meio do muro Oeste35. Finalmente temos nas paredes da parte Norte (H e I), junto

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fig.8 milreu. pódio do “edifício de culto”, planta e desenho dos restos do friso de mosaicos. paredes a-b-c-g-h-i. (proposta de reconstituição hipotética das cenas mitológicas).

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fig.8a milreu. “edifício de culto”, reconstituição gráfica da cena mitológica do tritão e um monstro marinho segundo o fragmento existente e da fotografia de estácio da veiga de 1877/1880.


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fig.9 dueñas (prov. palencia), villa romana. pavimento de mosaico com representação do oceano com nereides, pormenor.

fig.10 milreu. pódio do “edifício de culto”, parede b: mosaico com representação de um pé humano.

36. Kremer, M. L. Duran (1999), p. 514; Lancha, J. (2004), p.412-414. Janine Lancha encontra aqui, na representação do mundo marinho, uma relação com oficinas do Norte de África, também para a representação dos signos em V, as chamadas “moscas d’água”, dos quais existem na Península Ibérica muitos outros exemplos, mesmo na capital da província da Lusitânia, Augusta Emerita, e na Baetica, num mosaico perto de Villanueva del Rio (Sevilla). No que respeita as representações dos golfinhos, é interessante a comparação com a escultura, encontrada em Milreu, de um eros que monta um golfinho: Vasco de Souza (1990), Corpus Signorum Imperii Romani, Portugal, Coimbra, p.40, n° 116. Maciel, J. (2008), pp.80-81.

da escada as zonas de mosaicos conservados mais extensas, com cenas do mundo marinho (Fig.11), onde nada um golfinho acompanhado por dois ou três peixes, presentes quer no muro da frente do edifício de culto, quer no muro do patamar da escada. É evidente que temos aqui a sequência exemplar da representação da fauna marinha, peixes, conchas, ouriços e outros signos de água. A qualidade da execução é também aqui extraordinária, como nos mostram os pormenores das cabeças dos peixes, especialmente do golfinho. O muro do patamar mostra também peixes que acompanham um golfinho. A comparação das representações das distintas cabeças dos golfinhos deste friso (Fig.13 e 14), com a sua excelente técnica tesselária e uma rica paleta de cores, executados por uma oficina destacada e itinerante nesta época tardia romana, já foi comentada por Aberto Balil, Maria de Jesus Duran Kremer e Janine Lancha36. Como comparação de um mosaico com a representação de um golfinho, existente na capital da província da Lusitânia, em Augusta Emerita, destaco uma peça que mostra também os signos de “V” (Fig.14) e que pertence talvez a uma época mais avançada do séc. IV d.C37. Quero repetir aqui a ideia de que no muro de frente do pódio de Milreu poderia haver, talvez, duas cenas da mitologia antiga que ocuparam os extremos laterais do pódio, se aceitarmos para a decoração do friso uma ordem simétrica (Fig.7). No interior do edifício, denominado mais concretamente como “aula” ou sala representativa, como me comentou Henner von Hesberg numa carta, foram as paredes cobertas por placas de mármore e encontrados, segundo os textos de Estácio da Veiga, fragmentos de mosaicos que pertenciam, sem dúvida, à decoração de uma

37. Museo Nacional de Arqueologia em Mérida.

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fig.11 milreu. “edifício de culto”, parede h, friso de mosaicos com representaçao de peixes.

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fig.12 milreu. “edifício de culto”, cabeça do golfinho da parede b.

fig.13 milreu. “edifício de culto”, cabeça do golfinho da parede h.

cúpula, dada a técnica utilizada, ou seja, o fundo grosso da cal, e ainda mais, a forma de colocar cada tessela, como confirmam outros exemplos encontrados na zona diante da sala38. São tesselas de vidro de várias cores (Fig.15), também muitas tessellae transparentes, que tinham originalmente uma fina camada de chapa de ouro. Na Península Ibérica só conhecemos outro exemplo de uma cúpula com mosaicos onde foram utilizadas tessellae de ouro, a cúpula do monumento de Centcelles, possivelmente o mausoléu do imperador Constante, filho de Constantino o Grande39. Não podemos reconstituir a decoração em Milreu, mas o grande número de tesselas de vidro de distintas cores visava na meia cúpula da abside da sala, de 5,70 m de diâ-

38. Hawkins, E. (1988), in Schlunk, H. (1988), p.167-169.

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39. Schlunk, H. (1988), p.153.


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fig.14 mérida. mosaico com a representação de um golfinho e signos em “v”. (museo nacional de arte romano, mérida).

fig.15 milreu. fragmento do mosaico da abóbada (museu de faro).

40. Opus sectile em Milreu: ver Brito Rebelo (1881), p.189.190.

metro, uma apresentação significativa. Mas, além da importância destes mosaicos, temos elementos de outra decoração no interior da sala, a do “opus sectile”, cujos fragmentos apareceram tanto nas escavações de Estácio da Veiga no interior da sala como nas nossas investigações diante da sua porta40. Muitos fragmentos das placas de mármore de distintas cores têm formas redondas, mas existem também representações de mãos humanas e de uma pata de cavalo (Fig.16). Uma tentativa de reconstituir a figura com base no tamanho da mão chega a uma altura aproximada de 50 cm e da pata de cavalo de 60 cm (Fig.18), o que poderia indicar a altura das figuras representadas41. Como comparação, referem-se os cavalos e cavaleiros feitos em “opus sectile” na basílica de Junius Bassus (Fig.17) perto de Roma, mas também as representações de figuras na casa de “opus sectile” em Ostia42. É de realçar que trabalhos de “opus sectile” existem na Hispânia em poucos lugares, o mais conhecido e classificado no século IV d.C. encontra-se em Gabia La Grande, perto de Granada, ali também com vestígios de figuras43. Apesar do conhecimento pouco abrangente da totalidade do programa artístico em Milreu, podemos resumir que a “aula” com a sua forma destacada da galeria envolvente e da colunata com arcadas, elevada sobre um pódio circundado por um friso de mosaicos parietais (Fig.7), forma, junto com os exemplos do edifício de São Cucufate, assim como o da Quinta do Marim, um grupo especifico na tipologia de edifícios da Antiguidade Tardia44. Em Milreu, a temática do mundo marinho com cenas da mitologia está dirigida ao visitante que circunda no pátio este edifício, e as pessoas que foram convidadas a entrar no espaço interior da “aula” experimentaram uma nova sensação, pela luminosidade resultantes das janelas altas, pela qualidade

41. A restituição gráfica do cavaleiro com base nos fragmentos de um pé e de um braço é compreensivelmente muito hipotética. 42. A “basílica de Junio Basso”: Rossi, G. B. (1981), p.5-29. Lam. LXXXI, 2; A “casa de opus sectile em Ostia”: Becati, B. (1969), p.97-101. 43. Perez Olmedo, E. (1994), p.595-615. 44. Além do edifício de Milreu, existe outro numa distância de aproximadamente 15km, perto da costa atlântica, com medidas semelhantes, no lugar da Quinta de Marim: Graen, D. (2005 a), p.257-278; ibd. (2005 b), p.413, fig.50. O terceiro edifício encontra-se mais longe, ou seja, a 150km para o Norte, perto de Vidigueira, Alentejo, em São Cucufate: Alarcão, J. (2002), O templo da uilla romana de São Cucufate, in Religiões da Lusitânia, Lisboa, p.245-246.

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fig.16 milreu. fotografia de fragmentos de opus sectile (museu nacional de arqueologia de lisboa).

fig.18 milreu. reconstituição hipotética do opus sectile com a representação dum cavaleiro.

fig.17 roma, basílica de junius bassus, opus sectile (museo nazionale, roma).

e diversidade da decoração, todo um conjunto que sublinhava seguramente o estatuto social do proprietário45. Sabemos que era membro de uma família que, na sua uilla, expôs retratos imperiais como de Agripina Minor, de Adriano e de Galieno e também uma grande estátua com armadura de que resta uma perna46. Estamos, em todo caso, diante de um monumento de primeira ordem da Província Lusitana e da Hispânia, concebido, provavelmente, para uma grandiosa apresentação pessoal do dono, e determinado em consequência da remodelação arquitectónica e decorativa

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45. O evidente alto nível social dos proprietários que reflecte a colocação de bustos de imperadores e a construção de um edifício ricamente decorado, levou José d´Encarnação a suspeitar de um dominus que pertencia à élite da sociedade da época tardia romana. Encarnação, J.de (1984), 43. 44. 47-49.


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46. Agrippina Minor: Trillmich, W. (1974), p.184202. Adriano: Fittschen, K.(1984), p.197-207. Galieno: Fittschen, K. (1993), p.210-227; Vasco de Souza (1990), p.46, Fig.30. 47. A remodelação da parte habitacional da uilla foi realizada na primeira metade do séc. IV e compreende toda a zona do peristilo e da entrada junto da via. Para a apresentação pessoal da élite na época tardia romana: Kruse, J. U. (1987), Spätantike Patronatsformen im Westen des römischen Reiches; Löhken, H. (1982), Ordines dignitatum. Untersuchungen zur formalen Konstituierung der spätantiken Führungsschicht. 48. Maciel, M. J. (2000), p.145. 49. O repuxo na sala do triclínio, junto do peristilo, pertence a uma modificação talvez do séc.IV. 50. Ver nota 44. 51. Igreja: Hauschild, T. (1980), p.189-207. Ocupação islâmica: Sidarus, A. – Teichner, F. (1996), p.177-179; Teichner, F. (1994) p.89-100.

da uilla47. Estava esta, talvez destinada a várias tarefas, como “elemento polarizador da cultura romana”, como referiu Justino Maciel na sua publicação sobre o Bispo Potâmio de Lisboa48. A “aula” de Milreu ofereceu, na sala, um repuxo como os que existem em muitos triclínios49 e podemos imaginar que foram oferecidos aqui, juntamente com a cultura, talvez uma boa comida e um bom vinho de produção própria. E é evidente que o arquitecto, por acaso itinerante com a sua equipa de técnicos, quis realizar aqui um edifício particular de forma destacada, com as raízes longe desta província, que repetiu com as mesmas medidas por duas vezes no Sul da Lusitânia50. Resta mencionar que o recinto sofreu, na sequência do tempo, a transformação em igreja e também em local de culto islâmico51.

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Resumo Localizada no limite navegável do Guadiana, Mértola manteve, desde o período préromano, um contacto privilegiado com o mundo mediterrânico. A riqueza mineira da região em que Mértola se inclui fez da cidade um importante entreposto comercial, numa dinâmica que não foi interrompida com o fim do Império Romano. Os abundantes testemunhos da Antiguidade Tardia revelados pelos trabalhos arqueológicos têm trazido à luz um conjunto de ambiciosos programas construtivos, permitindo uma aproximação mais rigorosa à topografia de Mértola na Antiguidade Tardia. As primeiras descobertas devem-se a Estácio da Veiga, que nos finais do século XIX exumou, na zona do forum-alcáçova, um importante mosaico policromo com uma tartaruga como temática central. Posteriormente, e desde 1979, as escavações feitas pelo Campo Arqueológico de Mértola puseram a descoberto um significativo conjunto de vestígios deste tipo de material decorativo tão difundido no período romano e que fez a glória de Bizâncio. Do conjunto musivo fazem parte várias representações mitológicas das quais se destaca um painel com Blerofonte cavalgando Pégaso matando a Quimera e várias cenas de caça, das quais se destaca, um cavaleiro a caçar com um falcão, elemento bastante singular na iconografia dos mosaicos paleocristãos que deverão datar da primeira metade do século VI. Estes mosaicos, aqui sumariamente apresentados, estão inseridos nas imediações de uma estrutura baptismal e num pórtico que possivelmente se integram numa basílica ou num paço episcopal.

palavras-chave mértola antiguidade tardia complexo baptismal conjunto musivo

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Abstract Located at the navigable portion of the Guadiana river, Mértola has maintained, since Pre-Roman times, a valuable contact with the Mediterranean world. The mining wealth of its region established Mértola as an important centre of commerce, whose dynamic activity did not cease during the late Roman Empire. The countless vestiges of Late Antiquity revealed by archaeological findings have brought to light several ambitious constructive programmes, which allow for a more rigorous analysis of Mértola’s topography during Late Antiquity. The first findings were made by Estácio da Veiga, who during the late 19th century excavated, throughout the area of the forum and castle, an important polychromatic mosaic whose central theme was that of a turtle. Later, and since 1979, the excavations made by the Campo Arqueológico de Mértola revealed a significant number of vestiges of the same kind of decorative material, which was largely disseminated during Roman times and characterized the Byzantium Period. Of a series of mythological representations, part of a museological group, the panel with Bellerophon riding Pegasus and spearing Chimera is noticeable, along with ­several hunting scenes, where a knight hunts a falcon, a particular element of the iconography of Early Christian mosaics which date from the first half of the 6th century. These mosaics, briefly described, belong to the surroundings of the baptismal structure and the portico, which were possibly part of a basilica or Episcopal palace.

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key-words mértola late antiquity baptismal structure museological group


a arquitectura e os mosaicos do complexo baptismal de mértola v irg íl i o lope s Campo Arqueológico de Mértola

Campo Arqueológico de Mértola A história do burgo de Mértola foi, desde sempre, fortemente condicionada por dois factores que moldaram a sua ocupação e a sua importância ao longo do tempo. Em primeiro lugar, a sua localização estratégica: implantado no topo de uma elevação ladeada pelo rio Guadiana, a nascente, e pela ribeira de Oeiras, a poente, possuía excelentes condições naturais de defesa. Em segundo, o ser ponto extremo da navegabilidade do rio Guadiana: a montante da vila, o acidente geológico do Pulo do Lobo, com um desnível de catorze metros, impede a progressão de embarcações para norte, pelo que Mértola adquire importância fundamental como último porto de acostagem. Esses factores tornaram-na num importante entreposto mercantil, em permanente contacto com um vasto território interno e com o Mar Mediterrâneo. Pelo porto da cidade escoavam-se, por exemplo, o ouro, a prata e o cobre extraídos das entranhas da faixa piritosa ibérica (Oliveira, e Oliveira 1996, 11) em particular os minerais provenientes das minas de S. Domingos, localizadas na margem esquerda do Guadiana, de Vipasca (Aljustrel) ou dos “chapéus de ferro”, explorados na zona a Oeste de Mértola, estando certamente relacionados com a exploração e transporte desse minério os castella localizados nesta área (Maia e Maia 1996, 60-81). E, claro está, ao porto arribavam as gentes de mil paragens e os mais diversos produtos e artefactos (Fig.1).

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fig.1 vista geral de mértola e do guadiana. © campo arqueológico de mértola.

A importância de Mértola é também indissociável da sua excelente localização. Ao nível regional: estava situada no percurso da via terrestre que ligava, desde o Bronze Final, o próspero reino de Tartesso à foz do Sado e ao estuário do Tejo, via essa por onde se encaminhava para o Mediterrâneo o estanho vindo do Norte de Portugal e da Beira Interior (Alarcão 1989, 41). Ela atravessava o Alentejo entre a foz do Sado e o Guadiana, através do qual se ligava ao Sul da Andaluzia. Estas características vão dar a Mértola um importante papel nos processos históricos subsequentes, pois as estradas e o rio não transportam somente mercadorias, mas também e, principalmente, as ideias e as culturas daqueles que as percorrem, influenciando as populações dos locais que visitam. Quanto maior é o número de visitantes estrangeiros, quanto mais é facilitado o contacto com eles, maior e mais marcante será a adopção de outras referências culturais, num sentido largo, e menos conservadora a sua evolução. Mértola, terra de comércio, é, sem dúvida, um local onde essa miscigenação deixou marcas relevantes.

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As escavações arqueológicas que decorrem na área do forum/alcáçova há mais de trinta anos têm incidido, sobretudo, nos níveis medievais e modernos, ou seja, numa necrópole que foi usada após a reconquista cristã até ao século XVI e, num plano inferior, um bairro do período islâmico. Apenas nas áreas onde este último registo arqueológico se encontra bastante destruído foi possível, então, aprofundar a escavação, atingindo-se desta forma, os níveis mais antigos, nomeadamente o que se refere ao período paleocristão. Foi nestes níveis arqueológicos que se encontraram, em inícios de 2000, restos do que teria sido um grande pavimento de mosaicos. Este excepcional conjunto musivo, sem paralelo em território nacional, vem reafirmar a importância de Mértola nos finais do Império Romano e no período paleocristão (séculos IV – VI d.C.) e a permanência dos contactos que esta urbe tinha com o Mediterrâneo, colocando-a no centro das atenções dos investigadores da História da Arte da Antiguidade Tardia. Este período histórico, ainda mal conhecido, dado os poucos locais identificados e as escassas escavações a ele referentes, tem, em Mértola, um importante conjunto de vestígios arqueológicos, entre os quais se destacam a Basílica Paleocristã do Rossio do Carmo, o Baptistério, a Torre do Rio e os recentemente descobertos mausoléu e a basílica funerária do Cine-teatro Marques Duque. Estas recentes descobertas vem reforçar esse conjunto e vem contribuir, significativamente, para um melhor conhecimento de Mértola neste período, pondo em destaque a riqueza desta cidade portuária, capaz de proceder a grandes programas de obras e de desenvolver, nalgumas delas, apurados trabalhos de pavimentação, com acabamentos de refinada qualidade artística (Lopes 2004). Até ao momento, do possível forum de Myrtilis, apenas pontualmente foram descobertos alguns indícios. Apesar da investigação arqueológica decorrer nesta área desde 1978, a nossa atenção concentrou-se sobretudo em níveis islâmicos só ocasionalmente perturbados para atingir camadas anteriores. Na plataforma artificial do forum foram identificados, até ao momento, vestígios de uma basílica com uma só nave e abside a oeste, de um possível templo no mesmo local da antiga mesquita e actual igreja, e ainda um monumental criptopórtico virado a norte que lhe servia de suporte e limite. Na vertente oeste, virada ao cemitério actual e certamente para reforçar um grande desnível, por alturas dos séculos IV d.C. foram erguidas duas sólidas muralhas paralelas. A nascente, os trabalhos de escavação permitiram ter acesso a uma porta monumental com arco de meio ponto, possível entrada no forum, assim como a uma sequência de seis “arcossólios” com aparelho construtivo semelhante ao criptóportico. Em vários locais são visíveis fragmentos de coluna, capiteis e silhares de mármore e granito de grandes dimensões que indicam a existência de edifícios monumentais de época romana e tardo-romana. Uma analise apressada mostra que os elementos arquitectónicos atribuíveis aos séculos I e II parece terem tido uma reutilização tardia, em meados do século III ou inícios do século IV. O criptopórtico é constituído por uma galeria subterrânea com 32 metros de comprimento e 6 metros de altura, já atulhada no século XVI, como refere Duarte D’Armas, só foi desobstruída pelo Campo Arqueológico de Mértola desde 1980 (Torres e Oli-

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veira 1987, 618-626). É uma construção sólida de contenção e suporte da plataforma do forum. O desnível do terreno era compensado por este espaço abobadado que teve também funções de armazenamento e mais tarde de cisterna. Dado ser evidente um desalinhamento nos embasamentos, não é de excluir que antes deste criptopórtico tivesse havido uma outra construção com as mesmas funções (Lopes 2008).

O complexo baptismal As escavações dos anos oitenta puseram a descoberto um conjunto baptismal e um corredor porticado que assenta sobre a abobada do criptopórtico (Fig.2). Este grande edifício, de planta rectangular, continha no seu interior um baptistério

fig.2 o complexo baptismal. © campo arqueológico de mértola.

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octogonal implantado no centro de um tanque ou piscina rodeado por um deambulatório. Partindo do espaço central abre-se a Leste uma ábside de planta em arco ultrapassado onde marcas no solo indicam a possível localização de uma mesa de altar. O pavimento da galaria porticada e o deambulatório estavam recobertos por um belo tapete de mosaicos, do qual restam alguns fragmentos. A pia baptismal com um ressalto em degrau que serviria de assento, é sustentada pelo exterior por oito pequenos absidíolos. A água trazida da encosta do castelo penetrava na pia por uma canalização de chumbo e jorrava no alto de um pequeno pináculo cravado no centro. Alguns lances de degraus permitiam o acesso ao tanque e à pia baptismal completamente revestidos com placas de mármore e envolvidos numa cancela. Não será de excluir que este baptistério, à semelhança de alguns exemplares conhecidos noutras partes do Mediterrâneo, fosse encimado por uma cúpula ou baldaquino. Foram encontrados nas imediações um pequeno fuste e dois fragmentos de cornija finamente trabalhados, integráveis na arquitectura baptismal (Fig.3). Este baptistério tem algumas semelhanças técnicas e formais com exemplares da França mediterrânica (Guyon 1991, 71), do Norte da Itália (Paoli 1998, 6) e de Cartago na Tunísia (Ennabli 1997,138) – todos datados entre os séculos IV e VII. Contudo, é no baptistério de Ljubljana (Emona, Eslovénia) que são mais notórias as semelhanças construtivas. Os autores que estudaram este conjunto baptismal e o pórtico anexo, situam a sua cronologia por volta do século V (Caillet 1993, 371). Na costa italiana da Ligúria um complexo baptismal também com elementos semelhantes ao de Mértola, é atribuível a meados do século VI (Frondoni 1998, 3).

fig.3 vista do baptistério e das estruturas envolventes. © campo arqueológico de mértola.

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A presença de práticas baptismais na Península Ibérica foi documentada a partir dos princípios do século IV no Concilio de Elvira. Os baptistérios construídos de raiz ou que aproveitam estruturas balneares anteriores, começam a generalizar-se em finais do século IV. A organização do espaço litúrgico em torno do baptistério de Mértola assemelha-se a outros locais da mesma época. Os catecúmenos seguiriam em cortejo pelo pórtico dos mosaicos entrando no baptistério pela porta oeste, dirigindo-se à fonte baptismal. Já baptizados, os neófitos subiam as escadas em direcção ao altar onde seriam recebidos pelo bispo para uma primeira comunhão. Tendo em conta que nesses tempos antigos o baptismo é celebrado apenas pela Páscoa, este conjunto arquitectónico poderia também ser utilizado como catecumeneo, local destinado a preparar os aspirantes a cristãos. Em regra, o baptistério integra-se num conjunto arquitectónico em que os diversos espaços têm funções precisas na organização da cerimónia. Na maioria dos casos conhecidos, o baptistério estava situado ao lado de uma basílica principal ou entre duas igrejas, no caso dos grupos episcopais. No caso de Mértola, com os dados existentes, não podemos definir com clareza o tipo de edifício a que o baptistério estava associado. Só futuras escavações arqueológicas o poderão esclarecer, no entanto avançamos com algumas propostas de reconstituição volumétrica do complexo baptismal (Fig.4). No entanto e dada a monumentalidade, o luxo da construção e acabamentos, não é de excluir que se trate de um palácio episcopal que se manteve em funções entre os séculos V e VII (Lopes, 2004).

Os mosaicos Já em finais do século XIX, por iniciativa de Estácio da Veiga, tinha aparecido na zona da alcáçova um fragmento de mosaico representando uma tartaruga. Porém foi só em inícios de 2000 que o CAM pós a descoberto e consolidou um longo pavimento de mosaico onde se destaca um significativo conjunto de painéis decorativos. Deste conjunto musivo fazem parte várias representações mitológicas entre as quais é de realçar no deambulatório do baptistério um Belerofonte cavalgando o Pégaso para matar a Quimera e no longo corredor porticado dois leões afrontados (Fig.5) e várias cenas de caça com um cavaleiro empunhando um falcão. Procurando os paralelos para estas representações, não podemos deixar de referir uma pequena capela perto de Hergla, na Tunísia onde foi descoberto um mosaico em que também são representados dois leões afrontados e uma cena de caça com falcoaria. Este conjunto foi datado do século VI (Ghalia 2001, 67). Quanto à figuração de Belerofonte matando a Quimera, em território português, até agora, esta cena só era conhecida na cidade romana de Conímbriga, mas é relativamente frequente em vários locais da Espanha e da Tunísia onde a sua cronologia também se aproxima de inícios do séculos VI. Segundo Bairrão Oleiro esta cena de combate entre um cavaleiro e um monstro é, de certa forma, a antecipação iconográfica de S. Jorge matando o dragão (Oleiro 1992, 41).

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fig.4 proposta de reconstituição volumétrica do complexo baptismal. © campo arqueológico de mértola.


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fig.5 painel dos leões afrontados. © campo arqueológico de mértola.

Os motivos vegetalistas representados são ramagens (que predominam), acantos e rosas. As primeiras parecem constituir uma breve indicação de paisagem. Os segundos, estilizados e repetidos, surgem nas molduras dos painéis musivos. Os motivos florais fazem alusão ao paraíso. Adornam-se com flores templos e basílicas; nos mosaicos de Roma e de Ravena representam as delícias do paraíso (Cirlot 1982, 339). Os motivos geométricos como a cornucópia, o nó de Salomão, os círculos e as peltas são bem conhecidos na gramática ornamental dos mosaicos do período tardo-romano e perduram nas representações musivas posteriores. Mais do que as semelhanças há que salientar as diferenças. Os mosaicos de Mértola distinguem-se da linguagem musiva tardo-romana até agora conhecida no território português, pela temática e pela fina execução técnica, denotando certamente influências não só do Norte de África como também da tipologia ravenaica, influenciada pelo gosto bizantino. Uma análise mais atenta dos mosaicos do complexo baptismal de Myrtilis permite constatar que, pela forma e qualidade das tesselas, pela técnica de corte e modo de assentamento, o programa da obra teria sido contemporâneo, obedecendo a um mesmo e coerente projecto. Não é de excluir que tenha sido a mesma equipa de mosaistas oriundos certamente do Mediterrâneo oriental, a executar todo este trabalho. Se a falta de paralelos bem datados inviabiliza uma cronologia segura, leituras estratigráficas e traços estilísticos permitam atribuir esta obra á primeira metade do século VI. Nessa época a cidade de Myrtilis e os seus comerciantes estão em contacto com todos os portos do Mediterrâneo nomeadamente com o Próximo Oriente de onde são originários vários personagens enterrados na Basílica Paleocristã do Rossio do Carmo e no Mausoléu recentemente descoberto. No dia 25 de Março de 2009, foi inaugurado o Circuito de Visitas da Alcáçova do Castelo de Mértola. Esta obra há muito projectada, permitirá a visita organizada e a visualização correcta dos mosaicos e do baptistério, bem como aceder ao criptopórtico. Esta intervenção motivou ainda um programa de conservação in situ e restauro das superfícies musivas. O projecto de valorização agora implantado vai permitir a circulação das pessoas e contribuir para a protecção das estruturas existentes (Fig.6).

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fig.6 musealização e circuito de visita. © campo arqueológico de mértola.

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Resumo A uilla romana de São Miguel de Odrinhas localiza-se na encosta sul de um pequeno outeiro no chamado “planalto de São João das Lampas”, e constitui num dos numerosos lugares do antigo ager Olisiponensium onde se encontraram vestígios romanos. A primeira notícia conhecida acerca destas ruínas remonta ao século XVI, quando André de Resende mencionou um velho templo, do qual ainda subsistia uma cúpula. Apesar de conhecidas desde há séculos, as ruínas romanas de São Miguel de Odrinhas apenas foram cientificamente intervencionadas pela primeira vez em 1949, sob orientação de Camarate França, que descobriu algumas sepulturas medievais, troços de paredes romanas e uma inscrição romana tardia. Mais tarde, em 1957, D. Fernando de Almeida retomou os trabalhos que se alongaram até cerca de 1960. Escavou, então, uma grande área da necrópole medieval, da pars urbana da uilla romana e definiu os limites da abside e, entre outros materiais e estruturas recolheu abundantes tesselas - algumas de pasta vítrea -, fragmentos e/ou troços de mosaicos e um pavimento, praticamente intacto, mas que ainda não foi devidamente estudado. As estruturas e materiais recolhidos permitem concluir que esta uilla foi fundada na segunda metade do século I a.C.; no século IV foi alvo de uma grande reforma, datando o seu abandono, provavelmente, dos finais do século V.

palavras-chave villa romana mosaicos arquitectura romana tardia necrópole medieval ermida de são miguel de odrinhas

Abstract The roman uilla of São Miguel de Odrinhas on the southern stope of a small hillock, sited on so called “planalto de São João das Lampas”, and, it forms one of many places of the ager Olisiponensum were found roman tracks. The first known references about this uilla return to the Sixteenth Century, when André Resende refers an old temple, from which it still remains a cupola. Although known from centuries, the roman ruins of São Miguel de Odrinhas were only scientifically studied for the first time in 1949, under the orientation of Camarate França, being then discovered some medieval graves, parts of roman walls and inscription, also from that time. Later, in 1957, D. Fernando de Almeida retook the works, which were extended until around 1960. Therefore, he excavated a large area of the medieval necropolis, of the roman habitat and entirely defined the outlines of the apse structure there located and, among other materials and structures gathered abundant detached tessellae – some of them of vitreous paste –, fragments and/ or parts of mosaic and a mosaic pavement, almost intact, but until now was not properly studied. Part of the remains in the meanwhile exhumed lead us to the conclusion that the uilla was built in the second half of the First Century B.C.; having been, in the Fourth Century, object of deep beneficiary works and its abandonment is probably dated of the late Fifth Century.

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key-words roman villa mosaics late roman architecture medieval graves são miguel de odrinhas ermiterium


mosaicos da villa romana de são miguel de odrinhas

contributos para uma nova leitura ma ria t e r e sa c a e ta n o Doutoranda em História da Arte da Antiguidade Instituto de História da Arte – FCSH/UNL

1. Almeida 1958, 12-13. 2. Azevedo 1982, 56-57. 3. Almeida 1958, 11-25; Ribeiro 1982-1983, 162. 4. Coelho 2007, 24.

As ruínas romanas de São Miguel de Odrinhas foram cientificamente intervencionadas pela primeira vez no ano de 1949, sob orientação de Camarate França, que contou com a desinteressada colaboração de D. Sebastião Pessanha, Eduardo da Costa, Consigliéri Martins e Francisco Costa1, tendo-se então posto a descoberto algumas sepulturas medievais, troços de muros romanos e uma inscrição, também enquadrável nessa época 2 . Mais tarde, em 1957, D. Fernando de Almeida retomou os trabalhos de campo, os quais se prolongaram até cerca de 1960. Escavou-se, assim, uma vasta área da necrópole medieval que corre paralela à anciana ermida devotada a São Miguel – que terá funcionado entre os séculos XII e XVI –, e do habitat romano. Parte do espólio entretanto exumado permitiu concluir que esta uilla foi edificada na segunda metade do século I a.C.; tendo sido, cerca de trezentos anos mais tarde, alvo de profundas obras de beneficiação, supondo-se que o seu abandono teria ocorrido no século V3 . Todavia, as sondagens realizadas em 1997 alongaram a sua vivencia até meados do século VI, conforme o atestará, entre outros testemunhos, a recolha de sete fragmentos de cerâmicas focenses tardias 4 , mas já em retracção vivencial e estrutural, como o confirmará o entulhamento da cloaca em plena época baixo-imperial 5 .

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Os mosaicos Os mosaicos da uilla odrinhense, no entanto, foram descobertos aquando da intervenção ali levada a cabo por D. Fernando de Almeida, entre 1957 e 1960 6 . E têm vindo a ser referenciados ou estudados, com maior ou menor profundidade, por vários investigadores, designadamente, e para além do seu descobridor, por Cristina Moreira de Sá 7; Gorges 8 ; Jorge de Alarcão 9; Justino Maciel e Carlos Baracho10; Felisbela Borges11; Clöe Mac Millan12 ; Bairrão Oleiro13; e Vítor Serrão14 . Aqui aportados importa esclarecer a oportunidade desta breve reflexão acerca dos mosaicos de São Miguel de Odrinhas, uma vez que constitui um conjunto já conhecido e, como vimos, suficientemente divulgado, sobretudo o pavimento a Sudeste da abside. Todavia convém corrigir a leitura iconográfica deste mosaico, daí também a razão de ser desta nossa intervenção. Na verdade – excluindo a referência de Moreira de Sá que é anterior à publicação da planta por D. Fernando de Almeida – todos os outros estudiosos que abordaram esta questão olvidaram, ou por não terem tido acesso directo ao pavimento que permanece in situ na uilla, ou porque se limitaram a acrescentar um ponto a uma qualquer seriação mais ou menos complexa dos pavimentos descobertos em território hoje português, não denunciaram os erros de que o desenho, então dado à estampa, se encontra eivado. Consequentemente, cremos na absoluta necessidade, não só de se corrigir o lapso mas, igualmente, de trazer à colação um estudo exaustivo – morfológico e descritivo – acerca de todos os vestígios musivos e fragmentos avulsos, para além das abundantes tessellae de pasta vítrea que se terão recolhido na área da abside que constituirá um segundo momento desta nossa análise.

Mosaico n.º 1 Por conseguinte, e no que concerne ao mosaico que temos vindo a referenciar, localiza-se a Sudeste da estrutura absidal e é constituído por um vulgar esquema de quadrados justapostos preenchidos, numa alternância relativa, por nós de Salomão e quadrilóbulos entrançados, motivos que permanecem rematados com pequenos apontamentos decorativos, reflectindo, de modo inequívoco, o horror uacui que caracterizou a ars romana do Baixo-império. Medindo 4 por 3m e, apresenta uma moldura exterior com 32 cm de largura; a sua decoração integra-se em 16 quadrados com 48 cm de lado, enquanto que o entrançado simples que forma a faixa de ligação tem 22,5cm. A este propósito deverá salientar-se a pobreza da sua paleta cromática, composta por tesselas brancas, amarelas, vermelhas e negras, de talhe irregular e cujas dimensões oscilam entre os 1,3 x 1 cm/1 x 0,8 cm, numa média de cerca de 93 cubos por dm2. Ainda no que respeita aos aspectos morfológicos há que atender ao facto de o mosaico ter assentado quase directamente sobre o solo bem compactado. Este pavimento apresenta, hoje, distintas zonas de destruição, como seja, grande parte da moldura, a Sudoeste; três reduzidas áreas em pleno campo; e, a Este, subsistem ainda parcialmente sobre ele, duas sepulturas medievais.

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5. Coelho 2007, 16. 6. Almeida 1958, 11-25; Almeida 1962, 152156. 7. Sá 1959, 104-106. 8. Georges 1979, 461-462. 9. Alarcão 1983, 207 (n.º 55); Id. 1988a, 119-120 (n.º 5/192). 10. Maciel 1983, 13 e 14; Id. 2000, pp. 80-82 nota 252; Maciel e Baracho 1992, 95-96. 11. Borges 1986, 119-126 (n.º 15), est. XXI; Anexo II, figs. OD 56 a OD 64. 12. Mac Millan 1986, 14-15 (n.º 55) e p. 17. 13. Oleiro 1986, 112 (n.º 77). 14. Serrão 1989, 24-24).


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As zonas destruídas do mosaico foram preenchidas com cimento moderno. Se através de uma simples análise morfológica, quase empírica como a que efectuámos, a observação iconográfica parece confirmar, de modo inequívoco, tratar-se de uma obra de uma oficina incipiente, talvez de tradição familiar, que se socorreu de uma gramática muito simples, mas cuja materialização plástica revela – por razões que hoje nos escapam – notórias insuficiências, designadamente a pseudo-alternância entre quadrilóbulos entrançados (um motivo que, por esta época, poderá emergido do mais profundo substrato indígena e que se encontra bem representado no território olisiponense).

fig.1 perspectiva geral do mosaico n.º 1, vendo-se, em segundo plano, parte da necrópole medieval que se sobrepôs à villa.

De scriç ão

Faixa de ligação branca. Molduras exteriores: trança de três cabos [a vermelho, amarelo e branco], sobre fundo negro; filete triplo branco. Campo: a decoração do campo do mosaico encontra-se estruturada através de um esquema de vinte e quatro quadrados brancos justapostos, aliás alguns deles bastante irregulares – separados por tranças de dois cabos [a vermelho, amarelo e branco], sobre fundo negro –, com quadrados brancos menores inscritos, delimitados por filetes simples, a negro, respectivamente preenchidos por: 1. Nó de Salomão [a negro, amarelo, branco e vermelho], radiado por filetes simples denticulados, a negro; 2. Similar ao n.º 1 [os filetes são alternadamente negros e vermelhos]; 3. Quadrilóbulo entrançado ou entrançado simples [a negro, amarelo,

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branco e vermelho]; 4. Nó de Salomão [a negro, amarelo, branco e vermelho]; 5. Similar ao n.º 3; 6. Série de sucessivos quadrados denticulados concêntricos [descritos de fora para dentro: negro, branco, vermelho, negro, branco, amarelo, negro, branco, vermelho e branco]; 7. Quadrilóbulo entrançado (?) [a negro, amarelo, branco e vermelho], encontrando-se, aos cantos do quadrado, pequenos triângulos denticulados [a vermelho, branco e negro e a amarelo, branco e negro]; 8. Quadrilóbulo entrançado [a negro, amarelo, branco e vermelho], radiado por filetes simples denticulados [a negro, e a vermelho]; 9. Nó de Salomão [a negro, amarelo, branco e vermelho], encontrando-se nos cantos do quadrado pequenos triângulos denticulados [a vermelho, branco e negro; e a amarelo, branco e negro]; 10. Similar (?) aos n.os 3 e 5; 11. Similar ao n.º 4; 12. Similar aos n.os 4 e 11; 13. Similar ao n.º 9; o canto inferior direito apresenta-se restaurado apenas com tesselas brancas, fruto de uma intervenção moderna; 14. Quadrilóbulo entrançado [a negro, amarelo, branco e vermelho], encontrando-se o quadrado acantonado por pequenos triângulos [a negro e branco], enquanto dos lados nascem quatro pequenos triângulos denticulados [a vermelho e branco]; 15. Similar aos n.os 4, 11 e 12; 16. Similar aos n.os 3, 5 e 10; 17. Similar aos n.os 4, 11, 12 e 15; 18. Similar aos n.os 3, 5, 10 e 16; 19. Similar ao n.º 8 [ainda que os filetes radiantes sejam todos a negro]; 20. Similar aos n.os 1 e 2 [variante quanto às cores empregues nos filetes simples denticulados: negro e vermelho]; 21. Similar aos n.os 3, 5, 10, 16 e 18; 22. Similar aos n.os 4, 11, 12, 15 e 17; 23. Similar aos n.os 3, 5, 10, 16, 18 e 21; 24. Similar (?) aos n.os 4, 11, 12, 15, 17 e 22. Acerca dos mosaicos muito destruídos e tessellae descobertos nos anos 50, D. Fernando de Almeida deu deles notícia sumária, ainda em 1957, nas Jornadas Arqueológicas de Sintra15 . E, em 1962, esse investigador publicou um pormenorizado estudo sobre o «mosaico (...) quase intacto», todavia, não tratou de forma similar os outros vestígios musivos também ali exumados16 . A planta do mosaico inserta no artigo de D. Fernando de Almeida, contudo, não se apresenta correcta, porquanto o desenho omite quer a irregular faixa de ligação, quer os pormenores decorativos de vários dos quadrados que constituem os motivos principais, além de – sobretudo – no quadrado do canto NE do campo do mosaico surgir figurado um nó de Salomão radiado por filetes simples denticulados em vez da extemporânea sucessão de quadrados denticulados inscritos, de facto ali representada. Referência s

Sá 1959, 104-106; Gorges 1979, 461-462; Alarcão 1983, 207 (nº 55); Maciel 1983, 13 e 14; Borges 1986, 119-126 (n.º 15), est. XXI; Anexo II, figs. OD 56 a OD 64; Mac Millan 1986, 14-15 (n.º 55) e p. 17; Oleiro 1986, 112 (n.º 77); e, uma vez mais, Alarcão 1988 a, 119-120 (nº 5/192); Serrão 1989, 25 (fig. parcial na p. 24); Maciel e Baracho 1992, 95-96; Caetano 2006, 34; Caetano 2007, 75, n. 88; Coelho 2007, 4. E studo analítico e compar ativo

A organização decorativa do mosaico desenvolve-se a partir de um vulgar esquema de quadrados justapostos, cuja origem se poderá encontrar na “projecção” no pavi-

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15. Almeida 1958, 13, 22 e 23. 16. Almeida 1962, 152-156.


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fig.2 planta do mosaico n.º 1, publicada por d. fernando de almeida.

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fig.3 esquema decorativo de acordo com a planta de d. fernando de almeida. fig.3a esquema decorativo de acordo com o mosaico que permanece in situ.

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fig.4 possíveis interpretações para a não correspondência da planta com o mosaico: 1. Eventual recolha de elementos insuficientes no campo, originando uma deficiente interpretação no subsequente trabalho de gabinete; 2. Eventual inversão do desenho na gráfica trocando a ordem da planta.

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fig.5 Ainda que este facto pudesse ter ocorrido, tal não justifica a discrepância da restante iconografia, designadamente o preenchimento de dois quadrados, cuja ornamentação é desconhecida, bem com a extemporânea série de quadrados que se patenteia num dos ângulos (nordeste).

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fig.6 planta de d. fernando de almeida com correcção do alinhamento decorativo sobreposto.

mento de uma cobertura em caixotões17. Os quadrados permanecem separados por tranças de dois cabos, as quais foram introduzidas como elementos de separação neste tipo decorativo nos mosaicos a preto e branco na época de Augusto18 . No entanto, apesar de revelar numerosas lacunas a nível da execução, notadas sobretudo no traçado do desenho, este pavimento consiste num interessante exemplar da musivária da região olisiponense. Por outro lado, refira-se que a originalidade do

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17. Neal 1981, 27. 18. Lancha 1977, 34.


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19. Blake 1930, 108. 20. Becatti 1961, 144-149 (n.º 283), tav. CCXII. 21. Blake 1936, 82, 97, 102, 120 e 132, pls. 14.2, 19.3, 20.3, 29.4 e 43.1. 22. 1993, 18-20 (n.º 2), lám. 2. 23. Ovadiah e Ovadiah 1987, 72 (n.º 103), pl. LXXXVI.1. 24. Blázquez et al. 1989, 56-59 (n.º 41), lám 41. 25. Sobre a simbologia apotropaica nos mosaicos hispânicos veja-se Campbell 1994, 293-300. 26. Fendri 1965, 157-173, autor que apresenta exemplos tunisinos. 27. Blake 1930, 103. 28. Borges 1986, 91-106 (n.º 24), ests. XIX-XX. Há muito pouco tempo foi dado à estampa um artigo de cariz monográfico sobre o mosaico de Oeiras, cujos autores, surpreendentemente e decerto baseados em critérios por si só pouco seguros, datam este mosaico de finais do século II/inícios do III (Varela Gomes, Cardoso e André 1996, 404).

mosaico de Odrinhas reside também na articulação dos vulgares nós de Salomão e quadrilóbulos entrançados que preenchem os quadrados – emoldurados por tranças de dois cabos –, para a qual não foi recolhido qualquer paralelo. A trança de três cabos que contorna exteriormente o mosaico terá uma origem semelhante à da trança de dois cabos19 . Parece, no entanto, que o seu emprego mais ou menos abundante será um pouco mais tardio, com exemplos atestados em mosaicos de Óstia, datado de 127 d.C. 20; de Roma, Bolonha, Este e Pesaro, todos eles do século II 21, e, fora de Itália, em Astorga, já de finais daquela centúria 22 . Contudo, a sua generalização terá ocorrido a partir do século III. Em relação à extemporânea série de quadrados denteados patente no quadrado do canto nordeste do pavimento – cujos melhores paralelos se encontram num mosaico de Hosefa (Israel) 23 , do século V; e noutro de Tarazona de la Mancha 24 , do século IV – saliente-se que esta não será fruto da inabilidade do mosaísta, uma vez que o artífice dificilmente cairia em tão crasso erro já que as linhas de força da composição alternam apenas entre nós de Salomão e quadrilóbulos entrançados. Assim, poder-se-á concluir que o preenchimento do referido vão com quadrados escalonados foi deveras consciente, talvez para demarcar bem um espaço pré-determinado ou, talvez, com uma intenção mágica e/ou profilática, cujo significado hoje nos escapa 25 . Os nós de Salomão, tal como aqui nos surgem figurados, ou seja inscritos em pequenos quadrados, tornaram-se num dos motivos mais frequentes em todo o Império Romano, vulgarizando-se a sua aplicação logo a partir do século I d. C. e, em época tardia, passou a apresentar o traçado interior a branco 26 – como no caso vertente –, e, inclusivamente, foi empregue na arte medieval, no seio da qual viria a adquirir determinado valor simbólico 27. Por outro lado, saliente-se o emprego abundante do quadrilóbulo entrançado, motivo de aparente origem tardia e escassamente divulgado, cujos reduzidos paralelos apontados se balizam em termos cronológicos entre os séculos IV e V, mas que no território do Município Olisiponense se encontra também no mosaico de Oeiras, datável do século IV28 . Neste âmbito refira-se ainda que os breves apontamentos decorativos que completam a ornamentação dos quadrados reflectem, inequivocamente, o horror vacui característico dos mosaicos baixo imperiais. Cronologia proposta

Com base na morfologia do mosaico que analisámos e nos paralelos apontados, propomos, pois, para este mosaico da uilla de São Miguel de Odrinhas uma datação circunscrita à primeira metade do século IV.

Mosaico n.º 2 Tesselas: brancas, amarelas, negras e vermelhas, com 1 x 1 cm de lado. Material empregue: calcário. Número médio de tesselas por dm2: 87. Suporte: cimento moderno. Localização actual: in situ (?).

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De scriç ão

Este mosaico foi descoberto e consolidado sobre cimento moderno por D. Fernando de Almeida, nos finais dos anos de 1950. Do pavimento conservam-se apenas dois troços não contíguos, sem leitura sequencial e em muito mau estado de conservação, pressupondo que tenha havido algum lapso aquando da recolocação dos fragmentos no local. Do primeiro troço conserva-se uma área com 1,90 x 0,34 m e, do segundo, em forma de L, as dimensões máximas conservadas atingem o 1,10 x 0,53 m. 1. Faixa branca de ligação ornada com diamantes, sobre a ponta e escadeados, alternadamente a vermelho a negro e a amarelo com preenchimento axadrezado a preto e branco, denotando-se no interior de todos eles, um axadrezado a branco e negro; filete duplo, a negro, filete simples, a branco, e filete simples, a negro, que demarcam o campo, do qual apenas são visíveis o arranque de dois motivos indefinidos [a negro, branco e vermelho], intervalados por fundo branco, que poderão ser aspas ou peltas. 2. Faixa de ligação e demarcação similares às descritas em 1; no campo, apesar das numerosas tesselas soltas está bem patente, entre outros motivos de difícil identificação, uma pelta amarela com bordadura a branco e a negro. Referência s

Almeida 1958, 23; Borges 1986, 126 (n.º 30). E studo analítico e compar ativo

Os dois fragmentos subsistentes deste mosaico encontram-se em muito mau estado de conservação, pelo que nos oferecem uma leitura deficiente e inconclusiva. No entanto, parece-nos – pela irregularidade do desenho, dimensões e qualidade das tessellae – que ambos os troços musivos integrassem um único pavimento, o qual – pelas razões expostas – será coevo do anteriormente descrito. Cronologia proposta

Primeira metade do século IV.

Mosaico n.º 3 [Oecus] Dimensões máximas conservadas: 0,23 x 0,12 m. Tesselas: brancas, amarelas, negras e vermelhas, com 0,7 x 0,8 cm de lado. Material empregue: calcário. Número médio de tesselas por dm2: 107. Suporte: cimento moderno. Localização actual: in situ? De scriç ão

Este fragmento de mosaico, localizado na sala com estrutura absidal, abaixo do absidíolo sudeste, devido ao mau estado de conservação, não permite que se proceda a uma identificação segura do motivo representado que se tratará de uma trança de dois cabos [a vermelho, branco, negro e amarelo], sobre fundo negro.

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Referência s

Almeida 1958, 23; Borges 1986, 125 (n.º 29); Maciel e Baracho 1992, 96, que assinalam a existência de tessellae soltas na área da abside. E studo analítico e compar ativo

Este pavimento apresenta tesselas de menores dimensões do que as dos restantes mosaicos, facto que de per si permite questionar se o mosaico resultou da mesma campanha de beneficiação dos já descritos ou se foi construído em época distinta. No estado actual dos nossos conhecimentos não será possível esclarecer de forma cabal esta questão, mas, seja como for, parece ter ficado claro que dificilmente se poderá atribuir a sua construção aos mesmos artífices que produziram os outros mosaicos ali patentes. Por outro lado, e porque se tratava da principal divisão desta uilla – ou seja, o oecus –, será lícito supor que as tesselas de pasta de vidro (mais de uma centena), ainda que se desconheça o local ou locais exactos de onde foram recolhidas, os parcos indicadores disponíveis apontam a sala absidal como o local adequado para a construção de um mosaico mais elaborado – provavelmente para realçar pormenores de um eventual medalhão figurado – ou que, atendendo a outra hipótese, tenham integrado um possível revestimento musivo da própria abóbada. Neste contexto, poder-se-á pôr a hipótese de ali terem trabalhado – aquando da grande remodelação daquela uilla levada a cabo na primeira metade do século IV – duas distintas oficinas de mosaístas como sucedeu, a título de exemplo, na uilla de Carranque, igualmente do século IV�. Cronologia proposta

Primeira metade do século IV (?). Te ssel a s de pa sta de vidro

Entre as dezenas de litros de tesselas de calcário depositadas no Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas [SMO/R/57/283; SMO/R/57/285; SMO/R/57/289] encontram-se mais de uma centena de tesselas de pasta de vidro, recolhidas em 1957: 1 - Incolor: duas tesselas com 0,9 x 0,8 x 0,5 cm/0,8 x 0,6 x 0,5 cm, opacas e irisadas (número de inventário: SMO/R/57/75). 2 - Verde gelo: duas tesselas com 1 x 1 x 0,7 cm/1 x 0,9 x 0,5 cm, transparentes (número de inventário: SMO/R/57/74). 3 - Verde azeitona: uma tessela com 1 x 0,8 x 0,4 cm, opaca (número de inventário: SMO/R/57/74). 4 - Verde prado: quatro tesselas com 0,9 x 0,8 x 0,5 cm/0,7 x 0,7 x 0,4 cm, opacas e algumas irisadas (número de inventário: SMO/R/57/74). 5 - Verde jade: seis tesselas com 0,9 x 0,8 x 0,7 cm/0,6 x 0,5 x 0,3 cm, opacas e transparentes (número de inventário: SMO/R/57/74). 6 - Verde seco: oito tesselas com 1,3 x 0,9 x 0,6 cm/0,9 x 0,9 x 0,3 cm, opacas e irisadas (fig. 63) (número de inventário: SMO/R/57/74). 7 - Verde malaquite claro: seis tesselas com 1,1 x 0,9 x 0,6 cm/0,7 x 0,6 x 0,3 cm, opacas e irisadas (número de inventário: SMO/R/57/74). 8 - Verde malaquite: doze tesselas com 1 x 0,9 x 0,7 cm/0,8 x 0,4 x 0,3 cm, opacas

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fig.7a; fig.7b; fig.7c alguns exemplares de tessellae de pasta vítrea: verde gelo; verde-seco; azul-cobalto opacas e irisadas.

e irisadas (número de inventário: SMO/R/57/74). 9 - Verde-esmeralda: vinte e três tesselas com 0,8 x 0,8 x 0,5 cm/0,6 x 0,6 x 0,4 cm, opacas e algumas irisadas (número de inventário: SMO/R/57/74). 10 - Verde-escuro: quinze tesselas com 1,1 x 1 x 0,8 cm/0,7 x 0,5 x 0,5 cm (número de inventário: SMO/R/57/74). 11 - Azul claro: oito tesselas com 0,9 x 0,5 x 0,4 cm/0,6 x 0,5 x 0,4 cm, opacas e irisadas (número de inventário: SMO/R/57/73). 12 - Azul lavanda: uma tessela com 0,8 x 0,7 x 0,3 cm, opaca (número de inventário: SMO/R/57/73). 13 - Azul da Prússia: nove tesselas com 0,9 x 0,8 x 0,4 cm/0,8 x 0,5 x 0,4 cm, opacas e algumas irisadas (número de inventário: SMO/R/57/73). 14 - Azul-cobalto: vinte e uma tesselas com 1,3 x 1 x 0,9 cm/0,6 x 0,5 x 0,4 cm, transparentes e opacas (número de inventário: SMO/R/57/73). 15. Azul ultramarino: vinte e duas tesselas com 1,5 x 1,1 x 0,8 cm/0,7 x 0,6 x 0,3 cm, opacas e algumas irisadas (número de inventário: SMO/R/57/73). 16 - Violeta claro: oito tesselas com 0,9 x 0,8 x 0,5 cm/0,8 x 0,5 x 0,3 cm, opacas e algumas irisadas (número de inventário: SMO/R/57/73). Fr agmentos de mosaico

No Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas encontram-se depositados dezoito fragmentos de mosaico, igualmente recolhidos por D. Fernando de Almeida, em local, ou locais, não especificado(s): 1. Dimensões máximas conservadas: 15 x 6,5 cm; superfície tesselada, 10,5 x 5 cm. Tesselas: brancas, negras e amarelas, com 0,9 x 0,9 x 0,7 cm. Material empregue: calcário. Suporte: argamassa de cal com fragmentos cerâmicos (4 x 0,5 cm/vestígios) e algumas tesselas de calcário, com 5,6 cm de espessura média. Número de inventário: SMO/R/57/279. Descrição: trança (?), a amarelo e branco sobre fundo negro; banda (?) branca. 2. Dimensões máximas conservadas: 3 x 2,3 cm. Tesselas: brancas e negras, com 1 x 1 x 0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/279. Descrição: fila de tesselas brancas; e fila de tesselas negras.

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3. Dimensões máximas conservadas: 2 x 2 cm. Tesselas: brancas e negras, com 0,7 x 0,8 x 0,5 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fila de tesselas brancas; e fila de tesselas negras. 4. Dimensões máximas conservadas: 2,5 x 2,3 cm. Tesselas: vermelhas e negras, com 0,9 x 0,9 x 0,6 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fila de tesselas vermelhas; e fila de tesselas negras. 5. Dimensões máximas conservadas: 5,5 x 5,2 cm; superfície tesselada com 4,6 x 4,3 cm. Tesselas: branca, negras e vermelhas, com 1 x 1 x 0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/281. Descrição: fila de tesselas vermelhas, filete simples a negro e tessela branca. 6. Dimensões máximas conservadas: 3 x 2,9 cm. Tesselas: vermelhas, com 1,1 x 1,1 x 0,7 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico vermelho. 7. Dimensões máximas conservadas: 2,5 x 2 cm. Tesselas: brancas e negras, com 0,9 x 0,9 x 1 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fila de tesselas brancas; e fila de tesselas negras. 8. Dimensões máximas conservadas: 3,5 x 2,2 cm. Tesselas: negras, com 0,9 x 0,9 x 0,8 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico negro. 9. Dimensões máximas conservadas: 2 x 1,5 cm. Tesselas: negras, com 1 x 1,1 x 0,8 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico negro. 10. Dimensões máximas conservadas: 2,3 x 1,4 cm. Tesselas: negras, com 1,3 x 1 x 0,8 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico negro. 11. Dimensões máximas conservadas: 2,1 x 1,1 cm. Tesselas: negras, com 1 x 1 x 0,7 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico negro. 12. Dimensões máximas conservadas: 2,2 x 1,4 cm. Tesselas: negras, com 1 x 0,7 x 0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico negro. 13. Dimensões máximas conservadas: 10,5 x 8,5 cm; superfície tesselada, 8 x 6,8 cm. Tesselas: brancas, com 1 x 1 x 0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: argamassa de cal com vestígios de cerâmica, com 3 cm de espessura média. Número de inventário: SMO/R/57/278. Descrição: fragmento de mosaico branco. 14. Dimensões máximas conservadas: 2,5 x 2,2 cm. Tesselas: brancas, com 1 x 1 x 0,7/0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/279. Descrição: fragmento de mosaico branco. 15. Dimensões máximas conservadas: 2 x 1,9 cm. Tesselas: brancas, com 0,8 x 1 x

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0,8/0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/279. Descrição: fragmento de mosaico branco. 16. Dimensões máximas conservadas: 4,7 x 3,8 cm. Tesselas: brancas, com 1 x 1 x 0,7 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/282. Descrição: fragmento de mosaico branco, na sua quase totalidade revestido com opus signinum (3,9 x 3,5 x 1,1 cm) do “rodapé” do pavimento. 17. Dimensões máximas conservadas: 3,9 x 2,6 cm. Tesselas: brancas, com 1 x 1 x 0,6/0,9 cm. Material empregue: calcário. Suporte: vestígios de argamassa de cal. Número de inventário: SMO/R/57/279. Descrição: fragmento de mosaico branco, na sua quase totalidade revestido com opus signinum (3,5 x 2,4 x 1,2 cm) do “rodapé” do pavimento. 18. Dimensões máximas conservadas: 5,5 x 5,2 cm. Tesselas: brancas, com 1 x 1 x 0,7/0,9 cm de profundidade. Material empregue: calcário. Suporte: argamassa de cal com 1,2 cm de espessura média. Número de inventário: SMO/R/57/280. Descrição: fragmento de mosaico branco, na sua quase totalidade revestido com opus signinum (5,5 x 4,5 x 1,9 cm) do “rodapé” do pavimento.

A Abside Refira-se, por outro lado, que esta uilla foi erigida num pequeno outeiro com vista para o Mons Sacer, situado no chamado “planalto de São João das Lampas”29 , constituindo num dos muitos locais do antigo ager olisiponensium onde se detectaram vestígios da época romana e período subsequente 30 . As primeiras notícias conhecidas acerca destas ruínas remontam, todavia, ao século XVI quando André de Resende se referiu a «hum templo velho, de que ainda sta uma abboboda» 31;

fig.8 perspectiva geral do lugar de são miguel de odrinhas, com destaque para a zona da abside (fotografia dos inícios da década de 1960, arquivo do masmo).

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29. Boléo 1973, 40. 30. Ribeiro 1982-1983, 156-165, fig. 1. 31. Resende, Cod. Valent., fl. 46v. (cfr. C.I.L. II, XIV-28 e 312; e Vieira da Silva 1944, 313).


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32. Barreto 1888, 9. Ainda que publicado em 1888, o texto de Barreto terá sido redigido, de acordo com José Cardim Ribeiro, entre 1840 e 1841, ainda que Azevedo (1982, 64), aponte para a sua redacção o ano de 1842. 33. Sottomayor 1675, fl. 9, margem. 34. Pereira 1914, 345-349, fig. 38; Pereira 1934 (= 1975, 99-101). 35. Correia 1928, 374 (figs.), 378 e 379. 36. Lambrino 1953, 25. 37. Almeida 1962a, 8, 105, 116 e 117. 38. Palol 1967, 145; Arte Paleo. Esp., 52. 39. Gorges 1979, 461-462. 40. Barbosa 1983, 382-383, fig. 41. Maciel 1983; Maciel 1995a, 115; e, ainda, Maciel e Baracho 1992, 92 e 102. 42. Sobre a problemática em torno da estrutura absidal veja-se, também, Ribeiro 1974-77, 324, n. 136. 43. Rodríguez Martin e Carvalho 2008, 320.

fig.9 abside de são miguel de odrinhas em 1907 (in pereira 1914, 324-362).

mais tarde, Sottomayor afirmou que aí existem «m.tas (...) bazes de colunas (...) cravadas na terra do (...) adro»32 . Após um longo hiato surgiram, desde a segunda metade de oitocentos, novas notícias sobre a abside de São Miguel de Odrinhas: Barreto 33 – que considerou esta estrutura como pertencente a um templo romano –; Pereira 34 – que corroborou a opinião daqueloutro –; Félix Alves Pereira 35 – que classificou a ruína como restos de um mausoléu romano –; Vergílio Correia 36 – que pretendeu que a abside fosse um baptistério cristão arcaico –; e Scarlat Lambrino 37 – que não interpretando a estrutura absidal, considerou-a, no entanto, como a parte subsistente de um edifício dos começos da Idade Média. Os trabalhos encabeçados por D. Fernando de Almeida possibilitaram e definir completamente os contornos da estrutura absidal aí localizados, inclusivamente derrubando outras estruturas adossadas sem ter deixado quaisquer registo das mesmas, o que, eventualmente, teria sido importante para as posteriores interpretações da “rotunda” de São Miguel de Odrinhas. Mas, a eliminação dos elementos extemporâneos e a devolução da estrutura à sua forma primitiva (?), contribuiu, de modo inequívoco, para o surgimento de novas hipóteses mais ou menos académicas. Por conseguinte, aquela imponente estrutura foi considerada, por D. Fernando de Almeida, como sendo uma pequena basílica paleocristã, datável de finais do século IV ou da primeira metade da centúria seguinte 38 . Opinião essa, aliás, praticamente seguida por diversos outros investigadores: Palol 39 que datou o monumento dos séculos VI ou VII; Gorges 40 e Barbosa 41 aceitaram a classificação e cronologia propostas por Almeida para o chamado templo; Maciel 42 interpretou a estrutura absidal como sendo um mausoléu da época constantiniana. Porém, Hauschild afirmou que «futuras pesquisas e escavações terão de provar ainda se se trata realmente de um edifício de função cristã ou, eventualmente, de um anexo pertencente a uma Villa romana» 43; mais recentemente, Cardim Ribeiro considerou

fig.10 perspectiva geral do edifício absidal.

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que o compartimento com a estrutura absidal poderia tratar-se, afinal, do oecus da uilla, datável do século IV44 . O espaço absidal usado como templo, independentemente de ter integrado a uilla como o seu oecus, de ter desempenhado, ainda no século IV a função de mausoléu da época constantiniana, ou mesmo depois do seu abandono como necrotério – provavelmente de um “homem santo” ali sepultado ou a existência de uma relíquia – em data por determinar, mas que terá conduzido à adopção daquele espaço como templo cristão de invocação indeterminada. Mas se se considerar válida a hipótese de uma deuotio a São Miguel (nunca anterior ao século VI/VII), atendendo às sepulturas eventualmente paleocristãs radiais à própria rotunda e, por isso, coincidentes com aquele espaço, são indicadores preciosos de que, em época ainda por fixar, o espaço terá funcionado como templo cristão. A ininterrupta sacralização daquele espaço está patente na construção medieval da ermida ainda hoje existente e cuja vivência devocional se encarregou de lhe outorgar o prospecto que hoje conhecemos. Seja como for, nos inícios do século IV começou-se a sentir uma presença cristã, ainda que de modo não sistemático, nos agri. Com o decorrer do tempo, porém, essa presença tornou-se mais acutilante, pelo que a cristianização das uillae terá de certo modo sido similar – ou complementar – do desenvolvimento arquitectónico e vivencial dos seus espaços. Com isto pretendemos, tão-somente, referir que independentemente da vontade que subjazeu à sua edificação, não há qualquer dúvida que, na eventualidade de ter sido um mausoléu, terá sido o tempo o factor que contribuiu para que se tornasse num referencial para a região, acabando por se transformar numa ermida, como, aliás, subsistem outros exemplos, designadamente, nas ermidas de la Virgen de la Cara, de Isidoro, de Santiago de Bencaliz, na de Santa Maria del Ventoso 45 , etc. Além do mais, as escavações e sondagens há alguns anos realizadas no espaço da uilla/necrópole revelaram uma ocupação continuada, desde o período romano – atestando-se, igualmente, alguns vestígios pré-históricos – até à nossa contemporaneidade plena. De facto, e para além das já mencionadas cerâmicas focenses tardias, foram recolhidas outras, cujo aro cronológico abrange os séculos VII, VIII, IX e X, podendo ser a primeva datação coincidente com a adaptação do espaço absidal como uma igreja (possivelmente já) dedicada a São Miguel. O qual, em plena medievalidade portuguesa, teria sido trasladado para uma nova ermida, pois no Treslado do Lemitte, e demarcação das Igrejas da Villa Cintra, de 10 de Dezembro de 1253 está referenciado um «heremitagium et Albergariam de Odrias».

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Resumo A decoração do pavimento de uma sala obedecia, ontem como hoje, a uma escolha prévia de toda a decoração, de forma a conseguir um efeito global harmónico e coerente. A decoração do pavimento com mosaico exigia, a priori, uma primeira escolha entre uma decoração meramente geométrica, figurativa ou mista, com ou sem elementos vegetais ou animais de preenchimento dos espaços criados. Qualquer que fosse a escolha, o pavimento era tratado como uma superfície uniforme, que cabia decorar de acordo com a iconografia escolhida pelo proprietário. No caso de uma composição não decorativa recorre-se em geral a um esquema geométrico pré-definido, que pode prever a utilização de diferentes composições: se de superfície, recorre-se a um único esquema geométrico para toda a superfície a decorar; se se individualizam diferentes zonas prioritárias num mesmo pavimento, pode recorrer-se a esquemas diferenciados. A escolha feita, ligada à sintaxe argumental do pavimento, permite frequentemente situá-lo no tempo e no ambiente musivo em que se enquadra. O presente artigo debruça-se sobre os esquemas de ordenamento geométrico de Villa Cardílio, Torres Novas (Portugal).

palavras-chave esquema geométrico composição sintaxe argumental programa iconográfico

Abstract The decoration of the pavement of a room conformed, much like today, to a previous choice of the entire decoration, so as to achieve a harmonious and cohesive global effect. The mosaic decoration of the pavement demanded that a first choice be made between one of a purely geometric, figurative or mixed kind, with or without animal and plant elements which filled the created spaces. Whichever the choice, the pavement was regarded as a uniform surface, which was decorated according to the iconography of the proprietor’s choice. In regards to a non decorative composition, a pre-defined geometric scheme was adopted, which foresaw the use of different compositions: if of a surface, only one geometric scheme was used on all of the decorated space; if different priority areas of the pavement were distinguished, this would allow to place it in time and its museological environment. This article focuses on the geometric schemes of the Villa Cardílio, in Torres Novas (Portugal).

key-words geometric scheme composition argumental syntaxe iconographic programme


mosaicos geométricos de villa cardílio algumas considerações ma ria d e j e su s d u r a n kr e m e r ASK Seminar für Ubersetzen und Dolmetschen, Ruprecht - Karls - Universität Heidelberg Instituto de História da Arte – FCSH/UNL.

1. Ver Maria J. Duran Kremer, Die Mosaiken der villa cardílio (Torres Novas, Portugal). Ihre Einordnung in die musivische Landschaft der Hispania im allgemeinen und der Lusitania im besonderen, Trier (1999). 2. Não vou tocar hoje e aqui a história da descoberta desta estação romana.

Os mosaicos de Villa Cardílio (Fig.1) foram estudados e publicados em tese de doutoramento na Universidade de Trier, enquadrados num estudo comparativo com os mosaicos da Hispania em geral e da Lusitania em particular 1. Objecto que foram de desenho e reconstituição à escala no Centro de Desenho do Instituto de Arqueologia da Universidade de Trier, deverão em breve ser publicados em monografia. O tempo de que disponho hoje e aqui permitir-me-á apenas tocar alguns dos aspectos abordados quando do seu estudo 2 .

Esquemas de ordenamento geométrico dos pavimentos de uilla Cardílio Na base da decoração de um pavimento com uma composição musiva não figurativa está sempre, à partida, um conceito geométrico bem definido e escolhido de acordo com o programa iconográfico que o mandatário da obra quer ver realizado. A primeira escolha – por assim dizer, o posicionamento determinante a definir face a um pavimento – situa-se a nível do próprio conceito de decoração: a preferência por uma composição de superfície limita geralmente a um único esquema geométrico o sistema utilizado para a divisão da superfície a decorar. Pelo contrário, a definição de zonas prioritárias dentro de um mesmo pavimento permite recorrer a esquemas diferenciados, quer dentro de um mesmo sistema, quer combinando vários sistemas entre si. A análise dos mosaicos de Villa Cardílio que hoje apresento dá especial incidência à sintaxe argumental da composição de cada um deles: os esquemas de ordenamento geométrico do pavimento e o conceito global de decoração que esteve na base dessa escolha constituem etapas indispensáveis para situar estes pavimentos no espaço

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fig.1 plano.

musivo romano, em geral, e hispânico em particular. A sua apresentação hoje e aqui será feita reunindo os pavimentos por esquemas geométricos de base, utilizando para tal a classificação de esquemas geométricos de Gisela Salies 3. De sublinhar o facto de os pavimentos se encontrarem muito danificados e de recorrer, para cada pavimento, igualmente à sua reconstituição em desenho. De sublinhar também que não entrarei na análise e interpretação nem da inscrição nem dos motivos figurativos do mosaico da sala G, dito de Cardílio, já apresentados numa anterior intervenção 4 .

Sistema de quadrícula simples5 Constituindo o ponto de partida para a utilização de sistemas mais complexos, o sistema de quadrícula simples foi usado com bastante frequência como sistema de ordenamento decorativo tomado individualmente. A sua simplicidade permitia uma multiplicidade de opções para a decoração individual de cada quadrado, seja através da utilização da própria grelha de base como único elemento de decoração,

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3. Gisela Salies, Untersuchungenzu den geometrischen Gliederungsschemata römischer Mosaiken”, Bonner Jahrbücher, Vol. 174 (1974), pag.1 -178. 4. Maria J. Duran Kremer, Actas do Xº Colóquio Internacional da AIEMA, Conimbriga 2005, no prelo. 5. Salies pag. 2-3.


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seja utilizando cada quadrado como espaço de decoração, seja ainda através da utilização primária do sistema como simples grelha para uma decoração mais complexa. Em Villa Cardílio encontramos dois exemplos deste sistema, ambos usando-o para uma composição de superfície. Sistema de quadrícul a simple s, em ordena mento diagonal

(Fig.2) Para a colocação do pavimento, o cálculo do esquema geométrico foi feito de forma a permitir uma utilização correcta do próprio sistema geométrico como elemento de decoração: a simplicidade aparente da composição exigia uma adaptação perfeita dos diferentes módulos utilizados à superfície a decorar. Para tal foi utilizada uma grelha de quadrados de 20 cm de lado, colocada diagonalmente. O pavimento terá sido colocado de Sul para Norte: a utilização do esquema escolhido obrigou a um preenchimento do espaço entre este tapete e o tapete C, para o que se recorreu a um meandro. Na decoração foram utilizadas as 4 cores básicas – branco, azul, vermelho e amarelo – sendo o branco utilizado como pano de fundo integrado na composição. A policromia da composição não é muito acentuada, mas sublinha claramente o carácter repetitivo do motivo usado. Do ponto de vista de qualidade de execução, este mosaico apresenta um traçado de linhas muito claro, tanto na grelha base quanto nos motivos de preenchimento. Hoje muito destruído, encontra-se in situ. Sistema de quadrícul a simple s, coloc ada ortogonalmente

(Fig.3) À semelhança do verificado para o tapete D, a grelha geométrica foi aplicada à superfície a decorar de forma a permitir – pelo menos no sentido da largura do

fig.2 tapete d. fotografia da autora.

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pavimento – a execução completa dos motivos previstos. O cálculo da unidade de base deste esquema – o quadrado – permite verificar que foi utilizada a mesma grelha para ambos os tapetes, tomando como base um quadrado com 20 cm de lado.

fig.3 tapete f. fotografia da autora.

fig.4 tapete j. fotografia da autora.

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6. Salies pag. 14-18. 7. Salies Ia.

A composição do tapete F é caracterizada por uma forte policromia conseguida através do recurso aos contrastes de cor, colocando a tónica no carácter de tapete uniforme de cobertura de superfície assumido pela composição. Neste pavimento, e ao contrário do que sucede no tapete D, o esquema geométrico da decoração não é facilmente visível. Apesar de a grelha de base ser profundamente simples, este sistema geométrico permite um ordenamento dos diferentes elementos da decoração de forma a constituirem uma composição inquieta e cheia de movimento, que permite uma leitura diferenciada. Segundo o elemento de decoração considerado como básico podem identificar-se estrelas de quatro pontas formadas pelos triângulos inscritos nos lados dos quadrados ou as formadas pelos losangos e triângulos inscritos. Os octogónos são tratados como emblemata inscritos no tapete – um papel sublinhado ainda mais por uma decoração relativamente simples das formas geométricas. A nível da cor vemos desaparecer o branco como pano de fundo, integrado aqui como elemento da composição. O recurso à linha dupla para delinear as diferentes figuras geométricas e à linha denteada como elemento de decoração interna de losangos e círculos reforça ainda mais as diferentes possibilidades de leitura.

Sistemas circulares6 Sistema de círculos tangente s 7, coloc ado ortogonalmente

(Fig.4) Este tipo de ordenamento da superfície a decorar foi certamente um dos primeiros a ser utilizados pelos mosaicistas da Antiguidade, tendo-nos chegado já alguns exemplos em Pompeia. Na Hispania, o sistema circular Ia foi frequentemente utilizado para decorar pavimentos musivos, seja em superfície, seja sob a forma de composição central – um círculo ao centro, semicírculos circundantes e quartos de círculo nos cantos da composição. Apesar de o estado de deterioração do pavimento não permitir qualquer conclusão quanto ao lado mais destruído do mosaico, os restantes três ainda existentes mostram que o esquema geométrico de base foi perfeitamente adaptado à composição escolhida, permitindo o remate perfeito da mesma: como base de construção do sistema utilizou-se uma grelha de quadriculado de cerca de 35 cm de lado (correspondendo cada lado do quadrado ao raio da circunferência). O esquema geométrico é, à partida, utilizado como elemento integrante e determinante da própria composição, sendo ainda sublinhado – à semelhança aliás do que se fizera no tapete F – por uma linha denteada, introdutora de um movimento repetitivo alternante com os diferentes matizes de cor. Para além disso, o mosaico combina motivos geométricos com motivos florais, introduzidos isoladamente apenas nos triângulos de delimitação externa da composição. O pavimento é de uma policromia muito acentuada. O branco assume um papel de relevo na composição para delinear ou até mesmo sublinhar as figuras geométricas: Também aqui encontramos o conceito de pavimento de mosaico como tapete que cobre por inteiro o chão da sala respectiva.

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Sistema de circulos sec ante s 8 , coloc ado ortogonalmente

(Fig.5) A sua não adaptação às dimensões da superfície a decorar fez com que, à excepção da parte Norte do mosaico, o motivo tenha sido cortado tanto na parte sul quanto na parte oeste da composição 9. O esquema escolhido foi executado num estilo bastante rico em policromia, ainda que recorrendo apenas às quatro cores básicas: o branco, o preto, o vermelho e o amarelo. O tapete encontra-se profundamente danificado, in situ. Sistema circul ar 10

(Fig.6) Sendo construído a partir do sistema de círculos tangentes (Salies Ia), este sistema de ordenamento da superfície é construído a partir de uma divisão do solo num sistema de quadriculado simples colocado ortogonalmente. A adaptação do esquema geométrico à superfície a decorar exigiu o recurso a uma grelha diferente da utilizada para o tapete anterior. Assim, recorreu-se a uma grelha de quadrados de 30 cm de lado, calculados a partir do comprimento total do tapete: em consequência, o remate sul teve de sofrer um tratamento diferente do dado aos outros três lados do mosaico. O aspecto decorativo e a policromia têm um papel relevante na composição do tapete B: há uma forte preocupação de diversidade, espelhada no relativamente elevado número de motivos diferentes escolhidos para preencher os quadrados.11 O elemento decorativo dominante neste tapete é, sem dúvida, o encordoado, que assume o papel de moldura do espaço decorativo.

fig.5 tapete a. fotografia da autora..

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8. Salies IIa. 9. A Leste o mosaico apresenta-se totalmente destruído. 10. Salies VI. 11. Interessante o motivo das duas elipses sobrepostas que aparece pela primeira vez aqui: podendo, à primeira vista, ser interpretado como uma forma estilizada do nó de Salomão fuselado (Répertoire 25, Nr. 56), corresponde em princípio à forma de duas elipses cruzadas que decoram os círculos do mosaico J.


mosaicos geométricos de villa cardílio

12. Salies pág. 3-5. 13. Salies 3. 14. Salies Ia. 15. Pequenas diferenças de um ou dois centímetros nas dimensões de alguns quadrados são perfeitamente normais.

Trama de faixas cruzadas12 A forma mais simples da trama de faixas cruzadas é constituído, tal como o nome o diz, por bandas que se cruzam formando entre elas quadrados mais ou menos grandes, destinados a receber o motivo decorativo. Tratando-se de um tipo de ordenamento imitativo da decoração do tecto, o efeito de relevo ou profundidade depende em grande parte da execução estilística da composição. Ainda que, em princípio, as proporções entre as faixas e o lado dos quadrados devesse ser de um para dois13 , numerosos são os casos onde a adaptação do esquema à superfície a decorar exige a escolha de uma proporcionalidade diferente. Este sistema, como cobertura em superfície, pode ser colocado diagonal ou ortogonalmente. Em Villa Cardílio existem três pavimentos ordenados segundo este esquema geométrico. Tr a ma de faix a s cruz ada s 14 , coloc ado ortogonalmente

fig.6 tapete b. fotografia da autora.

(Fig.7) O esquema geométrico foi adaptado à superfície a decorar, tomando como base de construção a mesma grelha utilizada para o tapete B, ou seja, uma grelha de quadrados de 30 cm de lado. Assim, cada faixa corresponde à largura do lado de um quadrado e o comprimento a dois, enquanto que o lado dos quadrados formados pelo cruzamento das faixas corresponde a duas vezes a largura das mesmas: o esquema respeita pois a proporcionalidade definida como «norma» para este sistema de ordenamento do solo 15 . Apesar de se recorrer apenas às 4 cores basicas – branco, preto, vermelho e amarelo, na execução do esquema e a escolha dos motivos de preenchimento deu-se especial atenção aos contrastes de cores e ao efeito decorativo das diferentes figuras geométricas. (Fig.8) A grelha utilizada para o ordenamento deste pavimento foi a mesma do tapete anterior: uma grelha de quadrados de 30 cm de lado. Ainda que, e à semelhança do tapete C, se tenha recorrido basicamente apenas a duas figuras geométricas – losangos e quadrados – a utilização de um maior número de cores dá a este pavimento uma riqueza pictórica muito pronunciada, permitindo uma leitura matizada da composição. A cor branca desaparece quase totalmente como cor de fundo, sendo utilizada sobretudo para sublinhar as diferentes figuras geométricas. Ao contrário do tapete anterior, recorre-se a combinações de cores diferentes anternando entre si, o que permite introduzir um pronunciado sentido de movimento. Ao mesmo tempo o efeito de cassete, de profundidade da composição, dilui-se totalmente, apesar de – e ao contrário do que se verificara no tapete C – as molduras dos grandes quadrados, por uniformes, terem podido permitir esse mesmo efeito bi-dimensional. Por outro lado, no entrançado das molduras é introduzida a combinação de cores diferentes como elemento de reforço da policromia. Um outro aspecto estilístico muito importante neste pavimento é o da introdução sistemática do elemento vegetal na decoração das figuras geométricas, não apenas através do recurso a um maior número de motivos vegetais para a decoração dos quadrados, como também como elemento do diluir da forma geométrica das faixas: no centro dos pequenos losangos inscritos encontra-se não a repetição da figura geométrica (como no tapete C) mas um motivo vegetal.

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Em geral pode dizer-se que, à semelhança do que pudera constatar-se para o tapete C, houve uma preocupação clara em recorrer a um preenchimento diferenciado dos grandes quadrados, tentando acentuar a riqueza pictórica da composição. Tr a ma de faix a s cruz ada s 16

(Fig.9) O esquema só parcialmente foi aptado à superfície a decorar, recorrendo-se à mesma grelha utilizada para os tapetes A e D, ou seja, recorrendo a um quadriculado de 20 cm de lado; essa escolha provocou o corte da composição na parte sul e o necessário preenchimento de uma faixa entre este tapete e o tapete F, para o que se recorreu a um encordoado. No ordenamento polícromo e no contraste de cores este tapete situa-se na mesma linha dos mosaicos anteriores. Reconhece-se porém o desejo de introduzir uma composição mais linear relegando a estrutura geométrica para segundo plano. Para tal recorre-se ao axadrezado polícromo inscrito em diagonal no quadrado.

Sistemas de estrelas de losangos17 Correspondendo, na sua forma básica, a uma variante do sistema de trama de faixas cruzadas, este sistema decorativo permite a elaboração de composições mais complexas e diferenciadas. Em Villa Cardílio encontram-se três variantes deste esquema. Sistema de e strel a s de losangos 1 a : Mosaico G

(Fig.10) O estado de conservação do mosaico e o facto de se encontrar sobre placas de cimento separadas, sem superfície contínua, torna extremamente difícil tirar as medidas necessárias para o cálculo da grelha utilizada. No entanto, e partindo de figuras geométricas em bom estado de conservação18 pensamos poder considerar que para este mosaico foi utilizado o mesmo quadriculado dos tapetes A, D e E. Certo é que o mesmo não foi adaptado às dimensões da composição a realizar, pelo que na delimitação sul do mosaico teve de se recorrer a uma dupla cercadura. A composição é, no seu ordenamento, muito complexa: há uma mais forte policromia, combina motivos figurativos e geométricos, integrando o próprio esquema de ordenamento como elemento decorativo. É relativamente difícil analisar-se este mosaico quanto ao estilo de execução. O mosaico encontra-se muito destruído, nem sempre é possível identificar os preen­ chimentos de lacunas como antigos ou modernos. Pode no entanto constatar-se que se deu a maior importância ao contraste de cores, à policromia, a um efeito óptico que relegue para segundo plano o esquema geométrico e apresente cada figura como motivo individual e independente. A policromia vê-se reforçada pela utilização de entrançado combinando cores diferentes em todos os quadrados onde este motivo aparece, à excepção do quadrado da inscrição, onde o entrançado escolhido segue a forma clássica da trança de duas cores.

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16. Salies 1b. 17. Salies pág 5 - 7. 18. Como sejam sobretudo os losangos e os quadrados da delimitação do mosaico a Sul.


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fig.7 tapete c. fotografia da autora.

fig.8 tapete i. fotografia da autora.

19. Salies IIIa.

Sistema de e strel a s de losangos 19

20. A existência de uma «nota discordante» - o nó de Salomão a que nos referimos quando da apresentação do mosaico deverá, a nosso ver, dever-se a um conserto executado posteriormente. Na verdade, e face à alta qualidade do trabalho executado, não é de levar em conta a hipótese de um «erro» do mosaicista. Um outra hipótese seria a de se tratar da «assinatura» do mosaicista: na falta de possibilidade de controle desta hipótese preferimos não a levar em consideração.

(Fig.11) O esquema geométrico escolhido, de uma grande complexidade de construção, constitui em si próprio a decoração do pavimento. Apesar de não terem chegado até nós quaisquer estruturas que nos permitam determinar as dimensões originais da sala e do pavimento H, os acabamentos ainda existentes permitem afirmar que o esquema geométrico foi adaptado às dimensões da sala, permitindo um ordenamento simétrico da composição. Recorrendo apenas a duas cores para as faixas laterais – preto e branco - o mosaicista conseguiu uma composição fortemente decorativa e cheia de movimento. A cor de base é o branco, o preenchimento dos rectângulos e triângulos «externos» da composição sempre com o mesmo motivo (peltas para os triângulos, losangos para os rectângulos) e a mesma cor (preto) sublinha ainda mais os «motivos centrais» onde introduz motivos vegetais para, juntamente com motivos geométricos, decorar a superfície dos quadrados. As estrelas mantém-se sem decoração. A execução técnica do mosaico é da mais elevada qualidade. São utilizadas tesserae relativamente pequenas, o desenho dos motivos é feito com precisão, não há falhas na alternância dos motivos de preenchimento 20 nem dentro de cada ala em si, nem tomando as duas paralelamente.

21. Salies IVa. 22. Para M. E. Blake, Roman mosaics of the third century in Rome, Memoire of the American Academy in Rome, 17 (1940) pág. 122 seg., fot. 23,1) a cruz e os losangos que, à semelhança de raios de luz, parecem sair do ponto de cruzamento, poderiam ter tido um significado especial para os primeiros cristãos.

Sistema de e strel a s de losangos 21

(Fig.12) A composição do tapete central é bastante complexa e de um grande efeito decorativo, sendo a sua execução qualitativamente muito relevante. A nível dos motivos decorativos é interessante verificar a coexistência de motivos geométricos, vegetais e figurativos, todos eles executados com tesserae de dimensões bastante reduzidas para permitir um efeito pictórico acentuado. Por outro lado assiste-se à introdução do entrançado tanto na ornamentação central (preenchimento de octógonos) como nos rectângulos do remate interno da composição. Igualmente interessante o sublinhar da cruz de braços iguais 22 .

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fig.9 tapete e. fotografia da autora. fig.10 mosaico g. fotografia da autora.

fig.11 mosaico h, faixas laterais. fotografia da autora. fig.12 mosaico h, composição central. fotografia da autora.

Sistema de oc tógonos 23

(Fig.11) Sendo, à partida, um sistema de ordenamento do pavimento relativamente simples, recebeu no mosaico H um tratamento que, embora mantendo o carácter de composição puramente geométrica, introduz um certo movimento na decoração. Para isso, recorre à alternância dos motivos de preenchimento dos octógonos (quadrados a cheio, pretos, com um ponto branco no centro e círculos brancos, delineados apenas a preto, com um ponto preto no meio) na horizontal, mantendo porém o mesmo motivo na vertical. Executado com perfeição, recorre a uma colocação das tesserae em filas paralelas concêntricas, numa repetição da forma geométrica que preenchem. No que respeita ao mosaico H, é interessante verificar que um sistema relativamente pouco utilizado para a decoração de pavimentos em Portugal, como seja o sistema de octógonos, é utilizado na Casa dos Repuxos tanto numa versão meramente ­g eométrica ou fitomórfica (mosaico nº8 24) de enquadramento de composições, como chamando a si o papel de tapete central (mosaico nº10 25).

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23. Salies Ia 24. J. M. Bairrão Oleiro, Conimbriga. A Casa dos Repuxos, Corpus dos Mosaicos Romanos de Portugal I (1992), nº 8, fot. 36 25. Idem, nº 10, fot. 39


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26. É impossível, antes de ter informações fidedignas, sobre as estruturas eventualmente existentes a Norte desta sala, pressupor a existência de uma faixa de mosaico destinada às clinae a norte da composição. 27. Oleiro (1992), 109, Nr. 9; Oleiro (1992), 48, Nr. 1.6. 28. CME I, 38-39, Nr. 18, Tafel 40. 29. CME II, 34-35, Nr. 9, Tafel 28.

Datação e oficina de mosaicistas A análise dos sistemas de ordenamento dos pavimentos e da decoração dos mesmos leva-nos a agrupar os mosaicos de Villa Cardílio em dois grupos: o mosaico H e os mosaicos do peristilo – os mosaicos G, I e J

O mosaico H O conceito de decoração que está na base da escolha feita para o pavimento da sala 20, considera o pavimento como uma superfície não uniforme, onde é possível, através do recurso a diferentes esquemas e motivos decorativos, colocar a tónica numa ou mais zonas do pavimento, criando uma hierarquia de importância entre elas e sublinhando provavelmente a ou as funções que caberiam a cada uma dessas zonas. Ainda que não possamos afirmá-lo com total certeza, a disposição dos diferentes segmentos da composição apontam para a utilização da sala como triclinium, com a entrada (sistema decorativo mais simples, mas onde os quadrados a preto formam como que uma linha ininterrupta) conduzindo à composição central, o espaço reservado às clinae de ambos os lados da composição central 26 e, finalmente, o espaço central, mais ricamente decorado. Do ponto de vista estilístico, o mosaico situa-se no momento em que a policromia, os motivos vegetais e os motivos figurados se integram na trama geométrica: o fino traçado dos motivos, a riqueza da policromia, a exuberância dos motivos vegetais ligada à introdução de motivos figurados situam este pavimento na corrente artística que se fez sentir no Império na segunda metade do século II e primeira metade do século III. A proximidade estilística deste mosaico e dos mosaicos da Casa de Repuxos 27, integrados num ambiente estilistico muito semelhante e datados por Bairrão Oleiro em fins do séc. II, primeiro quartal do séc. III, permite – tomando esta datação como termo de referência – um primeiro posicionamento cronológico para o mosaico H. Por outro lado, e do ponto de vista estilístico, o mosaico de Villa Cardílio apresenta uma maior perfeição na execução, uma maior profusão de formas e motivos de enchimento, um recurso à utilização de tesserae de diferentes tamanhos para a execução de formas e matizes mais perfeitos. É precisamente esta riqueza de formas e cor, aliada a uma apurada técnica de colocação das tesserae que situam este mosaico num período anterior ao da colocação dos pavimentos da Casa dos Repuxos. Uma comparação com os mosaicos de Mérida 28 e Itálica 29 aponta para uma datação na segunda metade do século II, num momento em que se começam já a fazer sentir as tendências para o recurso à cor e à composição repetitiva como ordenamento do pavimento, mas onde a simplificação de formas e redução de motivos não fez ainda a sua entrada. No que respeita à identificação da oficina responsável pela execução do pavimento, tudo parece apontar para a oficina ou o meio musivário a que viria a pertencer mais tarde a oficina responsável por alguns dos mosaicos da «Casa dos Repuxos»:

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a utilização dos esquemas de ordenamento do pavimento aliada à utilização de determinados motivos agrupados numa sintaxe decorativa específica podem considerar-se traços específicos de uma mesma oficina. Esta presunção é tanto mais fundamentada quanto é uma realidade os mosaicos da Casa dos Repuxos não terem até agora paralelos em território hispânico, sendo considerados da autoria de uma oficina local 30 . Teríamos assim, com o mosaico H, um pavimento de mosaico executado pela oficina que, mais tarde, executaria pelo menos alguns pavimentos da Casa dos Repuxos, em Conímbriga. A falta de mais testemunhos do trabalho desta oficina 31 torna impossível reconstruir o trajecto da mesma, caso se tratasse de uma oficina itinerante. No entanto, é mais provável estarmos perante uma oficina local, que terá certamente existido na região à data de colocação dos mosaicos, sobretudo se levarmos em conta a importância de Conimbriga no período que precedeu as invasões da segunda metade do século III e que levou à construção das muralhas que iriam precisamente «atravessar» a «Casa dos Repuxos».

Os mosaicos do peristylium, e os mosaicos G, I e J Apesar das diferenças estilísticas verificadas sobretudo entre os dois tapetes I e J e os restantes pavimentos, todos eles apresentam características básicas comuns no que respeita ao conceito de decoração do pavimento: este é considerado como uma superfície contínua e uniforme, sem zonas hierárquicamente superiores e sobre as quais se deva colocar a tónica. O recurso a um único esquema geométrico para cada uma das composições permite, apesar do recurso a diferentes motivos de preenchimento das formas geométricas, dar à composição esse carácter de tapete tão característico dos pavimentos de Villa Cardílio, à excepção eventualmente do pavimento da sala 19, onde este aspecto é um pouco mais descurado em favor do programa iconográfico escolhido. Em linhas gerais, os pavimentos de Villa Cardílio caracterizam-se por uma compartimentação fluída, pela simplificação e pela esquematização, aliadas a uma forte policromia conseguida não pelo recurso a uma grande panóplia de cores, mas sim pela combinação das mesmas entre si e a um preenchimento total da superfície a decorar, sem espaços livres. O recurso a um reduzido número de esquemas de ordenamento da superfície, obedecendo na sua quase totalidade a duas grelhas prédefinidas, e a sintaxe escolhida na decoração das formas geométricas caracterizam igualmente estes pavimentos: os motivos escolhidos para o preenchimento de cada forma geométrica são relativamente poucos 32 , sobressaindo o nó de Salomão e as velas de moinho no preenchimento dos quadrados, as flores em cruz no preenchimento dos quadrados convexos (sendo estes dois últimos utilizados em diferentes posições na composição). Embora os motivos escolhidos sejam, na sua quase totalidade, motivos correntes no mundo romano 33 , a combinação dos mesmos com os esquemas escolhidos deu origem a composições para as quais não se encontraram até hoje paralelos: uma constatação que parece caracterizar alguns dos núcleos musivos em território

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30. J. M. Bairrão Oleiro, Mosaico romano, História da Arte em Portugal. Do paleolítico à arte visigótica, I, Lisboa (1986), pág. 118, referindo-se aos mosaicos da «Casa dos Repuxos», afirma: «Se os artífices locais nem sempre eram tecnicamente perfeitos, se por vezes interpretavam de forma pouco correcta os temas que lhes eram dados, a verdade é que criaram formas e soluções originais que não vemos noutros núcleos e que levam os especialistas a considerar os mosaicos de Conimbriga, embora revelando aqui e ali influências externas de diversa origem, como qualquer coisa de diferente, dificilmente comparável com outros grupos portugueses ou estrangeiros». 31. Em Villa Cardílio foram destruídos pavimentos «a preto e branco» que teriam eventualmente pertencido à mesma fase de construção que o mosaico H. Ver M. J. Duran Kremer (1999),pág. 1 – 13. 32. Ver «repertório» de motivos deste grupo de mosaicos: M. J. Duran Kremer (1999), Anexo 1, pág. 147 – 154. 33. Na verdade, podemos encontrar motivos do tipo nó de Salomão, tapetes de entrançado, etc. um pouco por toda a parte.


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34. Ver nota 30. 35. Como seja por exemplo a falta da linha denteada no tapete E ou a discrepância existente entre alguns quadrados do mesmo tapete. Ver Duran Kremer (1999), pág. 39 - 43.

português 34 . Certo é que a decoração do peristilium, da sala 19 (mosaico G) e dos corredores I e J obedeceu a um programa iconográfico e funcional previamente definido. No que respeita ao primeiro (peristilium) essa escolha fica bem patente não só na homogeneidade existente entre os vários pavimentos como também na constituição e distribuição de diferentes tapetes: um único para as alas sul e oeste, dois para as alas norte e leste. Se analisarmos a planta da Villa, verificamos que a distribuição dos tapetes se fez de acordo com o ênfase que se queria dar a cada um dos compartimentos à volta do peristylium: assim, o tapete A constituiria a entrada para o corredor que levaria à sala 4, aos corredores I e J – a uma outra secção da casa; o tapete B daria entrada à sala 6, o C à 15 e o D à 17. Esta distribuição leva a crer que se encontrariam aqui os aposentos mais representativos, destinados à vida social do proprietário: a riqueza de mosaicos – tapetes – seria um espelho da própria riqueza do proprietário. Os mosaicos E e F, por seu lado, conduziriam às termas a sudoeste do peristylium (mosaico F) e às escadas de acesso ao plano superior (mosaico E). Quanto ao mosaico G, vimos já que obedecia a um programa iconográfico perfeitamente claro e bem definido. Apesar de não sabermos qual a função concreta deste pavimento, a análise feita ao programa iconográfico do mesmo aliada ao facto de, em determinada fase, terem existido duas grandes portas naquela sala – uma de acesso, vindo do Oeste, onde se encontraria uma columnata, outra de acesso ao peristylium, mais estreita – permite considerar seriamente a hipótese de esta sala ter constituído a «porta de acesso oficial» à Villa, vindo do exterior: a ser assim, confirmar-se-ía ainda mais a importância dada à distribuição dos tapetes do peristylium. Esta análise implica, em si, a atribuição dos mosaicos do peristylium e tapete G a uma mesma oficina, atribuição essa confirmada pela análise estilística feita aos pavimentos: uma oficina que, trabalhando provavelmente em vários pavimentos em paralelo para executar a obra que lhe fora confiada, recorreria forçosamente a mosaicistas de diferente preparação técnica para a execução dos diferentes pavimentos, o que justificaria igualmente algumas das «irregularidades» constatadas na execução da composição 35 . No que respeita aos mosaicos dos corredores I e J, e apesar de o conceito de decoração e a sintaxe decorativa ser semelhante à dos mosaicos anteriores, não há dúvida que estamos perante uma execução estilisticamente diferente da dos mosaicos do peristylium e do tapete G. No entanto, a proximidade conceptual existente entre o mosaico do corredor I e o tapete C leva-nos a considerar a hipótese de estes dois mosaicos – e eventualmente outros, hoje perdidos – terem sido executados seja por um segundo grupo de mosaicistas da mesma oficina que teria trabalhado apenas naquela zona da Villa, seja a uma segunda oficina encarregada de executar o trabalho de acordo com o programa pré-fixado. Esta segunda hipótese será, a nosso ver, a mais provável. Assim, e se considerarmos que cada oficina deveria fornecer o material de que necessitava para a colocação do mosaico, se explicaria o recurso a uma palete diferente de cores da utilizada nos restantes pavimentos, a um ordenamento diferente das mesmas entre si (e sobretudo no que respeita ao

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papel atribuído à cor branca), assim como o recurso tanto a diferentes motivos de preenchimento quanto de moldura – elementos que testemunham de uma diferente abordagem da expressividade pictórica de uma mesma composição. Face à acuidade com que foi estabelecido o programa decorativo e iconográfico dos pavimentos, tudo leva a crer que este tratamento diferenciado foi levado em conta como método adicional de separação das diferentes zonas da uilla. Como foi já anteriormente focado, a falta de termos de comparação dificulta o ordenamento temporal dos mosaicos. No entanto, há alguns traços característicos que podem, por assim dizer, considerar-se canónicos e aplicáveis em geral: o recurso preferencial a motivos de preenchimento relativamente tardios 36 mas pouco numerosos, o horror vacui bem patente em todos os pavimentos, o recurso a uma policromia acentuada pelo jogo de formas mas não pela utilização de uma grande gama de cores, o carácter geométrico das composições apesar da presença de elementos vegetais, a utilização de tesserae relativamente grandes (1cm de lado), o delinear das figuras e o sublinhar dos pormenores das mesmas por uma linha de tesserae negras, o redondo da cara das duas figuras no mosaico G assim como a forma como são dadas as feições das mesmas, a frontalidade das figuras, enfim, todo o conceito de decoração dos pavimento colocam a data de execução numa época tardia, no momento em que se assiste um pouco por toda a parte na Hispania a um renovar da vida rural: a maior parte dos mosaicos de uillae chegados até nós datam desta época, um momento em que se assiste a um cimentar da empresa agrícola privada através da redução do absentismo do proprietário rural – os inúmeros exemplos existentes dispensam uma enumeração. Dois conjuntos de mosaicos há, porém, na Hispania, que podem permitir uma datação mais precisa dos mosaicos de Villa Cardílio: trata-se das uillae de Los Quintanares 37 e de Santervás del Burgo 38 . De uma grande proximidade conceptual e estilística, alguns pavimentos de ambos os núcleos sendo atribuídos a uma mesma oficina 39 , constituem o único conjunto de mosaicos hispânicos comparável com os mosaicos de Villa Cardílio 40: tanto do ponto de vista de conceito de decoração do pavimento como na sintaxe decorativa os três conjuntos de mosaicos exprimem um mesmo posicionamento 41. Por outro lado, o carácter «africano» dos mosaicos constatado em Los Quintanares 42 e Santervás del Burgo 43 encontra-se igualmente nos mosaicos de Villa Cardílio – um fenómeno perfeitamente aceitável face às relações comerciais e culturais priveligiadas entre a Hispania e a Africa Romana. Datados de fins do século III até fins do século IV, os mosaicos de ambas as uillae confirmam pela sua proximidade compositiva e estilísttica a datação elaborada para Villa Cardílio. No entanto, uma comparação entre a figura do vento do mosaico de Santervás del Burgo 44 , datado de fins do século IV, com os bustos do mosaico G mostram uma maior perícia na execução destes últimos, pese muito embora à falta de qualidade da mesma: não estamos aqui perante esse fenómeno de desagregação que caracteriza todas as regiões periféricas do mundo romano e que atinge também a Península Ibérica, e que consiste num diluir e misturar de elementos iconográficos recebidos de outras regiões com formas locais, acabando por quase se perder a

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36. Por exemplo, o tipo de losango que surge em Africa em fins do século III e se torna popular sobretudo no século IV; o recurso ao encordoado para o preenchimento total dos quadrados; o recurso a uma linha denteada para sublinhar as formas geométricas, etc. 37. CME VI, 13 – 37, estampa 1 – 12. 38. CME VI, 38 – 50, estampa 13 – 22. 39. CME VI, 45. 40. Ver a análise do sistema circular I a e II a. 41. Esta pertença a um mesmo ambiente musivário foi já assinalada por Fernandez Galiano (1980) 135–136. Segundo ele, pertenceriam a esta oficina os mosaicos de La Olmeda (pedrosa de la Vega, Palencia), Dueñas (Palencia), Quintana del Marco (León), Las Tiendas (Esparragalejo, Badajoz), Solana de los Barros (Badajoz), Mérida (Badajoz), Torres Novas (Portugal), Baños de Valdearados (Burgos) e Arróniz (Navarra). Esta classificação deve porém ser tomada com uma certa reserva. Referindo-se a Torres Novas, o autor cita a representação de cavalos juntamente com os respectivos nomes (PELOPS e INACUS), continuando com a análise de temas mitológicos; segundo ele, encontrar-se-ía em Torres Novas uma thiasos báquica assim como representações das Estações. 42. CME VI, 25. 43. CME VI, 45. 44. CME VI, Nr. 46, Tafel 21.


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45. Entre os mosaicos a que tive acesso encontram-se apenas os mosaicos dos peixes de Milreu e o mosaico com a alegoria das estações do ano de Pisões. 46. Esta característica estilística encontra-se também em mosaicos da villa de Santervás del Burgo (CME VI, Nr.43, Tafel 19; Nr. 46, Tafel 21) ainda que, na sua execução – e pelo que se pode aferir das fotografias à nossa disposição – testemunhe de uma maior imperfeição, mesmo de um certo “diluir”do entrançado. 47. Oleiro (1992), 121, data o conjunto de mosaicos de Pisões dos séculos II e III, sem porém proceder à análise dos mesmos. 48. Vargas Costa, 121. 49. Por exemplo, a utilização da linha denteada para sublinhar o quadrado colocado sobre o vértice formado pelo espaço entre círculos tangentes, à semelhança do que encontramos no mosaico J de Villa Cardílio, a utilização de pequenas flores para decorar motivos de preenchimento geométrico (mosaico J) ou lineares (cruz suástica de Pisões), o recurso ao negro para, num dos medalhões, delinear o corpo e as penas das aves, a forma oval e o linearismo utilizado na expressão dos traços fisiognómicos do busto masculino de Villa Cardílio e da cara de Medusa em Pisões.

forma original, e que tão claramente se expressa no busto de Santervás del Burgo. Se bem que os mosaicos figurados de Villa Cardílio padeçam de uma certa imperícia, o mesmo não acontece com os mosaicos geométricos, executados no respeito dos esquemas e motivos «clássicos», e que testemunham estar-se perante mosaicistas que dominavam perfeitamente a técnica de execução de mosaicos geométricos mas não estavam à vontade na execução de figuras humanas ou animais. Essa imperícia é tanto mais compreensível quando, ao analisarmos os conjuntos de mosaicos desta época em território hoje português, verificamos que na sua quase totalidade se trata de mosaicos geométricos, sendo o número de mosaicos figurados extremamente reduzido 45 . Por outro lado, o forte colorido da composição não assume ainda o carácter «barroco» dos mosaicos da finais do século IV. Nos mosaicos analisados encontramos um elemento estilístico existente tanto no mosaico I quanto no mosaico G – cordoado como moldura, que combina várias cores – e que está presente noutros mosaicos em território português 46: é o caso do pavimento da sala 9 de Pisões, datado do século III 47, princípios do século IV48 . Na sintaxe decorativa utilizada, o mosaico desta sala apresenta já vários elementos que iremos encontrar noutros pavimentos de Cardílio 49 , colocando-o num ambiente musivo muito próximo de Cardílio. Por outro lado, o facto de ser precisamente neste mosaico que vamos encontrar a única representação alegórica das estações do ano de toda a Hispânia até hoje conhecida, e na qual as aves assumem um papel fundamental, cimenta ainda mais esta proximidade. A partir da datação feita para este pavimento, e levando em conta as características estilísticas dos mosaicos do peristylium, da sala G e dos corredores I e J de Villa Cardílio, estes são de situar em meados do século IV, num momento onde coexistem diferentes interpretações do ordenamento do espaço que permitem a colocação, lado a lado, de duas composições como sejam as dos tapetes Paneel C e D, ou dos corredores I e J. No que respeita à identificação das oficinas responsáveis pela colocação dos pavimentos, nada mais se pode constatar a não ser o facto de estarmos certamente perante oficinas muito provavelmente não locais mas regionais: aliás não seria de justificar a existência de uma oficina local junto à uilla, tanto mais que a proximidade de Selium e de Scalabis assegurariam certamente os trabalhos musivos necessários às uillae da região. Oficinas que, a partir dos esquemas e motivos «clássicos» existentes nos müsterbücher de que certamente disporiam, seguiriam na execução dos pavimentos as correntes estilísticas em vigor na região em que se inseriam: a falta de termos de comparação em pavimentos existentes faz com que, neste momento, os pavimentos de Villa Cardílio assumam uma posição única no panorama musivário hispânico.

Conclusões A análise dos pavimentos geométricos de Villa Cardílio permitiu identificar algumas características importantes dos mosaicos em Portugal. Assim, como primeira conclusão básica, o facto de pelo menos a partir de fins do século II da nossa era existirem

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sobretudo no interior e no Norte do território correspondente ao actual Portugal oficinas musivárias com um estilo próprio, provinciano – no sentido de reflectir as tendências e evoluções locais desenvolvidas a partir de temas «universais». Apesar de a maior parte do território pertencer à província romana da Lusitânia 50 , assiste-se a um isolamento face às tendências artísticas presentes não só na capital de província – Mérida – como também nas restantes províncias romanas. Deve-se muito provavelmente a este fenómeno o surgir de mosaicos de uma mesma temática cujo tratamento não tem qualquer paralelo em todo o império romano: é o caso dos mosaicos de peixes de Milreu e dos mosaicos pertencentes à mesma oficina ou a oficinas muito próximas desta e que se encontram quase exclusivamente na província romana da Calaecia51. Uma das justificações para este fenómeno reside sem dúvida nas características geográficas do território em questão e que determinaram desde o primeiro momento o grau de romanização e o tipo de povoamento do território: dividido em duas zonas claramente definidas pelo Tejo, compreende uma zona montanhosa a Norte do mesmo (19,7% do território tem uma altitude superior a 700 m) e uma zona de planícies a Sul (0,2% do território com uma altitude superior a 700 m). Por outro lado, o ordenamento NO-SW do relevo, juntamente com os rios Douro, Tejo e Guadiana, constituiam fronteiras naturais que tornavam pouco acessível os contactos com os restantes territórios hispanicos. Um outro factor determinante está ligado ao tipo de exploração económica e de povoamento do território em questão. A região a sul do Tejo, fracamente povoada, com reduzida precipitação anual e uma bacia hidrográfica pequena, estava predestinada para a criação de latifundios agrícolas: a maior parte das uillae até hoje encontradas em Portugal estão localizadas no Alentejo, sendo a sua maior concentração junto a Pax Julia e Ebora. A Norte do Tejo, o território apresentava duas vastas planícies muito férteis – Estremadura (onde se situa Torres Novas e Villa Cardílio) e Beira Litoral (onde se situa Conímbriga) – limitadas a Leste – ost por uma zona montanhosa. Enquanto que a zona de planície foi rapidamente conquistada e povoada pelos romanos, o interior (actual Beira Baixa e Beira Alta) foi cenário de prolongadas lutas entre romanos e lusitanos. O vasto planalto interior da Beira Alta, acessível por via fluvial (Mondego e Vouga) e bastante fértil, transformou-se no quartel-general do exército romano estacionado na região (cava do Viriato, hoje Viseu). Depois de terminada a conquista, o território foi rapidamente povoado, nunca tendo porém chegado a ser verdadeiramente romanizado (cidades: Viseu e Bobadela). O território a Norte do Douro, muito menos acessível, dificilmente foi romanizado: a última contagem mostra terem existido mais de 800 castros a Norte do Douro. A conquista definitiva do Norte da Península só se conseguiu com Augusto, 200 anos depois da entrada dos romanos na Península Ibérica. Do ponto de vista económico, foi precisamente a zona mais agreste do território a que se revestiu de maior interesse para Roma, devido às riquezas mineiras ali existentes, sobretudo em veios de ouro. Na verdade a exploração do ouro na parte ocidental da Península Ibérica concentrou-se sobretudo na região de Trás-os-Montes (sobretudo Jales e Tres Minas), na Callaecia e nas Astúrias. Ainda que a exploração mineiro fosse anterior à ocupação romana, a verdade é que foi nos séculos I e II

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50. Até à reforma de Diocleciano, os territórios a norte do rio Douro pertenciam à Tarraconensis, passando nessa altura a ser parte integrante da Callaecia. 51. M. J. Duran Kremer, Contribuição para o estudo de alguns mosaicos romanos da Gallaecia e da Lusitania, Actas do V Congreso Internacional de estudios Galegos, Trier (1997), Vol. I, pág. 509 - 519


mosaicos geométricos de villa cardílio

que ela se desenvolveu mais tendo em seguida declinado, talvez por se terem esgotado os filões de ouro no território do actual Portugal; as minas das Astúrias e da Callaecia, por mais ricas, mantiveram-se em actividade durante um período mais longo. A exploração mineira era cedida a concessionários, sendo as minas policiadas pelo exército, que assegurava o pagamento das taxas, impedia o roubo do ouro e procedia a obras de engenharia mais complicadas (tropas da Legião VII Gemina e da Coorte I Gallica). Para além do ouro foram ainda explorados a prata (Vipasca), o chumbo (Braga, Sever do Vouga), estanho (Zêzere, Belmonte), ferro (Montemoro-Novo, Arnal), mármores (Estremoz, Vila Viçosa, Borba, Vimioso) e o cobre, cujas minas em S. Domingos (Aljustrel) eram as mais importantes de toda a Lusitania. Este tipo de exploração económica não era de feição a fomentar um povoamento semelhante ao que conhecemos das zonas mais férteis da Hispania, mesmo no p­ eríodo mais áureo da exploração mineira: as uillae que nos chegaram até hoje mostram-nos tratar-se de estabelecimentos agrícolas com uma vida activa que vai, na maior parte dos casos, desde o século I da nossa era até ao desaparecimento das mesmas. O declíneo da exploração mineira terá provavelmente implicado, pelo menos numa primeira fase, um deslocar dos interesses dos comerciantes para outras zonas da Hispania – o que implicaria pelo menos temporariamente um pequeno corte nas relações intensivas com o exterior; o corte no poder de compra dos proprietários terá igualmente implicado um recorrer reforçado à mão-de-obra local, que se veria assim chamada a encontrar soluções próprias para as obras a realizar. Uma excepção a este fenómeno é constituída pelas uillae da costa algarvia, cuja proximidade da costa mediterranica e o comércio intenso adveniente da indústria do peixe as colocava numa posição de excepção no que respeita aos contactos com Roma: a prová-lo, os mosaicos destas uillae. No entanto, só uma análise sistemática de todos os mosaicos até hoje existentes poderá confirmar na globalidade ou matizar esta afirmação. Nesta óptica, a análise dos mosaicos de Villa Cardílio dá-nos algumas informações sociologicamente importantes sobre a sociedade local da época. O proprietário de Villa Cardílio (o próprio Cardílio?), ao escolher o programa iconográfico e a distribuição dos temas dos mosaicos, seguiu uma preocupação de clareza, de identificação espaço-função, de representatividade. Mais: com o programa da sala G, inseriu nas suas preocupações uma mensagem de renovação eterna compreensível para os seus contemporâneos e descendentes. Tudo indica estarmos perante um homem culto, conhecedor da mitologia e do simbolismo de temas e motivos, perfeitamente inserido naquilo que consideramos ser uma tendência específica da musivária desta zona do império romano: a de traduzir temas e motivos numa linguagem própria, regional. Daí termos em território do actual Portugal, com a Villa Cardílio e com a Villa de Pisões, os dois únicos exemplos de representação alegórica não c­ anónica das estações do ano no seu simbolismo mais puro – o da expressão da eterna renovação do ciclo da vida e da morte – existentes na Hispania.

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Abstract The excavations of the Dericik Early Christian Basilicas revealed the importance of the surrounding area of Bursa for understanding Early Christianity between the Late Roman and Early Byzantine periods. In the salvage excavations of 2001, the basic plan of the basilica (nave, narthex, presbyterium and apse) was revealed. The most important artefacts uncovered in that year were the mosaic pavements with geometric and plant ornaments and a grave located in the North Eastern corner of the church. The mosaic of the basilica was laid with the opus tessellatum technique on a thick mortar foundation with white, red, yellow, olive green and dark blue tesserae. A refrigerium scene is represented in the middle of the narthex mosaic. The mosaic in the centre of the nave is divided into parts, one of which with figures of birds inside octagons. In the transitional area between the nave and apse, three heavily damaged inscriptions have been conserved each of three or four lines, one of them indicating the wish of Epituchanos, diakôn, a church member.

key-words bursa archaelogical excavations early christianity early christian basilicas mosaic pavements

Resumo As escavações das basílicas paleocristãs de Dericik revelaram a importância da região circundante de Bursa para a compreensão da Cristandade primitiva, entre o final do domínio romano e o início do período bizantino. Durante as escavações de salvaguarda, em 2001, foi descoberta a planta da basílica (nave, nartex, presbyterium e abside). Os artefactos mais importantes que foram, nesse ano, resgatados foram os pavimentos em mosaico com ornamentação geométrica e vegetalista, e um túmulo, que se encontrava localizado no canto nordeste da igreja. O mosaico da basílica foi colocado, mediante a técnica do opus tessellatum, num terreno denso com tesserae de cor branca, vermelha, amarela, verde azeitona e azul escura. Uma cena de refrigerium encontra-se representada no centro do nartex. O mosaico central da nave está dividido em diversas áreas, uma delas com representações de aves dentro de octógonos. Na zona de transição entre a nave e a abside, mantêm-se conservadas apenas três ou quatro linhas de inscrições, que foram severamente danificadas. Uma dessas inscrições exprime o desejo de Epituchanos, diakôn, um membro desta igreja.

palavras-chave bursa escavações arqueológicas paleocristianismo basílicas paleocristãs pavimentos em mosaico


architecture and mosaics in recently discovered

palaeochristian basilicas mu sta fa

Ş a hi n

Uludağ Üniversitesi, Fen-Edebiyat Fakültesi, Arkeoloji Bölümü, Bursa – Turkey

r e c e p o k çu Uludağ Üniversitesi, Fen-Edebiyat Fakültesi, Arkeoloji Bölümü, Bursa – Turkey

1. R. Janin, Les églises et les monastères des Grands Centres Byzantins (Paris 1975).

In this paper, the importance of Bursa and its surrounding area for understanding Early Christianity between the Late Roman and Early Byzantine periods, which we have very little knowledge about, is going to be explained. To indicate this potential, the Basilica in Derecik which was found by coincidence in the early 2000’s and where we started an excavation and a restoration programme in cooperation with Lausanne University in Switzerland in 2007, is going to be substantially discussed. Uluda ğ , starting from the 4th century AD, became one of the most important inhabited areas in the Late Antique Period. The reason for this is the immigration of some Christian communities to Uluda ğ Mountain (Olympos) after Christianity became the official religion of the Roman Empire. The immigrants chose to live a hermitic way of life. According to written sources, in this period many monasteries were erected in different parts of Uluda ğ 1. It is possible to mention Atroa, Kokkinobaphos, Kenalachos, Sakkudion and Symboleon as the most important ones. Although it is estimated that the number of these monasteries is up to 50, their locations are unknown due to the lack of detailed research. Because of this abundance of monasteries, Uluda ğ was called ‘oros tôn kalogerôn’ which means ‘Monk Mountain’. This name had been changed to Uludağ in 1925 which means ‘Olympos’ in Greek as well. Thus the name of the mountain has always had a religious meaning; therefore it is possible to say that this mountain had been blessed by all religions.

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fig.1

The monasteries of Uluda ğ , similar to the ones in other regions, acted together for specific purposes and were administered jointly’. Although the monasteries were generally organized as federations, it is known that the Uluda ğ monasteries were organized under the chairmanship of a ‘prôtos’ and archimandrite. This type of organization did not change after the Ottoman occupation but they became abandoned over time although some of them still survived as churches. These churches emptied totally after the population exchange between Turkey and Greece in 1924 and, after that year, they were abandoned to their fate. The Basilica in Derecik is located inside an oak forest in one of the settlements in Uluda ğ called Büyükorhan district (Fig.1). In March 2001, security forces went to that area with a suspicion of illegal excavation and found the Basilica by chance. The first excavation and research were done by the archaeologists Recep Okçu and Konca Hançer from the Archaeological Museum of Bursa. After the rescue excavation, which continued for approximately two months, a large part of the basilica with its mosaic floor was revealed. Later it was abandoned to its fate due to the lack of funding. The first publication about the Derecik Basilica was published five years later in the proceedings of the ‘3rd International Mosaic Symposium of Turkey’2 . The 3rd International Mosaic Symposium of Turkey also played an important role in the beginning of archaeological excavations and research around the Derecik Basilica: during an excursion to the site as part of the activities of the congress, Sophie Delbarre-Bärtschi and Claude-Alain Paratte from Switzerland had the opportunity of a close observation of the basilica and offered to complete the excava­ tion and restoration with a cooperative project. After that, the excavations started again in 2007 under a protocol signed by all parties. The parties are the Institute of

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2. R. Okçu, “Derecik Bazilikası Kurtarma Kazısı”, The Proceeding of III. International Symposium of the Mosaic of Turkey, 8-10.


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fig.2 photograph by the authors.

fig.4 photograph by the authors.

Archaeology and Sciences of Antiquity (IASA) of Lausanne University, the Association suisse pour l’étude des revêtements antiques (ASERA) and Uluda ğ University. So it is possible to divide the excavations of the Derecik Basilica in two phases. The first phase comprised the rescue excavations led by the Archaeological Museum of Bursa. The second phase consisted of the excavations once again led by the same museum and with the scientific consultancy of Prof. Dr. Michel Fuchs, IASA, University of Lausanne, Dr. Sophie Delbarre-Bärtschi, and University of Neuchâtel, MA Claude-Alain Paratte, Archéologie cantonale, Etat de Vaud, Lausanne, and Prof. Dr. Mustafa Şahin.

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fig.5 photograph by the authors.

fig.6 photograph by the authors.

In the rescue excavations of 2001, the basic plan of the basilica was revealed. The most important artefacts uncovered in that year were the mosaic pavements with geometric and plant ornaments and the grave located in North Eastern corner of the church. Four construction phases were discovered as a result of a probe carried out in consultation with Michel Fuchs in 2007-2008. The detailed information about it is being prepared for publication by M. Fuchs and his team 3 ; therefore we are just going to describe the rescue excavations in 20 01. The rescue excavations were started with a probe in June 2001. The extent of the

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3. Michel E. Fuchs, Sophie Delbarre-Bärtschi, Fouilles suisses à Derecik, Büyükorhan, province de Bursa (Turquie). Rapport préliminaire 20072008. Antike Kunst 52, 2009 (forthcoming). June 2006 – Bursa (Bursa 2007), 37–44 and 169–175.


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fig.9 photograph by the authors.

fig.10 photograph by the authors.

excavated area was then increased. The floor was covered by a mosaic pavement which was found by the probe. The excavations took place between 30.7.2001 and 20.8.2001. The structure was located just under the agricultural layer at a depth of 50-120 cm (Fig.2). After it was cleaned, it became apparent that the structure measured 12.5 x 20.75 meters. During the excavations, a church located in an eastwest direction with nave, narthex, presbyterium and apse was revealed. The narthex has dimensions of 2.75 x 10.75 m and is 30 cm below the nave as a result of the slope of the terrain. The nave had dimensions of 10.30 x 10.75 m and was divided

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fig.11 photograph by the authors.

fig.12 photograph by the authors.

by two rows of columns. This was the observation of R. Okรงu, the archaeologist of the rescue excavations. The excavations by M. Fuchs and his team show us that the columns did not exist in the first phase: the structure consisted of only one nave and in a second period was enlarged with the two rows of pillars or columns. During the rescue excavations, a different pavement has been discovered in the north east corner of the nave. A probe has been done in this part to find the reason for this difference. At a depth of 25 cm, marble plates have been found. After the removal of those marble plates, it has been found that there was a grave cut into a granite rock (Fig.4). The grave has dimensions of 1.86 x 0.65 m, its floor covered by four rows of tiles with dimensions of 43 x 43 cm. The interior of the grave was covered with a thin layer of plaster which in some places had fallen down. A scattered skeleton with dissolved rib bones was found lying there in an east-west direction. Anthropological research showed that the skeleton belonged to a woman aged 40-45 years. In the western edge of the grave measuring 30 cm in width and 3 cm in height, located under the head of the skeleton. The only find was an iron belt buckle. Detailed researches on this skeleton will give us important clues about the first phase of the basilica and also the whole complex. The area of the grave was covered with a roof after the rescue excavation. The floors of the narthex, nave and apse of the basilica were entirely covered by mosaics (Fig.5). The pavement was damaged in patches by tree roots and agricultural activities. It is ornamented with plant and geometric motives with rich polychrome frames. Together with those motives the figures of peacocks (Fig.6), partridges and pigeons can also be seen. The mosaic of the basilica was laid in the opus tessellatum technique on a thick mortar foundation with white, red, yellow, olive green and dark blue tesserae. In the middle of the narthex mosaic is represented a refrigerium scene which has a mainly

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fig.13 photograph by the authors.

fig.14 photograph by the authors.

destroyed upper part and only a kantharos and two peacocks’ tails were preserved in the lower part (Fig.9). Only geometric ornaments take part in the panel. The panel on the North side of the scene has only geometric ornaments, and the panel on the South is notable for its star motives containing stylized figures of birds (Fig.10). The mosaic in the centre of the nave is divided into two parts. In the first part there are figures of birds which are each drawn differently inside octagons with cross shaped transition components (Fig.5). Between them, guilloche and floral ornaments can be seen. In the other part, there is a three dimensional star motive in the centre with four circles around and surrounded by circles, squares and lozenge patterns. Every circle is ornamented differently: star, wheel of fortune, Solomon’s knot, etc. In the area of the transition between the nave and apse, three heavily damaged inscriptions have been conserved each of three or four lines. The first epigraph indicates the wish of Epituchanos, diakôn, a church member; the other inscriptions have not been translated yet (Fig.11 e 12). Along the south wall of the nave, there is a band consisting of ivy with heart shaped leaves (Fig.13). In western section of the northern side, there is a composition’ instead of ‘setting starting with a peacock figure inside a rich interlacing. South of this composition, there are three medallions next to each other. The central one stands out with a kantharos figure and the other ones have stylized pigeon figures. In the northern side of the nave, there are two different significant compositions continuing through to the east (Fig.14). While a very rich interlaced composition lies next to the wall, adjacent to it is a composition filled with different geometric motives which consists of hexagons and octagons related to each other. In the presbyterium part, a panel represents heart shaped ivy leaves and two plait lines. Between these two plait lines, squares and circles are differently ornamented (Fig.15 e 16). In the presbyterium part there is a panel with a border of heart-shaped

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fig.15 photograph by the authors.

fig.16 photograph by the authors.

leaves and an inner border of two-strand guilloche. The panel is ornamented with a variety of circles and concave-sided squares. Two different types of work stand out in the mosaics. We would like to suggest that this is because the different types of work belong to different phases. The first mosaic floor which was most probably crafted in the late 4th century AD was renewed in the late 5th century for an unknown reason. Explanation of the time difference between this two mosaic floors in a clear way will reveal the acceptable chronology of basilica. Marks on the wall indicate that there was fresco painting on the plaster. This is also indicated by numerous pieces of wall plaster found in the excavations (Fig.18). Furthermore, because pieces of tile were discovered within the remains, it demonstrates that the structure was covered with roof tiles (Fig.19). The Basilica in Derecik is best preserved and earliest known example in the Bursa region and also in Northern Anatolia. This basilica shows Early Byzantine Age characteristics with its mosaic pavements and countless Byzantine ceramics. Also the cross motives used in floor and refrigerium scene in the narthex support a date in the same era. It is known, however, that this scene was quite popular during the 4th and 5th centuries. The best comparison for this subject is the hypogeum frescos of Nikea dated to the 4th century4 . Two antique altars were used as backfill material (Fig.20). They were found during the rescue excavations in 2001 and show us that the basilica was not built here by coincidence. Each monument has an epigraph. On the marble altar used as a building material in the northern corner of the apse, we can read four lines. The translation of this epigraph is: “Zeus Anabatenos erected this monument for Zeus Kersoullos’’. According to this, we can say that Zeus was worshipped here under two different epithets. The second altar was found during the probe made inside the basilica. Zeus Anabatenos is also mentioned upon it. Based on these two artefacts it is possible to

4. B. Yalman, Nikaia - Iznik (Bursa 2000), 121-124.

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fig.18 photograph by the authors.

fig.20 photograph by the authors.

fig.19 photograph by the authors.

suggest that the Zeus cult was common in or around this region. But nothing was found to support this suggestion during the excavations of 2007; in 2008, robbedout walls under and in another direction as the basilica strongly indicate an ancient building. It does not seem possible that these altars have been brought here from a distant place for use in the base of the building because of their weight. It will certainly not be a surprise for us if we encounter a sacred area for Zeus around this site. This situation as we mentioned before will be the greatest evidence that this mountain was respected by all religions from polytheist to monotheist religions. Among the many churches whose existence is presumed, the Derecik Basilica is the first example which has been researched archaeologically. Therefore it is a great opportunity to bring the richness of the region’s religious buildings erected in the Late Roman and Early Byzantine Age – its value as ‘Olympos’ – to the scientific world. The basilica indicates that Uluda ğ had a very important function in the enlightenment of the Late Roman and Early Byzantine Age dated to the 4th-5th centuries. The research which is going to be carried out in this region with play an important part in understanding this very little known era.

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Riassunto La fascia superiore dell’arco trionfale di S. Apollinare in Classe è stata accuratamente ispezionata durante l’ultimo intervento di restauro. Questa area musiva, col Cristo benedicente affiancato dai simboli degli Evangelisti, ritenuta omogenea e ascritta da tutti gli studiosi a un momento posteriore al VI secolo, è stata in buona parte ricondotta al periodo giustinianeo. I simboli degli Evangelisti e le nuvole limitrofe sono stati ricondotti ai mosaicisti bizantini attivi nella chiesa di San Vitale; mentre a una lavorazione successiva, determinata dalla necessità di reintegrare parti crollate, si deve attribuire il clipeo del Cristo e le nuvole circostanti. Il confronto fra le differenti morfologie delle nubi, le diverse tecniche esecutive e l’utilizzo di nuovi materiali, costituisce l’aspetto più visibile. Il restauro ha permesso di discriminare con certezza l’eterogeneità delle partiture e la convivenza di due interventi stilisticamente e cronologicamente differenti. Molteplici elementi mostrano come da un’esecuzione accurata si passi a una realizzazione sommaria; come dal rigore formale e materico iniziale, che comporta la selezione dei materiali più pregiati e delle tonalità cromatiche più funzionali, si passi ad una povertà materica e a una limitata gamma cromatica organizzate con semplificazione formale.

parole chiave s. apollinare in classe restauro mosaico bizantino nuove attribuzioni materiali musivi tecniche costruttive

Abstract The late restoration of the mosaics of the higher area of the triumphal arch of S. Apollinare in Classe, which represents Christ blessing and the Evangelists’ symbols, has allowed us to investigate carefully the mosaics and the mortars situated below, and to distinguish clearly the numerous restorations of the past. Although previous studies have considered this area homogeneous and executed in the 7th century, or in the 9th century, we proved that, in fact, there are two different mosaics characterized by diverse materials and styles. Related to the first decoration of the 6th century, contemporary to the mosaics of the apse, was another partial decoration, due probably to the decay or to the collapse of the original mosaic. From the solemn symbols of the Evangelists, built according to the Byzantine style, like the church of S. Vitale, we pass to the Christ’s medallion and to the first surrounding clouds, conceived in a very different way: different materials and different way to insert the tesserae in the mortar. Whereas the most ancient mosaics were detached and put over new cement, the Christ’s medallion and the closer clouds are still on the original painted mortar. The observation of this portion of mosaics, very different from the 6th century’s mosaics, has contributed to the presumption that the whole group, including the Evangelists and the clouds, were of a posterior period.

key-words restoration byzantine mosaics new attributions materials used in mosaic constructive techniques


mosaici parietali d’epoca giustinianea a ravenna nuove scoperte cett y m u sco l i n o Soprintendenza per i Beni Architettonici e Paesaggistici per le province di Ravenna, Ferrara, Forlì-Cesena, Rimini

I mosaici parietali dei monumenti ravennati edificati a partire dal V secolo sono il risultato di vicende storiche e conservative che spesso ne hanno modificato la struttura, il linguaggio e talvolta l’iconografia. Famose sono le epurazioni agnelliane (556-569) nel ciclo musivo di Sant’Apollinare Nuovo sollecitate dalla volontà di eliminare le inopportune testimonianze dell’eresia ariana, oppure i molteplici cambiamenti determinati dai restauri ottocenteschi che hanno consolidato in mosaico le interpretazioni iconografiche errate che completavano pittoricamente le parti originali perdute. Fra gli esempi più noti possiamo citare quello della pecora posta all’estrema sinistra nella lunetta del Buon Pastore nel Mausoleo di Galla Placidia che originariamente figurava sdraiata e che, riproposta in pittura erroneamente in posizione eretta, venne così tradotta in mosaico dal disinvolto restauratore romano Felice Kibel, nella seconda metà dell’Ottocento. O ancora il caso del Cristo sulla parete sud di Sant’Apollinare Nuovo che assiso, in origine, reggeva il libro con le parole: EGO SUM REX GLORIAE. Nel parziale rifacimento pittorico del mosaico, distrutto per l’installazione dell’organo, il libro venne sostituito, sulla scorta delle poche tracce superstiti, con uno scettro, errore iconografico trasposto successivamente in mosaico, sempre dal Kibel.

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Quando si ha l’opportunità di poter ispezionare le tessiture musive diviene quindi prioritario leggere con estrema attenzione il testo musivo per riuscire a decodificare la miriade degli interventi susseguitisi nel trascorrere dei secoli, spesso registrati in maniera contraddittoria e sommaria, o talvolta non documentati affatto, e per approfondire ulteriormente le conoscenze delle tecniche esecutive, ambito ancora da scandagliare con estrema attenzione. Pioniere di quest’esigenza analitica è stato Corrado Ricci con la titanica opera delle Tavole Storiche 1 dei mosaici parietali di Ravenna, realizzate insieme al mosaicista Giuseppe Zampiga e al professor Alessandro Azzaroni, che registra lo stato delle superfici musive ai primi decenni del Novecento. Le cause del degrado dei mosaici sono molteplici, come acutamente sottolinea l’archeologo Giuseppe Gerola che sempre operò in stretto legame con Corrado Ricci: “Ai vandalismi dell’uomo si aggiunse naturalmente l’opera deleteria del tempo: i terremoti ed i non rari cedimenti e le lesioni degli edifici stessi compromisero seriamente la statica di molti fra i mosaici cittadini; l’umidità di risalita dal suolo, o quella penetrata colle piogge attraverso i tetti ormai fracidi finì col marcire gli intonaci; così come l’eccessiva siccità permise agli impasti di sgretolarsi; e la ruggine sviluppatasi d’attorno ai chiodi conficcati in quelle malte provocò sensibilissimi rigonfiamenti della parte mosaicata: di modo che non fu meraviglia se dai tempi più antichi sino a noi buona parte delle incrostazioni musive di Ravenna presentarono allarmanti segni di rovina o miseramente furono viste precipitare” (Gerola 1917, 107). La storia quindi dei rimaneggiamenti comincia da molto lontano e non è semplice discriminare le parti originarie da quelle successive. Considerando la gran complessità della situazione, Gerola conclude: “(…) se qualche studio venne finora intrapreso per assodare le varie epoche dei mosaici ravennati più tardi, la ricerca si limitò quasi soltanto alle masse generali più grandi, senza entrare in troppo particolari di dettaglio. Nessuno poi degli studiosi che si accinse a quell’esame, credette di dovere sviscerare l’argomento, studiandolo in tutti i suoi lati e impiegandovi tutti quei sussidi che la critica suggerisce: bensì chi fece fidanza sui soli dati storici, chi si appoggiò sui criteri archeologici, chi giudicò in base al puro esame tecnico, chi si accontentò delle ragioni stilistiche. Così i risultati finora ottenuti non possono considerarsi né definitivi né sicuri” (Gerola 1917, 114). L’incrociarsi e il sovrapporsi dei restauri nelle varie epoche ha quindi complicato il problema in modo che Gerola definisce “inestricabile”, ed è proprio per sciogliere questi nodi inestricabili che la Soprintendenza di Ravenna ha operato in tutti questi anni proseguendo sull’opera di Corrado Ricci e riuscendo a determinare una metodologia d’approccio che tenesse conto della molteplicità delle questioni da osservare ed analizzare. Nell’ultimo ventennio lo studio del mosaico è diventato sistematico e rigoroso: sono stati compiuti considerevoli progressi nel campo della diagnostica; indagini e prelievi sono diventati una prassi e non un’eccezionalità. Si è cercato di costruire un linguaggio mirato per definire, secondo criteri condivisi, le patologie presenti; si è dato il via alla costituzione di banche dati, relative ai vetri musivi e alle malte d’allettamento; si è proceduto ad informatizzare i dati registrati.

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1. La pubblicazione delle Tavole Storiche, edite dal Poligrafico dello Stato, avvenne in successione dal 1930 al 1937.

fig.1 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, veduta generale dei mosaici dell’abside. © paolo robino, 2000-2001, archivio fotografico della soprintendenza per i beni architettonici e paesaggistici di ravenna, ferrara, forlì-cesena, rimini (a.f.s.ra).


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Conquiste che fanno parte del processo di sensibilizzazione, di rivalutazione e maggior comprensione del mosaico, indagato ora globalmente nella sua fisicità tridimensionale, comprensiva di tessere e malte. Gli interrogativi posti al testo musivo sono diventati più puntuali; l’esercizio e l’addestramento ad un’analisi più attenta e minuziosa ha reso gli occhi degli osservatori d’oggi più acuti di quelli degli operatori degli anni trenta e degli anni cinquanta, confermando comunque che l’occhio dell’uomo, vale a dire l’esperienza acquisita nel tempo trascorso nell’assidua frequentazione degli apparati musivi, non può essere sostituito da nessun’altra strumentazione, fosse anche la più sofisticata: perché ogni elemento rilevato è scarsamente significativo se non viene comparato con altri dati e ricondotto in un quadro d’insieme più ampio. Quando s’indaga su di un manufatto musivo per quanto attiene alla lettura di superficie va precisato che non si tratta semplicemente dell’apparentemente banale riconoscimento della morfologia dei materiali impiegati, bensì di comprendere il linguaggio in cui il mosaicista si è espresso, di decodificare attentamente le trame musive, determinate dagli andamenti delle tessere, dalla dilatazione o rarefazione degli spazi interstiziali, caratteristiche queste che connotano inequivocabilmente momenti storici diversi. Bisogna inoltre tenere presente che nelle realizzazioni musive successive a quelle originarie non è affatto difficile trovare i medesimi materiali reimpiegati e spesso accostati con altri mai utilizzati in precedenza. Vanno osservate le malte sottostanti, per verificare se il mosaico è ancora posto sul suo letto originale o diversamente se è stato staccato e ricollocato in sito su malte cementizie. Queste considerazioni devono far riflettere su come sia pernicioso ritenere che il restauro di una superficie musiva possa essere affrontato da qualsiasi restauratore e come questa presunzione, frequentemente ancora diffusa, risulti in contraddizione col riconoscimento di una specificità del mosaico, che porta con sé il corollario della necessità di avvalersi d’operatori espressamente formati ad hoc. Il lavoro sul campo ci conferma costantemente che anche nelle opere d’arte più studiate e sviscerate è possibile scoprire qualcosa di nuovo, perché le campagne di restauro spesso sono foriere di nuove acquisizioni e sorprese inaspettate. Così è accaduto per la fascia superiore dell’arco absidale di Sant’Apollinare in Classe a Ravenna, che ha potuto godere di un’osservazione speciale, determinata dalla necessità di risanare le capriate lignee della chiesa, che versavano in condizioni drammatiche. Approfittando delle colossali impalcature allestite per il restauro delle capriate fatiscenti, si è intervenuto su una superficie musiva che non era stata più ispezionata dagli anni cinquanta. E le scoperte non sono mancate (Fig.1). Nonostante l’apparente omogeneità, il complesso musivo classense oltre a presentare notevoli diversità stilistiche raccoglie una tale molteplicità di restauri e rifacimenti che induce Corrado Ricci, nel commento alle Tavole Storiche, ad affermare: “Nessun mosaico ravennate più di quello di Sant’Apollinare in Classe fu tormentato da vecchi restauratori e discusso dagli storici dell’arte. Rappezzi, sostituzioni, alterazioni da parte dei primi; errori e congetture d’ogni natura da parte dei secondi” (Ricci 1935, 3). Mentre tutta la decorazione absidale è concordemente ascritta al VI secolo, i due

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2. Ricci 1935; Rizzardi 1985. 3. Mazzotti 1954; Pelà 1970. 4. Il pronto intervento è stato condotto dal novembre del 2005 al febbraio del 2006. 5. Il restauro è stato finanziato dal Ministero per i Beni e le Attività Culturali.

riquadri laterali (a destra i sacrifici di Abele, Abramo e Isacco e sulla sinistra la consegna d’importanti privilegi alla chiesa ravennate da parte dell’imperatore bizantino Costantino IV Pogonato) vengono fatti risalire alla seconda metà del VII secolo, durante l’episcopato di Reparato (671-677). La decorazione mosaicata dell’arco absidale è scandita in cinque registri immediatamente individuabili per la differente cromia del fondo, alternativamente campito in tessere blu e in tessere oro. Nella fascia superiore sul fondo blu campeggia il Cristo con i simboli degli Evangelisti; nella seconda fascia su di un tessellato aureo, dodici candidi agnelli uscenti dalle città turrite di Gerusalemme e Betlemme convergono verso la figura superiore di Cristo; nella terza fascia, ritagliata nei rinfianchi dell’arco, sul fondo blu svettano due eleganti palme; nella quarta su fondo oro si stagliano gli arcangeli Michele e Gabriele sontuosamente abbigliati secondo il cerimoniale di corte; nei peducci dell’arco compaiono i busti di due Evangelisti su fondo blu. Per quanto riguarda la scansione cronologica Corrado Ricci riconosce che: “Certo è che le parti originali o più antiche della fronte dell’arco trionfale sono del VII secolo; che le parti originali e più antiche del catino sono invece degli anni 536-549” (Ricci 1935, 38). Questa cronologia è condivisa da altri studiosi, ma trova discorde Mazzotti che attribuisce la fascia superiore dell’arco trionfale al IX secolo e le due immediatamente sottostanti al VII secolo: “A parte i rifacimenti e le aggiunte ammesse da tutti, anche cronologicamente, solo per la parte più alta della fronte, cioè l’ultimo registro col clipeo del Cristo e i quattro evangelisti, posso precisare che un esame diretto compiuto dopo il 1954 ha confermato la seriosità di questo musaico rispetto al sottostante colle dodici pecorelle partenti dalle due città, compreso il fatto che lo sfondo del clipeo centrale è davvero ottenuto con tessere musive di mattoni” (Mazzotti 1986, 212). Tutti gli ulteriori contributi, facendo tesoro delle preziose indicazioni fornite dal Mazzotti e in assenza di nuovi elementi, riconoscono un’omogeneità stilistica all’intera fascia musiva (Cristo fiancheggiato dai simboli degli Evangelisti) e concordano nel riferirla a un’unica fase costruttiva, di poco successiva al VI secolo (Ricci-Rizzardi2) o al IX secolo (Mazzotti, Pelà3). Nel corso dell’ultimo intervento di restauro 4 alla fascia superiore dell’arco, sempre ritenuta omogenea e unitaria e ascritta concordemente da tutti gli studiosi a un unico momento posteriore al VI secolo, è stato possibile ridefinire con estrema precisione le aree di intervento, osservare che si tratta di due fasi ben distinte e attribuire gran parte della decorazione alle maestranze giustinianee del VI secolo, cui finora erano state assegnate unicamente le figure degli arcangeli. I quattro maestosi simboli degli Evangelisti e le variopinte nuvole limitrofe disseminate sull’azzurro cielo sono stati da noi riconosciuti come opera dei mosaicisti bizantini attivi nella chiesa di San Vitale; mentre a un intervento successivo, causato probabilmente dalla necessità di riparare il crollo di parti musive, si deve attribuire il clipeo centrale del Cristo e le nuvole immediatamente circostanti. Il confronto fra le differenti morfologie delle nubi, le diverse tecniche esecutive e l’utilizzo di nuovi materiali costituisce l’aspetto macroscopicamente più visibile e che non lascia adito a dubbi. Il restauro 5 ha permesso di discriminare con certezza l’eterogeneità delle partiture:

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fig.2 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, cristo pantocrator , brani musivi di vi secolo e rifacimento medievale di vii o ix secolo. © ermanno carbonara, 2007-2008. fig.3 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, nube di vi secolo. © ermanno carbonara, 2007-2008.

l’accurata osservazione delle tessiture musive rivela la convivenza di due interventi stilisticamente e cronologicamente differenti. Molteplici elementi mostrano come da un’esecuzione accuratissima e concepita con gran maestria, si passi bruscamente a una realizzazione sommaria e in alcuni dettagli addirittura sciatta; come dal rigore formale e materico, sempre presente nella prima fase, e che comporta la selezione dei materiali più pregiati e delle tonalità cromatiche più funzionali, si passi ad una povertà materica e ad una limitata gamma cromatica organizzate con gran semplificazione formale. Questo dato è stato confermato anche dai rapporti stratigrafici fra le malte: nonostante il mosaico originario di VI secolo sia stato restaurato nel 1949-50 con la sostituzione dell’intonaco originale con malta cementizia, è ancora presente, allettata sulla malta originale, una piccola ma preziosissima porzione musiva, davanti all’evangelista Matteo. L’esame stratigrafico fra le diverse malte, condotto lungo le linee di contatto, ne indica la chiara sovrapposizione e mostra come la malta del rifacimento sovrasti inequivocabilmente quella del mosaico più antico. Oltre alle differenze stilistiche numerosi altri indizi riconducono i simboli degli Evangelisti alle maestranze bizantine. Per esempio si è potuto notare che le tessere a lamina metallica oro, soprattutto nelle aureole dell’aquila e del toro, e anche in alcune lumeggiature delle nubi più prossime, sono inserite nella malta secondo i medesimi accorgimenti adottati sia nelle figure sottostanti degli arcangeli Michele e Gabriele che nel riquadro dell’imperatore Giustiniano nell’abside di San Vitale. Si è riscontrata inoltre la presenza delle due differenti tipologie di tessere oro uti-

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fig.4 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, elaborazione grafica di una nube di rifacimento medievale. © ermanno carbonara, 2007-2008.

6. Carbonara et al. 2000, 709-718 diretto dalla scrivente e realizzato in maniera esemplare da Ermanno Carbonara, con la collaborazione di Francesca Verone e Giuliana Casadio.

lizzate a San Vitale 6 , anche qui impiegate miratamene: se nei tocchi di luce delle nubi “oro ambrato” e “oro verde” vengono mescolati, nell’unica aureola originale dorata, quella del vitello di Luca, è usato in maniera esclusiva l’oro ambrato, qualitativamente superiore e di maggior effetto estetico. Il brano musivo del Cristo, eseguito con relativa cura e maggior ricchezza dei materiali, rispetto alle nuvole laterali, è caratterizzato dall’abbondante impiego di materiale calcareo, da andamenti scomposti, disegno semplificato, misura delle tessere ridotta e interstizi più visibili. E’ probabile che questo sia stato l’elemento esaminato con maggior attenzione dagli studiosi che ci hanno preceduto e addotto poi come segnale e prova del mutamento di epoca: questa corretta valutazione ha finito poi per “trascinarsi” dietro anche tutte le altre raffigurazioni incluse nel medesimo registro, non indagate con la debita accuratezza (Fig.2). Le nubi prossime agli Evangelisti, costruite con gran perizia e ricchezza cromatica, raggiungono effetti di eleganza e levità (Fig.3), mentre le altre (pertinenti al rifacimento successivo), congelate in profili rigidi e schematici, sono “farcite” internamente con una massa greve e opaca(Fig.4). Un’attenta lettura delle nuvole del VI secolo ha evidenziato inoltre la diversa realizzazione fra quelle di destra e quelle di sinistra, determinata dalla presenza di due squadre di mosaicisti che hanno lavorato contemporaneamente in questo registro, secondo la consueta prassi di cantiere, per poi separarsi scendendo lungo gli alzati dell’arco.

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fig.5 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, leone di san marco, particolare delle ali. © ermanno carbonara, 2007-2008.

Nell’area dove figura l’aquila di Giovanni e l’angelo di Matteo le nuvole sono eseguite con maggiore quantità di colori; il punto di massima luce nelle nuvole azzurre è ottenuto con l’argento, mentre in quelle dell’area dove figura il leone e il vitello, è ottenuto con l’oro. La scelta dei materiali per determinare i passaggi tonali nelle nuvole rosse è molto diversificato fra le due zone e testimonia sensibilità particolari fra gli operatori, ma sempre un’estrema sapienza e un’attenzione alle minime sfumature, un’abilità imputabile alla maestria di una bottega di grandissimo livello. Mazzotti scrive in proposito: “Un’evidente linea di demarcazione divide questo registro (con le città e le teorie degli agnelli) dall’ultimo, il più alto, nel quale sopra un fondo azzurro, quasi cupo, di tra nubi divenute ancora più goffe delle sottostanti, più simili a rocce svettanti in un cielo, che per l’altezza diviene sereno, emergono i quattro Evangelisti, raffigurati nei loro simboli tradizionali, alati e nimbati” (Mazzotti, 1954, p. 170). E’ interessante constatare come tutte le nuvole dell’ultimo registro superiore vengano accomunate tout court, e siano valutate allo stesso modo, senza notare le diverse caratterizzazioni formali e materiche. Si può solo desumere che la distanza abbia fortemente condizionato una corretta valutazione dei mosaici e che gli stessi restauratori del dopoguerra, nonostante la perizia tecnica, non abbiano osservato, probabilmente perché sollecitati dall’urgenza dell’intervento, morfologie, andamenti e materiali.

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fig.6 ravenna, chiesa di san vitale, calotta absidale, arcangelo a destra di cristo, particolare delle ali. © 2000, archivio fotografico della soprintendenza per i beni architettonici e paesaggistici di ravenna, ferrara, forlì-cesena, rimini (a.f.s.ra).


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fig.7 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, figura di cristo pantocrator all’interno del clipeo. © ermanno carbonara, 2007-2008. fig.8 ravenna, chiesa di san vitale, arco presbiteriale, figura di cristo. © cetty muscolino, 1998-1999.

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fig.10 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, bordo del clipeo di cristo pantocrator , materiale di recupero ottenuto dal taglio di bacchette circolari di vetro bianco. © ermanno carbonara, 2007-2008. fig.9 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, figura di cristo pantocrator , materiale di recupero ottenuto dal taglio di bacchette circolari di vetro bianco. © ermanno carbonara, 2007-2008.

Le quattro solenni figure simboliche degli Evangelisti risaltano sul fondo blu e regnano sovrane fra il lievitare di nubi azzurrine e rosseggianti; fortemente caratterizzate come un’alternanza di poderose masse cromatiche brune e chiare, organicamente determinate dalle campiture di colore dei corpi e dei nimbi: dalla massa prevalentemente giallo-bruna dell’aquila, aureolata d’argento, si passa al candore diffuso dell’angelo aureolato con tessere d’oro, poi al leone prevalentemente giallobruno, aureolato d’argento, per concludersi col chiarore del vitello aureolato d’oro. Un autentico capolavoro di tessitura musiva è il soffice mantello del leone, strutturato con un susseguirsi di andamenti curvilinei paralleli, sui toni del giallo e del marrone, illuminati dal brillio di fili dorati. Nel muso ritroviamo gli stessi baffetti del leone di San Vitale e all’interno della bocca e degli occhi le stesse sottili tessere di vetro arancione, a vivacizzare l’espressione. Il vitello dal collo possente, è tutto realizzato in vetro, ma con il sapiente inserimento di alcune tessere di calcare rosato per rendere la tenera materia delle morbide narici. I “ritrovati” simboli degli Evangelisti, laquila di Giovanni, l’angelo di Matteo, il leone

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fig.11 ravenna, basilica di sant’apollinare in classe, arco absidale, registro superiore, ornamenti del libro di cristo pantocrator, materiale di recupero ottenuto dal taglio di bacchette circolari di vetro bianco. © ermanno carbonara, 2007-2008.

fig.12 ravenna, chiesa di san vitale, presbiterio, corteo di teodora, materiale ottenuto dal taglio di bacchette circolari di vetro bianco. © 2000, archivio fotografico della soprintendenza per i beni architettonici e paesaggistici di ravenna, ferrara, forlì-cesena, rimini (a.f.s.ra).


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di Marco e il toro di Luca, sono figli naturali di Bisanzio: poderose figure cariche di energia e vitalità, impreziosite dai piumaggi delle grandi ali, costruite da delicati passaggi tonali di vetro porpora e tocchi di vetro azzurrino, proprio come gli arcangeli ai lati di Cristo nel catino absidale di San Vitale (Fig.5-6). Il medaglione del Cristo (Fig.7) riprende quello posto al centro dell’arco presbiteriale di San Vitale (Fig.8), ma l’accentuata gravità dell’espressione lo distanzia da quell’atteggiamento superiore che rappresenta uno dei risultati più eccelsi dell’arte giustinianea. Molti sono i dettagli che denotano la perdita del rigore formale e materico tipico dell’arte bizantina: nella costruzione del bordo a gioielli che delimita il clipeo e negli ornamenti del libro che Cristo tiene in mano, gli elementi circolari simulanti perle sono eccessivamente eterogenei, e resi con materiali di recupero, quali bacchette di vetro bianco a sezione circolare (Fig.9-11). Questi materiali, che a San Vitale compaiono prevalentemente nel riquadro dell’Imperatrice Teodora (Fig.12), impiegate con grande circospezione e ordine, qui sono distribuiti in maniera disorganica e caotica. A questa fase successiva al VI secolo va ricondotta anche la sottostante fascia (che abbiamo solo potuto osservare ma non restaurare per mancanza di finanziamenti) con le dodici pecore uscenti dalle città di Betlemme e Gerusalemme, e le sottostanti aree con la rappresentazione delle palme dattifere. Il modello iconografico di riferimento è l’arco absidale di San Vitale, ma molto diversa è la resa stilistica dell’insieme. Risulta evidente che la decorazione musiva dell’arco trionfale rispecchia un progetto iconografico unitario e coevo a quello del catino absidale; il crollo e la perdita di molti brani della decorazione che insistevano sulle parti più fragili dal punto di vista della struttura architettonica, indusse ad un grande rifacimento, di VII o di IX secolo, che coinvolse i tre registri superiori. Considerata inoltre la grande coerenza dell’opera, il forte legame fra tutte le parti anche dal punto di vista della percezione ottica, l’inserimento dei soggetti rappresentati sul fondo alternativamente blu e oro, secondo una procedura tipica delle basiliche bizantine, è del tutto ragionevole ipotizzare che il rifacimento abbia ripristinato la stessa iconografia del VI secolo. L’analisi delle partiture musive conferma come dalla fine del VI secolo si assiste a un decadimento dell’arte musiva, ed è probabile, come molteplici confronti suggeriscono, che per risarcire i mosaici crollati si sia ricorso a mosaicisti attivi a Roma e qui inviati dal Pontefice. Il confronto con le numerose realizzazioni musive romane fra il IV e il VII secolo porterebbe indubbiamente a risposte più decisive, ma non vogliamo ora giungere a conclusioni azzardate, proprio perché manchevoli del supporto di alcuni elementi determinanti per questo genere di attribuzioni. La convergenza di una molteplicità di sguardi, l’attenzione al dato stilistico, materico, archeologico e documentario, tanto auspicato dal Gerola ci ha permesso di conquistare una nuova pagina di quella stagione prodigiosa del mosaico parietale bizantino a Ravenna.

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Bibliography Gerola, Giuseppe. 1916/1917. La tecnica dei restauri ai mosaici di Ravenna. Atti e Memorie della Deputazione di Storia Patria per l’Emilia e la Romagna. IV° serie, II volume: 102-194. Ricci, Corrado. 1935. S. Apollinare in Classe. Vol. VII of. Monumenti: Tavole Storiche dei mosaici di Ravenna. Roma: Istituto poligrafico dello Stato. Libreria. Mazzotti, Mario. 1986. S. Apollinare in Classe: indagini e studi degli ultimi trent’anni. Rivista di archeologia cristiana. 1-2, 62: 199-219. Rizzardi, Clementina. 1985. I mosaici dell’arco trionfale di Sant’Apollinare in Classe: precisazioni iconografiche cronologiche e stilistiche. Paper presented at the 32. Corso di Cultura sull’Arte Ravennate e Bizantina: Seminario Internazionale di Studi su Cipro e il Mediterraneo orientale, march 23-30, in Ravenna, Italy. Pelà, Maria Cristina. 1970. La decorazione musiva della basilica ravennate di S. Apollinare in Classe. Bologna: Patron. Carbonara, Ermanno, Muscolino Cetty, and Claudia Tedeschi. 2000. La luce del mosaico: le tessere d’oro di Ravenna. Tecniche di fabbricazione e utilizzo. In Atti del 6. colloquio dell’Associazione Italiana per lo Studio e la Conservazione del Mosaico, ed. Federico Guidobaldi and Andrea Paribeni, 709-718. Ravenna: Edizioni del Girasole. Mazzotti, Mario. 1954. La Basilica di Sant’Apollinare in Classe. Città del Vaticano: Pontificio Istituto di Archeologia Cristiana.

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Resumée On connaît aujourd’hui de nombreux ensembles décoratifs de l’Occident romain appartenant aux dernières décennies du IVe ou aux premières du Ve siècle, où toutes les références symboliques et culturelles se rapportent à des référents classiques, sans aucune trace de références chrétiennes. On peut citer les exemples africains de Sidi Ghrib ou de la maison aux Chevaux de Carthage, le fameux cas sicilien de la Villa du Casale à Piazza Armerina ou, en Espagne, ceux de la Villa de Carranque ou de Baños de Valdearados. Pour prendre des exemples lusitaniens, on peut penser à la maison des Sept Sages de Mérida, ou encore au fascinant complexe de Milreu. La maison des Nymphes de Nabeul est un cas d’école dans ce domaine.

mots-clés mosaïque antiquité tardive classicisme christianisme

Abstract So many ornamental groups of the Roman West dating from the last decades of the 4th century and the first of the 5th century are known today, in which all of the symbolic and cultural references belong to classical references, with no trace of any Christian references. The African examples of Sidi Ghrib are quite known, as are the Horse House at Carthage, the famous Sicilian case at villa du Casale in Piazza Armerina or, in Spain, the examples of the villa de Carranque or the Baños de Valdearados. Portuguese examples include the house of the Seven Wise Men in Mérida, or the fascinating complex of Milreu. The Nymph House at Nabeul is a case study in its field.

key-words mosaic late antiquity classicism christianity


retour à la maison des nymphes de néapolis j ea n -p i e r r e da r mon AIEMA – École Normale Supérieure – Laboratoire d’Archéologie, Paris

1. J.P. Darmon, Nymfarvm Domvs. Les mosaïques de la maison des Nymphes à Néapolis (Nabeul, Tunisie) et leur lecture, Leyde, E.J. Brill, 1980 (EPRO n°75H). 2. Vers les début du V e siècle : A. Ennabli, «Les thermes du thiase marin de Sidi Ghrib (Tunisie)», MonPiot 68, 1986, p.1-59. 3. Sans doute dans la seconde moitié du IV e siècle: Salomonson, La mosaïque aux Chevaux de l’Antiquarium de Carthage, La Haye, Imprimerie nationale, 1965.

C’est en préparant une nouvelle édition refondue et corrigée de mon NYMFARVM DOMVS1 que j’ai été amené à revenir ici sur l’Antiquité tardive sous un aspect qui n’est pas toujours mis suffisamment en évidence : sa profonde fidélité à la culture gréco-romaine la plus traditionnelle. On connaît aujourd’hui de nombreux ensembles décoratifs de l’Occident romain appartenant aux dernières décennies du IV e ou aux premières du V e siècle, où toutes les références symboliques et culturelles se rapportent à des référents classiques, sans aucune trace de références chrétiennes. On peut citer les exemples africains de Sidi Ghrib 2 ou de la maison aux Chevaux de Carthage 3 , le fameux cas sicilien de ­ arranque 5 la Villa du Casale à Piazza Armerina4 ou, en Espagne, ceux de la Villa de C 6 ou de Baños de Valdearados . Pour prendre des exemples lusitaniens, on peut penser à la maison des Sept Sages de Mérida, ou encore au fascinant complexe de Milreu 7 à propos duquel Monsieur Hauschild nous dira s’il y voit la moindre trace de symbolique chrétienne. La maison des Nymphes de Nabeul est un cas d’école dans ce domaine.

I. Tout d’abord, parce qu’elle est très bien située dans la chronologie : Par des monnaies, en particulier un petit bronze de Constantin trouvé sous la mosaïque du péristyle et fournissant un terminus post quem en 317 après J.-C. au plus tôt; mais aussi par de très nombreuses comparaisons de motifs géométriques qui toutes convergent pour situer désormais cette demeure de la 2e moitié du IV e siècle. En effet, la mosaïque du péristyle (Fig.1) trouve un parallèle direct dans la maison du péristyle à niches de Pupput, daté de la seconde moitié du IV e siècle 8 , où le même canevas, traité de la même façon qu’à Nabeul, est probablement l’œuvre du même atelier ; les grosses hederae qui parsèment ce pavement à Nabeul sont

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fig.1 nabeul, mosaïque du péristyle de la maison des nymphes. photographie de l’auteur.

4. Dans le dernier tiers du IV e siècle au plus tôt. Les discussions sur la datation de cet ensemble ont continué après sa publication par Andrea Carandini et alii, Filosofiana, Palerme, Flaccovio ed., 1982: cf., en particulier, les contributions recueillies dans la publication du Séminaire de l’Institut Gramsci, Opus II, 1983, passim. Plusieurs auteurs s’accordent désormais sur la datation du décor de la Villa du Casale aux dernières décennies du IV e siècle au plus tôt: voir en particulier Petra C. Baum vom Felde, «Zur Werkstatt der geometrischen Mosaiken der Villa bei Piazza Armerina und zu neuen Erkenntnissen der chronologischen Einordnung ihrer Böden», in: La mosaïque gréco-romaine VIII, Actes du VIIIe colloque international pour l’étude de la mosaïque antique et médiévale, Lausanne (Suisse): 6-11 octobre 1997, Lausanne, Cahiers d’Archéologie romande, 85-86, 2001. 5. Présentée notamment au colloque international de l’AIEMA à Bath en 1987: Dimas Fernandez-Galiano, «The Villa of Mernus at Carranque», in: Fifth International Colloquium on Ancient Mosaics, Ann Arbor, 1994 (JRA Supplementary Series n.9), p.199-210, avec la bibliographie antérieure. 6. G. Lopez Monteagudo et alii, Corpus de mosaicos de España, fasc. XII, Mosaicos romanos de Burgos, p.13-19. 7. Je me réfèrerai ici aux nombreuses publications de notre collègue Theodor Hauschild, grand spécialiste de ce site, ici présent. 8. Aïcha Ben Abed-Ben Khader, «Les mosaïques de la maison du viridarium à niches de Pupput (Tunisie)», in: La mosaïque gréco-romaine IV, Paris, AIEMA, 1994, p.265-271 et pl. CLXX à CLXXVIII, en particulier pl. CLXXIV (mosaïque à xenia du péristyle) et pl. CLXXVIII. 2 (mosaïque à octogones sécants du cubiculum XII).

fig.2 piazza armerina, hederae du péristyle quadrangulaire. photographie de l’auteur.

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9. Suzanne Gozlan, «Une structure ornementale de la mosaïque africaine: le ‘lacis de nœuds d’Héraclès’», BCTH 12-14, 1976-1978, p.33-107.

cousines de celles qui parsèment le péristyle quadrangulaire de la Villa du Casale (Fig.2). La bordure du triclinium secondaire (pièce 7) de la maison des Nymphes est exactement conforme à celles rencontrées à Piazza Armerina (Fig.3 et 4), ainsi que certains des ornements qui ponctuent son lacis de nœuds d’Héraclès, canevas qui semble lui-même avoir été en faveur aux époques tardives9. A Nabeul, le traitement des cercles sécants de la mosaïque n°1 (Fig.5) , la bordure d’ogives du péristyle (Fig.1), se retrouvent tels quels à Piazza Armerina (Fig.6) . Enfin le quadrillage de tresses à couronnes de laurier inscrites dans les cases (Fig.7) est caractéristique des modes carthaginoises des dernières décennies du IV e et des premières du V e

fig.3 nabeul, maison des nymphes, triclinium secondaire (pièce 7). photographie de l’auteur.

fig.4 piazza armerina, mosaïque sous les bikini damen . photographie de l’auteur.

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fig.5 maison des nymphes, cercles sécants (pièce 1). photographie de l’auteur. fig.6 piazza armerina, cercles sécants et bordure d’ogives (pièce 39). photographie de l’auteur.

siècle, telles qu’on les trouve représentées à Carthage même, dans la maison de la Course de char 10 , par exemple, ou dans celle du Cryptoportique 11, et dans sa sphère d’influence artistique, comme, une fois de plus, à Piazza Armerina (Fig.2) , ou encore à Pupput 12 , où le motif du péristyle de la maison du Viridarium à niches paraît bien avoir été réalisé par le même atelier qu’à Nabeul. Des aspects du décor figurés orientent vers les mêmes conclusions, en particulier le détail des Amours cueilleurs de roses (Fig.8) , sur le seuil principal du grand triclinium, avec leur tatouage frontal en forme de V, comme dans la maison aux Chevaux de Carthage 13 , dans la Villa de Piazza Armerina14 mais non dans celle de Desenzano15 , où ils sont aussi à s’occuper de roses.

II. Parce qu’on possède la totalité de son décor en mosaïque16 . Or ce décor témoigne d’un parfait traditionalisme, d’une grande richesse de références à la mythologie classique et même d’une remarquable érudition en la matière.

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10. Roger Hanoune, «Trois pavements de la maison de la Course de chars à Carthage», MEFR 81, 1969, p.219-256. 11. Catherine Balmelle et alii, «Recherches franco-tunisiennes dans la maison du Cryptoportique (1988-1989)», dans CEDAC Carthage 11, juin 1990, p.11-18. 12. Cf. ci-dessus, note 8 (contexte de la 2e moitié du IV e siècle). 13. Salomonson 1965, cité ci-dessus en note 3. 14. Carandini et alii, op. cit., fig.149 sq., etc. 15. Mario Mirabella Roberti, «Nuovi musaici dalla Villa romana di Desenzano», in: La Mosaïque gréco-romaine IV, Paris, AIEMA, 1994, p.107114 et pl.LII-LVII. 16. Le grand triclinium a perdu une grande partie de son tapis principal en T, mais il est très probable qu’il ait été uniformément blanc, à canevas d’écailles monochromes.


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fig.7 maison des nymphes, mosaïque à quadrillage de tresses (pièce 11). photographie de l’auteur. fig.8 maison des nymphes, seuil central du triclinum principal. photographie de l’auteur.

17. Voir notamment: C. Balmelle et alii, Recherches franco-tunisiennes sur les mosaïques de l’Afrique antique, I, Xenia, Rome, EFR, 1990. 18. Vitruve, Arch., VI, 7, 4. 19. Bel exemple au tombeau des Nasonii. Voir M.-H. Quet, «Pégase et la mariée», in: Le Trasformazioni della cultura nella tarda Antichità, Rome, 1985, p.861-931.

A) L’imagerie appartient, dans son ensemble, au système traditionnel du décor. 1. On y trouve, associée au bassin du péristyle, la représentation classique du monde des eaux, peuplé de dauphins, poissons, crustacés et mollusques, et surtout habité par Océan, dont on a ici une image des plus traditionnelles (Fig.9) . 2. La thématique des Xenia, ces présents d’hospitalité figurés en mosaïque ou en peinture17, déjà mentionnés par Vitruve18 , est présente dans la maison des Nymphes aussi bien dans le triclinium secondaire 7 (mosaïque n°10) que dans le cubiculum (ou antichambre) n°11 (mosaïque n°28) (Fig.7) . 3. Témoignage d’une série très nombreuse et ancienne, bien attestée notamment à Pompéi, le célèbre panneau des Coqs affrontés, placé face au bassin du péristyle, introduit la thématique de l’agôn, ici sous forme de combat de coq, avec ses prix, ici une cruche débordant de pièces d’or, symboles de victoire (Fig.10) . 4. La scène de la Toilette de Pégase de l’antichambre du cubiculum C1 (mosaïque n°8) appartient aussi à une série fort classique et souvent attestée 19 , ce qui est aussi le cas du groupe du Satyre poursuivant la Nymphe (Fig.11) dont plusieurs versions existent en peinture comme en mosaïque.

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fig.9 maison des nymphes, bassin central, dieu océan et faune aquatique. photographie de l’auteur.

B) Ces images se réfèrent explicitement à des mythes classiques complexes dont la parfaite connaissance est manifeste, aussi bien de la part de l’artiste que du commanditaire. 1. Le groupe du Satyre et de la Nymphe (mosaïque n°27, pièce 10) dont il vient d’être question est en réalité une scène appartenant au mythe de la Danaïde Amymonè, celle où la jeune femme, destinée à devenir la Nymphe de la source qui portera son nom, se refuse au Satyre, scène qui doit être lue en relation avec la scène de la pièce voisine (mosaïque n°24, cubiculum C2) figurant Amymonè au moment où, au bord du fleuve Inachos, elle reçoit présent et hommages de Poséidon (Fig.12). 2. La Toilette de Pégase du cubiculum C1 (mosaïque n° 8) s’intègre, dans cette maison, à toute une série de tableaux relatifs au mythe de Pégase, qui comprend aussi l’épisode de la naissance de la source Hippocrène, que fait jaillir le sabot du cheval ailé (cubiculum C2, mosaïque n°25, ici Fig.13), et celle où Pégase apparaît domestiqué, bridé et tenu par la main de Bellérophon (ou d’un assistant), scène sur laquelle je reviendrai plus loin (pièce 14, mosaïque n°32, cf. Fig.14). 3. La parfaite connaissance du cycle troyen, classique entre tous, est attestée aussi bien par la scène de l’ambassade de Chrysès auprès d’Agamemnon en vue

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fig.10 maison des nymphes, péristyle: coqs affrontés et urne de prix. photographie de l’auteur.

20. Voir mon correctif, «Philoctète à Nabeul (une retractatio)», BSNAF, 1989, p.232-239. 21. Homère, Iliade, VI, 152-205, en particulier v.191-193.

de la restitution de Chryséis, dans le cubiculum 13 (mosaïque n°31) (Fig.15), que par celle de l’ambassade des Grecs auprès de Philoctète 20 pour la récupération des armes d’Héraclès, dans le cubiculum 12 (Fig.16). A ces deux épisodes encadrant le siège de Troie, de la Colère d’Achille à la future prise de la ville, il convient d’ajouter l’épisode, déjà cité, concernant Bellérophon, dont la geste est rappelée, dans l’Iliade, par Glaucos, son petit fils, au moment d’affronter Diomède au combat 21.

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fig.11 maison des nymphes, satyre avec la nymphe amymonè (pièce 10). photographie de l’auteur.

C) De plus, ces mythes sont ici agencés en fonction de programmes savants, dont les clefs de lecture sont des mots grecs. 1. Un des thèmes récurrents est celui de l’or 22 , en grec chrysos. Cet or est présent au cœur du péristyle: il s’écoule du grand vase de prix que picorent les coqs affrontés de la mosaïque n°19 (Fig.10). Il est la matière dont est fait le vase qu’apporte en présent, dans la mosaïque n°31 pavant la pièce 13, le suppliant Chrysès pour récupérer sa fille Chryséis (Fig.15) et dont est fait le sceptre que tient en main la nymphe de Lemnos, Chrysè, dans le tableau n°30 pavant la pièce 12. On peut voir dans cette accumulation de références à l’or une thématique propitiatoire, destinée à appeler fortune et richesse sur la maison, chose en soi assez banale. Mais ce qui nous intéresse, c’est qu’elle n’est lisible ici dans toute son étendue que par des observateurs sachant assez de mythologie grecque pour donner leur nom à chacun des personnages représentés (car ils ne sont pas dénommés par des inscriptions) et assez de grec pour comprendre que les noms formés sur le radical grec chrys- impliquent une référence à l’or. 2. Mais ce qui montre surtout à quel point l’ensemble du décor figuré en mosaïque obéit, dans la maison des Nymphes de Nabeul, à la réalisation d’un projet à la fois très élaboré et très savant, c’est précisément l’existence d’un programme général sur le thème des Nymphes, qui parcourt toutes les mosaïques de la demeure.

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22. Cet aspect a été mis en évidence par Michael Donderer dans son compte-rendu de ma publication de la maison des Nymphes, Gnomon 55, 1983, 69-73.


fig.12 maison des nymphes, poséidon et amymonè ( cubiculum c2). photographie de l’auteur.

fig.13 maison des nymphes, pégase à la source hippocrène ( cubiculum c2). photographie de l’auteur.

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fig.14 maison des nymphes, noces de bellérophon et philonoé (pièce 14). photographie de l’auteur.

fig.15 maison des nymphes, chrysès aux pieds d’agamemnon (pièce 13). photographie de l’auteur.

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23. Aïcha Malek propose d’identifier cette grotte, mentionnée au chant I, à celle qui, au chant IV de l’Enéide, abrite les amours d’Enée et de Didon. 24. Nymfarvm Domvs, p.204-225. Cette analyse montre en particulier comment le programme général de la maison des Nymphes se réfère à la thématique du mariage, envisagée au moyen de concepts et d’images mythiques d’origine grecque. 25. «La civilisation romaine n’est pas morte de sa belle mort. Elle a été assassinée.»: A. Piganiol, L’Empire Chrétien, Paris, PUF, 2e éd., 1972, p.466.

Ici aussi, il faut partir du centre du péristyle, plus précisément de l’inscription qui figure sur le bassin, au-dessus de la tête du dieu Océan, dans le bassin principal (Fig.9) : NYMFARVM DOMVS. Cette inscription, par elle-même, est déjà polysémique et fortement connotée : elle désigne le bassin lui-même, lieu des eaux et donc séjour des nymphes ; mais le mot domus n’est pas là par hasard et renvoie à la maison dans son ensemble, dont elle révèle à la fois le nom et le programme iconographique; enfin, ces deux mots, d’apparence banale, sont en réalité un hémistiche de Virgile (Enéide, I, 168) décrivant une grotte consacrée aux Nymphes, voisine des lieux où Enée vient d’être jeté par la tempête et donc située dans le golfe de Carthage 23. Un tel intitulé attire l’attention sur le choix des images, et sur la présence récurrente de la thématique des Nymphes à travers toute la maison : dans l’appartement donnant sur la cour A1, l’antichambre du cubiculum C1 présente une Toilette de Pégase avec trois Nymphes ; dans l’appartement symétrique, donnant sur la cour A2, l’antichambre du cubiculum C2 présente la rencontre de la Nymphe Amymonè avec Poséidon (Fig.12) et, de plus, le cubiculum lui-même reprend la thématique de Pégase et des trois Nymphes, avec la scène du jaillissement de la Nymphe Hippocrène (Fig.13) ; la pièce 10 donnant sur la même cour A2 est ornée d’une scène opposant Satyre et Nymphe (autre épisode, on l’a vu, du mythe d’Amymonè) ; quant à la pièce 12, elle présente une version du mythe de Philoctète où figure la Nymphe Chrysè. Mais cela n’est pas tout, et il faut une fois de plus passer par une bonne connaissance de la langue grecque pour découvrir que le tableau des Noces de Bellérophon (Fig.14) fait partie, lui aussi, de la série des mosaïques à Nymphes, dans la mesure où le mot grec pour désigner la jeune mariée est précisément le mot Numphè : c’est bien une Nymphe, dans ce sens particulier du mot, enveloppée dans ses voiles et couronnée d’or, qui est le personnage principal de cette scène. On voit bien qu’il y a ici non seulement une unité thématique du programme iconographique de la maison, – encore approfondie par l’analyse structurale que j’ai donnée 24 et sur laquelle je ne reviens pas ici –, non seulement un foisonnement de références à la culture classique, mais le passage obligé par la connaissance de la langue et de la culture grecque – et donc par le plus haut degré de cette même culture classique – pour accéder à la lecture complète du savant discours des images ici déployées. Or un tel programme a été conçu et réalisé, on l’a vu, dans la seconde moitié du IVe siècle, peut-être même vers la fin de ce siècle, en tous cas en pleine période du triomphe officiel du christianisme (mis à part le violent mais très bref épisode de réaction que fut le règne de Julien). Il met fortement en lumière, et c’est pourquoi je l’ai pris en exemple, la permanence et la vitalité de la culture classique traditionnelle à travers l’Empire à la fin de l’Antiquité, à quelques décennies de la disparition de l’Empire d’Occident sous les coups des invasions barbares ; relativisant, une fois de plus, l’importance de la pénétration chrétienne dans la société de cet Empire finissant, et récusant l’idée d’un quelconque déclin, un tel témoignage confirme, avec bien d’autres, la bonne santé, dans l’Antiquité tardive, d’une civilisation classique que, pourtant, en Occident, les invasions barbares du Ve siècle allaient bientôt assassiner, pour reprendre la formule célèbre d’André Piganiol 25 .

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Resumo Neste breve texto da comunicação apresentada na Fundação Calouste Gulbenkian, a 11 de Julho de 2008, no âmbito do I Ciclo Internacional de Palestras promovido pela APECMA – Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo e IHA, Instituto de História da Arte, UNL, versamos sobre a ideografia das águas em mosaicos elaborados no espaço do actual território português (correspondente a parte das Províncias romanas da Lusitânia e da Galécia) e destacamos as dimensões decorativas e simbólicas que os motivos ictiográficos assumem nos conjuntos mais significativos.

palavras-chave mosaico água ictiográfico decorativismo simbolismo

Abstract In this brief communication presented at the Fundação Calouste Gulbenkian, on 11 July 2008, during the First International Cycle of Speeches promoted by ­APECMA – Portuguese Association for the Study and Conservation of Antique Mosaics, we focus on the ideography of waters in mosaics produced in Portuguese territory (corresponding to a part of Roman Lusitania and Galæcia) and we highlight the decorative and symbolic dimensions assumed by ictiographic motifs in the most relevant examples.

Agradecimen tos Dr. Miguel Pessoa (APECMA e Estação Arqueológica do Rabaçal); Prof. Doutor Justino Maciel (Instituto de História da Arte da FCSH/UNL); Dr. Virgílio Lopes (Campo Arqueológico de Mértola).

key-words mosaic water ictiographic decorativism symbolism.


motivos aquáticos em mosaicos antigos de portugal decorativismo e simbolismo cátia mo u r ão Doutoranda em História da Arte da Antiguidade Instituto de História da Arte – FCSH/UNL

À Doutora Guadalupe López Monteagudo. 1. OLEIRO, 1993, p. 120.

Introdução Nos limites mais ocidentais da antiga Hispânia romana, o corpus de mosaicos inteiramente subordinados a temas aquáticos ou pontualmente assinalados por registos ictiográficos, apresenta características bastante heterogéneas, sendo geograficamente mais concentrado nas regiões marítimas e ribeirinhas – onde a economia tinha uma estreita dependência dos cursos hídricos, baseando-se no comércio, na pesca ou nas indústrias de salga de peixe e produção de garum1 – e revelando-se esteticamente mais apurado no litoral – com representações mais variadas e verosímeis –, por oposição ao interior – onde os resultados são mais repetitivos e fantasiosos. Do Alto-Império resistem alguns exemplares musivos ainda dominados pela bicromia e pelo sintetismo formal, com figuras planificadas e de contornos bem definidos, e outros que exibem já alguma policromia e anotação realista de pormenores, com formas modeladas e intencionalmente miméticas. Do Baixo-Império chegam-nos os motivos com maior grau de naturalismo que manifestam as influências iconográficas, estéticas e técnicas dos grandes centros norte africanos de produção musiva e ostentam uma policromia rica em gradações tonais e um assinalável ilusionismo volumétrico, com figuras analíticas e, por vezes, pictóricas. Da época paleocristã documentam-se dois fragmentos caracterizados por menor classicismo formal e técnico, com figuras simples e pouco modeladas que atestam uma viragem conceptual e estética na arte do mosaico, reveladora de uma nova tendência filosófico-religiosa na sociedade.

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Integrando mosaicos pavimentais e parietais com extensões variáveis e temas diversificados, as representações aquáticas animam velhas estruturas arquitectónicas privadas e públicas, de carácter utilitário ou devocional, podendo funcionar como meros elementos decorativos ou como símbolos apotropaicos e iniciáticos, cujos valores evoluíram ao longo das épocas.

Os motivos aquáticos como signos Frequentemente, os motivos ictiográficos marcam presença em revestimentos musivos de edificações destinadas à captação, ao armazenamento e à utilização de água ou de produtos de origem aquática – como é o caso dos implúvios, dos tanques, das piscinas, dos pavimentos e paredes de termas ou de cozinhas. Nestes casos constituem uma decoração ilustrativa directa da funcionalidade dos espaços, e assumem um sentido literal, manifesto, ou convencional, resultando como signos. Sendo geralmente inseridos em composições que recriam o aspecto do próprio meio aquático, graças à inclusão de elementos gráficos que simulam os movimentos ondulatórios 2 e à relação que se estabelece entre as espécies ictiológicas reproduzidas, estes motivos surgem na forma sintagmática plena. Em Cerro da Vila, Pisões, Fonte do Milho, Torre do Cabedal e Braga encontram-se alguns casos da adequação decorativa e temática dos motivos aos locais, em função do uso destes.

2. Muito se tem escrito sobre alguns destes recursos gráficos, em especial sobre os que congregam um triglifo e um V desenhado na horizontal. Tomados como marca autoral de uma oficina por alguns autores (OLEIRO, 1993, p. 120), estes símbolos são, porém, usados em vários mosaicos hispano-romanos que apresentam diferenças estéticas e técnicas comprometedoras da validade do pressuposto. A este propósito, vide MOURÃO, 2008, p. 96-98. 3. Tal como se verifica nos cantos do painel conimbricense com representação de Actéon devorado pelos seus cães. Vide MOURÃO, 2008, p. 53-55.

Cerro da Vila (Vilamoura) (Fig.1) Este mosaico apresenta o único registo figurado e bicromo da uilla, cujo corpus pavimental se caracteriza pelo geometrismo, pelo vegetalismo e pela policromia. Reveste o fundo de um tanque e tem uma composição em campo livre, branco e liso, com figuras marinhas definidas por contornos a preto e sem modelação, porém dotadas de elevado grau de iconicidade que permite reconhecer um bivalve, dois peixes, um pequeno búzio, um polvo e um golfinho. O canto inferior esquerdo apresenta-se destruído, com eventual perda de alguns elementos, e no canto superior direito vê-se um tridente apontado à cabeça do delfim. Embora a associação do tridente aos golfinhos seja bastante comum e adquira amiúde um simbolismo psicopompo 3 , a sua inclusão neste contexto parece aludir textualmente à captura da fauna marinha, prática que garantiria as principais actividades económicas desta uilla (salga de peixe e produção de garum). A localização do tanque numa zona pública e exterior, na proximidade das cetárias e do porto, permite deduzir uma utilização idêntica à dos tanques portuários de Óstia.

Pisões (Beja) (Fig.2) Sendo o único mosaico com motivos aquáticos da uilla, este painel policromo recobre o fundo de um tanque doméstico no centro de uma sala. Tem uma

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fig.1 mosaico com fauna marinha. calcário bicromo. séc.iii d.c. fundo de um tanque. cerro da vila. in situ. fotografia de virgílio lopes.


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fig.2 mosaico com fauna marinha. calcário policromo e cerâmica. meados do séc. iv d.c. fundo de um tanque doméstico. pisões. in situ. fotografia de cátia mourão.

4. Embora classificado como Monumento Nacional por decreto 42.692 de 30-11-1959, a estação arqueológica da Fonte do Milho permanece aterrada desde 1939, altura em que terminou a primeira – e única até à actualidade – campanha de escavações, conduzida por Carlos Teixeira. Vide TEIXEIRA, 1939, p. 58 et seq, CORTÊZ, 1946, sep. e MOURÃO, 2008, p. 7-8 e 108-111.

composição em campo livre e branco, animado com ondulações estilizadas em traços paralelos, por entre os quais nadam algumas espécies marinhas de contornos definidos e com alguns valores de modelação. Embora se conserve apenas o terço superior do conjunto, é ainda possível visualizar uma moreia, dois peixes e alguns tentáculos de um molusco cefalópode (polvo ou lula). A presença deste tanque num contexto arquitectónico habitacional e privado leva a pensar na possibilidade da sua utilização como reservatório de água destinado a refrescar um recinto de convívio e ócio que assim se tornaria mais aprazível em meses de intenso calor como os que assolam esta região do interior alentejano.

Fonte do Milho (Peso da Régua) Destacando-se como um dos escassos mosaicos parietais encontrados em território nacional, este exemplar policromo decora a piscina de um castrum aterrado desde os anos 40 do séc. XX 4 . Sobre este conjunto, do qual se desconhece o fundo por interrupção das escavações, dispomos das descrições feitas pelos arqueólogos Carlos Teixeira e Fernando Russel Cortês e de algumas fotografias a preto e branco que, embora lacunares sobre a sua composição e dimensão cromática, documentam várias figuras dispostas em campo livre pontuado com ondulações estilizadas em “socalcos”. As espécies ictiológicas, de entre as quais se distinguem bivalves, ouriços, peixes fusiformes e um golfinho, parecem notavelmente modeladas e foram representadas em atitudes muito naturais, como o movimento natatório e o acto de alimentação. A escolha dos motivos aquáticos torna-se óbvia para a decoração da estrutura balnear que integra este castrum situado nas imediações do rio Douro.

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fig.3 mosaico com fauna marinha. calcário policromo. meados do séc. iv d.c. fundo de um tanque doméstico. proveniente da herdade da torre do cabedal. © câmara municipal de elvas.

Torre do Cabedal (Vila Viçosa) (Fig.3) Este mosaico policromo preenchia o fundo de uma piscina dos balneários privados de uma domus. Tem uma composição em campo livre e branco, animado com ondulações traduzidas por traços desencontrados, arbitrariamente dispostos nos espaços livres entre os vários animais marinhos que foram igualmente representados em posições e sentidos diversos, contribuindo para uma ilusão de movimento algo caótico e inverosímil. Observam-se sete peixes fusiformes, dois golfinhos e um choco. As pontuais diferenças formais e cromáticas que apresentam, bem como a simulação desigual das suas texturas, produzem um efeito de diversidade meramente retórico, pois não correspondem a verdadeiras características de quaisquer espécies ictiológicas e, em certos casos, são mesmo incongruentes (tal como se verifica na escamação do corpo de um dos golfinhos, nas barbatanas caudais dos peixes e até nas dimensões muito aproximadas de todos os animais). Ainda que revelem uma execução insipiente, estas características não impedem a percepção da fauna marinha enquanto imagem-signo, cuja adequação decorativa a esta estrutura balnear foi o principal objectivo da representação.

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Braga Do mosaico policromo que abrangia todo o fundo do impluuium de uma domus bracarense, restam seis fragmentos recentemente congregados numa única estrutura. Outrora integraram uma ampla composição em campo livre e branco, marcado por ondulações tracejadas e dispostas em “socalcos” junto à orla, onde se viam diferentes espécies marinhas, das quais se conservam quatro peixes fusiformes, um polvo, uma moreia, duas amêijoas e dois ouriços-do-mar. Apesar da desarticulação entre as figuras e da sua heterogeneidade estética e técnica – aparentemente resultante da intervenção de diferentes mãos ao nível do desenho e do assentamento das tesselas, do eventual recurso a modelos de proveniências diversas e ainda de uma utilização muito díspar de recursos expressivos, tais como a modelação, as texturas e as gradações cromáticas que produzem resultados mais naturalistas nos peixes do que nas restantes espécies –, o conjunto demonstrava-se pertinente na associação lógica entre os motivos e a utilidade do espaço.

Os motivos aquáticos como símbolos Em alguns contextos arquitectónicos e compositivos, a presença dos motivos aquáticos nos mosaicos ultrapassa a mera função decorativa e remete, por meio de uma relação analógica e não objectiva, para um sentido outro, latente e não manifesto. Transformados em registos ideográficos e funcionando como símbolos, os elementos serviriam especificamente o culto das águas em locais públicos ou privados, ou desempenhariam funções apotropaicas, podendo ainda evocar práticas iniciáticas. Nestes dois últimos casos, as figurações apresentam-se quase sempre na forma paradigmática (conjugada ou indirecta), uma vez que estabelecem interacções semânticas com outros motivos de várias naturezas, surgindo integrados em composições temáticas e em edificações sem uma forçosa ligação à água. Os dois pequenos fragmentos tardios provenientes de grandes mosaicos pavimentais de basílicas paleocristãs comprovam a continuidade do léxico decorativo romano, bem como a conversão do seu sentido pagão por meio da sua integração em edifícios de culto cristão que os tornam ícones ao serviço de um claro propósito doutrinal. Em Rio Maior, Milreu, Faro, Conimbriga, Rabaçal, Mértola e Montinho das Laranjeiras encontram-se alguns exemplos da utilização simbólica dos motivos aquáticos.

Culto das Águas Rio Maior (Santarém) (Fig.4) Comprometidos entre o decorativismo e o simbolismo estão os motivos conchados que se repetem em dois mosaicos de Rio Maior, sendo um deles tratado em bicromia e outro em policromia. Figurando, ambos, em absides de uma uilla ribeirinha, denunciam uma escolha sugerida pela sua adaptação formal à planta dos espaços e também motivada pela sua correspondência simbólica no contexto

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fig.4 mosaico com concha. calcário policromo. meados do séc. iv d.c. pavimento de uma abside no corredor oriental. rio maior. in situ . fotografia de cátia mourão.

de um possível culto local das águas, cuja probabilidade toma consistência perante a expressão viva do afluente do Rio Tejo na toponímia (Rio Maior), na estatuária (ninfa náiade fontenária que poderá ser tomada como divindade tutelar da nascente do Rio Maior) e, eventualmente, na economia romana. 5 Nos dois casos, a natural semicircularidade das conchas foi enfatizada para melhor acompanhar a regularidade geométrica das formas arquitectónicas; no exemplar bicromo, o motivo foi resumido ao leque de caneluras raiadas características do bivalve, assinaladas em oposição de cores, e no exemplar policromo o potencial efeito decorativo foi notavelmente explorado com recurso a uma gama alargada de tonalidades quentes, a uma ornamentação vegetalista da bordadura circundante e uma ondulação na base da concha que confere valores de movimento.Embora não seja raro encontrar conchas em tapetes musivos absidais 6 , os motivos rio-maiorenses constituem exemplos perfeitos de simbiose entre as dimensões decorativa e simbólica pelo tratamento plástico e pelo significado que as figurações adquirem no conjunto musivo da uilla onde se integram, caracterizado pelo geometrismo com diminutas anotações vegetalistas.

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5. MOURÃO, 2008, p. 128. 6. Efectivamente, encontram-se conchas em pavimentos de recintos absidais em Conimbriga (Portugal), Leicester (Inglaterra), Verulamium, Littlecote Park e Nothleigh (Inglaterra), Puente Genil, El Pesquero, Clúnia, Taracena, Cártama, La Quintilla e S. Julián de Valmuza (todos em Espanha, o último dos quais destruído), Sennesey-leGrand (França), Dragoleja, Thaenae, Bulla Regia, Timgad, Mrikeb-Thala, Batna, Tebessa, Djemila e Sousse (Norte de África). Em Mont-Saint-Jean (França) a concha surge em posição invertida, contrariando a orientação semicircular do espaço arquitectónico. Vide MOURÃO, 2008, p. 49, 127 e 128.


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fig.5 mosaico com fauna marinha. calcário policromo. meados do séc. iv d.c. paredes do podium do templo. milreu. in situ . fotografia de cátia mourão.

7. MOURÃO, 2008, pp. 116-119.

Milreu (Estói) (Fig.5, 6, 7 e 8) Para além de ser o mais extenso mosaico de temática e composição únicas descoberto em território nacional, este exemplar policromo é também um dos poucos revestimentos musivos parietais conservados até hoje in situ na península hispânica. Forra as paredes do podium do templo de uma uilla algarvia onde se verifica a maior concentração de mosaicos inteiramente subordinados ao mundo marinho. Em jeito de friso animado, a composição dispõe-se em campo livre, branco e liso, congregando num mesmo espaço numerosas figuras reais e mitológicas, como se de um cortejo – ou thiasos – se tratasse. Entre elas foram representados vários peixes fusiformes de diferentes espécies, golfinhos, tubarões, moluscos cefalópodes e bivalves e ainda alguns seres híbridos (estão documentados um tritão, um felídeo com cauda de peixe espiralada e um outro animal de espécie desconhecida, todos eles entretanto desaparecidos, sendo que os dois primeiros ainda foram fotografados e desenhados por Estácio da Veiga e o terceiro já estaria destruído quando este arqueólogo conduziu as escavações, restando dele apenas um dos pés da figura feminina que sobre ele viajava).7

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Os animais são dotados de grande naturalismo formal e cromático, apresentando um desenho pormenorizado e fidedigno, valores de modelação notáveis e uma gama cromática e tonal muito rica, recursos estes que conferem alguma verosimilhança apesar de todas as figuras se apresentarem de perfil e da sua representação no conjunto não respeitar as diferenças de escalas próprias de cada espécie (o que, no entanto, acontece na maioria dos mosaicos com temas aquáticos por todo o Império). Segundo Theodor Hauschild, a profusão e a exclusividade dos temas aquáticos nesta uilla (que para além do podium se estendem a um peristylum, um tanque e uma piscina do frigidarium) parecem revelar a importância que o mar assumia nas actividades económicas do litoral algarvio e podem indiciar um culto público das águas, ao qual seria dedicado o edifício. 8 Embora ainda declaradamente pagão, pelas características da arquitectura e da decoração que sustentavam a sua prática litúrgica, este culto das águas decorreu em período romano tardio, quando a água possuía um valor sacramental e purificador para os cristãos e o peixe constituía um dos símbolos da sua religião. Efectivamente, à época verificava-se uma confluência da simbólica pagã e cristã relativa ao elemento ictiográfico, relacionada com a abundância, sendo que no politeísmo romano aludia à generosidade das divindades aquáticas e no monoteísmo cristão representava o próprio Cristo (Ichthýs) 9 , como se verifica nos mosaicos ravenáticos da Basílica de Santo Apolinário. A possibilidade de uma reutilização posterior deste templo para a liturgia cristã, não será, pois, de descartar. Faro (Fig.9) Este tapete musivo policromo revestiria o pavimento de um edifício público10 no centro de Ossonoba e exibe a cabeça do deus Oceano num medalhão central, originalmente acompanhada pelos bustos dos quatro Ventos em cantoneira, dos quais restam somente dois, identificáveis como Euros e Bóreas. Interrompendo uma extensa composição floral que inclui uma tabula ansata com inscrição, a divindade de dupla natureza fluvial e marinha surge representada de acordo com o modelo iconográfico mais comum 11, aparentando idade madura, olhando a esquerda alta com expressão grave, o rosto barbado, os cabelos revoltos, dois pares de patas e pinças de caranguejo na fronte e um golfinho sobre cada ombro. A figura revela uma execução cuidada e única na actual geografia portuguesa (ainda que tenha paralelo na área lusitana romana, mais propriamente em Mérida) – marcada que é pela conformidade aos preceitos vitruvianos de emparelhamento do leito 12 , pelo recurso à sinopia, compasso e moldes e pelo talhamento regular das tesselas – e demonstra um apurado sentido estético – através da acentuada modelação, da plena exploração da gama cromática calcária e da utilização de vidro e mármore que permitem alcançar outras cores, texturas e brilhos.13 A centralidade, as dimensões e a carga expressiva desta personagem destacam-na relativamente às demais, expressando a sua importância hierárquica e a possível tu-

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8. HAUSCHILD, 1984-1988. 9. MOURÃO, 2008, p. 113, 135 e 136 e LANCHA et Alii, 2008, p. 100-102. Escrita de forma regular, a palavra ichthýs significa peixe em Língua grega. Porém, quando escrita em maiúsculas, funcionava como acrónimo de Iésous Christos Theou Yios Soter, ou seja, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. 10. LANCHA, 1986, p. 2. 11. O Mosaico Cosmológico, de Mérida, e o mosaico de Eneias, em Alter do Chão, ambos na antiga Lusitânia, parecem ser os únicos exemplos encontrados na península hispânica onde o deus se mostra de corpo inteiro. 12. VITRVVIVS, VII, I, 1-4 e MOURÃO, 2008, p. 24-26. 13. MOURÃO, 2008, p. 70 e 71.


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fig.6 fragmento da composição musiva que decorava o podium do templo de milreu. meados do séc. iv d.c. museu nacional de arqueologia. © ddf/imc.

fig.7 fragmento da composição musiva que decorava o podium do templo de milreu. meados do séc. iv d.c. museu nacional de arqueologia. © ddf/imc.

fig.8 desenho de estácio da veiga registando alguns fragmentos da composição musiva que decorava o podium do templo de milreu. museu nacional de arqueologia. © ddf/imc.

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fig.9 mosaico com cabeça do deus oceano e bustos em perfil dos quatro ventos. calcário, mármore e vidro policromos. segundo quartel do séc. iii d.c. museu municipal de faro. fotografia de hélio ramos / © câmara municipal de faro.

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14. Trata-se de C. Calpurnius, C. Vibius e L. Attius. Idem, Ibidem, pp. 68 e 69. 15. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 356 e MOURÃO, 2008, p. 18, 55, 56 e 57. 16. MOURÃO, 2008, p. 21. 17. MOURÃO, 2008, p. 55 e 57.

tela de um culto das águas. Tal culto, centrado na divindade aquática por excelência, adivinha-se de abrangência pública e explicar-se-ia à luz da importância do mar na economia do Algarve romano, à qual poderiam inclusivamente estar ligados os encomendantes e doadores evergetas do mosaico, cujos nomes constam na tabula ansata.14

Domus dos Repuxos (Conimbriga) Integrado numa uilla organizada em torno de um implúvio com repuxos, na qual grande parte dos mosaicos que a reveste inclui motivos aquáticos, tomamos como exemplar um medalhão com o episódio mítico de Actéon metamorfoseando-se em cervo enquanto é devorado pelos seus cães, tendo quatro pares de golfinhos em cantoneira, dispostos em simetria pela cauda, com um tridente entre si e um peixe vermelho à frente de cada um. Ainda que a fórmula compositiva dos golfinhos afrontados à retaguarda, cingindo tridentes, nos cantos de medalhões não seja única no Império Romano, porquanto se regista também num mosaico francês de Nîmes, neste caso nacional parece que a sua presença adquire um sentido particular, reportando não apenas directamente à cena de morte representada no medalhão – que parece relacionar os delfins com a sua função de animais psicopompos na mitologia, pois acreditava-se que guiavam as almas dos justos às Ilhas dos Afortunados, onde viveriam eternamente felizes15 –, mas reflectindo também, alargadamente, um culto pessoal do proprietário da habitação conimbricense, aparentemente firmado numa filosofia de equilíbrio existencial onde a água constituiria um «arquétipo de origem da vida terrena e destino (retorno) da vida além-morte»16 . Efectivamente, para além da profusão de motivos aquáticos nesta domus revelar um programa decorativo de evocação ao mundo das águas (ainda que não directamente aos seus deuses tutelares), outros elementos deste mosaico parecem indicar tal devoção, pois ao contrário do que se verifica no mosaico bicromo de Vilamoura, onde o tridente representava literalmente a caça das espécies aquáticas, aqui o instrumento (que surge adornado com um laço, como na arte funerária) parece aludir à captura, ou resgate, das almas para o seu encaminhamento na vida além-morte 17.

Outros Cultos Romanos

fig.10 mosaico com concha e golfinhos. calcário policromo. séc. iii d.c. pavimento de uma pequena êxedra a norte de um peristilo. in situ . fotografia de delfim ferreira.

Domus de C antaber (Conimbriga) (Fig.10) Revestindo o pavimento de uma êxedra situada a Norte de um peristilo, este mosaico inclui uma área absidal preenchida com uma concha apresentada na vertical, ladeada por golfinhos e peixes vermelhos, adjacente a um largo campo preenchido com hexágonos sucessivos, a branco, que delimitam triângulos, a negro, formando soluções geométricas que lembram estrelas sucessivas de seis pontas negras, e rematado por um umbral ornado com duas aves afrontadas que seguram um ramo de loureiro (ou palma?) nos bicos, flanqueadas por duas rosetas. A estreita ligação compositiva dos três painéis parece indicar uma relação simbólica entre os motivos figurados (concha, peixes e golfinhos; estrelas?; aves, ramo

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fig.11 pormenor do mosaico com círculos encadeados, conchas e craterae . calcário policromo. séc. iii d.c. pavimento do triclinium. conimbriga. domus dos esqueletos. in situ . fotografia de cátia mourão.

e flores). Nesta lógica, se cada registo representar três dos elementos da natureza (água, ar e terra), o conjunto adquire um sentido cosmológico que poderá revelar uma função de culto (talvez panteísta ou cosmogónico) do local decorado, em possível consonância com uma eventual devoção pessoal do dominus.

Domus dos Esquele tos (Conimbriga) (Fig.11) No pavimento do triclínio de outra domus de Conimbriga observa-se um tapete musivo que centraliza um medalhão geométrico composto por seis círculos encadeados, em cujos espaços se observam numerosos motivos elípticos que lembram pequenos ovos, inscrito num quadrado delimitado no topo e na base por barras simétricas onde se alternam cinco conchas invertidas e quatro kraters de boca larga com duas asas. Embora pareça não haver qualquer relação entre os vários elementos figurados, a análise de cada um permite realçar sentidos comuns que conduzem a uma leitura coerente do conjunto: os círculos encadeados podem funcionar como símbolo unitário de concentração de forças e como representação gráfica do ciclo do eterno-retorno18; os ovos constituem um símbolo de nascimento e de renascimento post-mortem19 (desde os etruscos até aos cristãos místicos, que associam o ovo à concha e à Virgem-Mãe 20); a concha evoca as águas primordiais e a fecundidade da Vida (surgindo enquanto berço das deusas homólogas Afrodite e Vénus – mães do Amor que une os opostos e deles faz brotar novas formas de vida), bem como, num sentido oposto, a morte (figurando na forma de clipeus em monumentos funerários), 21 pelo que tem uma dimensão de renovação, de regeneração e de retorno 22 tanto em contextos iniciáticos pagãos como cristãos 23; o

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18. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 202 e MOURÃO, 2008, pp. 46 e 47. 19. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, pp. 497499. 20. MOURÃO, 2008, p. 47. 21. Idem, Ibidem. 22. Vide CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, pp. 216-217. 23. Em contexto iniciático pagão, surge, por exemplo, no fresco báquico da uilla pompeiana dos Mistérios e em contexto iniciático cristão pode ser vista, entre outros exemplos, na Palla di Brera, pintada pelo renascentista Piero della Francesca.


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krater representa a taça onde gregos e romanos misturavam vinho com água para beber em Symposia e bacanais, acreditando que tal mistura inebriante provocaria a metamorfose das bacantes em grandes felinos (tal como figurava no desaparecido mosaico de Santa Vitória do Ameixial) 24 . Este vaso da transformação, da mutação e da iniciação nos Mistérios de Dioniso e Baco, foi integrado na liturgia cristã como símbolo da comunhão com a Divindade, ou seja, como Graal da eterna aliança. 25 Enquanto a conjugação dos círculos encadeados com o ovo adquire um sentido unitário ligado à origem da vida, a ligação da concha ao krater evoca a liturgia dos Mistérios. Numa leitura de conjunto, é possível considerar a existência de um sentido iniciático neste painel musivo que «simbolicamente decorava o pavimento de uma dependência da casa onde a vida era assegurada e renovada pela alimentação.»26

fig.12 pormenor de mosaico com golfinhos bebendo de um vaso. calcário policromo. meados do séc. iv d.c. cantos do corredor sul do peristylum. in situ . rabaçal. fotografia de delfim ferreira.

24. CHAVES, 1916, pp. 77-86, KUZNETSOVA, 1996-1997, pp. 32-36 e MOURÃO, 2008, pp. 89-91. 25. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 357 e MOURÃO, 2008, p. 47. 26. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 357 e MOURÃO, 2008, p. 47. 27. Aos quais se acrescenta um outro exemplar conimbricense, na Domus dos Repuxos, onde quatro golfinhos nadam ao redor de um medalhão floral geometrizante (OLEIRO, I, 1992, p. 118 e MOURÃO, 2008, pp. 62-64). 28. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, p. 483. 29. VEIGA, Memórias das Antiguidades de Mértola, Edição fac-similada de 1880, Lisboa, Imprensa Nacional/Câmara Municipal de Mértola, 1983, pp. 29-30, apud LOPES, 2003, pp. 119-121.

R abaç al (Penel a) (Fig.12) Este mosaico policromo localiza-se no corredor Sul do peristylum de uma uilla próxima de Conimbriga. Tem como tema central as Quatro Estações e inclui em cada canto uma rosácea geométrica com um par de golfinhos afrontados e um krater. Sendo que as Estações reportam à renovação cíclica da Natureza, que os golfinhos representam o encaminhamento post-mortem da alma humana para as ilhas onde viverão eternamente felizes, que a associação entre os elementos aquáticos (delfins) e os motivos terrestres (flores) – verificada noutros mosaicos da região27 – alude ao equilíbrio cósmico e que o vaso faz referência aos Mistérios dionisíacos enquanto via de transformação e de felicidade, a mensagem codificada neste conjunto musivo poderá manifestar um desejo de vida eterna por parte do dominus que o mandou executar. Tal leitura parece sair reforçada com a ideia de vitória triunfal, expressa na imagem do auriga vencedor que se exibe no centro de um outro mosaico da mesma uilla. Aliás, também a planta do próprio edifício contribuirá para esse sentido se relacionarmos a sua forma octogonal – muito rara em habitações, pois tem o único paralelo conhecido na uilla de Palazzo Pignano (Cremona, Milão), embora se encontre com mais frequência em templos arianos e cristãos, como o baptistério de Ravena – com o simbolismo do número oito (8). Efectivamente, a datação tardia da construção permite contextualizá-la em período de consolidação do cristianismo, religião para a qual o mencionado algarismo exprime os sentidos de regeneração e eternidade (além de que, quando desenhado no sentido horizontal, corresponde ao sinal matemático do infinito). 28

Culto Cristão Mértol a (Fig.13) De acordo com o desenho e a descrição do arqueólogo Estácio da Veiga 29, o mosaico decorava o pavimento de uma basílica paleocristã erigida em Mirtylis, junto ao Rio Guadiana. Embora já então bastante destruído, o conjunto apresentava ainda uma tartaruga no centro de um medalhão, adjacente a uma eventual moldura com ondulação reversível. Não sendo de crer que a escolha deste motivo animal tenha sido meramente inspirada pela abundância de anfíbios no curso fluvial próximo, pensa-se,

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outrossim, que resulte de uma intencional relação analógica entre o testudo e o simbolismo ctoniano (ligado à escuridão), tal como se verifica noutros contextos paleocristãos30, como a Basílica Patriarcal de Aquileia31, onde a tartaruga surge em oposição ao galo que, por seu turno, constitui um símbolo celeste (ligado à claridade) 32. Estes dois animais, que nas mitologias grega e romana eram atributos dos deuses homólogos Hermes e Mercúrio33 , adquirem com o monoteísmo cristão uma simbologia antitética que expressa a oposição entre as trevas (representando o mundo antigo pagão politeísta ou até o anticristo) e a luz (referindo o mundo cristão monoteísta ou mesmo a Divindade)34. Montinho da s L ar anjeir a s (Fig.14) Do vasto mosaico policromo que pavimentava uma outra basílica paleocristã próxima do Guadiana, restam apenas dois fragmentos, respectivamente com um krater e com um espadarte (ou peixe-agulha) apresentado em meio corpo, junto a um trecho de moldura e num fundo branco com ondulação estilizada em traços paralelos. Embora se desconheça a temática principal da composição e apesar das diferentes naturezas dos motivos figurados 35 , as ondulações do fundo remetem para um ambiente aquático que, a avaliar pela espécie ictiológica em análise, será concretamente marinho. O contexto cristão em que o mosaico se insere permite pensar na hipótese de se ter tratado de uma cena de pesca bíblica com apóstolos pescadores 36 ou com o episódio do profeta Jonas engolido pela baleia, tal como se verifica na Basílica Aquileia. Neste sentido, o vaso poderia assumir «um duplo símbolo eucarístico (contentor do vinho-sangue de Cristo) e baptismal (contentor da água lustral do Baptismo)»37.

fig.13 pormenor do mosaico com tartaruga. calcário policromo. finais do séc. vi d.c. pavimento de uma basílica paleocristã. destruído. desenho de estácio da veiga. © campo arqueológico de mértola.

Conclusão

33. GRIMAL, 1992, pp. 223 e 344.

30. LOPES, 2003, p. 120. 31. DELASORTE, Aquilée Antique, Edizioni Storti, Veneza, 1989, p.76, apud LOPES, Idem, Ibidem. 32. CHEVALIER e GHEERBRANT, 1994, pp. 344 e 345.

34. CHEVALIER e GHEERBRANT, Idem, Ibidem.

As escavações até hoje efectuadas em solo nacional revelaram uma maior quantidade de representações aquáticas em mosaicos de zonas ribeirinhas e litorais, dentro de uma lógica influência dos rios e do mar nas economias e nos cultos colectivos das populações locais. Decorando êxedras, templos, tanques, implúvios e piscinas, os motivos ictiográficos assumem, nessas regiões, um duplo valor decorativo e simbólico. Mais esporádicos no interior do País, os elementos ictiológicos registam-se aí essencialmente em revestimentos de estruturas destinadas à utilização hídrica, como as termas e os implúvios, manifestando, por conseguinte, uma função sobretudo decorativa, e mais ocasionalmente em contextos devocionais privados, traduzindo, pois, um culto individual e aparentemente isolado dos encomendantes. Para além de reflectirem o grau de aculturação do imaginário romano sobre a água nas várias zonas das Províncias mais ocidentais do Império Romano, os exemplares musivos com motivos aquáticos espelham também as principais linhas do percurso evolutivo da arte do mosaico antigo, caracterizadas na época imperial (essencialmente desde o século II até ao século IV d.C.) pela mimesis de inspiração grega, pela

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35. MACIEL, 2000, p. 266. 36. Lucas, V, 3-6; João, XXI, 3, 7, 11; Mateus, VIII, 23; Marcos, IV, 36; VI, 45. Cfr. MOURÃO, 2008, pp. 134-136. 37. MOURÃO, 2008, p. 136.


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fig.14 fragmento de mosaico com espadarte (ou peixe-agulha). montinho das laranjeiras, alcoutim. calcário policromo e xisto. finais do séc. vi d.c. proveniente do pavimento de uma basílica paleocristã. museu nacional de arqueologia. © ddf/imc.

definição dos cânones clássicos de harmonia, beleza e proporção, pelo talhamento regular de cada tessela (sendo mais padronizado nos fundos e mais versátil no interior das figuras) e pela criteriosa preparação dos leitos de assentamento das tesselas (seguindo preferencialmente os preceitos vitruvianos no caso dos pavimentos), e a partir de então por um afastamento relativamente a esses ideais e preceitos. Podendo aparentar um retrocesso estético e técnico, o progressivo abandono do mimetismo e do método, bem como o subsequente desenvolvimento do expressionismo e a prática do emparelhamento abreviado constituem, outrossim, provas de transição (e, por conseguinte, de evolução) da antiguidade para a medievalidade. Subjacentes a estas mudanças, estão numerosos factores de diversa ordem, tais como o ascendente que as religiões orientais foram exercendo no seio do Império – de entre as quais se destaca o cristianismo, adoptado como religião oficial por Teodósio – e que inspiraram uma paulatina recusa dos valores da cultura romana, conotada com o paganismo; a decadência religiosa, social, política e económica que comprometeram a unidade do Império Romano; o enfraquecimento da influência da metrópole nas províncias mais afastadas, que favoreceu a emergência dos fenómenos de regionalismo; e ainda a perda de colónias com as invasões bárbaras que resultou na imposição de novas vivências, culturas e organizações sócio-políticas. Não obstante, a nova conjuntura não extinguiu os sinais do mundo antigo. Efectivamente, no domínio artístico a reutilização de símbolos pagãos em contextos litúrgicos, depois de convertidos os seus significados, atesta a continuidade das representações e indica que não houve uma verdadeira ruptura vocabular com o mundo romano, embora a interacção semântica tenha originado novos sentidos.

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Resumo «Quando... se verificar o requisito da salubridade dos recintos urbanos a levantar, ... deverão ser construídos, então, os fundamentos das torres e das muralhas...»(De architectura, 1,5,1). A evocação vitruviana é sugerida pelas linhas de torres e aparelho isódomo que molduram composições de superficie de tesselados pavimentos de Hispânia, Itália, ou de outros lugares do Império romano. Qual a iconicidade de tais representações? Imagens urbanas? Que cidades específicas representam? Ou serão símbolos visuais da limitação, da finitude humana vertidas em voluntária conexão a um mundo olímpico? Ícones urbanos ou imagens-signo?

palavras-chave arquitectura urbano signo ícone

Abstract “When (...) there shall be ensured healthiness in the laying out of the walls; (...) then the foundations of the towers and walls are to be laid.” (Vitruvius, On Architecture, edited and translated by Frank Granger, London, Harvard University Press, 1995, Book I, Chapter V, 1.) The evocation of Vitruvius is suggested by the outlines of the towers and the rows with the same height, which frame surfaces with compositions of tesserae, pavements from Hispania, Italy and other parts of the Roman Empire. What is the iconicity of such representations? Urban images? Which specific towns do they represent? Or are they visual symbols of the human boundaries and finitude in voluntary connection with the Olympian world? Urban icons or symbol-images?

key-words architecture urban symbol icon


a iconicidade de representações arquitectónicas

em mosaicos pavimentais romanos f ra n ci n e a lv e s Doutoranda em História da Arte da Antiguidade. Instituto de História da Arte – FCSH/UNL

1. Exemplo emblemático de um ícone urbano é a identificação da cidade de Paris por meio da mera representação da Torre Eiffel.

Conservado no contexto de origem, o mosaico pavimental da Domus de Cantaber, acima ilustrado, apresenta uma moldura ocupada por uma composição que, pela especificidade dos motivos e da respectiva organização, configura um padrão da musivária romana posto em voga nos finais da República: representações de modelos da arquitectura defensiva organizam-se em cercadura exterior de uma composição de superfície que, no caso concreto, desenvolve uma temática geométrica. A transição da temática anicónica para a figuração arquitectural é harmoniosamente conseguida através da continuidade cromática do fundo da composição, da continuidade do estilo lineal e da inspiração geométrica vertida nos princípios da simetria e repetição que organizam os motivos figurados: em fundo branco, acantonadas torres e centradas portas interrompem o aparelho isódomo regular delineado por filete negro de tesselas, configurando o seu conjunto, o tema da muralha. Na musivária romana da Antiguidade, a ocorrência frequente de molduras figurativas como esta (ou suas variantes) aponta para um apreciado valor icónico a que não será alheio o impresso carácter urbano, e, daí, a presente reflexão sobre o seu eventual enquadramento no conceito de ícone urbano. Este actual conceito visa a imediata identificação de um núcleo urbano por via metonímica e em esquematismo gráfico, por modo em que uma representação parcelar e de simplificado grafismo identifica o todo a que pertence, em razão da relação de semelhança entre a imagem representada (significante) e o lugar a que pertence (significado), consubstanciando, por isso, um ícone, ícone urbano1.

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a i c o n i c i d a d e d e r e p r e s e n ta ç õ e s a r q u i t e c tó n i c a s

fig.1 mosaico pavimental do séc. ii, casa de cantaber – conimbriga. © DDF/IMC.

Também neste pavimento romano, a mera representação do tema da muralha remete, de imediato, para o conceito de recinto urbano, na acepção da Antiguidade, claramente expressa, p.ex., em Vitrúvio: ‘Quando ... se verificar o requisito da salubridade dos recintos urbanos a levantar ... deverão ser construídos, então, os fundamentos das torres e das muralhas...’ (De architectura: 1,5,1). À dimensão urbana impressa na moldura musiva junta-se o especial tratamento estilístico dos seus significantes: em lineal grafismo, a representação das torres, portas e muralhas expressa uma rejeição de noções de profundidade, espacialidade, ilusionismo tão caras à Antiguidade 2 . O conjunto convida ao enquadramento das imagens arquitecturais no conceito de ícone urbano. Contudo, na contemplação desta cercadura de inspiração arquitectónica ressalta a ausência da essência do ícone urbano: na tesselada caracterização da espacialidade urbana, nada indica, sugere ou permite identificar qual o núcleo urbano, qual a cidade representada. A exclusão de qualquer intenção identificativa de um lugar perpassa em similares composições tesseladas, dispersas por todo o Império: idênticos motivos – por formas

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2. Característica apontada, p.ex., por PANOFSKY: «Estava já claramente presente na Arte bizantina a tendência para levar a cabo a redução do espaço a superfície, embora tal tendência fosse muito combatida e até repelida, por vezes, pela inclinação, vinda à tona, para o recurso à ilusão própria da Antiguidade.» in ‘A perspectiva como forma simbólica’, pp.49.


a i c o n i c i d a d e d e r e p r e s e n ta ç õ e s a r q u i t e c tó n i c a s

3. Palavras de Stella GEORGOUDI: «...pendant la longue période qui va du VIII siècle avant notre ère, jusquàu IV siècle de notre ère, est surtout une religion civique, une religion des cités, où le religieux, le social, le politique, l’ économique, forment un tout et restent étroitement liés dans la diversité de leurs aspects.», in ‘Le sacrifice en Grece ancienne, rite fondamental d’ une religion polythéiste’ ,pg.34. 4. «A uniformidade resulta do modelo de organização administrativa orientado no sentido de que «os Romanos... vão implantando por toda a parte outras tantas Romas...», como observa OLIVEIRA MARTINS na sua História da Civilização Ibérica, pp.52. 5. A alma romana, na expressão feliz que intitula uma das obras de P. GRIMAL. 6. De facto, PANOFSKY entende que «O mundo das formas puras, reconhecidas como portadoras de significados primários ou naturais, pode ser chamado o mundo dos motivos artísticos». E que a relacionação entre «motivos artísticos e combinações de motivos artísticos (composições) com temas ou conceitos» carreia o «significado secundário ou convencional», enquanto o «significado intrínseco ou conteúdo» constitui o mundo dos valores ‘simbólicos’ ; in ‘Estudos de Iconologia.´Temas humanísticos do Renascimento’, pp.21-28.

mais ou menos simplificadas, mais ou menos regularizadas mas claramente extraídas de um padrão comum – com idêntica organização linear e perimetral, não contêm registo, representação que individualize o espaço que caracterizam como urbano. De tal característica intenção extrai-se que este tipo de representações de imagens da arquitectura não pode subsumir-se no actual conceito de ícone urbano, cabendo ser enquadrado, entendido na substância de uma matriz mental onde a realidade (imagens reais) é sempre acompanhada da idealidade (significado da representação), de modo que o ‘religioso, o social, o político, o económico, formam um todo e ficam estreitamente ligados na diversidade dos seus aspectos’. 3 Aliás, a aplicação do conceito de ícone urbano no contexto da Antiguidade romana, nomeadamente na musivária, merece alguma dúvida, porquanto imagens como, p.ex., a do Coliseu, só adquiriram o estatuto de ícone urbano bem posteriormente: passaram a identificar um lugar específico, uma cidade (Roma), perdida que fora, no Ocidente, a estrutura imperial... No contexto da Antiguidade, a representação de imagens arquitecturais carreia importante valor propagandístico por meio da divulgação de um modelo construtivo (porque adoptado pela Vrbs) que deveria ser acolhido, (com maior ou menor empenho, com maior ou menor perícia, com maiores ou menores constrangimentos materiais) em todo o Império. Daí que, repetidas formas, tendencialmente uniformes 4 , circularam (p.ex., em moedas) por todo o Imperium, visando – e tão só – a difusão de um modelo, a publicitação de um contexto civilizacional, visando, em suma, a expressão da Romanitas. 5 Esta visão instrumentalmente modelar, focada na Romanitas e plasmada na romana apetência por formulários, perpassa nas imagens que molduram o mosaico acima ilustrado e, se, por tanto, as exclui do âmbito do conceito de ícone urbano, também deixa em aberto a inteligibilidade do seu valor icónico, da sua significação. Na busca daquela iconicidade e entendido o conceito de imagem no sentido panofskiano, ou seja, como ‘motivos portadores de um significado secundário ou convencional’, procedemos à leitura da ilustrada moldura musiva através da sistemática de Panofsky, porque exclusivamente dirigida à imagem visual. 6 A imediata apreensão das formas arquitecturais dos motivos (torre, porta e muralha) constitui a factualidade do panofskiano conteúdo primário ou temático, conteúdo este que é completado pela expressividade que, aqui, se plasma no modo como, em estilo lineal e técnica branca e negra, os motivos arquitectónicos se organizam em torno da composição de superfície. Na inteligibilidade da representação constata-se que a organização perimetral responde ao carácter da tipologia arquitectural representada (defensiva), vertendo, por tanto, a noção de limite, limite protector. O carácter defensivo do motivo arquitectónico articulado com a sua organização compositiva (linearmente perimetral) confere uma denotação urbana ao espaço delimitado e, consequentemente, carreia a conotação ao pomoerium, o post-murum, ou seja, a zona reservada aos mortos. Vemos pois que a relação entre os motivos e a sua organização verte uma linguagem

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a i c o n i c i d a d e d e r e p r e s e n ta ç õ e s a r q u i t e c tó n i c a s

fig.2 labirinto quadrado de quatro sectores, casa de cantaber, conímbriga. © DDF/IMC.

que diz, por modo imediato, que se está num espaço protegido, intra-muros, e, por modo mediato, que se está num espaço sagrado, fanum, num espaço de vida. Não representa, pois, um específico núcleo urbano; é a expressão plástica de uma visão própria do Homem e do Mundo vertida na denotada materialidade do mundo dos vivos (murum) em estreita ligação com a conotada espiritualidade do mundo dos mortos (post-murum).7 Esta a iconicidade, o significado secundário de molduras arquitectónicas como esta (de grafismo mais ou menos simplificado); daí a sua aplicação frequente em pavimentos musivos do vasto Imperium, publicitando uma fórmula que não tem por função identificar um lugar específico, mas sim, difundir uma visão própria do mundo: a Romanitas. Mundivisão essa que, no contexto desta formula representacional – vinculada à espacialidade urbana – privilegia a Vrbanitas, virtude cujo núcleo essencial assenta na afabilidade, na cortesia. É, pois, um discurso de Romanitas e Vrbanitas que se verte neste tipo de molduras e cuja significação pode atingir maior amplitude indexical quando se apresentam como remate de composições de superfície com o tema do labirinto.

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7. Qual «expressão de uma procura, através da referência ou representação da luta de contrários, tentando encontrar ou, pelo menos, vislumbrar uma saída para o labirinto existencial, figura tão significativamente patente em vários mosaicos de Conímbriga», M.JustinoMACIEL,‘Entre Constâncio II e Juliano’, pp.147.


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8. E diria sobre Potâmio: «A linguagem do primeiro bispo conhecido de Lisboa radica, no fundo, numa preocupação mais ideológica do que filosófica, aliás como acontece com a de Juliano. Os signos que usam contextualizam-se nos respectivos comportamentos religiosos, mas não se libertam dos referenciais do quotidiano real e cultural, preocupados que se encontram com o Homem e o seu Destino. Daí que ambos se cruzem na tomada de consciência da dialéctica Vida-Morte e/ou Morte-Vida e recorram a palavras, expressões, temas, signos artísticos e mitos para sublinhar a Vida». Op.cit., pp.147.

A associação do tema da muralha ao tema do labirinto plasma, por modo mais claro, o contexto mental da Antiguidade: monstros como o Minotauro e heróis como Teseu revelam ou sugerem receios e anseios da condição humana, substância da sua limitação, da sua finitude. Não há arbitrariedade na associação dos temas: a mensagem de protecção contida nas imagens da moldura musiva é sustentada e ampliada para um discurso de boa hospitalidade, de saudação, contidas no referente heróico daquele tema, Teseu, cujos feitos remetem para a noção de protecção e, carreiam em si o sentido da boa hospitalidade, concedida, p.ex., a Édipo quando foi banido de Tebas. Temos, pois, vertida nestas imagens defensivas a mensagem de espaço protegido, espaço de afabilidade; este discurso é reforçado na associação ao tema do labirinto, cujas conotações heróicas fazem emergir uma significação de saudação, boas vindas. A apontada iconicidade leva a que as imagens arquitectónicas deste tipo de moldura musiva não possam enquadrar-se, exclusivamente, em algum dos três tipos de signos de Peirce: a relação entre o significante (torres e muralhas) e o significado (protecção, afabilidade, cortesia) não se esgota em factores de semelhança (por isso, não é apenas Icon), exige a indexicalização à mundivisão romana antiga (por isso, não é apenas Index), pelo que não é arbitrária (não é Símbolo). Estamos, pois, perante imagens-signo: imagem no sentido etimológico (eikon, em grego) e signo porque a relação entre o significante e o significado não se ajusta exclusivamente em algum dos peircianos conceitos de icon, index e symbolus. Figurações como a ilustrada consubstanciam imagens-signo da limitação e finitude humanas vertidas em voluntária conexão a um mundo olímpico, mitológico; plasmarse-ão na musivária tardia com «maior inércia da forma e maior dinamismo do conteúdo», como observou J.MACIEL 8 e, sobreviverão metamorfoseadas em esquemas visuais novos por modo a poder dizer-se, com E.PANOFSKY, que se «transformou a história da mitologia numa alegoria da salvação».

Bibliografia GEORGOUDI, Stella, ‘Le sacrifice en Grece ancienne, rite fondamental d’ une religion polythéiste’, in ‘Religions & Histoire’, nº 14 , mai-juin, (Dijon), ed. Faton, 2007. MACIEL, M. Justino, ‘Entre Constâncio II e Juliano’, in Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Cognição e Linguagem’, nº13, ed. Colibri, Lisboa, 2000. OLIVEIRA MARTINS, História da Civilização Ibérica, Pub.Europa-América, ed.Livros de Bolso, nº 387, Lisboa. PANOFSKY, Erwin, ‘A perspectiva como forma simbólica’, ed.70, Lisboa, 1993. PANOFSKY, Erwin, Estudos de Iconologia.´Temas humanísticos do Renascimento’, ed. Estampa, Lisboa, 1995.

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Resumo A nossa reflexão abordará a questão da presença de um stibadium, leito semicircular com mesa, construído em alvenaria no interior de um ninfeu decorado com mosaico, numa posição frontal, simétrica e sobreelevada em relação ao ingresso na sala do triclinium, bem como a sua ligação com o ritual do conuiuium, na pars urbana da Villa romana do Rabaçal. Estas estruturas, descobertas nas campanhas de trabalhos arqueológicos aqui realizados entre 1986 e 1992, foram desde então interpretadas como fazendo parte de um jardim interior, dado terem sido nelas assinalada a existência, a um nível inferior, de um conjunto de cinco canaletas ligadas, aparentemente, a um tanque exterior. Inconformados com esta interpretação, observámos de novo em 1997, ao pormenor, esta construção absidal, tendo em conta a sua axialidade e o facto de nela ter sido incorporado um sistema de canalizações que permitiam, porventura, ou espalhar água por todo o pavimento de mosaico do triclinium, sala rectangular de maior aparato decorativo da pars urbana da Villa, ou, pelo contrário, melhor isolar da humidade o interior do pavimento da sala em sigma. Esta discussão será o ponto central da nossa comunicação. Serão ainda abordadas, em jeito de epílogo, questões relacionadas com a continuidade da ocupação da Villa na Antiguidade Tardia, sua provável ocupação em época suévica e a continuidade da utilização do local como espaço de habitação e de culto cemiterial até ao século XVI.

palavras-chave rabaçal antiguidade tardia stibadium

Abstract Our study will focus on the stibadium, a semicircular substructure with a table, made of masonry inside of a nymphean decorated with mosaics, in a frontal and symmetrical placement, higher in relation to the triclinium room, as well as in relation to the conuiuium, the pars urbana of the Roman villa of Rabaçal. These structures, discovered in the archaeological work undergone between 1986 and 1992, have been ever since interpreted as part of an interior garden, due to having existed, on a lower level, a group of five channels supposedly connected to an outer tank. Not happy with this interpretation, in 1997 we again observed to detail this apsidal construction, bearing in mind its axis and the fact that therein was a system of plumbing that allowed or probably spread water throughout the entire mosaic pavement of the triclinium, a rectangular room, the most decorated of the pars urbana of the Villa, or alternatively, used to better isolate the humidity of the floor. This will be the main discussion of our presentation. We will also discuss, as a form of epilogue, other issues, such as the continuity of the occupation of the Villa in Late Antiquity, its probable occupation during Suebi times and its use as a residence and as a burial cult up until the 16th century.

key-words rabaçal late antiquity stibadium


um stibadium com mosaico na villa romana do rabaçal

de cenário áulico a chão de culto cemiterial – de chão agricultado às primícias arqueológicas mig u el pe ssoa Arqueólogo / Museólogo Villa Romana do Rabaçal, Município de Penela, Conímbriga – IMC

Introdução A Villa romana do Rabaçal (Penela, Coimbra), assim denominada (tendo em atenção o nome da actual povoação vizinha) na ausência de qualquer testemunho epigráfico ou textual que refira como era conhecida, foi construída em três módulos separados, constituídos pela pars urbana, balneário e pars rustica, na segunda metade do séc. IV (Fig.1). Vem sendo sistematicamente objecto de estudos e escavações arqueológicas desde 1984. A descoberta da pars urbana ocorreu entre 1984 e 1997, abrangendo uma área de cerca de 2560 m2, a do balneário, entre 1997 e 2001, num espaço de cerca de 384 m2 , e a da pars rustica, em 1989, 1991, 1996 e 1997, e 2002 a 2007, com continuação na actualidade, numa extensão de cerca de 896 m 2. Os elementos reunidos (PESSOA, 1998; PESSOA; RODRIGO; SANTOS, 2004; PESSOA, 2007, p. 85-101) tornam possível considerar a Villa romana do Rabaçal como um exemplo característico da variedade das ricas residências rurais aristocráticas da Antiguidade Tardia da Lusitânia e um eloquente documento material do seu estilo de vida (Fig.2).

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um stibadium com mosaico na villa romana do rabaçal

fig.1 vista aérea da villa romana do rabaçal: pars urbana , balneário, pars rustica e área das nascentes (casa da nora). foto de delfim ferreira. primavera de 1994.

A residência senhorial desta Villa apresenta planta de largo peristilo octogonal, orientado segundo a rosa-dos-ventos. Aos corredores deste pórtico central estão ligados, em forma de raios, os vários compartimentos da habitação. Este tipo de planta radial, pouco comum, tem semelhanças com o que foi descoberto nas Villas, da mesma época, de Abicada (Portimão, Algarve, Portugal) (Fig.3), Valdetorres de Jarama (Madrid, Castela, Espanha) e Palazzo Pignano (Cremona, Itália). A sala octogonal da Domus Áurea, em Roma, e a construção octogonal do Macellum da Agora de Gerasa, na Jordânia (Fig.4), são construções que remetem para a ancestralidade deste tipo de soluções arquitectónicas. Os vestígios arqueológicos romanos do Rabaçal já haviam sido assinalados por Santos Rocha (ROCHA, 1905, p.144), João Manuel Bairrão Oleiro (1956), José Bento Vieira (1956) e Jorge de Alarcão (1974, p.197). Este sítio, visitado por nós em 1979, revelava, à superfície, resultante do amanho de terra por processos tradicionais, porções de mosaico solto e pequenos fragmentos de mármore com baixo-relevos. A não utilização de meios agrícolas mecanizados salvou parte dos testemunhos, pois o arado de madeira de tracção animal conservou os vestígios intactos a pouco

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um stibadium com mosaico na villa romana do rabaçal

fig.2 planta da área residencial ( pars urbana ) da villa romana do rabaçal. identificação dos compartimentos de a a z e reconstituição hipotética do alçado sul. desenho de josé luís madeira. 1993.

mais de 30 cm de profundidade. As primeiras descobertas, realizadas em terrenos cedidos solidariamente pelos proprietários (PESSOA; PONTE, 1984, p.113-116), vieram a justificar a sua compra posterior pelo Município de Penela. A implantação do sítio arqueológico do Rabaçal junto de nascentes – a água é uma das razões fundamentais pela qual a Villa foi implantada neste local - exemplifica como as suas diversas partes constituintes (associadas a um fundus, cuja extensão não foi possível ainda determinar), obedecem a um plano de construções que inclui uma luxuosa residência, com banhos próprios, integrados numa quinta agrícola com criação de gado e produção cerâmica, metalúrgica e outros. Assim o testemunham, por exemplo, o seu forno cerâmico e os sinais de metalurgia, embora mantendo o timbre urbano que lhe é conferido pelas suas termas e traça dominante da pars ur urbana, com mosaicos de raros recursos técnicos e de grande riqueza artística (Fig.5), integrando uma estrutura de tipo basilical, cuja função não foi possível determinar. Também a sua localização obedece aos preceitos dos agrónomos romanos. Está situada numa das plataformas de rebordos alcantilados na base da encosta de Maria Pares (Fig.1). Trata-se da vertente Este da Serra de Sicó (Jurássico Inferior),

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um stibadium com mosaico na villa romana do rabaçal

fig.3 planta da área residencial da villa romana de abicada, portimão, portugal. (alarcão, 1993, p.107).

percorrida por arrifes na direcção norte/sul, cobertos de terras argilosas de semeadura, vinha e olival, sobranceiros ao vale do Rabaçal, a meio do qual serpenteia a Ribeira do Rio dos Mouros ou Caralium Seco. A sua localização “numa meia encosta, com exposição privilegiada e um riacho” está em conformidade com as recomendações de Columela (De re rustica, 1.4-6). De acordo com as prioridades de Catão (De Agricultura, I, 7-1), encontramos nos campos circundantes, vinhas, hortas irrigadas, salgueiros, olivais, prados, campos de trigo, floresta, arvoredo e azinhal. Mas o que tornou a área da Villa particularmente apta para a instalação foi a ampla disponibilidade de água, garantida pela presença no local de poços e nascentes (Fig.1. Casa da Nora). Esta Villa encontra-se a menos de 12km a sudeste de Conímbriga, fazendo parte integrante do território desta ciuitas, e está bem relacionada com este centro e respectivo mercado, podendo esse facto ter sido útil quer para a venda de produtos frescos aqui produzidos quer para a aquisição de quanto fosse necessário para as exigências da vida numa Villa dotada de palácio. O facto de, a escassos centenas de metros, do outro lado do vale, a propriedade ser bordejada pela via principal, onde foi descoberto um miliário do tempo do Imperador Décio, datado de c. de 250 (MANTAS, 1985, p. 159-179; PESSOA, RODRIGO, SANTOS, 2004, p.180), que passando por Scalabis, Sellium, Conimbriga, ligava Olisipo e Bracara Augusta, garantia fáceis e rápidas ligações, bem como segurança.

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Triclinium triabsidado e stibadium com mosaico Os trabalhos aqui realizados entre 1986 e 1992 incidiram na escavação arqueológica que havia de revelar a presença de uma grande sala (Fig.6). Identificámo-la como sendo o triclínio - arquitectonicamente decorado com três absides (Fig.7), separadas do volume principal da sala rectangular (10 x 9m), todo ele pavimentado com um elaborado esquema de painéis de mosaico policromo, com motivos geométricos e figurativos (Fig.8) (PESSOA, RODRIGO, 2009, p.32-33). As duas absides laterais (diâmetro 7,5m, raio do fundo 4m) foram pavimentadas com opus Signinum. A abside central, do fundo (diâmetro 6,6m e raio do fundo 4,68m) apresentava-se dotada de um balcão ligeiramente subido, de cerca de 30 cm de altura, acima do pavimento da sala (Fig.7). Em relação ao pavimento de mosaico policromo que aí localizámos em 1992, não foi possível averiguar se originalmente se estendia a toda ou apenas a uma parte desta superfície sobreelevada, dado o estado de desagregação em que o mesmo se encontrava. O frontal desta plataforma horizontal, semelhante ao espelho de um degrau, seria de cerca de 30cm de altura, e apresenta-se decorado de placas de mármore branco – rosa. A parede do fundo curvo deste podium apresenta-se igualmente revestida de placas de mármore, das quais se conservam algumas in situ, sendo que o pavimento de mosaico policromo que o decorava apresentava um motivo de trança de dois fios e remate em V (PES-

fig.4 vista do macellum de planta octogonal, na ágora de gerasa, jordânia.

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fig.5a e 5b primavera e verão. mosaico do corredor oeste do peristylvm da pars vrbana da villa romana do rabaçal, penela, portugal. segunda metade do século iv d. c. in sitv (in pessoa, 1998, p. 33 e 34. fotografias de delfim ferreira, 1991).

SOA, 1992, p.59; Idem, 2000, II, p.146). Foram então assinaladas, abaixo do nível do referido pavimento de mosaico da abside, 5 canaletas dispostas simetricamente, convergindo em leque para um mesmo ponto comum no fundo da parede curva, em razoável estado de conservação. Era este o ponto de entrada de água, abastecida a partir de um tanque circular de recolha de água das chuvas, localizado no exterior. A inclinação das referidas 5 condutas de opus Signinum para o pavimento do triclinium, apesar de pouco acentuada, é visível, sendo que se conserva in situ, na base do frontal do balcão da abside, um dos cinco orifícios da saída de água para o pavimento de mosaico da sala rectangular. Em termos de circulação de pessoas, a ligação de quem vem do exterior para este salão nobre triabsidado faz-se a partir do corredor oeste do peristilo, por uma larga abertura, cujo umbral é decorado por duas colunas ao alto, de um lado e outro da passagem. Desce-se ao triclinium através de um ligeiro degrau de cerca de 15cm de altura, sendo que, portanto, o pavimento do triclinium se encontra a um nível abaixo do pavimento do dito corredor. A passagem para as absides laterais é feita por três vãos, provavelmente decorados com arcos suportados por pilares. A passagem para o seu interior faz-se através de soleiras em degrau, de cerca de 30cm de altura, construídas em alvenaria. Parece estarem assim criadas as condições para que o corpo principal da sala de jantar rectangular ou triclinium, decorado com um mosaico de distintos painéis com uma disposição tradicional em T + U (Fig.8), fosse dotado de um balcão para a instalação de um móvel semicircular denominado sigma

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fig.5c e 5d outono e inverno. mosaico do corredor oeste do peristylvm da pars vrbana da villa romana do rabaçal, penela, portugal. segunda metade do século iv d. c. in sitv (in pessoa, 1998, p. 34 e 35. fotografias de delfim ferreira, 1991).

ou stibadium na abside do fundo da sala (Fig.7 e 8). No caso do dominus juntar um maior número de convidados, as absides laterais assumiriam uma função idêntica. Estavam assim reunidas as condições para que a cenatio e o conuiuium decorressem num ambiente no qual o pavimento de mosaico de todo o triclínio estaria pronto a receber um espelho de água, como acontece no triclínio da Villa Tardo Antiga de Faragola (Ascoli Satriano), na Apúlia (Itália) (Fig.10), recentemente descoberta (VOLPE, DE FELICE, TURCHIANO, 2006, p.240, Fig.30). De facto, a água corrente, controlada a partir do exterior, seria o ideal para refrescar o ambiente da sala durante uma refeição em tempo quente. Em alternativa, o convívio nas outras épocas do ano, em tempo frio, decorreria nos três leitos instalados um em cada um dos lados da sala rectangular e outro na parte direita do fundo da sala? Assim sendo, nessa altura do ano seria inadequada a adução de água sobre o pavimento desta sala de maior aparato. Corresponderá esta hipotética fase de dupla funcionalidade da sala a um momento que a antecedeu no qual não estava ainda instalado o sistema de arrefecimento do ambiente através da cobertura do pavimento com água? Esta hipótese tem a ver com o facto de se conservarem in situ, na entrada tapada com degrau do lado esquerdo da abside sul, as placas de mármore até ao nível do mosaico, as quais revestem, em esquadria, a base da ombreira, sinal de que esta terá tido um momento em que estava à vista na sua totalidade. Ou estaremos perante uma simples alteração que teve lugar no decurso da obra?

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fig.6 vista do triclinium do rabaçal, tomado do lado oeste, no momento da descoberta. fotografia de delfim ferreira, 1992.

Lembremo-nos que se trata de um espaço interior exuberantemente decorado, do ponto de vista arquitectónico, com colunas, arcos, pilares, absides e, muito provavelmente, cúpulas (Fig.7). De igual modo, o pavimento de mosaico desta sala exibe, para além de sugestivos e variados motivos geométricos de grande efeito decorativo, um painel central com a apresentação das quatro estações do ano, numa composição cuidada, na qual foi usada uma ampla paleta de cores de tesselas de calcário e uma assinalável variedade de tesselas de vidro. No centro da composição destaca-se uma figura feminina sentada numa cátedra, que sugerimos poder representar Ceres ou mesmo a domina da Villa. Acrescente-se, ainda, a riqueza dos materiais de revestimento que decoram esta sala como sejam o calcário local da cornija jónica, os mármores de Estremoz/ Vila Viçosa, nos baixo-relevos, e o Marmor Tessalicum ou verde serpentinito, nos revestimentos da abside central (PESSOA, 1998, p.37–41). Ao tempo da descoberta desta área específica da pars urbana, decorrente, como dito, das escavações aqui realizadas entre 1986 e 1992, interpretámos o espaço construído em alvenaria no interior de uma abside (numa posição frontal, simétrica e sobrelevada), no fundo triclinium, como um ninfeu ou jardim interior. De facto, a assinalada existência de cinco canaletas, ligadas a um abastecimento a partir de um tanque exterior, punha de parte qualquer hipótese que não fosse a da retenção de água neste compartimento em forma de sigma. Era nossa convicção estarmos em presença de uma construção para reter água e não para a fazer graciosamente correr e divergir. Inconformados com esta interpretação observámos de novo, durante a recente obra de estabilização e drenagem das estruturas arquitectónicas da pars urbana

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fig.7 reconstituição hipotética do triclinium com stibadium (diâmetro 5,66m e profundidade da abside 4,68m), visto do lado este da entrada. pars urbana da villa romana do rabaçal. desenho de joão pocinho, 2008. fig.8 levantamento dos motivos do mosaico do triclinium da villa romana do rabaçal. desenho de josé luís madeira, 1998.

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fig.9 e fig.10 reconstituição tridimensional computorizada da cenatio da villa de faragola, apúlia, itália, com o pavimento do vão central coberto de água (volpe et alii, 2006, p. 240).

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(Fig.11), que decorreu, com o apoio do World Monuments Fund, em 2006 e 2007, toda a área deste ninfeu, e, ainda, na sequência do apontamento sobre esta questão que o Prof. Justino Maciel teve a amabilidade de nos enviar em 2004 (PESSOA, RODRIGO, SANTOS, 2004, p.133, nº286). Colocamos agora a hipótese de que as canaletas tinham por função conduzir a água do fundo da abside para o pavimento do triclinium, dado que, como atrás referido, se conserva in situ um dos cinco orifícios circulares, abertos na base da placa que reveste a parte frontal do balcão da abside (Fig.7). Vejamos ainda. A sala rectangular do triclinium faz ou não sentido ser controladamente inundada em época estival, em momentos em que as temperaturas chegam a passar os 40º? Fará sentido levar a cabo uma construção tão elaborada para dar resposta a uma simples necessidade de água para a limpeza da sala? No caso do uso deste espaço central do pavimento da sala para, em determinados momentos, receber água, o anfitrião, família e convidados teriam de estar instalados fora do espaço inundado, tendo como alternativa a moda da época de se disporem em leitos montados para o efeito nas absides (Fig.12). De facto, a abside central era a que estava preparada para receber os convivas mais importantes, estando ela própria decorada com mosaico policromo, que por falta de conservação não chegou aos nossos dias, mas do qual se conserva um decalque. Se dúvidas temos, dúvidas continuamos a ter sobre este conjunto de dados e interpretações. Uma delas se nos afigura significativa. Para onde escoaria a água da sala que cobria o mosaico do triclínio? De facto não detectámos qualquer vestígio de dreno para o seu escoamento, à semelhança do que acontece no espaço a céu aberto do peristilo. Duas hipóteses podem, em nosso entender, ser colocadas: as temperaturas de Verão são de tal modo elevadas que um fino plano de água secaria num breve período de tempo; por outro lado, a rocha calcária onde assenta a construção apresenta fracturas que se podem constituir como condutas de água para o subsolo. Ocorre-nos, ainda, uma outra interpretação para este conjunto construído, o qual apresenta uma parte, no fundo do interior do triclinium e, outra parte, no seu exterior. Ao contrário das hipóteses antes formuladas, faz sentido que possamos estar na presença de um sistema preparado para criar um ambiente seco e saudável, afastando, tanto quanto possível, a humidade do espaço interior e exterior da construção; e não fará sentido que este sistema preparado o seja para a indução de água no interior da abside e da sala rectangular. Assim sendo, a água, para eventual uso doméstico, era recolhida no tanque exterior, por gravidade, a partir da caleira do beiral do telhado que cobria a abside do fundo do triclinium. O cano instalado muito provavelmente sobre o muro de suporte, do qual apenas chegou até nós o alicerce, ligaria as duas construções. Esta implantação exterior, para além da função de abastecimento, obstava a que a acumulação da água das chuvas aumentasse o nível de humidade na área exterior da habitação. Por outro lado, a série de cinco canaletas, em plano radial, descobertas no interior da sala absidada, contribuiria, do mesmo modo, para o isolamento da humidade no

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interior do pavimento. Construções similares, com sistemas de arejamento instalados por baixo dos pavimentos, destinadas a dar resposta aos problemas da humidade do solo (por vezes dotadas de aquecimento através da montagem de uma fornalha com pavimento sobre suspensurae), foram encontradas, por exemplo, no sul da Gália, na Villa de Gleyzia d’Augrelh, em Saint-Sever (BALMELLE, 2000, p.164) e, aqui perto de nós, na Villa de Santiago da Guarda, Ansião (RODRIGO, 2006, p.220). Ainda, no quadro desta diferente interpretação, os sons emitidos na sala rectangular do triclinium, na direcção das cinco aberturas bem destacadas nas placas de mármore que revestiam o soco do balcão do centro do fundo da sala, conforme reconstituição agora proposta, seriam mais fortes. Faz sentido que as cincos cavidades ressonantes, instaladas no interior do pavimento reelevado, convergindo para um mesmo ponto de saída, ligeiramente alteado, no fundo da abside, amplificariam os sons no momento do convívio (embora de época diferente, esta clara intenção de amplificação do som em ambiente áulico, está patente na cadeira-trono de D. João VI, recentemente exposta no Museu da Faculdade de ciências de Lisboa (EIRÓ, SOARES, 2008, p.20, 47).

Considerações

fig.11 vista aérea do conjunto da villa romana do rabaçal, durante a obra de conservação das estruturas arquitectónicas, com o apoio do world monuments fund. fotografia de francisco pedro, 2006.

A adopção do leito semicircular, em que os convivas se apoiavam num almofadão, no mundo romano, correntemente apelidado de stibadium ou sigma (a partir da letra s grega), conforme estudo de E. Morvillez, desenvolveu-se no Alto Império e generalizou-se a partir do século III, em contexto pagão e cristão (Fig.12, 13). Perdurou muito tempo entre os Bizantinos, estando provada a transmissão do seu uso aos reinos bárbaros (MORVILLEZ, 1996, p.119, 126). Os exemplos de stibadia recenseados por este autor, em contexto doméstico tardio, permitem-nos conhecer as suas dimensões e a sua configuração, seja porque o sigma se conserva construído, seja porque ele se encontra delimitado no pavimento decorado da sala que lhe reserva um espaço particular, seja pela sua dedução certa, tendo em conta a escolha da decoração e o seu enquadramento em relação à arquitectura. Existem ainda casos conhecidos de sigma-fontes. As dimensões das salas para a instalação do stibadium oscilam, entre a largura total da abertura de um mínimo de 3,10m e um máximo de 7,40m de diâmetro, e uma profundidade da abside entre um mínimo de 1,80m e um máximo de 3,80m de raio axial (Idem, p.127, 158). Os stibadia desenhados em planta no pavimento devem-se ao facto do mosaicista, aplicando o mesmo princípio dos painéis em T+U dos triclinia do Alto Império, ter desenhado no pavimento o enquadramento do leito semi-circular e até mesmo a mesa. O pavimento chega, nalguns casos, a ser dividido em compartimentos, de acordo com um número máximo de elementos que tomavam parte no conuiuium (Ibidem, p.131). De facto, a adaptação do leito em semicírculo, na Antiguidade Tardia e Bizantina, está bem atestada em testemunhos textuais (MACIEL, 1996, p.75), iconográficos (MORVILLEZ, 1996, p. 147, fig. 4) e arqueológicos (VOLPE, DE FELICE, TUR-

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fig.12 cena de banquete no stibadium . pintura mural de um mausoléu de tomis, perto de constanza, roménia (morvillez, 1996, p. 158).

CHIANO, 2006, p.221-251). Segundo estudo recente de A. Arnau, sobre as Villas na Hispânia durante a Antiguidade Tardia, encontra-se documentado na Villa de El Ruedo (Almedinilla, Córdova) um dos poucos stibadia construídos, sendo que o mosaico das Villas de San Julián de Valmuza (Salamanca), Daragoleja (Granada), Fuente Álamo (Puente Genil, Córdova) e Prado (Valladolid), apresentam pavimentos de mosaico onde estava marcada a posição deste móvel semicircular (Fig.14), que tanta preferência teve entre as classes aristocráticas durante a Antiguidade Tardia (ARNAU, 2006, p.22). As novas maneiras de receber à mesa determinam a construção de salas para a refeição de aparato ou de audiência solene, adequadas a receber este tipo de leitos construídos ou amovíveis, forrados de tecidos almofadados e rolos para encosto. O gosto dos romanos pelos jogos de água levou-os a associá-los ao banquete, sendo conhecidos, como já vimos, os triclinia dotados de fontes. Com o aparecimento da expansão e uso corrente do stibadium, a partir do fim do séc. III e sobretudo do século IV (MORVILLEZ, 1996, p.126), a sua associação a jogos de água leva ao aparecimento, como vimos, dos denominados sigma-fontes a que são por vezes acrescentadas mais salas em abside para estender a refeição a um maior número de convivas. A configuração das salas ou a sua adopção às novas necessidades leva à proliferação, nas residenciais da Antiguidade Tardia, das salas absidadas ou em sigma múltiplos, com evidentes reflexos, em contextos funerários, nas sepulturas em mensa (MACIEL, 1992, p.483, Tav. I-c). Porém a marcação clara do leito ou stibadium (fixo ou amovível) só é evidente quando construído ou desenhado no pavimento, como parece acontecer em Conímbriga numa sala de fundo absidado

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fig.13 mosaico parietal da cena da “última ceia de cristo e os apóstolos”, datado do séc. vi, na basílica da santo apolinário nuovo. ravenna, itália (bustacchini, 2000, p. 112).

(4 de diâmetro e 3m de profundidade da abside), decorado com mosaico, exibindo uma concha rodeada de peixes, na Casa de Cantaber, no conjunto adoçado à muralha tardia, centrado num pátio porticado com tanque ornamental (OLEIRO, ALARCÃO, ALARCÃO, 1979, p.25, nº23). Uma evocação deste tipo de móvel, na sua versão facilmente desmontável, é hoje apresentada em exposição permanente na abside sul da sala trilobada, usada para banquetes, na Villa-Loupian (Gália Narbonense), Nord du Bassin de Thau (LUGAND; PELLECUR, 2007, p.30). Proliferam, de facto, os supostos stibadia, como é o caso da Villa de Arneiro de Maceira Lis (Fig.15) (PESSOA, 2005 a, p.44-45) e da Quinta das Longas, S. Vicente e Ventosa, em Elvas (Fig.16) (ALMEIDA, CARVALHO, 2005, p.305-306, Fig.11), na medida em que a implantação reservada ao leito não chegou até nós, porque os seus vestígios desapareceram ou não foram explicitamente marcados. Foi o que aconteceu na Villa de Torre de Palma (LANCHA, ANDRÉ, 2000, Vol. Texto, p.100-103) e, provavelmente, na Villa do Rabaçal (Fig.7).

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fig.14 desenho de mosaicos das villae de fuente álamo, san julián de valmuza, prado e daragoleja, exibindo sector decorado na cabeceira que assinala a posição do stibadium (arnau, 2006, p. 23).

Epílogo Da ocupação tardo-romana ao tempo do reino suévico da Antiguidade Tardia. De aldeia Altomedieval a espaço de culto cemiterial. De chão agricultado, no início da Idade Moderna, às primícias arqueológicas do século XX A organização geral do plano da sala triconque do Rabaçal evidencia a escolha por parte do encomendador de um modelo áulico e apresenta-se, como dito, com parte central rectangular (preparada para provavelmente conter um plano de água) e três absides para receber os convivas. Estas absides estão dotadas de espaço suficiente para a instalação dos leitos e mesa do hipotético stibadium, bem como de uma passagem de circulação periférica para acomodação dos convivas. Se esta hipótese vier a ser confirmada, no momento da refeição a cabeça dos convivas tenderia para o centro da abside, sendo que os pés estariam dirigidos para a sua curvatura (Fig.7). Estamos certos de que o triclinium do Rabaçal é originalmente triabsidado, sendo que o corpo central rectangular da sala e a abside do fundo são os espaços mais ricamente decorados. Assim sendo, as absides laterais apresentam revestimento de mármore apenas nas ombreiras dos vãos de passagem que dão para o corpo central da sala. Daí que

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fig.15 villa de maceira-lis, leiria. desenho da sala com abside e mosaico, segundo patrick russel, 1848 (pessoa, 2005, p. 45).

no caso de se tratar de um stibadium, a colocação dos convivas mais importantes teria lugar na abside do fundo do triclinium e não nas menos exuberantes absides laterais. Sendo certo de que mais do que certezas o que aqui reflectimos são as nossas interrogações, sabemos, através dos vários exemplos citados, serem conhecidas salas onde a utilização do stibadium está atestado graças à organização geral do pavimento do espaço construído, faltando claramente a indicação da mesa e do leito. De facto os painéis de mosaico de motivos geométricos e figurativos, que aqui se conservaram até aos nossos dias, podem ser observados, no seu conjunto, a partir das absides. Ao centro apenas a figura feminina sentada está disposta no sentido inverso ao da abside do fundo do triclínio, olhando a oriente, o sol nascente, evocando o momento primordial da criação renovada (Fig.8). Em contrapartida, em relação às estações do ano, dispostas de forma radial, nos ângulos da cercadura do painel quadrangular central do pavimento de mosaico desta sala, a sua observação é diferenciada para quem os aprecie de cada um dos quatro lados. O efeito é cinemático! Por outro lado, uma característica muito importante que Morvillez (1996, p.140) observou no seu estudo foi a associação frequente, mas não obrigatória, entre a hipótese da existência do leito e a forma semicircular de uma abside. Esta conjunção de forma e função torna-se mais frequente na Antiguidade Tardia com a multiplicação desta forma de sala de recepção nas habitações de todas as categorias (Idem, p.140, 142). Os dados apresentados, considerados preliminares, sobre a particularidade de aspectos arquitectónicos da Villa do Rabaçal elevam, no dizer de Theodor Hauschild, este monumento entre os exemplos de época romana tardia. Estamos certos de que as questões levantadas, não tendo uma resposta definitiva, se enquadram na problemática da variedade e complexidade do protocolo dos banquetes das elites do fim da Antiguidade, bem como das ligações entre este tipo de mobiliário e as formas muito variadas das salas de recepção que os acolhiam (Morvillez, 1992, p.143). Também, segundo Alexandra Arnau “o incremento das salas absidadas nas residências romanas (cujos estudos as relacionavam sistematicamente com a presença de culto cristão), são hoje unanimemente interpretadas em conexão com o aparecimento de um novo tipo de móvel de forma semicircular, denominado sigma ou stibadium, estrutura que substitui as tradicionais camas rectangulares (klinai) que se situavam em três dos quatro cantos das salas de refeições” (ARNAU, 2006, p.22). Voltando, ainda mais uma vez, à questão da presença da água no pavimento do triclinium do Rabaçal, pensamos que, se assim fosse, o defluxo só deveria ocorrer em época estival, sendo que o efeito de espelho e sonoridade só se faria sentir no momento após a instalação do senhor e convidados. Colocados estes num plano ligeiramente superior, no fundo da abside do triclinium, seguia-se o serviço e mesmo alguma forma de divertimento, espaço de tempo durante o qual a surpresa seria maior por tudo se passar sobre um fino plano de água. A confirmar-se, acrescido de água e da sua musicalidade, o pavimento de mosaico do triclinium do Rabaçal muito decorado, onde ressaltam nas figuras as tesselas de vidro em abundância e uma enorme diversidade de cores no painel central, reunia um quadro de ambiência

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original e requintada. Porém, outra hipótese poderá ser colocada. A instalação deste sistema poderá ter servido para controlar a temperatura no interior da sala, mas de forma que os procedimentos técnicos ocorressem em momento não coincidente com a presença do dominus e convidados? Lembremo-nos dos sumptuosos e articulados projectos de edificação de triclinia com stibadia para cenatio estival, presentes nas Villae de Faragolla (Apúlia) (Fig.14), e na de Piazza Armerina (Sicília), ambas na Itália (VOLPE, DE FELICE, TURCHIANO, 2006, p.239), os quais encontram uma correspondência perfeita na Villa espanhola de El Ruedo, Almedinilla (Córdova) (VAQUERIZO; PINES, 1995; CELDRAN, 1997). Estamos perante valores que assentam sobre uma concepção de vida aristocrática no campo em que é dada a maior importância aos rituais do conuiuium e à elegância dos espaços adequados para a sua prática. De facto, a Villa romana do Rabaçal exemplifica bem a complexa articulação da Villa da Antiguidade Tardia no território de Conímbriga, nomeadamente através do aprofundamento do conhecimento das características da luxuria e do fructus. Qual o estímulo essencial que leva os ricos proprietários a instalarem-se ao longo do ano nas próprias residências rurais? Como lembra Volpe et alli, aqui não só usufruíam de alguns momentos de repouso, de estudo e de reflexão, mas também geriam mais directamente os seus fundi (VOLPE et alli, 2006, p.242). Em tal contexto social e cultural, revelado na Villa romana do Rabaçal, é notável a multiplicação de divisões em número de 27, bem como a hierarquização dos espaços destinados às várias actividades de lazer, em que foi dada uma especial atenção às salas de jantar, a qual juntamente com as termas, jardim, interior e exterior e sala de recepções, constituem elementos diferenciadores da arquitectura rural áulica (Fig.2). De notar que esta Villa para além de integrar um palácio e banhos próprios foi dotada de amplos espaços de produção agrícola, pecuária e industrial, num quadro de expansão económica, plausível concentração da posse de propriedade e de um aumento dos estabelecimentos rurais na civitas de Conimbriga (PESSOA, 2005, p.363-401). Um traço comum entre as Villas tardo-antigas é a presença de indicadores do luxo (mosaicos, mármores, estuques, baixos-relevos), bem como o notável aumento da dimensão dos edifícios, como acontece não só em Rabaçal (Penela) mas também, aqui bem perto, em Santiago da Guarda (Ansião). Faltam-nos atestações literárias ou epigráficas para saber se a Villa do Rabaçal pertencia a uma das principais famílias aristocratas de Conímbriga ou se a sua posse é de origem eclesiástica. Poderá o grafito gravado na parte superior de um peso de tear recolhido, no ano de 2003, na escavação arqueológica da pars rustica, com a dedicatória L(ucius)VAL(erius) / V(tere) V(ale), segundo José de Encarnação, ser interpretado como um sinal da posse desta Villa por parte da família dos Valerii? (ETIÉNNE; FABRE; LÉVÊQUE, 1976, p.35, 67, 95). O certo é, pensamos nós, estarmos perante um símbolo da potentia de uma rica e culta família aristocrática, da província da Lusitânia, na civitas de Conímbriga, da Antiguidade Tardia. Esta Villa construída (conforme provam os achados numismáticos do tempo do imperador Constâncio II, cunhados depois de 351, recolhidos em níveis considerados de pre-

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opus sectile opus signinum mosaico

fig.16 planta do triclinium da quinta das longas, elvas (almeida, carvalho, 2005, p. 324).

paração da construção romana) na segunda metade do séc. IV, poderá ter sobrevivido até ao séc. seguinte, podendo mesmo, dado aos sucessivos restauros de manutenção evidenciados nos mosaicos, demonstrando a mudança do estilo de vida, servido de residência a dignatários do reino suévico no séc. V e VI (MACIEL, 2007, p.212-217). Esta afirmação é corroborada pela datação tardia de alguns vidros aqui recolhidos (ALMEIDA, Maria Manuela (2000) – Os Vidros romanos da Villa do Rabaçal, p.155-164). Porém, o seu abandono não foi imediato. Decorreu ao longo de séculos. Após o auge da sua implantação e usufruto, durante os século IV e V, durante um período de tempo que não conseguimos determinar, deu-se o sobreaproveitamento do espaço para fins habitacionais e outros, como o denotam os muros adjacentes à área urbana, ao balneário e à área rústica, bem como alterações no interior das mesmas.

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No espaço de tempo de menos de um século terá aqui ocorrido uma radical descontinuidade na forma de vida e cultura material, sendo que no século IV e no início do século V ainda se banqueteavam sobre o triclinium triabsidado, provavelmente dotado de stibadium, numa luxuosa sala de jantar com pavimentos de mosaicos policromos com profusos motivos geométricos e requintados temas figurativos ou frequentavam as termas ali ao lado, dotadas de tanques e cabines para a sauna. Mais tarde dá-se o abandono ou a transformação do ambiente da residência e das termas. Viver-se-á entre muros de pedra solta, lembrando rediz de rebanhos de gado miúdo, paredes semi-destruídas, pobres cabanas, pavimentos de terra batida, paredes-meias com espaços de sepultamento e de culto, como é próprio do status ligado ao processo de cristianização. A continuidade é só topográfica, a descontinuidade da forma de vida é total (VOLPE, 2006, p.244). No estado actual dos nossos conhecimentos não é possível esclarecer a exacta fisionomia do habitat rural Alto-Medieval do Rabaçal, sendo porém provável que esta Villa, exemplo de povoamento disperso, terá dado lugar, supostamente, a um núcleo de povoamento concentrado, porventura com o estatuto de aldeia. Os acrescentos e as adaptações assim o parecem demonstrar, tanto na área residencial, como no balneário e também na área rústica. Parece-nos, no entanto, que no epílogo desta ocupação as três partes construídas do conjunto da antiga Villa são palco, segundo estudo efectuado pelo Departamento de Antropologia da Universidade de Coimbra (SILVA, et alii, 2001, p.20-22) de sucessivos enterramentos (tendo lugar o seu maior número na área residencial), aos quais associamos as moedas aqui descobertas cunhadas nos séculos XIV, XV e XVI (PESSOA, PEREIRA, 1991, p.35-36). A nova Villa do Rabaçal, atestada em documentos do séc. XIII, gozando da protecção do Castelo do Germanelo desde o século XII, alcançava em 1514 novo estatuto e importância, atestada pela atribuição de carta de foral de D. Manuel I. A Villa romana terá estado, como local de povoamento, espaço cemiterial e de culto, ligada à comunidade do Rabaçal durante dez séculos. O local só terá cessado o seu uso comunitário após o abandono do acto de sepultar. O estatuto religioso cristão, que lhe fora porventura conferido no final da Antiguidade Tardia, só agora cessava o seu efeito no tempo do Rei D. Manuel I. As moedas recolhidas no espaço da Villa romana, cunhadas no tempo de D. João III e D. Sebastião, não o contradizem. Poderão lembrar que o estatuto de local de culto não se renova apenas por decreto real mas no silêncio de gerações. A sua transferência terá sido feita para o novo templo e adro cemiterial da nova Villa do Rabaçal, apontada por Severim de Faria em 1609 com «cem vizinhos e fresca de arvoredos» (ARNAUT; DIAS, 1983, p.64-67). A Villa romana do Rabaçal, cujo património deverá ser posto, entre outros, ao serviço do crescimento e do desenvolvimento local, passou então a chão agrícola, de culturas de sequeiro e olival, ficando ela própria sepultada cinco séculos. 1904, 1956, 1974 e 1979 marcam os pródomos da sua descoberta. Mas essa é uma história mais recente com muitos autores conhecidos, múltiplos testemunhos e solidários contributos.

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Resumo Objecto de intervenção arqueológica desde 1987, as ruínas arqueológicas de Dume, correspondentes aos vestígios da basílica cristã de meados do século VI e de parte do mosteiro fundado por São Martinho de Dume, reaproveitando parte de uma uilla romana, viram reconhecidas a sua importância e valor histórico, cultural e científico, tendo sido classificadas como Monumento Nacional - Decreto n.º 45/93, de 30-11. Apresenta-se uma síntese dos resultados obtidos, contextualizando-os no quadro da arquitectura cristã antiga de Braga e da Antiguidade Tardia do Noroeste de Portugal. Abordaremos ainda o projecto de valorização em curso, com o qual se pretende criar um pólo cultural e lúdico, que funcione como centro de interpretação do sítio, podendo receber visitas organizadas de público escolar, público indiferenciado e especialistas em Arqueologia e História.

palavras-chave arquitectura cristã antiga antiguidade tardia braga dume

Abstract

key-words

Object of archaeological intervention from 1987, the archaeological ruins of Dume, correspondents to the tracks of the Christian basilica of middles of the VI century and of part of the monastery established by Saint Martinho de Dume, re-using part of a Roman villa, they saw recognized his importance and historical, cultural and scientific value, having been classified like National Monument - Decree n.º 45/93, of 30-11. We will present a synthesis of the obtained results, integrating them in the context of the Christian ancient architecture of Braga and of the Late Antiquity of the Northwest of Portugal. We will board still the project of current increase in value, with which there is intended to create a cultural and playful pole, which works like centre of interpretation of the siege, being able to receive organized visits of school, public not specialized and investigators in Archaeology and History.

christian ancient architecture late antiquity braga dume


a igreja sueva de são martinho de dume arquitectura cristã antiga de braga e na antiguidade tardia do noroeste de portugal lu ís f on t e s Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho

“Não ornam refeições aqui dourados leitos / Da Assíria não verás a púrpura presente / Nem rútilos festins em mesa resplendente / Por cem cavernas há, segundo a regra feitos. / A taça, cujo lado ostenta asa dourada / E curva não terás; nem beberás também / De Gaza ou de Falerno, ou Quio, ou da afamada / Videira saraptena o vinho que provém. / Contudo, se da mesa a parca refeição / Bastar-te não puder, - suplico, a deficiência / Suprir busques então / Com plena paciência.” In Refectorio: verso de São Martinho (tradução de Francisco José Veloso, 1949-1950)

A Igreja Sueva de Dume: resultados actualizados Dume localiza-se a menos de 3 quilómetros da cidade de Braga, nos recortes da bordadura meridional do vale do Rio Cávado, pouco restando do seu carácter rural, dominado pela característica paisagem de “bocage”, progressivamente ­transformada pela expansão urbanística da cidade de Braga. Aí em Dume, próximo da urbs e à margem da estrada romana que ligava Bracara Augusta a Lucus Augusti por Limia e Tude, entre o saltus e o ager, levantou-se por ­meados do século VI uma basílica consagrada a S. Martinho de Tours - “(...) Erat enim eo tempore Miro Rex Civitate illa, in qua decessor ejus Basilicam Sancti Martini aedificaverat (...)”, como refere S. Gregório de Tours nos seus Miracula et Opera minora, IV, 7.

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fig.1 planta das ruínas arqueológicas da basílica de dume (uaum/lfontes).

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fig.2 pormenor da abside sul, evidenciando solução construtiva. © uaum/lfontes.

As ruínas da basílica sueva de Dume (classificadas como Monumento Nacional - Decreto N.º 45/93, de 30-11), localizam-se sob a actual igreja paroquial, no centro da freguesia, marcando a sacralidade do lugar desde há mais de 1500 anos. Mandada construir pelo rei suevo Charrarico cerca do ano 550, foi consagrada a São Martinho de Tours, como voto de agradecimento pela cura do filho. Foi esta basílica que São Martinho de Dume elevou a sede episcopal, cerca de 558, após ter fundado um mosteiro junto, adaptando uma antiga uilla romana. Dos textos coevos da fundação do mosteiro de Dume e dos séculos seguintes, transparece precisamente a importância do conjunto monástico dumiense como centro de difusão religiosa e cultural. O testemunho manuscrito de Valério Pinto de Sá, citado por João de Moura Coutinho, constitui a primeira referência explícita, datada do século XVIII, da existência de um primitivo templo soterrado sob a igreja paroquial de Dume. Relatou então, com alguma tristeza, a ampliação que se fez da igreja paroquial, sem se cuidar de proteger e estudar os inúmeros vestígios que surgiam da demolição do templo anterior, depreendendo-se a existência de uma edificação de planta trilobada, desenvolvendo-se sob o templo actual e estendendo-se pelo adro. As escavações arqueológicas que aí se têm vindo a realizar, desde 1987, permitiram colocar a descoberto vestígios correspondentes a uma ocupação do local desde o século I até à actualidade, destacando-se significativos troços do templo de época sueva (século VI) e da sua reedificação alto-medieval (séculos IX-X), confirmando-se portanto a existência das ruínas vistas no século XVIII. Os vestígios mais antigos correspondem a parte de uma uilla romana fundada nos séculos I-II e continuamente ocupada nos séculos seguintes, como comprova a construção de um balneário nos séculos III-IV, bem como a adaptação de parte dos edifícios a mosteiro, como evidenciam os testemunhos de remodelações nos séculos VI e VII.

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Os vestígios da basílica sueva estendem-se pelo adro e sob a actual igreja paroquial, numa área superior a 750 m2. Conservam-se restos da fachada, da nave, da quadra central e da cabeceira, conseguindo-se reconstituir o traçado global do primitivo templo. Construído com poderosas paredes de cantaria almofadada e de alvenaria graníticas, o edifício desenha uma planta em cruz latina orientada Oeste-Este, com cabeceira trilobada e uma só nave rectangular. (Fig.1 e 2). A excepcional dimensão do templo, mesmo no contexto peninsular, poderá explicar-se por se tratar de uma edificação de iniciativa régia, com a qual se deve ter pretendido afirmar não só o poder suevo, mas especialmente testemunhar, através de uma grandiosa obra arquitectónica, a efectiva conversão do rei e do seu povo ao cristianismo católico, conversão que São Martinho Dumiense haveria de consolidar, lançando as bases da organização administrativa e territorial da Igreja Bracarense. Este vasto edifício, com cerca de 33m de comprimento e 21m de largura máxima, apresenta uma divisão interior de espaços bem estabelecida: uma nave rectangular, com passagem à quadra central marcada por uma tripla arcatura apoiada em quatro pares de colunas, formando uma iconostasis de triplo vão; uma quadra central, que se elevaria em torre lanterna e que se prolonga lateralmente por duas absides semicirculares, formando uma espécie de transepto, ritmando-se as paredes internas com uma teoria de colunas adossadas; uma capela-mor também de planta semicircular peraltada, mais elevada e à qual se acedia por três degraus, também ritmada interiormente por colunas adossadas. Do ponto de vista da organização litúrgica do espaço, as três zonas que se diferenciam com clareza na basílica de Dume testemunham toda a complexidade do serviço litúrgico de época suévica, correspondente a uma prática de culto em que se separava o santuário e o coro, reservado aos sacerdotes, da zona da nave, reservado aos fiéis, apontando para uma tradição litúrgica cristã com origem no Mediterrâneo oriental, muito provavelmente grega. A solução planimétrica evidenciada pela basílica de Dume inscreve-se no modelo de igrejas orientais que, a partir do século VI se difundiu pelo ocidente europeu. A penetração precoce deste modelo na região bracarense parece resultar de uma difusão oriunda das regiões italianas de Milão e de Ravenna, que aqui poderia ter chegado tanto por via marítima mediterrânica, como por via continental, esta através do reino franco-merovíngio. Da decoração arquitectónica praticamente nada se conservou. Os raros elementos arquitectónicos que poderiam ter feito parte da edificação sueva ostentam formas ou temáticas decorativas de tradição clássica romana, com evoluções características da incorporação de gramáticas formais e decorativas locais e/ou regionais, assemelhando-se a produções datadas, noutros monumentos, dos séculos V-VIII: um fragmento de cancel, em mármore, com decoração vegetalista; um fragmento de friso com decoração geométrica de losangos, em calcário; um fragmento de grelha de gelosia, também em calcário; e quatro capitéis do tipo coríntio. Uma imposta granítica, decorada com motivo em espinha e roseta, poderá ser de cronologia mais avançada, eventualmente associável à reconstrução altomedieval da igreja de Dume (Fig.3a, 3b, 4, 5a, 5b, 5c, 5d). Aos séculos V-VII deve reportar-se igualmente a tampa de sepultura com restos de

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fig.3a fragmento de cancel, em mármore (mdds/msantos). © uaum/lfontes.

fig.3b fragmento de inscrição, em calcário (mdds/msantos). © uaum/lfontes.

mosaico recolhida no adro da igreja, onde integrava um conjunto de três sepulturas alto-medievais, nas quais foi reutilizada como cabeceira. Depois da edificação da basílica e da reconversão da uilla em mosteiro, no século VI, o sítio não parece ter conhecido grandes transformações, testemunhando-se arqueologicamente a sua ocupação até ao século IX. Em 866 documenta-se o abandono do mosteiro por parte do seu abade Sabarico, que se refugia em Mondonhedo, no litoral Norte galego. Em 911, Ordonho II da Galiza manda delimitar novamente o termo de Dume e confirma a anterior doação ao bispo de Mondonhedo, feita em 877 por Afonso III das Astúrias. Terá sido no quadro desta manutenção do interesse por Dume por parte da corte asturiana, que se terá reedificado a primitiva basílica sueva de Dume, erguendo-se então uma nova igreja paroquial (Fontes 1991-92; Fontes 2006).

O contexto bracarense: topografia e arquitectura cristãs antigas Capital provincial romana e sede episcopal cristã desde finais do século III, Bracara Augusta foi, nos séculos V e VI, capital do Reino Suevo, afirmando-se como um lugar central do cristianismo do Noroeste Peninsular – a Sedis Bracarensis. Após a anexação pelo Reino Visigodo, em 585, Bracara continuou a beneficiar da aliança estabelecida entre a Coroa e a Igreja, mantendo o estatuto de capital provincial civil e sede metropolitana eclesiástica.

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fig.4 tampa sepulcral com restos de mosaico (mdds/msantos). © uaum/lfontes.

Tal como se verificou noutros núcleos urbanos do mundo romano tardio, Bracara Augusta não terá deixado de reflectir a nova ‘ordem’ veiculada pela emergência e fixação do cristianismo, pois o poder político, administrativo e económico nunca se dissociou do poder religioso, sendo esse vínculo reforçado quanto o cristianismo foi decretado, em 380, religião oficial do Estado. No caso da cidade, para além de se verificar que toda a área intra-muros permaneceu ocupada até finais do século VII, constata-se que os grandes edifícios públicos romanos conheceram uma desactivação progressiva, adaptando-se alguns deles a novas funcionalidades, como sugere a implantação da catedral bracarense numa zona onde se admite que poderá ter existido um mercado romano. Por sua vez, nos suburbia, surgem novos pólos de referência cristãos, com a construção de basílicas cemiteriais, como parecem confirmar os vestígios de necrópoles em São Victor e em São Vicente, ambas junto a eixos viários importantes que ligavam Braga ao interior galego. É também nos arredores de Bracara que se constroem dois dos mais importantes mosteiros do Noroeste Peninsular – o de Dume, no século VI, por iniciativa de São Martinho, e o de São Salvador de Montélios, no século VII, por iniciativa de São Frutuoso, ambos bispos de Braga e Dume. Ainda no século V, construiu-se no monte da Falperra ou de Santa Marta das Cortiças, antigo povoado fortificado sobranceiro à cidade de Braga, um amplo edifício áulico, com templo paleocristão anexo. Muito semelhante às instalações palatinas de Recópolis, cidade do centro peninsular de fundação visigótica, a Falperra poderá corresponder ao assentamento de um chefe ou rei suevo.Do ponto de vista da arquitectura e da decoração arquitectónica, os restos conhecidos dos templos bracarenses deste período revelam-nos, por um lado, uma surpreendente actualização de modelos construtivos, detectando-se influências oriundas da zona adriática e, por outro lado, a perduração de padrões arquitectónicos romanos, com evoluções que acolhem as tradições decorativas locais, assimilando a simbólica do cristianismo (Fontes 2009). (Fig.6 e 7).

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fig.5a, 5b, 5c, 5d capitéis (mpxii/bpereira). © uaum/lfontes.

Sé de Braga A Sé Catedral de Braga localiza-se ao centro da cidade medieval, sobrepondo-se à periferia norte da malha urbana romana, em zona contígua mas ainda interior da muralha que envolveu a cidade no século IV. Sob as actuais capela-mor e quadra central do transepto conservam-se partes significativas de paredes de alvenaria e/ ou de cantaria graníticas, associadas a uma sequência ocupacional relativamente longa, que se recua até ao século I. De funcionalidade desconhecida, existiu aqui um grande edifício romano que ocuparia todo o quarteirão, com cerca de 33 x 33 metros. Para além de remodelações intermédias, atestadas por repavimentações, este edifício terá sofrido uma profunda transformação entre finais do século III e inícios do século IV, época em que terá passado a existir uma compartimentação mais ampla. Em data posterior ao séc. IV este edifício conheceu diversas remodelações, identificando-se um conjunto de elementos construídos que testemunham com clareza variações na organização funcional do espaço, desde pilares que parecem organizar uma partição em naves até vãos de portas que se rasgam e se entaipam. Sem

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fig.6 sarcófago paleocristão, dos séculos v-vi, proveniente de braga (t-msb/lfontes). © uaum/lfontes.

fig.7 epitáfio de remismuera, de 1 de maio de 618, conservado na igreja de são vicente, braga. © uaum/lfontes.

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fig.8 proposta de planta da basílica paleocristã de braga (séculos v-ix). © uaum/lfontes.

quaisquer outros dados que permitam pormenorizar as características arquitectónicas e a organização funcional dos espaços relacionados com esta fase, para além da configuração genérica em três naves, fica em aberto a possibilidade do grande edifício romano do Baixo-Império ter sido transformado em templo, até porque os vestígios considerados aceitam a sua integração no modelo basilical paleocristão que se difundiu pela Europa a partir dos séculos III e IV. Aparentemente, o modelo basilical, que se terá mantido, talvez com variações, até à organização altomedieval do território bracarense (séc. IX-X), só veio a ser definitivamente alterado depois do ano 1000, com a edificação do templo românico. Cumpre destacar, porém, a permanência dos eixos estruturantes da malha urbana romana inicial, patente no facto da mancha edificada do conjunto da catedral ocupar precisamente o espaço correspondente a dois quarteirões da cidade romana (Fontes et al. 1997-98) (Fig.8).

Falperra A estação arqueológica da Falperra (Santa Marta das Cortiças) localiza-se a menos de 3km do centro da cidade de Braga, implantando-se a cerca de 560m de altitude, no topo do promontório que remata, a Sul, o relevo em arco que desenha a cabeceira do rio Este, dominando o troço inicial do curso do rio e a plataforma onde se implanta a cidade de Braga e a estratégica abertura para o vale do rio Cávado. Este sítio já foi objecto de trabalhos arqueológicos em meados do século XX, sob a

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direcção de Russel Cortez, Sérgio da Silva Pinto, Arlindo da Cunha e Rigaud de Sousa, tendo sido integralmente descobertas e restauradas as ruínas do palácio e da basílica, interpretando-se então o conjunto como mosteiro (Sousa 1970; Cunha 1975). O diverso espólio recolhido nestas intervenções confirmou a longa ocupação do local, desde o Calcolítico até à Alta Idade Média, relevando a ocupação do período suevo e/ou visigodo. Aí se conservam, para além de vestígios das muralhas que circuitavam o povoado fortificado pré-romano e dispersas pela plataforma superior e mais ou menos visíveis, as ruínas de vários edifícios construídos em alvenaria granítica regular, que se interpretam actualmente como constituintes de um conjunto palatino de época sueva (Fontes 1999, 134; Real 2000, 26-28). Distinguem-se três edifícios, dispostos em socalcos e todos de planta rectangular: a NE, em plano superior, um grande edifício com 25x16m, correspondente a uma basílica paleocristã, com nave central e abside semicircular inscrita; ao centro, um edifício com 40x14m, com grande sala dividida por alinhamento central longitudinal de pilares e compartimentos anexos, que corresponderá à residência senhorial; em plano inferior, a SO, outro edifício, com compartimentação múltipla, tipo insula (Fig.9, 10, 11).

São Frutuoso O monumento de São Frutuoso localiza-se num pequeno outeiro denominado Montélios, a 2 quilómetros do centro da cidade de Braga, sobranceiro a um dos vários ribeiros que irrigam a ampla veiga que se estende até ao rio Cávado. É um mausoléu de fundação visigótica, tendo sido mandado erigir cerca do ano 660 pelo bispo bracarense São Frutuoso para abrigar a sua sepultura, ao lado de um mosteiro dedicado a São Salvador. O mausoléu terá sido reconstruído nos séculos IX-XI, no contexto da organização asturo-leonesa do território e acompanhando provavelmente a implementação do culto de São Frutuoso. Integrada nas ampliações posteriores do mosteiro de São Francisco, a pequena construção, que no século XVI ainda é descrita como possuindo 22 colunas no seu interior, viria a ficar emparedada entre as alas do convento, sendo “redescoberta” em 1897 pelo arquitecto Ernesto Korrodi. Na década de 30 do século XX, foi sujeito a um discutido projecto de restauro orientado pelo arquitecto João de Moura Coutinho (Brito 2001). (Fig.12). Considerado como o mais importante e complexo exemplar de arquitectura cristã préromânica existente em território português, o mausoléu de São Frutuoso já foi objecto de inúmeros estudos, continuando os investigadores a dividir-se, na interpretação do modelo arquitectónico dominante, entre “visigotistas” e “moçarabistas” (Pinto 1968; Coutinho 1978; Almeida 1986; Hauschild 1986; Fontes 1989; Real 1995). Não ultrapassando os 13 metros em cada eixo, construído em sólido aparelho de cantaria granítica, o mausoléu apresenta uma planta em cruz de braços quadrados iguais, o do lado poente recto e com cobertura em abóbada de canhão e os restantes três abrigando absides em arco de ferradura e cobertura compósita. Ao centro eleva-se uma torre-lanterna, rematada por cúpula semi-esférica em tijolo.

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fig.9 planta do conjunto palatino da falperra (segundo sousa 1970). © uaum/lfontes.


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fig.10a pormenor das ruínas da basílica, fotografada em 1954 (uaum/rcortez). © uaum/lfontes.

fig.10b pormenor das ruínas da basílica, fotografada em 1954 (uaum/rcortez). © uaum/lfontes.

Interiormente apresenta soluções arquitectónicas elaboradas, desde os arcos centrais das absides com tímpanos tripartidos em arcos em ferradura, assentes em pares de colunas e de impostas, de granito, calcário e mármore, todos com decoração em folhas de acanto, tipo coríntio tardio, até à profusão de sapatas de colunas no

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fig.11 capitel dos séculos v-vi (mdds/msantos). © uaum/lfontes.

fig.12 perspectiva geral exterior do mausoléu de são frutuoso (uaum/scatalão). © uaum/lfontes.

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interior das absides, reveladoras da estruturação de um tecto de grande complexidade formal, cujo arranque era marcado por um friso de calcário decorado com flores-de-lis em semi-círculos (Fig.13). Exteriormente, o classicismo das formas é animado, nas absides, por frisos e filetes em calcário, com decoração esculpida representando cordas, contas de rosário e bandas de flores-de-lis inscritas em semi-círculos; no corpo central elevado, para além dos frisos e filetes, sobressai o entablamento da cornija, decorado com uma arcatura cega de tipo lombardo, em que alternam dois arcos em ferradura com um arco em mitra. O arcosólio e o respectivo sarcófago patentes na fachada setentrional da abside nascente são reconstituições propostas pelo arquitecto Moura Coutinho.

O contexto regional: povoamento e organização do território no domínio suevo e visigodo (sécs. V-VIII) É aos bispos bracarenses, especialmente S. Martinho de Dume e S. Frutuoso, que se deve uma organização territorial administrativa completamente desenvolvida, com numerosas paróquias e igrejas privadas. E, ao contrário do que a historiografia tradicional considerou, da documentação coeva, designadamente das disposições conciliares, retira-se precisamente que os séculos V, VI e VII foram um período de contínuo labor construtivo, especialmente impulsionado pela Igreja, como confirmam os testemunhos materiais que a arqueologia tem vindo paulatinamente a descobrir. Este labor construtivo depreende-se com clareza dos cânones conciliares de Braga, que testemunham a proliferação de novos templos, cuja consagração importava regular e o cuidado colocado pela hierarquia da Igreja na fixação de procedimentos que assegurassem a conservação dos edifícios de culto (Maciel 1996, 80). No meio rural, nas proximidades de aglomerados populacionais de maior ou menor importância (castra-castella, vicus e villae), junto a antigos santuários ou em locais de interesse colectivo, como centros mercantis, surgiram também igrejas, basílicas e mosteiros, construídas por iniciativa do bispo, das comunidades locais ou por vontade individual de um proprietário mais abastado – para além dos vestígios seguros de templos na cidade de Braga e nos seus arredores (Dume, São Frutuoso e Falperra), estão identificadas ruínas de um templo suévico ou visigótico na Costa (Guimarães) e indícios muito prováveis de outros em Santa Eulália de Águas Santas / Rio Covo e Banho (Barcelos), Facha (Ponte de Lima), Vila Mou (Viana do Castelo), Antime (Fafe), São João de Rei (Póvoa de Lanhoso), Santa Maria de Ferreiros (Amares), São João do Campo (Terras de Bouro) e Santo Adrião (Vizela) (Almeida 1986; Costa 1997). No mais vasto território bracarense, a revisão crítica da documentação e da bibliografia, a par de novos achados arqueológicos, proporcionam uma nova leitura da ocupação e organização do território, até hoje insuspeita (Fontes 2009).

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Mais abundantes e dispersos por toda a região do entre Douro-e-Minho, são os inúmeros locais correspondentes a povoados que oferecem testemunhos arqueológicos de ocupação continuada até à alta Idade Média: Cantelães, Parada de Bouro, Pandozes e Rossas, em Vieira do Minho; Lindoso, em Ponte da Barca; Lanhoso, Calvos e São João de Rei, em Póvoa de Lanhoso; Beiral do Lima, Facha, Boalhosa, Santo Ovídio e Santa Cruz do Lima, em Ponte de Lima; Santa Eulália de Águas Santas, Faria, Arefe, Lousado, Cristelo, Martim, Vila Cova e Abade de Neiva, em Barcelos; Cendufe, Eiras, Giela, Tavares, Parada e Santa Maria do Vale, em Arcos de Valdevez; Vila Mou, Areosa, Carmona e Santa Luzia, em Viana do Castelo; Lovelhe, em Vila Nova de Cerveira; Alvaredo, Paderne e Castro Laboreiro, em Melgaço (Fontes 2009). (Fig.14). Se a estes vestígios, a que acrescem todos os outros cartografados na Figura 17, acrescentarmos as referências toponímicas de antroponímia genitiva, isto é, relativa a possessores ou proprietários, reconhecidamente anteriores ao domínio árabe na Península (Fernandes 1990, 257), ficaremos com um quadro bem mais aproximado da densidade de ocupação do território (Fig.18) durante os séculos V-VII. (Fig.15). No vasto território entre os rios Minho e Douro, os grandes povoados fortificados (os castra-castella de Idácio), são omnipresentes. Embora alguns devam ser de fundação contemporânea do domínio suevo-visigótico, a maior parte são de fundação bem mais antiga, ainda anterior ao domínio romano. Com ocupação continuada ou interrompida, esses povoados abrigaram as populações que, fortemente rarefeitas pelas fomes e pestes do século VII, sobreviveram aos tempos incertos de desarticulação do poder no século VIII e que no século seguinte viriam a sustentar o novo esforço de organização protagonizado pela expansão asturiana. Abandonados definitivamente a partir dos séculos X-XI, continuaram a servir de referencial na localização das propriedades e na delimitação de termos durante toda a Idade Média. Ainda hoje chamados ‘castros’, permanecem agora envoltos em lendas de mouras encantadas, que parecem proteger as suas ruínas, até que alguém desvende os seus mistérios e construa as suas memórias.

O projecto de valorização das ruínas arqueológicas de Dume Culminando um longo processo de petições e requerimentos, já iniciado em 1919 de modo informal, aquando da retirada do Túmulo dito de São Martinho de Dume da capela-mor da igreja paroquial de Dume, e mais formalmente desde 1981, foi superiormente determinado, por despacho do Senhor Secretário de Estado da Cultura, de 20 de Novembro de 1982, que se procedesse à instalação do referido túmulo na paróquia, devendo para o efeito serem criadas as condições indispensáveis. Entre 1987 e 1991, na sequência quer das obras de restauro da capela de Nossa Senhora do Rosário, como da ampliação da igreja paroquial de Dume, realizaram-se

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fig.13 vista parcial do interior do mausoléu de são frutuoso (uaum/scatalão). © uaum/lfontes.


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fig.14 cartografia arqueológica de povoamento nos séculos v-vii, entre os rios minho e douro. © uaum/lfontes.

escavações arqueológicas, financiadas pelo governo central através do ex-Instituto Português do Património Cultural e pela Fundação Calouste Gulbenkian, no subsolo do adro e no interior da igreja, colocando-se a descoberto um importante conjunto de vestígios da época de São Martinho de Dume. A importância e valor histórico, cultural e científico das ruínas arqueológicas de Dume, correspondentes aos vestígios da basílica cristã mandada construir pelo rei suevo Charrarico, em meados do século VI e de parte do mosteiro fundado por São Martinho de Dume, reaproveitando parte de uma uilla romana, da qual se conserva a totalidade da planta de um balneário, levaram à consideração, já em 1991, de que a instalação do túmulo dito de São Martinho de Dume na freguesia se deveria associar à conservação e valorização das ruínas arqueológicas descobertas em torno

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fig.15 cartografia de toponímia antroponímica genitiva anterior ao século viii, entre os rios minho e douro (segundo fernandes 1990). © uaum/lfontes.

da igreja paroquial de Dume, abandonando-se o projecto inicial de colocação na capela de Nossa Senhora do Rosário, a qual se veio a considerar inadequada. Esta valorização deveria contemplar, numa 1.ª fase, a construção de raiz de um edifício para albergar o Túmulo dito de São Martinho de Dume e para funcionar como centro de recepção ao Núcleo Arqueológico de São Martinho de Dume, numa 2.ª fase, a criação de um percurso museológico entre o novo edifício e a igreja, à menor cota possível, isto é, sob o actual adro, de modo a proporcionar uma visita às ruínas conservadas; numa 3.ª fase, será completado o circuito com a valorização do balneário romano. Cumprindo todas as formalidades legais, que contemplaram a aprovação do projecto pelo Instituto Português do Património Arquitectónico, após escavações arqueológicas prévias entre 2003 e 2005 e satisfação dos requisitos de funcionalidade e de

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fig.16 perspectiva actual do núcleo museológico de dume. © uaum/lfontes.

fig.17 antevisão da 2.ª fase de valorização das ruínas arqueológicas de dume, na zona do adro (cmb/amiguel). © uaum/lfontes.

segurança estabelecidos pelo Museu Regional de Arqueologia D. Diogo de Sousa, construiu-se em 2006, com financiamento do Município de Braga, o edifício para albergar o Túmulo dito de São Martinho Dumiense. Com este equipamento, inaugurado no dia 6 de Agosto (dia da festa litúrgica de São Martinho de Dume), pretendeu a Junta de Freguesia de Dume criar um pólo destinado a fins culturais e lúdicos, funcionando como centro de interpretação do conjunto de ruínas arqueológicas de Dume, podendo albergar exposições, recepcionar visitas organizadas de público escolar e público indiferenciado mas também de especialistas em Arqueologia e História, potenciando a sua integração, com outros monumentos da época, num circuito da ‘Braga Cristã Antiga’. O visitante poderá, assim, no futuro, não só observar o monumento funerário, como fazer uma espécie de ‘viagem no tempo’, circulando em cave pelo adro e interior da igreja, vendo ruínas da uilla romana e do mosteiro e basílica suevas (Fig.16 e 17).

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Costa, A.J. 1997. O Bispo D. Pedro e a Organização da Arquidiocese de Braga, vol. I, (2.ª ed., refundida e ampliada), Braga: Irmandade de São Bento da Porta Aberta. Coutinho, J.M. 1978. S. Frutuoso de Montélios: as artes pré-românicas em Portugal. Braga: Aspa. Cunha, A. R. 1975. Trepando aos montes. O Distrito de Braga, 2.ª Série, I: 487-495. Fernandes, A.A. 1990. Oposição toponímica à doutrina do despovoamento do Norte de Portugal nos séculos VIII-X. In IX Centenário da Dedicação da Sé de Braga, Actas do Congresso Internacional, I: O Bispo D. Pedro e o ambiente Político-Religioso do Século XI. Braga: 225-282. Fontes, L. 1989. S. Frutuoso de Montélios, Braga: Comissão de Turismo Verde Minho. Fontes, L. 1991-92. Salvamento Arqueológico de Dume (Braga). Resultados das Campanhas de 1989-90 e 1991-92. Cadernos de Arqueologia, Série II, 8-9: 199-230. Fontes, L. 1999. O reino Suevo e o papel da Igreja na organização do território, in A História no Eixo Atlântico, (coord. de Xosé Manuel Souto González). Vigo: Eixo Atlântico do Noroeste Peninsular: 131-143. Fontes, L. 2006. A Basílica Sueva de Dume e o Túmulo dito de São Martinho. Braga: Núcleo de Arqueologia da Universidade do Minho. Fontes, L., Lemos, F. e Cruz, M. 1997-98. “Mais Velho” que a Sé de Braga. Intervenção Arqueológica na Catedral Bracarense: notícia preliminar. Cadernos de Arqueologia, Série II, 14-15: 137-164. Hauschild, T. 1986. Arte Visigótica, in J. Alarcão (coord.), História da Arte em Portugal, 1. Lisboa: 149-169. Maciel, M.J.. Antiguidade Tardia e Paleocristianismo em Portugal. Lisboa: Ed. autor. Pinto, S.S. 1968. Notas sumárias de ordem histórica sobre a igreja de S. Frutuoso. Bracara Augusta, 22 (51/54): 113-120. Real, M. L. 1995. Inovação e Resistência: dados recentes sobre a antiguidade cristã no ocidente peninsular, in IV Reunió D`Arqueologia Cristiana Hispánica, Barcelona (Lisboa 1992). Barcelona: 17-68. Real, M. L. 2000. Portugal: cultura visigoda e cultura moçárabe, in Visigodos y Omeyas. Un debate entre la Antigüedad Tardía y la Alta Edad Media. Madrid: Anejos de AEspA, XXIII: 21-75. Sousa, J.J.R. 1970. A Estação Arqueológica da Falperra. Notas para a sua História. Arquivo de Beja, XXV-XXVII: 57-64.

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Resumo Os trabalhos de conservação e restauro sobre grandes áreas de mosaico conservados in situ levantam diversos problemas logísticos inerentes ao registo, nomeadamente da forma e conteúdos dos painéis, do diagnóstico de patologias e do relatório de intervenção. A necessidade de registar dados que têm expressão ao nível de uma tessela – área frequentemente inferior a 1cm2 – sobre áreas totais da ordem das dezenas ou centenas de metros quadrados, limitada pelas condições do local – meteorologia, ciclo diário e sazonal, etc. – obriga a que se instituam metodologias que permitam abreviar o tempo necessário para resolver todas as operações de registo com a acuidade essencial. Os métodos e as ferramentas fundamentais para agilizar o processo de registo são os assuntos deste artigo.

palavras-chave mosaico conservação in situ registo digital diagnóstico de patologias carta de risco

Abstract The conservation and restoration work of great areas of mosaics preserved in situ bring about a series of logistical problems inherent to its register, namely the disposition and content of the panels, the diagnosis of pathologies and the intervention report. The need to record data of a tessela – an area normally smaller than 1cm 2 – on top of a total area of tens or hundreds of square meters, limited to the local conditions – weather, daily and seasonal cycles, etc – demands that methodologies be applied so as to save time to solve every register operation with the essential acuity. The fundamental methods and tools for this register process will be the focus of this article.

key-words mosaic conservation in situ digital record diagnosis of pathologies risk letter


diagnóstico de danos sobre grandes áreas de mosaicos conservados in situ j o s é lo u r e n ço g on ç a lv e s Conservador-Restaurador. Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas – C.M.S.

1. N. Stanley-Price, Excavation and Conservation, (1995): 1.

“Destruction of evidence is painful easy, and yet so hopelessly irreparable” H. Carter and A. C. Mace, The Tomb of Tutankhamum, Vol. 1 (1924): 124

Na obra fundamental “Conservation on Archaeological Sites”, coordenada por Nicholas Stanley Price, pode ler-se que: “A conservação de bens arqueológicos deve começar no terreno. O planeamento das necessidades de conservação deve ser estabelecido na proposta de escavação.”1 Contudo, a ausência desta noção essencial presidiu a esmagadora maioria, senão mesmo todos os trabalhos arqueológicos da primeira metade do século XX. A consequência directa desta situação foi a abertura de numerosos sítios arqueológicos, e a concomitante exposição de grandes áreas com vestígios aos agentes atmosféricos e a outros agentes de degradação. Assistimos, assim, impotentes à destruição de numerosos vestígios arqueológicos que haviam sobrevivido durante séculos ou milénios sob a camada de terra que os protegia. Nos sítios arqueológicos com mosaicos, assistimos à reacção natural de proteger o mais aparatoso: os estratos de tesselas, elevados então à condição de obra de arte que – como se de uma pintura se tratasse – foram sistematicamente levantados, re-

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movidos e encastrados em suportes de betão armado. Outros locais, porém, onde a falta de recursos não permitiu a aplicação desta metodologia foram, simplesmente, votados ao abandono e à destruição paulatina dos seus vestígios. “A localização física de um sítio faz parte do seu significado cultural. Um edifício, uma obra ou qualquer outro componente de um sítio, devem permanecer na sua localização histórica. A relocalização é, em geral, inaceitável a menos que seja a única prática que garanta a sua sobrevivência.” A Carta de Burra. Carta do ICOMOS da Austrália para a Conservação de Sítios com Significância Cultural (1979): art.º 9.1

Como é do conhecimento geral, os problemas decorrentes das opções técnicas do passado conduziu, ao longo das últimas quatro décadas, a uma mudança radical na abordagem da escavação/conservação de sítios arqueológicos. Tal mudança deve-se, não só aos problemas inerentes aos materiais e métodos utilizados nas intervenções de transladação de painéis de mosaico, mas sobretudo à perda de significância dos sítios espoliados. Impôs-se, então, o recurso a métodos de conservação preventiva. Normalmente recorrendo a técnicas diversas de reenterramento, entre campanhas de trabalhos arqueológicos, de conservação ou mesmo de musea­ lização. Apesar de apresentarem bons resultados, as técnicas de reenterramento comportam também alguns problemas. Regra geral, quanto menos intensivas e mais temporárias – caso do simples backfilling –, menor eficácia apresentam em termos de conservação. Obrigando, assim, a trabalhos de monitorização e manutenção. Salienta-se que, de acordo com a Carta de Lausanne do ICOMOS: “O objectivo fundamental da conservação do património arqueológico é a manutenção in situ dos monumentos e sítios, incluindo os respectivos achados. Assim, qualquer transladação viola o princípio segundo o qual o património deve ser conservado no seu contexto original. Este princípio sublinha a necessidade de uma manutenção, de uma conservação e de uma gestão adequadas. Desse facto decorre que o património arqueológico não deve ser exposto aos riscos e consequências das escavações, nem abandonado após o fim das mesmas, sem uma garantia prévia de financiamento que permita a sua adequada manutenção e conservação.” Carta Internacional sobre a Protecção e a Gestão do Património Arqueológico, ICOMOS, Lausanne, Suiça (1990): art.º 6

Por outro lado, o recurso ao reenterramento provisório ou temporário aplica-se, normalmente, em locais onde os trabalhos ainda não cessaram totalmente ou, caso tenham terminado, onde se perspectiva musealizar e expor os mosaicos e vestígios contíguos. Ora esta situação comporta alguns problemas de ordem prática às equipas de conservação e restauro, especialmente nos sítios arqueológicos onde a área total de mosaicos escavados é extensa, i.e. em locais onde é praticamente impossível destapar todos os mosaicos de uma só vez e proceder ao necessário diagnóstico de da-

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nos, prévio a qualquer trabalho de conservação, de restauro, de musealização, etc. “A conservação do património construído é executada segundo o projecto de restauro, que se inscreve numa estratégia para a sua conservação a longo prazo. Este «projecto de restauro» deverá basear-se num conjunto de opções técnicas apropriadas e organizadas segundo um processo cognitivo que integra a recolha de informação e a compreensão profunda do edifício ou sítio.” Carta de Cracóvia, Princípios para a Conservação e Restauro do Património Construído; Polónia (2000): art.º 3

Nestes casos, é forçoso instituir uma estratégia no terreno que deve ser ajustada ao local e suas especificidades, com vista à obtenção da maior quantidade de dados no menor decurso de tempo. Uma hipótese metodológica, seus instrumentos e técnicas é que se propõe apresentar de seguida. A proposta tem por base uma estratégia própria e requer alguns recursos técnicos específicos necessários ao objectivo final, que é a elaboração de um mapeamento de danos.

Estratégia Em primeiro lugar é necessário medir toda a área onde se pretende trabalhar e segmentá-la em áreas de trabalho menores, que corresponderão a fases de trabalho. Deve-se, tanto quanto possível relacionar as pequenas áreas com a arquitectura dos locais e respectiva distribuição modular. Como, nem todos os trabalhos se realizam no Estio, nem sempre faz bom tempo, importa adquirir um abrigo provisório adaptado e dimensionado às pequenas áreas de trabalho.

Recursos técnicos Para cada área descoberta deve-se instituir uma metodologia coerente e transversal aos trabalhos de conservação e restauro, i.e.: a) registo prévio; b) diagnóstico de danos; c) mapeamento e, d) proposta ou projecto de intervenção. Atendendo a que as técnicas de registo de mosaicos não são rápidas e que os problemas dignos de registo se podem reflectir à escala de uma tessela ou seja, uma mancha frequentemente inferior ao cm2 –, impõe-se o recurso a métodos que permitam coligir a maior quantidade de dados, com o detalhe necessário, no menor decurso de tempo. Tarefa assaz facilitada como a democratização das máquinas fotográficas digitais, dos computadores portáteis, do software user frendly, etc. Assim uma hipótese de registo consiste em fotografar a área de trabalho segundo fiadas ortogonais, com uma margem de sobreposição suficiente para poder-mos montar um mosaico de figuras com facilidade, descartando as margens distorcidas pelo efeito

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fig.1

da curvatura da lente. As fotos devem ser sempre tiradas à mesma distância para que haja uma relação de escala directa. Distância essa, que ser suficientemente próxima para captar com rigor os contornos de cada tessela. A aplicação de marcas, ou alvos, no tesselato também pode ser equacionada para facilitar a montagem do mosaico final. As imagens adquiridas podem ser facilmente descarregadas num computador e o mosaico de figuras pode ser realizado com relativa facilidade num software apropriado. Um programa que permita manipular a transparência das imagens é de grande utilidade, como por exemplo: o Photoshop® da Adobe©. O mosaico de imagens agora convertido num único ficheiro1 – atenção ao tamanho! – pode ser aberto num programa de desenho que permita traçar polígonos sobre as imagens e atribuir-lhes cores diferentes, bem como agrupá-los de formas diversas, consoante o tema: patologia, intervenção, motivo figurado, etc.

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1. Qualquer software de artes gráficas, mesmo os mais elementares, possui as ferramentas necessárias para estas operações. A título de exemplo refere-se o CorelDraw®, mas existem outros mais elementares e de distribuição gratuita.


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fig.2

Utilizando a ferramenta zoom de um programa de desenho pode ampliar-se a imagem até que esta fique com as tesselas com tamanho aceitável para que possam ser facilmente traçadas pelos seus contornos – tessela a tessela. As telas resultantes podem ser facilmente impressas em qualquer escala e levadas para o campo.

Mapeamento Na posse de uma estratégia de intervenção e das ferramentas necessárias podemos, então, dar início ao mapeamento dos danos observados. O registo de danos deve ser o mais objectivo possível, de modo a que os danos observados numa determinada área sejam facilmente correlacionados com danos similares observados numa outra área, numa outra fase. Deve ser também facilmente inteligível por todos os outros que, não estando presentes no terreno vão analisar a informação coligida. Ou seja, o registo deve ser orientado por um glossário pré estabelecido que permita abranger todos pontos de observação dos mosaicos em causa, mas que seja,

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simultaneamente, sucinto e universal, para que a informação não se disperse em particularismos complexos. A título de exemplo o glossário publicado pelo Getty Conservation Institute, e elaborado em parceria com o Israel Antiquities Authority, compreende estes requisitos e está disponível gratuitamente para download na internet, através do endereço: http://www.getty.edu/conservation/publications/pdf_publications/mosaicglossary.pdf

Partindo de um glossário pré-estabelecido devem-se elaborar tabelas matrizes com o leque de patologias que se espera encontrar, bem como dos primeiros cuidados de conservação que preconizam realizar. Cada técnico a operar no local deve ter uma cópia da tabela. A tradução livre da terminologia patente no glossário para a linguagem utilizada no local – caso não seja o inglês – e a sua correlação com códigos de cores, numéricos e/ou alfanuméricos nessas tabelas, permite objectivar as observações no terreno e a sua sistematização em fichas de diagnóstico apoiadas pelo mapeamento gráfico nas telas desenhadas. A designação dos fenómenos observados pelos seus respectivos acrónimos, permite reduzir a linguagem sem perda significativa de informação. O mapeamento dos fenómenos com cores permite localizar, prontamente, as observações efectuadas. O registo no terreno pode ser feito com métodos tradicionais, utilizando lápis de cor directamente sobre o papel com os desenhos do tesselato impresso, tendo que haver para o efeito uma tela com as tesselas pintadas em cor próxima do real subjacente a uma tela do mesmo tesselato representado apenas a contorno. Os lápis não têm de ser de grande qualidade. Devem ser, contudo, de aquisição fácil, para que possam ser facilmente substituídos, e que tenham um leque de cores equivalentes ao número de aspectos que se pretende retratar. A selecção de cores e a sua relação com as diferentes patologias ou intervenções é de livre arbítrio, apesar de apresentar algumas vantagens seguir algumas regras, tais como: Reservar a ausência de cor (ou branco) para a limpeza do tesselato, que é um tipo de intervenção que se faz sempre e em toda a área. Relacionar um conjunto reduzido de patologias com as cores reais dos fenómenos, como o verde para problemas com espécies vegetais, ou tons escuros para problemas com sujidades. Associar tons semelhantes a grupos de patologias, como por exemplo: escolher uma gama de azuis para os diferentes problemas que se podem registar ao nível das tesselas e outra gama diferente para problemas no substrato. Atendendo à limitação de cores disponíveis, escolher gamas de cores semelhantes para patologias e intervenções, uma vez que elas irão constar em mapas temáticos separados. Atribuir um número a cada cor utilizada, para os casos de dúvidas entre tonalidades diversas, etc. A aplicação da metodologia proposta apresenta contudo alguns obstáculos, particularmente a dificuldade de fazer os mosaicos de imagens sem defeitos e o número de horas que se consomem em gabinete a desenhar – tessela a tessela – no

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d i ag n ó st i co d e da n o s s o b r e g r a n d e s á r e a s d e mo sa i co s co n s e rva d o s i n s i t u

computador. Ainda, assim, permite poupar imenso tempo no terreno. Apresenta a grande vantagem de permitir fazer paulatinamente diagnósticos de danos em fases diferentes e sequentes, cujos dados são perfeitamente correlacionáveis entre si e que são passíveis de ser coligidos numa carta de riscos única e abrangente. Tal documento permitirá desencadear, de forma precisa, os restantes instrumentos de gestão do sítio arqueológico necessários para a instituição de programas de manutenção, de conservação, de restauro e de musealização. Neste exercício o tamanho exagerado do ficheiro resultante pode ser um problema.

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Resumo De modo a implementar as recomendações do ICCM (1986) no sentido de preservar os mosaicos no seu contexto arqueológico, a equipa que desde 1984 tem vindo a estudar a Villa romana do Rabaçal tem efectuado esforços no sentido de adquirir conhecimentos que permitam seleccionar medidas para a sua preservação e conservação in situ. De modo a avaliar as condições atmosféricas a que os mosaicos estão sujeitos e projectar uma possível cobertura, enquadrada no Plano de Salvaguarda 2007-2009 proposto, foi instalada uma estação meteorológica, na qual se regista os valores atmosféricos de temperatura, humidade, pressão, direcção e velocidade do vento, precipitação, e humidade no solo (em contexto não arqueológico). Foram ainda instalados sensores de temperatura e humidade no solo, o mais próximo possível dos mosaicos, aproveitando as lacunas dispersas. Foram estudadas algumas características do solo local, tendo sido analisadas a granulometria, composição mineralógica, quantidade de matéria orgânica e taxa de infiltração da água no solo. De modo a inventariar locais com aptidão para a exploração de tesselas calcárias, com cores idênticas às que estão aplicadas nos mosaicos, a utilizar em futuros trabalhos de conservação e restauro, foi efectuada uma campanha de prospecção geológica na região, verificando-se a existência de matéria-prima semelhante em antigas pedreiras e outros pontos de possível exploração em lugares que distam menos de 5km da villa romana do Rabaçal.

palavras-chave mosaicos condições climáticas monitorização solo água

Abstract

key-words

The ICCM recommendations (1986) recognized the importance of maintaining a mosaic in its original archaeological context, so it is of significant importance that it remains in situ. The preservation of the mosaics of roman villa of Rabaçal has been problematic due to the atmospheric conditions and the absent of a shelter. This fact worried the archaeological and interdisciplinary teem in charge since 1984, and they have made all the efforts to minimize the possible damages. In order to evaluate the atmospheric conditions and design a possible shelter to the mosaics, a weather station was installed with probes of temperature, humidity, barometric pressure, wind speed and direction, precipitation, and soil volumetric water content, which probe is located in an non archaeological context. Other datalogger system was installed to measure temperature and water content near the mosaics, for instance, in lacunas. The soils that cover the mosaics for centuries are also important. So it was analysed the particle size, mineralogical composition, organic content, and permeability. To evaluate potential exploitation of limestone tesserae, with similar colours to the used in mosaics conservation, a geological prospecting research was made in the surrounding area. For distances less than 5km, raw material was found with similar colours, with possibility to be used in future conservation works.

A g rad e cim e n to s : O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do projecto POCTI/ HAR/48095/2002, Caracterização e reabilitação das estruturas arqueológicas da Villa Romana do Rabaçal. Ao Prof. Doutor Fernando Pedro Figueiredo e Dra. Dulce Pitarma, pelas sugestões e leitura atenta deste trabalho.

mosaics atmospheric conditions monitoring soil water


monitorização de mosaicos in situ da villa romana do rabaçal l íd ia m . g . c ata r i n o Centro de Geociências, Departamento de Ciências da Terra, U.C.

Introdução A Villa romana do Rabaçal localiza-se na Beira Litoral, a 26 km a sul de Coimbra na povoação de Ordem pertencendo ao concelho de Penela. Geologicamente a região em estudo integra-se na Orla Meso-Cenozóica Ocidental, inserindo-se, litologicamente, no sector setentrional da Bacia Lusitânica e, geomorfologicamente, na paisagem cársica do Maciço do Sicó (Cunha 1990, 13; Duarte e Soares 2002, 135). A Villa foi utilizada como habitação de uma família romana nobre, cujas terras ultrapassariam uma área de 100 hectares. O proprietário vivia numa residência nobre, com arquitectura e mosaicos de elevada qualidade, o seu próprio edifício de banhos e as necessárias instalações para criados e edifícios que uma grande casa de lavoura exigiria (Pessoa et al. 2001, 45). Foi construída no séc. IV d.C. e habitada provavelmente até ao séc. V d.C. (Pessoa et al. 2001, 40, 42), seguindo-se o processo de soterramento ao longo dos séculos seguintes. Um dos problemas associados à escavação arqueológica, é o facto de os achados perderem o seu estado de equilíbrio, que foram adquirindo ao longo de muitas centenas de anos, para ficarem sujeitos quando descobertos a condições completamente diferentes de pressão, humidade e temperatura, o que geralmente provoca degradação irreversível. Um dos processos para tentar minorar este problema, e seguindo as recomendações do International Committee for the Conservation of Mosaics (ICCM 1986) é proceder à sua cobertura, que por si só, tem muitas dificuldades associadas. Está previsto no Plano de Salvaguarda 2007-2009 da Villa romana do Rabaçal a realização de uma cobertura, tendo sido instalada uma estação meteorológica em Julho de 2005, de modo a fornecer informação climatológica da região. Estes dados são de fundamental importância para o desenho e escolha do tipo de estrutura a construir.

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Caracterização climática Os parâmetros registados na estação meteorológica são: temperatura atmosférica, pressão atmosférica, humidade atmosférica, precipitação, direcção e intensidade do vento. Dos valores de temperatura registados desde Julho de 2005 até final de 2008 (Tabela I) é importante reter que o valor mínimo foi de -6,4ºC (15 de Dezembro de 2007) e que o máximo das temperaturas atingiu 40,5ºC (5 de Agosto de 2005). É de salientar que para se obter valores das Normais Climatológicas é necessário um estudo mínimo de 30 anos, pelo que os valores agora apresentados são apenas indicativos das condições meteorológicas do local. Os gráficos apresentados ao longo deste trabalho correspondem ao ano de 2007, escolhido como exemplificativo. Tabela I Resumo dos valores registados na estação meteorológica instalada na Villa romana do Rabaçal. * Valores recolhidos entre 9 Julho e 31 de Dezembro 2005

Temperatura máxima (ºC)

Temperatura mínima (ºC)

Humidade relativa atmosférica máxima (%)

Humidade relativa atmosférica mínima (%)

Velocidade máxima do vento (km/h)

Precipitação diária máxima (mm)

Precipitação anual (mm)

2005*

40,5

-3,0

98,7

8,9

32,0

60,4

507,0

2006

39,8

-5,3

99,1

12,7

25,2

78,0

1229,2

2007

39,5

-6,4

98,4

11,3

31,0

94,4

696,8

2008

36,0

-3,9

99,1

19,2

32,0

96,0

1240,7

Com temperaturas inferiores a 4ºC, a água inicia o seu aumento de volume provocando nos mosaicos fenómenos de crioclastia. Temperaturas abaixo deste valor ocorrem de Outubro e Maio, com maior incidência nos meses de Novembro a Abril (Fig.1) sendo de salientar que nos anos de 2007 e 2008 o número de dias com temperaturas inferiores a 4ºC valor foi superior a 100 (Fig.2). Por outro lado, as temperaturas máximas registam-se de Junho a Setembro, tendo o ano de 2006 registado 54 dias com temperatura máxima superior a 30ºC. A humidade relativa atmosférica apresenta-se muito variável, atingindo valores máximos próximos de 99% durante todo o ano, registando o ano de 2007 apenas 8 dias em que este valor é inferior a 80% (Fig.3). Relativamente ao vento, os valores de frequência de direcção são predominantes de N-NW e W-NW (Fig.4), mas as maiores velocidades não apresentam o seu máximo nessa direcção mas no quadrante SE, sendo bastante variáveis ao longo do ano. A informação da direcção e velocidade do vento dominantes é de particular importância para a escolha da orientação e tipo da cobertura, de modo a escolher

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o melhor posicionamento das entradas laterais de ar, obtendo-se uma ventilação natural eficiente. Os valores de precipitação, apesar de distribuídos ao longo do ano, apresentam maior incidência nos meses de Inverno. No entanto, no ano de 2007 os valores de precipitação mais acentuados e continuados foram no mês de Junho, registando o resto do ano valores relativamente baixos, o que é reflectido por apenas 21 dias em que a precipitação diária máxima foi superior a 10mm.

fig.1 gráfico das temperaturas atmosféricas máximas e mínimas registadas em 2007 na estação meteorológica da villa romana do rabaçal.

fig.2 histogramas correspondentes à temperatura atmosférica mínima registada nos anos de 2007 e 2008, respectivamente.

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fig.3 gráficos da humidade relativa atmosférica máxima e mínima registada em 2007 na estação meteorológica da villa romana do rabaçal.

fig.4 gráfico da frequência da direcção do vento no ano de 2007.

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Monitorização dos mosaicos Sendo os mosaicos um dos elementos mais importantes na Villa romana do Rabaçal, e tendo-se verificado em anos anteriores que a crioclastia afectava largamente a sua preservação, foi decidido montar um sistema de sensores de humidade e temperatura para a monitorização do solo in situ. Este sistema é constituído por cinco sensores, os quais se encontram enterrados em lacunas do mosaico, em áreas cobertas com areia (método geralmente utilizado para minorar os efeitos climáticos) e zonas próximas, dentro e fora da pars urbana, registando os valores de temperatura e volume de água no solo in situ. O protótipo foi montado para este projecto com base em sensores adquiridos comercialmente e num sistema de registo que foi desenvolvido para esta aplicação. A título de exemplo apresenta-se um registo do sensor 3 (Fig.5), colocado numa lacuna do mosaico central na sala v onde estava colocado um telheiro metálico. O telheiro foi inicialmente colocado de modo a permitir aos visitantes a observação de algumas zonas a descoberto e simultaneamente permitir observar a evolução das zonas intervencionadas em anterior campanha de conservação. Verificou-se que ao longo do Outono e Inverno de 2006-2007, foram vários os dias em que a temperatura no solo atingiu valores inferiores a 4ºC com um volume de água sempre superior a 25% (Fig.6) agravando o problema da crioclastia.

fig.5 mosaico da sala v onde se pode observar a colocação do sensor de temperatura e humidade do solo instalado na lacuna.

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fig.6 temperatura e volume de água no solo registados no sensor 3 colocado numa lacuna da sala v .

fig.7 temperatura e volume de água no solo registados no sensor 3 após a cobertura com areia.

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Além desse facto, é importante analisar que, o registo da temperatura no sensor 3 mostra amplitudes térmicas diárias muito significativas ao longo de todo o ano, agravadas pelo telheiro metálico. No Verão num mesmo dia verificaram-se variações de 24ºC (21º à noite e 45º durante o dia), e no Inverno variações de 20ºC (0ºC à noite e 20ºC durante o dia). Em função destas observações é fácil perceber que a desagregação da argamassa de fixação, com a consequente libertação das tesselas, é provocada pela repetição das dilatações térmicas diferenciadas e o aumento de volume da água introduzida nos poros das argamassas. De modo a minimizar este efeito, foi decidido remover o telheiro metálico colocado sobre o mosaico da sala v e voltar a cobri-lo com areia calibrada, tendo esta acção sido realizada em Julho de 2008. Este procedimento parece aconselhável, pois a amplitude térmica diminuiu cerca de 10ºC, verificando-se num tempo posterior que o volume de água no solo passou a ser superior ao que ocorria anteriormente (Fig.7).

Caracterização do solo Nos limites do contexto arqueológico da pars urbana podem ser observadas duas camadas de solo, que atingem no seu conjunto uma espessura máxima de 1,2m. Destas camadas de solo, designadas por camada inferior (ECi e WCi) e camada superior (ECs e WCs), foram retiradas amostras do lado este (E) e do lado oeste (W). Após a classificação granulométrica realizada com crivos de várias aberturas, entre 4,0 e 0,031mm, foi efectuada a respectiva projecção no diagrama triangular da escala de solos do United States Department of Agriculture (USDA) (Reed et al. 2000, 17) tendo sido classificado como silte argiloso, por vezes fino (Fig.8). O solo foi classificado como sendo de plasticidade média e apresenta um teor de matéria orgânica que varia entre 4 e 8%, determinado por aquecimento em estufa a 250ºC durante 5 horas. Os resultados da humidade do solo, medidos dentro do perímetro da Villa numa área fora do contexto arqueológico, são apresentados sob a forma de volume de água, e mostram valores geralmente entre 15 e 30%, mas atingindo por vezes valores de 50% (Fig.9). Foi ainda efectuada a determinação da taxa de infiltração de água no solo por ensaio in situ, ou seja, a absorção de água por parte do solo num dado período de tempo. O ensaio realizou-se com solo saturado, situação necessária para a sua validação. Os valores da taxa de infiltração determinados na camada inferior do solo (próximo do substrato calcário) foram de 0,41 e 0,08cm/min. De acordo com a tabela II, modificada de Scherer et al. (1996), este solo classifica-se com uma taxa de infiltração a variar de moderada a rápida.

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fig.8 diagrama triangular para classificação de solos segundo usda (adaptado de reed et al. 2000, 17).

fig.9 registo do volume de água no solo durante o ano de 2007.

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monitorização de mosaicos in situ da villa romana do rabaçal

Tabela II Tabela de classificação da taxa de infiltração da água no solo (modificada de Scherer et al. 1996).

CL A SSIFIC AÇ ÃO

TA X A DE INFILTR AÇ ÃO (cm/min)

Muito lenta

< 0,0025

Lenta

0,0025 - 0,0085

Moderadamente lenta

0,0084 - 0,0254

Moderada

0,0253 - 0,0847

Moderadamente rápida

0,0846 - 0,2540

Rápida

0,2539 - 0,8467

Muito rápida

> 0,8467

As variações da taxa de infiltração e consequente permeabilidade estão principalmente associadas à maior ou menor presença de minerais argilosos presente no solo. Os minerais de argila predominantes no solo, determinados por difracção de raios X, são a ilite e a caulinite, ainda que esta última em menor quantidade. Nos trabalhos realizados na pars urbana para proceder à recolocação dos mosaicos, retirados na década de 80, foi notória a pouca espessura de solo existente entre os mosaicos e a rocha calcária, sendo a camada de suporte base (rudus) frequentemente eliminada. Na escavação da pars rustica é frequente o soco rochoso ser escavado para permitir a construção de algumas estruturas de suporte ou de drenagem.

Material pétreo das tesselas O conjunto de mosaicos observados na pars urbana ostenta motivos decorativos utilizando milhões de tesselas e integrando mais de uma dezena de cores e cambiantes. Destas, a maior parte é de material pétreo, calcário, que o mosaicista utilizou para atingir uma variedade de tons que vão desde o branco ao negro passando por beges, acinzentados, azulados e rosados. As tesselas de calcário apresentam geralmente razoável estado de conservação. No entanto, quanto mais margoso é o calcário, maior a degradabilidade apresentada, devido à presença das partículas argilosas que vão sendo arrastadas pela circulação de água com a inerente perca de consistência. Antevendo a conservação e restauro nos mosaicos, para os quais será necessária matéria-prima com características semelhantes aos colocados in-situ, foram efectuados trabalhos de prospecção geológica na envolvente do Rabaçal numa área de 70km2. Esse trabalho de prospecção permitiu identificar antigas pedreiras e outros locais de possível exploração de calcário, utilizável para a produção de tesselas, a distâncias inferiores a 5km, o que corresponde a cerca de 3380 passus romanos (1 passus=1,479m, Kurent 1985, 71). Por exemplo, perto da povoação de Casmilo, na Serra do Círculo (a NW do Rabaçal) foram retiradas amostras cuja cor varia do amarelo ao avermelhado, passando por tons rosados. Junto à povoação de Zambujal (a NE do Rabaçal) foram localizadas pedreiras onde

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o calcário explorado apresenta várias tonalidades da cor negra até ao azulado (Fig.10). Mesmo considerando que os percursos efectuados para o transporte de pedra calcária à época eram distintos dos actuais, os caminhos a seguir deviam ser os que apresentassem declives e distâncias que melhor se adaptassem à tarefa. O valor estimado, 6760 passus, para ida e volta, era um trajecto facilmente transponível em cerca de 2 a 3 horas podendo por isso ser efectuado pelos responsáveis do transporte várias vezes num dia de trabalho, permitindo o rápido abastecimento de matéria-prima ao mosaicista.

Conclusões Do conjunto de valores recolhidos na estação meteorológica instalada na Villa romana do Rabaçal são de salientar os seguintes factos: • as temperaturas atmosféricas são frequentemente inferiores a 4ºC e ocorrem em mais de 100 dias por ano, o que, na presença de água, provoca fenómenos de crioclastia nos mosaicos; • as temperaturas atmosféricas máximas observadas rondam geralmente os 40ºC; • a humidade relativa atmosférica apresenta máximos próximos 99% durante quase todo o ano; • o vento apresenta as maiores frequências de direcção segundo N-NW e W-NW, importante para o desenho e escolha do tipo de cobertura dos mosaicos; • a precipitação apresenta valores muito variáveis, podendo atingir o valor de 100mm num só dia. Os valores das amplitudes térmicas observados no solo das lacunas do mosaico sem areia apenas com uma cobertura metálica são muito elevados, atingindo por vezes 24ºC. De modo a diminuir este valor, foi reposta a cobertura de areia, o que minimizou a amplitude térmica, mas provocou um aumento na retenção da humidade, o que pode provocar outro tipo de problemas. O solo encontrado nos limites do contexto arqueológico é constituído por silte argiloso, por vezes fino, com uma taxa de infiltração moderada a rápida. A matéria orgânica presente não apresenta valores muito elevados, e os minerais argilosos presentes são a ilite e a caulinite. O conjunto de tesselas calcárias de várias cores utilizado para a construção dos mosaicos da Villa romana do Rabaçal, apresenta características idênticas às amostras recolhidas em antigas pedreiras e outros locais de possível exploração a distância inferior a 5km. Tal facto leva a concluir que estas tesselas eram exploradas e trabalhadas com carácter local a regional e estes locais poderão vir a ser utilizados para exploração de matéria-prima para a conservação e restauro dos mosaicos. O presente trabalho é uma obra em progresso, pois os dados da estação meteorológica continuam a ser registados no sentido de vir a atingir as Normais Climatológicas da região. Prossegue também a monitorização in situ dos mosaicos de modo a obter maior quantidade de informação que permita uma melhor preservação.

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fig.10 exemplo de tesselas de várias cores recolhidas na escavação e amostras de rocha recolhidas nas proximidades do rabaçal.


monitorização de mosaicos in situ da villa romana do rabaçal

Bibliografia Cunha, L. J. S. 1990. As Serras Calcárias de Condeixa-Sicó-Alvaiázere. Instituto Nacional de Investigação Científica, Coimbra, 329p. Duarte, L. V., Soares, A. F. 2002. Litostratigrafia das séries margo-calcárias do Jurássico inferior da Bacia Lusitânica (Portugal). Comunicações Geológicas. Instituto . Geológico e Mineiro, Lisboa, 89: 135-154. ICCM 1986. Recommendation International Committee for the Conservation of Mosaics 3rd Conference. Soria, Spain. (http://www.iccm.pro.cy/recommendations.htm in 28 Fevereiro 2008). Kurent, T. 1985. La coordinacion modular de las dimensiones arquitectonicas. Boletin del Museo Arqueológico Nacional (Madrid), III:69-84. Pessoa, M., Rodrigo. L., Santos, S.S. 2001. Roteiro Rabaçal Aldeia Cultural. Câmara Municipal de Penela, Penela, 71p. Reed, S., Bailey, N., Onokpise, O. 2000. Soil Science for Archaeologists. Florida Agricultural and Mechanical University and Southeast Archaeological Center, National Park Service, 1, 32p. Scherer, T. F., Seelig, B., Franzen, D. 1996. Soil, Water and Plant Characteristics Important to Irrigation EB-66. (http://www.ag.ndsu.edu/pubs/ageng/irrigate/eb66w. htm in 22 September 2008).

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Abstract El yacimiento de los Baños de la Reina de Calpe se encuentra situado en un enclave turístico de primer orden, al lado del mar, en las proximidades del Peñón de Ifach, zona de reserva natural protegida. Aunque se conoce desde el siglo XVII por las referencias de Gaspar Escolano, las primeras excavaciones se realizaron en 1792, dirigidas por el botánico Antonio José Cavanilles. Fue en ese momento cuando se descubrió un conjunto de pavimentos de mosaico opus tessellatum que, tras ser dibujados, se volvieron a enterrar y que actualmente deben aun permanecer debajo de varias edificaciones. Sin embargo, los descubrimientos más interesantes de mosaicos romanos en los Baños de la Reina se han localizado en la parte más oriental del área arqueológica, gracias a las excavaciones realizadas durante el periodo de 1986-1988 y, de forma más intensa, entre 1993 y 1999. Estos trabajos sacaron a la luz una zona termal y una interesante área residencial de unos 2000 m2, del siglo II-III d.C., estructurada alrededor de un patio poligonal con pavimentos opus tessellatum y opus sectile. Desde septiembre de 2005 se han ido realizado diversos tratamientos de urgencia para poder recuperar los pavimentos, así como algunos estudios e investigaciones puntuales para la caracterización de materiales y sus alteraciones y sobre las metodologías de restauración más adecuadas. Sin embargo, falta todavía un proyecto integral de intervención que aúne la experiencia de distintos profesionales y ponga las bases de un plan de protección y musealización del área arqueológica.

palabras clave mosaico conservación restauración protección

Abstract Baños de la Reina of Calpe is situated in an important turistic area, near the sea, around Peñon de Ifach, a protected nature reserve area. Although this archaeological site was discovered in XVII by Gaspar Escolano, the first excavations were carried out by the botanist Antonio José Cavanilles in 1792. It was at this moment that a collection of mosaics pavements opus tessellatum was discovered. After having been drawn, they were reburied and now they should remain buried under current constructions. Nevertheless, the most interesting discoveries of roman mosaics at Baños de la Reina have been found in the oriental part of the archaelogical area, thanks to the excavations carried out during the period of 1986-1988 and especially between 1993-1999. This work shed light on a termal zone and an interesting residencial area of 2000 m2 from the II-III century AD, structured around poligonal yard with pavements opus tessellatum and opus sectile. Since September 2005 various emergence treatments in order to recover the pavements have been made. Some studies and investigations have been made to study the types of materials and the alterations needed to make the restoration of the mosaics. Nevertheless they are still without a project that determines the bases of a plan of protection and musealization of the archaeological area. At the moment the mosaics are still surviving.

key-words mosaic conservation restoration protección.


la conservación in situ de mosaicos en calpe teoria y realidad trinida d pa sí e s ov i e d o Restauradora del Museo de Prehistoria de Valencia

ca ro l in a m a i c e rova z Restauradora

La conservación in situ de los pavimentos de mosaico que se descubren durante las excavaciones arqueológicas es, sin lugar a dudas, la más recomendable de las alternativas de intervención, siendo éste el único modo de no caer en la descontextualización irreparable que supondría su extracción y la separación de su contexto arquitectónico original. Esta premisa es la que desde hace años se defiende desde el ICCM (International Committe for the Conservation of Mosaics) y que ha quedado explícita en sus últimas reuniones (Michaelides 2001, 13). En todas ellas se aboga por el desarrollo de programas para preservar los mosaicos de acuerdo a un proyecto global de actuación y con un plan de mantenimiento a largo plazo, en el que participen y colaboren de forma activa los distintos profesionales que deben velar por la salvaguarda de nuestro Patrimonio (arqueólogos, conservadores, restauradores, arquitectos, historiadores, políticos, etc.).

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Esta es la teoría, los criterios bien inculcados que tenemos todos aquellos profesionales que nos preocupamos por la conservación de nuestro legado arqueológico, considerando las obras no sólo desde su instancia estética, tal y como nos recordara el propio Cesare Brandi (Brandi 1988), sino desde el punto de vista histórico, como elementos con una vida propia, unida inexorablemente a su ubicación original, indisolubles. Aceptar este criterio significa considerar a un pavimento de mosaico más allá de su valor estético. Implica reconocerle su función de uso, su técnica constructiva y su relación con las estructuras que lo contienen. Conviene aclarar que, en cualquier caso, estos criterios son bastante recientes. De hecho hasta 1977, año de la creación del ICCM bajo el patrocinio del ICCROM (International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural Property), la situación de los mosaicos era realmente desastrosa. Antes de esa fecha fueron muchos los siglos en donde ni siquiera la palabra “conservación” tenía un claro significado y si tenía alguno no era sinónimo de respeto al original , tal y como lo entendemos hoy en día. La conciencia social en lo referente al reconocimiento del valor de nuestro legado arqueológico era escasa o nula y numerosos los destrozos provocados a consecuencia de excavaciones en los terrenos ya sea en zonas urbanas o rurales. Obviamente no existía un método arqueológico definido y los materiales se recogían de forma selectiva. Además, la falta generalizada hasta hace pocas décadas de especialistas en conservación y restauración arqueológica, se sumaba a la lista de causas que, de forma inevitable, provocaron la desaparición de gran ­número de obras, de algunas de las cuales sólo quedan los dibujos, las imágenes o las noticias escritas. Las pocas que pudieron salvarse y que han llegado hasta nuestros días lo han hecho porque, o bien fueron enterradas, o bien extraídas y consolidadas con cemento. Este es el legado que hemos recogido en la actualidad. Hoy en día retomamos el reto de la conservación de nuestro patrimonio arqueológico con ímpetu e ilusión. Reflexionado acerca de los errores cometidos a lo largo de nuestra historia, llegamos a la conclusión de que la única manera de conservar la integridad de nuestros mosaicos, desde el momento de su descubrimiento, es plantear un proyecto programado en el que las palabras prevención y mantenimiento lideren nuestras actuaciones. Sin embargo la teoría nos enfrenta a menudo con una realidad mucho más cruda, que lleva acarreada una buena dosis de desaliento e impotencia: falta de previsión en los proyectos en temas que afectan a la conservación, decisiones apresuradas, condicionamientos políticos y económicos, escasa colaboración entre profesionales, falta de formación especializada, son sólo algunos de los factores que acrecientan la problemática relativa a la conservación en las áreas arqueológicas. Si a ello unimos la actuación indiscriminada de expoliadores o vándalos, podremos claramente concluir que la principal causa de alteración para nuestro patrimonio arqueológico es el propio ser humano, ya sea a través de actitudes activas o pasivas, es decir, por aquello que hacemos mal o por aquello que simplemente no hacemos. Cuando no existían las leyes de protección del patrimonio cultural vigentes en la actualidad tampoco podíamos exigir unas normas mínimas de comportamiento. El delito se produce cuando, existiendo una legislación, se obvia su cumplimiento.

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Podemos achacar falta de presupuesto, de personal, de medios técnicos, etc., pero la consecuencia siempre es la misma: la dificultad que implica llevar a término un proyecto de conservación in situ en un área arqueológica, incluso en una sociedad supuestamente concienciada en lo referente al patrimonio. El caso del área arqueológica de los Baños de la Reina, en la localidad de Calpe, puede ilustrarnos esta situación. Sirva como ejemplo para demostrar, una vez más, que en nosotros mismos y en nuestras decisiones, está la clave para conservar o deteriorar nuestro legado histórico. El yacimiento de los Baños de la Reina se halla en una zona turística de primer orden, en la Costa Blanca, a escasos kilómetros de Benidorm, en la provincia de Alicante. Conocida también por su riqueza como paraje natural protegido, en las proximidades del Peñón de Ifach. (Fig.1) Se conoce la existencia del área arqueológica desde el siglo XVII, gracias a las referencias de Gaspar Escolano (Escolano r. 1879, 45), aunque las primeras excavaciones no fueron realizadas hasta 1792, bajo la dirección del botánico Antonio José Cavanilles, que en aquel momento estudiaba la zona para incluirla en su publicación “Observaciones sobre la historia natural, geografía, agricultura, población y frutos del Reyno de Valencia” (Cavanilles 1795, 282-233). Caminando hacia Calpe, cerca de los baños que mencionaba Escolano, el naturalista descubrió casualmente varias teselas sueltas mientras examinaba la flora del lugar. Limpiando un poco la zona

fig.1 vista general de la zona arqueológica de baños de la reina.

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fig.2 opus tessellatum de un área residencial de los siglos ii-iii d.c. fotografía realizada en 1997 tras el descubrimiento.

encontró a poca profundidad, debajo de una capa de arena, los restos de un pavimento de mosaico. Dio entonces aviso del hallazgo a algunas personalidades locales y en dos días se completaron las excavaciones. Se descubrieron un total de cuatro mosaicos opus tessellatum, tres de ellos bícromos en blanco y negro con decoración geométrica y un cuarto pavimento de reducida policromía y representación de erotes vendimiadores alrededor de una enorme parra que nace de un cántaro. Cavanilles realizó al detalle el dibujo de todos los mosaicos, indicando el estado en el que se encontraron cada uno de ellos y, posteriormente, los volvió a enterrar. Precisamente esta decisión fue esencial para la conservación de las obras. En una época en la que hubiera sido muy complicada la conservación in situ de los restos arqueológicos, la más sabia de las alternativas para proteger este patrimonio era, sin lugar a dudas, devolver a los mosaicos a su situación de mayor estabilidad, donde se habían conservado durante siglos, es decir, bajo tierra. Sólo hay que recordar algunos casos en los que un loable intento de conservación, no acompañado de un proyecto de mantenimiento a largo plazo, acabó con la vida de muchos mosaicos. Sirvan como ejemplo el famoso pavimento de Baco, descubierto en Sagunto en 1745 (Ponz 1774, 261-262) o el de Galatea hallado en la villa de Algorós de Elche en el siglo XIX (Ibarra 1879, 178-211). En ambos casos se construyó una cubierta que protegía a los mosaicos, pero el abandono posterior trajo como consecuencia la destrucción de las piezas,

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de las que sólo quedan los dibujos. Los mosaicos de Cavanilles pudieron sobrevivir porque, precisamente, no se dejaron al descubierto unos restos que, sin los medios adecuados, estaban irremisiblemente destinados a una destrucción lenta, pero segura. Una reflexión que igualmente deberíamos hacer en nuestros días, cuando la garantía de la conservación futura no está plenamente garantizada. Pero Cavanilles no cita en su libro que enterrara los mosaicos. Esta afirmación la realizamos sobre la base de los descubrimientos arqueológicos que se han ido realizando en épocas más recientes. En 1965, aparece un artículo de prensa sobre la aparición de un mosaico cuya descripción concuerda con una de las piezas descubiertas por Cavanilles, la de los erotes vendimiadores (Valencia Atracción 1965, 15-16). Se trata precisamente del mismo mosaico pero de un fragmento distinto, simétrico al descubierto en el siglo XVIII tal y como apuntó Alberto Balil, y que debió decorar una estancia con ábside circular (Balil 1970, 36). Fue extraído, restaurado y trasladado al Museo Arqueológico de Alicante, donde actualmente se expone. Además, en los sondeos realizados en la misma fecha en una zona contigua, volvieron a encontrar el auténtico fragmento hallado por Cavanilles, aunque bastante deteriorado (Pellicer 1966, 176). En aquel momento la única alternativa de salvación de los mosaicos pasaba por su extracción y obviamente las labores de consolidación in situ no se contemplaban como alternativa eficaz. También en la excavación que la empresa Arquealia realizó hace pocos años en esta misma zona (c/ Italia nº 6), bajo la dirección facultativa de Gabriel Segura y Miguel Angel Quereda, se localizaron algunas de las estructuras del conjunto excavado por Cavanilles, descubriéndose uno de los mosaicos bícromos que éste dibujó. Por desgracia, gran parte de esta zona arqueológica se localiza actualmente debajo de las edificaciones construidas junto al paseo marítimo, por lo que su conservación se ha visto seriamente comprometida. No acaban aquí los hallazgos arqueológicos de pavimentos de mosaico en la zona de los Baños de la Reina. En 1986 la Consellería de Cultura de la Generalitat Valenciana encargó al Departamento de Arqueología de la Universidad de Alicante algunos sondeos en una parcela cuando se iban a realizar algunas obras y donde se conocía la existencia de diversas estructuras a consecuencia de las actividades de clandestinos. Los trabajos fueron dirigidos por Lorenzo Abad Casal entre 1987 y 1988, sacando a la luz un área termal asociada a una zona de vivienda que estaría en uso entre los siglos I y III d.C. (Abad et al. 1990, 34-35; Sala 1990, 36-38; Simón 1990, 39-42; Roig y Bolufer 1990, 43-46). En el vestíbulo de las termas se conservaban los restos de un mosaico bícromo con decoración geométrica, muy perdido especialmente en toda la zona central. Sin embargo, tras las excavaciones los restos permanecieron a la intemperie sin ningún tipo de intervención de consolidación ni protección, con lo cual el deterioro fue incrementándose con el paso de los años. Este hecho no nos sorprendería si estuviésemos hablando de hallazgos producidos en épocas más remotas, donde ni la arqueología ni, por supuesto, la conservación eran actividades practicadas con un metodología científica. Lo que llama precisamente la atención es que, a final del siglo XX, se pudieran producir

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fig.3 pavimento opus sectile con restos visibles de los estratos preparatorios.

situaciones de abandono de este tipo, dejando sin resolver la multiplicidad de problemas que obstaculizan la conservación in situ de los restos arqueológicos. En este caso la alternativa no fue volver a enterrar las estructuras, esperando quizás el momento en que pudiera llevarse a cabo su puesta en valor y protección con los medios adecuados. Con esta decisión las consecuencias eran evidentes: se ponía en serio peligro la conservación de los restos. (Fig.2) Los años pasaron y entre 1993 y 1999, en las campañas dirigidas por Juan Manuel Abascal y Rosario Cebrián, se descubrieron nuevos hallazgos en un solar contiguo de propiedad privada (Abascal et al. 2007). Podemos imaginarnos el valor inmobiliario de unos terrenos situados en primera línea de playa, donde se tenía prevista la construcción de edificios, por lo que la intervención arqueológica sufrió numerosos impedimentos y dificultades. Se descubrió una magnífica área residencial de unos 2000 m2, del siglo II-III d.C., estructurada alrededor de un gran patio poligonal con

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peristilo, decorada en varias de sus estancias con pavimentos en opus sectile y opus tessellatum. De todos ellos cabe destacar el mosaico con motivos vegetales y geométricos, que decora el patio central y que debió organizarse alrededor de un emblema donde se desarrollaría la escena figurativa policroma, por desgracia totalmente perdida. Debido a que gran parte de la superficie del tessellatum ha desparecido, se ha podido evidenciar la técnica de fabricación del pavimento, con los distintos estratos claramente identificados e incluso con las marcas del dibujo preparatorio inciso sobre el mortero. También los pavimentos realizados en opus sectile muestran interesantes datos acerca del sistema de ejecución, mostrando los trozos de cerámica o de piedra que se colocaban para la nivelación de los mármoles. (Fig.3). Los hallazgos fueron de tal relevancia que movilizaron a las entidades públicas para la realización de una intervención de salvaguarda de los restos. Las primeras actuaciones de conservación y restauración de los pavimentos se iniciaron entre 1996 y 1998, paralelamente a los trabajos de excavación, y fueron contratados por la Conselleria de Cultura de la Generalitat Valenciana. Estos procesos se plantearon con el carácter de conservación de urgencia, para frenar las principales causas de deterioro hasta el momento de realizar una intervención integral. Durante poco más de dos meses se realizaron labores básicas de limpieza, consolidación y refuerzo de bordes (Pasíes y Carrascosa 2003, 381-387). Sin embargo la situación de las piezas era muy delicada y era necesario desarrollar un proyecto a largo plazo que pudiera garantizar la adecuada conservación y restauración de los pavimentos, así como su mantenimiento. Pero por desgracia dichos trabajos definitivos no se pudieron ejecutar de forma inmediata; los enfrentamientos con los propietarios obstaculizaron la puesta en marcha del proyecto y el yacimiento estuvo durante muchos años expuesto a la intemperie, consumido por una vegetación cada vez más densa y destructiva. Cuando finalmente en 2004 los terrenos fueron adquiridos por el municipio, la situación era dramática. En 2005 volvimos a tomar contacto directo con las obras y pudimos constatar con desolación cuál había sido la entidad del deterioro ocasionado, con grandes superficies de mosaico perdidas y otras muchas destruidas irremisiblemente. El ataque biológico, descontrolado con el paso de los años, había sido muy destructivo. La acción de las raíces de las plantas provocó la separación de los estratos preparatorios, haciendo que las teselas llegaran a desprenderse de las capas de mortero subyacentes que les servían de agarre. Además, en un ambiente marino como el que afecta al área arqueológica de Baños de la Reina, se incrementa el problema de las sales solubles, que penetran en los poros de los materiales provocando fenómenos graves de disgregación. Las alteraciones fueron igualmente dramáticas en el resto de estructuras arquitectónicas, especialmente sobre los revestimientos, provocando en varias zonas su total desprendimiento del muro. (Fig.4). En septiembre de 2005, se iniciaron los trabajos de salvamento en el área arqueológica. Y precisamente elegimos la palabra “salvamento” porque ese era el objetivo inicial: intentar salvar los restos que habían sobrevivido a la tragedia. Desde entonces el proyecto está siendo financiado por el Ayuntamiento de Calpe y por una subvención dentro del Programa Emcorp de la Conselleria de Economía, Hacienda y Empleo, tras

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fig.4 daños ocasionados en el mosaico tras varios años de abandono. fotografía de 2005.

obtener la autorización de la Dirección General de Patrimonio Arqueológico de la Conselleria de Cultura, Educación y Deportes (Pasíes y Mai 2006, 1131-1142; Pasíes 2007). En todo momento potenciamos aquellos tratamientos que posibilitaran la conservación in situ de los restos, respetando la mayor parte de información arqueológica. Tras el diagnóstico y la documentación inicial realizamos sobre los mosaicos diversos tratamientos de consolidación con inyecciones de mortero natural para devolver la resistencia a los distintos estratos. Sin embargo, no en todos los casos era válida esta alternativa. En la parte central del gran pavimento opus tessellatum la extracción era la única manera de salvar el conjunto, dada la total disgregación del estrato que servía de asentamiento a las teselas. Ha sido el precio del abandono sufrido durante casi diez años. Tras la extracción los fragmentos fueron recolocados in situ con nuevo mortero natural sobre el resto de los propios estratos originales que ofrecían una buena resistencia. Afortunadamente la parte más exterior del pavimento, en mejor estado de conservación y que mantuvimos cubierta con geotextil y arena durante el tiempo que duraron los tratamientos en otras zonas, parece que responderá de forma efectiva a las operaciones de consolidación tradicionales. (Fig.5). La intervención ha sido y sigue siendo complicada; no sólo por el delicado estado de conservación de los mosaicos sino por otros factores determinantes, como los altos niveles de humedad y la climatología adversa en ciertos periodos del año. Una situación extrema fue, sin duda, la provocada tras las inundaciones de octubre de 2007, cuando las intensas lluvias anegaron gran parte del solar, donde precisamente se ubicaban algunos de los pavimentos, y cuya gravedad ocasionó que el área haya sido declarada como zona de catástrofe natural. Por fortuna gran parte de los tratamientos de consolidación habían sido ya realizados y tomadas las medidas de recubrimiento provisional

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fig.5 proceso de recolocación sobre mortero natural de algunas secciones muy dañadas.

fig.6 trabajos de limpieza y consolidación en el pavimento conservado en la zona termal.

oportunas, por lo que el incidente no se saldó con daños reseñables. Una muestra más de la importancia que un proyecto serio de conservación tiene para la perdurabilidad de los restos arqueológicos que, indefensos, se mantienen a la intemperie. (Fig.6). Durante estos años también se han ido realizando labores de limpieza biológica en

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el área arqueológica, aplicando herbicidas específicos que sirvan para frenar este importante factor de deterioro. Se han respetado sin embargo las especies endémicas que se conservan en la zona, ya que no podemos olvidar que Baños de la Reina es un área de protección arqueológica, pero también medioambiental. Los trabajos de conservación y restauración en Calpe siguen siendo hoy en día una prioridad, pero somos conscientes de que esto es sólo el comienzo. Los resultados obtenidos hasta la fecha han sido satisfactorios, pero ahora es necesario plantear de forma urgente la puesta en valor del área arqueológica e iniciar un proyecto integral de conservación programada que asegure el continuo mantenimiento de los mosaicos y del resto de estructuras, para poder garantizar la recuperación de este legado cultural. Un objetivo en el que debemos involucrar no sólo a los profesionales, sino a toda la sociedad.

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Resumo Como “só se pode proteger aquilo que se conhece” tentaremos neste texto reflectir sobre o inventário dos mosaicos romanos, sua publicação e divulgação no Corpus nacional; mostrar como o corpus iniciado em 1992 sob a égide da Fundação Calouste Gulbenkian contribuiu para os estudos académicos e finalmente reflectir sobre o financiamento e o futuro do Corpus referindo também os mosaicos descobertos desde 2005, data do último inventário.

palavras-chave mosaicos inventário corpus restauro conservação

Abstract “You can only protect the things that you know well” and because of this we try, in this text, to think over the inventory of roman mosaics, its publication and divulgence in the national corpus; to show how the corpus, initiated in 1992, under the support of the Fundação Calouste Gulbenkian, has contributed to the carry on of the academic studies; and, finally, to reflect about the financing and future as well as to refer to the mosaics found since 2005, date of the last inventory.

key-words mosaics inventory corpus restoration conservation


o inventário e o corpus dos mosaicos romanos de portugal ma ria d e fát i m a a b r aços Doutorada em Letras, especialidade em História da Arte – FLUL Instituto de História da Arte – FCSH/UNL

1. Depositado no Arquivo da Academia de Belas Artes de Lisboa. 2. Nesta obra, o autor apresentou também uma tipologia de ornatos e a sua distribuição. Serpa Pinto faleceu em 1933, um ano antes da publicação deste inventário.

Sobre os inventários de mosaicos De Estácio da Veiga a Bairrão Oleiro Em Portugal, só a partir de meados do século XIX é que algumas figuras ­individuais e institucionais se interessaram, de uma forma mais científica, pela recolha e salvaguarda dos bens arqueológicos e sua inventariação. O primeiro contributo para o inventário de mosaicos deve-se a Estácio da Veiga, que os registou, entre outros materiais, no Inventário do Museu Archeologico do Algarve, manuscrito datado de 1885.1 Este inventário reveste-se de grande importância, na medida em que regista a proveniência dos materiais, especificando o concelho, a freguesia, a terra ou localidade, a quantidade de objectos, o tipo de escavação: pública ou privada, bem como o tipo de terreno: particular ou público (Abraços 2005, 184-185). Estácio da Veiga referencia 18 sítios com mosaico: S. Clemente, Loulé Velho; Milreu, Faro; Torre d’Ares, Tavira; Montinho das Laranjeiras, Alcoutim; Murtinhal, Vila do Bispo; Praia da Salema, Vila do Bispo; Burgau, Vila do Bispo; Praia da Luz, Lagos; S. Francisco, Portimão; Ferragudo, Lagoa; Retorta, Loulé; Amendoal, Faro; S. Bartolomeu, Olhão; Quelfes, Olhão; Antas, Tavira; Pedras d’El-Rei, Tavira; S. Domingos d’Asseca, Tavira; Cacella, Vila Real. Mas a primeira tentativa de inventário geral de mosaicos, encontrados em território português, deve-se a Rui de Serpa Pinto que, em obra publicada em 1934, apresentou a primeira carta de distribuição de mosaicos romanos em Portugal e onde registou 40 sítios arqueológicos com mosaico (Pinto 1934, 161-179). 2

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Também Luís Chaves procurou reunir “notícia informativa dos mosaicos lusitano-romanos” num inventário publicado na Revista de Arqueologia em 1936, utilizando a informação dispersa no Archeologo Português dos artigos, que Leite de Vasconcelos tinha publicado desde 1902, sobre mosaicos romanos encontrados em Portugal. Em 1946, Fernando Russel Cortez apresenta nos Anais do Instituto do Vinho do Porto um estudo sobre os mosaicos romanos no Douro destacando os mosaicos descobertos, em 1938, no Alto da Fonte do Milho, Canelas; em Covelinhas, na margem direita do Douro; na Quinta da Ribeira, Tralhariz, Carrazeda de Ansiães. No ano de 1959, Maria Cristina Moreira de Sá, na sua dissertação de licenciatura apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa, procurou registar todos os mosaicos conhecidos no território português até àquela data, apresentando-os num registo de sul para norte, primeiro os do Algarve, depois os do Alentejo, seguidos dos do centro e norte, fez uma breve descrição da decoração e procurou datar os mosaicos segundo a técnica e decoração. Dez anos mais tarde, em 1969, Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, na sua licenciatura apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa e tomando como ponto de referência os trabalhos científicos de Estácio da Veiga apresenta o panorama dos estudos arqueológicos efectuados no Algarve, mencionando os mosaicos descobertos até esta data. Fernando Acuña Castroviejo, nas actas do III Congresso Nacional de Arqueologia, editadas em 1974, apresentou um inventário, onde referenciou treze sítios com pavimentos revestidos a mosaico no Convento Bracarense, seguido de uma análise sucinta sobre a temática decorativa desses mosaicos. Neste mesmo ano, Jorge Alarcão exibiu, no Portugal Romano, um mapa de distribuição dos mosaicos romanos, onde assinalou 109 registos. Na década seguinte, em 1988, no Roman Portugal, Alarcão apresentou os sítios com vestígios romanos encontrados nas 8 regiões, que correspondem às 8 folhas do levantamento de Portugal 1/250.000: Porto (1/1 a 1/498), Bragança (2/1 a 2/139), Coimbra (3/1 a 3/242), Viseu (4/1 a 4/508), Lisboa (5/1 a 5/373), Évora (6/1 a 6/347), Lagos (7/1 a 7/161) e Faro (8/1 a 8/324). Dos cerca de 2600 sítios com vestígios romanos, 165 sítios apresentam mosaicos ou vestígios, distribuídos do seguinte modo: Porto – 15; Bragança – 0; Coimbra – 23; Viseu – 9; Lisboa – 33; Évora – 40; Lagos – 15 e Faro – 30. Na década de oitenta, a estabilização política e o incremento económico possibilitaram a abertura de novas estradas. As escavações de emergência e o aumento das prospecções dirigidas pelo IPPC, acabado de ser criado, tornaram possível o conhecimento de um maior número de sítios arqueológicos, o que possibilitou a Bairrão Oleiro, em 1986, apresentar, na História da Arte em Portugal, um mapa de distribuição de mosaicos já com 181 sítios. Cinco anos mais tarde, em 1991, em carta datada de 23 de Abril e dirigida ao Professor Nobre de Gusmão, Presidente do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, Bairrão Oleiro refere que: “(…) o trabalho de recolha a que tenho procedido relativamente a todo o país permitiu-me referenciar cerca de 200 locais onde há notícia do aparecimento

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fig.1 mapa com as 8 folhas do levantamento de portugal 1:250.000. j. alarcão, roman portugal, 1988. o número 1, para a folha que corresponde à região do porto. o número 2, para a folha de bragança, cujos habitats, até ao momento, não apresentam mosaicos. o número 3 para a folha de coimbra. o número 4 para a folha de viseu. o número 5, para a folha de lisboa. o número 6, que integra évora e portalegre. os números 7 e parte do 8, que integram o algarve (lagos e faro) e por fim o número 8 para a região de beja e parte do algarve.


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3. Arquivo documental da Fundação Calouste Gulbenkian, SBA: 6528. 4. Trabalho policopiado cedido pelo autor. 5. Os dados, que integram este inventário de J. Alarcão, foram recolhidos até ao primeiro semestre de 1986.

de mosaicos ou fragmentos, alguns dos quais ainda a necessitar de confirmação e registar mais de 1100 referências bibliográficas.”3 Estes novos dados foram também confirmados na sua última aula, apresentada a 3 de Junho de 1993 (Oleiro, 1996, 4). Ainda na década de oitenta, Carlos Beloto, sob a direcção de Adília Alarcão, então directora do Museu Monográfico de Conímbriga, deu início à elaboração e informatização de um ficheiro de sítios arqueológicos com mosaicos romanos. Cada ficha, referente a um mosaico, apresenta três campos distintos: o primeiro para a localização, o segundo para a descrição sumária e o terceiro para a documentação disponível. É um trabalho inovador por ser o primeiro a caracterizar o suporte e a referir o estado de conservação de cada mosaico, e por apresentar uma recolha bibliográfica, enriquecida com referências publicadas na imprensa. 4 Também a Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) iniciou a digitalização do acervo documental e a conversão para base de dados da informação resultante de meio século de intervenções no património arquitectónico, dando origem ao inventário do Património Arquitectónico (IPA) do qual destacamos uma base de dados divulgada através da Internet, desde 1996, onde estão inventariados, a Norte do Tejo, os seguintes sítios arqueológicos com mosaicos romanos: no Porto, em Felgueiras, Sendim e Conimbriga. No Alentejo, no Distrito de Portalegre, a estação arqueológica de Alter-do-Chão, a Villa romana de Torre de Palma e a Villa romana da Granja. No Distrito de Évora: a Villa romana de Santa Vitória do Ameixial, Estremoz e as ruínas romanas do sítio da Tourega, Évora. No Distrito de Beja: as ruínas de S. Pedro (Herdade Fonte dos Frades) e a Villa romana de Pisões (Herdade de Algramaça). No Algarve: as ruínas de Estói/Milreu, Faro, a estação romana da Quinta da Abicada, Faro, as ruínas romanas do Cerro da Vila, Vilamoura e as ruínas romanas da Boca do Rio. Em 2005, na nossa tese de doutoramento, apresentámos um inventário com 254 sítios com mosaico. Para a localização e sequência dos sítios arqueológicos com mosaico, seguimos o modelo utilizado por J. Alarcão no Roman Portugal, 1988, 5 e que se refere às oito folhas do levantamento de Portugal, 1:250.000, conforme o mapa apresentado na figura 1. As dúvidas, até agora ainda não esclarecidas, sobre o traçado de muitos dos limites das civitas e das fronteiras territoriais entre conventus levaram-nos a adoptar este modelo.

Os mosaicos do Conventus Br ac ar augustanus Na folha número 1, inventariámos 38 sítios com mosaicos, sendo 15 na cidade de Braga. Os restantes, na sua maioria, localizados a Norte do Douro estariam também integrados no Conventus Bracaraugustanus. Os sítios com mosaicos romanos deste Conventus distribuem-se na área da cidade de Braga e irradiam para a zona costeira, Vale do Douro e Galiza. Na cidade bracarense, foram localizados na Cividade, Seminário de Santiago, Cerca, Cardoso da Saudade, Carvalheiras, Casa da Roda, Sé, quarteirão da R. Gualdim Pais, Quinta do Fujacal, Quintal de Fernando Castiço e S. Martinho de Dume. Nestes locais foram descobertos cerca de

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fig.2 gráfico, referente ao inventário de 2005, com a distribuição dos sítios com mosaicos do conventus scallabitanus.

fig.3 gráfico com a distribuição dos sítios com mosaico no território do conventus pacensis.

50 fragmentos de mosaico, que se encontram, na sua maioria, no Museu Arqueológico D. Diogo de Sousa. O conhecimento destes sítios deve-se ao trabalho desenvolvido desde 1976, ano em que foi criado o Campo Arqueológico de Braga, encarregado de proceder a salvamentos na área urbana e de verificar a extensão da cidade romana. Entre 1976 e a actualidade, foram realizadas dezenas de intervenções arqueológicas no perímetro urbano de Braga o que permitiu cartografar vestígios, recolher espólio, avaliar o tipo de construções que se distribuem pela cidade. Numerosos foram os salvamentos decorrentes, quer de solicitações da Câmara Municipal, quer do IPPC, quer ainda da Universidade do Minho.

Os mosaicos do Conventus Sc all abitanus 6 Seguindo o modelo do inventário de J. Alarcão, estas três folhas (3, 4 e 5) correspondem, grosso modo, aos sítios sob influência do Conventus Scallabitanus. É difícil traçar os limites deste conventus, por falta de elementos seguros de identificação,

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6. Sem grande rigor é habitual consideraremse as terras entre Douro e Tejo como incluídas no conventus scalabitanus e as do sul de Portugal no conventus pacensis. A Beira Baixa e a Beira Alta, a nascente das serras da Estrela e da Lapa, ficariam no conventus emeritensis, que aliás incluía também parte do Nordeste alentejano. (Alarcão 1990, 384).


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7. Olisipo assumiu-se como um importante centro viário com destaque para as vias de comunicação com a capital da província Emerita Augusta e com as sedes conventuais Scallabis, Pax Julia e Bracara Augusta.

o que tem levado muitos autores a considerarem todo o centro do País, entre o Tejo e o Douro, incluído no conventus scallabitanus. Se o Douro foi certamente um limite, não parece, todavia, que o Tejo tenha constituído uma fronteira; o conventus scallabitanus seguiria, a sul, uma raia seca, possivelmente bem longe da margem esquerda do Tejo. Quanto ao limite oriental, talvez não ultrapassasse o grande sistema montanhoso da Lousã e da Estrela. (Alarcão 1990, 384). Até este momento, são 93 os sítios com mosaico localizados dentro da área deste conventus, que inclui os territórios ao sul do Douro até aos situados a norte das civitas de Salacia, Concordia, Abelterium e Ammaia, sendo 31 os referentes à folha 3, 17 à folha 4 e 45 à folha 5. Quanto aos mosaicos dos sítios da folha 4, territórios que se estendem desde a civitas dos Interaniensis até à dos Tapori, passando pela Egitania mantêm-se in situ. Embora Viseu tenha sido capital de civitas (Alarcão 1990, 379), até este momento, desconhecemos a existência de sítios com mosaico na sua área de influência, mas registamos dezassete sítios com vestígios de mosaicos descobertos nas áreas das civitas de Elbocori (Bobadela), dos Aravorum, dos Laciensis Transcudani (R. Côa), dos Igaeditani e dos Tapori. Da folha 5, fazem parte os sítios com mosaico sob a influência das civitas de Eburobritium, Colipo, Selium, Scallabis, Olisipo7 e Bardili (?). Nas zonas de influência destas civitas foram descobertos, desde finais do século XIX até aos nossos dias, 45 sítios com pavimentos revestidos a mosaico. Estes mosaicos, na sua maioria, continuam in situ.

Os mosaicos do Conventus Pacensis Os sítios das folhas seis, sete e oito estavam sob a jurisdição do Conventus Pacensis, cujos territórios ocupavam um espaço, que se estendia do Alto Alentejo até à costa algarvia. Nesta área inventariámos 124 sítios com mosaico, sendo 16 na região de Évora, 40 na de Portalegre, 35 na região de Beja e 33, no que diz respeito ao Algarve (Lagos e Faro). Os sítios com mosaico do Conventus Pacensis distribuem-se, na sua maioria, na área de Pax Julia, Ebora, Abelterium, Myrtilis e ao longo de toda a costa algarvia. Na folha 6, referente a Évora e Portalegre e que corresponde à zona de influência de Ammaia, Aritium Vetus, Abelterium, Concordia? e Ebora, registámos 56 sítios com mosaico. Na folha 7, que diz respeito à zona de influência de Cilpes, Ossonoba e Balsa, registámos 33 sítios com mosaico distribuídos ao longo da zona costeira algarvia. A folha 8 do levantamento abarca os sítios da zona de influência de Pax Julia e Myrtilis, onde registámos 35 sítios.� Para a organização deste inventário, com 254 sítios com mosaicos, seguimos toda a informação recolhida na obra de J. Alarcão e de Bairrão Oleiro, nas monografias de alguns concelhos e freguesias, nas cartas arqueológicas dos municípios, na informação obtida em Revistas e Congressos de arqueologia, bem como nos arquivos do IPPAR e dos Museus, que possuem mosaicos nas suas colecções.

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Embora o nosso inventário seja, até ao momento, o mais actualizado, necessita da aplicação de metodologia de prospecção para localização exacta dos sítios no terreno e verificação dos seus diferentes topónimos. O passo seguinte, depois de uma reinterpretação dos seus resultados, possibilitará uma informação mais científica.

Actualização de dados para 2008 Muitos foram os sítios com mosaico descobertos desde a publicação dos inventários de J. Alarcão e Bairrão Oleiro. De então para cá, novos testemunhos surgiram, como os que foram descobertos em Braga, onde são já conhecidos 18 sítios com mosaico; na Casa do Infante, na zona ribeirinha do Porto; no Pátio da Universidade de Coimbra; no Paço dos Vasconcelos em Santiago da Guarda, Ansião; no Prado Galego, em Pinhel; em Rio Maior, Santarém; em Frielas, Loures; em Lisboa, na Rua dos Correeiros, no Claustro da Sé, nos Armazéns Sommer, no Largo de Santo António e no Palácio do Correio-Mor; na Quinta da Bolacha, Amadora; em Almargem do Bispo, Sintra; na Herdade das Argamassas, Campo Maior e no forum/alcáçova de Mértola. Depois da apresentação da nossa tese tivemos conhecimento de novos testemunhos: em Vale de Mouro, Meda, Guarda (Almadan 14, 157-159); em Castanheira do Ribatejo (Almadan 14, p. 6); em Chã da Bica, Montalvo, Abrantes e Olival Comprido, Alferrarrede, Abrantes; em Borba; no Monte Mosteiro, em Mértola (Almadan 14, 151) e em Lagos, no Algarve, ultrapassando já os 260 registos e com as prospecções e escavações em curso, este número poderá, a qualquer momento, aumentar.

data

inventários/autores

número de sítios com mosaico

1885

Estácio da Veiga

18 (Algarve)

1933

Rui Serpa Pinto

40

1936

Luís Chaves

47

1959

Maria Cristina M. Sá

100

1974

F. Acuña Castroviejo

13 (Douro)

1974

Jorge Alarcão

105

1986 / 1988

Jorge Alarcão

165

1986

Bairrão Oleiro

181

1996

Bairrão Oleiro

200

2005

F. Abraços

254

2008

F. Abraços

262

O número de sítios com mosaico, conhecidos até à actualidade, no norte do país (conventus bracaraugustanus e scallabitanus) tem aumentado, ultrapassando já o número existente no sul (conventus pacensis). Este número parece contrariar a tese de que à medida que caminhamos para norte, estes testemunhos vão-se tornando mais escassos. A abertura de novas auto-

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estradas, a intensificação de campanhas de prospecção para a carta arqueológica, o elevado número de trabalhos de pesquisa para dissertações de mestrado e doutoramento (Abraços 2006-2007, 49), bem como a publicação dos dois primeiros volumes do Corpus de mosaicos de Portugal, têm contribuído para alterar significativamente os dados que possuíamos e o interesse por esta temática, conforme podemos observar no quadro síntese: ano

ac adémicos

loc al e gr au

1959

Maria Cristina Moreira de Sá

Fac. Letras Lisboa / Tese Licenciatura

1985

Maria Licínia Nunes Correia

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

1986

Maria Felisbela Borges

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

1992

B. Oleiro /1º volume do Corpus

1997

Teresa Caetano Pinto

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

1998

Tatiana Resende

Fac. Letras Lisboa / Tese Doutoramento

2000

Fátima Abraços

Fac. Letras Lisboa / Tese Mestrado

2000

Miguel Pessoa

Fac. Letras Coimbra/Tese Mestrado

2000

J. Lancha/2º volume do Corpus

2001

Cátia Mourão

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

2002

Romana Bica Nunes

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

2002

Francine Alves

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

2002

Virgílio Lopes

Univ. Nova Lisboa / Tese Mestrado

2003

Cristina Oliveira

Fac. Letras Coimbra/Tese Mestrado

2004

Maria Jesus Kremer

Univ. Trier/ Tese de Doutoramento

2005

Maria de Fátima Abraços

Fac.Letras Lisboa / Tese Doutoramento

O Corpus dos mosaicos romanos de Portugal Bairrão Oleiro e a publicação da primeira obra do Corpus Em França, desde o princípio do século XX que se defendia a publicação de um corpus de mosaicos, conforme relatam as palavras de Villefosse em carta escrita a Leite de Vasconcelos, datada de 13 de Agosto de 1902: «Vous avez bien raison de réclamer la conservation de la mosaïque de Alcobaça. Les mosaïques romaines sont des oeuvres très précieuses: notre Académie a pensée a en publier le Corpus; ce serait un travail on ne peut plus utile » (Vasconcelos 1903, 284). Cinquenta e cinco anos mais tarde, Henri Stern, fundador da Associação Internacional para o Estudo do Mosaico Antigo (AIEMA), lança os fundamentos do Corpus científico dos mosaicos da Gália, fazendo outros países iniciarem também os seus “Corpora Nacionais”.

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Em Portugal, no seguimento daquilo que lá fora se defendia, em relação à publicação de um Corpus Internacional de mosaicos, o Professor Doutor Artur Nobre de Gusmão, Director do Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, dirigiu um convite a Bairrão Oleiro, solicitando-lhe que organizasse o Corpus dos Mosaicos Romanos em Portugal. A primeira obra do Corpus, dedicada à “Casa dos Repuxos” de Conímbriga, no Conventus Scallabitanus, foi então publicada em 1992 e apresentada em dois volumes. O primeiro relata a história das escavações e a arquitectura da casa, seguindo-se o Corpus analítico e crítico dos trinta e oito mosaicos estudados. Completam, este volume, um estudo dos materiais arqueológicos e as sondagens feitas em diversos pontos da casa da autoria de Adília Alarcão e Virgílio Correia e ainda o estudo das pinturas murais in situ assinado por Rui Nunes Pedroso. O segundo volume apresenta as estampas com as plantas da casa, o levantamento fotográfico dos mosaicos e dos desenhos dos motivos decorativos e as fotografias dos materiais arqueológicos. Bairrão Oleiro viu reconhecida publicamente esta sua obra, quando em 1995, lhe foi atribuído o “Prémio Gulbenkian de Arqueologia 1992-1994”, conforme relata a carta que passamos a transcrever: “Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que o Júri convidado por esta Fundação deliberou atribuir a V. Exa. – por unanimidade e ex-aequo com o Prof. Doutor Francisco Sande Lemos – o Prémio Gulbenkian de Arqueologia 1992/1994, cujo valor será assim de Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos) para cada um dos premiados. A fim de fazer a entrega do prémio, a Administração desta Fundação tem o prazer de convidar V. Exa. para uma sessão pública, a realizar no próximo dia 24 de Maio de 1995, pelas 12 horas, na Sala de Honra da sua Sede – Av. de Berna, 45-A, em Lisboa – a que se seguirá, pelas 13 horas, um almoço presidido pelo Senhor Administrador Dr. Pedro Tamen, reunindo os dois premiados, os quatro membros do Júri – Doutores Susana de Oliveira Jorge, Adília Alarcão, Vítor dos Santos Gonçalves e Fernando Real – o Director do Serviço de Belas-Artes, Pintor Manuel da Costa Cabral, a Directora-Adjunta e responsável pelo Sector de Estudos de Arte, Arqueologia e Património do mesmo Serviço, Drs. Maria do Carmo Marques da Silva e Jorge Rodrigues. Apresento a V. Exa. os meus melhores cumprimentos. Manuel da Costa Cabral, Director.”8

A missão luso-francesa dos mosaicos do sul de Portugal: a publicação do segundo volume do Corpus e perspectivas futuras Entretanto, em 1991 devido a diligências desenvolvidas por Adília Alarcão, a Divisão de Arqueologia da Direcção Regional de Évora, do IPPC, com o apoio de Câmara Municipal de Monforte e do Instituto da Juventude levou a efeito em Monforte, no mês de Abril, um seminário sobre Mosaicos romanos de onde saíram alguns dos elementos que viriam a integrar a equipa do Corpus dos Mosaicos do Sul de Portugal.

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8. Arquivo documental da Fundação Calouste Gulbenkian, SBA:6528.


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Assim, a segunda obra do Corpus, iniciada em 1991, e dirigida por Janine Lancha e Pierre André, com a colaboração de Fátima Abraços, Adília Alarcão, D. Bédard, J.-P. Bost, J.-P. Brun, Marta Macedo, Rui Nunes, Fernando Real e Catarina Viegas, é publicada, no ano 2000, pelo Instituto Português dos Museus. Apesar de Portugal ter iniciado o seu Corpus tardiamente, os seus autores souberam inovar e superar o modelo da grande maioria dos corpora de mosaicos publicados até à data. Procuraram reconstituir a arquitectura dos edifícios, cujas salas se apresentavam pavimentadas a mosaico e apresentar um estudo minucioso dos pavimentos que decoravam a casa, tratados sob a forma de fichas de inventário, onde é estudada a técnica de assentamento, a estratégia de execução, o estado de conservação, os restauros antigos e modernos, o estudo da cor das tesselas e uma pormenorizada descrição dos 24 pavimentos. A obra foi publicada em duas versões, uma em português, outra em francês. Ainda durante o estudo dos mosaicos de Torre de Palma, deu-se início ao levantamento do desenho dos mosaicos de outras estações romanas: Em Novembro de 1993, Rafael Alfenim, Fátima Abraços e Marta Macedo desenharam os mosaicos da galeria do peristilo da domus de Sta. Vitória do Ameixial; em Agosto de 1994, procedeu-se à limpeza (foram retiradas as concreções calcárias) e levantamento do desenho, tessela a tessela, dos mosaicos já escavados da estação romana da Quinta das Longas, S. Vicente, Elvas; em Setembro de 1994, a equipa do Corpus dos mosaicos do Sul de Portugal procedeu ao levantamento do desenho dos mosaicos do Cerro da Vila, Vilamoura; em Outubro deste mesmo ano, Fátima Abraços e D. Bédard procederam, sob a orientação de Janine Lancha ao levantamento do desenho, a preto e branco, do mosaico do Oceano, depositado no Museu Municipal de Faro. Posteriormente, J. Lancha, Catarina Viegas e Cristina Oliveira continuaram os trabalhos neste Museu, tendo concluído o estudo deste mosaico, bem como o estudo dos mosaicos do Cerro da Vila e de Milreu, a publicar no terceiro volume do Corpus Nacional, consagrado ao estudo dos mosaicos do Algarve-Este. Esta obra, prevista para 2005, ainda não está concluída, aguardando-se a sua publicação. A equipa de António Carvalho prepara também o estudo dos mosaicos da Quinta das Longas, Elvas. Não sabemos se será publicado como um volume autónomo do Corpus ou integrado numa Monografia da uilla. Quanto ao Conventus Scallabitanus, Maria de Jesus Kremer apresentou, em 1999, na Universidade de Trier, um estudo iconográfico dos mosaicos da Villa Cardílio. Em 2003, Cristina Oliveira, membro da equipa dos Mosaicos do Sul de Portugal, publicou nos “Trabalhos de Arqueologia”, editados pelo IPA, a sua tese de Mestrado sobre os mosaicos da uilla romana de Rio Maior. Primeira obra publicada dentro dos parâmetros metodológicos definidos no programa de pesquisa da missão luso-francesa no segundo volume do Corpus sobre os mosaicos da uilla romana de Torre de Palma. Em Conímbriga, está em preparação um volume sobre os mosaicos das casas intramuros dirigido por Virgílio Correia e Cristina Oliveira. Há alguns anos, que os mosaicos da uilla romana de Rabaçal são alvo de um estudo minucioso por uma equipa dirigida por Miguel Pessoa. Foi já feito todo o levantamento

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do desenho dos mosaicos, tessela a tessela, bem como a tintagem. Foi também feito o estudo dos mosaicos da uilla no seu contexto arqueológico e arquitectural. Deu-se início ao programa de conservação e restauro dos mosaicos com a coadjuvação de uma equipa internacional de restauro. Nos últimos anos tem sido feita uma aposta na formação de uma equipa mais jovem, que possa dar continuidade aos trabalhos em curso, com vista à publicação do Corpus dos mosaicos desta uilla romana. Também, com este objectivo, o Museu Municipal de Odrinhas, em Sintra, tem vindo a desenvolver um conjunto de projectos, que contemplam formação, estudo, conservação e restauro dos mosaicos da região. O número de tomos, já editados e em preparação, necessários para a publicação do corpus de mosaicos de todo o país, corresponde, grosso modo, à estimativa apresentada por Bairrão Oleiro, à Fundação Calouste Gulbenkian, em carta datada de 23 de Abril de 1991 e dirigida a Nobre de Gusmão: “Penso que Conimbriga exigirá, pelo menos, a publicação de um outro tomo para o estudo e divulgação dos mosaicos das casas de Cantaber, dos esqueletos e das suásticas e dos achados dispersos. Dadas as condições especiais desta estação serão os volumes mais detalhados e aprofundados. Incluindo estes dois tomos, admito que para o convento Escalabitano (grosso modo a zona entre Tejo e Douro) possa prever-se um mínimo de 5 tomos; para o Bracarense (a N. do Douro) 1 tomo; e para o Pacense (a S. do Tejo), onde os mosaicos são particularmente numerosos, talvez uns seis ou sete. Esta estimativa não pode por vários motivos ser rigorosa. De facto não é possível prever o ritmo de novos achados ou de publicação de resultados de escavações ou de estudos monográficos que eventualmente venham a facilitar a recolha de dados para o corpus. (…).9

O financiamento do Corpus dos Mosaicos de Portugal O financiamento do primeiro volume do corpus Os encargos da edição do primeiro volume do Corpus sobre os mosaicos da “Casa dos Repuxos” de Conímbriga estiveram a cargo da Fundação Calouste Gulbenkian e do Instituto Português de Museus. Bairrão Oleiro na introdução deste primeiro volume do corpus lembra que este livro resultou de dois compromissos: o assumido com a Directora do Museu Monográfico de Conímbriga, Dra. Adília Alarcão, no sentido da publicação integral dos mosaicos daquela estação arqueológica; e o que decorreu da aceitação do convite que lhe foi dirigido pelo Director do Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, Prof. Doutor Artur Nobre de Gusmão, para organizar o corpus dos mosaicos romanos em Portugal. Em carta datada de 27 de Maio de 1992, o subdirector do IPM , Luís Ferreira Calado, escreve a Nobre de Gusmão sobre a comparticipação nos custos da edição/casa dos Repuxos: “Tendo tomado conhecimento por intermédio da senhora directora do Museu Monográfico de Conímbriga da decisão do Conselho de Administração

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9. Arquivo documental da Fundação Calouste Gulbenkian, SBA: 6528.


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10. Em 1991, a Embaixada de França ofereceu um conjunto de livros sobre mosaico romano, no valor de 5.000 Francos, que ficou para consulta na biblioteca do Museu Nacional de Arqueologia de Lisboa. 11. Arquivo do Instituto Português de Arqueologia: [Processo 99/1 (189)].

dessa Fundação em comparticipar nos custos da edição do tomo I do Corpus dos mosaicos romanos em Portugal, dedicado à casa dos repuxos de Conímbriga, vimos por este meio manifestar o nosso apreço e simultaneamente declarar que o IPM se compromete a obter a verba complementar necessária para a realização desta edição cuja oportunidade e interesse não são minimamente questionáveis. Contando com o apoio da Fundação Gulbenkian é agora possível ao IPM dar andamento à edição da referida obra.” Foi então assinado um protocolo entre o IPM e a Fundação, em que o montante total envolvido foi de 9.057.734$00 (nove milhões, cinquenta e sete mil e quatrocentos e trinta e quatro escudos) competindo à Fundação o pagamento de 3.863.475$00 (três milhões, oitocentos e sessenta e três mil e quatrocentos e setenta e cinco escudos). Uma vez impressa a obra, o IPM faria a entrega de 640 exemplares à FCG que poderia proceder à sua comercialização ao preço praticado pelo IPM, no valor de 12.500$00. Foi então, pedida pela Fundação a realização de um Protocolo, que foi assinado por Simoneta Luz Afonso e Pedro Tamen, em 15 de Janeiro de 1993.

O financiamento do segundo volume do corpus Os trabalhos da equipa do Corpus dos Mosaicos do Sul de Portugal, desde a sua organização em 1991, até 1999, foram custeados exclusivamente pelos subsídios da Comission des fouilles du Ministère des Affaires Étrangères de França e pelos recursos próprios de cada membro da equipa.10 É de salientar, também, durante este período, as facilidades de alojamento concedidas pela Câmara Municipal de Monforte, que apoiou a equipa, enquanto se desenvolveram os trabalhos em Torre de Palma e pela Lusotur, durante a prossecução dos trabalhos no Cerro da Vila. Para o quadriénio de 1999-2002, foi solicitado, ao Instituto Português de Arqueologia, um financiamento para o desenvolvimento do projecto do Corpus dos mosaicos romanos do Conventus Pacensis II – Algarve-Este. A verba atribuída por esta instituição para este quadriénio, com extensão até final de 2005, foi no montante de 3.890.61 euros.11 Entretanto, a Universidade do Algarve, a Universidade de Huelva e o Museu Municipal de Écija, unidos no projecto internacional MOSUDHIS de investigação dos Mosaicos Romanos do Sudoeste da Hispânia (Andaluzia e Algarve) concorreram a um apoio comunitário europeu de cooperação transfronteiriça, programa INTERREG IIIA – medida 2.4, para a valorização turística do património. Este projecto foi apoiado com 85.000 euros a distribuir do seguinte modo: 50.000 para a Universidade do Algarve; 17.500 para o Museu Municipal de Écija e 17.500 para a Universidade de Huelva. Neste âmbito, no dia 31 de Maio último foi inaugurada no Museu Municipal de Écija a exposição “Mosaicos romanos do Sul da Hispânia: Algarve e Andaluzia” e teve lugar a Mesa Redonda “Mosaicos romanos na Hispânia: conservação, valorização e perspectivas de futuro” e lançado um guia de divulgação sobre a: “A rota do mosaico romano. O sul da Hispânia (Andaluzia e Algarve)”. Como proposta de linhas de desenvolvimento do projecto ficou decidido dar continuidade ao estudo dos mosaicos do sul.

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Conclusões

12. Arquivo documental da Fundação Calouste Gulbenkian, SBA: 6528.

Vemos com alguma apreensão a continuidade da coordenação, dinamização e do financiamento do “Corpus de Mosaicos Romanos de Portugal”. Não gostaríamos de ver interrompido o trabalho iniciado por Bairrão Oleiro e encorajado desde sempre por Adília Alarcão. Apontamos como linha orientadora para a prossecução do Corpus a criação de uma comissão científica no seio do IGESPAR constituída por representantes das Universidades, Politécnicos e Associações do sector, como a APECMA: Associação para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo, a quem caberia coordenar e gerir todos os trabalhos no âmbito do estudo do mosaico. Há dezassete anos, que se deu início à formação de uma equipa para o estudo do mosaico, conforme já referimos supra. O estudo da mosaística tem sido leccionado nas diferentes Universidades e Politécnicos de Portugal e contamos já com um conjunto de técnicos e estudiosos que poderão dar continuidade ao Corpus, e resposta aos anseios que B. Oleiro manifestava a Nobre Gusmão, em carta datada de 23 de Abril de 1991: (…) Um outro aspecto a considerar e que já tive oportunidade de expor pessoalmente é o da crescente “apetência” de investigadores estrangeiros quanto ao estudo e publicação dos mosaicos portugueses. Os meios de trabalho de que normalmente dispõem, designadamente no que se refere a bibliografia especializada, a arquivos fotográficos e facilidades de deslocação, ultrapassam largamente os nossos. E o mesmo se pode dizer quanto às facilidades para publicação. Pessoalmente considero pouco prestigiante para o país que os nossos valores patrimoniais sejam, em muitos casos, estudados e divulgados por estrangeiros, a não ser quando em regime de colaboração, em condições a fixar caso a caso, mas rejeitando sempre qualquer tipo de subordinação. (…)”12

Bibliografia Abraços, Maria de Fátima. 2006. Para a História da Conservação e Restauro do Mosaico Romano em Portugal. Dissertação de Doutoramento em Letras. Especialidade em História da Arte. Faculdade de Letras de Lisboa Abraços, Maria de Fátima. 2006-2007. Corpus dos Mosaicos Romanos de Portugal. Portugália, volumes XXVII-XXVIII, nova série: 49-58 Acuña castroviejo.1974. Consideraciones sobre los mosaicos portugueses del Convento Bracarense. Actas do III Congresso Nacional de Arqueologia. Porto: 201-210 Alarcão, Jorge. 1974. Portugal Romano. Lisboa: Ed. Verbo Alarcão, Jorge. 1988. Roman Portugal. Aris & Phillips Ltd, Warminster, England Batalha, Luísa e outros. 2006. Um mosaico romano em Castanheira do Ribatejo. Almaden 14. IIª série: 6 Beloto, Carlos. 1989. Os Mosaicos Romanos de Portugal. Condeixa.

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o i n v e n tá r i o e o c o r p u s d o s m o s a i c o s r o m a n o s d e p o r t u g a l

Bugalhão, Jacinta. 2006. O sítio romano de Vale do Mouro/Gravato (Meda). Almadan 14. IIª série: 157-159 Campos Carrasco e outros. 2008. A rota do mosaico romano. O sul da Hispânia (Andaluzia e Algarve). Mosudhis (Interreg IIIA) Chaves, Luís. 1936. Mosaicos Lusitano-romanos em Portugal. Revista de Arqueologia, 1ª série. Tomo III. Lisboa Lancha, Janine e André, Pierre. 2000. Corpus Mosaicos romanos de Portugal II, CONVENTVS PACENSIS 1, A villa de Torre de Palma. IPM. Lisboa Lopes, Virgílio. 2006. Mosteiro do Monte Mosteiro. Almadan 14. IIª série: 151 Lopes, Virgílio. 2006. Associação Portuguesa para o Estudo do Mosaico Antigo. Almadan 14. IIª série: 155 Kremer, Maria de Jesus. Pessoa, Miguel. Abraços, Fátima. 2007. Inventário, Carta de Risco e Corpus dos Mosaicos Romanos de Portugal: o seu significado para a conservação do património musivo português. Almadan 15. IIª série: 61-67 Oleiro, Bairrão. 1986. Mosaico Romano. História da Arte em Portugal. Vol. I. Lisboa: Alfa Oleiro, Bairrão. 1992. Corpus dos Mosaicos Romanos de Portugal, Conventus Scallabitanus, I, Conimbriga – Casa dos Repuxos. IPM/MMC. Conimbriga. Oleiro, Bairrão. 1996. Última aula. 3 de Junho de 1993. O Mosaico Romano em Portugal. Miscellanea em homenagem a Bairrão Oleiro. Edições Colibri. Lisboa: 13-19 Pessoa, Miguel. 1998. Villa romana do Rabaçal. Câmara Municipal de Penela. Penela Pinto, Rui Serpa. 1934. Inventario dos mosaicos romanos de Portugal. Anuario del Cuerpo Facultativo de Archiveros, Bibliotecarios y Arqueólogos. Volume I Madrid: 161-191 Russel Cortez. 1946. Mosaicos romanos no Douro. Separata dos Anais do Vinho do Porto. Edição do Instituto do Vinho do Porto. Porto Sá, Maria Cristina Moreira de.1959. Mosaicos romanos de Portugal, Tese de Licenciatura. Faculdade de Letras. Lisboa Santos, Maria Luísa Veiga Affonso dos. 1969. Subsídios para o estudo da arqueologia romana do Algarve. Tese de licenciatura apresentada à Faculdade de Letras de Lisboa Vasconcelos, José Leite de. 1902. Mosaico Romano de Alcobaça. Arqueólogo Português. 7. Lisboa: 146-149 e 284

Arquivos Arquivo documental da Fundação Calouste Gulbenkian: Processo - SBA:6528. Arquivo do Instituto Português de Arqueologia: [Processo 99/1 (189)].

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Resumo Um mosaico descoberto por D. Fernando de Almeida em terras egitanienses revelase extremamente significante no contexto das transformações verificadas na cidade e no campo durante a Antiguidade Tardia. Consideramos este mosaico, pela desconstrução, geometrismo e abstraccionismo que revela, de grande importância para uma reflexão sobre a influência dos comportamentos típicos da Antiguidade Tardia também na arte do mosaico. Partiremos de uma descrição geral para uma leitura de pormenor, tendo em vista a percepção formal e a simbólica das partes na sua relação com o todo. Procuraremos os paralelos mais próximos, tentando descortinar a relação entre o geometrismo e as sugestões dionisíacas num contexto em que o cristianismo já se havia afirmado com veemência sobre o paganismo.

palavras-chave mosaico dionisismo geometrismo cristianismo

Abstract A mosaic discovered by D. Fernando de Almeida in the area of Egitânia is of great significance in the context of the transformations suffered in the city and countryside during Late Antiquity. For its deconstruction, geometry and abstraction, this mosaic is of great importance to the issue of the influence of typical behaviors in Late Antiquity also in the art of the mosaic. We will start with a general description and move on to a more detailed reading, bearing in mind its formal perception and the symbolism of its parts as a whole. We will find close parallels, while trying to decipher the relation between the geometry and the Dionysian suggestions at a time when Paganism was already being overpowered by Christianity.

key-words mosaic dionysian geometry christianity


a propósito de um mosaico egitaniense dionisismo, geometrismo e cristianismo m. j u st i n o m ac i e l Instituto de História da Arte – fcsh/unl

Grande parte dos mosaicos romanos hoje conhecidos em Portugal datam da Antiguidade Tardia, porque acompanharam as renouationes arquitectónicas e as suas últimas fases de ocupação, seja na cidade, seja no campo. Reflectem as sensibilidades, rupturas e continuidades que caracterizam o mundo romano tardio e os contextos bárbaros pós-invasões, afastando-se progressivamente dos modelos clássicos mas permitindo sempre a identificação da matriz formal romana subjacente. Nos anos setenta do séc. XX, ao abrir-se um canal de irrigação nos campos da Idanha (Idanha-a-Nova, Castelo Branco), foi encontrado um conjunto de mosaicos romanos. O maior deles é muito interessante, tendo sido objecto de estudo por parte de D. Fernando de Almeida, que procedeu ao levantamento gráfico e fotográfico, bem como à sua publicação (Almeida, 1975, 219-220). Este mosaico, estruturado com tesselas brancas e negras, terá sido deixado in situ. Deduz-se das palavras deste autor que terá permanecido sob a conduta de água ali montada, pois diz-nos que os trabalhos não o danificaram porque a construção do canal, em betão, parou a dois centímetros por cima (Ibidem). No que respeita ao contexto arqueológico em que se encontrava, continua este autor: escavámos o local, onde se encontram em abundância cerâmicas, pedras trabalhadas e moedas romanas, mas não se pode garantir a localização onde elas se encontravam antes dos trabalhos para abertura do canal. De entre as moedas, as mais recentes são as Graciano, Máximo e Honório I (Idem, 220).

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Tudo o que sabemos sobre os mosaicos encontrados em Idanha encontra-se, pois, ligado à informação de D. Fernando de Almeida, incluindo dados sobre as tesselas, em mármore branco e negro, bem como sobre as suas dimensões: cerca de 20m 2, no total, ocupando o solo de uma habitação romana em vários pontos, próximos uns dos outros. Sem dúvida, parte de uma Villa romana. O predomínio da decoração geométrica que descreve como rosetas, losangos, linha ondulada acompanhando uma circunferência, filetes, etc.; a silhueta de um homem, todo negro, aparece aqui isolada com um pequeno vaso e uma roseta (Ibidem), levou o autor a dizer que lhe parecia uma composição mágica. Quanto à datação, propôs os finais do séc. IV ou mesmo o V, coincidindo com a cronologia das moedas encontradas. Consideramos este mosaico, pela desconstrução, geometrismo e abstraccionismo que revela, de grande importância para uma reflexão sobre a influência dos comportamentos típicos da Antiguidade Tardia também na arte do mosaico. Partiremos de uma descrição geral para uma leitura de pormenor, tendo em vista a percepção formal e a simbólica das partes na sua relação com o todo. Procuraremos os paralelos mais próximos, tentando descortinar a relação entre o geometrismo e as sugestões dionisíacas num contexto em que o cristianismo já se havia afirmado com veemência sobre o paganismo.

fig1. desenho do mosaico da idanha, segundo d. fernando de almeida.

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fig2. mosaico de annius ponius , de mérida. © museo de arte romano, mérida.

Descrição Podemos observar este pavimento musivo como parte não delimitada de um tapete de cerca de três metros e meio por dois metros e meio, cujas tesselas alternam em cores branca e negra, desenhando quase exclusivamente figuras geométricas ou geometrizantes, a que uma figura humana preenchida exclusivamente com tesselas negras parece querer dar sentido e organização. Três composições lineares articuladas em aparente desconexão, marcadas a linhas paralelas em que convergem vertical ou diagonalmente outras, perspectivando consolas ou mútulos, cinco círculos associados a hexafólios, quadrados e octógonos, três vasos de rude formato, dois

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filetes ondulados e um pequeno ramo estilizado de oliveira, hedera ou loureiro, prenchem a composição, como que respondendo a um sentimento de horror uacui. A figura humana parece procurar caminho entre vasos e linhas de sinusóide, apontando com o braço esquerdo um círculo com hexafólio inscrito. Do seu braço esquerdo pende uma siringe ou flauta-de-pã, o que permite identificar a figura como um sátiro ou o próprio Pã. As composições lineares são três: a primeira, no extremo esquerdo, apresenta-se com os quatro lados delimitados, com interrupção apenas na zona de proximidade com o círculo envolvendo segmentos secantes. Consta de onze linhas mais ou menos paralelas que, por traços ora verticais ora enviezados sugerem a ideia de consolas, mútulos ou até escadas em perspectiva imperfeita. A segunda composição tem apenas três lados delimitados e consta de seis linhas mais ou menos paralelas que, por traços enviezados, sugerem igualmente a ideia de consolas, mútulos e rombos de irregular perspectiva. A terceira, surge-nos mais como um quadriculado fazendo a ligação entre as duas composições anteriores. Apresenta os quatro lados delimitados, com interrupção na linha de contacto com a segunda composição. É composta por oito linhas mais ou menos paralelas, cruzando verticalmente com outras seis, dinamismo que lhe empresta a forma de uma retícula dentro de cujos intervalos se introduzem traços cruzados ou aspas, como que apertando a malha de uma rede. O modelo não se afasta totalmente da perspectiva das consolas, mas surge geometricamente mais perfeito. Os círculos, por sua vez, são todos descritos a compasso, de igual diâmetro, cerca de cinquenta e nove centímetros, dois pés, tendo o octógono que engloba um círculo mais pequeno igual amplitude. O círculo nº. 1 tem inscritos seis segmentos secantes cujos pontos de intersecção constituem centros de compasso, gerando uma roseta de seis pétalas ou fólios. O círculo nº 2, por sua vez, corresponde à mesma descrição do primeiro, mas evoluindo já para uma forma mais complexa: a partir de centros exteriores ao círculo foram traçados segmentos atingindo e unindo os pontos de intersecção dos hexafólios, correspondendo ao dinamismo do também aqui verificado horror uacui. O círculo nº. 3, com recurso a centros também exteriores, inscreve interiormente segmentos secantes que geram dois quadrados de lados recurvos dispostos em diagonal, apresentando no interior uma cruz central. O círculo nº. 4, sugere uma corona lemniscata estilizada, na medida em que nele se enrola em sinusóide uma linha ou fita (lemnis) da qual pende, para o interior, um quadrado disposto em diagonal. Finalmente, o círculo nº. 5, mais pequeno, apresenta no seu interior também um quadrado e encontra-se, por sua vez, inscrito dentro de dois octógonos concêntricos. Quanto aos vasos, poderão ser três. O primeiro poderá ser identificado como um jarro com uma asa, de forma indubitável. O segundo, como uma cratera sem asas ou vaso in genere, interpretação que poderá ser discutida. O terceiro será ainda mais discutível, mas cremos que poderá significar uma patera ou uma kilix. Dois filetes ondulados, linhas sinusóides ou espirais enquadram a figura de silhueta humana. E um pequeno ramo com frutos de oliveira, hera ou loureiro torna presente a simbologia vegetalista já sugerida pela ambiguidade dos hexafólios.

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Comparação Este mosaico egitaniense revela-se-nos como único no território português. Todavia, na procura de paralelos, ressalta de imediato a grande proximidade com o chamado mosaico emeritense de Annius Ponius (Kuznetsova-Resende, 1997, ­31-38), onde nos é patenteada a célebre cena mitológica do Encontro de Naxos, correspondente às núpcias de Dioniso e Ariadne. É no abstraccionismo da decoração complementar deste mosaico que notamos a proximidade com o mosaico da Egitânia – cinco círculos associados a uma estilizada decoração vegetalista e a um enca­ dea­mento de quatro semicírculos tendo próxima uma linha ligeiramente encurvada que tanto poderá indicar um pedum estilizado como uma sugestão de contorno. Reforçando o contexto dionisíaco definido pelas figuras de Baco e de Ariadne, de Pã e de uma ménade, uma pantera e dois vasos completam a cena. Este mosaico emeritense tem sido datado do séc. V (Blázquez, 1993, 322). Poderíamos referir também o mosaico com o tiaso báquico de Torre de Palma como obra de arte de referência entre os mosaicos dionisíacos na Lusitânia (Lancha, 2000, 197-205). Teríamos, assim, exemplos de mosaicos exclusivamente figurativos, como é este de Torre de Palma, mosaicos em que o geometrismo e o figurativismo se associam de modo equilibrado, como é o também já referido de Mérida e, finalmente, os que dão progressivo relevo à decoração geométrica, em detrimento do figurativo, de que o mosaico egitaniense é um bom exemplo. Complementarmente, podemos referir a pintura da chamada aula/basílica de Tróia de Setúbal, onde nos aparece não só o vaso como a interacção dos círculos, dos octógonos e dos quadrados (Maciel, 1996, 235-250). Também com uma cronologia dos finais do séc. IV – princípios do séc. V, este expressionismo do geométrico em Tróia de Setúbal é eloquente e não pode ser esquecido, assim como outros exemplos em mosaico e mesmo na escultura. Poderíamos citar os pavimentos musivos da chamada Sinagoga de Elche, da segunda metade do séc. V (Palol, 1967, ­201-210), com hexafólios e quadrados de lados recurvos inscritos em círculos, assim como em ladrilhos e mesmo em estelas tradicionais romanas (Idem, Láms. XXXII e XXXIII e LIII a LVIII). Pedro de Palol diz-nos que o tema das rosáceas de pétalas vai ter uma grande fortuna na arte hispânica da época visigoda. O desenvolvimento do mesmo, único ou combinado de mil formas diversas que o seu geometrismo permite, temo-lo já nas placas de tijolo e o vimos em relação ao mosaico e à escultura ornamental (Idem, 259). Desta variabilidade de formas que os círculos secantes permitem surgirá a representação da cruz, designadamente a cruz pátea, símbolo do próprio cristianismo.

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fig3. mosaico dionisíaco de torre de palma (monforte). © museu nacional de arqueologia, lisboa.

Significação Como noutros contextos da Antiguidade Tardia, designadamente naquele que tivemos oportunidade de estudar através de pinturas da aula/basílica de Tróia de Setúbal, a decoração de base geométrica apresenta-se-nos aqui como no fim de toda uma história decorativa que começa, aparentemente, em Pompeios, se desenvolve em todo o Império com bons exemplos em Óstia e nas Províncias, acabando por dinamizar, nos sécs. III-IV, um comportamento generalizado que, em grande parte, se tornará responsável pela sobrevivência e renascimento, no Ocidente europeu, dos modelos clássicos nos sécs. VI, VII, VIII e IX (Maciel, 1996, 250). Desde a Pré-História o círculo se conota com o equilíbrio e a continuidade. Como o Alfa e o Ómega no cristianismo, é símbolo perene da perfeição e daí a sua conotação com o trancendente. Daí a sua associação aos cultos solares, à própria esfera celeste e aos ciclos cósmicos. Na arte paleocristã, o círculo e o octógono surgem em continuidade, como podemos ver nas abóbadas do Mausoléu de Santa Constança e das Catacumbas da Via Latina, em Roma (Ling, 1991, 191. O destaque dado ao

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número oito ou Ogdóade, símbolo de Cristo, pelo primitivo cristianismo, revela-se primeiramente n pintura, posteriormente no mosaico e, finalmente, na arquitectura (Quacquarelli, 1973, 69-87). A espiral, que podemos ver sugerida na linha de sinusóide, exprime a interrupção de comportamentos e procura de novos direccionamentos. O mesmo poderemos dizer das composições lineares sugerindo mútulos, consolas, retículas e linhas paralelas, expressão de um novo construtivismo dimensional de grande relevo linearístico, como afirma W. Dorigo para a pintura dos finais do séc. IV e princípios do séc. V (Dorigo, 1966, 289). A procura de novos caminhos de expressão encontra-se patente na gestualização da figura humana desenhada a negro, assim provocando a imediata atenção do observador. Mas a sua grande estilização aponta para o desaparecimento total do figurativo na arte do mosaico e da pintura. Com efeito, na primeira metade do séc. V, surgem directivas imperiais no sentido de erradicar a representação humana dos pavimentos das igrejas (Cvetkovic Tomasevic, 1980, 298-299). Os temas báquicos, progressivamente cristianizados, acabam também por seguir esta tendência. Por isso é esclarecedora a evolução que se verifica nos mosaicos dionisíacos que citámos de Torre de Palma (figurativo pleno), Mérida (associação equilibrada entre o figurativo e o geométrico) e Idanha (geometrismo quase exclusivo). O que, no fundo, mantém a identidade dionisíaca é a representação do vaso, que se articula com os restantes símbolos, os quais não significam sozinhos mas num sistema significante. O mesmo acontece com a escolha do vaso como significante por parte das religiões orientais e do cristianismo. Como escrevemos já, também o vaso funciona como símbolo privilegiado, na medida em que se transformou num referencial eleito como significante pela quase totalidade das religiões da Antiguidade e como um dos instrumentos culturais mais significativos ao longo da História (Maciel, 1996, 253).

Conclusão O mosaico de Idanha-a-Nova surge-nos, assim, com uma decoração dinamicamente anicónica. A presença estilizada dos vasos é a única realidade expressa que aponta para um contexto ideológico: o dionisismo. Mas este dionisismo dilui-se já num avassalador geometrismo, que é provocado e potenciado pela presença dinâmica de uma nova ideologia, ela também avassaladora: o cristianismo. Na sua aparente ausência, o cristianismo está presente na assunção progressiva dos elementos formais da arte romana, expressa não só na simbologia do vaso, como na perfeição técnica dos círculos, dos quadrados e dos octógonos, assim como na abertura a novos percursos artísticos sugeridos pelas composições lineares de traçado interrompido. Dado o carácter extremamente tardio deste conjunto decorativo, poderíamos encontrar outras razões para o seu abstraccionismo e geometrismo: as normativas conciliares e imperiais contra a representação da figura humana, designadamente

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nos pavimentos; a proibição dos cultos tradicionais a partir de Teodósio; a diluição das oficinas de mosaístas na desordem provocada pelas invasões bárbaras; a reacção calada, a hesitação ou a aceitação plena, nos ambientes domésticos, em relação ao triunfo do cristianismo. O tradicional dionisismo poderá justificar as representações abstractas expressas pelo domínio de um geometrismo dialéctico e interactivo, onde a perfeição joga com a imperfeição e a desconstrução toma posse do texto decorativo. Por outro lado, a dialéctica perfeito-imperfeito faz emergir a simbologia sobre o discurso geométrico, simbologia essa que tende a sublinhar e exprimir hierarquizações na busca de um fulcro significante. As formas, como referentes, transformam-se em signos e estes em símbolos que, por sua vez, se manifestam como ideogramas, referentes de uma determinada compreensão do mundo, transformados em signos plurissignificantes de um microcosmos que, na verdade, representa o macrocosmos (Maciel, 1996, 255). Na evidente função fática da linguagem que caracteriza o discurso artístico geométrico, o dionisismo revela-se na sua expressão decorativa como ponto de chegada, e o cristianismo, também esteticamente falando, como ponto de partida. Na ingenuidade da forma e no abstraccionismo do espaço, este mosaico manifesta-se como documento único da interacção entre as duas ideologias na paisagem rural do território egitaniense de uma já avançada Antiguidade Tardia.

Bibliografia ALMEIDA, F. (1975) – Sur quelques mosaïques du Portugal, Torre de Palma et autres, in La mosaïque gréco-romaine, II Colloque International pour l’Étude de la Mosaïque Antique, Paris, CNRS, 1975, pp. 219-226, Pl. LXXVII. BLÁZQUEZ, J. M. (1993) – Mosaicos romanos de España, Madrid, Cátedra, 321-324. CVETKOVIC TOMASEVIC, G. (1980) – Mosaïques paléobyzantinesde pavement dans l’Illyricum oriental. Iconographie, Symbolique, Origine, in Rapports présentés au Xe Congrès International d’Archéologie Chrétienne, Thessalonique, pp. 283-347. DORIGO, W. (1966) – Pittura Tardoromana, Roma. KUZNETSOVA-RESENDE, T. (1997) – O Encontro em Naxos, in Anas, 10, Mérida, pp. 31-38. LANCHA, J., ANDRÉ, P. (2000) – Corpus dos Mosaicos Romanos de Portugal, II, Conventus Pacensis, 1, A Villa de Torre de Palma. Lisboa, Instituto Português dos Museus, pp. 197-205.

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Riassunto La presenza di imponenti ruderi antichi a Palazzo Pignano era già conosciuta nel 1600, mentre per affrontare in modo scientifico il ritrovamento si dovette aspettare fino al 1963, con i radicali restauri all’interno della pieve protoromanica di San Martino: sotto la pieve fu rinvenuto un edificio rotondo a pianta centrale, e nella zona retrostante alla Pieve verso est furono scoperti, fra il 1969 e 1972, i resti della grandiosa Villa che oggi trattiamo. Vi fu una stasi nelle ricerche tra il 1972 e il 1977, quando fu eseguita una serie di sondaggi per definire le dimensioni e le caratteristiche del complesso abitativo. Nel 1988 uno scavo stratigrafico lungo il lato sud della Chiesa ha permesso di individuare una vasca battesimale a immersione. Tra gli anni 1999 e 2001 una campagna di rilievi e prospezioni con magnetometro Fluxgate ha permesso di precisare le varie fasi di vita della Villa: una ristrutturazione importante nella prima metà del V sec. d.C.; e poi l’insediamento nella zona della villa già in abbandono di capanne e sepolture, databili genericamente in un momento altomedioevale.

parole chiave tardoantico villa architettura paleocristiana

Abstract The imposing ancient ruins at the Pignano palace were already known in 1600, however they were only scientifically studied in 1963, when the interior of the preRomanic church of S. Martinho underwent deep restoration: under the church a circular building with a central plan was found, and on the East side, between 1969 and 1972, the remains of a great Villa were discovered. This will be the matter of our discussion. There was a great effort in the research between 1972 an 1977, when a series of probes were made which defined the dimensions and characteristics of the habitation complex. In 1998, a stratigraphic excavation of the south side of the church allowed us to locate a baptismal tank. Between 1999 and 2001 the area was prospected with a Fluxgate magnetometer which enabled us to determine the various stages of the Villa: an important restructuring during the first half of the 5th century AD; and later the establishment in the area of the villa, now abandoned, of huts and graves, dating from the Early Middle Ages.

key-words late Antiquity villa early christian architecture


la villa tardoantica di palazzo pignano ly n n pa si pi t c he r Soprintendenza Archeologica della Lombardia, Milano

Introduzione La Villa tardoantica di Palazzo Pignano si trova in Italia, nell’attuale Regione Lombardia a circa 35 km a sud ovest di Milano, nella parte più settentrionale dell’attuale provincia di Cremona: in età romana faceva parte del territorium di Bergomum. In effetti anche oggi questa porzione di pianura gravita più verso nord e Milano che non verso Cremona. La posizione geografica è di particolare pregnanza per la scelta della collocazione del complesso palatino. Il Cremasco era caratterizzato dalla presenza dei due fiumi Adda e Serio, i quali, nonostante molte opere di bonifica, ebbero grande incidenza sul territorio, contraddistinto da ampie zone paludose ed esondazioni. L’analisi capillare dei siti permette una ricostruzione a grandi linee del popolamento. Mentre in età tardorepubblicana e nella prima età Imperiale prevaleva una concentrazione degli abitati nella zone più alte di Camisano e Vidolasco, in età tardoantica si notano insediamenti di un certo tenore a Palazzo Pignano e in località Rovereto di Credera Rubbiano; insediamenti longobardi si trovano ad Offanengo e verosimilmente a Palazzo Pignano; infine Crema viene fondata solo in pieno Medioevo. La situazione ambientale e pedologica è particolarmente illuminante per comprendere i vari aspetti del “vivere” in una grande residenza. Palazzo Pignano sorge vicino a una leggera scarpata, che divide questo luogo dalle aree più basse che proseguono verso ovest fino all’Adda, e sorge vicino al rio Tormo, che attualmente è un piccolo corso d’acqua di andamento incerto; mentre in antico, probabilmente, rappresentava un collegamento privilegiato con l’Adda. Dall’Adda

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fig.1

era possibile navigare verso nord fino al Lago di Como e verso sud al Po, a Cremona e fino all’Adriatico. Forse nella scelta di Palazzo Pignano si intravede, da parte del possessor, un cambiamento nel rapportarsi delle grandi proprietà all’ambiente, fenomeno che vede il latifundium diversificarsi con l’uso del saltus1, tecnicamente una parte della proprietà non coltivata, ideale per l’allevamento dei cavalli allo stato semi brado. Oltre a queste parti areali, la pedologia dei terreni circostanti permette di ipotizzare una zona a coltivazione intensiva e un’altra paludosa ideale per la caccia. La combinazione delle tre funzioni si inquadra perfettamente nella nuova concezione dell’abitare: quello della dimora sfarzosa isolata, ma ben collegata con i centri di potere quali per esempio Milano e Ravenna, quello produttivo, e quello legato all’otium, con particolare interesse per la caccia, che diventa in questo mo-

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1. D. Scagliarini Corlaita, “Le grandi ville di età tardoantica” in Milano capitale dell’Impero Romano 286-402 d.C., Milano 1990, p. 257.


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2. P. Terni, Historia di Crema (1540 ca.-1557) Crema 1964 “… et nel cultivar de campi, gli antiqui sepulcri et marmoree lastre, l’antiqua gesa cum la già detta prepositura, che trenta benefici conferisse… la antica torre cun tanti sepulcri, fondamenti e vestigi di gran cose che nobiltà e grandezza pur indicao”. 3. M. Mirabella Roberti, “Una basilica paleocristiana a Palazzo Pignano” in Insula Fulcheria vol. IV, 1965, pp. 79-90; idem “Ancora sulla “Rotonda” di Palazzo Pignano” in Insula Fulcheria, vol. VII, 1968, pp. 85-94. 4. M. Mirabella Roberti, Scoperto il Palatium di Palazzo Pignano” in Insula Fulcheria, vol. VIII, 1969, pp. 19-23; idem ”Una basilica e una Villa a Palazzo Pignano” in Arte Lombarda, XV, 2, 1970, pp. 115-116, idem. “Le ricerche di archeologia cristiana in Lombardia dal 1958-1968” in Atti del II Congresso Nazionale di Archeologia Cristiana (Matera 25-31 maggio 1969), Roma, pp. 337-354. 5. Una sintesi globale dei rinvenimenti fu pubblicata nel 1985: G. Massari, E. Roffia, M. Bolla, D. Caporusso, “La Villa tardo romana di Palazzo Pignano (Cremona)” in Cremona romana. Atti del congresso storico archeologico, Cremona 1985, pp. 185-260; E. Roffia, “Il complesso di Palazzo Pignano: la Villa” in Milano Capitale dell’Impero 286-406 d.C., Milano 1990, p. 206. 6. L. Passi Pitcher, “Il complesso di Palazzo Pignano: il Battistero” in Milano Capitale dell’Impero 286-406 d.C., Milano 1990, pp. 206-207. M. Casirani, L. Passi Pitcher, “Antiquarium della Villa tardoantica di Palazzo Pignano, L. Passi Pitcher, “Palazzo Pignano” in Archeologia della colonia di Cremona e il territorio in Storia di Cremona. L’età antica, Cremona 2003, pp. 216-219.

fig.2

mento un simbolo di prestigio, come d’altronde lo era, per la definizione del ruolo elevato del dominus, la ricca contrapposizione nella Villa di elementi architettonici grandiosi. La presenza di imponenti ruderi antichi era già conosciuta nel 1600 2 , mentre per affrontare in modo scientifico il ritrovamento 3 si dovette aspettare fino al 1963, con i radicali restauri all’interno della pieve protoromanica di San Martino: sotto la pieve fu rinvenuto un edificio rotondo a pianta centrale, e nella zona retrostante alla Pieve verso est furono scoperti, fra il 1969 e 1972, i resti 4 della grandiosa Villa che oggi trattiamo. Vi fu una stasi nelle ricerche tra il 1972 e il 1977, quando fu eseguita una serie di sondaggi per definire le dimensioni e le caratteristiche del complesso abitativo 5 . Nel 1988 uno scavo stratigrafico lungo il lato sud della Chiesa ha permesso di individuare una vasca battesimale a immersione 6 . Tra gli anni 1999 e 2001 una campagna di rilievi e prospezioni con magnetometro Fluxgate ha permesso di precisare le varie fasi di vita della Villa: una ristrutturazione importante nella prima metà del V sec. d.C.; e poi l’insediamento nella zona della Villa già in abbandono di capanne e sepolture, databili genericamente in un momento altomedioevale.

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La “Rotonda” L’edificio trovato sotto la pieve, a pianta centrale con avancorpo, è concordemente definito a carattere religioso: nella parte mediana del corpo centrale si trova una serie di sei pilastri a “T”, supporto di una cupola centrale. Nell’abside con presbiterio sopraelevato vi è traccia di un sedile e di una cattedra. La parte centrale era decorata da un pavimentazione mista in opus sectile (oggi denominata a piastrelle litiche) e opus tessellatum, con un tipico motivo geometrico a piastrelle nere di forma esagonale in lavagna e triangoli bianchi in tessere 7. La parte esterna, un deambulatorio, è decorata con un tappeto musivo a fondo bianco e scudi contrapposti neri e triangoli rossi. Le misure ridottissime dell’unico lacerto rimasto non permettono di definire la trama generale del pavimento. All’esterno dell’attuale pieve, sul lato sud, è stato ritrovato un fonte battesimale ad immersione con rivestimento in cocciopesto ed una fistula in piombo per il deflusso dell’acqua. Nel corridoio d’accesso al fonte poche file di tessere denotano un pavimento in bianco e nero. Definire la funzione della “Rotonda” è molto problematico: le ipotesi sono varie: una cappella connessa alla residenza estiva di un vescovo, o la sede di “un vescovo di campagna”, oppure un martyrium, o infine, secondo una teoria più accreditata, una cappella palatina 8 collegata al grandioso palatium. La presenza di un battistero annesso a una grande Villa è un fenomeno che, fino a pochi anni fa, fu considerato rarissimo, da mettere in relazione alle esortazioni di Sant’Ambrogio sul dovere da parte dei potentiores con grandi proprietà rurali di occuparsi della diffusione della cristianizzazione nelle campagne 9. Si tratta di “…una chiesa privata con diritto di battesimo in relazione al fundus10”. Lo schema compositivo dell’edifico sacro11 trova confronti con strutture coeve in tutto il Mediterraneo: come prototipo si può citare la Basilica costantiniana dell’Anastasis a Gerusalemme, il mausoleo di S. Costanza a Roma, la basilica di Amphipolis. L’ampiezza geografica dei confronti non deve stupire, poiché ci troviamo di fronte a committenze cosmopolite 12 , che hanno rapporti stretti con il centro del potere e con le ultime novità culturali che lo caratterizzano. Per quanto concerne la posizione periferica del fonte battesimale, in Italia non esistono raffronti, mentre rari esempi si trovano nelle basiliche siriane di Fa’loul e Beth-Shan.

La Villa Il corpo centrale della Villa è costituito da un edificio incentrato attorno a un peristilio ottagonale con viridarium interno, ed una serie di stanze di forme varie (rettangolari, quadrate, circolari, geometriche, ed aule absidate) che si affacciavano su quello che verosimilmente era l’ambulacrum; dal quale, attraverso quattro passaggi, si accedeva dai quattro punti cardinali al giardino, con pilastri, mentre il resto dell’area di delimitazione tra ambulacrum e giardino era forse a balaustra. Il portico era pavimentato da lastre di pietra di Verona di dimensioni variabili. L’in-

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7. Frequentemente, in questo periodo, gli edifici pubblici adoperano disegni geometrici in bianco e nero: si vedano tra l’altro nel presbiterio di S. Tecla a Milano, in S. Giovanni in Conca, ed a Cremona nella cripta di Sant’Omobono. Interessante infatti è l’uso di tipologie pavimentali “pubbliche” in spazi più legati a complessi privati: si potrebbe ipotizzare la volontà di rendere gli spazi religiosi privati un po’ più “pubblici” dandogli più importanza. Il rivestimento di Palazzo Pignano si scosta dalla norma, poiché la commistione delle due tecniche è abbastanza inusuale. 8. La Cantino Wataghin (G. Cantino Wataghin “Tardoantico e altomedioevale nel territorio padana” in La storia dell’Altomedioevo italiano (VIX secolo) alla luce dell’archeologia Congresso Internazionale, Siena, 2-6 dic. 1992, pp. 142-147. Della stessa opinione sono anche V. Fiocchi Nicolai, S. Gelichi, “Battisteri e chiese rurali (IV-VII sec) in L’edificio battesimale in Italia. Aspetti e problemi. Atti dell’VIII Congeresso Nazionale di Archeologia Cristiana I-II, Bordighera 1998, p. 335. La Cracco Ruggini propone la possibilità che in un secondo momento la Villa fosse utilizzata come sede vescovile, anche se le evidenze archeologiche non confermano tale ipotesi. (L. Cracco Ruggini, “Città e campagna nel Norditalia: una “storia spezzata” in Centralismo e Autonomie nella Tarda Antichità. Atti del XIII Convegno Internazionale in memoria di Andrè Chastagnol (Perugia 1-4 ott. 1997) pp. 477-503. Sulle problematiche intorno a Palazzo Pignano si veda anche C. Sfameni, Ville residenziali dell’Italia tardoromana, Bari 2006, pp. 246-247. 9. Si veda D. Scagliarini Corlaita, “Le grandi ville di età tardoantica” in Milano Capitale dell’Impero 286-406 d.C., Milano 1990 p. 258. Da ultimo la singolarità dell’abbinamento battistero-Villa viene sottolineata anche da C. Bertelli,in Otium. 10. M. Casirani, Op. cit. pp. 12-13. 11. M. Casirani, Op. cit. pp. 11-12 12. Se vogliamo osare di identificare i proprietari


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fig.3

con la grande famiglia dei Valerii (Melania e Piniano), la ricerca di modelli raffinati da riproporre non dovrebbe sorprendere, perché la storia della vita della celebre coppia è ricca sia di spostamenti da una parte all’altra dell’Impero, che di stretti rapporti con figure di spicco del Cristianesimo, quali S. Agostino, S. Paolino di Nola e S. Gerolamo; ne parla lo storico Geronzio già del V sec. d.C. 13. E. Roffia et al, Op. cit. p. 192 14. C. Sfameni, Op.cit. p. 113.

gresso monumentale con pilastri si trovava sul lato sud della dimora13 . Notevole è la presenza di un’aula absidata con antistante ambiente d’ingresso; verso sud si trova un gruppo di vani, forse un appartamento privato con cubicula. Questa parte del complesso è l’unica in cui si trovano mosaici in situ, forse perché fu una zona di particolare importanza per un lungo lasso di tempo. Il tappeto musivo dell’ingresso era composto di riquadri con motivi geometri, trecce a nodo di Salomone, fiori a quattro petali e kantharoi in tessere rosse, nere e bianche. Curioso l’uso di elementi in terracotta per i particolari in rosso. Una ricostruzione ipotetica suggerisce l’atmosfera che si doveva vivere nella dimora. Altri elementi “spia” di una vita agiata sono la presenza di un sistema di riscaldamento ad ipocaustum e di numerosi frammenti di vetro da finestra. I resti pavimentali degli ambienti a sud sono anch’essi geometrici, in bianco, rosso e nero, con pelte contrapposte alternate a riquadri con fiori a quattro petali e nodi gordiani. Purtroppo, a partire dal momento dell’abbandono, la

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Villa è stata radicalmente spogliata ma per il fatto che si sono ritrovate le impronte delle tessere nelle preparazioni di quasi tutte le stanze si può ragionevolmente ipotizzare che quasi tutti gli ambienti fossero pavimentati a mosaico; indicativa è anche la rilevante quantità di tessere trovate in seconda giacitura. Una grande sala di rappresentanza a sudest, con abside ad arco oltrepassato, forse aperta verso est con colonnato, potrebbe essere stata di uso estivo. A est si trovava un fabbricato ad organizzazione rettilinea, con due grandi ambienti: uno absidato, l’altro a pianta rettangolare con una serie di lesene. Si individua poi una sequenza di stanze di dimensioni diverse, quadrate o rettangolari. Anche questa parte era residenziale, poiché ci sono tracce evidenti di riscaldamento ad aria calda. Purtroppo il cattivo stato di conservazione dei resti (per lo più di fondazioni) e la mancanza di elementi trovati in situ non permettono di definire con precisione l’utilizzazione dei singoli ambienti. Il palatium rientra in modo canonico in quello che fu chiamato “…un carattere “internazionale” dell’architettura domestica delle classi dirigenti.”14 , che durante il IV sec. presenta una serie di caratteristiche comuni:.. “cortile o peristilio centrale, l’ambiente principale generalmente di forma absidata, l’ingresso scompartito da colonne e si trova in asse col peristilio centrale su cui si apre direttamente o tramite un corridoio o un ambiente antistante”15 . Gli aspetti più significativi sono appunto… “la monumentalità, l’uso di forme architettoniche particolari come l’abside e la cupola, una decorazione lussuosa con l’impiego di marmi e mosaici, la grande importanza accordata ai luoghi d’apparato e di ricevimento”16 .

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15. C.Sfameni, p.113. 16. Idem, p. 114. 17. Cfr. Geronzio già nel V sec.


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I proprietari 18. Roffia, Bolla 1988. Ringrazio Nicoletta Cecchini e Giordana Ridolfi per l’analisi eseguita alla luce dei ritrovamenti recenti di scavi italiani. 19. D. Caporusso, Idem 1988, pp. 211-213. 20. Laboratorio di Antropologia e Odontologia

Particolarmente suggestiva è la ipotesi, supportata dal toponimo, che la Villa sia stata una delle estese proprietà della famiglia di Melania Valeria Massima, che fu cugina e sposa di Piniano Valerio Severo di nobiltà senatoria. I terreni posseduti dalla gens Valeria Massima si estendevano in Spagna, Africa, Mauritania, Britannia, Gallia, Campania, Puglia, Gallia Cisalpina e Transpadana. I due, personaggi di spicco, facevano parte di un’elite socioculturale che fu tra le più importanti promotrici della cristianizzazione del mondo romano. Le fonti ci narrano che stretti furono i loro rapporti con S. Agostino, S. Paolino di Nola e S. Gerolamo. Nella vita di Santa Melania17 vengono sottolineate le operazioni di alienazione delle proprietà, con il permesso di Stilicone, per donare i ricavati ai poveri. La coppia, raggiunto lo scopo benefico, si ritirò a Gerusaleme, fondando conventi e monasteri.

La cronologia La distruzione provocata dalla spoliazione e dai lavori di spianamento del terreno e aratura non permette un’analisi stratigrafica puntuale. I piani d’uso sono stati obliterati, e i reperti datanti non si trovano nelle giaciture originali. L’analisi stilistica degli apparati pavimentali e delle tecniche edilizie della Villa permette di attribuire al complesso un arco cronologico piuttosto ampio, dal IV al V sec.; sarebbe arduo tentare di restringere la datazione a un secolo piuttosto che all’altro. La presenza di un discreto numero di ceramiche e monete, anche se non in giacitura primaria, ci permette di individuare due periodi distinti della vita della dimora: i decenni centrali del IV sec., quando la Villa fu costruita, e la prima metà del V sec., momento in cui fu sottoposta a una grande ristrutturazione. Numerosi sono i frammenti di ceramica 18 , tra i quali olle, coppe/coperchio, piatti, tegami e bacili e pietre ollari genericamente databili al IV-V sec., mentre alcuni pezzi di terra sigillata africana D, (forma Hayes 61 A e 91) permettono una datazione al V sec. La maggior parte delle monete 19 (follis in bronzo) sono invece assegnate tra il 313 al 337 d.C.

La fine della Villa e la rioccupazione altomedioevale Dal momento dell’abbandono, il grande complesso tardoantico subì una fase di declino e di progressivo spoglio. Di fronte alla soglia di entrata dell’aula absidata è stata ritrovata una serie di sepolture, in cassa di laterizi o in nuda terra. La posizione delle tombe e l’ottimo stato di conservazione del mosaico portano a ipotizzare che questa parte della Villa possa essere stata usata come piccolo edificio sacro, forse una chiesa cimiteriale, con vita abbastanza breve. Gli scheletri, databili al VI-VII

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secolo, sono stati studiati dal laboratorio di Antropologia e Odontologia Forense 20 ed è stata possibile una ricostruzione di uno degli individui. In un secondo tempo l’utilizzo a scopo abitativo dell’area proseguì, sebbene in forme completamente diverse dalle precedenti: infatti gli scavi tra il 1977 e il 1982, e del 1997, hanno permesso di individuare una serie di casupole costruite in legno, paglia e argilla, che riutilizzavano i sottofondi dei mosaici, di cui rimangono tracce dei buchi di palo, come fondi delle capanne; Per quanto riguarda l’area della chiesa non è possibile, allo stato attuale delle ricerche, datare il momento di abbandono della cappella palatina; la presenza di tombe che appartengono a un lasso di tempo compreso tra il disuso della “rotonda” e la costruzione della Pieve romanica, testimonia la continuità d’uso del sito.

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Forense dell’Istituto di Medicina Legale di Milano.


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Conclusioni E’ con grandissimo piacere che mi trovo qui a Rabacal, e i motivi sono vari ed evidenti: dal punto di vista scientifico il complesso che troviamo qui davanti ai nostri occhi è, per l’organizzazione architettonica e spaziale delle grandiose dimore di lusso dell’impero, il confronto più calzante con Palazzo Pignano; il secondo, il più importante, è l’amicizia che mi lega ormai da molti anni ai miei partners del progetto europeo sulle grande ville, Miguel Pessoa e Lino Rodrigo; il terzo è vedere il progetto che era, quando lo vidi la prima volta nel 1996, a uno stadio embrionale (qualche rovina in mezzo alla campagna) divenuto un Parco Archeologico attrezzato di importanza internazionale.

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va r i a 路 p e t e r k l e i n - b e ato d e l i 茅 b a n a

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Varia “O Banquete Nupcial“ num mosaico hispano-romano do século II D.C. T. Kuznetsova-Resende

A Barca de Ulisses como imagem-signo M. Justino Maciel

Sobre a mesa de altar paleocristã Licínia Correia Wrench

.................................................................................. . O mausoléu da Antiguidade Tardia em Mértola Virgílio Lopes Suzana Gómez Martínez

Siza Vieira Cobertura e musealização da Villa romana do Rabaçal Miguel Pessoa


“o banquete nupcial” num mosaico hispano-romano do séc. ii d. c. t. k u z ne t sova- r e se n d e Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Do material acumulado para a nossa investigação da mosaística romana com motivos báquicos no território da Península Ibérica extraímos hoje um pequeno estudo inédito de um mosaico achado em Córdova, ocasionalmente, e depositado no Museu Arqueológico da cidade em 12 de Julho de 1964. Segundo informação obtida por nós no Museu, desconhece-se por completo o contexto arqueológico do mosaico. Com efeito, a ficha técnica (nº 23824) não continha informações sobre as condições do achado. M. Guardia Pons, ao fazer uma alusão àquele pavimento na sua monografia Los mosaicos de la antiguedad tardia en Hispania1, refere-o como um documento inédito. O mosaico, de forma quase quadrada (3,60m x 4, 60m), tem duas orlas, do lado direito e do lado esquerdo, compostas por dois frisos: o primeiro possui um ornato de folhagem e o segundo círculos secantes; ambos são traçados com tesselas pretas em fundo branco. O resto do pavimento ostenta uma trama de meandros de suástica, compostos por “tranças” de dois cordões e algumas “espinhas de peixe”. Dentro desta trama vêem-se cinco medalhões quadrados: um no centro do pavimento e quatro em volta. Passemos agora à descrição dos medalhões: No do centro vêm-se dois personagens: Dioniso e Ariadna, sentados em meio a uma paisagem campestre, indicada por alguma verdura no chão e por uma palmeira. À direita do par, em cima de um volume de forma rectangular e de cor castanha (uma mesa?) encontra-se uma cratera. O deus, coroado de parras, apoia-se languidamente no cotovelo direito e segura o tirso na mão esquerda. Ariadna, apoiada ternamente contra o corpo de Dioniso, segura o arco e a flecha de Cupido, numa alusão directa à fulminante paixão que o deus sentiu por ela 2 . Dos outros quatro medalhões conservaram-se apenas três. Todos têm uma figura de pé: em baixo, à direita, Pã; em baixo à esquerda, Eros; em cima à esquerda um sátiro com uma nébride esvoaçante ao ombro. O estilo de execução é de boa qualidade. Como se vê, o tema do mosaico está claramente relacionado com o episódio da ilha de Naxos e com os amores de Dioniso e Ariadna: o deus e a princesa cretense estão representados no momento em que Ariadna já se rendeu ao amor de Dioniso depois

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1. M. Guardia Pons, Los mosaicos de la antiguedad tardia en Hispania, Barcelona, 1992. . 2. Abordámos o estudos da semântica dos amores de Dioniso e de Ariadna, na mosaística e não só, em vários trabalhos; ver, por exemplo, o nosso “Sexualidade e rituais báquicos”, A Sexualidade no mundo antigo, Lisboa, 2009, pp. 467-468.


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3. D. Levi, Antioch Mosaic Pavements, il. XXVII e XVIII. 4. M. Chehab, “Les Caracteristiques de la mosaïque au Liban”, La Mosaïque greco-romaine, Paris, 1965, pp. 333-339, nº2, il. II e III. 5. Z. Belcadi, Les Mosaïques de Volubilis, nº 26, Thèse de 3e cycle, Université de Paris I, Septembre de 1988 (dactilografada). 6. V. Gonzenbach, Die romischen Mosaiken der Schweiz, Bâle, 1961, il. 78. 7. Archeologie der Schweiz, 11, 1988, p.136, fig.1. 8. Dois exemplares no Museu Bardo, inv. 2998 e 1394, ver P. Canivet, J.-P. Darmon, “Dionysos et Ariane. Deux noveaux chef-d’euvres inédits en mosaïque, dont un signé, ao Proche-Orient ancien (III – IV siècle apr. J.- C)”, Monuments et mémoirs de l’Académie des inscriptions et belles-lettres, Paris, 1989, respectivamente fig.12 e 13. 9 ibidem, il. 14. 10. Ibidem, il. 15. 11. Shabba, ibidem, fig.16. 12. Arqueological Reports, 1987, p. 96, fig.148. 13. P. Canivet et J.-P. Darmon, op. cit., fig.1 e 18. 14. M. Guardia Pons, op. cit., pp.222-225; para a imagem ver Corpus de mosaicos de España, I, Madrid 1978, nº15, p. 34. 15. T. Kuznetsova-Resende, “Aventura da alma”, Artis, nº6, 2007, pp. 73-92, il. na p.91.

fig.1 mosaico com cena de banquete nupcial. © museo arqueológico de córdoba.

de ter sido por ele encontrada adormecida. Este tema foi tratado várias vezes na mosaística ocidental e oriental ao longo dos sécs. II – IV. Encontramo-lo em Antioquia3 , em Beirute 4 , em Volubilis 5 na Suíça, em Avenche 6 , em Vallon7, na Tunísia 8 , em Lambèse na Argélia 9 , em Tréveros na Alemanha10 , na Síria11, na Grécia12 . Canivet et Darmon publicam ainda dois exemplares inéditos, ambos provenientes do Próximo Oriente (de localidades incertas), que se encontram em colecções particulares 13 . Citamos, finalmente, dois mosaicos ibéricos, um de Mérida 14 e outro de Baños de Valdearados 15 . Ambos são já do séc. V e fecham esta série de exemplos. A maior parte destes mosaicos é de proveniência oriental ou africana; só cinco exemplares (incluindo os ibéricos) provêm das províncias ocidentais do Império. No entanto, é de destacar que entre todas estas imagens não se encontra nenhuma que apresente uma analogia iconográfica precisa com a nossa.

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fig.2 mosaico com cena de banquete nupcial, pormenor. © museo arqueológico de córdoba.

Na mosaística, o tema do “encontro” costuma seguir, grosso modo, dois “modelos”: No primeiro, Dioniso acompanhado pelo seu tíaso, descobre a princesa deitada adormecida. Neste caso Dioniso é representado de pé, junto de Ariadna deitada, dormindo (ver os exemplos de Volubilis, Avenches, Vallon e Mérida); a cena tanto pode reduzir-se a estas duas personagens, como comportar um certo número de membros de tíaso báquico. No segundo “modelo”, Dioniso e Ariadna (já acordada), estão juntos (sentados, semideitados ou de pé, abraçados ou não) e ilustram o momento ulterior do mito, quando Ariadna aceitou o amor de Dioniso (é a chamada “cena da hierogamia de Dioniso e Ariadna”). Os restantes mosaicos aqui referidos são deste tipo. Neste caso, a cena também pode conter apenas dois personagens – Dioniso e Ariadna, ou então mais figuras. O mosaico de Córdova pertence precisamente a esta última categoria; os membros do tíaso encontram-se presentes, mas nos medalhões. Também sucede que nesta segunda variante esteja representada a chamada “cena do banquete nupcial”. Neste caso, junto de Dioniso e de Ariadna encontram-se recipientes para beber e/ou um ou dois pratos; eventualmente aparecem também frutos; estes objectos podem encontrar-se numa mesa ou directamente sobre a relva. A esta cetegoria pertencem os mosaicos de Tréveros e do Próximo Oriente. No caso do mosaico de Córdova, o volume rectangular que nele se vê claramente, tem contornos demasiado geométricos para representar uma simples rocha; por isso julgamos que talvez se trate duma mesa, tanto mais que em cima dela está pousada uma grande cratera. Assim, a cena de Córdova representaria adicionalmente o banquete nupcial.

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v a r i a · “o b a n q u e t e n u p c i a l” n u m m o s a i c o h i s p a n o - r o m a n o

16. P. Canivet, J.-P. Darmon, op. cit., fig.1. 17. R. Turcan, Les Sarcophages romains à représentations dionysiaques, Paris, 1966, p.523. 18. Ibidem, nº45, p.91. 19. G. Becatti, Scavi di Ostia, IV, Roma, 1961, nº293, il. LXXX. 20. J. Lancha, op. cit., nº51 e nº45. 21. Corpus de mosaicos de España II, Madrid, 1968, nº6).

No que toca aos membros do tíaso, é de sublinhar que Pã e o sátiro fazem parte do cortejo que acompanha Dioniso a Naxos e aparecem frequentemente em mosaicos com o tema do “encontro”. A figura de Eros aparece, por vezes, junto dos amantes de Naxos, tanto na mosaística (ver os mosaicos de Vallon e de Volubilis, acima referidos, e um dos provenientes do Próximo Oriente, citado por P. Canivet e J.-P. Darmon16 , como noutro tipo de monumentos17). As figuras de Eros e de Pã têm uma analogia, a um tempo iconográfica e estilística, num mosaico de Viena que representa a luta entre Eros e Pã18 . Na mesma cidade encontra-se mais um mosaico que representa, entre outros motivos, dois Amores-pugilistas 19; estas figurinhas podem servir igualmente de paralelo iconográfico e estilístico para o Eros do nosso mosaico de Córdova. As poses de Eros e de Pã no mosaico cordovês permitem supor que o mosaista utilizou o modelo da cena de luta entre Eros e Pã, existente, provavelmente, no seu caderno mosaístico, tendo-se limitado a separar as duas figuras e reproduzi-las cada uma num medalhão diferente. Em Óstia existe ainda um mosaico que representa Dioniso e Ariadna assistindo à luta entre Eros e Pã: esta cena pode igualmente servir de paralelo temático para o nosso pavimento 20 . No que respeita à datação deste pavimento, parece-nos possível atribui-lo à segunda metade do séc. II, pelas seguintes razões: A trama do pavimento (meandros de suástica, feitos com “tranças” e algumas “espinhas de peixe”) está próxima da trama dos dois mosaicos provenientes de Viena 21, datados pela especialista que os estudou, da segunda metade do séc. II d. C. Podemos ainda comparar na Península Ibérica o mosaico de Córdova ao mosaico de Hilas (proveniente de Itálica) que data do início do séc. III d. C., embora não contenha “espinhas de peixe”. De salientar também que o estilo de execução, como dissemos, é de boa qualidade: os cânones corporais estão correctos, os movimentos são muito bem transmitidos, o efeito de luz/sombra faz-se sentir tanto no pregueamento das vestes, como nos corpos das personagens. Além disso, o medalhão central contém como dissemos elementos paisagísticos, característicos dos pavimentos do séc. II. A isto acresce que as analogias iconográficas e estilísticas das figuras de Eros e Pã pertencem à segunda metade do séc. II d. C. Todas estas razões levam-nos a datar o pavimento do séc. II d. C., ou mais precisamente ainda, da segunda metade do séc. II d. C. Em conclusão, algumas palavras sobre o significado simbólico do nosso mosaico. Ao prover Ariadna com um arquinho e uma flecha, o mosaísta põe com toda a evidência o acento tónico no amor entre o deus e a princesa cretense. É uma cena bucólica, como testemunham o lânguido abandono de Dioniso e a atitude graciosa de Ariadna brincando com as armas de Cupido; uma cena amorosa que se desenrola numa paisagem campestre luminosa. Tudo no mosaico está concebido para evocar uma atmosfera idílica, calma, galante, em perfeita harmonia com a atmosfera do saeculum aureum dos Antoninos.

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a barca de ulisses como imagem-signo m. j u stin o m ac i e l Instituto de História da Arte – FCSH/UNL

Introdução A história de Ulisses e as Sereias manifesta-se como um dos mitos clássicos mais conhecidos, resistindo hoje na memória cultural, tanto pela sua riqueza e colorido de imagem, como pelo imediato sentido da mensagem que transmite para a aventura humana. Nesta história convergem duas narrativas discursivas, ambas surgindo pela primeira vez no poema épico da Odisseia. Com efeito, é também nesta obra onde encontramos a primeira referência às Sereias ou Sirenes. Quem eram estes seres híbridos? Génios marinhos alados, eram representados como mulheres e, por vezes, como homens barbados, com a forma de ave na parte inferior do corpo e asas. Variantes mitológicas consideravam-nas, entre outras genealogias, como filhas da Musa da Tragédia, Melpómene, ou da Musa da Dança, Terpsícore, ou até de outra Musa e do deus-rio Aqueloo. Seriam duas, três ou mesmo quatro. Nas representações artísticas surgem normalmente três: uma cantando e as outras duas tocando dupla flauta (auloi) e lira ou cítara. As Sirenes eram tidas como boas executantes musicais, o que as terá levado a concorrer com as Musas. Estas, porém, arrancaram-lhes as penas, coroando-se com elas, como vemos nomeadamente na representação destas divindades com penas na cabeça (Grimal, 1992, 421). As Sirenes eram, por vezes, confundidas com as Harpias, também duas ou três, igualmente representadas com cabeça de mulher e como aves com aduncas garras. As Harpias eram génios da morte que levavam para o além, nas suas garras, as almas dos mortos, assim aparecendo decorando os túmulos (Cressedi, 1958, 670, fig. 857). Segundo a lenda, as Sereias habitavam uma ilha na costa tirrena, na região de Nápoles, fazendo soçobrar contra os rochedos os nautas que ali passavam, seduzidos pela sua música, vendo-se na ilha os seus ossos calcinados. Só Orfeu, que por lá passou com os Argonautas, conseguiu superar a melodia do seu canto e, por isso, a nave Argo pôde passar avante. Quanto a Ulisses, o seu encontro com as Sirenes dá-se no regresso da guerra de Tróia. Não é aqui a sua sageza que o livra de cair nas mãos delas, mas o bom aconselhamento prévio da sua amiga feiticeira Circe. Para uma leitura objectiva deste mito fundador homérico, pois é a partir dele que se poderá compreender cabalmente a interacção história-imagem, apresentamos a tradução da passagem da Odisseia que narra o encontro do herói grego com as míticas aves (Rapsódia XII, 30-60 e 138-205) 1:

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1. Transcrevemos o texto da seguinte tradução: Homero, Odisseia, Tradução do grego, prefácios e notas por E. Dias Palmeira e M. Alves Correia, 5ª. Edição, Lisboa, 1980, pp. 168-172.


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A veneranda Circe disse-me, então, estas palavras: …Encontrarás, primeiro, as Sereias, que encantam a todos os homens que se aproximam delas. Aquele que, sem saber, for ao seu encontro e lhes ouvir a voz, esse não voltará a casa, nem a mulher e os inocentes filhos o rodearão, alegres; mas será encantado pelo seu canto sonoro. Elas estão assentadas num prado, junto de um grande monte de ossos de homens em putrefacção, cujas carnes vão desaparecendo. Passa de lado e tapa os ouvidos dos teus companheiros com cera amolecida, para que nenhum deles as oiça. Tu ­ouve-as, se quiseres, depois de te prenderem os pés e as mãos, erecto, junto ao mastro, e de teres sido ligado com cordas a ele, para que te possas deleitar com a voz das Sereias. Se porém, pedires e ordenares aos companheiros que te soltem, prendam-te, então, com mais ligaduras ainda. … Assim falou ela; e a Aurora de áureo trono não se fez esperar. Então, a deusa preclara afastou-se para o interior da ilha e eu ordenei as companheiros que fossem para a nau e que, uma vez embarcados, soltassem as amarras. Eles entraram logo para dentro e tomaram lugar nos bancos dos remadores, [onde, assentados por ­ordem, feriram com os remos o mar pardacento]. Atrás da nau de escura proa, Circe, a poderosa deusa de belas tranças e dotada de voz humana, enviou-nos a monção, boa companheira de viagem, que enfunava as velas. Postos em ordem todos os aparelhos, assentámo-nos pela nave, que o vento e o piloto dirigiam. Mas eu, de coração triste, disse aos companheiros: Meus amigos, não basta que sejam conhecidos apenas por um ou dois de nós os oráculos que Circe, a deusa preclara, me revelou; quero comunicá-los a todos vós, para que os saibais, quer venhamos a perecer, quer nos salvemos da morte e do destino: Ordena-nos ela, primeiramente, que evitemos as Sereias de voz divina e o seu prado florido. Aconselhou que só eu as ouvisse; mas enlaçado com umas fortes ligaduras ao mastro, para que permaneça aí firme e erecto; e, se vos pedir ou mandar que me desligueis, nesse caso, que me prendais com mais cordas ainda. Enquanto falava, declarando isto aos companheiros, a nau resistente chegou à ilha das Sereias, impelida por uma aragem próspera. Nesse momento, cessou a brisa e a calmaria sobreveio. Uma divindade tinha adormecido as ondas. Então, os meus companheiros levantaram-se e enrolaram as velas, que depuseram na nave côncava; em seguida, assentados outra vez, faziam espumar a água com os bem aplainados remos de abeto. Mas eu, depois de cortar com o bronze afiado uma grande rodela de cera em pequenos pedaços, pus-me a apertá-los entre os dedos fortes. Imediatamente, a cera tornou-se branda, devido à forte pressão e ao brilho do Sol, filho de Hiperíone; e com ela tapei os ouvidos a todos os companheiros, a cada um por sua vez. A mim, porém, prenderam-me as mãos e os pés [e ligaram-me, estando erecto, com cordas ao mastro; depois, assentados, feriram com os remos o mar pardacento]. Quando estávamos a tal distância das Sereias, que alguém, gritando, se poderia fazer ouvir, apressámos a rota; e a nau ligeira, como já navegava perto delas, não lhes passou despercebida. Entoaram, então, este canto melodioso: – Aproxima-te daqui, ó célebre Ulisses, ilustre glória dos Aqueus! Detém a nau, para escutar a nossa voz! Jamais alguém por aqui passou, em nau escura, que não

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escutasse a melíflua voz que sai das nossas bocas; mas só partiu, depois de se ter deleitado com ela e de ficar a saber mais coisas, pois conhecemos tudo quanto, por vontade dos deuses, Argivos e Troianos sofreram na vasta Tróia, bem como o que sucede na terra fecunda. Assim cantavam elas com a sua doce voz. E, como o meu coração sentisse vontade de as ouvir, mandei aos companheiros que me soltassem, por meio de um sinal com as sobrancelhas; mas eles inclinavam-se para diante e remavam. Imediatamente, levantaram-se Perímedes e Euríloco, que me cingiram com novas ligaduras e apertaram-me os laços. Quando, porém, já tínhamos passado as Sereias e não ouvíamos mais a sua voz e o seu canto, os meus companheiros tiraram logo a cera dos ouvidos, com que lhos tinha tapado, e a mim desprenderam-me. Podemos retirar deste texto fundador doze informantes úteis para o estudo iconográfico do tema da Barca de Ulisses: Encontramo-nos perante um episódio da vida de Ulisses que se apresenta como um risco para o herói, não sendo tal, porém, motivo para não ser vivido. O risco expresso é o encantamento provocado pelas Sirenes, o qual teria como efeito o não regresso a casa, à esposa e aos filhos. Esse encantamento, como a palavra sugere, era operado através do canto sonoro das Sereias. A única solução para evitar a morte era passar ao lado, tapar os ouvidos para não ouvir. Mas havia um modo de alguém se deleitar com a voz das Sirenes: ser preso de pés e mãos, ligado e religado com cordas. Para se salvar da morte e do destino, a palavra de ordem era evitar as Sereias de voz divina e o seu prado florido. O lugar chamava-se Ilha das Sirenes. Ao passarem junto à ilha, as velas foram recolhidas e depositadas no côncavo da nave. Esta passou movimentada só com os remos, porque cessaram os ventos. As Sereias sabiam quem era Ulisses, conheciam a sua celebridade e glória na guerra de Tróia. Queriam que ele parasse para escutar a sua voz, que o texto classifica de melíflua e de doce. E só partiria depois de se ter deleitado com essa voz e de ficar a saber mais coisas. Cumprindo o aconselhado pela deusa-feiticeira Circe, Ulisses conseguiu afastar-se da ilha, são e salvo.

As representações mais antigas do mito A representação iconográfica isolada das Sereias acompanha o nascimento e o desenvolvimento da arte grega, sobretudo na pintura dos vasos gregos, logo a partir do chamado estilo geométrico, nos finais do séc. VIII a. C. (Sichtermann, 1966, 342), decorando o bojo dos vasos. Nos meados do séc. VII há mesmo um artista,

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conhecido por Pintor da Sereia Frontal, que decorou com uma sereia masculina uma oinochoe, espécie de jarro para servir o vinho em estilo protocoríntio médio, de que se encontrou um fragmento em Peracora (Corinto), hoje no Museu Nacional de Atenas (Banti, 1966, 340, fig. 426). Outra sereia masculina aparece também, em estilo coríntio tardio, num vaso para perfume (alabastron), pelo chamado Pintor da Sereia com Barba, vaso hoje pertencente à Colecção Braunsberg (Sichtermann, 1966, 345, fig, 433) e que datará de entre 570 e 550 a. C. São ainda de destacar um brinco em ouro representando uma sereia (Idem, 342, fig. 429), no Metropolitan Museum of Art, New York, uma sereia esculpida em mármore, hoje no Museu Nacional de Atenas (Idem, 342, fig. 428) e outra na base de um espelho de Locri (Calabria) no Museu de Reggio di Calabria (Idem, 341, fig. 427). A pintura etrusca também assumiu a representação das Sereias, como podemos constatar num vaso para levar água, a Hydria do Pintor das Sereias, do Museu de Berlim (Idem, 345, fig. 432). Nos vasos gregos é comum a representação de Ulisses desde a época do estilo ­geométrico, associada à história homérica da guerra de Tróia, sendo assim tão antiga como a representação das Sereias. Destacámos uma taça (skyphos) pintada com Ulisses sobre a tartaruga, entre Cila e Caríbdis, do Museu de Palermo ­( Paribeni, 1966, 1047, fig. 1175), ou fugindo do antro de Polifemo, num cálice (kylix) de Todi, Museu da Villa Giulia, Roma (Idem, 1048, fig. 1176). Outra kylix, do Pintor de Pentesileia, do Museu de Ferrara (Idem, 1049, fig. 1178), mostra a contenda pelas armas de Aquiles, em que Ulisses surge na posição central. Num fragmento de um vaso do Pintor das Nióbidas, Museu da Ágora, Atenas, surge como mendigo (Ibidem, fig. 1177). É célebre, no fresco, a pintura do Esquilino, hoje no Museu do Vaticano, com Ulisses no País dos Lestrígones (Janson, 1977, 177, Est. 17), e no Palácio de Circe (Ling, 1991, 109). Dois frescos de Pompeios mostram Ulisses com Penélope, respectivamente na Casa dos Cinco Esqueletos (Idem, 124, fig. 125) e no Macellum (Idem, 131, fig. 156). E outros dois retratam a sua acção em Ciro, identificando Aquiles, respectivamente da Casa dos Dióscuros (Idem, 132, fig. 137) e em Pompeios IX, 5, 2 (Idem, 133, fig. 138). No Museu Britânico guarda-se uma pintura a fresco com Ulisses e as Sereias (Idem, 119, fig. 120). Pelo seu estilo datará do séc. I d. C. No mosaico, Ulisses surge também com o ciclope Polifemo na Villa del Casale, Piazza Armerina (Sicília) (Dragotta, 1985, 52-53, figs. pp. 54-56), assim como na Embaixada a Filoctetes, de Nabeul, Tunísia (Blanchard-Lemée et alii, 1995, 237) e na visita de Crises, pai de Criseida, a Agamémnon, da mesma proveniência (Idem, 238). Surge também na cerâmica, como num fragmento em terra sigillata C que se guarda no Museu de Lugo, Espanha (Blázquez, 1996, fig. da p. 454). Não é comum, na Antiguidade Pré-clássica e Clássica Grega a representação do mito de Ulisses com as Sereias. Ocorre mais no mundo romano, sobretudo no Baixo-Império (Sichtermann, 1966, 343). Mas regista-se uma boa excepção na época etrusca, obra que não deixaria de motivar os romanos para a reprodução iconográfica do tema: vemos urnas cinerárias com baixos-relevos em que a cena é ­representada, como a que se expõe no Museu Guarnacci, em Volterra (Idem, 343, fig. 430), já

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com um modelo que se repetirá até à Antiguidade Tardia: Ulisses preso ao mastro entre os companheiros que remam, a vela descaída e as três Sereias, cada uma em seu rochedo e em concerto musical. Aqui apenas é possível identificar hoje um instrumento, uma siringe tocada pela sereia central. Mas há uma diferença que individualiza a representação das Sereias, pois elas surgem aqui totalmente como figuras humanas e também integralmente vestidas ao modo etrusco. Sem dúvida de que estes baixos-relevos influenciaram o tratamento do mesmo tema nos sarcófagos romanos, especialmente nas platibandas das suas coberturas. Entre estes sarcófagos destacam-se os exemplos de Latrão, de Óstia, da Villa Albani, do Museu das Termas, do Vaticano e Catacumbas de Calixto e Priscila (Marrou, 1950, 1494). São quase todos do séc. III e alguns têm sido interpretados como cristãos, com a cena de Ulisses e Sereias associada a temas da chamada “vida intelectual”, nomea­ damente próximas da representação de filósofos e pedagogos em conversação com as Musas. Podemos observar isso num desenho do sarcófago dito de Turanius, oriundo do Cemitério de Lucina (Idem, 1495, fig. 10918). Surge outra cena idêntica no sarcófago de Aurelius, encontrado em Aguzzano (Idem, 1495, fig. 10919). Nestes desenhos, Ulisses aparece com a indumentária que o caracteriza, túnica curta, o chamado exomis, bem como o pileus, barrete cónico na cabeça. Na Antiguidade, o pileus era usado apenas pelos cidadãos livres. As Sereias apresentam-se, uma com a dupla flauta (auloi), a segunda com a lira e a terceira, que se esperaria fosse representada a cantar, ostenta o uolumen típico dos amigos das Musas, intelectuais, filósofos ou pedagogos. Aqui parecem surgir já leituras cristãs, como a veiculada por Padres da Igreja como Paulino de Nola (Ep. XVI, 7), Máximo de Turim (Hom. LXIX, 1), Pseudo-Justino (Cohortatio, 36), Agostinho (De Beata Vita, I, 1-4, Hipólito de Roma (Philosoph., VII, 13), etc., em que as Sereias representam a cultura pagã ou os prazeres irracionais da carne que afastam o cristão do caminho da Salvação. Ou seja, parece ser claro que na Antiguidade Tardia cristianizada, Ulisses e as Sereias tendem a expressar já um sentido novo, cristianizado. Para além do uso do uolumen, repare-se que as Sereias aparecem revestidas do pallium dos filósofos, espécie de manto curto que caracteriza os pedagogos e os oradores (Marrou, 1950, 1497). Ulisses torna-se num símbolo de Cristo, porque resiste à tentação do Mal e, nessa medida , é também um modelo para o cristão.

Três mosaicos africanos É, porém, no chamado opus tessellatum onde melhor parece expressar-se, no contexto romano, a simbologia da Barca de Ulisses. Destacam-se aqui três mosaicos africanos: dois da antiga África Proconsular, actual Tunísia (Útica e Thugga) e um da antiga Mauritânia Cesariana, actual Argélia (Cesareia/Cherchel). O mosaico de Útica deu o nome à domus em que foi encontrado (Casa de Ulisses), num átrio com cerca de 2x3 metros (Poinssot, 1965, 223 e Lancha, 1997, 26, Pl. I, 2). Encontra-se hoje no Museu do Bardo (Túnis). Ulisses aparece aqui a três quartos

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para a sua direita, voltado para o espectador, mãos presas atrás e em pé. Veste túnica cingida e é acompanhado de três nautas remadores que, como Ulisses, mostram tendência a direccionar-se para o lado da proa do barco, que se encontra representada para a esquerda do observador. É essa também a orientação dos remos. A proa tem esporão (rostrum) na base e quilha subindo e enrolando em voluta. A popa sobe em curvo aplustro, rematado por um penacho que nasce de pequena esfera na extremidade. Há indicação de três mastros, tendo o grande uma vela enrolada em cima. Peixes distribuídos sem perspectiva ocupam os espaços deixados livres pela cena. Trata-se de uma representação pobre mas com elementos essenciais para a sua identificação como Barca de Ulisses. Datará dos meados do séc. III d. C. (Alexander et alii, 1976, I, 3, p. 4, nº. 251, pl. III). O mosaico de Cherchel foi encontrado também numa domus da antiga cidade de Caesarea, onde decorava a parede circular de uma fonte de um átrio, estando hoje exposto no Museu de Cherchel (Poinssot, 1965, 222, fig. 8 e Lancha, 1997, 82, Pl. XXIX, 39). Ulisses surge aqui de pé e preso ao mastro. A barca direcciona a proa para a direita, sendo também esse o lado para que tende a disposição do corpo de Ulisses e os dos seus três companheiros remadores. Os remos alinham na direcção da popa. Mastros estilizados parecem ter as velas recolhidas. A proa tem esporão (rostrum) em baixo e encurva em cima em voluta. Popa levantando-se aguçada. A destruição do mosaico impede uma leitura clara do seu tipo de remate. Dois golfinhos enquadram o barco, um à proa e outro à popa. Uma sereia, à direita, com duas flautas (auloi), parece na expectativa ante a chegada de Ulisses. Há ainda outra do mesmo lado e uma terceira à esquerda. A disposição da cena é condicionada pelo tipo de espaço em que o mosaico se insere. Datará do séc. IV d. C. (Dunbabin, 1999, 247, fig. 261). O mosaico de Thugga deu também em parte o nome à domus em que foi encontrado, conhecida por Casa de Dioniso e de Ulisses e, como a anterior, envolvendo a fonte de um átrio (Dunbabin, 1978, 257, Blanchard-Lemée et alii, 1995, 244-245, fig. 185 e Lancha, 1997, 71, Pl. XXII, 29). Está exposto no Museu do Bardo (Túnis). Ulisses, em posição de perna esquerda ligeiramente livre, surge de mãos atadas ao mastro grande, trajando exomis, que lhe deixa o braço direito desnudado, e pileus na cabeça, dispondo-se praticamente de frente, como aliás os seus quatro companheiros, para o espectador. Todavia, as cabeças e os olhares dos remadores, que não são representados no acto de remar mas com uma certa hieraticidade, orientam-se ligeiramente para o lado da proa, direccionada à esquerda do espectador, enquanto o olhar de Ulisses se orienta para o lado oposto, para o lugar onde se encontram as Sereias. As velas parecem semidesfraldadas nos dois mastros e, à popa, vê-se a cabine do timoneiro. A proa, de rostrum pouco pronunciado, é decorada com um busto de difícil identificação. A popa é rematada por duplo aplustro recurvado e apresenta na base o desenho de um ramo estilizado. Quanto às Sereias, uma toca auloi e outra lira. Ao centro, outra parece cantar, sendo ela a única a estar completamente vestida. Cada uma delas encontra-se junto a um rochedo. Esta cena de Ulisses e as Sereias surge acompanhada de outras cenas marinhas, como a de um pescador que levanta uma grande lagosta. Surgem também golfinhos. Linhas quebradas sugerem

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as ondas, entre as quais saltam peixes variados. Este mosaico tem sido datado do séc. III (Poinssot, 1958, 46 ss), mas o vestuário das personagens e a representação dos escudos indicam já, na nossa perspectiva, o séc. IV d. C. Apesar das diferenças entre estes três mosaicos, o que eles guardam hoje da cena odisseica, como aliás outros testemunhos artísticos idênticos, sublinha que os dados essenciais, da narrativa homérica da passagem do herói grego perante a mítica Ilha, que permitem a sua identificação, não são as Sereias mas a figura de Ulisses manietado de pé num barco, rodeado de alguns remadores. As Sereias e os seus rochedos poderão estar presentes ou destruídos pelo tempo, mas a cena em apreço, com ou sem Sereias, exige apenas um signo: a Barca de Ulisses.

O mosaico da Villa romana de Santa Vitória do Ameixial Este mosaico foi encontrado numa Villa Romana, em 1915, por Luís Chaves, nas suas escavações na Herdade dos Ferreiros, Santa Vitória do Ameixial, Estremoz (Chaves, 1938, Maciel, 1995, fig. das pp. 76-77, Lancha, 1997, 255-260, Pls. CXII E CXIII, 110). Encontra-se hoje no Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa. Situava-se no frigidarium das termas senhoriais da pars urbana da Villa. A cena da Barca de Ulisses não ocupava aí a parte central da decoração, mas apenas um troço de uma espécie de friso que cercava essa parte, onde nomeadamente se destacava a representação dos Ventos. A cena de Ulisses e as Sereias surge aí como que separada pela representação de dois delfins em salto de mergulho, significando a distância entre o barco e a Ilha das Sirenes. Estas são aqui também em número de três, encontrando-se cada uma em seu rochedo. Espera-se que o restauro a que este mosaico está presentemente a ser sujeito venha permitir uma leitura mais clara do que hoje é possível. Mas identificam-se perfeitamente no seu busto de mulheres com asas semiabertas, pernas e caudas aviformes. A Sereia da direita toca cítara, cujas cordas parece percutir com plectrum, apoiando o instrumento musical também sobre um rochedo talhado ad hoc. Veste túnica que se apresenta drapeada pelo facto de descair ao deixar nu o ombro direito. A do meio, de túnica curta, parece simplesmente cantar. A Sereia da esquerda toca os auloi. A barca, pela sua posição em relação às Sereias, acaba de passar frente à Ilha. A proa encontra-se à esquerda e a popa à direita. A vela parece distendida, não sendo possível uma leitura totalmente clara neste ponto por haver destruição de tesselas na parte superior do mosaico. O mastro é suposto, mas não se encontra delineado. A figura de Ulisses aparece ao centro da nave mas não dos companheiros, representada a três quartos para a esquerda e olhando nesta mesma direcção, como que afastando o olhar e esquecendo já as Sereias. O herói encontra-se isolado e com uma escala superior à dos companheiros. Surge como se fosse o timoneiro, pois ­encontra-se junto à respectiva cabine. Mas esta está aqui à proa, quando a norma é estar à popa,

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para apoio às manobras do leme. Ulisses usa barba. Os membros inferiores são representados em esquema de perna livre, flectida a esquerda. A posição dos braços não é clara, até pela aparente falha de tesselas, mas parece manietado atrás. Veste o típico exomis ou túnica curta cingida deixando livre o ombro direito. Usa também o característico pileus, o mesmo barrete que o distingue em outras representações. Os remadores são quatro, todos juntos e representados na zona da popa. Remam de costas para a proa, apontando os remos na direcção desta. Há outro tripulante, já próximo do aplustro, talvez o piloto, apesar de não haver indício do leme. Todos estes cinco marinheiros apresentam nos seus contornos e cabeças um tratamento sumário, sendo difícil dar conta dos rostos e, mesmo, do tipo de vestuário. Mesmo assim, parecem desviar a cara para a sua direita, evitando olhar para as Sereias, concentrados no afastamento rápido do perigo. A barca abre sulco nas ondas, delineadas a grossos traços. A proa surge a três quartos para o espectador, sem rostrum mas com a quilha bem representada, tentando a perspectiva do seu travejamento com o desenho das vigas das bordas, conver-

fig.1 mosaico de santa vitória do ameixial (estremoz) com cena de ulisses. visão de conjunto. © museu nacional de arqueologia, lisboa.

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fig.2 mosaico de santa vitória do ameixial (estremoz). pormenor da cena de ulisses e as sereias. © museu nacional de arqueologia, lisboa.

gentes e unidas na parte superior da quilha por uma argola que se supõe de metal, formando um balaústre rematado por pequena esfera da qual nasce um penacho. A popa prolonga-se num aplustro recurvo que parece terminar em cabeça de serpente marinha. O casco é marcado por linhas indicadoras de vigas ou traves salientes e paralelas, que convergem e se juntam no aplustro da popa, nascendo devidamente travadas na quilha e no balaústre da proa. O mosaísta conseguiu uma certa transparência da parte inferior do casco entre as ondas.

A Barca de Ulisses como imagem-signo Entende-se aqui por imagem-signo, expressão originariamente proposta por André Grabar (1979, 10-14), qualquer manifestação artística que se apresenta em forma esquemática, sugerindo mais do que narrando uma história, um mito ou uma ideologia. Supõe-se que o espectador identifica imediatamente o conteúdo total do que é sumariamente indicado por uma pequena cena, como que uma fotografia apenas lhe recordasse todo um filme. Para tal seria necessária uma iniciação, como aconteceu com as religiões orientais que na Antiguidade, de modo paulatino mas progressivo, conquistaram Roma. Ou então uma educação desde a infância, integrada numa base cultural comum, transmitida pela tradição oral e reforçada pela escrita, como era o caso dos ciclos homéricos da Ilíada e da Odisseia. A narrativa que se encontra por detrás da representação da barca de Ulisses é bastante mais extensa. Pressupõe-se que se sabe quem é Ulisses – até divindades ou seres míticos secundários como as Sereias, Polifemo ou Circe sabiam quem ele era antes de o conhecerem presencialmente – e pressupõe-se que se sabe o desenvolvimento e desfecho da Guerra de Tróia, as aventuras ou trabalhos de rei de Ítaca, os mitos relacionados com as Sereias e a geografia do Mediterrâneo antigo.

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fig.3 mosaico de santa vitória do ameixial (estremoz). pormenor da barca de ulisses. © museu nacional de arqueologia, lisboa.

Já referimos os elementos identificadores desta imagem-signo: uma barca com uma personagem presa ao mastro e entre remadores. Apenas isso é necessário, pois aí se encontram os elementos icónicos essenciais que permitem o espectador lembrar e identificar a história de Ulisses e as Sereias e o seu significado. Aqui se encontra a solução para as contradições que não raro se observam nas representações artísticas desta cena. Não raro nos deparamos com leituras que se espantam com o facto de nela se verificarem tantas vezes incongruências formais. De facto, aquilo que o artista quis representar não foi um barco mas a história de Ulisses e as Sereias, bem como o seu significado. Limitemo-nos à cena do mosaico da Villa de Santa Vitória do Ameixial, porque está mais perto de nós e nos diz mais, até porque é a mais ocidental do Império romano. É uma imagem-signo, não um documento para a arqueologia naval. Tal não nos impede, porém, de fazer o levantamento das incongruências observadas em relação a um barco real. Destacamos as observações pertinentes feitas já por M. Torres Carro, J. Lancha e F. Alves. M. Torres Carro (1978, 94) exprime a dúvida de que se trate de um navio comercial com vela e remos, aproximando-se mais de uma barcaça de pescadores do que de um navio adequado para transportar Ulisses e os seus companheiros (Idem, 96). Não é um barco comparável com os demais conhecidos referentes a esta cena de Ulisses (Idem, 95), além de que é representado de vários pontos de observação (Idem, 97). Como diria Poinssot (1965, 220-221), este e outros mosaicos idênticos mostram o barco de Ulisses como um compromisso entre uma galera e um veleiro. Com efeito, a não ser em certas circunstâncias, ou se usavam as velas ou os remos. Num caso como a passagem frente à Ilha das Sereias, usar os dois processos ao mesmo tempo seria óptimo se o vento fosse favorável à direcção desejada, mas muito perigoso se o vento fosse instável. Não há dúvida de que também esta ambi-

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guidade joga a favor de considerar esta cena como simbólica e não como real. Até porque, como refere o passo da Odisseia que lemos atrás, a nave de Ulisses passou pela Ilha das Sereias numa situação de calmaria, pois uma divindade teria feito cessar os ventos… Os pintores e mosaístas antigos não se preocupavam muito com esta aparente contradição, interessados que estavam em apresentar os barcos como factos artísticos onde se poderiam mostrar todos os apetrechos (Humphreys, 1978, 79). J. Lancha desde logo nota a dificuldade em identificar o tipo de barco representado (Lancha, 1997, 256). Há, de facto, uma espécie de catálogo de vinte e cinco tipologias de navios da época romana desenhados num mosaico de Althiburos, actual Medeina (Tunísia) (Duval, 1949, 121) e aí não vemos em que modelo se enquadraria o do mosaico de Santa Vitória. Por outro lado, a cabine do homem do leme, ao contrário do que é normal, está à vante e não à ré (Lancha, 1007, 256). Não se representa o mastro grande, ao qual se supõe Ulisses estar preso. Não se representa o leme. J. Lancha sugere mesmo que o afastamento de Ulisses neste mosaico e a deslocação da cabine poderão indiciar que o artista inverteu o cartão em que levava desenhado o modelo (Idem, 257). Por sua vez, F. Alves procura esclarecer o formalismo da representação, apresentando três hipóteses de leitura para esta cena de Ulisses: a de poder representar, ou pretender representar, a) – uma embarcação “simétrica”, de proa para a esquerda; b) – idem, de proa para a direita; c) – uma embarcação “assimétrica” (de proa para a esquerda) (Alves, 1993-94, 256). E conclui pelo modelo africano, o que não impedirá um vago perfil assimétrico afastado daquele por uma anárquica mas autêntica colagem de elementos em posição inversa (Idem, 259). Ou seja, para F. Alves será insensato procurar aqui a representação de um barco (Idem, 260). Tudo isto tem de ser referido, mas, a nosso ver, tal servirá sobretudo para sublinhar a funcionalidade da cena como imagem-signo, na linha do que já afirmámos. Na realidade, a iconografia não é necessariamente uma informação objectiva para a arqueologia naval. Poderá até sê-lo, em estudo fundamentado. Mas reveste-se de uma motivação mais alargada, podendo a parte tecnológica ser meramente ­residual. O artista ou o encomendador podem estar mais interessados na temática ou na associação a temas marinhos, na cosmologia ou na mitologia, na interacção com o quotidiano ou numa perspectiva moral, filosófica ou mesmo religiosa. Neste sentido, não é aceitável, do nosso ponto de vista, a seguinte afirmação de L. Basch (1975, 238) sobre o mosaico de Santa Vitória, até porque considera erradamente aqui o barco com a proa para a direita: No que respeita ao autor do mosaico do Ameixial (Museu de Belém, Portugal) da época romana, a sua obra é de uma qualidade tão medíocre que se não pode dizer se ele se enganou ou teve razão em representar os seus remadores voltados para a frente. A imperfeição formal da cena só vem sublinhar a sua riqueza conceptual, porque é isso que prioritariamente se pretende transmitir (Maciel, 1996, 132). Apesar de leituras no sentido de que a intenção é mais decorativa do que de expressão de conteúdos – significados apotropaicos, propiciatórios e ideológicos (Alves, 1993-94) – cremos que são estes últimos que aqui predominam, porque não se pretende meramente representar um barco, Ulisses

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ou as Sereias, mas o que a convergência destes três signos exprimia na Antiguidade. Ulisses representa a procura da Felicidade no retorno de uma situação desumanizante: a Guerra de Tróia. Procura a família, a pátria, a esposa e o filho, pois, como afirma o próprio texto da Odisseia (IX, 34 ss), a Pátria e os Pais são o que há de mais doce, mesmo que o emigrante more em luxuosa mansão, longe dos seus, em terra estranha. É este retorno às origens, no fundo a procura do encontro consigo próprio e com a divindade criadora que se procura até ao limite, até à morte, perante as mais trágicas adversidades. Por isso, como dizia Plutarco (sécs. I-II d.C.) nos seus Moralia, aos que correram o mundo e navegaram, agrada-lhes muito que se lhes pergunte, e falam apaixonadamente sobre uma região longínqua, um mar estranho, costumes e leis bárbaros e descrevem golfos e lugares, por julgarem que nisto encontram certa gratificação e consolo às suas fadigas (Martín Garcia, 1987, 104). Continuando a citar Plutarco, a visão dos trabalhos de Ulisses, como este de resistir às Sereias, dava ao observador o sentimento de quão agradável era, uma vez já a salvo, lembrar-se das fadigas… o mesmo não acontecendo com os que ainda andavam errantes e suportavam infortúnios (Idem, 105). Nesta errância que é a vida, continua Plutarco, há que guardarmo-nos sobretudo dos prazeres produzidos pela má música (Idem, 309) e quando encontrarmos as Sereias, há que invocar as Musas e refugiarmo-nos no Hélicon dos Antigos (Idem, 315). Numa Villa tardo-romana de Santa Vitória do Ameixial (Estremoz), reveste-se de grande importância a decoração do frigidarium das termas com a cena de Ulisses e as Sereias, que se transforma na significante imagem do quotidiano, interagindo com o anseio pela realização pessoal na grande odisseia da existência. Simboliza a ambição humana, a curiositas, a solércia odisseica. Surge aqui plenamente como imagem-signo do mundo clássico em contexto já tardio, em que as Sirenes nos aparecem como garantia de desequilíbrio. Contrariamente às Musas, que trazem equilíbrio ao ser humano, divinizando-o e imortalizando-o através da cultura, as Sereias representam as tendências subversivas da natureza e a perversão dos naturais dons da Arte e do Conhecimento (Marrou, 1976, 41). Com o cristianismo, o tema continua presente, significando o esforço de fidelidade à mensagem evangélica (Quacquarelli, 1978, 59). Progressivamente, o maior dinamismo do significado deixou para trás, no adensar da imperfeição formal, o significante. Interessava, sobretudo, e cada vez mais, deixar passar novas mensagens. A cena de Ulisses e as Sereias contribuiu, sem dúvida, para a transmissão destas novas mensagens no contexto do campo do nosso séc. IV. Também ali, Ulisses representou a Humanidade na busca do verdadeiro prado florido, o verdadeiro Paraíso, onde seria possível deleitar-se e saber mais coisas (Od. XII e Gen. 3, 5).

Conclusão Voltamos ao princípio desta reflexão. As Sereias representavam a má música, a cacofonia. As Musas, a boa música, a eufonia. O tema de Ulisses e as Sereias enquadra-se

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nesta dialéctica: procurar a boa música. Por isso, o homem da Antiguidade, sobretudo na época tardia, procurava ser amigo das Musas, um homem músico (mousikos aner), representando artisticamente na sua casa temas mitológicos e ideologias ou correntes de pensamento que o apresentavam como amante da Cultura. No fundo, é esta a mensagem que vai crescendo na primeira Antiguidade Tardia (sécs. III-IV) e que explica como esta imagem-signo transmite o seu significado, mesmo em detrimento dos acabamentos formais. J. Lancha (1997, 260) propôs uma datação deste mosaico entre 268 – ano aceite para o mosaico africano de Thugga, cujo modelo segue – e 330 – por referência estilística. A imperfeição formal e o afastamento dos modelos africanos levam-nos a considerar a última baliza – 330 – como mais próxima, pensando numa datação mais alargada no decorrer do séc. IV. A cena de Ulisses e as Sereias num mosaico da Villa romana de Santa Vitória do Ameixial é única na sua expressão, no seu aparente desequilíbrio entre a forma e o conteúdo, assim como na sua dinâmica dialéctica entre realidade e mitologia. É também a única representação, conhecida até hoje, deste tema na Península Ibérica.

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sobre a mesa de altar paleocristã l icín ia cor r e i a w r e n c h Instituto de História da Arte – FCSH/UNL

Isidoro de Sevilha fazia derivar o vocábulo ALTARE dos dois termos latinos aglutinados: alta ara (Etym. XV 4, 14).1 Assim, no século VII, já se perdera por completo a conotação pagã que os dois vocábulos latinos altare e ara ou os seus correspondentes gregos haviam tido para os autores cristãos dos primeiros tempos, conotação que os levara a evitá-los ou a procurar um novo sentido para eles. As palavras que primeiramente designavam o altar, exclusivamente reservado ao culto dos deuses superiores (altare) e o altar, mais modesto, para as libações aos defuntos (ara),2 associando-se, ao primeiro, o sacrificium de uma vítima animal, passaram também a ser usadas pelos cristãos, mas com um sentido ligado ao seu próprio conceito de “sacrifício”: o altare era o lugar simbólico da refeição eucarística, oferecida a Deus como memória de um Sacrifício que superara todos os anteriores. É Tertuliano, no século II, um dos primeiros autores de língua latina a usar as designações de altare e de ara3 para o local da oblação eucarística. Tal como para a designação latina dos dias da semana com os nomes dos deuses pagãos que este autor, com grande tolerância, considerava poder um cristão usar sem abnegar da sua fé, já que ela fazia parte do léxico latino corrente,4 também o vocábulo ara é por ele empregue, atribuindo-lhe o sentido cristão com o modificador “de Deus”, ara Dei e altare como designação da “mesa do Senhor”. Assim, a ara e o altare cristãos são as palavras nas quais perpassam vários sentidos que, embora ligados a funcionalidades e referentes materiais continuadores dos pagãos, se apresentam como novos: o do culto aos mortos imolados por Cristo, com a refeição funerária comemorativa do aniversário dessas mortes originárias de uma nova Vida, o de ágape litúrgico, que se relaciona estreitamente com a memória da morte/vida de Cristo, preanunciada na Última Ceia e se identifica com a celebração eucarística (1 Cor 11, 20-21). No contexto da arquitectura religiosa judaica, no Templo de Jerusalém, o altare é o lugar dos holocaustos, hóstias e oblações, como é referido na Carta aos Hebreus (Heb 10. 8), mas na mesma Carta se afirma que o altare é também pertença dos cristãos (Habemus altare (Heb 13. 10)), palavra usada aqui, possivelmente, numa acepção figurada. Na 1ª Carta aos Coríntios, o Apóstolo Paulo designa a realidade material do lugar da Oferta como a “mesa do Senhor” (Mensa Domini (I Cor 10, 21))5 e Ireneu de Lião declara que o sacrifício do pão e do vinho devem ser oferecidos, frequen-

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1. “ALTARE autem ab altitudine constat esse nominatum, quasi alta ara” (cf. OROZ RETA & MARCOS CASQUERO, 1994: 240-241). 2. Cf. LECLERCQ, DACL, tomo I, AUTEL, col. 3155. 3. Tertuliano, De Oratione, c. XIX, P. L., t. I, col. 1182 e De exhortat. Castit., c. X, P. L., t. II, col. 974, ara Dei e altare, respectivamente (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3157, n. 13 e col. 3158, n. 21). 4. Tertuliano, De Idolatria, c. XX. Excerto do texto traduzido por LECLERCQ, DACL, JOURS DE LA SEMAINE (Les), col. 2737. Tertuliano, ainda que considere mais apropriado o uso da designação cristã dos dias, enumerando-os a partir do “Domingo” e justapondo ao número de ordem de cada um a palavra feria, festa, como expressão do júbilo da Ressurreição, por exemplo quarta feria, admite que os cristãos os designem como os dias de Mercúrio, de Júpiter, etc. Sobre este tema e sobre a permanência, na língua portuguesa, da designação cristã dos dias da semana, tivemos oportunidade de fazer um estudo mais aprofundado em WRENCH, 2002: 707-716. 5. Cf. MACIEL, 2005: 25, n.135; 28, n.181; 29, n.195).


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6. Contra hæreses, l. IV, c. XVIII, n.6. P. G., t. VII, col. 1029 (cf. LECLERCQ, DACL, AUTEL, col. 3156, n.6). 7. Cf. LECLERCQ, DACL, AUTEL, col. 3156-3158, com respectivas notas. Por exemplo, em língua grega, S. João Crisóstomo usa as expressões “a mesa” ou seja, a “mesa por excelência”, e “mesa sagrada”, respectivamente em Homil. III, In Epist. ad Ephes. e In Matth., homil. LXXXII, n. 2, P. G. t. LVIII, col. 739; S. Gregório de Nazianzo usa a de “mesa mística” em Carmina, l. II, sect. I, 12, P. G., t. XXXVII, col. 1161; em língua latina, o termo altare é usado, entre outros autores, por S. Ambrósio, De virginitate, XVIII, n. 119, P. L. t. XVI, col. 384, por S. Agostinho, Contra Faustum, l. XX, c. XXI, P. L. t. XLII, col. 384 e por Prudêncio, Peristephanon, l. IX, vs. 100, P. L. t. LX, col. 442. 8. Imagem reproduzida em GRABAR, 1966: 107, fig. 105, representação do Banquete eucarístico com participantes reclinados em stibadium e LECLERCQ, DACL, col. 3159, fig. 1123, representação de outra cena pintada na mesma Capela em que se vê uma pequena mesa de tampo circular sobre três pés, na qual se dispõem as oblatas, junto à qual se encontram as figuras de um ofertante e de uma orante. 9. Prudêncio, Peristephanon., t. 10, vs. 49, P. L., t. LX, col. 448. (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3157, n.20). 10. “neque ad altare cum oblatione esse recitandum” (cf. PUERTAS TRICAS, 1975: 80, 5. ALTARE). 11. S. Agostinho, In Joh., tr. XXVI, n.11, 15, P. L., t. XXXV, col. 1611, 1614. (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3158, n.25). 12. Perpetuus, bispo de Tours, construiu uma basílica em honra de S. Martinho que tinha “fenestras in altario triginta duas, in capso viginti”. Gregório de Tours, Hist. Franc., l. II, c.XIV, P. L., t. LXXI, col. 212. (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3158, n.25. H. Leclercq refere a interpretação de outro autor para altarium como sendo o presbyterium e capsum a nave). 13. “Quod intra altare neque laici neque mulieres communicare iubentur”. No mesmo cânon se refere este espaço como sanctuarium altaris, (cf. PUERTAS TRICAS, 1975:80).

temente, sobre o altar.6 A mesa do Senhor é, assim, o “novo altar” e posto que os sacrifícios cruentos haviam sido abolidos pelo sangue de Cristo, é sobre ele que se coloca o pão a ser repartido pelos que acreditam na transubstanciação e que junto à “mesa” se reúnem, como participantes da refeição sagrada (Ac. 20, 7). Poder-se-á dizer que, neste contexto do paleocristianismo, a designação de “mesa” aludirá mais a uma função do que propriamente a uma forma. O altar tem “função de mesa” no acto da fractio panis que repete o acto da Última Refeição, no contexto doméstico do triclinium/cœnaculum (Lc. 22, 14-21).

Mesas de altar/Mesas eucarísticas A partir do século III e sobretudo no IV, os autores cristãos de língua grega e latina preferem designar o local da função eucarística por mesa (τράπεζα) e altar (altare) no sentido de mensa Domini,7 na linha de pensamento expresso pelo Apóstolo Paulo (I Cor 10. 21) ou por Tertuliano. Os testemunhos materiais e as fontes escritas sobre a forma específica do altar paleocristão são quase inexistentes, o que se explicará em grande parte pelo facto de, nesta época, ser mais importante salientar a dignidade da nova função e também porque o local onde se dispunham os elementos da Oferta poder ser uma pequena mesa, igual a tantas outras de uso quotidiano, como aparece representado numa pintura das catacumbas romanas de S. Calixto, Capela dos Sacramentos, da 1ª metade do século III.8 O poeta Prudêncio, no século V, alude concretamente ao referente material altare dizendo que este tinha uma ara como base (altaris aram funditus pessundare),9 o que nos sugere a sua elevação, exprimindo assim um conceito de altare como alta ara, ideia que, posteriormente, Isidoro de Sevilha reproduz na etimologia dada à palavra. Pela mesma época, no cânon XXIX do concílio de Iliberis, se alude ao altar, lugar do sacrifício da missa, como uma realidade material,10 e Agostinho de Hipona usando o vocábulo altarium11 designa a parte superior do altar, aplanada, em forma de mesa. Altarium é também a área circundante da “mesa eucarística”, como é referido por Gregório de Tours ao indicar as trinta e duas janelas que se abriam neste espaço, em uma basílica mandada construir na sua cidade, em honra de S. Martinho.12 Esta ideia de altar/santuário (sanctuarium altaris) é a que, também no século VI, aparecerá testemunhada nas disposições do cânon XIII do I concílio de Braga (ano de 561), relativas à interdição do acesso ao espaço da comunhão.13 A mesa eucarística, que também se associou, nos primeiros tempos do cristianismo, ao túmulo de um mártir, facto que terá contribuído para a divulgação do fabrico de altares em pedra, foi, ao longo da Antiguidade Tardia, adquirindo diferentes formatos e várias localizações no espaço da igreja, tanto no mundo cristão do Oriente como no do Ocidente. A forma do altar, bem como a sua fixação espacial só irão encontrar na igreja romana da Contra-Reforma, no século XVI, um modelo definido, muito elaborado – altar-e-tabernáculo, e uma fixação que se estabilizou ao fundo da abside (ROQUE, 1999: 36-46).

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fig.1 mértola (lopes, 2003:75, n.148).

fig.2 sines (mas).

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14. “Ut altaria nisi lapidea chrismatis unctione non sacrentur” (cf. LECLERCQ, DACL, col.3161, nota 1 e col. 3168, n.16). 15. Gregório de Tours, Hist. Franc., l. IX, c. XV, P. L., t. LXXI, col. 493 (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3175, n. 1). Sobre esta morfologia de altares, o autor indica as seguintes fontes escritas: Eusébio, Hist. Eccles., l. X, c. IV, P. G., t. XX, col. 848 ss; Socrate, Hist. Eccles., l. I, c.XXXVII; l. VI, c. v, P. G., t. LXVII, col. 173, 673; Synesius, Catastasis, P. G., t. XLVI, col. 1570: Sacras columnas amplector quae puram et incontaminatam a terra mensam sustinent. O autor refere ainda um exemplo de Lamiggiga, na Argélia, de duas placas a servirem de suportes à mesa de altar, retirado de Mel. d’arch. et d’hist., 1894, t. XIV, p.517. 16. Cf. LECLERCQ, DACL, col. 3184; col. 3169, fig.1129. 17. S. Gregório de Nissa, In baptism. Christi, P. G., t. XLVI, col. 581. (cf. LECLERCQ, DACL, col.3168, n.12).

Se o uso da pedra para o fabrico das mesas eucarísticas se expande a partir do século IV, o da madeira, divulgado desde os inícios do cristianismo, mantém-se ao longo da Antiguidade Tardia e mesmo bastante posteriormente, como testemunham variados documentos. A exigência de altares de pedra e, consequentemente, a proibição do uso da madeira, expressa no cânon XXVI do concílio havido em 517 na pequena cidade galo-romana de Epaona,14 é prova da existência de altares feitos com este material. Desde o século IV, os altares de pedra, geralmente fixos ao pavimento, com forma de mesa, apresentam três tipologias fundamentais: um tampo, placa, assente em quatro pilaretes, como pés; uma placa assente, ao centro, sobre um pilarete ou colunelo, pé único; um tipo misto de suportes nos ângulos e um ao centro da placa. Um tipo menos comum terá sido uma placa colocada horizontalmente, assente sobre outras placas colocadas verticalmente. Este tipo de altar será mais antigo e designava-se como arca.15 Em época mais recente, mas ainda antiga, colocou-se entre os pilaretes de suporte da mesa, frontalmente, uma placa de pedra, fenestela confessionis, que poderia levar motivos vazados, sendo exemplo desta morfologia o altar da Basílica de Santo Alexandre, na via Nomentana, em Roma, que poderá remontar ao século V.16 No que respeita aos testemunhos materiais de mesas de altar provenientes de território português, da Antiguidade Tardia, debatemo-nos com uma série de questões, cujas respostas ficarão apenas no levantamento de hipóteses. É de estranhar que exista um número bastante significativo de suportes, considerando somente os que indubitavelmente desempenharam esta função e colocando como hipótese remota uma série de colunelos, pilaretes e pilarzinhos que também poderiam ter servido de pés a mesas eucarísticas, e mesas de pedra relativamente poucas, sendo mesmo bastante duvidosa esta função para as existentes. Teriam sido de madeira estes tampos de mesas, ainda que colocados sobre suportes de pedra? Ou, se de pedra, simples placas sem qualquer decoração que, pela sua trivialidade, foram posteriormente reaproveitadas ou simplesmente rejeitadas, sem deixarem rasto? Para a hipótese do uso de “tampos” de madeira sobre suportes de pedra, poder-se-á considerar que, afinal, estes últimos eram os elementos fundamentais, mais visíveis e portadores de uma carga simbólica considerável, funcionando como “sustentáculos”. A Cruz que em quase todos eles figura, quando eram o único ou o principal suporte do tampo, sacralizava e dignificava de imediato este elemento do mobiliário litúrgico, bem como os temas decorativos alusivos à Videira/árvore da Vida, se os suportes eram pilaretes em mesas de quatro pés. Se as mesas de altar foram, na sua maioria, simples placas de pedra, este tipo entroncaria na ideia expressa por S. Gregório de Nissa, quando diz que o altar é de sua natureza uma pedra comum, semelhante àquela que entra na construção das casas.17 Tanto uma como outra hipótese poderão justificar de algum modo a quase ausência de indubitáveis mesas eucarísticas: irreconhecíveis ou reaproveitadas as de pedra, sem estar marcada a sua funcionalidade por decoração com simbolismo específico, extintas as de madeira, porque material perecível. O uso de altares com este tipo de tampos poderá ter-se mantido ao longo da Antiguidade Tardia, pelo menos na região da Lusitânia, pois que os testemunhos da capital da diocese emeritense são também quase nulos e duvidosos (CRUZ VILLALÓN, 1985: 219-231). Acrescente-se ainda ao

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fig.3 e fig.4 beja (mrb, nv). fig.5 arranas (maeds).

facto da existência de “mesas de altar” com tampos quer de madeira quer de pedra, simples placas incaracterísticas, o de estes tampos poderem ser cobertos por panos e, estando tapados, não precisarem de qualquer ornamento. O costume de adornar os altares com toalhas é referido por S. Bráulio numa das suas epístolas. Diz-se ainda que S. Frutuoso, num momento de penitência pessoal, mandou desnudar os altares da igreja.18 Também num documento anónimo do século VIII, em que se dá Instrução aos membros do clero, se adverte “que o altar seja coberto com toalhas limpas”. 19 A prática de estender sobre o altar o corporal, por vezes designado palla corporalis, de puro linho, designação que é também usada para os panos que cobriam as oferendas, encontra-se atestada para o Egipto, Gália, África, Roma e na Hispânia, em época tardia bastante avançada.20 Nos antípodas dos altares “simples pedras comuns” e dos “lintéis” para os quais a principal exigência era a de estarem limpos, lembre-se, de época justiniana, a empolada descrição, feita por Paulus Silentiarius, do altar em ouro cravejado de pedras preciosas da Igreja de Santa Sofia em Constantinopla e do riquíssimo pano que o cobria, bordado a púrpura e ouro.21 Mesas de altar em pedras nobres, decoradas com escultura mais ou menos relevada nas espessuras ou em faixas circundantes dos tampos, são testemunhadas em diferentes locais da bacia mediterrânica, nomeadamente no Egipto, em África ou na Gália, predominando no Ocidente as formas rectangulares e no Egipto as sigmáticas. Da actual região da Provença e no vale do Ródano recolheram-se algumas placas/ mesas de altar, cronologicamente integráveis entre os séculos IV/V e segunda metade do VII, na sua maioria em mármore, rectangulares, com decoração relevada nas espessuras, cujas dimensões variam entre 1, 78 × 1, 12 (da Abadia de Saint-Victor de Marseille, meados do século V) e 1, 02 × 56 (de Saint-Pierre d’Auriol, Bouches-du-Rhône) (METZEGER, 1991: 262, fig. 1-4). Alguns exemplos de mesas de madeira rectangulares, provenientes de basílicas africanas, apresentam grandes dimensões, como a da grande basílica de Morsott, um rectângulo de 2, 79 × 1, 28.22

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18. “De vestiendo autem altari, seu vela mittenda hoc usus ut iam declinante in vesperam die ornatur ecclesia (…)”, S. Braulio, Ep. XIV, P. L., 80, cols. 661-2; “Quod cum huic beatissimo conpertum est, statim tulit ecclesiae vela, et sancta nudavit altaria (…)”, Vita Sancti Fructuosi, c. IV, p.93 (cf. PUERTAS TRICAS, 1975: 81-83 ALTARE; Ap. B, nº 113, p.220 e Ap. B, nº 202, p.239). 19. Referência dada por ROQUE, 1999: 26, n.30: Anonymi Sæculi VIII, Patrologia Latina, XCVI, 1375, “Commonitorium cujusque episcopi ad sacerdotes subditos sibi cæterosque ministros cujuscunque ordinis ecclesiastici”. Uma das instruções: “Altare sit coopertum de mundis linteis”. 20. Cf. LECLERCQ, DACL, t. XI, MESSE – LA MESSE MOZARABE, col. 674-690, p.678. O autor indica reproduzir a notícia de Dom CABROL, em 1930, Dictionnaire de Théologie Catholique. 21. Paulus Silent., Descriptio S. Sophiæ, édit. Bona, vs. 758, 802 (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3171, notas 5, 7). 22. Cf. LECLERCQ, DACL, AUTEL, col. 3179. 23. Cf. PÉTRIDÈS, DACL, t. I, ANTIMENSION, col. 2319-2326; LECLERCQ, DACL, AUTEL, col. 3187. Considera este último autor que existem fontes escritas anteriores ao século VIII conducentes à ideia do uso de altares portáteis. Refere como seu possível testemunho material mais antigo o encontrado junto aos ossos de S. Cuthbert.


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(† 687), na catedral de Durham e conservado na biblioteca do capítulo (n. 7: cf. James Raine, S. Cuthbert, in-4º, Durham, 1828, p.200). O mesmo autor refere-se também a altares portáteis nas Catacumbas, col. 3165. 24. Segundo LECLERCQ, DACL, AUTEL, col. 3185-3187, o uso de vários altares na mesma igreja estabeleceu-se, no Ocidente, a partir dos finais do século VI, apontando entre outros testemunhos escritos o de Gregório de Tours ao referir-se à igreja de Braisne, perto de Soissons, com três altares (n. 17: cf. G. de Tours, De gloria martyrum, l. I, c. XXXIII, P. L. t. LXXI, col. 734). 25. A hipótese, colocada pelo autor, de mesa auxiliar, levaria à integração cronológica desta peça em época posterior ao século VIII, pois que o uso de credências parece bastante tardio. Mais do que um altar na mesma catedral seria uma hipótese pouco provável, de acordo com as fontes escritas hispânicas. 26. Poder-se-á contestar a função desta concavidade por ela ter apenas 1cm de profundidade. A existência de um loculus, geralmente talhado nas superfícies dos suportes mas também nas próprias mesas de altar, para guardar as relíquias dos santos aos quais as igrejas eram dedicadas verifica-se com a expansão das comunidades cristãs, depois da paz constantiniana. Segundo LECLERCQ, DACL, col. 3170-3171, na ausência de relíquias corporais podiam colocar-se no loculus restos de tecidos que tivessem tocado o túmulo do mártir (brandea) ou apenas fragmentos dos Evangelhos ou hóstias consagradas. O poeta Prudêncio, séculos IV/V, refere “um altar que dá descanso aos ossos santificados do mártir Vicente” em Peristephanon, V, 51320 (cf. PUERTAS TRICAS, 1975: 80, ALTARE e Ap. B nº 9, p.205). A expressão que o poeta usa, mensa adposita, pode sugerir, porém, que a “mesa” estava adossada ao túmulo do mártir (cf. LECLERCQ, DACL, col. 3166). 27. Cf. METZGER, 1991: 261, fig. 2 a. A decoração da faixa envolvente do bordo superior do tampo compõe-se de folhagem simples. 28. Relativamente à placa com estrias paralelas desenhando uma cruz (fig. 181), o autor coloca a hipótese de se tratar de uma mesa de altar, dada a semelhança com a mesa de altar de Alcandete.

Tem-se colocado a questão das dimensões relativamente às possíveis mesas de altar provenientes do território português. Na realidade, um suporte único, como seria o caso de alguns dos existentes, não suportaria uma placa de grandes dimensões. Outros, porém, poderiam ter sido usados em conjunto com outros pés, no caso de tampos maiores, ocupando o pé mais decorado uma posição central. Acrescente-se também que não eram necessárias grandes mesas para a colocação das alfaias litúrgicas essenciais. O uso de pequenas mesas auxiliares do serviço litúrgico, nas quais se disporiam alguns apetrechos complementares do acto litúrgico, como jarro com água para a lavagem das mãos ou para misturar com o vinho, ou as oferendas antes da consagração, ter-se-á verificado em época bastante tardia. A pequena mesa substituta da mesa sagrada, que podia designar-se por “antimension” (άντιμήνσιον), ou o “altar portátil”, ter-se-á generalizado somente a partir dos séculos VIII ou IX,23 não sendo conhecidas fontes escritas hispânicas que se refiram a igrejas com mais do que um altar (PUERTAS TRICAS, 1975: 84 b).24 Sobre a possível mesa eucarística proveniente da Catedral da Egitânia, no MFTPJ de Castelo Branco, nº inv. 94.31, D. Fernando de Almeida considera-a demasiado pequena para esse fim (64, 5 × 41, 5), parecendo-lhe mais adequada a funcionalidade de “mesa de altar portátil” ou a de “mensula, pequeno altar colocado à direita do altar-mor”, servindo de mesa auxiliar do serviço litúrgico (ALMEIDA, 1962: 249-250, fig. 385-386).25 Embora pequena, parece-nos que a dimensão desta placa se adequaria à função de mesa eucarística. A concavidade que apresenta ao centro, no reverso, poderá corresponder à zona de encaixe em um suporte, com loculus para a colocação de relíquias26 e, assim sendo, a sua função seria mesmo a de altar. A esmerada decoração que apresenta, ainda que de grande simplicidade, também contribui, a nosso ver, para a sua integração na mais importante funcionalidade do acto litúrgico, o ofertório. Ela relaciona-se com a decoração de exemplares integrados na Antiguidade Tardia, como a mesa da igreja de Saint-Marcel de Crussol (Ardèche)27 do século IV/V, a da igreja de Salpensa, de 642 (SCHLUNK & HAUSCHILD, 1978: 63, Abb.42), ou ainda, mais especificamente, com a encontrada em Mértola, que poderá ser datada de entre os séculos V e VII, de acordo com o contexto arqueológico (LOPES, 2003: 75, n. 148). Esta possível mesa eucarística, com decoração afim à da Egitânia, foi encontrada na zona do baptistério paleocristão da acrópole romana de Mértola, dela restando apenas um fragmento de placa rectangular em mármore branco de grão fino, com uma moldura de tipo clássico em forma de meia cana, interrompida por uma “palmeta/ flor-de-lis” no ângulo (Fig.1). Outras possíveis mesas de altar relativamente pequenas serão a de Sines, no MAS, nº inv. 43 (58 cm × 46 cm) (Fig.2), embora a peça esteja truncada, e as placas incrustadas na muralha do Castelo de Tomar, também incompletas, com 40 cm × 35 cm e 60 cm × 40 cm (ALMEIDA, 1962: 212, fig. 181-182).28 Estas placas têm, como a de Sines, decoração muito simples, uma com incisões paralelas na superfície do tampo, dividindo-a em quatro rectângulos e a outra apenas com uma moldura escalonada. As placas com mais de um metro de comprimento, que foram interpretadas como

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29. Os autores do Catálogo atribuem à peça com o nº inv. 1. 76 (Cat. Nº 60) a funcionalidade imposta; a peça nº inv. 1. 46 (Cat. Nº 37) foi identificada como friso.

fig.6 mértola (lopes, 2003:75).

possíveis mensae Domini, duas provenientes de Beja, no MRB, NV (nº inv. MRB. 1. 76 e nº inv. MRB. 1. 46) (TORRES [et al.], 1993: 92; 67)29 e uma de Arranas, no Museu de Arqueologia de Setúbal (ALMEIDA, 1987: 297-298, MES/ALT.3),30 poderiam, quer pelas dimensões quer pela decoração, integrar-se perfeitamente neste tipo de mobiliário litúrgico (Fig.3; Fig.4; Fig.5). A preparação, sobre o altar, das oferendas e a colocação nele de outros objectos sagrados, como a cruz,31 pressupõe mesas de maiores dimensões. Embora a decoração patente nestas peças não justifique por si só a sua funcionalidade como mesas eucarísticas, pois que a decoração do espaço da igreja constitui uma unidade na totalidade de espaço sacralizado, a presença da cruz nestes elementos arquitectónicos leva a relacioná-los, se não mesmo com o altar, com um espaço conspícuo, possivelmente o mais próximo ou o do próprio sanctuarium altaris. A esta tipologia de grandes mensae de pedra acrescentaríamos mais duas peças: uma placa de Torres Novas, no Museu Municipal desta cidade (ALMEIDA, 1962: 250, fig.387) e uma designada “imposta” de mármore, decorada, proveniente da zona do Baptistério de Mértola (LOPES, 2003: 75, fig.48) (Fig.6). A placa de Torres Novas, de calcário branco (1,44m × 0,77m; 15,5cm de espessura), apresenta características apropriadas à funcionalidade de mesa de altar, com uma faixa exterior periférica, decorada e relevada, em relação à superfície lisa do “tampo”, que apresenta uma inscrição muito desgastada. Pela decoração geométrica da referida faixa, pouco comum na decoração de peças de contexto visigótico, ela poderá ser de época bastante avançada da Antiguidade Tardia. A peça de Mértola apresenta na espessura frontal uma decoração relevada com o motivo da “grinalda”, que apresenta um paralelo idêntico numa pequena imposta de Torre da Cardeira, Baleizão, Beja, no MRB, NV, nº inv. MRB. 1. 33 (TORRES [et al.], 1993: 38, Nº 8), peça esta que consideramos ter sido talhada a partir de outra, com idêntica decoração à “mesa de altar” de Mértola.32 Foi ainda atribuída a possível funcionalidade de mesa eucarística à placa, fragmentada, proveniente de Eira Pedrinha, Conímbriga, em posse de um particular (MACIEL, 1996: 184, fig.34b). Com proveniência de território português, poder-se-á considerar este

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30. A peça nº inv. MRB. 1. 76. foi interpretada como possível mesa de altar por D. Fernando de Almeida (ALMEIDA, 1962: 212, fig. 183), por M. J. Maciel (MACIEL, 1996: 184, n. 1333) e por Maria Amélia Fresco de Almeida (ALMEIDA, 1987: 294, MES/ALT. 1); a peça nº inv. MRB. 1. 46 (Cat. Nº 37) foi interpretada do mesmo modo pelos dois últimos autores atrás citados. Carlos Alberto Ferreira de Almeida (ALMEIDA, 1988: 58) classifica-a como imposta; Maria Isabel Roque (ROQUE, 1999: 72) considera que a dimensão destas peças é exagerada para a sua identificação como mesas de altar, razão que não parece justificar-se pelos testemunhos materiais que sobreviveram, grandes mesas, integráveis cronologicamente na Antiguidade Tardia. À peça proveniente de Arranas, no MA de Setúbal, foi também atribuída a possível função de mensa Domini por M. A. F. de Almeida (ALMEIDA, 1987: 297-298, MES/ALT. 3). As funcionalidades de imposta e friso atribuídas às peças de Beja (inv. 1. 76 e 1. 46, respectivamente) pelos autores do Catálogo (Núcleo Visigótico, 1993, Nºs 60 e 37) parecem-nos também perfeitamente justificáveis. A “imposta”, com o comprimento de 1, 16 m, poderia ser do tipo de uma outra de Mértola (TORRES [et al.], 1991, nº inv. MR.IP.0002), embebida numa estrutura arquitectónica para suporte de arco toral, ainda que nos pareça demasiado longa para esta funcionalidade; o “friso” (Cat. Nº 37), com 87 cm x 24 cm x 13, 5 cm), teria dimensões adequadas a esta função, embora a peça não esteja completa e apresente marcas de reutilização posterior. 31. No cânon VI do Concílio de Toledo XVI (ano 693), dispõe-se que se ofereça uma oblação íntegra e especialmente preparada no altar, supra mensam Domini. Também na Epistola ad Leudefredum, séc. VIII/IX, se refere como uma das obrigações do diácono a de preparar as oferendas sobre o altar. No Liber Ordinum, na Ordo correspondente às cerimónias que decorriam antes da despedida das tropas e do rei para combate, alude-se à deposição de uma cruz sobre o altar (cf. PUERTAS TRICAS, 1975: 125, MENSA DOMINI e Ap. A, nº 169; p.82, ALTARE, Ap. B, nº 252; p.83, ALTARE, Liturgia, Ap. D., nº 34 e p. 105, CRUX, Liturgia).


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fig.7 egitânia (mftpj).

32. A imposta de Baleizão foi datada, pelos autores do CATÁLOGO, do séc. IV. Pensamos que esta datação é susceptível de reajustamento para época posterior, séculos VI/VII, considerando ser a pequena imposta uma peça reaproveitada. 33. Cf. ALMEIDA, 1962: 203, fig.121 (“pé de altar”) e p.211, fig.177 (“lintel”); PONTE, 1992: 518, fig.3; REAL, 2006: 133-170, fig.108 (“transenna”); MACIEL, 1993, 2º Vol., fig.48 e 1996: 189; 292, nº 97 (“pé de altar”). 34. Dom Fernando de Almeida (ALMEIDA, 1962: 212, fig.184) e M. A. Fresco de Almeida (ALMEIDA, 1987: 175-176, fig.IMP.2) consideram esta peça como” imposta”. Maria Cruz Villalón (CRUZ VILLALÓN, 1985: 371, n.74) refere a decoração desta “ imposta” de Elvas como paralelo da realizada em outra de Mérida (nº 253), considerando pouco frequente esta decoração em impostas.

como o mais significativo exemplar, com decoração, que se integra na usada em outras peças deste mesmo Grupo Conimbrigense, tais como um possível pé de altar, também de Conímbriga, uma possível transenna de Tomar e os lintéis de Abiul, Pombal.33 Outro exemplo desta tipologia de “mesa” de pedra, com decoração lateral, poderia ser o de Elvas, com a temática da “videira/Árvore da Vida”, uma cepa aqui tratada com especial esmero e originalidade, que Rui de Serpa Pinto integrou neste tipo de mobiliário litúrgico (PINTO, 1932: 6).34 A dimensão adequava-se à tipologia da pequena “mesa”, bem como a iconografia, parecendo-nos reconsiderar como muito plausível a hipótese de Rui de Serpa Pinto. Refira-se, finalmente, uma peça proveniente da Egitânia, que, embora não tivesse tido a função de mesa de altar, poderá ter estado associada ao serviço litúrgico, servindo-lhe de apoio. Trata-se de uma interessante peça, em forma de placa rectangular ou pequena mesa (50cm × 37cm; 5cm de espessura), em mármore branco, decorada nos quatro ângulos por uma pequena “roseta de cariz clássico”. Está depositada no MFTPJ de Castelo Branco, nº inv. 94. 33, sendo desconhecida a localização exacta do achado (Fig.7). Ela parece relacionar-se com o escoamento de água, pois que apresenta uma concavidade central com um pequeno orifício circular. Poderia ter sido usada no contexto doméstico, mas a hipótese de ter sido funcional no contexto litúrgico cristão poder-se-á colocar, uma vez que, tanto nos contextos dos baptistérios como nos dos diaconica, para apoio às celebrações litúrgicas se procedia a abluções. No ritual da missa, terminado o Ofertório, o bispo passava as mãos por água, costume antigo, atestado pelas

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Constituições Apostólicas e por Cirilo de Jerusalém.35 Na Hispânia era o diácono que servia o bispo neste ofício, enquanto o subdiácono oferecia a água aos padres e aos diáconos para o mesmo uso. O bispo regressava depois ao altar. Também num texto do século VIII, Instrução do bispo…, se aconselha “que haja um lugar preparado ou no secretarium ou junto ao altar onde se derrame água quando se lavam os vasos sagrados e aí esteja preparado um recipiente limpo com água onde o sacerdote lava as mãos depois da comunhão”.36 Assim, este possível lauacrum poderia ter estado colocado no espaço onde se encontrava o altar, ou numa sacristia próximo dele, servindo como “sumidouro” para escoamento de águas usadas em abluções. Sendo a casa da assembleia dos crentes (domus ecclesiae) o lugar privilegiado para a dispensação dos sacramentos ou celebração que se efectua em torno da mesa eucarística, esta é colocada em lugar de destaque no interior do espaço basilical, onde todos os elementos componentes, quer arquitectónicos quer de mobiliário litúrgico, adquirem uma significação simbólica enfatizada pela decoração que lhes é atribuída.

Bibliografia ALMEIDA, C. A. F. de (1988) – Arte da Alta Idade Média. HISTÓRIA DA ARTE EM PORTUGAL, Volume 2, Lisboa: Publicações Alfa. ALMEIDA, F. (1962) – Arte Visigótica em Portugal. In O Arqueólogo Português, (Lisboa), Nova Série 4 (separata). ALMEIDA, M. A. F. (1987) – Escultura arquitectónica e funerária dos séculos IV ao VIII, a sul do Tejo. Dissertação de Mestrado em História da Arte, apresentada à Faculdade de Ciência Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa. (exemplar policopiado). CRUZ VILLALÓN, M. (1985) – Mérida Visigoda. La Escultura Arquitectónica y Litúrgica, Badajoz: Departamento de Publicaciones de la Excma. Diputación Provincial de Badajoz, Colección «Roso de Luna» nº 2. DICTIONNAIRE D’ARCHÉOLOGIE CHRÉTIENNE ET DE LITURGIE (DACL), Paris, 1924-1953. GRABAR, A. (1966) - Le Premier Art Chrétien (200-395), Paris : Gallimard. LECLERCQ, H - DICTIONNAIRE D’ARCHÉOLOGIE CHRÉTIENNE ET DE LITURGIE (DACL), Paris, 1924-1953. LOPES, V. (2003) – Mértola na Antiguidade Tardia. A topografia histórica da cidade e do seu território nos alvores do cristianismo. Mértola: Edição Campo Arqueológico de Mértola.

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35. Constituições Apostólicas, L. VIII, c. XI; Cirilo de Jerusalém, Catech. Mystag., V (cf. LECLERCQ, DACL, t. XI, MESSE – LA MESSE MOZARABE, col. 679). 36. Anonymi Sæculi VIII – Commonitorium cujusque episcopi… X – “Locus in secretario vel juxta altare sit præparatus, ubi aqua effundatur quando sacra vasa abluuntur, ibique vas nitidum cum acqua pendeat, ubi sacerdos manus lavet post communionem” In PL, 96, 1375-1376 (cf. ROQUE, 1999: 32, TEXTO 7).


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MACIEL, M. J. (1993) – Arte Romana Tardia e Paleocristã em Portugal. Dissertação de Doutoramento em História da Arte da Antiguidade apresentada à Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, 1993. MACIEL, M. J. (1996) – Antiguidade tardia e paleocristianismo em Portugal. Lisboa. MACIEL, M. J. (2005) - Olhares do Historiador da Arte perante o discurso original do Cristianismo. In Revista de História da Arte, Nº 1 (2005) (MACIEL, M. J. ; SILVA, R. H., dir.), Instituto de História da Arte – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – UNL, Edições Colibri, p.15-45. METZGER, C. (1991) – Le mobilier liturgique. In Naissance des arts chrétiens. Atlas des Monuments Paléochrétiens de la France, Paris: Ed. Imprimerie Nationale, p. 256-267. RETA, J. ; MARCOS CASQUERO, M. A. (1994) – San Isidoro de Sevilla – Etimologias, II (Livros XI-XX). Texto latino, versão espanhola, notas e índices, 2ª ed. Madrid : Biblioteca de Autores Cristianos. PINTO, R. S. (1932) – Restos Visigóticos de Elvas e Campomaior. In A Águia (XX ano), Porto, Separata nº 2. PONTE, S. (1992) – Presença Paleocristã em Tomar. In IV Reunião de Arqueologia Cristã Hispânica (Lisboa 1992). Barcelona, 1995, p.515-520. PUERTAS TRICAS, R. (1975) – Iglesias hispánicas (siglos IV al VIII), Testimonios literarios, Madrid: Ministério de Educación y Ciência. REAL, M. L. (2006) – A escultura decorativa em Portugal : O Grupo Portucalense. In Anejos de Archivo Español de Arqueologia, XLI, p.133-170. ROQUE, M. I. R. (1999) – Do Altar Cristão. A Evolução até à Fixação do Modelo pela Reforma Católica. Dissertação de Mestrado em História da Arte, orientada pela Prof. Doutora Maria Natália Correia Guedes, apresentada à Universidade Lusíada de Lisboa (policopiado). SCHLUNK, H.; HAUSCHILD, Th. (1978) – Hispania Antiqua.Die Denkmäler der frühchristlichen und westgotischen Zeit. Mainz am Rhein. TORRES, C.; [et al.] (1991) – Museu de Mértola, I, Núcleo do Castelo. (Catálogo). Edição do Campo Arqueológico de Mértola. TORRES, C.; [et al.] (1993) – Núcleo visigótico. Museu Regional de Beja. (Catálogo). Museu Regional de Beja/Assembleia Distrital de Beja. WRENCH, L. N. C. (2001) – Os dias da semana no contexto cultural e artístico da Antiguidade Tardia. In Saberes no Tempo – Homenagem a Maria Henriqueta Costa Campos, Lisboa: Edições Colibri, p.707-716.

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277


notícia

O mausoléu da Antiguidade Tardia em Mértola As obras de requalificação do Eixo Comercial de Mértola, realizadas no ano de 2008, puseram a descoberto um conjunto importante de vestígios arqueológicos de vários períodos no espaço extra-muros da cidade. Os achados mais importantes foram a necrópole de incineração do Alto Império, uma basílica paleocristã associada a uma necrópole do mesmo período, um mausoléu da Antiguidade Tardia, vestígios do arrabalde islâmico do século XII e um conjunto de estruturas fortificadas que defendiam as chamadas Portas de Beja na Baixa Idade

Média. Os dados que aqui se apresentam são preliminares pois ainda devem ser considerados como provisórios e sujeitos a futuras correcções. Aproximadamente a 500m a Norte da basílica paleocristã do Cine-teatro Marques Duque, em frente ao actual Posto da Guarda Nacional Republicana, as obras permitiram pôr ao descoberto um conjunto de estruturas monumentais encaixadas no terreno rochoso, pertencentes à cripta de um mausoléu da Antiguidade Tardia. Alguns indícios, como o achado de um cimácio decorado com uma banda de cruzes gregas datável do século VI, indicam que, sobre ele, se elevaria um templo de dimensões consideráveis ricamente decorado. Apenas foi possível documentar parcial-

fig.1 vista geral do mausoléu do século vi.

278

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va r i a · n ot í c i a

mente o edifício que se prolongaria a nascente e a poente, tendo sido fortemente destruído pelas construções posteriores em ambos sectores. Do monumento podemos reconhecer quatro compartimentos. O corpo principal do edifício era composto por dois compartimentos abobadados que não comunicavam entre eles directamente. O situado mais a Sul tinha 2,75m. de largura, não sendo possível determinar o seu comprimento pela destruição de que foi alvo a nascente. Conserva até 1,78m de altura sendo que, a 1,5m de altura, arrancava a abóbada de berço. O compartimento principal, situado a norte do anterior, tinha 3,50m de largura por 8 de comprimento, encontrando-se muito destruído no sector ocidental. Foi reforçado com vários contrafortes, possivelmente destinados a resolver problemas de estabilidade da abóbada. Este compartimento tinha um vão a nascente que comunicava com um terceiro espaço destruído na sua metade oriental. Seria a partir deste último que se estabeleceria comunicação com um outro compartimento quadrangular, também situado a nascente do corpo principal, com 2,5m de largura por 2,75m de comprimento e reforçado com dois pequenos contrafortes. Este quarto espaço tinha um grande vão de dois metros de largura no muro oriental, flanqueado por duas colunas das quais ainda se conservavam in situ as bases. Esta porta foi entaipada em duas fases: a primeira estreitou consideravelmente o vão, que foi reduzido aproximadamente para 80 cm de largura sendo que, numa segunda fase, foi completamente selado. As estruturas conservadas eram construídas com uma sólida alvenaria de blocos

de xisto, e alguns tijolos, solidamente travados com argamassa. Vários pontos conservavam o revestimento das paredes de argamassa de cal. Sobre a rocha afeiçoada assentavam as estruturas e foram abertas as sepulturas, e recobertas com finas camadas de argamassa avermelhada. Estas sólidas estruturas sofreram obras de reconstrução no compartimento si­ tuado mais a norte, recrescendo os muros com uma técnica mais tosca de blocos de xisto e tijolos unidos apenas com barro. Esta reconstrução ­prolongava-se para norte com um outro muro com orientação Norte-Sul, no qual se encontrava entaipado um pequeno arco, também tosco. Possivelmente esta reconstrução corresponde a uma fase tardia de ocupação do espaço, em que as abobadas de berço do corpo principal tinham abatido e sobre os derrube foi feita uma ocupação que deixou como testemunho um pavimento de terra batida e pequenas lareiras. Os compartimentos situados a nascente e a sul da cripta possuíam, a nível dos pavimentos, três sepulturas de contornos rectangulares, escavadas na rocha, com uma orientação nascente poente. Na parte central da cripta conserva-se uma sepultura intacta coberta por uma argamassa em opus Signinum, semelhante aos enterramentos escavados na basílica do Rossio do Carmo e no sítio do Cine-teatro Marques Duque. Pelas dimensões, tratamento dado à cobertura, e pelo lugar de destaque que ocupa, pensamos estar em presença de um enterramento privilegiado. A cripta foi finalmente entulhada com materiais do próprio espaço funerário (tegulas, inbrex, revestimentos decorados com pinturas policromáticas, peque-

nos fragmentos de mosaicos polícromos e outros materiais de construção) destacando-se um conjunto considerável de lápides funerárias datadas em torno do século VI d.C., sendo três delas escritas com caracteres gregos.

Virgílio Lopes Campo Arqueológico de Mértola

Susana Gómez Martínez Campo Arqueológico de Mértola

fig.2 localização do mausoléu.

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279


va r i a · n ot í c i a s

Siza Vieira – Cobertura e musealização da Villa romana do Rabaçal

O estudo prévio da cobertura e musealização da Villa romana do Rabaçal executado pelo arquitecto Álvaro Siza Viera por solicitação da Câmara Municipal de Penela, com o apoio da Associação de Amigos da Villa romana do Rabaçal e do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, afigura-se como um projecto inovador nesse domínio. Constituído por uma grelha em madeira laminada com material plástico transparente que deixa entrar a luz, per-

280

mite proteger o conjunto arqueológico das intempéries e criar novos circuitos de visita com passadeiras de madeira ligeiramente elevadas que unem diversas áreas do complexo. Inclui, ainda, a instalação de iluminação artificial de maneira a possibilitar a realização de visitas nocturnas, criando assim uma nova dinâmica. A estrutura recorda a do pavilhão efémero anexo à Serpentine Gallery de Londres que Siza Vieira projectou em colaboração com o seu colega Souto Moura, em 2005. “O sistema é o mesmo embora a forma seja outra e até a dimensão” revela o arquitecto que considera ser necessária uma certa altura para a protecção das estruturas arqueológicas ser mais eficaz e para os visitantes não se sentirem como se estivesse dentro de

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um museu. Destaca, ainda, como uma mais valia, a existência de “um percurso de aproximação” que começa à distância, no próprio vale, terminado com contemplação dos mosaicos e restantes testemunhos musealizados que lá se conservam.

Miguel Pessoa Arqueológo/Museólogo Villa romana do Rabaçal, Município de Penela, Conímbriga – IMC


Columbano Bordalo Pinheiro

RETRATO DE JOVEM FUMANDO CACHIMBO (AUTO – RETRATO), N. DAT.

Óleo sobre tela, 34,4 x 25 cm

António Silva Porto

LUGAR DA PENHA, MARGEM DO TEJO, 1890-93 Óleo sobre tela, 114,5 x 72 cm

José Escada

SEM TÍTULO, 1970 Acrílico sobre papel colado em tela, 66 x 51 cm

Dordio Gomes

João Hogan

Paula Rego

Carlos Botelho

Jorge Pinheiro

A VELHA, 1964 Óleo sobre tela, 121 x 111,7 cm

José Malhoa

José de Almada Negreiros

António Dacosta

Jorge Martins

SEM TÍTULO, 1988-92 Óleo sobre tela, 88,8 x 150,5 cm

Menez

DUAS FIGURAS FEMININAS, 1988 Acrílico sobre tela, 125,8 x 144,2 cm

António Palolo

SEM TÍTULO, 1992 Acrílico sobre tela, 100,1 x 100,1 cm

Manuel Cargaleiro

Pedro Chorão

Eduardo Viana

António Charrua

Luís Noronha da Costa

Júlio Pomar

LEFT 7, 1992 Acrílico sobre tela, 96,8 x 162,1 cm

SEM TÍTULO, 1981 Óleo sobre madeira, 80,8 x 241 cm

José Guimarães

SEM TÍTULO, 1986 Pasta de papel policromado colado sobre madeira, 198,8 x 99,3 cm

D. NUNO CONDESTÁVEL, 1966 Óleo sobre tela, 150,8 x 110,3 cm

TIGRE, 1980 Óleo sobre tela, 115,1 x 79,5 cm

SEM TÍTULO, 1973 Óleo sobre tela, 50,3 x 65,3 cm

JANELAS E VARANDAS DE AZULEJOS, 1988 Óleo sobre tela, 111 x 60 cm

António Costa Pinheiro

Nikias Skapinakis

Mário Cesariny

René Bertholo

João Vieira

QUATRO ESTAÇÕES, 1989 Acrílico sobre papel, sobre platex 153,8 x 116,2 cm

PAISAGEM DE LISBOA, 1972 Óleo sobre tela, 100 x 81 cm

VAU V, 1980 Vinílico sobre platex, 99,5 x 150,2 cm

UM CATALÃO EM MOSCOVO, 1991 Óleo sobre tela, 116 x 80,8 cm

SEM TÍTULO (DA SÉRIE MAGRITTE APÓS POLANSKI), 1969 Tinta celulósica sobre platex, 69,5 x 79,8 cm

SEM TÍTULO (PAISAGEM), (C.1910) Óleo sobre tela, 50,3 x 61,3 cm

Joaquim Rodrigo

GAYA, 1971 Óleo sobre tela, 162,3 x 113,8 cm

SEREIA, 1983 Óleo sobre tela, 89 x 116 cm

Amadeo de Souza – Cardoso

Armanda Passos

SEM TÍTULO, N.DAT. Óleo sobre tela, 129,9 x 96,4 cm

Maria Helena Vieira da Silva

Júlio Resende

Eduardo Luiz

Graça Morais

SEM TÍTULO (DA SÉRIE CAVALOS), 1965 Tintas Astralith Premier sobre cartolina colada em platex, 100,7 x 70,9 cm

SARGACEIRO, 1971 Óleo sobre tela, 146,7 x 97 cm

MORT DE REMBRANT, 1985 Óleo sobre tela, 114,2 x 162,5 cm

O ESPIRÍTO DO AMOR AUTÊNTICO, 1987 Óleo sobre tela, 100 x 81,4 cm

Ângelo de Sousa

VOLTA DA FEIRA (CHEGADA DO ZÉ PEREIRA À ROMARIA), 1905 Óleo sobre tela, 73,3 x 56,6 cm

FAMÍLIA, 1940 Gouache e aguarela sobre papel, 65,5 x 53,5cm

A PONTE (CÃO), 1972 Acrílico e colagem sobre tela, 38,3 x 46 cm

DA SÉRIE MORADAS NA MÃE-TERRA, 1973 Tinta acrílica e tinta de impressão sobre platex 61 x 68,2 cm

SEM TÍTULO (VISTA DE LISBOA), 1970 Óleo sobre tela, 54 x 73 cm

O HÓSPEDE INCONSOLÁVEL, 1884 Óleo sobre tela, 126 x 97 cm

CEIFEIROS EM DESCANSO, N.DAT Óleo sobre platex, 27 x 35 cm

ALTO DOS SETE MOINHOS, 1950 Óleo sobre tela, 97,3 x 130,5 cm

Álvaro Lapa

José Júlio de Sousa Pinto

CABEÇAS DE MULHER, (C.1914) Óleo sobre madeira, 31,5 x26,3 cm

Carlos Calvet

SEM TÍTULO, 1969 Acrílico sobre tela, 137,8 x 198,5 cm

A arte de partilhar

Manuel Amado

PORTA DA ESTAÇÃO, 1986 Óleo sobre tela, 126 x 89,8 cm

Nadir Afonso

LEIPZIG, 1988 Óleo sobre tela, 86,8 x 121,2 cm

Eduardo Nery

ESPAÇO VIRTUAL, 1991 Spray acrílico sobre madeira, 75 x 92cm

Eduardo Batarda

POR VOCAÇÃO, 1991 Acrílico sobre tela, 95,3 x 128,3 cm

No Millennium bcp gostamos de pensar que a colecção de arte que fizemos, ao longo da nossa história, tem mais sentido se for partilhada, proporcionando a sua fruição por pessoas que de outro modo não teriam oportunidade de a ela aceder. "Arte Partilhada Millennium bcp" foi a forma que encontrámos de o fazer, circulando pelo País uma selecção de cerca de quatro dezenas de quadros dos mais representativos autores portugueses da nossa colecção. Visite-nos, porque partilhar é também uma arte.



normas de redacção

regulations in the writing

Normas de redacção de artigos /recensões

Regulations in the writing of articles /critiques

01. objectivos

01. aims

A diversidade de autores, que colaboram com os seus trabalhos, na preparação desta publicação, exige o cumprimento de regras de normalização que têm como objectivo homogeneizar os conteúdos produzidos. Desta forma, torna-se premente o cumprimento destas normas aplicadas aos documentos produzidos, contribuindo para a qualidade da informação e documentação.

Due to the sheer diversity of authors that contribute with their articles to the magazine, we find that it is necessary to have rules and regulations to maintain a sort of consistency of the contents of each publication. Thus it is imperative that these regulations are followed in regards to the documents produced so as to contribute to the quality of the information and documentation.

02. publicação de artigos

02. publishing of articles

02.1 formatação aplicação : Microsoft Office Word tipo de letra : Times New Roman; tamanho 12 pt. numeração das páginas : Sequencial notas de rodapé: Numeração automática parágrafos: Alinhamento à esquerda com duplo espaçamento, não indentados.

02.1 format application: Microsoft Office Word font : Times New Roman; font size 12 pt. page numbering: Sequential footnotes: Automatic numbering paragraph: Left side alignment with double spacing, no indentation.

02.2 tamanho

02.2 size

Não deve exceder as 5000 palavras, ou cerca de 30 000 caracteres (com espaços).

Should not exceed 5000 words or about 30 000 characters (with spaces).

02.3 língua

02.3 language

Aceitam-se artigos em Português, Espanhol, Francês ou Inglês.

We accept articles in Portuguese, Spanish, French and English.

02.4 título

02.4 title

Claro e sintético em maiúsculas.

Clear and concise in capital letters.

02.5 subtítulo

02.5 subtitle

Opcional.

Optional.

02.6 resumo

02.6 abstract

Os resumos dos artigos não devem exceder o máximo de 1200 palavras, ou cerca de 7500 caracteres (com espaços), em português e, sempre que possível, em inglês.

Abstracts to the articles should not exceed 1 200 words, or around 7 500 characters (including spaces), in Portuguese and, if possible, in English.

02.7 palavras chave

02.7 keywords

Para cada artigo deverão ser indicadas até 5 palavras chave.

For each article a maximum of 5 keywords should be selected.

02.8 nota biográfica sobre o autor

02.8 small biography of the author(s)

• Assinatura a acompanhar o artigo • Afiliação Institucional • Contacto de email (opcional)

• A signature to go with the article • Institutional affiliation • Email contact (optional)

02.9 citações

02.9 quotes

Devem ser apresentadas entre aspas e acompanhadas por: (apelido do autor, data de edição da obra citada, nº da página).

Should be presented between quotation marks and accompanied by: (Author’s last name, date of edition of the quoted text, page number).

02.10 sistema abreviado autor-data

02.10 abbreviated system author-date

As referências no texto seguirão o sistema abreviado Chicago (autor data, página). Por exemplo (Grimal 1988, 65) ou (Hauschildt e Arbeiter 1993, 47). No caso de mais de dois autores, utiliza-se et al. (Laumann et al. 1994, 262). Artigos de imprensa, entrevistas e comunicações pessoais devem ser citados como notas finais, e não como referências bibliográficas abreviadas.

The references in the text will follow the Chicago abbreviated system (author date, page). For example (Grimal 1988, 65) or (Hauschildt e Arbeiter 1993,47). In case of two or more authors the use of et al is applicable. (Laumann et al. 1994, 262). News articles, interviews and personal communications must appear in footnotes, rather than in abbreviated bibliographical references.

02.11 bibliografia

02.11 bibliography

Toda a bibliografia segue as seguintes normas: exemplos (Monografias): • Silva, J.C.Vieira. 2003. O Fascínio do Fim. Lisboa: Livros Horizonte. Artigos de publicação em série. • Moreira, Rafael. 1983. A Acção Mecenática de Dom Miguel da Silva. O Mundo da Arte, Iª série: 111-123. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação no site: www.chicagomanualofstyle.org

All bibliography should abide by the following rules: examples (Monographs): • Silva, J.C.Vieira. 2003. O Fascínio do Fim. Lisboa: Livros Horizonte. Articles published in series. • Moreira, Rafael. 1983. A Acção Mecenática de Dom Miguel da Silva. O Mundo da Arte, Iª série: 111-123. In cases not considered by these examples, the authors should consult the rules of publication at the site: www.chicagomanualofstyle.org

02.12 ilustrações

02.12 images

• • • • •

Fotografias, desenhos, quadros, gráficos, mapas, devem ser fornecidas em papel ou digitalizadas a 300 dpi’s, em formato jpg ou tif, com o máximo de 28x22 cm; Cada imagem digital deverá ser gravada num ficheiro; Todas as ilustrações não digitalizadas, deverão ser entregues em papel, numeradas sequencialmente, e acompanhadas da respectiva legenda; No texto deverá ser mencionado o local exacto onde cada ilustração deve entrar, do seguinte modo: fig.1; fig.2; etc.; Deverá ser entregue um ficheiro independente com a relação de todas as imagens, legendas, e respectivos ficheiros que contêm essas mesmas imagens. exemplo: Fig. 1 > Amadeo de Sousa Cardoso – Pintura, 1913 (CAM-FCG) > Foto001.jpg

• Photos, drawings, tables, graphs and maps should be give either in paper format or digitalised in 300 dpi’s, in jpg or tif format, with a maximum of 28x22 cm; • Each digital image should be saved in a different file; • All non-digitalised images should be handed in on paper, sequentially numbered and accompanied by an inscription; • The text should mention the exact location where the image is to be inserted in the following manner: fig.1; fig.2; etc.; • A distinct file should be handed in with the relations between all the images, the respective inscriptions and files that contain the images. exemple: Fig. 1 > Amadeo de Sousa Cardoso – Pintura, 1913 (CAM-FCG) > Foto001.jpg

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283


02.13 créditos das ilustrações • •

No caso de os autores incluírem qualquer material que envolva a autorização de terceiros, é da responsabilidade destes obter a autorização escrita e assumir os seus eventuais encargos. No entanto, excepcionalmente, e a analisar caso a caso, o IHA pode intervir no pedido de autorização assumindo os custos. Os créditos devem ser fornecidos para cada uma das ilustrações do seguinte modo: autor, data, copyright.

03. publicação de recensões 03.1 obra recenseada

• •

If the authors include any material which involves the authorization of others, it is their responsibility to obtain a writing authorization and to take on the costs that it may imply. However, in certain situations to be analysed case-by-case, the IHA may intervene in the authorization by taking on the costs. Credit should be given for each image by this order: author, date, copyright.

03. publishing critiques 03.1 reviewed work

• Deverá ser identificada com: autor, data de edição, título, local de edição e editora. • A citação de outras obras para além da recenseada será feita somente no texto.

• Should be identified in the following way: Author, date of publication, title, place of publication and publisher. • Quotations from other works, besides the one reviewed, should be done in the text.

03.2 tamanho

03.2 size

As recensões não devem exceder as 1000 palavras (aprox. 6500 carac. com espaços).

All critiques should not exceed 1000 words (around 6 500 characters with spaces).

03.3 outras regras

03.3 other rules

As recensões deverão seguir as restantes normas dos artigos, designadamente: 02.1, 02.3, 02.7, 02.8.

The critiques should follow the aforementioned regulations, namely: 02.1, 02.3, 02.7, 02.8.

04. direitos de autor

04. author’s rights

No caso de os autores incluírem nos seus artigos qualquer material que envolva a autorização de terceiros, é da responsabilidade do próprio obter a respectiva autorização por escrito e assumir os eventuais encargos associados a essa autorização. No entanto, em casos excepcionais, e a analisar caso a caso, o IHA pode associar-se ao pedido de autorização com a assunção de encargos.

In case the authors include any material involving a third party, it is entirely his or her own responsibility to acquire its authorization in writing and to assume any costs. However, in exceptional situations to be analysed case-by-case, the Institute of History of Art may intervene in the authorization by taking on the costs.

05. revisões de provas

05. proofreading

O autor receberá provas do seu artigo, de forma a garantir que a versão final a publicar coincida com a submetida a apreciação, não sendo possível alterações substantivas. A revisão final das provas é da responsabilidade do Conselho Editorial, que garante a reprodução fidedigna dos textos.

The author will receive proofs of his or her article to guarantee that the final draft to be published coincides with the article submitted, as substantial alterations are not permitted. The final proofreading is entirely the responsibility of the Publishing Committee, who will guarantee that the reproduction of the texts is faithful to the original.

06. envio dos trabalhos

06. delivery of articles

06.1 material em formato digital

06.1 material in digital format

Todo o material digital deverá ser enviado para: iha@fcsh.unl.pt

All digital material should be sent to the following email: iha@fcsh.unl.pt

06.2 material em formato não digital

06.2 material in non-digital format

Todo o material não digital deverá ser assinado, e enviado para: Instituto de História da Arte – Revista de História da Arte Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Av. de Berna, 26 C · 1069-061 Lisboa · Portugal

All non-digital material should be signed and sent to: Instituto de História da Arte –Revista de História da Arte Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Av. de Berna, 26 C · 1069-061 Lisboa · Portugal

07. selecção e publicação de artigos/recensões

07. selection and publication of articles/critiques

07.1 Todos os artigos/recensões propostos para publicação na Revista de História

07.1 All articles/critiques applied for publication in Revista de História da Arte

da Arte serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial, cujo parecer fundamentará a decisão de publicação. Este poderá, caso entenda necessário, recorrer ao seu conselho de referees, solicitando parecer científico. Em qualquer dos casos, é obrigatoriamente preenchida a “Ficha de Avaliação” (ver Anexo 1).

will undergo an appreciation of the Publishing Committee, upon whose judgement the decision of publication will be based. If necessary, it may resort to its referees committee, which will provide a scientific analysis. In any case, an evaluation sheet (see Appendix 1) must always be filled out.

07.2 Na avaliação, o Conselho Editorial privilegia dos artigos propostos para publicação, a sua originalidade científica.

07.2 During evaluation the Publishing Committee will always favour articles for their scientific uniqueness.

07.3 O Conselho Editorial e a Direcção da Revista de História da Arte reservam-se o direito de proceder à uniformização das referências bibliográficas, bibliografia e a alterações formais, consideradas indispensáveis, sempre que estas não alterem o sentido do texto.

07.3 The Publishing Committee and Board of the Revista de História da Arte are entitled to proceed with the uniformity of bibliographical references, bibliography and formal alterations, considered essential, as long as they do not change the meaning of the text.

07.4 O Conselho Editorial e a Direcção da Revista de História da Arte reservam-se o direito de proceder à: • reprodução, qualquer que seja o suporte • colocação à disposição do público universitário ou outros • divulgação, nas suas várias modalidades: redes digitais, sites... • distribuição e venda de exemplares da obra

07.4 The Publishing Committee and the Board of the Revista de História da Arte are entitled to: • reproduce the work, regardless of format • place the work at the disposal of the academic community and others • disseminate the work, in various ways: digital networks, sites... • distribute and sell copies of the work

07.5 Os autores serão informados no prazo de 3 meses, qual a data da publicação.

07.5 Authors will be informed of the date of publication in the space of 3 months.

07.6 Após a publicação, cada autor receberá um exemplar da revista.

07.6 After publication, each author will receive a copy of the magazine. Authors of articles will receive 30 addendums of their article. •

Para os autores de artigos receberão ainda 30 separatas dos mesmos. •

284

02.13 credit for the images

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anexo 1

appendix 1

Ficha de Avaliação das proposta de artigos a ser preenchida pelos membros do Conselho Editorial e/ou do Conselho de Referees internacional, em face das respectivas especialidades.

Evaluation sheet for any proposal of articles to be filled out by the members of the Publishing Committee and/or the International Referees Committee, in regards to their respective specialities.

título do artigo

title of article

recepção do original envio ao referee código de referee

reception of the original sent to referee referee code

01. O artigo cabe no âmbito de um número da revista Revista de História da Arte centrado nas questões metodológicas? Sim Não

01. Does the article fall under a number of the Revista de História da Arte, focusing on the methodological questions? Sim Não

02. O artigo parece-lhe: Publicável na forma actual Publicável com ligeiras modificações Publicável se for refeito Não publicável 03. O artigo é: Demasiado longo (indicar onde deve ser encurtado) Demasiado curto (indicar onde deve ser desenvolvido) Apropriado 04. Apresentação do artigo: Estrutura Bibliografia

02. Does the article seem: Publishable in its current form Publishable with some minor modifications Publishable if it is rewritten Not publishable 03. The article is: Too long (indicate where it can be shortened) Too short (indicate where it should be more elaborated) Appropriate 04. Article’s presentation Structure Bibliography

05. Conteúdo do artigo (utilizar uma folha anexa, inserindo sugestões ao(s) autor(es), recorrendo, se necessário, a alguns dos tópicos seguintes): • Tema, novidade, pertinência • Revisão do estado da questão • Teoria (domínio pelo(s) autor(es), confronto teórico, problematização, profundidade, etc.) • Metodologia (formulação do problema, delimitação do objecto, modelos, hipóteses, estratégias de investigação, procedimentos, definição de conceitos, tratamento de dados,desenvolvimento da análise, fundamentação das conclusões, etc.) • Dados empíricos (sustentação da análise, fontes, informação seleccionada) • Exposição (planos, equilíbrio, sequências, concisão) • Sugestões pontuais (feitas a lápis no texto original) 06. Comentários (não assinados)

05. Article’s content (use a sheet as attachment and insert suggestions to the author(s), by using some of the following topics if necessary): • Theme, novelty, relevance • Review of the state of the theme • Theory (the author’s grasp of the subject, theoretical confrontation, questioning, depth, etc.) • Methodology (problem formulation, object delimitation, models, hypothesis, investigative strategies, procedures,

definition of concepts, treatment of data, development of the analysis, validity of the conclusions, etc.) • Empirical data (analysis support, sources, selective information) • Exposition (plans, balance, sequences, conciseness) • Suggestions (written in pencil on the original text) 06. Remarks (not signed) •

r e v i s ta d e h i s t ó r i a d a a r t e n º 6 - 2 0 0 8

285


Mosaicos / Mosaics Rabaçal

CICLO DE PALESTRAS INTERNACIONAL

ARQUITECTURA, MOSAICOS E SOCIEDADE DA ANTIGUIDADE TARDIA E BIZANTINA A OCIDENTE E ORIENTE. ESTUDOS E PLANOS DE SALVAGUARDA 11 A 13 DE JULHO DE 2008 LISBOA / MÉRTOLA / RABAÇAL Organização

Apoio

Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/UNL

Fundação Calouste Gulbenkian, Campo Arqueológico de Mértola, Câmara Municipal de Penela, Câmara Municipal de Mértola, Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, Associação de Amigos da Villa Romana do Rabaçal, Fundação para a Ciência e a Tecnologia e Terras de Sicó - Associação de Desenvolvimento

FCTUC DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA TERRA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FCT

Fundação para a Ciência e Tecnologia MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR

Grafismo: pauloemiliano


ficha de assinatura revista de história da arte Assinatura 1 ano (2 números) = 25 €

Para receber em casa as duas próximas edições da Revista de História da Arte, preencha este formulário com os seus dados e junte um cheque* no valor total de 25 € **.

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Instituto de Hist贸ria da Arte Faculdade de Ci锚ncias Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa


Revista de História da Arte N.6 2008

O Mosaico

instituto de história da arte faculdade de ciências sociais e humanas · universidade nova de lisboa

na Antiguidade Tardia iss n 16 46 -17 6 2

avenida de berna, 26 c 1069-061 lisboa tel. 217 908 300 · ext. 1540 e-mail iha@fcsh.unl.pt 09h00-12h30 · 13h30-18h00

A Revista de História da Arte é uma revista académica de teoria e história da arte portuguesa e suas articulações internacionais, publicada pelo Instituto de História da Arte. Destina-se predominantemente à comunidade científica e académica, incluindo professores, investigadores e estudantes. Cada número da Revista de História da Arte é dedicado a um tema específico, tratado em artigos originais. No entanto, cada número dispõe de secções abertas a outros domínios temáticos: Recensões, Varia e Notícias.

D

ando continuidade à linha programática da Revista de História da Arte no sentido de publicar Conferências de Cursos Livres e de

Encontros Científicos realizados no âmbito das actividades do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências à estampa os textos das Comunicações proferidas no Ciclo Internacional de Palestras sobre “Arquitectura, Mosaicos e Sociedade da Antiguidade Tardia e Bizantina a Ocidente e Oriente. Estudos e planos de salvaguarda”, Congresso que teve lugar em Lisboa, Mértola e Rabaçal (Penela) nos dias 11, 12 e 13 de Julho de 2008, numa realização conjunta do Instituto de História da Arte e da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo (APECMA).

n.2 2006

n.3 2007

N.6

2008

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

direcção (fcsh/unl) M. Justino Maciel Raquel Henriques da Silva

secretariado Ana Paula Louro Hugo Xavier

conselho científico e editorial (fcsh/unl) Carlos Moura José Custódio Vieira da Silva Manuel Justino Maciel Maria Adelaide Miranda Rafael Moreira Raquel Henriques da Silva

edição Instituto de História da Arte

conselho científico externo Etelvina Fernández González (Universidade de León, Espanha) Fernando Acuna Castroviejo (Univ. de Santiagode Compostela, Espanha) Hellmut Wohl (Universidade Boston, EUA) Joaquin Yarza Luaces (Univ. Autónoma de Barcelona, Espanha) Luís Moura Sobral (Universidade de Montreal, Canadá) Mário Henrique D’Agostino (Universidade de São Paulo, Brasil) Ramón Rodrigues Llera (Universidade de Valladolid, Espanha) Thomas Noble Howe (Southwestern University, EUA)

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dão-se

n.1 2005

Ficha Técnica

tradução Michelle Nobre

n.4 2007

concepção gráfica e paginação Rita Palla impressão e acabamentos Heragráfica, artes gráficas lda. tiragem 1 000 exemplares depósito legal 227 341/05 issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte © foto de capa: Milreu. “Edifício de Culto”. Cabeça de golfinho. Fotografia de Theodor Hauschild Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL

Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade

iss n 1 6 4 6 -1 7 6 2

de Ciências Sociais e Humanas, UNL

D

N.5

2008

direcção (fcsh/unl)

Ramón Rodrigues Llera

M. Justino Maciel

(Universidade de Valladolid, Espanha)

Raquel Henriques da Silva

Thomas Noble Howe

conselho científico

(Southwestern University, EUA)

e editorial (fcsh/unl)

tradução

Carlos Moura

Michelle Nobre

José Custódio Vieira da Silva

secretariado

e acordo com a linha programática da

Manuel Justino Maciel

Ana Paula Louro

Revista de História da Arte, o seu nº 5, recolhe a maioria das conferências que

Maria Adelaide Miranda

edição

Rafael Moreira

Instituto de História da Arte

Raquel Henriques da Silva

concepção gráfica

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

estruturaram o XI Curso Livre do Instituto de História da Arte, consagrado à temática do Retrato que decorreu, com assinalável sucesso, em 2007.

conselho científico externo

e paginação

Etelvina Fernández González

Rita Palla

(Universidade de León, Espanha)

impressão e acabamentos

Como também é marca distintiva dos nossos cursos

Fernando Acuna Castroviejo

Heragráfica, artes gráficas lda.

livres, a temática do retrato foi tratada numa crono-

(Universidade de Santiago

tiragem

logia extensiva, da Antiguidade Romana em Portugal,

de Compostela, Espanha)

1 000 exemplares

passando pela Idade Média, percorrendo o Renasci-

Hellmut Wohl

depósito legal

(Universidade Boston, EUA)

227 341/05

mento e o Barroco para terminar nos tempos mais

Joaquin Yarza Luaces

próximos, do século XIX aos nossos dias. Cumprimos

(Universidade Autónoma

também outro dos traços da nossa actuação: tivemos

de Barcelona, Espanha)

conferências de docentes do Departamento de His-

Luís Moura Sobral

tória da Arte e de alguns dos nossos discípulos, mas,

(Universidade de Montreal, Canadá)

sobretudo, de colegas que trabalham noutras Univer-

Mário Henrique D’Agostino

sidades ou Institutos Politécnicos (Universidade Aber-

(Universidade de São Paulo, Brasil)

issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte

ta, Universidade de Coimbra, Universidade Católica, Instituto Politécnico de Tomar) e do Museu Nacional de Arte Antiga, com quem mantemos relacionamentos

Agradecimentos

pessoais e institucionais que são um dos mais estimuem Portugal.

ap o i o s

Câmara Municipal de Lisboa – Direcção Geral de Arquivos; Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas; Museu da Cidade – Divisão de Museus; Fundação da Casa de Bragança; Fundação para a Ciência e a Tecnologia; Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Palácio Nacional de Mafra; Relógio d’Água.

O Retrato

lantes sinais do excelente estado da história da arte

apo i o s / pat ro cí n i o s

O Mosaico

Revista de História da Arte N.5 2008 Ficha Técnica

O Retrato

A edição nº5 da Revista de História da Arte foi apoiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela Direcção-Geral do Livros e das Bibliotecas (DGLB). A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.

N.5 2008

n.5 2008

N.6 20 0 8

Agradecimentos Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Museo Nacional de Arte Romano, Mérida; Museo Arqueológico de Córdova. A edição nº6 da Revista de História da Arte foi apoiada pelas seguintes Instituições: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação Millennium bcp, Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC. A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.


Revista de História da Arte N.6 2008

O Mosaico

instituto de história da arte faculdade de ciências sociais e humanas · universidade nova de lisboa

na Antiguidade Tardia iss n 16 46 -17 6 2

avenida de berna, 26 c 1069-061 lisboa tel. 217 908 300 · ext. 1540 e-mail iha@fcsh.unl.pt 09h00-12h30 · 13h30-18h00

A Revista de História da Arte é uma revista académica de teoria e história da arte portuguesa e suas articulações internacionais, publicada pelo Instituto de História da Arte. Destina-se predominantemente à comunidade científica e académica, incluindo professores, investigadores e estudantes. Cada número da Revista de História da Arte é dedicado a um tema específico, tratado em artigos originais. No entanto, cada número dispõe de secções abertas a outros domínios temáticos: Recensões, Varia e Notícias.

D

ando continuidade à linha programática da Revista de História da Arte no sentido de publicar Conferências de Cursos Livres e de

Encontros Científicos realizados no âmbito das actividades do Instituto de História da Arte da Faculdade de Ciências à estampa os textos das Comunicações proferidas no Ciclo Internacional de Palestras sobre “Arquitectura, Mosaicos e Sociedade da Antiguidade Tardia e Bizantina a Ocidente e Oriente. Estudos e planos de salvaguarda”, Congresso que teve lugar em Lisboa, Mértola e Rabaçal (Penela) nos dias 11, 12 e 13 de Julho de 2008, numa realização conjunta do Instituto de História da Arte e da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação do Mosaico Antigo (APECMA).

n.2 2006

n.3 2007

N.6

2008

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

direcção (fcsh/unl) M. Justino Maciel Raquel Henriques da Silva

secretariado Ana Paula Louro Hugo Xavier

conselho científico e editorial (fcsh/unl) Carlos Moura José Custódio Vieira da Silva Manuel Justino Maciel Maria Adelaide Miranda Rafael Moreira Raquel Henriques da Silva

edição Instituto de História da Arte

conselho científico externo Etelvina Fernández González (Universidade de León, Espanha) Fernando Acuna Castroviejo (Univ. de Santiagode Compostela, Espanha) Hellmut Wohl (Universidade Boston, EUA) Joaquin Yarza Luaces (Univ. Autónoma de Barcelona, Espanha) Luís Moura Sobral (Universidade de Montreal, Canadá) Mário Henrique D’Agostino (Universidade de São Paulo, Brasil) Ramón Rodrigues Llera (Universidade de Valladolid, Espanha) Thomas Noble Howe (Southwestern University, EUA)

Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dão-se

n.1 2005

Ficha Técnica

tradução Michelle Nobre

n.4 2007

concepção gráfica e paginação Rita Palla impressão e acabamentos Heragráfica, artes gráficas lda. tiragem 1 000 exemplares depósito legal 227 341/05 issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte © foto de capa: Milreu. “Edifício de Culto”. Cabeça de golfinho. Fotografia de Theodor Hauschild Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, UNL

Publicação Semestral do Instituto de História da Arte, da Faculdade

iss n 1 6 4 6 -1 7 6 2

de Ciências Sociais e Humanas, UNL

D

N.5

2008

direcção (fcsh/unl)

Ramón Rodrigues Llera

M. Justino Maciel

(Universidade de Valladolid, Espanha)

Raquel Henriques da Silva

Thomas Noble Howe

conselho científico

(Southwestern University, EUA)

e editorial (fcsh/unl)

tradução

Carlos Moura

Michelle Nobre

José Custódio Vieira da Silva

secretariado

e acordo com a linha programática da

Manuel Justino Maciel

Ana Paula Louro

Revista de História da Arte, o seu nº 5, recolhe a maioria das conferências que

Maria Adelaide Miranda

edição

Rafael Moreira

Instituto de História da Arte

Raquel Henriques da Silva

concepção gráfica

fac u l da d e d e c i ê n c i a s s o c i a i s e h u m a n a s – u n l

estruturaram o XI Curso Livre do Instituto de História da Arte, consagrado à temática do Retrato que decorreu, com assinalável sucesso, em 2007.

conselho científico externo

e paginação

Etelvina Fernández González

Rita Palla

(Universidade de León, Espanha)

impressão e acabamentos

Como também é marca distintiva dos nossos cursos

Fernando Acuna Castroviejo

Heragráfica, artes gráficas lda.

livres, a temática do retrato foi tratada numa crono-

(Universidade de Santiago

tiragem

logia extensiva, da Antiguidade Romana em Portugal,

de Compostela, Espanha)

1 000 exemplares

passando pela Idade Média, percorrendo o Renasci-

Hellmut Wohl

depósito legal

(Universidade Boston, EUA)

227 341/05

mento e o Barroco para terminar nos tempos mais

Joaquin Yarza Luaces

próximos, do século XIX aos nossos dias. Cumprimos

(Universidade Autónoma

também outro dos traços da nossa actuação: tivemos

de Barcelona, Espanha)

conferências de docentes do Departamento de His-

Luís Moura Sobral

tória da Arte e de alguns dos nossos discípulos, mas,

(Universidade de Montreal, Canadá)

sobretudo, de colegas que trabalham noutras Univer-

Mário Henrique D’Agostino

sidades ou Institutos Politécnicos (Universidade Aber-

(Universidade de São Paulo, Brasil)

issn 1646-1762 Preço de venda ao público 15,00 € (5% de IVA incluído) © Copyright 2008 Autores e Instituto de História da Arte

ta, Universidade de Coimbra, Universidade Católica, Instituto Politécnico de Tomar) e do Museu Nacional de Arte Antiga, com quem mantemos relacionamentos

Agradecimentos

pessoais e institucionais que são um dos mais estimuem Portugal.

ap o i o s

Câmara Municipal de Lisboa – Direcção Geral de Arquivos; Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas; Museu da Cidade – Divisão de Museus; Fundação da Casa de Bragança; Fundação para a Ciência e a Tecnologia; Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Palácio Nacional de Mafra; Relógio d’Água.

O Retrato

lantes sinais do excelente estado da história da arte

apo i o s / pat ro cí n i o s

O Mosaico

Revista de História da Arte N.5 2008 Ficha Técnica

O Retrato

A edição nº5 da Revista de História da Arte foi apoiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pela Direcção-Geral do Livros e das Bibliotecas (DGLB). A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.

N.5 2008

n.5 2008

N.6 20 0 8

Agradecimentos Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC; Instituto dos Museus e da Conservação; Museu Nacional de Arqueologia; Museo Nacional de Arte Romano, Mérida; Museo Arqueológico de Córdova. A edição nº6 da Revista de História da Arte foi apoiada pelas seguintes Instituições: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação Millennium bcp, Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas/MC. A Revista de História da Arte encontra-se indexada no catálogo Internacional Latindex.


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