Monarco 35 anos do disco histórico

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Hildemar Diniz, o Monarco, disse ao mundo a que veio muito antes de gravar este que é o seu primeiro disco, de 1976. Mas estreia é estreia – e esta aqui é invulgar. Em 12 faixas, brilham o compositor sofisticado e o intérprete extraordinário, figura mítica em sua amada Portela e no mundo do samba. Tudo neste Monarco, da capa aos arranjos, funciona em perfeita harmonia, não sendo exagero qualificá-lo como perfeito. Lembrando os 35 anos desta gravação histórica, o Instituto Moreira Salles recebe Monarco na série de shows, iniciada em 2010, dedicada a grandes discos da música brasileira. Bia Paes Leme Paulo Roberto Pires

CAPA Capa do lp Monarco, com desenho de Lan, 1976 Monarco, 1990; fotografia de Louis Jay Suckle (Acervo Alexandre Raine)


Um sambista com vocação de historiador Sérgio cabral

Monarco com cerca de quatro ou cinco anos, em Nova Iguaçu, rj, c. 1937 (Acervo Monarco) Velha Guarda da Portela – Monarco é o sexto da esquerda para a direita, em pé (Acervo Alexandre Raine)

Monarco, nascido no dia 17 de agosto de 1933, no glorioso bairro de Cavalcante, estava com 43 anos quando fez a gravação que inspirou este encontro promovido pelo Instituto Moreira Salles e que foi a primeira da sua carreira solo. Fiquei tão entusiasmo na época que, ao dar meu depoimento para constar do disco, escrevi que aquilo parecia um sonho. Sabia que não seria fácil aparecer uma gravadora interessada em gravar um long play inteirinho para ele. É verdade que, dois anos antes, vejam vocês, Cartola conseguira, aos 65 anos, gravar o seu primeiro disco. Donga, o autor do primeiro samba gravado, também seria contemplado com um lp aos

84 anos de idade, mas a palavra certa não é bem “contemplado”, pois ele morreu antes do lançamento do disco. Todo mundo sabe que não é qualquer artista que deixa uma gravadora convencida de que vale a pena fazer um disco com ele, principalmente naquela época, em que a tecnologia não facilitava tanto o registro fonográfico como ocorre atualmente. E Monarco tinha apenas um argumento para convencer as gravadoras: o seu talento, o que, nesse universo, não quer dizer nada. O seu jeito muito pessoal de cantar também seria um argumento a seu favor, desde que fosse encontrado alguém que tivesse prestígio nas gravadoras e, ao mesmo tempo, sensibilidade para


Carteira de sócio benemérito da Portela, expedida em 27.06.2003 (Acervo Monarco) Velha Guarda da Portela no programa Tudo é Música (tve), de José Ramos Tinhorão, nos anos 1980; Manacéa, Alberto Lonato, José Ramos Tinhorão e Monarco, à frente; ao fundo: Neguinho da BeijaFlor; fotografia de Luiz Silva (Acervo Tinhorão/ims)

saber que estava diante de um dos maiores nomes do samba carioca de todos os tempos. Felizmente, apareceu Romeu Nunes, veterano profissional do mundo do disco e amigo do diretor artístico da gravadora Continental, Ramalho Neto. O resultado foi um lp muito bem cuidado, não só no estúdio de gravação, como no tratamento dado à capa, com direito, inclusive, a encarte. A capa é do genial portelense Lan, que botou uma porção de gente em torno de Tia Vicentina, irmã de Natal e de Nozinho, proprietário do melhor botequim da estrada do Portela. O encarte recebeu textos do próprio Romeu Nunes, do saudoso Juarez Barroso, do grande jornalista portelense Carlos Lemos, do Lan e do locutor que vos fala.

Mas não nos esqueçamos do tratamento recebido pelas músicas, para as quais foi convocada uma espécie de Seleção Brasileira de instrumentistas, capitaneada por esse extraordinário José Menezes, um dos craques do conjunto de Radamés Gnattali e virtuose em qualquer instrumento de cordas (além de escrever os arranjos do disco, tocou violão, cavaquinho e bandolim). Era um time tão bom no estúdio que não posso deixar de nomear todos os seus integrantes: Luisão no contrabaixo, Dino no violão de sete cordas, Jorge Menezes no violão, Neco e Mané do Cavaco no cavaquinho, Wilson das Neves na bateria, Jorginho na flauta, Abel Ferreira na

clarineta e Marçal, Neném, Eliseu, Luna, Doutor e Gordinho na percussão. Depois, Monarco conseguiria outras gravações, sendo que algumas delas foram direto para o Japão, graças a um japonês chamado Tanaka, tão apaixonado pelo samba que gastou todas as suas economias gravando discos dos sambistas. Monarco mereceu de Tanaka um cd individual, mas participou de outras gravações feitas pelo japonês com a Velha Guarda da Portela. Aliás, a Velha Guarda da sua escola desempenha um papel muito importante na carreira de Monarco. Nada mais natural, pois ele dedicou trabalho, afeto, carinho e a sua vocação de historiador aos antigos sambistas da sua escola, bem antes da criação oficial da Velha Guarda da Portela. Sabendo que a tendência é a perda, por esquecimento e até por abandono, do imenso acervo de sambas criados pelos antigos compositores das escolas de samba, Monarco saiu em campo e salvou uma quantidade impressionante de músicas que pareciam abandonadas. Ninguém sabe mais sambas da velha Portela do que ele. Graças ao fato de Paulo da Portela ser o santo principal do seu altar dos grandes sambistas, grande parte da obra musical do maior líder popular do Rio de Janeiro está preservada. Por tudo isso, Monarco tornou-se a figura principal da Velha Guarda da Portela quando nem tinha 50 anos. Ou seja: não tinha idade, mas tinha representatividade. A preservação da própria Velha Guarda da Portela é, em boa parte, assegurada pelo seu trabalho. Por tudo isso, é justo considerar esse carioca de Cavalcante e torcedor do América mais do que um grande sambista. Na verdade, trata-se de um grande brasileiro.


Monarco, Paulinho da Viola e Osmar do Cavaco (à direita) na Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 1972 (Acervo Monarco)


O disco, música a música, por Sérgio Cabral

4  amor verdadeiro (Monarco) O sambista está feliz (“Tenho alguém pra me adorar”, “Um modelo de ternura”) com o novo amor, também “um modelo de senhora”, mas não deixa de espinafrar o antigo, “o germe que vivia” em seu caminho. “A tristeza que morava ao meu lado/Graças a Deus foi embora.” 5  tudo menos amor (Monarco e Walter Rosa) É uma pena que essa parceria não tenha se repetido tantas vezes quanto a gente gostaria, pois são dois compositores com a cara, com o coração e com a alma da Portela. “Tudo menos amor”, apesar de um tanto ou quanto cruel com a protagonista de um antigo romance, é sempre recebido com grande alegria pelo público. É um dos maiores sucessos da dupla, graças, especialmente, à gravação de Martinho da Vila. 6  mangueira e suas glórias (Monarco) Um dia, alguém escreverá sobre a maravilhosa amizade entre a Portela e a Estação Primeira de Mangueira. Zagaia, de Mangueira, cantou: “Mangueira, sempre foste a primeira/Portela, nossa fiel companheira”. Agora é Monarco que faz uma declaração de amor à rival com este excelente samba. Atentem para o carinho com que Monarco fala de Cartola, Nélson Cavaquinho, Zagaia e Padeirinho. É também da sua autoria um belo samba em homenagem ao mangueirense Carlos Cachaça.

1  o quitandeiro (Paulo da Portela e Monarco) No tempo de Paulo da Portela, os sambas nascidos nos subúrbios e nas favelas só tinham a primeira parte. Era, segundo Noel Rosa, “um samba feito nas regras de arte/ Sem introdução e sem segunda parte” e que “só tem estribilho” e “exprime dois terços do Rio de Janeiro”. “O quitandeiro” era assim. Monarco se encarregou de atualizá-lo, criando uma segunda parte, mas abrindo mão dos direitos autorais em benefício dos herdeiros de Paulo da Portela. 2  ingratidão (Monarco e José Mauro) Em 99% das letras dos sambas, desde a década de 1920, a mulher é a culpada pelo fracasso dos casos de amor. Afinal, 99% dos autores dos sambas são homens. Num país machista, não se poderia esperar outra coisa das letras do nosso samba. 3 desengano (Aniceto) Três irmãos, excelentes compositores da Portela, são os autores de alguns dos melhores sambas da escola: Aniceto, Mijinha e Manacéa, todos, infelizmente, já falecidos. Aniceto, autor de “Desengano”, era o mais velho (nasceu no dia 12 de agosto de 1912 e morreu em 1982). “Desengano” é um dos sambas mais cantados por Monarco e pela própria Velha Guarda da Portela.

7  duelo fatal (Monarco) Com este samba, Monarco entra no time dos grandes compositores que narraram o confronto entre valentes do morro numa disputa pelo amor de uma cabrocha. O primeiro foi Noel Rosa com o antológico “Quando o samba acabou”. A diferença é que Monarco esclarece que “essa história é verídica”. 8  amor fiel (Monarco) A linha adotada neste samba também faz parte da história das letras de samba: a briga com a moça porque ela gosta de cair na gandaia. Essa não resiste ao carnaval e desprezou o amor fiel do pobre rapaz. 9  glórias do samba (Monarco) Se Monarco não fosse compositor, estaria escrevendo livros sobre a história da nossa música popular em geral e do samba em particular. Neste samba, ele começa com Sinhô e Tia Ciata e percorre vários nomes que, sem dúvida, são as “Glórias do samba”.

lamentam que o jovem não tenha querido ouvir seus conselhos. 11  lenço (Monarco e Francisco Santana) Um samba com a assinatura destes dois não precisa nem ser ouvido para que todos saibam que se trata de mais uma obra-prima do samba carioca. Quem não acreditar que ouça “Lenço”. São dois craques. 12  enganadora (Monarco e Alcides Dias Lopes) Por falar em magníficos parceiros, eis Alcides Dias Lopes, o Alcides Malandro Histórico da Portela, título criado por Natal (Natalino José do Nascimento, que recorria sempre a ele quando queria saber alguma coisa da história da Portela), que, com o tempo, ficou reduzido para Alcides Histórico.

Ficha técnica do lp Monarco Direção artística Ramalho Neto Produção artística Romeo Nunes Arranjador Menezes Baixo Luizão Sete cordas Dino Violões Jorge Menezes e José Menezes Cavaquinhos Menezes, Neco e Mané do Cavaco Bandolim Menezes Bateria Wilson das Neves Flauta Jorginho Clarineta e Sax Abel Ferreira Ritmistas Marçal, Neném, Eliseu, Luna, Doutor e Gordinho Estúdio Somil Técnicos Celio e Deraldo Arte da capa Lan discografia de monarco

por Fernando Krieger

[1976 – Continental] [1980 – Eldorado] lp inéditas – monarco – Projeto Preservação da Música Popular [1989 – Clube da Criação de São Paulo] cd a voz do samba [1992 – Kuarup] cd mangueira e portela – velhas companheiras Nelson Sargento, Guilherme de Brito e Monarco [2000 – Nikita Music] cd uma história do samba [2002 – jvc World Sounds (Japão) | 2004 – Rob Discos] lp monarco lp terreiro

Com a Velha Guarda da Portela lp portela passado de glória

[1970 – rge | 1975 – Premier]

lp velha guarda da portela

Série Grandes Sambistas [1986 – Kuarup | Reeditado em cd em 2000

pela Nikita Music com o título doce recordação] [1988 – Ideia Livre] cd tudo azul [2000 – emi Music] lp homenagem a paulo da portela

10  conselho (Monarco e Manacéa) Por falar em característica das letras dos sambas, agora essa dupla portelense tenta salvar um jovem que se entregou à bebida para fugir das dores do amor. Mas sem a pose do “Por que bebes tanto assim rapaz?/ Chega, já é demais”. Desta vez, Monarco e Manacéa

Com a Escola de Samba Portela

[1957 – Sinter] – sambas de terreiro 1972 [1972 – Odeon/emi] lp história das escolas de samba – portela [1975 – Marcus Pereira] lp a vitoriosa escola de samba da portela lp minha portela querida


monarco 25 de janeiro 2011 20h

Direção musical Paulão 7 Cordas Produção executiva Alexandre Raine Músicos

Paulão 7 Cordas  violão Mauro Diniz  cavaquinho Felipe de Angola  percussão Ingressos R$ 20,00 inteira R$ 10, 00 meia Lugares limitados à lotação da sala ESTE NÃO VALE COMO CONVITE

Realização

Instituto Moreira Salles – Coordenadoria de Música rádio batuta Concepção

Bia Paes Leme Flávio Pinheiro Paulo Roberto Pires Euler Gouvêa Pesquisa

Fernando Krieger Projeto Gráfico

Luciana Facchini Produção gráfica

Acássia Correia

Produção editorial

Denise Pádua Revisão

Flávio Cintra do Amaral Agradecimentos

Monarco Dona Olinda Alexandre Raine lan bruno veiga

A coordenação de Música do ims mantém acervos de partituras, discos, gravações, fotografias e documentos de importantes nomes da música brasileira, como Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Elizeth Cardoso e Hekel Tavares, além das coleções dos pesquisadores José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi. Instituto Moreira Salles

Rua Marquês de São Vicente 476 Gávea | 22451-040 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 3284 7400 Fax: (21) 2239 5559 Terça a sexta 13h - 20h Sábados, domingos e feriados 11h – 20h www.ims.com.br

foto de bruno veiga

Assistente de coordenação


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