“O Erro de Descartes” de António Damásio Capitulo um – Consternação em Vermont Reflexão José Manuel da Mota Leite
INTRODUÇÃO A História de Phineas Gage É uma história interessante, uma vez que para além deste sujeito ter sofrido um grave acidente e sobrevivido, as consequências e repercussões deste acidente prevaleceram até à sua morte, e representaram o nascer, o despertar de um novo homem, com características distintas das iniciais, em determinados aspectos. Este caso leva-nos a pensar na dinâmica de funcionamento do cérebro e da sua relação ou inter-relação com o corpo, o físico, o palpável e o sublime imaginário, a mente, a alma, o espírito. Devo salientar que a área do cérebro e as suas implicações no desenvolvimento e manifestação do pensamento, razão, emoção e sentimento representam uma área interessante passível de despertar o interesse, entusiasmo, reflexão e percepção de um problema cuja compreensão
contribui
muito
directamente
para
um
melhor
entendimento da vida em Sociedade.
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REVISÃO DA LITERATURA O interveniente desta história era um homem novo, 25 anos, atlético, robusto, com movimentos decididos e precisos, movendo-se com vigor e graciosidade, capaz de tomar decisões coerentes na gestão do trabalho e na projecção de um futuro equilibrado e controlado contextualizado e integrado num meio social. Após o acidente que destruiu parte do seu cérebro, zona pré-frontal, Harlow (médico de Gage) referiu que “… o corpo de Gage pode estar vivo e são, mas tem um novo espírito a animá-lo… o Equilíbrio entre as suas faculdades intelectuais e as suas propensões animais fora destruído”. Muitos comportamentos associados às relações sociais são controlados pelo lobo frontal, que está localizado na parte mais anterior dos hemisférios cerebrais. Todos os primatas sociais desenvolveram bastante o cérebro frontal, e a espécie humana tem o maior desenvolvimento de todos. Existem muitos exemplos de pessoas que adquiriram personalidades sociopáticas devidas quer a lesões patológicas do cérebro quer a tumores. António Damásio defende que não há separação entre a mente e o corpo. A mente tem uma base biológica, a mente e o cérebro constituem uma realidade única. Para Damásio o pensamento racional exige o contributo das emoções e dos sentimentos: um indivíduo não consegue decidir racionalmente quer em relação a si quer em relação aos outros. O Lobo Frontal relaciona-se com a regulação e inibição de comportamentos e a formação de planos e intenções. As alterações provocadas no lobo frontal têm como consequência dificuldades de atenção, concentração e motivação, aumento da impulsividade e da desinibição, perda do autocontrole, dificuldades em reconhecer a culpa, desinibição sexual, dificuldade de
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avaliação das consequências das acções praticadas, aumento do comportamento agressivo e aumento da sensibilidade ao álcool (sintomas positivamente correlacionados com o comportamento criminoso), bem como incapacidade de aprendizagem com a experiência (sintoma correlacionado positivamente com a elevada incidência de recidivas entre alguns tipos de criminosos). A nível cognitivo, o córtex pré-frontal está implicado no comportamento dirigido a objectivos – a área dorsal à aplicação de regras, à criação de sequências de comportamento e à formulação de planos de acção; a área orbital à motivação e adequação de comportamentos (modificação ou supressão de respostas quando se mudam as circunstâncias). Ambas as áreas referidas estão envolvidas na memória de trabalho. Lesões do córtex dorsolateral pré-frontal estão associadas a alterações da atenção e a instabilidade afectiva; lesões do córtex orbitofrontal a dificuldades na mudança de estratégia conforme as situações e a desinibição; lesões da área subgenual (cíngulo anterior) a respostas autonómicas anómalas a estímulos emocionais e à incapacidade de sentir emoções normais. Quando o córtex da Área Pré-Frontal é lesado, o indivíduo perde o senso das suas responsabilidades sociais, bem como a capacidade de concentração e de abstracção. Em alguns casos, o indivíduo mantém intactas a consciência e algumas funções cognitivas, como a linguagem, mas não consegue resolver funções elementares.
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CONCLUSÃO Após alguma leitura científica na área da manifestação da razão e das implicações consequentes de alterações morfológicas e estruturais no cérebro, considero importante perceber o mapa cerebral e as divisões estruturais actuais, assim como a função desempenhada e controlada por certa área cerebral. Tudo para procurar entender a origem das alterações comportamentais de Gage numa perspectiva funcional e neurológica. Gage após perder massa encefálica fica com desvios de personalidade que o tornam uma pessoa diferente, uma nova pessoa com comportamentos inaceitáveis pela Sociedade. Descartes dividia a mente (res cogitans) e o corpo (res extensa) como entidades independentes e posicionando a mente numa posição superior e que justifica a existência de uma entidade espacial, palpável, divisível e inferior que é o corpo. Porém Gage mostra-nos que alterações morfo-fisiológicas e estruturais no cérebro têm implicação directa na alteração de comportamento e tomada de decisões, o que nos leva a crer que a relação corpo/mente e mente/corpo é uma relação de inter-comunicação bidireccional. Gage apresentava ausência parcial ou total de estabilidade emocional e racional na tomada de decisões. Tudo indicava que este homem, outrora racional e civilizado, não tinha a total consciência do seu actual estado comportamental, pelo que a falta de “comunicação” estável entre todas as partes do cérebro responsáveis pela tomada de decisões, percepções
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manifestação de comportamentos incongruentes. Damásio defende a teoria de que o sentimento e as emoções são indispensáveis à tomada de decisões correctas. A valorização da emoção como determinante da capacidade de decisão deriva, em parte, da observação e do estudo do caso de Gage. Neste aspecto sou da opinião de que todos nós passamos por situações pontuais e por vezes crónicas que alteram o estado da nossa mente, a nossa maneira de pensar, sentir, reagir e decidir. Falo de alterações hormonais, perturbações de sono, alimentação, alterações endocrinológicas, ergogénicas, patológicas e não necessariamente lesões traumáticas. No decorrer de um dia podemos assumir atitudes que não se enquadram num padrão de comportamento já assumido e definido como estável. A simples recepção de uma má notícia pode despoletar uma cadeia de interacções bioquímicas, metabólicas e fisiológicas passíveis de produzir um comportamento instável ou ate estável, porém diferente e inesperado. O uso de estupefacientes altera a consciência e a compreensão do espaço envolvente e facilita a criação de novos mundos, no domínio do virtual com alguma, senão muita, falta de coerência e estabilidade, que se pode tornar num estado irreversível e passível de desencadear doenças mentais latentes. As funções psicofisiológicas são alteradas, suprimidas, estimuladas ou de alguma outra forma modificadas. Existem desportos radicais que provocam uma descarga de adrenalina no organismo que os seus praticantes experimentam estados alterados de consciência. Certas actividades físicas levam o corpo a produzir endorfinas, um tipo de morfina de natural e espontânea no organismo
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humano que promovem a sensação de bem-estar e de um “high” tal que as emoções e sensações se alteram e manifestam mutações do estado mental influenciando a forma de vida e de tomada de decisões. Um trauma, uma violação, violência física/emocional, medos, receios e estados ansioliticos podem derivar em perturbações de comportamento potenciadoras de uma mudança radical de atitudes e valores. É imperativo referir que grandes “mentes”, sobre a influência de psicotrópicos, opiáceos e álcool atingiram níveis elevados de coerência e virtude mental capaz de gerar, descobrir e constatar, com uma clarividência quase divina, factos e princípios ocultos do olhar humano. Neste sentido concluo que as alterações de traços de personalidade podem ter na sua origem alterações estruturais cerebrais sem que haja a perda de massa encefálica via traumatismo. É importante alargar conhecimentos nesta área para melhor entender, perceber e actuar com coerência no nosso dia-a-dia. A racionalidade está interdependente das emoções e “negoceiam” as tomadas de decisões. Não há divisão entre corpo e mente, há sim uma relação complexa de factores neuro-psico-biológicos que se manifestam no nosso comportamento.
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Bibliografia: Alexandre et all. Novos Dados na Relação entre Córtex Pré-frontal e Doença Bipolar. Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca. Damásio, A. 2009. O Erro de Descartes. 25ª Edição. Publicações EuropaAmérica http://www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/texto9.htm http://www.psiqweb.med.br/cursos/neurofisio.html
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