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Potiguara: uma escritora que corre o mundo
Bienais do Livro, atividades e palestras do Sesc, universidades e escolas Brasil afora.
Entre as obras de Eliane Potiguara, destacam-se “A Terra é Mãe do Índio” (1989), “Metade Cara, Metade Máscara” (2004), os infantojuvenis “O Coco que Guardava a Noite” (2004), “O Pássaro Encantado” (2014) e “A Cura da Terra” (2015), além da cartilha de alfabetização Akajutibiro: “Terra do Índio Potiguara” (2004). Segundo a autora, livros que são retratos de vivências próprias: “Eu conto na minha literatura as dores dos povos indígenas, das nossas avós, tataravós, da nossa ancestralidade.
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As obras de Eliane têm o poder de ajudar a explicar o Brasil. Pois trata-se de uma literatura de conscientização, de reflexão, que leva a população a pensar e, mais que isso, fazer com que a sociedade brasileira tenha empatia pela questão indígena. Reconhecer que os povos indígenas são os primeiros povos do país, as primeiras nações, os primeiros povos étnicos que aqui já estavam.
Quando Pedro Alvares Cabral chegou ao Brasil, classificou de forma impositiva a população já existente, os chamou de índio. “O povo que ficou tinha vergonha de ser indígena, porque ser indígena era e ainda é, sinônimo de racismo, de não ter oportunidade para estudo de não ter oportunidade para trabalhar, não ter oportunidade para nada”, afirma Eliane.
Produção literária de Eliane Potiguara
Conhecer a produção literária indígena é um caminho necessário para transformação social. Listamos algumas das obras de Eliane Potiguara para você se aprofundar:
‘Metade Cara, Metade Máscara’
Fala de amor, de relações humanas, paz, identidade, histórias de vida, mulher, ancestralidade e famílias. É uma mensagem para o mundo, uma vez que descreve valores contidos pelo poder dominante e, quando resgatados, submergem o self selvagem, a força espiritual, a intuição, o grande espírito, o ancestral, o velho, a velha, o mais profundo sentimento de reencontro de cada um consigo mesmo, reacendendo e fortalecendo o eu de cada um, contra uma auto-estima imposta pelo consumismo, imediatismo e exclusões social e racial ao longo dos séculos. A obra já está em sua terceira edição.
“Sou mulher, escritora, poeta, ativista, professora, empreendedora, contadora de histórias, mãe, avó, de origem étnica Potiguara”. Para a escritora, a educação sobre a diversidade deve ser estimulada desde a infância. CLEIDE SANTOS
As culturas indígenas têm sido transmitidas e preservadas por meio de tradições orais há milhares de anos. Graças ao acesso à literatura brasileira, a presença de escritores indígenas tem sido fundamental para a preservação da memória histórica e social de povos tradicionais. O inevitável contato entre os povos originários e o “branco” colonizador trouxe inúmeros prejuízos a valorização cultural desses povos. Somente a história contada diretamente pelos povos tradicionais pode efetivamente estruturar a luta antirracista.
Uma conversa com Eliane Potiguara, uma das pioneiras na escrita indígena no Brasil, nos faz refletir o tamanho do prejuízo que os povos tradicionais tiveram em suas culturas.
Eliane Potiguara, 72, nasceu na cidade do Rio de Janeiro. É Considerada a primeira escritora indígena do Brasil. Recebeu em dezembro de 2021, o título de doutora “honoris causa”, do Conselho Universitário (Consuni), órgão máximo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi nomeada Embaixadora Universal da Paz em Genebra, em 2011. Eliane tem participação em centenas de seminários, Feiras literárias,
Os escritores originários têm o poder de quebrar as classificações coloniais através de suas obras. Assegurados na Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, Eliane aponta a importância do documento, porque foi escrito a partir de depoimento de milhares de povos indígenas do mundo inteiro.
Para a escritora, a necessidade de comunicação e da visibilidade da literatura originaria é de extrema importância para a população, pois muitos autores se apropriam da literatura indígena mesmo sem conhecer a realidade dos povos tradicionais. “Escritores como José de Alencar e Gonçalves Dias contam em suas obras uma história de forma romantizada. Daí se dá a necessidade de nos colocarmos no papel de escritores da realidade dos povos indígenas. Eu sou uma escritora pensadora, eu mobilizo a população a refletir sobre a questão indígena, sobre o racismo”, declara Eliane.
“Minha militância sempre foi rebuscada com a literatura. Eu faço política, mas vou fazendo também os meus poemas”, resume a escritora e ativista.
A escrita indígena conscientiza sobre a importância de se trabalhar a educação da população desde a infância, trazendo a real história escrita por povos tradicionais. Assim, levando a sociedade a se envolver na luta pela cidadania e dignidade dos povos originários, respeitando as expressões, a espiritualidade, as línguas e as culturas dos povos indígenas.
A cura da terra
Moína é uma menina muito curiosa, de origem indígena, e que adora se aconchegar nos braços da avó para ouvir histórias. Ela quer entender o sentido de sua vida, as suas transformações. Mas uma história em especial revelará à menina o sofrimento pelo qual seu povo passou, as descobertas e a sabedoria de seus ancestrais e como conseguiram a Cura de um de seus bens mais preciosos: a terra.
A coleção Tembetá traz as trajetórias e as reflexões de grandes pensadores indígenas, em livros que reúnem ensaios, depoimentos e entrevistas. A homenageada deste volume é Eliane Potiguara, precursora da luta pelos direitos das mulheres indígenas e do movimento de literatura indígena.
O PROCESSO DA ESCRITA
Para viver o sonho: o processo de se tornar um escritor não é fácil. Os autores Zezinho, João Ribeiro e João Marcos rememoram desafios e dificuldades para conseguir realizar o sonho de se tornarem escritores
Cada caminho é único, assim como cada escritor e suas obras.
A caminhada até a linha de chegada nem sempre é fácil. O mundo da escrita pode parecer utópico para quem vê de fora, mas, para quem se aventura, muitos são os desafios.
Diferente de muitas profissões, não existe um curso específico que forme escritores. Qualquer pessoa que queira pode se tornar um. Esse é um sonho que às vezes nasce ainda na infância, mas também pode surgir na adolescência ou na fase adulta.
Ser escritor era um sonho para José Conceição da Silva, ou Zezinho, como é popularmente conhecido, que ele conseguiu realizar. “Eu sempre tive vontade de escrever, desde a minha infância eu lia muito cordel.
Não só cordel, mas qualquer escrito e passei a sonhar em ser um escritor”.
O primeiro livro de Zezinho é conhecido pelo título de “A lendária história de Joaquim na Mata”. A ideia surgiu quando ele chegou à cidade de Arame, que fica na região de Grajaú, no Maranhão. No local, contava-se a história de Joaquim, um homem muito mentiroso e engraçado que adorava contar histórias. Zezinho ficou interessado e perguntou se havia algo escrito sobre o homem, como disseram que não, ele resolveu transformar os contos de Joaquim em seu primeiro livro. “Fiz algumas pesquisas a respeito, conversei com familiares do Joaquim, com vizinhos e escrevi meu livro de cordel”.
Zezinho é também professor de Literatura e Língua Portuguesa, o que contribuiu na realização do sonho de se tornar um escritor. Hoje, com 58 anos, já possui dois livros lançados e está trabalhando em um terceiro. O percurso foi trabalhoso, mas gratificante, segundo ele. Dentre as dificuldades, a questão financeira tem sido um dos maiores desafios, principalmente para quem deseja publicar de forma independente. “Foi muito desafiador, a questão financeira foi bem complicada. Foi difícil juntar dinheiro para pagar a revisão. A capa eu idealizei, mas quem fez o design foi outra pessoa. Tive despesa com frete também, mas o importante é não desistir. Eu sonhei muito e achava quase impossível”.
Escrever para um grande público torna qualquer escritor passivo a críticas. Esse é mais um desafio para muitos escritores. Embora alguns lidem bem ou nem se importem com elas, como é o caso de José Ribeiro, escritor e fundador da Academia João-Lisboense de Letras (AJL). Ele revela que o desejo de ser escritor surgiu na adolescência e que o amor pela escrita é mais importante que qualquer crítica. “É aquela história, escrevo por prazer não é por interesse econômico, nem por fama. É mais pela questão de passar conhecimento, pode ser que hoje leiam cinco pessoas
“Desde então não parei mais, escrevi vários livros, inclusive um livroreportagem de Conclusão de Curso. Me inspirei muito em contos de fadas, sempre fui apaixonado” e daqui a cem anos ele seja referência, de certa forma, a visão aqui é de futuro”.
Para José Ribeiro, talvez o único problema seja fazer com que as pessoas se acostumem a ler livros com mais de duzentas páginas. O problema citado pelo escritor é também identificado em pesquisas como a realizada pelo Instituto Pró-Livro. O estudo conduzido nos três últimos meses de 2019 mostrou que o brasileiro leu por completo, em média, 1,05 livros nesse período. Entre os que se dizem leitores, a quantidade sobe para 2,04.
O hábito da leitura é fundamental para formar escritores. Este é o caso do escritor João Marcos, apaixonado pela escrita e pela leitura desde criança. Ele começou devagar, primeiro escreveu contos. E aos 14 anos concluiu seu primeiro livro. “Foi mais ou menos com nove anos de idade, eu assistia muitos desenhos, contos de fadas e outros, e foi quando pensei que poderia construir minhas próprias histórias. A primeira história que eu produzi foi um conto chamado “Verdadeira história do pequeno polegar”, algo bem de criança mesmo. Com catorze anos, no Ensino Médio, eu tive a ideia de criar um livro de fantasia, que se chama “O círculo de fogo”. Desde então não parei mais, escrevi vários livros, inclusive um livro-reportagem de Conclusão de Curso. Me inspirei muito em contos de fadas, sempre fui apaixonado”.
Para o escritor, é fundamental não perder nenhuma oportunidade. “Existem várias oportunidades que podem ser abraçadas e assim construir um público aos poucos. (...) Também estar atento às oportunidades, como por exemplo, publicar em jornais, publicação em revistas e editais de fomento”.
João Marcos, além de escritor, é também jornalista formado pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), o que o ajudou muito a melhorar a sua escrita e o desenvolvimento de técnicas. Mesmo apaixonado por textos jornalísticos, é o gênero fantasia o que mais lhe fascina, embora pretenda escrever sobre tudo. “Penso em uma escrita mais versátil, eu não preciso me desvincular da fantasia, que é o meu gênero principal, que já trabalho há muitos anos. E sim, posso escrever outros gêneros. Com a graduação vi, por exemplo, que posso escrever textos jornalísticos, livros-reportagens. Eu sou apaixonado. Gosto bastante dessas produções jornalísticas, mas enquanto não surge uma pauta boa, sigo escrevendo fantasias, que é onde sempre gostei de estar”, finaliza.
A escolha do gênero antes da construção do livro facilita o trabalho do escritor e ajuda o público alvo a encontrar os livros que lhe são úteis. Dessa forma, cria-se pontes de interesse entre leitores e as obras.