Cinema IMS-RJ - Folheto Junho/2012

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FAUSTO

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INSTITUTO MOREIRA SALLES

| CINEMA

| JUNHO 2012


QUATRO NOTAS INTRODUTÓRIAS PARA VER FAUSTO COMO O INFERNO DE FAUSTO

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JOSÉ CARLOS AVELLAR

1. A treva menos negra que a luz Da sexta-feira 15 ao sábado 23 o cinema do Instituto Moreira Salles exibe o ciclo Fausto como o inferno de Fausto

Veja: (Siehe:), diz o primeiro letreiro. Estão abertos os portões das trevas (Aufgetan sind die Pforten der Finsternis), diz o segundo. Só então aparecem as primeiras imagens: um jogo abstrato de luz e sombra sobre uma fumaça densa. Uma figura, como se fosse luz sem sombra alguma, e outra, como se fosse sombra sem luz alguma, apontam para a aula em que Fausto define para seus alunos a maior de todas as maravilhas que existem entre o céu e a terra: “a liberdade de escolher entre o bem e mal”. Assim começa o Fausto de Friedrich Wilhelm Murnau, filme alemão de 1926, adaptação do poema dramático de Johann Wolfgang von Goethe. Para Lote Eisner, “o exemplo mais notável do claro-escuro alemão”. No décimo sétimo capítulo de A tela demoníaca (L‘écran démoniaque, Bonne, Paris, 1952) ela observa que “a densidade caótica das primeiras imagens, a luz que surge das trevas, os raios que cruzam o ar opaco, a fuga visual orquestrada por um órgão que ressoa no espaço, são de cortar o fôlego. A capa do demônio encobre tudo ou se trata de uma nuvem gigantesca sobre a cidade? As trevas do demônio caem pesadas sobre a luz divina?” De um certo modo, uma transposição para o cinema das “trêmulas visões que surgem das nuvens e das trevas” da Dedicatória do Fausto de Goethe. De certo modo, para Eisner, uma transposição da clássica gravura feita por Rembrandt em 1652: “No gabinete de trabalho de Fausto, a mesma luz nebulosa e flutuante do começo (...) as formas são entrevistas numa bruma suavemente iluminada e com uma certa opacidade. A luz de Murnau parece com a que cai sobre o Fausto na gravura de Rembrandt”: De pé diante da mesa de trabalho, o homem olha para o disco de luz que entra pela janela. No centro do disco, uma inscrição de significado desconhecido: INRI ADAM TE DAGERAM AMRTET ALGAR ALGASTNA. A mão entrevista um pouco abaixo do disco luminoso aponta para algo semelhante a um espelho oval. Sobre a mesa, livros, papéis e um globo terrestre. Ao fundo, quase oculto pela cortina e pela pouca luz, um crânio.

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A mesma luz de Rembrandt, diz Lotte Eisner, “mas a do filme não vem de cima, não entra pela janela, como a da gravura. Fausto no gabinete de trabalho, com seus alunos, a luz de Murnau vem de baixo. Brota do chão”.


Gรถsta Ekman: Fausto, de Friedrich Wilhelm Murnau

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Para Sigfried Kracauer, um filme em que “o conflito metafísico entre o bem e o mal foi totalmente vulgarizado”. No décimo segundo capítulo de De Caligari a Hitler (From Caligari to Hitler, Princeton University Press, 1947) ele cita, como exemplo dessa vulgarização, a “engenhosidade técnica” esbanjada em “truques mágicos demoníacos” como “a corrida da câmera num carrinho de rodas através de um cenário de cidades, florestas e vilas” construído em estúdio. As imagens assim obtidas “fizeram com que os espectadores fossem capazes de participar da viagem aérea que Mefistófeles faz com o rejuvenescido Fausto”. O vôo dá “uma sensação celestial”, mas não consegue “compensar a futilidade de um filme que deturpou, se não ignorou, todos os motivos significativos inerentes a seu tema”. Para Eric Rohmer, “um filme em que o diretor, no auge de sua carreira, inspirado por Goethe, mas servindo-se de uma arquitetura puramente cinematográfica, reafirma a impossibilidade de solução para a tragédia do conhecimento e a tragédia amorosa que servem de base para a história”. No terceiro capítulo de A organização do espaço no Fausto de Murnau (L’ organisation de l‘espace dans le Faust de Murnau, Union Générale d’Editions, Paris, 1977), Rohmer afirma que “a força da expressão plástica se impõe à trama de uma história conhecida de todo o espectador“. O tema, “tal como apresentado na tradição popular da lenda do Dr. Fausto e no drama de Goethe, é, para o filme, o equivalente a um libreto para uma ópera: inspira, mas não determina a música. Tal como numa ópera nos damos ao prazer da música, neste filme nos damos ao prazer da maestria do espaço e das formas, dos rostos, corpos, paisagens e objetos, da luz, das nuvens, das sombras”. Para Mário de Andrade, “um filme admirável que é impossível não aplaudir”. Num breve comentário no lançamento no Brasil (Diário Nacional, São Paulo, 13 de abril de 1928, reproduzido em Mário de Andrade no cinema, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2010) ele diz que “o Fausto que estão levando nos cinemas agora não tem dúvida que é uma obra de arte excelente, gostei bem”. Gostou bem mas aponta umas tantas falhas (“para que o emprego do Mefistófeles tão diabólico?”), mas elas “não destroem a magnificência desta obra de arte verdadeira”. Para Mário, a cena em que o Mefistófeles de Emil Jannings “acode ao chamado de Fausto e o tenta, é absolutamente genial como criação de tipo e dramatização. É mesmo uma das cenas mais inesquecíveis que o cinema deu até agora”. 4


2. Crer é morrer; pensar é duvidar

A lenda surgiu na Alemanha, no século 16, talvez como uma defesa popular dos ideais renascentistas (o pacto com Mefisto como uma metáfora do conhecimento obtido pelo esforço humano em oposição ao recebido por revelação divina), talvez como uma condenação do conhecimento científico (o pacto com o diabo como um modo de dizer que só a revelação divina, só a obediência a Deus, garante o reino dos céus). Surgiu, talvez, como uma história inventada a partir da figura de um certo Dr. Johann Georg Faust, que teria vivido em Württemberg. Ou inspirada pela figura do sócio de Gutenberg, Johann Fust. O certo é que se propagou primeiro por um sem número de folhetos antes dos primeiros tratamentos em livros. O primeiro desses folhetos, publicado na Alemanha em 1588, foi Historia do Dr. Johann Faust, notório feiticeiro e nigromante / Historia von D. Johann Fausten, dem weitbeschreyten Zauberer und Schwartzküntsler. Uma tradução da lenda para o inglês, publicada em 1592, The History of the Damnable Life and Deserved Death of Doctor John Faustus, inspirou o drama The Tragical History of Doctor Faustus, de Christopher Marlowe, de 1606. Dois séculos mais tarde, Goethe concluía a primeira parte do que se tornaria o clássico ponto de referência do mito da busca do conhecimento e da juventude por meio de um pacto com o demônio. Depois de uma primeira versão, em 1790, Faust. Ein Fragment, a versão definitiva, em 1808: Faust. Der Tragödie erster Teil – a história do velho doutor amargurado pelo pouco saber (apesar do muito estudo de filosofia, medicina, jurisprudência e teologia), disposto a fugir para a luz e para o campo (“sinto a abrasear-me um novo vinho”) e deixar para trás vidros, latas, antiqualhas, trastes, miuçalhas, e a livralhada que as traças roem: “Com dúvidas e escrúpulos não me alouco, Não temo o inferno e Satanás tampouco Mas mata-me o prazer no peito; Não julgo algo saber direito, Que leva aos homens uma luz que seja Edificante ou benfazeja. Nem de ouro e bem sou possuidor, Ou de terreal fama e esplendor; Um cão assim não viveria! Por isso entrego-me à magia” (na tradução de Jenny Klabin Segall: Fausto 1, Editora 34, São Paulo, 2011)

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Logo depois da primeira edição o poema de Goethe inspirou outras obras em alemão – entre elas, Don Juan und Faust (1829), de Christian Dietrich Grabbe, e Faust, ein Gedicht (1829), de Nikolaus Lenau, ambas mais tarde adaptadas para o cinema –, e foi traduzido para outras línguas e linguagens. Foi contado em música: Es war einmal ein König, de Beethoven (1809); Szene aus Faust, de Schubert (1814); Faust ouverture, de Wagner (1840-1843); Die erste Walpurgisnacht, de Mendelssohn (1843); Szenen aus Goethe’s Faust, de Schumann (1853), e Mephisto Waltz, de Liszt (1857); em recitativos, La damnation de Faust, de Hector Berlioz (1846), e óperas, Faust, de Charles Gounod (1859) e Mefistofele, de Arrigo Boito (1866). Foi traduzido em desenhos, gravuras e pinturas – nas litografias de Eugène Delacroix para a primeira edição do Fausto de Goethe em francês (1828); nas telas de Ary Scheffer, Faust tourmenté par le doute (1831), Marguerite au rouet (1831), Marguerite, la sortie de l’église (1838), Faust en son cabinet avec Mephisto et trois spectres de femmes (1846), Faust et Marguerite au jardin (1846). O Fausto de Goethe, ou o das narrativas populares, a imagem arquetípica do homem que faz um pacto com o diabo, encontra-se em inúmeras outras imagens e textos do século 19 – o Raphael Valentin de A pele de onagro (La peau de chagrin, 1831) de Honoré de Balzac, é um bom exemplo – e às vésperas do século 20 o poema que Goethe escreveu pouco antes de Nicéphore Niépce inventar a fotografia, tornou-se tema de imagens fotográficas, o Faust dans son laboratoire de Frederick Boissonnas (1886), e de filmes.

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O cinema era um recém-nascido quando Georges Méliès filmou Le cabinet de Mephistofeles (1897) e Faust et Marguerite (1989), as primeiras de um sem número de adaptações cinematográficas de Fausto. Logo a seguir vieram uma de Edwin S. Porter (Faust and Marguerite, EUA, 1900), uma de Ferdinand Zecca (Faust, França, 1905), um desenho animado de Émile Cohl (Le tout petit Faust, França, 1909) e, principalmente, novas versões de Méliès, entre elas: Faust aux enfers (1903), La damnation du Docteur Faust (1904) e Les quatre cents farces du diable (1906). O diabo é um personagem central no cinema de Méliès, mas, na verdade, para compor seus Mefistos, ele se inspirou não apenas em Goethe. Recorreu também à figura meio bufa das representações populares da lenda em circos e teatros de marionetes. A observação é de Stan Brakhage (em The Brakhage Lectures, The School of Art Institute of Chicago, 1972):


“Vestido com um traje a rigor de homem-show, para que sua forma fotográfica pudesse mover-se magicamente através de planos de tonalidades escuras, Méliès se apresentava às vezes disfarçado com a barba de um homem velho, ou fantasiado de “bobo”, ou ainda, e mais frequente, num traje de demônio, numa cena loucamente movimentada. George parecia estar invocando o diabo, talvez com alguma armadilha tomada por empréstimo do Fausto de Goethe, com toda certeza com truques tomados por empréstimo de todo indivíduo que conversa com o demônio numa luta de fogo contra fogo – fogo branco contra com fogo negro”. Entre as versões de Méliès e as quatro feitas por Brakhage no final da década de 1980 – Faust Film: an Opera (1987); Faust’s Other: an Idyll (1988); Faust 3: Candida Albacore (1988) e Faust 4 (1989) –, muitas outras foram realizadas. Uma inspirada em Marlowe, Doutor Faustus (Doctor Faustus, de Richard Burton e Nevill Coghill, 1967), várias outras em Goethe: duas franceses, A beleza do diabo (La beauté du diable, de René Clair, 1946); e O homem que vendeu a alma (Marguerite de la nuit, de Claude Autant-Lara, 1955); uma alemã, (Faust, de Peter Gorski e Gustaf Gruendgens, 1960); uma húngara (Mephisto, de Istvan Szabo, 1981); e uma animação tcheca inspirada em fragmentos de Goethe, de Marlowe e de Christian Dietrich Grabbe, o Faust de Jan Svankjamer, (1995). Fausto foi contado ainda em filmes livremente inspirados na lenda do pacto com o diabo e nos ditos populares que associam a expressão latina faustus à ideia de riqueza, de retorno à juventude, e de um bem-estar e fortuna tomados por empréstimo e mais tarde cobrado com juros pelo diabo. Don Juan e Fausto (Don Juan et Faust, de Marcel l’Herbier, França, 1922, baseado na peça de Christian Dietrich Grabbe e nos poemas Faust, ein Gedicht, 1836, e Don Juan, 1844, de Nikolaus Lenau); O estudante de Praga (Der Student von Prag, de Henrik Galeen, 1926); A mão do diabo (La main du diable, de Maurice Tourneur, França, 1942); O segundo rosto (Seconds, de Johnn Frankenheimer, EUA, 1966); Filme demência, de Carlos Reichenbach (Brasil, 1986); e O advogado do diabo (The Devil’s Advocate, de Taylor Hackford, EUA, 1997) são alguns exemplos. Toby Dammit, episódio de Histórias extraordinárias (Histoires extraordinaires, 1968), é outro exemplo. Inspirado num conto de Edgar Allan Poe (Never Bet the Devil your Head, 1841). Federico Fellini mostra um Fausto moderno, um ator de sucesso, no instante em que o diabo vem cobrar o cumprimento do pacto. Um exemplo mais: o filme que William Dieterle fez nos Estados Unidos quase

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vinte anos depois de interpretar no Fausto de Murnau o papel de Valentin: All that Money can Buy / The Devil and Daniel Webster (1941), exibido no Brasil com o título de O homem que vendeu sua alma. Vale lembrar ainda o bocado de Fausto que existe no Inmanuel Rath de Emil Jannings (o Mefisto do filme de Murnau) de O anjo azul (Der blaue Engel, 1930), de Josef Sternberg, adaptação da novela Professor Unrat de Heinrich Mann. E lembrar o bocado de Mefisto que existe na personagem de Silvia Pinal em Simão do deserto (Simón del desierto, de Luis Buñuel, 1965). Filmes, mas não apenas (e talvez nem principalmente) filmes no espaço que vai de Mèliés a Brackage: Romances – Mestre e Margarita, de Mikhail Bulgakov (1937); Doutor Fausto (Doktor Faustus: Das Leben des deutschen Tonsetzers Adrian Leverkühn erzählt von einem Freunde) de Thomas Mann (1947). Textos teatrais – Doctor Faustus lights the light, de Gertrude Stein (1938). Óperas – Doctor Faust, de Ferruccio Busoni (1924). Séries de televisão – como a húngara O caminho incerto do bendito doutor Fasto / Faustus doctor boldogságos polkojárása, de Miklos Jancsó (1982). E poemas dramáticos, na verdade dois projetos inacabados – Primeiro Fausto, de Fernando Pessoa (1933) e Mon Faust (Ebauches), de Paul Valéry (1945). Pessoa, no ano da ascensão no nazismo, volta-se para Fausto. Valéry, no meio Segunda Guerra Mundial, dedica-se a Mefisto. “Ao lado do eu dividido e dos eus multifacetados da avant-garde, Fausto ressurge no século 20 como uma espécie de máscara do eu”, observa Inez Hedges em Framing Faust - Twentieth Century Cultural Struggles (Southern Illinois University Press, 2005). Para ela, Fausto representa “uma imagem da identidade como coisa que pode ser assumida e descartada, por vezes livremente escolhida, por vezes imposta por outros ou até mesmo pelas circunstâncias”. Nessa relação entre Fausto e a ideia de máscara, “a cultura ocidental do século 20 encontrou um dos seus mais poderosos mitos hegemônicos – o mito que se dirige a uma cultura onde imagem, juventude e auto-imagem tornaram-se valores preciosos”.

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No século do cinema, portanto, e não apenas na Alemanha, onde nasceu o mito (e onde um pouco antes e um pouco depois da Segunda Guerra Mundial a sensação de ter vendido a alma ao diabo tornou-se tragicamente presente), Fausto reaparece como a imagem dos tempos modernos.


Isolda Dychauk, Fausto de Alexander Sokurov

Gรถsta Ekman: Fausto, de Friedrich Wilhelm Murnau

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3. O segredo da busca é que não se acha

Murnau talvez tenha de fato realizado uma adaptação dupla de Goethe: seu filme é uma adaptação do poema de Goethe superposta a uma tentativa de adaptar o ensaio de Goethe sobre a cor – Zur Farbenlehere, publicado em 1810, dois anos depois da edição da primeira parte de Fausto. O desenho e textura do quadro são tanto ou mais importantes que as ações dentro do quadro. Na cena, os atores não se movimentam para dar uma sensação de realidade, mas para servir à quase abastração da imagem. Eles se movem para atender às exigências de um jogo de tonalidades entre o preto mais denso e o branco mais intenso, porque esse é o verdadeiro gesto dramático do filme. O Fausto de Goethe pelas cores de Goethe. Ou vice-versa, a teoria das cores de Goethe por meio do poema de Goethe, o texto para dizer no cinema que as trevas não são ausência de luz, mas parte dela; que as trevas e a luz trabalham juntas, que as cores só podem ser percebidas na fronteira, nas margens, na interação entre a luz e a sombra. Para repetir na imagem o que se diz no ensaios, que ao ver uma cor recebemos uma impressão e não uma informação precisa, matemática. Na tela, a história de um embate entre trevas e luz contada num jogo de luz e trevas. “É o mais pictórico dos filmes de Murnau porque o combate entre luz e sombra é o verdadeiro tema desse filme silencioso”, observa Rohmer em A organização do espaço no Fausto de Murnau. “Ao contrário dos outros diretores, que estudavam a iluminação depois de construído o cenário, Murnau primeiro desenhava a luz e a sombra e só depois construía o cenário. O espaço cenográfico – tudo: paredes, janelas, móveis, objetos e pessoas dentro dele – estava a serviço da luz”, conta Robert Herlth em depoimento para o livro F.W. Murnau, de Lote Eisner (Le Terrain Vague, Paris, 1964). “Em Fausto tínhamos de construir um ambiente cinza pálido”.

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O depoimento de Herlth, responsável pela cenografia e figurinos de Fausto, exemplifica bem o processo de trabalho e as intenções do diretor nesse filme. O quarto de trabalho de Fausto, diz, “não é formado por um, mas por quatro diferentes cenários, cada um deles construído para atender às necessidades de desenho da iluminação do plano e sublinhar ao gesto do ator naquele instante”. Herlth conta o que aprendeu ao apresentar os primeiros esboços de cenários para os dois filmes anteriores de Murnau, Der Letzte Mann (1924) e Tartuffe (1925). Mostrou os desenhos e perguntou como os personagens iriam se movimentar, para poder indicar a disposição


dos móveis e objetos no espaço e para situar as portas de entrada e saída de cena. A resposta de Murnau “foi um sorriso e um comentário um tanto irônico, com voz precisa e calma: ‘portas?’, ele disse, ‘estaríamos num palco de teatro. Cinema é projeção. Vemos ou não vemos. Recebemos uma impressão. Um pintor não se pergunta onde ficam as portas’. O que de verdade importa, explicou então, é a luz e a sombra. O cenário deve ser feito para atender à luz. Para o Fausto – repetia – era preciso, como um pintor, construir um ambiente cinza pálido”. Depois da luz, o corpo do intérprete e sua forma de interpretar determinam os cenários de Fausto. Os atores eram chamados para se encaixar numa área de luz (ou de sombra), quase como objetos de cena. Se a apariencia física do ator não se adaptava naturalmente aos cenários, esses eram modificados para melhor contracenar com os atores. O quarto da mãe de Margarida, por exemplo, foi feito para destacar “a gesticulação vigorosa de William Dieterle que interpreta Valentin”, prossegue Herlth, tal como o quarto de trabalho de Fausto “não foi concebido como uma única peça, mas feito de quatro partes diferentes”. Na atmosfera “sempre muito alegre da filmagem, parecíamos um bando de crianças pintado o sete juntas, os cenários eram montados, desmontados e remontados para atender a uma exigência de iluminação ou melhor servir aos atores. Murnau parecia estar todo o tempo em busca de algo inalcançável”. O cenário da praça do mercado, outro exemplo, foi modificado depois da primeira tomada. Ganhou uma inclinação para as tomadas seguintes. Quase imperceptível, mas fundamental para os atores gesticularem de acordo com a marcação de Murnau: “no chão oblíquo, eles eram obrigados a caminhar com dificuldade, meio desequilibrados”. Três ou mais tomadas de um mesmo plano, com ligeiras variantes,“eram comuns no cinema silencioso. Não se faziam contratipos, as cópias para distribuição no estrangeiro, ou para uma difusão mais ampla, eram feitas a partir de uma segunda ou terceira tomada” – diz Eric Rohmer na revista L‘Avant-scène Cinéma (190/191, Special Murnau, julho-setembro de 1977). Para fazer a transcrição de Fausto ele consultou três diferentes cópias. Impossível, hoje, saber qual delas foi a selecionada para exibição na Alemanha. Mas nas pequenas variantes entre os planos de uma e de outra revelam algo do método de trabalho do diretor. Nas duas, três ou mais tomadas, a cena e o enquadramento não se repetem, porque se tratava de buscar, de experimentar uma nova imagem.

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Anton Adassinsky, Fausto de Alexander Sokurov

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Johannes Zeiler, Fausto de Alexander Sokurov


4. Fausto como o inferno de Fausto No começo, mãos em primeiro plano arrancam uma qualquer coisa de dentro de um cadáver. Os pedaços arrancados não cabem de volta no corpo depois de examinados. Espalham-se pela mesa. Caem no chão. O Fausto de Alexandre Sokurov (2011) começa com uma imagem duplamente incômoda. Incômoda pelo que representa: o descontentamento do personagem que quer sair de dentro de seu gabinete de estudo para melhor entender a vida, que quer sair de dentro de si mesmo, que quer voltar à juventude, que faz das tripas coração para ampliar o seu conhecimento. Incômoda pelo que mostra: tripas e coração arrancados do cadáver se espalham pela mesa e pelo chão. Daí em diante, no filme, nada parece caber em si. Fausto, Margarida, Wagner e Valentin se esgueiram por corredores apertados, através de portas que se abrem só pela metade, em ruas insuportavelmente estreitas. Mais do que todos eles, um outro personagem debate-se num equilíbrio instável como se estivesse preso por correntes invisíveis: Mefisto. “O gênio que sempre nega”, o que é “parte da escuridão que deu nascença à luz”, o que “sempre o Mal pretende e o Bem sempre cria”, o diabo, aqui, não se destaca pelo figurino ou pela maquiagem. Não se mostra dessemelhante. É como os demais. É, talvez, a radicalização do jeito ansioso, torto, tenso, transverso, de Fausto e de quase todos os outros personagens. Mefisto é ainda uma espécie de representação ou corporificação da câmera dentro da cena, pois a câmera de Sokurov, ela também, movimenta-se como se estivesse acorrentada. Assim, nessa nova versão, um Mefisto e um Fausto diferentes. Os mesmos, mas simultaneamente outros. Uma adaptação de Goethe e também, diz um letreiro ao final, a quarta parte de uma tetralogia iniciada com um filme sobre Hitler, Moloch (Molokh, 1999), continuada com outro sobre Lenin, Taurus (Telets, 2001) e outro mais sobre Hiroito, O sol (Solntse, 2005). Como o letreiro vem depois de terminada a história (quase como uma nota de pé de página que complementa um texto e faz parte dele sem efetivamente fazer parte dele), o espectador pode não se dar conta da explicação final. Mas, ainda assim, muito possivelmente percebe o Fausto de Sokurov como uma espécie de nota de pé de página. Ou um posfácio, um brevíssimo comentário não só (ou não apenas, ou não principalmente) das primeiras partes da tetralogia mas do mito do pacto com o diabo. A clássica história, ambientada exatamente no tempo em que surgiu como expressão popular, mas contada de um ponto de vista contemporâneo (mais ou menos como o relato de

Sábado 23, no encerramento do ciclo o ciclo Fausto como o inferno de Fausto, o cinema do Instituto Moreira Salles exibe Fausto de F.W. Murnau cópia restaurada pela Murnau Stiftung de Wiesbaden e, em pré-estreia, Fausto de Alexander Sokurov

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historiador que vai ao passado para nele compreender também o tempo presente) para estimular a invenção de uma imagem puramente mental: uma imagem em que os personagens reais retratados nos filmes anteriores possam iluminar o personagem de ficção e ao mesmo tempo serem iluminados por ele. O colorido idêntico ao dos filmes anteriores reúne Fausto, Mefisto, Hitler, Lenin e Hiroíto num mesmo espaço dramático. O projeto pode ter sido desenhado assim desde o princípio, ou ter nascido depois das três primeiras partes: um quarto filme como um texto crítico da experiência de Molloch, Taurus e do Sol, que, como Fausto, venderam a alma ao diabo. Uma quase sugestão de que alemães, russos e japoneses, na primeira metade do século passado, com a maior de todas as maravilhas que existem entre o céu e a terra nas mãos, (“a liberdade de escolher entre o bem e mal”, como o Fausto de Murnau define para seus alunos), invocaram o diabo e firmaram um pacto com ele. O Fausto de Sokurov dialoga com o de Murnau, mas não é o personagem que pede de volta a juventude (Gib mir die Jugend!) nem recusa a coroa do imperador (Willst Du das Kaiser Krone?), que pede a pátria (Zur Heimat bring mich!), não é o que consegue desfazer o pacto graças ao amor por Margarida. O Fausto de Sokurov está ao mesmo tempo próximo do primeiro (o de 1790) e do segundo (o de 1808) Fausto de Goethe. E próximo ainda do personagem de dois (inacabados) poemas dramáticos da metade do século 20: o de Fernando Pessoa, o Fausto que, pouco antes da Segunda Guerra, abre a porta tenebrosa (“a treva é menos negra que a luz”) para dizer “eu sou o inferno”; e o de Paul Valéry, o Fausto que, no quase ao final da Guerra, propõe a Mefisto um pacto para devolver a juventude ao diabo.

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Principalmente, o Fausto de Sokurov, não existe apenas como a conclusão de uma tetralogia – mais parece abrir que concluir algo. Abre uma possível interpretação às avessas da clássica história do pacto com diabo. Fausto aqui é um personagem moderno, livre para escolher e determinar a sua vida, enquanto Mefisto, ao contrário, é um personagem trágico: sem escolha, está condenado a fazer o mal. Desse modo, em Fausto, talvez, um certo quê de diabo; em Mefisto um certo quê de professor fechado em seu gabinete. A história, aquela mesma contada por Goethe, talvez, em fusão, nos conte também, a aventura de um pobre diabo que vende a alma ao homem (“a insônia da dor e do pensar”, como diz Pessoa) em troca da eterna juventude, que nos propõe Fausto como a danação de Fausto.


Retratos de família

Caio Blat: Uma longa viagem de Lúcia Murat

São cinco filmes em que duas chilenas, duas brasileiras e uma paraguaia, enquanto falam do que se passou com o tio, a tia, o pai, o irmão e o marido, retratam a América Latina entre a metade da década de 1970 e a metade da década de 1980. Flávia Castro empreende uma busca que começa com a investigação do mistério em torno da morte de seu pai; Teresa Arredondo sai à procura de sua tia Sibila, um certo dia presa em Lima como integrante do Sendero Luminoso; Carmen Castillo retoma o instante em que Miguel, seu companheiro, morreu e ela foi ferida num combate contra a ditadura de Pinochet numa rua de Santiago; Renate Costa levanta a história de seu tio Rodolfo, preso e torturado em Assunção durante a ditadura de Stroessner; Lúcia Murat relê as cartas escritas pelo irmão Heitor, que viajou por meio mundo, da Inglaterra ao Afeganistão, da Turquia ao Taiti, da Austrália a Indonésia, enquanto ela se encontrava na prisão. Diário de uma busca, Sibila, Calle Santa Fé, Cuchillo de palo e Uma longa viagem são investigações sobre o que aconteceu na história recente, a particular, a pessoal, na família de cada uma das realizadoras, e a geral, aquela que todos vivemos. E ainda, ao mesmo tempo, investigações sobre o documentário enquanto um processo de compor um reflexo e uma reflexão da realidade. Narrados na primeira pessoa por suas diretoras, esses cinco filmes trabalham o documentário como um instrumental semelhante a uma janela voltada para dentro, para a experiência direta do realizador com seus familiares. Desse modo, os cinco filmes e os dois debates reunidos neste pequeno ciclo, de domingo 24 a quinta-feira 28, oferecem uma oportunidade especial para discutir a História através da história, a realidade através do cinema, o cinema através da realidade.

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OS FILMES DE JUNHO De sexta 1 até a quarta 13 de junho, filmes do circuito comercial serão exibidos nas sessões da tarde em parceria com o Espaço Itaú de Cinema. De sexta 1 a quarta-feira 20 de junho, em sessão única às 20h00, será exibido em 3D Pina de Wim Wenders, “uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch”. O cinema do Instituto Moreira Salles não funcionará na quinta-feira 14. De sexta 15 a sábado 23, a mostra Fausto como o inferno de Fausto De domingo 24 a quinta 28 a mostra Retratos de família Os últimos programas da mostra Fellini serão exibidos nas sessões das 14h00 da sexta 8, sexta 15, sábado 16, terça 19, sexta 22 e domingo 23, último dia a exposição Tutto Fellini. A partir da sexta 29, filmes do circuito comercial exibidos em parceria com o Espaço Itaú de Cinema.

Sexta 15 14h00 : Fellini | Toby Dammit (Toby Dammit) de Federico Fellini (Itália, França, 1968.) Episódio de Histórias extraordinárias (Histoires extraordinaires), baseado num conto de Edgar Allan Poe, Nunca aposte a cabeça com o diabo (Never Bet the Devil your Head), em que um ator famoso vive como um Fausto no instante em que o diabo vem cobrar o cumprimento do pacto. Entrada franca. Projeção seguida de debate com José Carlos Avellar. 16h00 : O inferno de Fausto | O estudante de Praga (Der Student von Prag) de Henrik Galeen (Alemanha, 1926. 91’) A lenda de Fausto recontada a partir de um relato do escritor alemão Hanns Heinz Ewers. Balduin, um estudante pobre, sem um centavo no bolso recebe uma oferta de um misterioso usurário, Scapinelli, que se propõe a emprestar-lhe dinheiro para que, uma vez rico, consiga a atenção das mulheres, com uma condição: ele deve assinar um pacto com o diabo. 18h00 : O inferno de Fausto | Doutor Faustus (Doctor Faustus) de Richard Burton e Nevill Coghill (EUA, 1967. 93’) Adaptação da peça The Tragical History of Doctor Faustus de Christopher Marlowe: depois de concluir seu doutorado na Universidade de Wittenberg, ainda insatisfeito com seus conhecimentos, guiado pela obsessão de um saber ilimitado, Faustus assina com o próprio sangue um pacto com o diabo: durante 24 anos Mefisto será seu escravo, depois disto ele entregará sua alma ao demônio. 20h00 : exibição em 3D | Pina (Pina) de Wim Wenders (Alemanha, 2011. 103’) “Uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch (1940-2009). Wenders consegue mostrar o que há de único na coreógrafa e dançarina alemã: o rigor mesclado com a intuição; a capacidade de extrair de cada bailarino sua linguagem corporal pessoal e intransferível: o talento para criar, mediante o movimento, uma representação precisa da vida tal como ela é e como deveria ser (...) Nas coreografias encenadas no filme, do Café Müller à Sagração da Primavera, parece haver um motivo básico recorrente: o corpo como campo de batalha entre a liberdade e a constrição”. ( José Geraldo Couto, Corpo e alma em três dimensões, em www.ims.com.br)

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Pina de Wim Wenders


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Domingo 17

14h00 : Fellini | A trapaça (Il bidone) de Federico Fellini (Itália, 1955. 100‘) Quarto filme do diretor, realizado entre A estrada da vida e As noites de Cabiria. Três trapaceiros, Augusto, Picasso e Roberto, entre os golpes contra a gente pobre da Itália, ainda não recuperada da guerra, e os problemas familiares – o de Picasso com a mulher, Iris, e o de Augusto com a filha, Anna, que precisa de dinheiro para continuar a estudar.

14h00 : O inferno de Fausto | Mephisto (Mephisto) de Istvan Szabo (Hungria, Alemanha, 1981. 144’) Adaptação do romance de mesmo nome em que Klaus Mann comenta a história do ator Gustaf Gruendgens, que no período de ascensão do nazismo consegue grande êxito no papel de Mefisto, do Fausto de Goethe, e se recusa a abandonar a Alemanha, como seus colegas de teatro, porque, explica, como intérprete precisava da língua alemã para poder trabalhar.

16h00 : O inferno de Fausto | O segundo rosto (Seconds) de John Frankenheimer (EUA, 1966. 106‘) Livre transposição da lenda de Fausto para a América da década de 1960, a partir de um livro de David Ely: um banqueiro de meia idade, Arthur Hamilton, assina um contrato com uma empresa que se encarrega de forjar sua morte e, depois de uma operação plástica para dar-lhe aparência mais jovem, criar uma nova vida para ele, e um novo nome - Arthur passa a se chamar Tony Wilson. 18h00 : Faust (Faust, eine Deutsche Volkssage) de Friedrich Wilhelm Murnau (Alemanha, 1926. 85’) Para a historiadora Lotte Eisner, “o exemplo mais notável do claro-escuro alemão. A densidade caótica das primeiras imagens, a luz que surge das trevas, os raios que cruzam o ar opaco, são de cortar o fôlego”. Cópia restaurada pela Fundação Murnau (Friedrich Wilhelm Murnau Stiftung) de Wiesbaden a partir da versão exibida na Alemanha no ano da produção do filme. 20h00 : exibição em 3D | Pina (Pina) de Wim Wenders (Alemanha, 2011. 103’) “Uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch (1940-2009). Wenders consegue mostrar o que há de único na coreógrafa e dançarina alemã: o rigor mesclado com a intuição; a capacidade de extrair de cada bailarino sua linguagem corporal pessoal e intransferível: o talento para criar, mediante o movimento, uma representação precisa da vida tal como ela é e como deveria ser (...) Nas coreografias encenadas no filme, do Café Müller à Sagração da Primavera, parece haver um motivo básico recorrente: o corpo como campo de batalha entre a liberdade e a constrição”. ( José Geraldo Couto, Corpo e alma em três dimensões, em www.ims.com.br)

16h30 : O inferno de Fausto | A beleza do diabo (La beauté du diable) de René Clair (França, 1950, 95’) Uma tradução da lenda em termos de uma comédia ligeira: Michel Simon faz o Fausto quando velho, Gérard Philippe o Fausto quando jovem. Ao se aposentar depois de cinquenta anos como professor universitário, desesperado por não ter conseguido descobrir os grandes segredos da vida, Fausto encontra-se com Mefisto que lhe oferece a volta à juventude para recomeçar seus estudos. Fausto, uma vez rejuvenescido, desvia sua atenção da ciência para as mulheres. 18h15 : O inferno de Fausto | Filme demência de Carlos Reichenbach (Brasil, 1986. 92‘) Nesta livre adaptação da lenda de Fausto, um industrial falido, afundado em dividas, abandona a mulher, rouba o revolver do porteiro e parte em busca do paraíso, sem saber se ainda possui uma alma para vender ao diabo. Na porta de um cinema onde se exibe um filme pornô, tem seu primeiro encontro com Mefisto. O título, Filme demência, lembrou o diretor na época de seu lançamento, é um anagrama de “filme de cinema”. 20h00 : exibição em 3D | Pina (Pina) de Wim Wenders (Alemanha, 2011. 103’) “Uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch (1940-2009). Wenders consegue mostrar o que há de único na coreógrafa e dançarina alemã: o rigor mesclado com a intuição; a capacidade de extrair de cada bailarino sua linguagem corporal pessoal e intransferível: o talento para criar, mediante o movimento, uma representação precisa da vida tal como ela é e como deveria ser (...) Nas coreografias encenadas no filme, do Café Müller à Sagração da Primavera, parece haver um motivo básico recorrente: o corpo como campo de batalha entre a liberdade e a constrição”. ( José Geraldo Couto, Corpo e alma em três dimensões, em www. ims.com.br)

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Quarta 20 14h00 : O inferno de Fausto | O segundo rosto (Seconds) de John Frankenheimer (EUA, 1966. 106‘) Livre transposição da lenda de Fausto para a América da década de 1960, a partir de um livro de David Ely: um banqueiro de meia idade, Arthur Hamilton, assina um contrato com uma empresa que se encarrega de forjar sua morte e depois de uma operação plástica para dar-lhe uma aparência mais jovem criar uma nova vida para ele, que passa a se chamar Tony Wilson. Di Biasi e Ênio Gonçalves: Filme demência, de Carlos Reichenbach

terça 19 14h00 : Fellini | La dolce vita (La dolce vita) de Federico Fellini (Itália, 1960. 174’) No lançamento do filme, Pasolini, disse não se lembrar de outro filme em que os personagens se encontrem tão fortemente impregnados de uma alegria de viver – “mesmo os momentos dolorosos, as tragédias, são representados como fenômenos carregados de vitalidade, como espetáculos. Todos os personagens são puros e cheios de vida. (...) Não existe no filme um único personagem triste. Todo mundo é belo, todo mundo é gentil, embora nada funcione”. Fellini, conclui, “cede a palavra à criança que existe dentro dele”.

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16h00 : O inferno de Fausto | A beleza do diabo (La beauté du diable) de René Clair (França, 1950, 95’) Dois grandes atores do cinema francês do começo da década de 1950 interpretam nessa tradução da lenda de Fausto em termos de uma comédia ligeira: Michel Simon faz o Fausto quando velho, Gérard Philippe o Fausto quando jovem. Ao se aposentar depois de cinquenta anos como professor universitário, desesperado por não ter conseguido descobrir os grandes segredos da vida, Fausto encontra-se com Mefisto que lhe oferece a volta à juventude para recomeçar seus estudos. Fausto, uma vez rejuvenescido, desvia sua atenção da ciência para as mulheres.

17h00 : O inferno de Fausto | O advogado do diabo (The Devil’s Advocate) de Taylor Hackford (EUA, 1997. 144’) Transposição do mito de Fausto para a Nova York da década de 1990, em torno de um jovem advogado em busca de sucesso que firma um pacto com o chefe do escritório de advocacia.

18h00 : O inferno de Fausto | Filme demência de Carlos Reichenbach (Brasil, 1986. 92‘) Nesta livre adaptação da lenda de Fausto, um industrial falido, afundado em dividas, abandona a mulher, rouba o revólver do porteiro e parte em busca do paraíso, sem saber se ainda possui uma alma para vender ao diabo. Na porta de um cinema onde se exibe um filme pornô, tem seu primeiro encontro com Mefisto. O título, Filme demência, lembrou o diretor na época de seu lançamento, é um anagrama de “filme de cinema”.

20h00 : exibição em 3D | Pina (Pina) de Wim Wenders (Alemanha, 2011. 103’) “Uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch (1940-2009). Wenders consegue mostrar o que há de único na coreógrafa e dançarina alemã: o rigor mesclado com a intuição; a capacidade de extrair de cada bailarino sua linguagem corporal pessoal e intransferível: o talento para criar, mediante o movimento, uma representação precisa da vida tal como ela é e como deveria ser (...) Nas coreografias encenadas no filme (...) parece haver um motivo básico recorrente: o corpo como campo de batalha entre a liberdade e a constrição”. ( José Geraldo Couto, Corpo e alma em três dimensões, em www.ims.com.br)

20h00 : exibição em 3D | Pina (Pina) de Wim Wenders (Alemanha, 2011. 103’) “Uma obra de risco e entrega, como era de risco e entrega a arte de Pina Bausch (1940-2009). Wenders consegue mostrar o que há de único na coreógrafa e dançarina alemã: o rigor mesclado com a intuição; a capacidade de extrair de cada bailarino sua linguagem corporal pessoal e intransferível: o talento para criar, mediante o movimento, uma representação precisa da vida tal como ela é e como deveria ser (...) Nas coreografias encenadas no filme (...) parece haver um motivo básico recorrente: o corpo como campo de batalha entre a liberdade e a constrição”. ( José Geraldo Couto, Corpo e alma em três dimensões, em www.ims.com.br)


Sexta 22 14h00 : Fellini | A trapaça (Il bidone) de Federico Fellini (Itália, 1955. 100‘) Quarto filme do diretor, realizado entre A estrada da vida e As noites de Cabiria. Três trapaceiros, Augusto, Picasso e Roberto, entre os golpes contra a gente pobre da Itália, ainda não recuperada da guerra, e os problemas familiares – o de Picasso com a mulher, Iris, e o de Augusto com a filha, Anna, que precisa de dinheiro para continuar a estudar. Klaus Maria Brandauer: Mefisto, de Istvan Szabo

quinta 21 14h00 : Fausto como o inferno de Fausto Fragmentos de Faust (Faust) de Gustaf Gruendgens e Peter Gorski (Alemanha, 1960. 128‘), registro cinematográfico da encenação teatral do Fausto de Goethe, dirigida por Gustaf Gruendgens. Famoso na Alemanha nas década de 1930 e 1940 por sua atuação no papel de Mefisto, Gruendgens inspirou o romance de mesmo nome de Klaus Mann filmado na década de 1980 por Istvan Szabo. Apresentação de José Carlos Avellar. Entrada franca

16h00 : O inferno de Fausto | O advogado do diabo (The Devil’s Advocate) de Taylor Hackford (EUA, 1997. 144’) Transposição do mito de Fausto para a Nova York da década de 1990, em torno de um jovem advogado em busca de sucesso que firma um pacto com o chefe do escritório de advocacia. 19h00 : O inferno de Fausto | Fausto (Faust) de Ken Russel (Inglaterra, 1985. 176’) Ópera de Charles Gounod com libreto de Jules Barbier e Michel Carré a partir da primeira parte do Faust de Goethe. Apresentada pela primeira vez em 1859, a ópera aparece aqui em encenação filmada por Russel e interpretada por Francisco Araiza, Ruggero Raimondi e Gabriela Benacková. Orquestra e coro da Ópera de Viena sob a regência de Erich Binder.

16h00 : O inferno de Fausto | Mefisto (Mephisto) de Istvan Szabo (Hungria, Alemanha, 1981. 144’) Adaptação do romance de mesmo nome em que Klaus Mann comenta a história do ator Gustaf Gruendgens, que no período de ascensão do nazismo consegue grande êxito no papel de Mefisto, do Fausto de Goethe, e se recusa a abandonar a Alemanha, como seus colegas de teatro, porque, explica, como intérprete precisava da língua alemã para poder trabalhar. 19h30 : O inferno de Fausto | A danação de Fausto (La damnation de Faust) de Hector Berlioz encenada por Alex Olle e Carlos Padrissa, (La Fura del Baus) e filmada por Alexandre Tarta (França, Alemanha,1999. 146’) Uma “légende dramatique” (uma lenda dramática) na definição do compositor. Com um libreto (de Berlioz, Almire Gandonieniere e Gerard de Nerval) inspirado no Fausto de Goethe, a obra, feita para uma mezzo-soprano, um tenor, um barítono, um baixo, um coral, um coro infantil e orquestra, foi encenada pela primeira vez em dezembro de 1846 em Paris. Vasselina Kasarova, Paul Groves, Willard White e Andreas Macco são os intérpretes desta encenação apresentada em agosto de 1999 no Festival de Salzburg.

Gösta Ekman, Emil Jannings: Fausto de F. W. Murmau

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Hanna Schygulla: Fausto, de Alexander Sokurov

Sábado 23

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14h00 : O inferno de Fausto | Toby Dammit (Toby Dammit) de Federico Fellini (Itália, França, 1968.) Episódio de Historias extraordinárias (Histoires extraordinaires), baseado no conto de Edgar Allan Poe Nunca aposte a cabeça com o diabo (Never Bet the Devil your Head): em Roma para atuar num “western católico, uma mistura de Fred Zinnemann, Pier Paolo Pasolini e John Ford”, um ator famoso vive como um Fausto no instante em que o diabo vem cobrar o cumprimento do pacto.

17h30 : O inferno de Fausto | Faust (Faust, eine Deutsche Volkssage) de Friedrich Wilhelm Murnau (Alemanha, 1926. 85’) Para a historiadora Lotte Eisner, “o exemplo mais notável do claro-escuro alemão. A densidade caótica das primeiras imagens, a luz que surge das trevas, os raios que cruzam o ar opaco, são de cortar o fôlego”.Cópia restaurada pela Fundação Murnau (Friedrich Wilhelm Murnau Stiftung) de Wiesbaden a partir da versão exibida na Alemanha no ano da produção do filme.

15h00 : Pré-estreia | Fausto (Faust) de Alexander Sokurov (Russia, Alemanha, 2011. 140’) Adaptação do texto de Goethe (com roteiro de Yuri Arabov, Marina Koreneva e Alexander Sokurov) feita como uma espécie de conclusão de uma trilogia composta pelos filmes do diretor sobre Hitler (Molloch / Molokh, 1999), Lenin (Taurus / Telets, 2001) e Hirohito, (O sol / Solntse, 2005) - a figura de Fausto como um espelho crítico dos protagonistas dos filmes anteriores.

19h30: Pré-estreia | Fausto (Faust) de Alexander Sokurov (Russia, Alemanha, 2011. 140’) Adaptação do texto de Goethe (com roteiro de Yuri Arabov, Marina Koreneva e Alexander Sokurov) feita como uma espécie de conclusão de uma trilogia composta pelos filmes do diretor sobre Hitler (Molloch / Molokh, 1999), Lenin (Taurus / Telets, 2001) e Hirohito, (O sol / Solntse, 2005) - a figura de Fausto como um espelho crítico dos protagonistas dos filmes anteriores. DOMINGO 24


14h00 : Fellini | As tentações do doutor Antônio (La tentazioni del dottor Antonio) de Federico Fellini, (episódio de Boccaccio 70, Itália, França, 1962. ) Um moralista obcecado com a enorme imagem de uma mulher sensual num cartaz em frente à janela de sua casa. 15h00 : Retratos de família | Sibila (Sibila) de Teresa Arredondo (Chile, Espanha, França 2011. 95’) “Uma noite recebemos um telefonema do Peru para nos dizer que minha tia Sibila estava presa acusada de ser integrante do Sendero Luminoso. Eu tinha sete anos, e o silêncio de meus pais contribuiu para que sua figura se tornasse um grande mistério para mim”. Teresa procura recuperar em seu filme as feridas familiares provocadas pela escolha política de Sibila. “Filmei meus pais, meus primos, minha tia. Creio que a partir de uma questão familiar, totalmente familiar, podemos falar melhor de uma questão universal. Estou convencida de que os documentários familiares podem fazer isso, e de uma maneira que me interessa especialmente: uma identificação e compreensão maior da História. Devemos partir da coisa familiar”. Para Teresa, isso permite “investigar melhor os fatos da história, dar-se conta de que participamos deles de algum modo. Isto é, podemos perceber que nos fatos particulares da vida em família encontram-se os grandes temas universais”. 17h00 : Retratos de família | Faca de madeira (Cuchillo de palo) de Renate Costa (Paraguai, Espanha, 2010. 93’) “A busca de traços da vida de meu tio Rodolfo, que queria ser dançarino, levou à descoberta de que na década de 1980, o Paraguai sob a ditadura de Stroessner, ele foi incluído na lista de 108 homossexuais presos e torturados sob a acusação de envolvimento num crime” conta Renate. “A história de Rodolfo revela uma parte da história recente do Paraguai, até então mantida em segredo”. Sessão em presença da diretora. 19h00 : Retratos de família | Rua Santa Fé (Calle Santa Fe) de Carmen Castillo (Chile, Bélgica, França, 2007. 163’) No dia 5 de Outubro de 1974, em uma casa na rua Santa Fe, em um subúrbio de Santiago, no Chile, Carmen Castillo fica ferida num combate com a polícia secreta. O seu companheiro Miguel Enríquez, líder da resistência contra a ditadura de Pinochet, morre no combate. O filme é um mergulho na memória dos que foram derrotados. terça 26

14h30 : Retratos de família | Diário de uma busca de Flavia Castro (Brasil, 2010. 104’) “O filme começa com a morte de meu pai”, diz a diretora. “É uma tentativa de descobrir o que aconteceu, como ele morreu depois do exílio, em 1984. É quase uma história policial, mas ao longo do filme isso se torna a busca da vida também. As viagens que faço ao longo da busca são para contar do meu ponto de vista, e com as cartas de meu pai, o que eu e meu irmão vivemos quando crianças”. 17h00 : Retratos de família | Rua Santa Fé (Calle Santa Fe) de Carmen Castillo (Chile, Bélgica, França, 2007. 163’) No dia 5 de Outubro de 1974, em uma casa na rua Santa Fe, em um subúrbio de Santiago, no Chile, Carmen Castillo fica ferida num combate com a polícia secreta. O seu companheiro Miguel Enríquez, líder da resistência contra a ditadura de Pinochet, morre no combate. O filme é um mergulho na memória dos que foram derrotados. 20h00 Debate: Flavia Castro, Carmen Castillo Entrada franca

Rua Santa Fé de Carmen Castillo

Faca de madeira, de Renate Costa

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Quinta 28 14h00 : Retratos de família | Uma longa viagem de Lucia Murat (Brasil, 2011. 97’) Um retrato do Brasil da década de 1970 por meio de uma narração na primeira pessoa e da leitura de cartas do irmão caçula de Lúcia, na época enviado para Londres para evitar que ele, a exemplo da irmã, então presa política, participasse da luta contra a ditadura.

Diário de uma busca, de Flávia Castro QUarTA 27 14h00 : Retratos de família | Diário de uma busca de Flavia Castro (Brasil, 2010. 104’) “O filme começa com a morte de meu pai”, diz a diretora. “É uma tentativa de descobrir o que aconteceu, como ele morreu depois do exílio, em 1984. É quase uma história policial, mas ao longo do filme isso se torna a busca da vida também. As viagens que faço ao longo da busca são para contar do meu ponto de vista, e com as cartas de meu pai, o que eu e meu irmão vivemos quando crianças”. 16h00 : Retratos de família | Uma longa viagem de Lucia Murat (Brasil, 2011. 97’) Um retrato do Brasil da década de 1970 por meio de uma narração na primeira pessoa e da leitura de cartas do irmão caçula da diretora, na época enviado para Londres para evitar que ele seguisse o exemplo da irmã, então presa política, e participasse da luta armada contra a ditadura.

16h00 : Retratos de família | Diário de uma busca de Flavia Castro (Brasil, 2010. 104’) “O filme começa com a morte de meu pai”, diz Flávia. “É uma tentativa de descobrir o que aconteceu, como ele morreu depois do exílio, em 1984. É quase uma história policial, mas ao longo do filme isso se torna a busca da vida também”. 18h00 : Retratos de família | Sibila (Sibila) de Teresa Arredondo (Chile, Espanha, França 2011. 95’) “Uma noite recebemos um telefonema do Peru para nos dizer que minha tia Sibila estava presa acusada de ser integrante do Sendero Luminoso. Eu tinha sete anos, e o silêncio de meus pais contribuiu para que sua figura se tornasse um grande mistério para mim”. 20h00 : Retratos de família | Faca de madeira (Cuchillo de palo) de Renate Costa (Paraguai, Espanha, 2010. 93’) “Meu tio Rodolfo queria ser dançarino”, conta a diretora. “A busca de traços de sua vida levou à descoberta de que na década de 1980, Paraguai sob a ditadura de Stroessner, Rodolfo foi incluído na lista de 108 homossexuais presos e torturados sob a acusação de envolvimento num crime. A história de Rodolfo revela uma parte da história recente do Paraguai, até então mantida em segredo”.

18h00 : Retratos de família | Faca de madeira (Cuchillo de palo) de Renate Costa (Paraguai, Espanha, 2010. 93’) “A busca de traços da vida de meu tio Rodolfo, que queria ser dançarino, levou à descoberta de que na década de 1980, o Paraguai sob a ditadura de Stroessner, ele foi incluído na lista de 108 homossexuais presos e torturados sob a acusação de envolvimento num crime” conta Renate. “A história de Rodolfo revela uma parte da história recente do Paraguai, até então mantida em segredo”.

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20h00 : Debate com as diretoras Lucia Murat e Renate Costa. Entrada franca.

Sibila, de Teresa Arredondo


Ingressos Pina, exibição em 3D. Terça, quarta e quinta: R$ 25,00 (inteira) R$ 12,50 (meia) Sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 28,00 (inteira) R$ 14,00 (meia) Sessões com filmes do circuito comercial, em parceria com o Espaço Itaú de Cinema. Terça, quarta e quinta: R$16,00 (inteira) e R$8,00 (meia) Sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 18,00 (inteira) R$ 9,00 (meia)

Instituto Moreira Salles Rua Marquês de São Vicente, 476. Gávea. Telefone: (21) 3284-7400 www.ims.com.br De terça a domingo das 11h às 20h Acesso a portadores de necessidades especiais. Estacionamento gratuito no local. Café WiFi.

Como chegar as seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS: 158 – Central-Gávea (via Praça Tiradentes, Flamengo, São Clemente)

Sessões das mostras Fausto, Retratos de família e Fellini: R$ 12,00 (inteira) e R$ 6,00 (meia)

170 – Rodoviária-Gávea (via Rio Branco, Largo do Machado, São Clemente)

Passaporte O passaporte para o mês de junho – no valor de R$ 30,00 – é válido para 10 sessões das mostras organizadas pelo IMS (O inferno de Fausto, Retratos de família e Tutto Fellini).

593 – Leme-Gávea (via Prudente de Morais, Bartolomeu Mitre)

O passaporte é pessoal e intransferível. Deve ser adquirido exclusivamente na bilheteria do Instituto. O portador deverá apresentá-lo até 15 minutos antes da sessão com documento de identidade para a retirada do ingresso. Capacidade da sala: 113 lugares. Os ingressos e senhas estão sujeitos à lotação da sala. Ingressos disponíveis também em www.ingresso.com

592 – Leme-São Conrado (via Rio Sul, São Clemente)

Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea O programa de cinema de maio tem o apoio da Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro, do Instituto Goethe, da Fundação Murnau (Friedrich Wilhelm Murnau Stiftung, Wiesbaden), do Instituto Luce, do Instituto Italiano de Cultura, de Cinecittà, da Cinemateca da Embaixada da França e do Arquivo Nacional. O programa conta ainda com a parceria do Espaço Itaú de Cinema, da Videofilmes, da www.revistacinetica.com.br e da Associação Brasileira de Cineastas.

Curadoria: José Carlos Avellar. Coordenação do IMS - RJ: Elizabeth Pessoa. Assessoria de coordenação: Laura Liuzzi. Capa : Fausto gravura de Rembrandt Quarta capa : Isolda Dychauk, Fausto de Alexander Sokurov

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