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Em uma de suas últimas obras, John Cassavetes atua lado a lado com Gena Rowlands como dois irmãos emocionalmente instáveis que precisam se reconectar. Grande sucesso desses dois artistas, Amantes (Love Streams) poderá ser visto no Cinema do IMS Poços. Na iminência do Oscar e após um Globo de Ouro que mobilizou o público brasileiro, o IMS exibe alguns dos títulos que se destacam na temporada de premiações: Sean Baker segue sua investigação em torno de trabalhadores sexuais à margem do sonho americano com seus mais recentes filmes Anora e Red Rocket, exibidos em programa duplo. Red Rocket, que não teve distribuição nos cinemas brasileiros, poderá ser visto na sala do IMS Poços. Em O brutalista, Brady Corbet e Mona Fastvold investigam as relações entre psicologia e arquitetura no pós-guerra em um filme que parece se perguntar: o que pode ser um cinema brutalista? Em Babygirl, de Halina Reijn, Nicole Kidman interpreta uma executiva de sucesso que põe sua carreira em risco ao se envolver em um jogo de submissão e dominação sexual com seu estagiário, em um filme que revisita o gênero do thriller sexual a partir de um ponto de vista feminino. Idealizada na Letônia, a animação Flow acompanha um gatinho que, tendo pânico de água, precisa sobreviver a uma enchente enquanto aprende a conviver com outros animais. Hospedagens perigosas e – o horror! – a perseguição de um ex são os assombros que nos reserva a seleção do mês das mostras José Mojica Marins Restaurado e México macabro: 1958-1961, que põem em diálogo a obra do grande cineasta brasileiro e a produção mexicana contemporânea sua.
(Straume), de Gints
(Letônia, Bélgica, França | 2024, 85’, DCP)
A maldição da Chorona (La maldición de la
), de
(México | 1961, 80’, DCP, restauração 2K) [imagem da capa]
Em cartaz
Anora
Sean Baker | DCP
Baby
Marcelo Caetano | DCP
Babygirl
Halina Reijn | DCP
Flow (Straume)
Gints Zilbalodis | DCP
Kasa Branca
Luciano Vidigal | DCP
Misericórdia (Miséricorde)
Alain Guiraudie | DCP
O brutalista (The Brutalist)
Brady Cobert | DCP
Red Rocket
Sean Baker | DCP
Amantes (Love Streams)
John Cassavetes | DCP
José Mojica Marins
Restaurado
A estranha hospedaria dos prazeres
Marcelo Motta (direção não creditada:
José Mojica Marins) | DCP, restauração 4K
Inferno carnal
José Mojica Marins | DCP, restauração 4K
México macabro: 1958-1961
A maldição da Chorona
(La maldición de La Llorona)
Rafael Baledón | DCP, restauração 2K
16:00 Baby (107') 19:00 Anora (139')
19:00 A estranha hospedaria dos prazeres (79')
16:00 Red Rocket (131') 19:00 Anora (139')
16:00 Misericórdia (102') 18:30 Babygirl (114') 9 16:00 Baby (107') 18:30 Babygirl (114')
19:00 Inferno carnal (85')
19:00 A maldição da Chorona (80')
Neste dia não haverá sessões de cinema
16:00 Kasa Branca (95') 18:30 Anora (139')
18:00 O brutalista (215')
18:00 O brutalista (215')
16:00 Amantes (140') 19:00 Babygirl (114') 1/3
15:00 Flow (85') 17:00 O brutalista (215')
16:00 Flow (85') 18:30 Anora (139') 2/3
Flow (85') 17:00 O brutalista (215')
Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.
de: Marcelo Caetano
para: Fábio Leal
data: 16 de jan. de 2025
assunto:
Este texto é uma resposta à carta de Fábio Leal a Marcelo Caetano veiculada na edição de janeiro da revista de programação do Cinema do IMS. O texto de Fábio Leal pode ser lido em: bit.ly/euseiqueeassimfl.
No final de 2023, eu trabalhava na montagem de Baby como se fizesse a cartografia de uma floresta. Media a distância entre uma árvore e outra. Catalogava a flora e a fauna. Desenhava o curso dos rios. Estava no meu modo obsessivo, preocupado com progressão, ritmo, duração, estrutura narrativa. Fabian Remy, o montador, vendo que o meu olhar se cansava, me propôs uma outra forma de caminhar pela floresta: ele sugeriu que eu olhasse para a copa das árvores, para o movimento do vento, para o voo errático dos pássaros. Que eu abandonasse a cartografia e vivesse o encantamento.
Foi assim que surgiu a cena final. Olhando para o alto. Decidimos ficar com Ronaldo sozinho no ônibus, lembrando do momento ápice da paixão: Baby dançando vogue e Ronaldo boxeando na laje da pensão. Ao fundo, o céu cinza-azulado de São Paulo, o Moinho abandonado, a linha do trem que corta o centro da cidade como uma cicatriz. É o que podia ser dito depois de um reencontro em que faltaram palavras.
Me lembra “Silêncio”, música de Flávia Wenceslau, que conheci na voz de Bethânia: “Silêncio, eu preciso tanto ouvir o céu/ Já não é mais urgente assim falar/ Meu coração precisa repousar.”
Eu tenho a impressão de que as relações amorosas são um pouco assim. Um tanto cartografia, um tanto encantamento. A gente quer entender o caminho que trouxe o outro até aqui, pra depois prever seus passos. Nós escutamos e fazemos anotações mentais, planos, projetos, cálculos. Pra depois deixar tudo cair por terra e se surpreender com um gesto, um sentimento inesperado. O outro é um abismo.
E a paixão é a cartografia de uma floresta em chamas. Você começa sua carta com “Baby”, de Caetano, e eu te digo que essa música existiu em todas as versões do roteiro, menos a da
filmagem. Nos primeiros tratamentos, Ronaldo apresentava a música para Wellington; nos últimos, era Alexandre, o candidato a sugar daddy. O protagonista chegava a comprar uma camisa onde se lia “Baby” em vermelho, a mesma que hoje virou merchan do filme. A música está ali, mas não está. Assim como o pai de Wellington está ali no filme, mas não está.
Quando escrevi o diálogo do reencontro de Baby e Ronaldo no ônibus, mandei a cena para o corroteirista Gabriel Domingues. Ao invés de dizer se gostou ou não, ele me enviou a canção “Foi mal”, de Urias, e me assustei. Parecia resumir o filme. Relutei em usá-la, porque era muito literal, explicava demais. Era melhor ficar com “Baby”, que celebrava São Paulo e seus amores pop.
Até que um dia ouvi o podcast da Mubi com a diretora de Aftersun, Charlotte Wells. Ela dizia que, quando teve a ideia de usar “Under Pressure”, de Queen e Bowie, no final do filme, todos tentaram dissuadi-la: explicava demais os sentimentos do personagem de Paul Mescal, matava o mistério. Mas aí ela tomou uma decisão, que, para mim, separam os filmes que voam para encontrar o público daqueles que permanecem como belas caixas impossíveis de abrir. Em algum momento do filme, você precisa ser claro. Precisa dar imagem, sentido e às vezes música aos sentimentos.
Em Baby, eu tentei propor a minha lei do desejo, e talvez ela tenha revelado demais as minhas cicatrizes. Eu penso que existem relações tão intensas que são impossíveis de mantê-las por um longo tempo em nossa vida, elas exigem muito do nosso coração. E talvez seja por isso que as grandes paixões não assentam, não duram. “Tudo que eu fiz foi pra te proteger de mim/ Chegamos nesse fim, que fim, foi mal.”
Em “Foi mal”, os autores dizem: “Tentando o meu melhor, eu mostrei o pior de mim”. Isso me lembra imediatamente A lei do desejo, de Almodóvar. Em O último sonho, o diretor espanhol explica o título de seu melhor filme: quando você estiver no ápice da intensidade amorosa por uma pessoa, ela não vai estar com a mesma intensidade. E quando for ela que estiver no ápice, você estará em outra frequência. A lei do desejo, para Almodóvar, é o desencontro das intensidades.
Adorei receber sua carta. Compartilhamos do mesmo amigo íntimo, Thales Junqueira, diretor de arte de Baby. Falo íntimo, porque é com ele que a gente fala todo dia, é nele que despejamos nosso humor absurdo, ele diz. E é engraçado que eu e você nunca caminhamos juntos pela floresta, sendo que nossos filmes estão lá: os amores desencontrados de Baby e Na sua companhia, os personagens cheios de desejo de O porteiro do dia, Reforma e Seguindo todos os protocolos. Curioso que as histórias de todos eles não duram.
Pelo menos, assim me parece ao fim de cada filme.
Maria Bethânia quando canta a música de Flávia Wenceslau, “Silêncio”, muda uma palavra. Ela já disse mil vezes que tem palavras que ela não canta. E nesse caso a palavra que ela muda é justamente “MUDAR”.
Flávia escreveu: “Silêncio, eu quero ouvir o que me diz a imensidão/ Quero saber se a minha alma tem razão/ Quando acredita que essas coisas vão mudar.” Pra Bethânia cantar: “Quando acredita que essas coisas vão DURAR”.
E aí eu pergunto para os nossos personagens, estes que ficam voando de árvore em árvore. O que a gente precisa mudar para que as coisas possam durar? Ou, em sentido oposto, quando será que a gente deixará o outro ser o que ele é, amá-lo em sua complexidade, sem que ele tenha que mudar para que a gente permaneça?
Sean Baker | EUA | 2024, 139’, DCP (Universal Pictures do Brasil)
Anora, uma jovem profissional do sexo no bairro do Brooklyn, conquista sua grande chance de mudar de vida ao conhecer e se casar impulsivamente com o filho de um oligarca russo, Ivan. Assim que a notícia chega à Rússia, seu conto de fadas é ameaçado – os pais de Ivan partem para Nova York decididos a anular o casamento.
Mais uma vez, o diretor Sean Baker centra seu filme em personalidades que atuam no ramo do trabalho sexual ou erótico e, de certo modo, vivem à margem do sonho americano, como em Tangerine, Projeto Flórida e Red Rocket. Este último não teve distribuição nos cinemas brasileiros e será exibido no Cinema do IMS em programa duplo com Anora. Em entrevista ao portal The Verge, Baker comenta: “Meus filmes geralmente são apenas reações ao que não estou vendo o suficiente no cinema e na TV ou ao que quero ver mais. Não
sou o primeiro a ter uma abordagem empática em relação ao trabalho sexual – definitivamente, não sou o primeiro –, mas não vejo muito disso, e são poucas obras e distantes entre si. Muitas vezes, quando vejo profissionais do sexo retratados, eles geralmente são personagens coadjuvantes ou caricaturas, e isso tem se tornado cada vez mais consciente. Tornou-se uma decisão consciente minha, a cada filme, contar uma história universal com um personagem tridimensional totalmente desenvolvido, que é uma profissional do sexo, para simplesmente... eu não diria normalizar, mas é isso, eu acho. Minha tática subversiva aqui é realmente fazer com que o público pense no trabalho sexual de uma forma diferente, para ajudar aqueles que o veem com esse olhar de estigma, para acabar com isso.”
Anora foi o vencedor da Palma de Ouro, prêmio principal do Festival de Cannes, em 2024.
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/anorasb]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Marcelo Caetano | Brasil, França | 2024, 107’, DCP (Vitrine Filmes)
Após ser liberado de um centro de detenção juvenil, Wellington se vê sozinho e perdido nas ruas de São Paulo, sem contato com seus pais e sem recursos para reconstruir sua vida. Durante uma visita a um cinema pornô, ele encontra Ronaldo, um homem mais velho, que lhe ensina novas formas de sobrevivência. Gradualmente, o relacionamento entre eles se transforma em uma paixão conflituosa, oscilando entre exploração e proteção, ciúmes e cumplicidade.
“Estamos falando do centro de São Paulo, do coração da cidade, da pulsação”, diz Marcelo Caetano em entrevista ao portal Metrópoles. “A gente tem a tendência de pensar o centro como margem, porque as pessoas ali são pobres. Muitos textos críticos franceses falam de marginal, mas os personagens não estão à margem de. Será que não é o nosso olhar que os invisibiliza? Será que somos nós que não sabemos olhar? A tentativa desse filme é olhar para aquela multidão do centro
e dar um zoom na vida de dois indivíduos e contar a história deles.”
Ao estrear na mostra competitiva da 63ª Semana da Crítica de Cannes em 2023, Baby recebeu o prêmio de Melhor Ator Revelação para Ricardo Teodoro, que interpreta Ronaldo. Na sequência, em sua estreia brasileira, foi um dos grandes vencedores do Festival do Rio, conquistando os prêmios de Melhor Longa de Ficção – junto a Malu, de Pedro Freire –, Melhor Ator, para João Pedro Mariano, que interpreta Wellington, Melhor Direção de Arte, para Thales Junqueira, e o Prêmio Especial do Júri.
[Íntegra da entrevista: bit.ly/babymc]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Halina Reijn | EUA | 2024, 114’, DCP (Diamond Films Brasil)
Uma executiva de sucesso, interpretada por Nicole Kidman, coloca sua carreira e vida particular em risco ao decidir se envolver com o jovem Samuel, estagiário vivido por Harris Dickinson, em um jogo de submissão e dominação sexual em múltiplas camadas.
“Minha questão era o amor-próprio. Principalmente, como posso amar todas as partes de mim?”, diz Reijn em depoimento disponibilizado no material de imprensa do filme. “Paul Verhoeven sempre me disse que eu só poderia fazer um filme se tivesse uma pergunta específica [o cineasta dirigiu Reijn como atriz em um papel coadjuvante de seu filme A espiã (2006)]. Para essa história, eu me perguntava: somos animais ou somos civilizados? Podemos fazer as pazes com o animal que existe dentro de nós? É possível que as diferentes partes de nós coexistam e, por sua vez, que possamos amar a nós mesmos sem vergonha?”
Por seu papel em Babygirl, Nicole Kidman recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Veneza, em 2024. Desde pelo menos 2017, Kidman se mobiliza em trabalhar com cada vez mais diretoras, como uma forma de impulsionar a participação de mulheres na indústria cinematográfica. “Já fiz muitos filmes com caráter sexual, mas esse é diferente”, ela declara. “Fazer esse tipo de filme nas mãos da mulher que escreveu o roteiro, que o está dirigindo e que é uma excelente atriz – nós nos tornamos uma só pessoa de uma forma estranha, o que eu nunca havia feito com um diretor antes. Quando se trabalha com uma mulher nesse tipo de assunto, podemos compartilhar tudo uma com a outra.”
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Flow
Straume
Gints Zilbalodis | Letônia, Bélgica, França | 2024, 85’, DCP (Mares Filmes)
Gato é um animal solitário, mas, quando seu lar é destruído por uma grande inundação, ele encontra refúgio em um barco habitado por diversas espécies, tendo que se juntar a elas apesar das diferenças.
Flow é o segundo longa-metragem de Gints Zilbalodis. Longe (Away), seu longa anterior, é basicamente um filme de criação solo. Em Flow, Zilbalodis colaborou com uma ampla equipe, numa coprodução de três países. Ainda assim, ele esteve envolvido em uma série de funções-chave, como o roteiro, o desenvolvimento do cenário e a composição da trilha sonora. Em entrevista à Variety, o diretor comenta: “Começo a escrever a música quando inicio o roteiro, quando a argila ainda não endureceu e ainda é moldável, e a música pode influenciar o desenvolvimento da história. Por exemplo, na cena de clímax com o gato e o pássaro nas torres, eu sabia que eles
iriam para lá, mas não conseguia imaginar o que realmente aconteceria quando eles chegassem. Mas, quando a música que eu havia escrito enquanto trabalhava no roteiro estava tocando, de repente tive todas essas ideias. Se eu não tivesse escrito aquela música, toda a história seria diferente. Se eu tivesse feito a trilha sonora do filme depois, todo o significado e o destino desses personagens seriam diferentes. É também por isso que é importante que eu mesmo faça essas coisas. Não estou dizendo que posso fazer qualquer uma delas melhor do que outra pessoa, mas, para mim, tudo faz parte de um processo de descoberta.”
Em janeiro, Flow recebeu o Globo de Ouro na categoria Melhor Filme de Animação, tornando-se o primeiro longa criado com o software Blender, gratuito e de código aberto, a conquistar o prêmio.
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/flowims]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Kasa Branca
Luciano Vidigal | Brasil | 2024, 95’, DCP (Vitrine Filmes)
Dé é um adolescente negro da periferia da Chatuba, no Rio de Janeiro, que recebe a notícia de que a avó, Almerinda, está na fase terminal da doença de Alzheimer. Ele tem a ajuda de seus dois melhores amigos, Adrianim e Martins, para enfrentar o mundo e aproveitar os últimos dias de vida com ela.
“Eu sou nascido e criado numa favela no Brasil. E a favela é muito inspiradora”, declara Vidigal em entrevista à Fred Film Radio, em 2024, por ocasião da exibição do filme no Festival de Torino, na Itália. “Tem muitas histórias potentes e singulares que eu, como cineasta, quero mostrar pro mundo. E esse filme nasceu a partir de uma observação minha de um jovem amigo do meu irmão que convivia com a avó que estava em eminência de morte por causa da doença de Alzheimer. E eu percebi que a relação deles ficou muito bonita através do afeto. E eu entendo e acredito que o afeto num lugar chamado favela e numa pele preta
pode ser revolucionário. Essa história me tocou, e eu escrevo sobre o que me toca.”
No Festival do Rio, em 2024, Kasa Branca recebeu os prêmios de Melhor Direção em Ficção, Melhor Fotografia, Melhor Ator Coadjuvante, para Diego Francisco, e Melhor Trilha Sonora Original.
[Íntegra da entrevista: bit.ly/kasabrancalv]
Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).
Miséricorde
Alain Guiraudie | França, Espanha, Portugal | 2024, 103’, DCP (Zeta Filmes)
Jérémie regressa à sua cidade natal para o funeral do seu antigo patrão, o padeiro da aldeia. Decide ficar uns dias com Martine, a viúva. No entanto, um desaparecimento misterioso, as ameaças de um vizinho e um padre com estranhas intenções fazem a curta estadia de Jérémie na aldeia tomar um rumo inesperado.
Em Misericórdia, Guiraudie, diretor de Um estranho no lago (2013) e Na vertical (2016), tomou como ponto de partida seu próprio romance Ici commence la nuit (2014). Livro e filme se desenvolvem de formas distintas, no entanto. “Outro erotismo se desenvolve no filme. Estamos sempre vendo o ponto de vista de alguém”, conta o diretor ao portal Film Comment. “Isso era importante, e é algo em que trabalhamos extensivamente ao elaborar a decupagem –não deveria ser apenas o ponto de vista de Jérémie; deveríamos compartilhar um pouco do
olhar de todos. No romance, Jérémie é olhado, ou ele olha, mas o erotismo é sempre centrado nele. O filme é mais coral, por assim dizer. Algo circula mais e melhor.”
“Fui criado em um ambiente cristão, e ultimamente isso tem voltado para mim. Tenho um certo fascínio pela religião como uma resposta às nossas ansiedades sobre a morte. E também me tornei consciente – embora eu ache que já tenha percebido isso quando era muito jovem –da força erótica da religião. O erotismo da religião católica, afinal, é notável: os rituais, as roupas, os ornamentos, os vitrais, as pinturas, as esculturas. Combinava bem com o tema do filme, essa busca por um desejo que não é encarnado – a ideia de um desejo que não seria satisfeito pelo sexo. No final das contas, é sempre a mesma coisa: fazemos filmes para reunir coisas que não necessariamente andam juntas.”
Misericórdia estreou no Festival de Cannes 2024, na mostra Cannes Première, e foi escolhido como melhor filme do ano pela Cahiers du Cinéma.
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/misericordiag]
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
O brutalista
The Brutalist Brady Cobert | EUA, Reino Unido, Hungria | 2024, 215’, DCP (Universal Pictures do Brasil)
Em fuga da Europa do pós-Segunda Guerra, o arquiteto visionário László Tóth chega à América para reconstruir sua vida, seu trabalho e o casamento com sua esposa Erzsébet, depois da separação forçada durante a guerra por mudanças de fronteiras e regimes. Sozinho em um novo país estranho, László se estabelece na Pensilvânia,
onde o rico e proeminente industrial Harrison Lee Van Buren reconhece seu talento para a construção. Mas poder e legado têm um custo muito alto.
Escrito por Brady Corbet junto a sua parceira criativa e esposa Mona Fastvold, O brutalista levou sete anos para ser desenvolvido, financiado e produzido de forma independente pela dupla. O filme foi vencedor do Leão de Prata no Festival de Veneza de 2024 e das categorias Melhor Filme de Drama, Melhor Ator em Drama, para Adrien Brody, e Melhor Direção no Globo de Ouro deste ano. Filmado em Vistavision 70 mm, as mais de três horas de filme resultam em centenas de quilos de película 70 mm, dividida em 26 rolos, o que Corbet define como “por si só um objeto brutalista”. Em entrevista ao portal The Hollywood Reporter, Corbet fala sobre suas motivações e os desafios em filmar arquitetura:
“O filme trata de como a experiência artística e a experiência do imigrante caminham em sintonia, ou seja, em geral, se alguém se muda para uma cidade suburbana nos Estados Unidos e não se parece com todo mundo – por causa da cor da pele ou por causa de suas crenças ou tradições –todo mundo quer que essa pessoa vá embora. Com o brutalismo na década de 1950, quando as pessoas estavam erguendo esses monumentos, muitas pessoas queriam que eles fossem demolidos imediatamente. Agora, há uma coisa muito interessante que vem acontecendo, e não sei se as pessoas estão acompanhando. Tenho pesquisado essa área na última década, portanto, tenho prestado muita atenção. Donald Trump tem a missão de demolir todos os prédios burocráticos brutalistas de Washington – e acho que ele
continuará a fazer isso se for eleito para um segundo mandato [entrevista concedida em 9 de setembro de 2024, antes das eleições]. Enquanto era o presidente em exercício, ele criou uma turnê que era uma celebração de toda a arquitetura neoclássica em Washington D.C. Ele regularmente fazia uma tagarelice sobre como queria que todos “os prédios feios, horríveis e modernos” fossem demolidos [referência ao projeto Make Federal Buildings Beautiful Again, de Donald Trump, a favor da implementação de arquitetura neoclássica].”
“[...] Portanto, para mim, a arquitetura brutalista é representativa de algo que as pessoas não entendem e que querem que seja demolido e arrancado. E acho que isso é realmente fascinante. Todo esse movimento surgiu da Bauhaus – Marcel Breuer, Paul Rudolph ou Louis Kahn, embora os edifícios de Louis sejam de um estilo muito diferente –, o trabalho deles estava lutando contra o que o mundo inteiro havia passado na primeira metade do século. Portanto, o filme trata de como a psicologia do pós-guerra moldou a arquitetura do pós-guerra. Até mesmo muitos dos materiais usados para construir esses edifícios –muitos deles foram desenvolvidos para o período de guerra. Esses edifícios não existiriam se não fosse o trauma pelo qual grande parte do mundo passou.”
“Acho que aprendi muito cedo que não podíamos filmar a arquitetura. Tínhamos que representar a arquitetura. Fizemos isso com a trilha sonora. Fizemos isso com o formato do filme. Com o VistaVision, o campo de visão é tal que você pode ficar bem na esquina de um prédio de seis andares e, com uma lente normal de 50 milímetros – que é a lente com a qual normalmente
se filma um rosto humano –, é possível ver do topo do prédio até a base. Então, tivemos a ideia de que, para o brutalismo, nunca deveria haver nada ornamental na trilha sonora. Ela deveria ser tanto minimalista quanto maximalista. Mas também tinha que representar o movimento de alguma forma. E foi criada predominantemente com instrumentação do período. Estávamos falando sobre todas as coisas normais de que se fala quando se pensa em Nova York e Filadélfia na década de 1950 – muito jazz, o movimento Beat, o Nordeste etc. De alguma forma, esperávamos que o efeito cumulativo de todas essas decisões resultasse em algo que parecesse um filme brutalista. Acho que em todo o filme, como você disse, provavelmente são mostrados apenas quatro minutos de concreto.”
Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).
Red Rocket
Sean Baker | EUA | 2021, 131’, DCP (Park Circus)
Por ocasião da estreia de Anora, o Cinema do IMS apresenta Red Rocket, um dos mais recentes filmes de Sean Baker, que não teve distribuição nos cinemas brasileiros. No filme, Mikey Saber é um astro pornô que retorna à sua pequena cidade natal no Texas. Mas não é como se alguém realmente o quisesse de volta.
“Conheci um punhado de homens como Mikey em Los Angeles nos últimos 10 anos, porque faço pesquisas para meus filmes e estava pesquisando sobre outro filme [Starlet, 2012] no mundo dos filmes adultos”, conta Baker em entrevista à Filmmaker Magazine. “O que percebi é que esse é essencialmente um arquétipo – você sabe, ‘suitcase pimp’, que é uma gíria real no mundo dos filmes adultos [o termo pelo qual Mikey é chamado ironicamente se refere ao companheiro desempregado de uma atriz pornô que agencia sua vida pessoal e profissional]. Todos eles tinham algumas características semelhantes. Acho que é porque eles precisam delas para sobreviver
nesse mundo: precisam atuar o tempo todo, precisam ser atraentes na superfície, precisam ser engraçados na superfície. Achei esses homens fascinantes, porque, sinceramente, fiquei perturbado com eles, mas também queria saber mais sobre eles. Há anos, eu sabia que acabaria fazendo um filme sobre um desses homens.”
“Entendo que ele é diferente de meus outros filmes. Entendo perfeitamente. Ainda assim, tentei mantê-lo fundamentado e humano, e acho que isso também contribui, talvez, para as reações conflitantes das pessoas em relação a ele. Como eu: estou confuso com esse cara. Então, era isso que eu estava tentando transmitir ao público, colocá-lo na mesma posição em que eu estava, mesmo que seja difícil de assistir.”
[Íntegra da entrevista, em inglês: bit.ly/redrocketsb]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Love Streams
John Cassavetes | EUA | 1984, 140’, DCP (Park Circus)
Robert (John Cassavetes) e Sarah (Gena Rowlands) são dois irmãos emocionalmente instáveis. Robert é um escritor decadente, afundado no álcool, cigarros e relacionamentos curtos, sendo irresponsável até em cuidar do seu filho. Por sua vez, Sarah é divorciada do marido e sofre porque a filha prefere ficar com o pai do que com ela. Com todos esses problemas, os dois acabam se reencontrando após anos sem se ver. Amantes é um dos últimos trabalhos de Cassavetes como diretor e como ator. O filme
originalmente seria estrelado por Jon Voight, que desistiu da produção dois dias antes do início das filmagens – segundo depoimento do diretor de fotografia Al Ruban. Diante do impasse e da falta de tempo em escalar outra pessoa, Cassavetes assumiu o papel de Robert.
Em entrevista de 2001 para a publicação LA Weekly, a atriz Gena Rowlands é questionada se aquele papel não seria o mais próximo possível da personalidade de Cassavetes, ao que ela responde: “Ele não planejava interpretar de jeito nenhum. Não, aquele personagem não era como o John que eu conhecia, um cara esgotado, desconectado de tudo o que importa. Mas aquela cena em que John acena para fora da janela com aquele chapéu estranho, é de morrer. Michael [Ventura] foi o primeiro a apontar isso, porque eu não conseguia nem olhar para isso de novo, e ele disse: ‘Sabe, Gena, quando John acena para fora da janela?’. Eu disse: ‘Sim’. Ele disse: ‘Acho que ele estava se despedindo de nós’. E eu disse: ‘Ai, merda’.”
Na mesma entrevista, Rowlands relata um desafio específico na cena em que sua personagem deveria tirar uma risada do marido e da filha: “Tudo o que John escreveu foi que ela chama o marido e tenta fazer ele e a filha rirem. E eu disse: ‘John, como eu vou fazê-los rir?’ E ele disse: ‘Eu não quero te contar. Nem pense nisso.’ Então chegou o dia, e nós estávamos lá, e eu disse: ‘John, se você não me contar o que vamos fazer, eu vou te matar.’ E ele disse: ‘Só vem’. Então ele me levou até uma grande mesa de piquenique cheia de todas essas coisas que você encontra em lojas de fantasias, como dentes que batem e olhos saindo dos óculos e outras coisas. Ele
disse: ‘Pronto. Use isso para fazê-los rir.’ Eu disse: ‘Espere, espere, espere! Quantos devo usar?’ Ele disse: ‘Todos eles. Certo? Certo? Enrole-os.’ Então eu simplesmente fui como doida em volta daquela mesa tentando fazê-los rir e fazendo tudo o que eu podia e, claro, ele tinha dito para eles não rirem, o que era o ponto principal da cena. Eu nunca fiquei tão apavorada na minha vida. Mas foi divertido.”
Exibido no 34º Festival de Cinema de Berlim, onde levou o Urso de Ouro, prêmio principal do evento.
[Depoimentos extraídos e traduzidos de: bit.ly/amantesgr]
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
A mostra José Mojica Marins Restaurado exibe em São Paulo e em Poços de Caldas dez filmes restaurados em 4K do mestre do terror brasileiro. A restauração inédita, feita a partir dos negativos originais, celebra a carreira de Mojica, ícone do cinema fantástico brasileiro.
O cineasta marcou o Brasil em 1964 com À meia-noite levarei sua alma, apresentando o icônico Zé do Caixão, o coveiro em busca da mulher perfeita para perpetuar sua linhagem. A saga de Zé continuou em Esta noite encarnarei em teu cadáver (1967) e Encarnação do demônio (2008), fechando a trilogia após 44 anos.
Zé do Caixão não foi apenas um personagem de filme, ele se transformou em um ícone pop, com presença na TV, em quadrinhos e até em discos. Embora tenha explorado diversos gêneros, Mojica deixou seu legado eterno no terror.
A mostra segue em cartaz no IMS Poços até março de 2025.
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
Marcelo Motta (direção não creditada: José Mojica Marins) | Brasil | 1975, 79’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)
Durante uma noite de tempestade, várias pessoas se abrigam numa estranha hospedaria de beira de estrada, revelando seus problemas afetivos e sexuais. Marcelo Motta, mentor do projeto, abandonou as filmagens fazendo com que Mojica assumisse o filme e o finalizasse, sem ser creditado.
José Mojica Marins | Brasil | 1976, 85’, DCP, restauração 4K (Olhos de Cão)
Raquel atira em seu marido Jorge um vidro de ácido e foge com seu amante. Porém, Jorge não morre e passa a seguir de longe os passos da cruel esposa, articulando sua vingança.
A mostra no Cinema do IMS reúne quatro clássicos do horror mexicano dos anos 1960 restaurados, alinhados à filmografia de José Mojica Marins. Mistérios de alémtúmulo, O espelho da bruxa, O barão do terror, A maldição da Chorona trazem de volta pesadelos cinematográficos com uma abordagem alternativa ao cinema de gênero dominado por Hollywood. Essa programação especial revela o impacto cultural e histórico dessas obras, que, mesmo fora do circuito hegemônico, marcaram época com suas histórias sombrias, efeitos marcantes e características genuinamente latino-americanas. A mostra segue em cartaz no IMS Poços até março de 2025.
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).
La maldición de la Llorona Rafael Baledón | México | 1961, 80’, DCP, restauração 2K (Alameda Films)
Amélia e seu marido Jaime, com quem acabou de casar, chegam a um bairro onde ocorreram crimes misteriosos. A convite de Selma, eles hospedam-se em sua casa sombria, “a casa do mal”. Depois de ser recebida por Juan, o criado deformado, Amélia vê num espelho o reflexo da mulher que chora.
Instituto Moreira Salles
Cinema
Curador
Kleber Mendonça Filho
Programadora
Marcia Vaz
Programador adjunto
Thiago Gallego
Produtora de programação
Quesia do Carmo
Assistente de programação
Lucas Gonçalves de Souza
Projeção
Fagner Andrades e Gilmar Tavares
Revista de Cinema IMS
Produção de textos e edição
Thiago Gallego e Marcia Vaz
Diagramação
Marcela Souza e Taiane Brito
Revisão
Flávio Cintra do Amaral
A programação do mês tem apoio de Alameda Films, Olhos de Cão, das distribuidoras Diamond Films Brasil, Mares Filmes, Paris Filmes, Park Circus, Universal Pictures do Brasil, Vitrine Filmes e Zeta Filmes.
Agradecemos a Felipe Martín Lozano, Marcelo Caetano, Matt Smith, Paulo Sacramento e Sandra Escribano Orpez.
Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 85 lugares.
José Mojica Marins Restaurado
Realização: Cinema do IMS
Curadoria: Paulo Sacramento
Produção: Olhos de Cão
México macabro: 1958-1961
Realização, curadoria e produção: Cinema do IMS
Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública e privada, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).
Devolução de ingressos
Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Confira as classificações indicativas no site do IMS.
O brutalista (The Brutalist), de Brady Cobert
(EUA, Reino Unido, Hungria | 2024, 215’, DCP)
Visitação: terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h.
Entrada gratuita.
Sessões de cinema: Quinta a domingo.
Rua Teresópolis, 90 CEP 37701-058
Cristiano OsórioPoços de Caldas ims.pc@ims.com.br
ims.com.br
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