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P OSTNOSTAL GIC KNO WING S

ESTE LIVRO RESULTA DO CURSO PRÁTICAS PÓS-NOSTÁLGICAS, INTEGRADO NO PROJETO COLECTIVOS PLÁKA 2019, DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO.

THIS BOOK IS THE RESULT OF THE COURSE, POST-NOSTALGIC KNOWINGS, A PART OF PORTO CITY COUNCIL’S COLECTIVOS PLÁKA 2019 PROJECT.


Contents

Índice

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CURSOS, CENAS, CONTRADIÇÕES: PLÁKA NO PORTO

COURSES, SCENES, CONTRADICTIONS: PLÁKA IN PORTO Guilherme Blanc

Parte 1

PRÁTICAS PÓS-NOSTÁLGICAS POST-NOSTALGIC KNOWINGS Inês Moreira

Part 1

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Editorial

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REPORTAGEM VISUAL ♣ VISUAL REPORT

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Renato Cruz Santos

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PROGRAMA DO CURSO

PROGRAMME OF THE COURSE

Parte 2

DIÁLOGO POLIFÓNICO PNK

POLYPHONIC DIALOGUE PNK Inês Moreira

Part 2

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FROM AN OLD NOTEBOOK Filomena Nascimento

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NOTEBOOK #1 Orlando Gilberto-Castro

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NOTEBOOK #2: DIA 1; DIA 2; DIAS 2, 3, 4 DAY 1; DAY 2; DAYS 2, 3, 4 Laurem Crossetti

REPORTAGEM VISUAL ♣ VISUAL REPORT NOTEBOOK #2, DIA 4 DAY 4 Laurem Crossetti

REPORTAGEM VISUAL ♣ VISUAL REPORT

43 48 51 53

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NOTEBOOK #2: DIA 5; DIA 6

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NOTEBOOK #3

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DAY 5; DAY 6 Laurem Crossetti

Miguel Teodoro


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Parte 3

COLLECTIVE GLOSSARY

SOBRE NOSTALGHIA

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Part 3

GLOSSÁRIO COLECTIVO ON NOSTALGHIA

FUTURO INVERTIDO / FUTURE BACKWARDS ANTI-MONUMENTO — / MONUMENTO / ANTI-MONUMENT — / MONUMENT VA Z I O / VOID CONTAMINAÇÃO / CONTAMINATION ABANDONO / ABANDONED RESÍDUO / RESIDUE MATERIAL / MATERIAL AUSÊNCIA, PRESENÇA / ABSENCE, PRESENCE RUÍNA / RUIN DECADÊNCIA / DECAY FETICHE / FETISH (IN)VISÍVEL / (IN)VISIBLE REFLEXO / REFLEXÃO / REFLEX / REFLECTION IMAGINÁRIO / IMAGINARY POSH-INDUSTRIAL / POSH-INDUSTRIAL PASTICHE / PASTICHE NÃO INTENCIONAL / UNINTENDED

SOBRE TOSKA

ON TOSKA

SOBRE SAUDADE

ON SAUDADE

CURADORIA EM / CURATING THE

VERNACULARIDADE / VERNACULARITY

CONTEXTO LOCAL     LOCAL CONTEXT

DEMÊNCIA / DEMENTIA CAMADAS / LAYERS

PERTENÇA / BELONGING

TRADUZIBILIDADE / TRANSLATEDNESS

FICAR / STAY

VIDA ÚTIL, CICLO DE VIDA / LIFESPAN, LIFECYCLE

PERMANÊNCIA / PERMANENCE

PRECÁRIO / PRECARIOUS

COMUNIDADE / COMMUNITY

TRANSGRESSÃO / TRANSGRESSION

COLECTIVIDADE / COLLECTIVITY PRÁTICAS SITUADAS  /  PRACTICES SITUATED

TERRITÓRIO / TERRITORY DEMOLIR / TO DEMOLISH

CONDIÇÃO / CONDITIONS

DEMOLIÇÃO / DEMOLITION

CATALISADOR / CATALYST

HISTÓRIA — / MEMÓRIA  /  HISTORY — / MEMORY

ROTINA DIÁRIA / DAILY ROUTINE

[RE]PENSAR /  [RE]THINK

ANTI-TOURISMO / ANTI-TOURISM

ESPELHO / MIRROR

MALEABILIDADE / MALLEABILITY

RESSIGNIFICAR / RESSIGNIFY

URGÊNCIA / URGENCY

ARQUIVO / ARCHIVE

REATIVAÇÃO / REACTIVATION

ESCUTA / LISTENING

REGENERAÇÃO / REGENERATION

ATENÇÃO / ATTENTION

PRESERVAR / PRESERVE

VOZES / ESTÓRIAS  /  VOCES / ESTÓRIAS

NECESSIDADES / UNFORMULATED INFORMULADAS     NEEDS

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REPORTAGEM VISUAL ♣ VISUAL REPORT

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BIOGRAFIAS DOS CONVIDADOS

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FICHA TÉCNICA

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BIOGRAPHIES OF THE GUESTS COLOPHON



Cursos, Cenas, Contradições: Pláka no Porto GUILHERME BLANC O conteúdo deste caderno dá conta de um processo de documentação de diversas participações e contributos no âmbito de cursos de arte contemporânea comissariados pelo departamento de Arte Contemporânea da Ágora/ Câmara Municipal do Porto. Os três cursos anuais foram desenvolvidos através da plataforma de apoio à prática artística Pláka. Em particular, o conteúdo deste texto introduz cada uma das publicações que deles resultou, pretendendo evidenciar algumas razões que explicam o ponto de partida deste projecto formativo no contexto de uma estratégia cultural (municipal) mais ampla para a arte contemporânea. As razões podem, na verdade, ser explicadas a partir de uma pergunta que me foi colocada já no decorrer de um destes cursos, por uma das oradoras convidadas — quando lhe tentava expor a natureza do nosso trabalho, a dimensão que pretendíamos dar a certos debates, e a necessidade de constituirmos hoje espaços de convivência discursiva para pensar matérias que podem (e devem) ajudar à formulação de ideias políticas para a cultura numa cidade, e especificamente no Porto. BUT TELL ME: HOW DO YOU CREATE A SCENE? Uma pergunta de bolso, desarmante, avassaladora até (como a própria convidada); daquelas perguntas que não podem ter uma resposta imediata (embora o merecessem); que têm o poder de nos dar alento e nos desanimar em simultâneo; de que nos lembramos quando tudo corre bem, e também quando tudo corre mal, neste plano que relaciona a produção artística com públicos e interlocutores do trabalho artístico. Uma espécie de ‘pergunta que ilumina mais do que qualquer resposta’, citando uma das minhas Wikiquotes favoritas. O papel de uma estrutura cultural pública não deve, creio, ser o de resolver esta equação. Mas deve tê-la, sempre, ‘in the back of our mind’, como lhe disse (em certo modo para escapar à resposta). Não a devemos perder de vista, nem devemos ter tutela sobre ela. Um projecto público deve criar formas, mais ou menos proactivas, de mediar modos de fazer e de especular, que a qualquer momento possam desencadear, externa e organicamente, esse estado de graça, esse ponto de inevitabilidade artística, de confluência violenta mas positiva de acções, gente e simbolismos com lastro histórico — poderá ser isto a tal cena. O nosso projecto, temporário, deve ser o de criar condições para que essa força, simultaneamente episódica e perpetuante, se possa erguer. Sem ter a certeza ou a segurança de que ela, algum dia, venha a suceder — talvez esta incerteza seja o lado mais saudável do trabalho em prol de qualquer cena. Mas, ao lado dessa incerteza, até certo ponto inspiradora, também se criam entendimentos seguros em torno do que a deve anteceder, ou motivar. E um deles consiste na necessidade de existirem formas regulares de relação crítica entre agentes, concretizadas nomeadamente (não exclusivamente) em espaços que permitem encontros reflexivos sobre a cidade, a prática artística, e a urgência cívica (e política) da ligação entre esses dois domínios. É com este espírito que os cursos Pláka têm sido desenvolvidos. Não quer isto dizer que entendimentos seguros tenham em si a segurança da coerência. Pelo contrário. É na tensão que nasce de uma série de contradições actuais (entre determinadas preocupações críticas e o contexto urbano de produção cultural em que podem ser postas em prática), que estes espaços de reflexão ganham a sua textura mais interessante. E isto tornou-se manifesto nos cursos que comissariámos até à data. Desde logo, inscrevemos como uma das principais preocupações a necessidade de se questionar a centralidade da cultura científica e filosófica europeia, e ocidental, e reflectir sobre o lugar de ‘província’ — que muitos reinvindicam para ela há vários anos — de forma a ultrapassar algumas das principais complexidades de hoje no que diz respeito à relação entre seres vivos. Propomos contrariar

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um entendimento tendencial de que todas as histórias culturais se devem ver, citando Chakrabarty, como “variações de uma master narrative que pode ser definida como a História da Europa”. Fazemo-lo, todavia, de e para um lugar europeu para o qual trabalhamos diariamente com o objectivo de que se afirme como centralidade cultural distinta, singular, inevitável até, dentro de uma narrativa de produção artística actual. E com a consciência de que estamos a lutar por um estatuto, dentro de um outro estatuto — o Ocidental. Tornou-se igualmente evidente, no programa, o espaço que se pretende dar à reflexão sobre a nossa relação cultural e política com a natureza, sobre a nossa compreensão do seu estatuto (jurídico até), estabelecendo formas de contacto com práticas culturais que redefinem o entendimento sobre equilíbrios urgentes a este nível. Mas trabalhamos num contexto absolutamente cúmplice com todas as práticas de consumo que são responsáveis por alguns dos mais graves problemas ecológicos: acreditamos numa proximidade convivial que, em si, proporciona acções altamente poluentes (principalmente com as deslocações, das quais não queremos abdicar); usamos sistemas de contacto e de produção que dependem de meios extractores (nomeadamente nos meios tecnológicos que utilizamos); realizamos um trabalho que pretende fortalecer a fixação de agentes na ‘cidade’, um conceito cujo desenvolvimento ao longo dos últimos séculos poderá ser o grande responsável nesta problemática. Acreditamos na Cultura, e nas suas possibilidades críticas, como forma de construir um tecido urbano benigno, e como ferramenta de equilíbrio de alguns problemas das cidades. Mas também através da Cultura fazemos (todos) parte involuntária do processo de alteração desse tecido urbano, que a determinado ponto pode concorrer contra a própria prática cultural, tal como existe num dado momento. Agentes públicos e privados, ou independentes, empenham-se em formas de expandir a prática artística no contexto urbano, em repensar e redefinir paisagens, patrimónios, e formas de ocupação cultural que podem estimular usos mais democráticos de espaços e da prática artística em si. Com isto, no fim, participamos — quando não somos os primeiros responsáveis — nos processos de modificação de usos do território e do património que podem alterar a cultura (aqui, no seu sentido mais lato) tal como a idealizámos ou aprendemos a conhecer um dia. Somos vítimas e cúmplices, assim, numa espécie de déjà vu em cuja narrativa participamos, sem saber exactamente como não o fazer. Porque não concebemos ainda viver, culturalmente, sem estar na cidade. É portanto um caso bastante paradoxal, o da Cultura. Ou melhor, talvez não paradoxal mas antes inverso. Ao contrário do sistema de mercado, como explica Saskia Sassen, que utiliza formas de ‘expulsão’ para criar mecanismos de invisibilidade que o beneficiam (numa lógica de que os que não são ‘tidos em conta’, também não são contabilizados — em ratings, estatísticas e afins), o sistema da Cultura pode bem partir de uma força de atribuição de visibilidade que mais tarde precipita igualmente um mecanismo involuntário de ‘expulsão’. Ao mesmo tempo, apreciamos e vamos beber culturalmente práticas e até cenas artísticas que se criaram nas grandes cidades ao longo das últimas (em alguns casos longas) décadas, a partir precisamente de movimentos de ‘expulsão’. Em si, outra contradição. Uma grande cena — para uma estrutura que não a deve criar mas antes criar-lhe condições — é simplesmente contribuir para a consciência, o transtorno e a problematização séria em torno destas tensões, e contradições, que são hoje em rigor alguns dos domínios conceptuais mais relevantes para a produção artística. E por isso as elegemos como prioridades discursivas, e por isso criamos cursos municipais ao longo do ano em que em elas podem ser discutidas e, não menos relevante, progressivamente influenciar o pensamento sobre a forma de as gerir num plano de cidade.

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Courses, Scenes, Contradictions: Pláka in Porto GUILHERME BLANC This publication illustrates a process of documentation of various participations and contributions developed in the framework of the courses on contemporary art, which have been commissioned by the Contemporary Art Department of Ágora/ Porto City Council. The three annual courses were organized by the arts support platform Pláka. This text, in particular, introduces each of the publications resulting from these courses, and aims to highlight some of the reasons that underpin this educational project in the context of a broader (municipal) cultural strategy for contemporary art. The reasons can actually be explained using a question that I was asked, during one of these courses, by one of the guest speakers — as I was trying to explain to her the nature of our work, the dimension that we wanted to devote to certain discussions, and the current need to establish spaces of discursive coexistence in order to think about matters that may (and should) help formulate political ideas for culture in any city, and more specifically in Porto. BUT TELL ME: HOW DO YOU CREATE A SCENE? This is a disarming, simple question, devas-tating even (rather like the guest who posed it); one of those questions that can’t be immediately answered (although it deserves a prompt response); the kind of question that can simultaneously encourage and discourage us; that we remember when everything goes well, and also when everything goes awry, in this place, that links artistic production with audiences and the interlocutors of artistic work. It is the kind of ‘question that sheds more light than any answer’, to cite one of my favourite Wikiquotes. I don’t believe that the role of a public cultural structure should be to resolve such a question. But it must always stay ‘in the back of our mind’, as I replied to her (in a way, to avoid giving her a direct answer). We must not lose sight of it, nor should we seek tutelage over it. A public project should, more or less proactively, create ways of mediating modes of making and speculating that at any moment may externally and organically unleash a state of grace, that point of artistic inevitability, of violent but positive confluence of actions, people and symbolism with a historical legacy — this might be the so-called scene. Our project, which is temporary, aims to foster conditions that will make it possible to spawn such a force, simultaneously episodic and perpetuating. Without being sure, or certain, that this will ever occur. Perhaps this uncertainty is the healthier side of any work that aims to create any scene. But alongside this sense of uncertainty, which to a certain point is inspiring, we also foster secure understandings about that which should precede or motivate it. One of them is the need for the existence of regular forms of the critical relationship between agents, that are concretised in particular, but not exclusively, through spaces that promote reflective and critical encounters about the city, the artistic practice, and the civic (and political) urgency of the connection between these two domains. Pláka’s courses have been developed in this spirit. This does not mean that secure understandings hold the certainty of internal consistency within them. On the contrary. These spaces of reflection gain their most interesting texture precisely in the tension that arises from a series of current contradictions (between certain critical concerns and the urban context of cultural production in which they can be put into practice). This has become manifest in the courses curated by our project until now. From the outset, we identified that one of our main concerns was the need to question the centrality of European, and Western, scientific and philosophical culture, and to reflect about the idea of ‘province’ — which many have claimed for it over recent years — in order to overcome some of the main present-day complexities, concerning the relationship between living beings. We propose

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to counter the tendency to understand all cultural histories — to cite Chakrabarty - as “variations on a master narrative that could be called the History of Europe”. We do this, however, to and from a European place for which we work daily with the purpose of asserting itself as a distinct, singular, and even inevitable cultural centrality, within a narrative of current artistic production. And with the awareness that we are fighting for one status, within another status — the Western one. Another evident dimension of our programme was the space given to reflection on our cultural and political relationship with nature, our understanding of its status (even a legal status), while proposing new ways of contact with cultural practices that redefine our understanding of urgent equilibria at this level. But we work in a context that is absolutely complicit with all consumer practices which are responsible for some of the most serious ecological problems; we believe in convivial proximity, which itself fosters highly polluting actions (especially through travelling, which we do not want to relinquish); we use contact and production systems that depend on means of extraction (particularly in the technological resources that we use); we carry out a work that aims to reinforce the settlement of agents in the ‘city’, a concept whose development over recent centuries may be the main underlying cause for the set of problems that we are currently facing. We believe in Culture, and its critical possibilities, as a means of building a benign urban fabric, and as a tool for balancing certain urban problems. But with Culture we are also (all) involuntary participants in this process of altering that urban fabric, which at some point may counter the cultural practice itself. Agents who are both public and private, or independent, are working on ways of expanding the artistic practice in urban settings, to rethink and redefine landscapes, heritages, and forms of cultural occupation that can stimulate more democratic uses of spaces and the artistic practice itself. In this manner, ultimately, we participate — even when we’re not the main people responsible — in modification processes on the use of landscape and heritage, which can alter culture (here in its broadest sense) as we once idealised or learned to understand it. Therefore, we are victims and also accomplices, in a kind of déjà vu, in whose narrative we inevitably continue to participate, without knowing exactly how to refrain from doing so. Because we still can’t conceive living culturally away from the city. The case of Culture is therefore somewhat paradoxical. Or rather, not paradoxical but an instance of reversal. Unlike the market system which uses, as Saskia Sassen explains, various forms of ‘expulsion’ to create mechanisms of invisibility that work to its benefit (using the logic that those who aren’t ‘taken into account’ also aren’t accounted for — in terms of ratings, statistics etc), the Cultural system can also start from a force of attribution of visibility that will subsequently precipitate an involuntary mechanism of ‘expulsion’. At the same time, we appreciate and draw cultural inspiration from artistic practises and even scenes that have been created in major cities over recent decades (in some cases many decades), precisely based on movements of ‘expulsion’. This is, in itself, another contradiction. A great scene — from the perspective of a structure that should not aim to create it, but rather to create conditions for it — is simply to contribute to the awareness, disturbance and serious analysis of these tensions, and contradictions, which are nowadays, strictly speaking, some of the most relevant conceptual domains for contemporary artistic production. That is why we have chosen them as discursive priorities, and why we have created municipal courses throughout the year in which they can be discussed, while, equally importantly, we can progressively influence ideas on how to manage them in the planning of a city.

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Parte 1

Práticas Pós-Nostálgicas Editorial INÊS MOREIRA Ouvir sobre dinâmicas urbanas, artísticas e curatoriais recentes que agem nos territórios e zonas pós-industriais de cidades europeias periféricas de escala equivalente à nossa para pensar sobre necessidades e potencialidades da zona oriental do Porto, é a motivação concreta que agita as questões levantadas pelo curso Post-Nostalgic Knowings, que concebemos e tutorámos em 2019 no âmbito dos cursos de reflexão em Arte Contemporânea, os Colectivos Pláka. A minha cúmplice na activação deste programa é a curadora polaca Aneta Szyłak, envolvida há várias décadas na curadoria de artes visuais e nas preocupações com a memória política, social e física dos Estaleiros Navais de Gdańsk. Mantemos um longo diálogo de cerca de quinze anos de colaboração em que vimos explorando relações entre a sua proposta de curadoria de contextos 1, com que activa uma nova cena artística na Polónia através da polifonia entre história política, comunidade e criação contemporânea, e os projectos de curadoria de espaços 2 em que investigo e revelo edifícios, territórios e histórias pós-industriais, em Portugal e no Báltico. Após co-comissariarmos uma bienal em Gdańsk e uma grande exposição em Guimarães 3, o convite do Município para organizar um curso dos Colectivos Pláka pareceu-me uma excelente oportunidade para continuarmos a reflexão olhando conjuntamente para o Porto e estabelecendo um contraponto à realidade do Báltico. Post-Nostalgic Knowings compõe-se de duas partes com o intervalo de um ano: o curso em forma de ensaio colectivo do conceito proposto que testámos com convidados internacionais numa zona de fronteira do Porto, entre Bonfim e Campanhã. Um ano mais tarde, após a agitação da prática e da correspondência mantida nos meses seguintes, surge este livro em forma de sebenta e de registo onde se apresenta o programa e uma série de notas, reflexões e ideias incubadas pelos vários intervenientes. Logo no primeiro dia do curso, na sessão de exposição de objectos trazidos pelos participantes inscritos com o intuito de serem apresentados como nota biográfica, percebemos a vontade de criar um projecto colectivo que fizesse convergir as diferentes vozes e perspectivas. Assim surgiu o glossário colectivo, a piéce de resistance que se publica na 3ª parte deste livro. O curso Post-Nostalgic Knowings, é uma plataforma interdisciplinar de conferências, masterclasses e workshops sob a forma de late-summer-school intensiva. Reúne cerca de uma dezena de oradores e duas outras dezenas de participantes interessados em cultura urbana e visual. Ao longo de uma compacta semana, propusemos a reflexão, experimentação e ação crítica sobre as heranças do passado industrial das cidades. Considerámos as heranças desejadas e oficiais — o património, a história, a arquitectura — e, sobretudo, considerámos as heranças não-resolvidas e indesejadas, aquelas que se acumulam como cenários caóticos e apocalípticos e, por isso, exigem outras leituras e abordagens. Partimos de práticas experimentais internacionais que catalisam pensamento e acção sobre territórios urbanos, assentamentos e edifícios em desuso, propondo a participação de um conjunto selecionado de autores implicados em projectos culturais em locais significativos, cujos projectos são inéditos no contexto português e se apresentaram publicamente pela primeira vez no Porto. POST-NOSTALGIC KNOWINGS? O QUE SE ENSAIA? Post-Nostalgic Knowings são, para nós, aqueles conhecimentos e práticas que rompem as narrativas nostálgicas do passado e desestabilizam a sua leitura no presente. Traduzimos o título em português por Práticas Pós-Nostálgicas, evidenciando como os knowings são conhecimentos tentativos e tácticos, sendo também estratégias práticas, isto é, a nossa proposta é uma tentativa de preencher com múltiplas concretizações a palavra ‘conhecimento’, que em português soa estática, definitiva, ou, no seu contrário, soa tendenciosamente suspeita — ‘os conhecimentos’. 1  Szyłak, Aneta. ‘Archived Communities in the Works of Cora Piantoni’. In Buon Lavoro: Four Films on Workers’ Communities by Cora Piantoni. Berlin: Archive Book, 2018. 2  Moreira, Ines. Edifícios & Vestígios: Projecto-ensaio sobre espaços pós-industriais/ Buildings & Remnants: Essay-project on post-industrial spaces. INCM: Guimarães, 2013 3  Szyłak, Aneta, Arne Hendricks, Inês Moreira e Leire Vergara. Materiality Reader. Alternativa: Gdańsk, 2013

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Longe de uma tese sobre epistemologia e conhecimento, apresentamos abordagens especulativas (e operativas) a vários lugares, que agem para além da nostalgia, do lamento e da reverência pelo passado. O desafio é experimental, tem uma duração delimitada e intensiva, e, ainda que não mude fisicamente o território, tenta contribuir para mudar as suas leituras e a sua percepção. Partamos da percepção de nostalgia. Culturalmente situadas e historicamente mutáveis, as ideias, valores e afectos que seguram a nossa relação com o passado vão-se metamorfoseando e redefinindo ao longo do tempo. Sabemos como a percepção pessoal e subjectiva da memória altera a leitura de factos, objectos e lugares, romanceando-os e/ ou perpetuando a suspensão no tempo. Os sucessivos revivalismos estéticos do quotidiano passado perduram no modo como ressignificam nostalgicamente alguns fragmentos - a moda e o interiorismo piroso passam ao kitsch - adocicando-se em memorabilia e alimentando-se numa aura vintage. O exemplo do estilo industrial chic é um exemplo concreto da ressignificação de objectos, texturas e matérias do trabalho industrial, agora domesticado num novo estilo decorativo. Por outro lado, a vontade de suspensão e escape do presente, dita a idealização de modos de vida do passado, seja na encenação do ‘autêntico’, do ‘tradicional’ ou do ‘rústico’ — as baixas turísticas das cidades nunca foram tão ‘autênticas’ como o são hoje. A exaltação da figura do industrial e do tempo em que a sua ‘obra’ filantrópica trazia segurança e identidade colectiva — a creche, a escola ou a filarmónica da fábrica, o clube de futebol de operários, a habitação, etc. — é também exemplo de como a nostalgia amolece a perspectiva crítica com que se delineiam muitos dos debates sobre o património e a história da indústria. Pensemos agora na perspectiva da pós-nostalgia, porventura mais crítica, esvaziada de encanto e mais violenta 4. Tornar-se pós-nostálgico não é possível sem a experiência da nostalgia. A nostalgia é um modo de capturar e lamentar aquilo antes perdido no nosso auge e está intelectualmente enraizado no romantismo, onde era central a percepção da perda face a épocas de glória. O insight pós-nostálgico vem da sensação de que o potencial do luto se esgotou e não pode mais perdurar. O pós-nostálgico significa, então, deixar a posição de nostalgia, aquela que apenas pode ser percebida quando o trabalho da nostalgia, seus lamentos e despedidas estiverem concluídos. POST-NOSTALGIC KNOWINGS E WRONG SIDE OF TOWN? A vastidão de terrenos e locais semi-abandonados na zona oriental do Porto e o modo sistémico como ainda operam na cidade estão repletos de ambivalências. A antiga zona industrial convive com as suas falências e com pequenas bolsas de modernidade: o edificado simbólico e os lugares arruinados; a habitação corrente e as ilhas precárias; as infraestruturas viárias e de transportes metropolitanas e nacionais; as redes municipais de água e os espaços públicos; a exuberante frente de rio e os terrenos expectantes; os locais históricos e as histórias escondidas. Em 2019, a zona está povoada de interesses de grandes proprietários e de pequeníssimas iniciativas colectivas, como se vê na crescente gentrificação do boom turístico que se estendeu pelo Bonfim e Campanhã, nas comunidades artísticas que se transplantaram para os bairros pobres de Azevedo, enquanto uma ‘nova natureza’ infestante foi reocupando e invadindo os lugares abandonados. A nostalgia mora por ali, como também mora a voracidade de especulação sobre os terrenos. Pensar sobre esta zona através da noção de pós-nostalgia poderia parecer um problema demasiado específico se considerarmos apenas o edificado obsoleto. Sabemos que o problema agrega preocupações amplas e interesses divergentes que merecem ser mapeados e criados novos diálogos. Tal como neste curso o tema atrai grande diversidade de interesses e preocupações, reveladas nos perfis individuais dos participantes inscritos — artistas, arquitectos, museólogos, okupas, investidores, geógrafos, activistas e curadores —, o lugar em foco carece de novas abordagens. — Está? Fala do Clube dos Nostálgicos? — Sim, sim, mas isto já não é como era dantes… A história política e a geopolítica desempenham um papel relevante nas estratégias de projecção do passado no presente. Em Post-Nostalgic Knowings convocamos e ouvimos ‘conhecimentos’ e ‘práticas’ díspares que vêm desafiando objectos e lugares pós-industriais em dois extremos do continente 4  Numa instanciação muito recente, na Primavera de 2020, os ataques e releituras de memoriais e esculturas alusivas do passado colonial, mostram como o conhecimento sobre o passado não é estável e de como a (prática) crítica pode irromper nos quotidianos e esferas públicas.

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Europeu. Com o zoom apontado à curadoria e programação contemporânea de assentamentos urbanos vimos lendo a divergência nos modos de relação com o passado. Tentámos espelhá-lo nos convites aos nossos convidados. Estamos naturalmente mais familiarizados com o posicionamento conservador e patrimonialista conhecido na Península Ibérica, no qual se incluem as narrativas oficiais do Porto e da Direção-Geral do Património Cultural, mas em cujos protocolos, paradoxalmente, se revela a dificuldade de preservação ou mesmo de classificação de qualquer património industrial. Como reflexo desta condição, ainda que vejamos diversos dégradés e intenções de intervenção , em 2020, não existe ainda no Porto um epicentro cultural público, ou privado, em espaço industrial — seja histórico ou contemporâneo - pois os vários planos de salvaguarda patrimonial, e de intervenção contemporânea, nunca se realizaram. A nostalgia não é absoluta nem estática, vemos que as abordagens e aproximações ibéricas aos lugares e zonas industriais esvaziados de função, refletem mais frequentemente preocupações nostálgicas e mesmo saudosistas, sublinhando os heróis e seus feitos. Importa reter aqui a palavra saudade a cristalização idealizada do passado. Encontramos, por outro lado, nos países no Leste Europeu de industrialização Comunista ou Soviética um posicionamento menos preocupado com a continuidade histórica ou a preservação material. Após a fragmentação soviética, a afirmação das identidades nacionais em países como Estónia, a Letónia, ou a Lituâna, e a ascensão dos nacionalismos, como na Ucrânia, a memória da indústria do século XX ficou conotada com uma ideologia que hoje não importa preservar ou celebrar. Ali, nos países onde a língua russa marcou presença, a nostalgia adquire uma outra designação, Toska, um sentimento de angústia e impotência profunda. Reunimos neste wrong side of town um grupo de arquitectos, pensadores, curadores e artistas de ambos os extremos europeus cujos trabalhos acompanhamos — o curso é também um fórum entre convidados. Do Báltico, autores e projectos criados na Polónia, na Estónia, na Lituânia, e mais a Leste, na Ucrânia. Do extremo Sudoeste da Europa, ouvimos sobre uma realidade ultraperiférica em Espanha. Para os receber e ouvir, sentámo-nos na peculiar Estação Elevatória das Águas do Porto, localizada sobre o Reservatório de Nova Sintra , um sítio histórico com a maquinaria em pleno funcionamento, de onde se distribui água para toda a cidade do Porto. Pareceu-nos simbólico, disseminar novas ideias em cima da infraestrutura que dissemina água a todas as casas. Aneta Szyłak, co-curadora do curso, apresentou a sua experiência de cerca de duas décadas nos estaleiros navais de Gdańsk, introduzindo o seu argumento de ‘curadoria de contexto’ e revelou como ao criar centros de arte, bienais e festivais de arte contemporânea, a curadoria torna os simbólicos ‘estaleiros em algo mais a conhecer’. A sua conferência introduz e dá o mote à questão da pós-nostalgia: depois do movimento dos trabalhadores a arte e as novas narrativas transformam o local histórico num outro lugar. A arquitecta e investigadora Elena Lacruz tem dedicado o seu percurso à identificação, registo e estudo do que denomina por anti-Monumentos da paisagem contemporânea, especificamente nas ilhas canárias, revelando a ressignificação de vestígios e traços de ocupações passadas, quase todas em localizações vulcânicas e sublimes. Um aspecto revelador do carácter pós-nostálgico da sua abordagem é o foco nos novos usos e apropriações: parkour, paintball, graffiti e outras formas de cultura urbana que trespassam, invadem e resgatam os locais históricos para o nosso tempo. O artista de origem ucraniana Anton Kats, com uma prática artística em volta do som, avança conceitos associados à perda de memória e de autonomia, como na demência cognitiva, para entender os percursos, hábitos e a necessidade de previsibilidade. Em situações degenerativas, há uma resistência implícita à mudança. Os seus takeovers de sítios, histórias e sons são táticas relacionais de criar partindo das características e constrangimentos, como num lar de 3ª idade. O workshop ‘Freixo Infrastructural Takeover’ trouxe conceitos conducentes à leitura das resistências operativas no terreno: manter para poder continuar a existir, sem mudança. Uma caminhada pelo Freixo orientada por Jorge Ricardo Pinto, geógrafo urbano e conhecedor profundo da zona oriental da cidade, explana os processos de transformação, progresso e decadência

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da zona, com foco nas casas burguesas, jardins, pequenas indústrias e nas muitas casas de ilha. Passando sob a linha do comboio o contraste económico e social é trágico, na cota baixa a pontual habitação de classe média alta, enquanto na cota alta, as pobres ruínas são infestadas de vegetação que reocupa o lugar do homem. Pela sua mão chegámos a um lugar nostálgico com alto potencial alegórico: os viveiros Flora Portuense e a casa de Aurélio da Paz dos Reis, pioneiro do cinema e da botânica decorativa, hoje em ruína e inteiramente tomados por plantas infestantes. O arquitecto Lituano Jonas Žukauskas caracteriza a evolução do território dos três países bálticos contíguos, Lituânia, Letónia e Estónia, para explanar como hoje o legado de infraestruturas e arquitecturas industriais, rurais e habitacionais soviéticas é um problema de herança não desejada. O património nem sempre tem o valor do desejo. A sua leitura multilayer relaciona geologia, energia, infraestrutura, arquitectura, arte e outras formas de produção espacial para expor uma realidade sistémica, indiscernível do passado, mais ainda profundamente operativa nos três países. A síntese da sua abordagem chega pela exposição e Atlas The Baltic Pavilion Project, pavilhão das três nações na Bienal de Veneza. A curadora Solvita Krese, letã, na sua masterclass sobre ‘Vazio como oportunidade’ partilha como a cultura é uma ferramenta de transformação urbana nas shrinking cities, aquelas que diminuem em tamanho e habitantes, deixando edifícios devolutos e decadentes. A iniciativa cidadã em Riga impulsionada por iniciativas do Festival Survival Kit, tem proporcionado plataformas para a transformação urbana e sociopolítica, invertendo o abandono. O projecto Free Riga, um evento de uma noite, revelou, libertou e abriu a negociação com proprietários para a instalação de artistas e projectos culturais, numa proposta pragmática pós-nostálgica de reinvenção da cidade. O QUE PODERÁ A PÓS-NOSTALGIA MOVER? A transposição das abordagens e problemáticas conhecidas nestes dias para o terreno no Porto exigem tempo e sedimentação. No decorrer do curso, os convidados questionaram e abordaram a icónica ruína no meio da encosta, a Central Termo Eléctrica do Freixo. O seu esqueleto marca a encosta do rio como um anti-Monumento do progresso técnico, de um passado suprimido e de um presente mais do que incerto, rodeado de planos diversos, aquisições e especulação sobre os seus destinos. Deu-se um encontro surpresa, uma visita de todo o grupo aos espaços da companhia Circolando, por seu convite. A Circolando está instalada no recinto da Central Termoeléctrica, paredes meias entre a ruína e a ponte sobre o rio. Na visita o director artístico, André Braga, partilhou inquietações relativas à decadência física do lugar, aos processos especulativos em curso na zona e às possibilidades de permanência no sítio; a pressão sente-se. Criaram-se ligações imediatas e diálogos sobre o lugar e colaborações futuras, que, no decorrer de 2019-20, resultaram em instanciações concretas. Quando se arrumavam os mapas, as notas e o mobiliário instalados na Estação Elevatória das Águas para acolher o curso, alguém perguntou: — O que vão fazer com tudo aquilo que aqui se falou? A resposta continua sobre a mesa: — Está a ser feito, estamos a conversar, a mapear e a escrever sobre esta realidade como nunca foi feito antes. Com estes encontros, estamos já a redefinir o Freixo. Face ao potencial do lugar e das matérias em debate, no rescaldo da visita e do curso fixámos a vontade de profundar os temas num novo encontro, de iniciativa não municipal, que se chamou Heritage, Rubbish, Fetish? Curating Territorial Conundrums, que decorreu em Fevereiro de 2020 no Ateneu Comercial do Porto, tal como o Glossário Colectivo, também essas vozes serão publicadas em livro.

Este corpo de investigação tem o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito da investigação de Pós-Doutoramento intitulada Curadoria para a Revitalização de Edifícios — Intervir em Espaços Pós-Industriais na Europa no Séc. XXI, [Bolsa SFRH/BPD/109954/2015].

Colecção de fragmentos arquitectónicos e de mobiliário recolhidos num workshop prático que realizei em 2018 com estudantes da Akademia Sztuk Pięknych w Gdańsku. A recolha consiste na selecção de fragmentos do Wyspa Art Institute, parcialmente demolido em 2016, que foi anteriormente a escola de desenho técnico dos estaleiros, edifício que está agora em transformação e dará lugar ao Nomus Nowe Muzeum Sztuki, em 2021. Ambos projectos - o centro de arte independente e o museu - são dirigidos pela Aneta Szyłak, co-curadora do curso.

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Collection of architectural and furniture fragments collected in a practical workshop I held in 2018 with students from the Akademia Sztuk Pięknych w Gdańsku. The collection consists of a selection of fragments from the Wyspa Art Institute, that was partially demolished in 2016, and which previously operated as the shipyards’ technical design school. The building is currently being transformed to host the Nomus Nowe Muzeum Sztuki, that will be inaugurated in 2021. Both projects - the independent art centre and the museum — are coordinated by Aneta Szyłak, the co-curator of the course.

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Part 1

Post-Nostalgic Knowings Editorial INÊS MOREIRA Listening to the recent urban, artistic and curatorial dynamics that intervene in the post-industrial territories and areas of peripheral European cities of a similar scale to Porto in order to think about the needs and potential of the city’s eastern side was the core motivation that underpinned the questions raised by the course Post-Nostalgic Knowings that we conceived and tutored in 2019, within the framework of the Contemporary Art courses, the Colectivos Pláka. I drew up this programme with my colleague, the Polish curator, Aneta Szyłak, who over recent decades has been involved in curating visual arts projects and exploring concerns linked to the political, social and physical memory of the Gdańsk Shipyards. We have developed an extensive dialogue over around the past 15 years in which we have explored relationships between her proposal for curating specific contexts1 — through which she has activated a new artistic scene in Poland by fostering a polyphony of connections between political history, community and contemporary visual arts — and my own projects curating spaces2, in which I have investigated and revealed buildings, territories and post-industrial histories in Portugal and the Baltic. After we co-curated a biennial in Gdańsk and a major exhibition in Guimarães3, the Municipality of Porto’s invited us to organise a course for the Colectivos Pláka. This seemed to be an excellent opportunity to continue our working relationship, by jointly looking at Porto and establishing a counterpoint to the situation in the Baltic. Post-Nostalgic Knowings consisted of two parts with a one-year gap between the two. The first was the course in the form of a collective essay of the proposed concept, that we explored with international guests on the outskirts of Porto, between Bonfim and Campanhã. A year later, after busy work and correspondence maintained during the interim months, the preparatory works for this book began in the form of a booklet and a register. It presents the programme and a series of notes, reflections and ideas incubated by the various participants. On the first day of the course, in the session in which we exhibited the objects brought by the registered participants, to be presented as a biographical note, we realised that there was a desire to create a collective project that would combine different voices and perspectives. That was the inspiration for the collective glossary, the piéce de resistance, included in the third part of this book. The Post-Nostalgic Knowings course was an interdisciplinary platform for seminars, masterclasses and workshops in the form of an intensive late-summer-school. It involved about a dozen speakers and over twenty participants interested in urban and visual culture. Over an intense week, we proposed reflection, experimentation and critical action on the legacy of the industrial past of cities. We considered the desired and official legacies — heritage, history, architecture — and, above all, we considered the unresolved and unwanted legacies, those that accumulate as chaotic and apocalyptic scenarios and, therefore, further demand interpretations and approaches. We began with international experimental practices that have catalysed thought and action about abandoned urban territories, settlements and buildings, proposing the participation of a selected group of authors involved in cultural projects in significant places, projects which are unknown in the Portuguese context and were presented to the public for the first time in Porto. POST-NOSTALGIC KNOWINGS? WHICH ELEMENTS ARE BEING EXPLORED? For us, Post-Nostalgic Knowings correspond to those types of knowledge and practices that break with nostalgic narratives of the past and destabilise their interpretation in the present. In Portuguese, we translated the title as Práticas Pós-Nostálgicas. This highlighted the fact that ‘knowings’ correspond to tentative and tactical forms of knowledge and also constitute practical strategies. In other words, our translation of the title is an attempt to imbue the word ‘knowledge’ with multiple embodiments, since in Portuguese the word ‘conhecimento’ (knowledge) sounds static, definitive, or on the contrary, the plural — ‘os conhecimentos’ (knowledges or understandings) — sounds somewhat suspicious. 1  Szyłak, Aneta. ‘Archived Communities in the Works of Cora Piantoni’. In Buon Lavoro: Four Films on Workers’ Communities by Cora Piantoni. Berlin: Archive Book, 2018. 2  Moreira, Ines. Edifícios & Vestígios: Projecto-ensaio sobre espaços pós-industriais/ Buildings & Remnants: Essay-project on post-industrial spaces. INCM: Guimarães, 2013 3  Szyłak, Aneta, Arne Hendricks, Inês Moreira and Leire Vergara. Materiality Reader. Alternativa: Gdańsk, 2013

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Far from offering a thesis on epistemology and knowledge, we present speculative (and operative) approaches to various sites, acting beyond the sphere of nostalgia, regret and reverence for the past. The challenge is experimental and has a limited and intensive duration. Although it does not physically change the territory, it tries to help change its interpretations and perception. Let us begin with the perception of nostalgia. Culturally situated and historically changeable, the ideas, values ​​and affections that secure our relationship with the past are metamorphosed and redefined over time. We understand how the personal and subjective perception of memory alters our interpretation of facts, objects and places, creating them new stories and/ or perpetuating their suspension in time. The successive aesthetic revivalisms of former daily life persist in the way that they nostalgically produce new significations for certain fragments — for example rather tacky interiorism and fashion can be transformed into kitsch — sweetened through memorabilia and powered by a vintage feel. For instance, Industrial chic is a concrete example of how the objects, textures and materials of industrial work are given new significations, domesticated in a new decorative style. On the other hand, the desire to suspend time and escape from the present, dictates the idealisation of former ways of life, whether in staging ‘authentic’, ‘traditional’ or ‘rustic’ traditions — touristic urban downtowns have never been so ‘authentic’ as they are today. Exaltation of the figure of the industrialist and the time when his philanthropic ‘work’ brought security and collective identity — through the creation of factory philharmonic orchestras, nurseries, schools, workers’ football clubs, worker’s housing, etc. — is also an example of how nostalgia softens the critical perspective that delineates many debates about industrial heritage and history. Let us now think of the post-nostalgia perspective, that is perhaps more critical, emptied of charm and more violent4. Becoming post-nostalgic is impossible without the experience of nostalgia. Nostalgia is a way of capturing and mourning that which we enjoyed in the prime of our lives and have now lost, and is intellectually rooted in Romanticism, which revolved around the perception of loss

vis-à-vis times of former glory. Post-nostalgic insight derives from the feeling that the potential for mourning has been exhausted and must terminate. To be post-nostalgic means dispensing with nostalgia. This can only be fully understood when the work of nostalgia, including all its laments and farewells, have been concluded. POST-NOSTALGIC KNOWINGS AND THE WRONG SIDE OF TOWN? The vastness of the urban plots and semi-abandoned sites in Porto’s eastern zone and the systemic manner in which they still operate in the city are filled with ambivalences. The old industrial zone lives in tandem with its bankruptcies and small pockets of modernity: a mix of symbolic buildings and ruins; current housing and precarious former social housing ‘islands’; metropolitan and national transport and road infrastructures; municipal water networks and public spaces; the exuberant riverfront zone and expectant plots of land; historic sites and hidden stories. In 2019, this zone is dominated by the interests of large-scale property owners and tiny collective initiatives, as seen in the growing gentrification of the tourist boom that has extended through Bonfim and Campanhã, in the artistic communities that have transplanted to the poor neighbourhoods of Azevedo, as an invasive ‘new nature’ has begun to reoccupy and invade the abandoned places. The zone abounds with nostalgia and voracious property speculation. Thinking about this zone from the perspective of post-nostalgia may seem like a very specific problem if we solely consider the obsolete buildings. We know that the problem combines broad concerns and divergent interests, that should be mapped, leading to the creation of new dialogues. In this course, the theme attracted a high diversity of interests and concerns, revealed in the individual profiles of the registered participants — artists, architects, museologists, okupas (squatters), investors, geographers, activists and curators — this zone requires new approaches.

— Hello? Is this from the Nostalgic Club? — Yes, yes, but this is not what it used to be… Political history and geopolitics play an important role in the strategies for the projection of the past into the present. During the Post-Nostalgic Knowings course, we convened and listened to different forms of ‘knowledge’ and ‘practices’ that have been challenging post-industrial zones and objects 4  In a very recent case, in the spring of 2020, the attacks and reinterpretations of memorials and sculptures depicting the colonial past, demonstrate how our knowledge about the past is not stable and how critical (practice) can suddenly emerge in everyday life and public spheres.

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in two outlying zones of the European continent. Focused on the curatorship and contemporary programming of urban areas we saw how their divergences have been interpreted in terms of their ways of relating to the past. We tried to reflect this perspective in our invitations to guests. We are naturally more familiar with the heritage-based preservation position that exists in the Iberian Peninsula, including the official narratives of Porto and the Directorate-General for Cultural Heritage, but whose protocols, paradoxically, reveal the difficulty of preservation or even classification of any industrial heritage. As a consequence, in 2020, even though we have witnessed various intentions and intervention layers5, there is still no public or private cultural epicentre in Porto in any industrial space — whether historic or contemporary — since the various plans for safeguarding heritage and contemporary intervention have never been implemented. Nostalgia is neither absolute nor static. In the Iberian Peninsula the approaches to industrial places and zones that have lost their original function, frequently reflect nostalgic concerns and even a sense of saudade (longing for the past), which underline specific former heroes and their deeds. It is important to retain the word saudade in this context — a longing for an idealised crystallisation of the past. On the other hand, in Eastern European countries, that experienced industrialisation under Communist or Soviet rule, there is less concern with historical continuity or material preservation. After the fragmentation of the former Soviet bloc, the affirmation of national identities in countries such as Estonia, Latvia, or Lithuania, and the rise of nationalist movements, as in Ukraine, meant that the memories of 20th century industry are effectively linked to an ideology that no longer makes sense to preserve or celebrate6. In the countries where Russian was spoken, nostalgia is given another name, Toska, a feeling of anguish and profound helplessness. In this ‘wrong side’ of Porto, we brought together a group of architects, thinkers, curators and artists from both extremes of Europe, whose work we have been following — the course also served as a forum between guests. From the Baltic region, there were authors and projects from Poland, Estonia and Lithuania, and further east, from Ukraine. From the extreme south-west of Europe, we heard about an ultra-peripheral reality in Spain. To receive and listen to these testimonies, we met in the unique Pumping Station of Águas do Porto, located above the Nova Sintra Reservoir7. This is a historic site which still has its machinery in full operation, and distributes water to the entire city of Porto. We felt that it was highly symbolic to disseminate new ideas from an infrastructure that distributes water to all the city’s houses. Aneta Szyłak, the course’s co-curator, presented her experience from working for nearly two decades in the Gdańsk shipyards. She introduced her approach to ‘curating context’ and revealed how in creating art centres, biennials and contemporary art festivals, curatorship has been able to transform the symbolic ‘shipyards into something more to know’. Her lecture introduced and set the tone for the question of post-nostalgia: after the workers’ movement, art and new narratives have transformed the historic site into a new place. The architect and researcher Elena Lacruz has dedicated her career to the identification, register and study of what she calls Anti-Monuments of the contemporary landscape, specifically in the Canary Islands, that reveal the reframing of vestiges and traces of former occupations, almost all of them in volcanic and sublime locations. A revealing aspect of the post-nostalgic nature of her approach is the focus on new uses and appropriations: parkour, paintball, graffiti and other forms of urban culture that have trespassed, invaded and rescued historic sites for our time. Ukrainian artist Anton Kats, whose artistic practice is linked to sound, advances concepts associated with loss of memory and autonomy, as in the case of cognitive dementia, to understand the paths, habits and need for predictability. In situations of cognitive dementia, there is an implicit resistance to change. His takeovers of sites, stories and sounds serve as relational tactics to create art through characteristics and constraints, for example in a senior citizen’s home. The workshop, 5  Moreira, Inês. Dégradés pós-industriais no Porto Oriental - upgrades, degradações, reconversões, demolições e outras soluções. Revista Património, nº7, DGPC and Casa da Moeda, 2020 6  Moreira, Inês. ‘TWO EXTREMES AT THE EUROPEAN PERIPHERIES: Baltic and Iberian post-industrial cultures’. Notes on Europe: The Dogmatic Sleep. Conference proceedings, ESAP/ CEEA, 2020 7  “The Quinta de Nova Sintra estate was acquired in 1932 by Porto City Council. The Reservoir had been built in the estate in 1928 and the Poer Station in 1929, conciliating the woods and the romantic garden of the Casa dos Ingleses (Englishmen’s home) with the city’s largest water storage infrastructure, that doubled the capacity of the Jovim/ Santo Isidro pipeline. The municipal plan for supplying water to each house in 1875 created a hidden layer under the streets that we cross every day, including ducts, valves, patches, among others, which dispensed with the need for water fountains. Today, after implementation of the Porto Gravítico project by Águas do Porto, E. M., water is supplied to the entire city according to its topography, without recourse to almost any of the former pumping stations”. Building description on the website of the Open House Porto 2018 programme: 2018.openhouseporto.com/places/reservatorio/

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‘Freixo Infrastructural Takeover’, brought concepts conducive to the reading of operational resistances in the field: to preserve in order to continue to exist, without change. An exploratory walk through the Freixo neighbourhood, guided by Jorge Ricardo Pinto, an urban geographer who has a profound knowledge of Porto’s eastern zone, explained the transformation, progress and decay of this neighbourhood, focusing on middle-class houses, gardens, small factories and industrial workshops and the many social housing ‘islands’. As soon as we passed beneath the railway bridge the economic and social contrast is tragic. In the lower-lying zone there are occasional upper middle-class houses, whereas, in the higher zone, the dilapidated ruins are infested with vegetation that occupies the man-made constructions. Jorge introduced us to a nostalgic site with tremendous allegorical potential: the Flora Portuense nurseries and the former residence of Aurélio da Paz dos Reis, who was a pioneer in the worlds of cinema and decorative botany. The building is now in ruins and entirely covered by weeds. The Lithuanian architect Jonas Žukauskas described the evolution of the territory in the three contiguous Baltic countries — Lithuania, Latvia and Estonia — to explain how the legacy of Soviet industrial, rural and housing infrastructure and architecture has become a problem of unwanted heritage. People don’t always value heritage buildings. The multi-layered reading of these buildings is linked to geology, energy, infrastructure, architecture, art and other forms of spatial production which expose a systemic reality, indiscernible from the past, that has an even more profound impact in these three countries. His approach was synthesised in the Atlas and exhibition, The Baltic Pavilion Project, a pavilion of the three nations at the Venice Biennale. Latvian curator, Solvita Krese, in her masterclass, ‘Void as an opportunity’, discussed how culture is a tool for urban transformation in shrinking cities, i.e. those that are becoming smaller and losing inhabitants, leaving vacant and decadent buildings. The citizen’s initiative in Riga, driven by initiatives linked to the Festival Survival Kit, have provided platforms for urban and socio-political transformation, which have helped reverse the tendency towards abandonment. The Free Riga project is a one-night event which has revealed, released and launched new negotiations with owners to install artists and cultural projects in abandoned buildings, in a post-nostalgic pragmatic proposal to reinvent the city. WHAT CAN POST-NOSTALGIA CHANGE? The transposition of existing contemporary approaches and problems to Porto requires time and laying foundations. During the course, the guests questioned and approached the iconic ruin that exists in the middle of the hillside — the Freixo Thermoelectric Power Station. Its skeleton marks the hillside that overlooks the river as an Anti-Monument of technical progress, representing a suppressed past and a more than uncertain present, shrouded in diverse plans, acquisitions and speculation about its future. There was also a surprise encounter. The entire group visited the spaces of the company Circolando, at the latter’s invitation. Circolando is installed within the grounds of the Central Thermoelectric Plant, adjacent to the ruin and the bridge over the river. During the visit, Circolando’s artistic director, André Braga, shared concerns about the site’s physical decay, real estate speculation underway in the area and the possibilities of remaining on the site, where there are growing pressures. Immediate links and dialogues about the future collaborations and the place have been created, which resulted in concrete steps being taken in 2019-20. When the maps, notes and furniture installed at the Pumping Station of Águas do Porto were all ready to host the course, someone asked:

— What are you going to do with everything that has been said here? The answer was on the table:

— This is happening as we speak — we are talking, mapping and writing about this reality as has never been done before. With these meetings, we are already redefining Freixo. Given the potential of the place and the subjects under discussion, after the visit and the course, we nurtured the desire to explore the themes in a new meeting, as a non-municipal initiative, called Heritage, Rubbish, Fetish? Curating Territorial Conundrums, which was held in February 2020 at the Ateneu Comercial do Porto, as well as producing the Collective Glossary. These voices will also be published in a book. This body of research is supported by the Foundation for Science and Technology, under the Post-Doctoral research titled Curating and the Revitalization of Buildings — Intervening in Post-Industrial Areas in Europe in the XXI Century, [Scholarship SFRH/ BPD/ 109954/ 2015].

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Cartografia do Freixo


Cartografia do triângulo da encosta do Freixo anotada com os termos do Glossário Colectivo, síntese de Inês Moreira e foto de Renato Cruz Santos. Cartography of the Freixo hillside triangle annotated with the terms of the Collective Glossary, summary by Inês Moreira and photo by Renato Cruz Santos.


Visual Report Renato Cruz Santos

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Programa do Curso Post-Nostalgic Knowings é um encontro de fim de Verão que junta curadores, investigadores e profissionais na partilha de diferentes conhecimentos com a comunidade cultural e artística do Porto, bem como com um grupo seleccionado de jovens estudantes. O objectivo do curso é o de gizar estratégias de curadoria e de investigação académica sobre espaços que encerram histórias colectivas em risco de desaparecimento, quer pela pressão do desmantelamento e do esquecimento, quer pela depredação do mercado imobiliário, ou por outros processos informais e menos visíveis de apagamento físico e social. A pergunta que se impõe parece ser: que pressupostos contemporâneos permitem uma leitura e intervenção que contribua para a re-significação de espaços carregados de passado histórico colectivo e de tensões dos interesses do presente? Post-Nostalgic Knowings apresenta-se como curso avançado para pensar e debater colectivamente a produção de investigação e conhecimento curatoriais na Europa e aborda a questão não-patrimonial e pós-nostálgica na cidade do Porto, num diálogo entre ideias e condições concretas. O programa inclui componentes teóricas e práticas e desenrola-se entre conferências e sessões de debate, assim como entre derivas, memórias de trabalho de campo e outras estratégias espaciais que permitam ler e compreender a complexidade do tema. Examinando práticas avançadas de investigação e de intervenção curatorial na Europa, propomos cartografar explorações em torno de diferentes espaços na Europa, da Ucrânia à Polónia, da Estónia à Letónia e Lituânia, por forma a ultrapassar uma visão do passado estritamente conservacionista. Dado que a nostalgia pós-industrial transformou parte da cultura num mecanismo de construção de capital, convidamos autores que fomentam práticas avançadas de pesquisa e produção culturais na esperança de entender a sua relação com locais na Europa que considerem conhecimentos, métodos e formatos díspares. Pretende-se explorar a complexa (e confusa) zona triangular delimitada pela Rua do Freixo, o cemitério público do Prado do Repouso, a Marginal do Douro e a Rua do Heroísmo e considerar a sede das Águas do Porto como o nosso epicentro. Para além de práticas discursivas, o programa inclui abordagens performativas, auditivas e materiais às questões do habitar em contextos pós-industriais.

Programme of the Course Post-Nostalgic Knowings is a late summer gathering bringing together curators, researchers and practitioners to share different knowledges with the cultural and artistic community of Porto, and with a selected group of younger students. The aim of the course is to grasp curatorial and research strategies on sites which encapsulate fading collective histories, whether living the pressure of dismantlement and oblivion, or the state of real estate depredation, or other informal and less visible processes of physical and social erasure. The question seems to be: which contemporary knowings allow for reading, intervening and may contribute to re-signify locations charged with collective past history and present tense interests? Post-Nostalgic Knowings sets an advanced course to collectively think and debate on curatorial research and knowledge production in Europe, and, as well, to address a non-heritage and post-nostalgic location in Porto, in a dialogue between ideas and concrete conditions. The program includes theoretical and practical components and will unfold between conferences and debate sessions, along derives, fieldwork recollections and other spatial strategies to read and understand the complexity at stake. Scanning advanced practices of research and curatorial intervention in Europe, we propose to map explorations around different locations in Europe, from Ukraine to Poland, from Estonia to Latvia and Lithuania, so to overcome the strictly preservationist approach to the past. Since post-industrial nostalgia transformed a part of culture into a mechanism of capital building, we invite authors exploring advanced practices of research and cultural production with the aim to understand how they have been relating to sites in Europe with diverse knowledges, methods and formats. We intend to explore the complex (and confusing) triangle zone defined by Rua do Freixo, the river, the public cemetery and Marginal, Rua do Heroísmo - and maybe establish SMAS as our headquarters. Besides discursive practices, the program will include performative or sound-based and material approaches of inhabitation of post-industrial contexts.

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PALAVRAS-CHAVE: Práticas avançadas de investigação + Curadoria e trabalho de campo + Nostalgia e cultura contemporânea + Ser em contexto + Desadequado KEY WORDS: Advanced practices of research + Curating and fieldwork + Nostalgia and contemporary culture + Being with Context + Unfitting

Tutoras

Tutors

INÊS MOREIRA [PT] ANETA SZYŁAK [PL]

Convidados

Guests

SOLVITA KRESE [LV]

Curadora e Diretora de Galeria

ANTON KATS [UA/ DE]

ELENA LACRUZ [ES] JONAS ŽUKAUSKAS [LT] Field guide

JORGE RICARDO PINTO [PT]

Curator and Sound Specialist

Investigadora e Arquiteta Researcher and Architect Curador e Arquiteto

Guia de campo

Curator and Gallery Director

Curador e Especialista em Som

Curator and Architect

Professor de Geografia na FLUP

Geography Professor at FLUP

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28 SET  •  4 OUT

2019

28 SEP  •  4 OCT

Colectivos Pláka 28 SET 10H30 • 13H00

Apresentação dos participantes Short presentations by participants

Aneta Szyłak

14H30 • 16H30

Curadoria do contexto — como os estaleiros de Gdańsk se tornaram em algo mais a conhecer Curating context — How Gdańsk Shipyard

sessão pública

public session

turned into something more to know 29 SET

Elena Lacruz

14H30 • 16H00

Anti-Monumentos e a paisagem contemporânea — as Ilhas Canárias Anti-Monuments and contemporary

sessão pública

public session

landscape — the Canary Islands

Anton Kats

16H30 • 18H00

Takeover: Locais, Histórias e Som Takeover: Sites, Stories and Sound

18H00 • 19H00

sessão pública public session debate

30 SET

Anton Kats

14H30 • 17H30

Takeover Infraestrutural do Freixo Freixo Infrastructural Takeover

Jorge Ricardo Pinto

18H00 • 19H30

Anton Kats

14H30 • 18H00

sessão pública public session

Caminhada guiada pelo Freixo Guided walk through Freixo

1 OUT

Takeover Infraestrutural do Freixo Freixo Infrastructural Takeover

sessão pública public session

2 OUT

Anton Kats

14H30 • 18H00

Takeover Infraestrutural do Freixo Freixo Infrastructural Takeover

sessão pública public session

3 OUT

Jonas Žukauskas

14H30 • 17H30

Perspetivas sobre a transformação espacial Optics for Spatial Transformation

18H00 • 19H00

The Baltic Pavilion Project The Baltic Pavilion Project

19H00 • 19H30

masterclass masterclass

sessão pública public session debate

4 OUT

Solvita Krese

14H30 • 17H30

Vazio como oportunidade: a cultura como ferramenta de transformação urbana em Shrinking Cities

masterclass

Void as an opportunity — culture as tool for urban transformation in Shrinking Cities

18H00 • 19H00

Festival Survival kit — plataforma para transformação sócio-política e urbana Festival Survival Kit — platform for

masterclass

sessão pública

public session

sociopolitical and urban transformation 19H00 • 19H30

debate


Parte 2

Diálogo Polifónico PNK INÊS MOREIRA As Post-Nostalgic Knowings, tal como as conceptualizámos e ensaiámos nestes Colectivos Pláka, são conscientes dos abismos que os lamentos nostálgicos trazem às realidades dos lugares urbanos: a nostalgia reduz a agência do “eu” no presente. Por isso, as Post-Nostalgic Knowings reagem-lhes, sacodem-nas, inventando “outras” tácticas de leitura e de intervenção com que se vão organizando. Ficam para trás as abordagens estritas da memória, da história, ou do património. As ideias de práticas e conhecimentos pós-nostálgicos implicam considerar tanto as tentativas de diálogo entre autores e espaços, considerando vozes, imagens e matérias do passado como de abordagens propositivas e alternativas àquelas dominantes — especialmente na Europa Ocidental. Procurámo-las nas ideias e projectos dos autores que convidámos para dar corpo ao curso: a curadora Aneta Szyłak (Polónia) — comigo co-responsável pelo curso —, o artista Anton Kats (Ucrânia/ Reino Unido), os arquitectos Jonas Žukauskas (Lituânia), Elena Lacruz (Espanha) e a curadora Solvita Krese (Letónia). Entre sessões públicas e momentos de trabalho em pequenos grupos, entre workshops de criação artística e momentos de apresentação de interesses individuais, o programa Post-Nostalgic Knowings proporcionou um intenso momento de reflexão e criação. A recepção do programa teve uma peculiar interlocução e agitação junto dos diversos participantes, que debateram, fotografaram, escreveram e desenharam as suas reflexões em volta das formulações dos vários conferencistas convidados. Pareceu-nos por isso relevante compreender a sua recepção tanto da noção de pós-nostalgia como, em sentido mais amplo, a sua percepção dos corpos de trabalho apresentados. O Diálogo Polifónico PNK, Parte 2 deste livro, dá espaço às vozes e imagens recolhidas de cadernos de bordo que foram connosco partilhados. Tendo a zona oriental do Porto, e o Freixo em particular, sido local dos nossos interesses ao longo dos anos, começamos com um velho caderno de 2010 de Filomena Nascimento, então estudante de arte, do qual se seleccionam fotografias a preto e branco, cruas. Realizadas no Freixo a propósito de um workshop da Faculdade de Belas Artes, destaca-se aquela do interior da Central Termoeléctrica do Freixo, ainda com a coberta intacta, local onde se lê: Chernobyl. Intercalam-se vozes e imagens colhidas de quatro cadernos criados ao longo do curso, que se apresentam em diálogo, começando pelos registos visuais e materiais do caderno do arquitecto Orlando Gilberto-Castro, que recorre a colagens, apontamentos, desenhos e montagens que ampliam as questões do curso com uma linguagem poética do próprio autor. Segue-se um registo em tom de reportagem sobre os conteúdos e actividades dos vários dias de curso, o caderno de textos de Laurem Crossetti , investigadora em museologia e curadoria, que objectivamente reporta as ideias e projectos apresentados nas conferências, os resultados dos workshops e a ambiência geral do curso. A reportagem diária vai sendo intercalada por imagens da reportagem fotográfica de Renato Cruz Santos que documentou as actividades e expande a relação entre os espaços históricos e as infraestruturas arquitectónicas ocupados e visitados, tornando evidentes as relações performáticas com os corpos que os habitaram ao longo das diversas actividades: a estação elevatória das águas, os túneis e pontes do comboio, as máquinas e tubos desactivados nos jardins, as mesas, materiais e auditórios habitados. Num registo gráfico e criativo, o caderno de Miguel Teodoro levanta o véu das ideias que propôs como intervenção na encosta do Freixo, uma das actividades colectivas do workshop de Anton Kats, o Takeover Infraestrutural do Freixo. As práticas e conhecimentos pós-nostálgicos reverberam ao longo da Parte 2, numa polifonia e intertextualidade em que vozes e imagens ampliam os entendimentos sobre os lugares do curso e as ideias dos seus convidados. 1  A versão completa do caderno de Laurem Crossetti pode ser consultada no blog: postnostalgic.wordpress.com

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Part 2

Polyphonic Dialogue PNK INÊS MOREIRA Post-Nostalgic Knowings, as we conceptualise and essay them in these Colectivos Pláka, are fully aware of the gaps that may result from the realities of urban spaces due to nostalgic longing for the past: nostalgia reduces the agency of the “I” in the present. For this reason, Post-Nostalgic Knowings react to those urban spaces, shake them up, while inventing “other” interpretation and intervention tactics that they deploy to organise themselves. Narrow approaches to memory, history, or heritage are left behind, so that other approaches can come forward. Post-Nostalgic Knowings and practices imply considering both the attempts of dialogue between authors and spaces, considering voices, images and material from the past, as well as propositional and alternative approaches to these dominant forces — especially in Western Europe. We have searched for them in the ideas and projects of the artists which we invited to hold the course: the curator Aneta Szyłak (Poland) — who jointly coordinated the course with me —, the artist Anton Kats (Ukraine/ United Kingdom), the architects Jonas Žukauskas (Lithuania) and Elena Lacruz (Spain) and the curator Solvita Krese (Latvia). Between public sessions and small working groups sessions, between artistic creation workshops and sessions to present individual approaches, the programme of Post-Nostalgic Knowings provided an intense moment of reflection and artistic creation. The reception of the programme had a peculiar interlocution and agitation among the various participants, who discussed, photographed, wrote and traced their reflections around the formulations of the various guest speakers. It therefore seemed to us relevant to understand the ways in which they perceived the concept of post-nostalgia and, in a broader sense, their perception of the bodies of work that were presented. The Polyphonic Dialogue PNK, Part 2 of this book, provides space to the voices and images collected from the notebooks shared with us. Given that over recent years we have been interested in the eastern side of Porto, and Freixo in particular, we began with an old notebook, written in 2010 by Filomena Nascimento, then an art student, from which we selected raw black and white photographs. Taken in Freixo, in the context of a workshop at the Faculty of Fine Arts, the photos explore the interior of the Freixo Thermoelectric Power Station, still with its intact roof covering, where we read the graffiti word: Chernobyl. We interpolate a combination of voices and images collected from four notebooks created during the course, that are presented in a dialogue. To begin with, the visual records and materials taken from the notebook of the architect Orlando Gilberto-Castro, who uses collages, notes, drawings and montages to expand the questions raised in the course, using his own authorial poetic language. This is followed by a record in the form of a report about the contents and activities of the various days of the course, a weblog written by Laurem Crossetti1, a researcher in museology and curatorship, who objectively chronicles the ideas and projects presented at the conferences, the results of the workshops and the general atmosphere of the course. The daily reports are interpolated with images of the photographic report by Renato Cruz Santos, who documented the activities and expanded the relationship between the historic spaces and architectural infrastructures which were occupied and visited, highlighting the performative relations with the bodies that inhabited them during the various activities: the water pumping station, the train tunnels and bridges, the deactivated machines and pipes in the gardens, the inhabited tables, materials and auditoriums. In a graphic and creative record, Miguel Teodoro´s notebook lifts the veil on his proposed ideas to intervene in the slope of Freixo, one of the collective workshop activities proposed by Anton Kats, Freixo Infrastructural takeover. Post-Nostalgic Knowings and practices reverberate throughout Part 2, as polyphony and intertextuality in which the voices and images expand the understanding of the places explored throughout the course along with the ideas raised by the guest speakers. 1  The full version of Laurem Crossetti´s text can be read in the weblog: postnostalgic.wordpress.com

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From an old notebook FILOMENA NASCIMENTO

Há 10 anos, enquanto estudante na FBAUP, propuseram-me um exercício de reflexão critica sobre a questão da memória associada ao lugar, olhando para a encosta do Freixo, no Porto. O exercício acompanhava as estratégias performativas e fotográficas de “Os Espacialistas”. Trabalhar a memória coletiva de um lugar permitiu adquirir uma nova ferramenta operativa para pensar o projeto que, desde então, me permite olhar para os lugares através de outros ângulos e descobrir novas geografias dentro desse mesmo espaço. Enquanto arquiteta e investigadora esta é uma prática que continuo a utilizar, a recusa em ver apenas o óbvio através da procura das diferentes dimensões que compõem o lugar. O registo dessa descoberta é diverso (fotografia, desenho, vídeo, som, etc.) mas o resultado é sempre um novo lugar. Um novo espaço de flexibilidade e reflexão que abre portas a projetos mais humanizados e enraizados no próprio lugar.

10 years ago, as a student at FBAUP, I was proposed an exercise in critical reflection on the issue of memory associated with place, by looking at the Freixo hillside, in Porto. The exercise observed the performance and photographic strategies of the group “Os Espacialistas”. Working with the collective memory of a place enabled me to acquire a new operational tool to think about the project that, since then, has enabled me to look at places from new angles and discover new geographies within that same space. As an architect and researcher, I continue to use this practice, i.e. the refusal to only see the obvious aspects, and instead search for the various different dimensions of the place. The record of this discovery includes multiple elements (photography, drawing, video, sound, etc.), but the result is always a new place. A new space of flexibility and reflection that opens doors to more humanised projects, rooted in the place itself.

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Notebook #1 ORLANDO GILBERTO-CASTRO




Notebook #2 LAUREM CROSSETTI

Dia 1

História não é o passado — é o presente. (AS) Aneta Szyłak proferiu a conferência inaugural com o título Curadoria do contexto — como os estaleiros de Gdańsk se tornaram em algo mais a conhecer, onde falou sobre sua metodologia e táticas curatoriais, com destaque para a mudança de paradigma de curadoria em contexto em direção a uma curadoria de contexto. Szyłak também apresentou brevemente os processos de desenvolvimento do estaleiro de Gdańsk desde os anos 1980 até a atualidade. • 1946: fundação do estaleiro de Gdańsk, uma iniciativa estatal dedicada à produção e reparação ferroviária e naval; • 1980’s: o estaleiro é o cenário de uma das maiores greves de funcionários da indústria e é local da fundação do Partido Solidariedade, numa das primeiras campanhas anti-comunismo na União Soviética; • 1990’s: numa fase de tensões económicas, o estaleiro não é rentável financeiramente, entretanto o governo o mantém aberto para evitar conflitos. • Atualmente, o estaleiro emprega cerca de 10% do número de funcionários que costumava ter na sua época auge. As intervenções culturais no local começaram nos anos 2000 e Aneta fez parte da equipe em momentos distintos (2000, 2014 e 2019). Na sua apresentação, destacou algumas exposições e obras que considera significativas para o entendimento da proposta de “práticas situadas”, isto é, que são resultado de um diálogo intenso com o local/ contexto, tais como 6 day week (2004), de Jan Simon, o vídeo de Mikal Szlaga sobre as demolições do estaleiro (2010-2012) e A Subjective Bus Line†, proposta do artista Grzegorz Klaman. Szyłak encerrou sua fala destacando que, neste processo de curadoria de contexto, é importante compreender que os processos culturais e artísticos não são nem devem sentir-se responsáveis pelo contexto, no sentido de solucionar seus problemas. Mesmo a produção de caráter ativista não existe para, necessariamente, resolver, mas para apontar, refletir e expandir o alcance público de determinadas problemáticas. Talvez a maior contribuição da curadoria de contexto seja exatamente transformar estórias em histórias, inscrevendo-se e escrevendo na posteridade.

Subjective Bus Line (2009), Grzegorz Klaman, fotografia de / photography by Michał Szlaga

† www.e-flux.com/announcements/36627/grzegorz-klaman-a-subjective-bus-line

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LAUREM CROSSETTI

Day 1

History isn’t past — it’s present. (AS) Aneta Szyłak gave the inaugural conference, entitled Curating context — how Gdańsk Shipyard turned into something more to know, in which she talked about her curatorial methodology and tactics, placing emphasis on the paradigm shift from curatorship in a context towards curatorship of context. Szyłak also briefly presented the development processes of the Gdańsk shipyard from the 1980s to the present day. •

1946: foundation of the Gdańsk shipyard, a state initiative that was dedicated to railway and ship production and repair;

1980s: the shipyard was the scene of one of the country’s biggest strikes by industrial workers and was the birthplace of the Solidarity Party, one of the first anti-Communist campaigns in the Soviet Union;

1990s: in a period of economic tension, the shipyard was not profitable, but the government kept it open, to avoid conflict.

The shipyard currently employs about 10% of the former number of employees it employed at its peak. Cultural interventions on the site began in the 2000s and Aneta was part of the team at different

times (2000, 2014 e 2019). In her presentation, she highlighted several exhibitions and works that she considers to be significant to understand the proposal of “situated practices”, i.e. that resulted from intense dialogue with the place/ context, such as the 6 day week (2004) by Jan Simon, Mikal Szlaga’s video on the demolitions of the shipyard (2010-2012) and A Subjective Bus Line, proposed by the artist Grzegorz Klaman. Szyłak ended her presentation by pointing out that, in this process of context-based curatorship, it is important to understand that cultural and artistic processes are not, and should not, feel responsible for the context, in order to resolve their problems. Even an activist initiative does not necessarily exist to solve but rather to point out, reflect and expand the public reach of certain issues. Perhaps the greatest contribution of context-based curatorship is exactly the transformation of stories into history, inscribing them therein and effectively writing for posterity.

Subjective Bus Line (2009), Grzegorz Klaman, fotografia de Michał Szlaga / photography by Michał Szlaga

† www.e-flux.com/announcements/36627/grzegorz-klaman-a-subjective-bus-line

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LAUREM CROSSETTI

Dia 2

A arquitetura não é feita apenas da sua materialidade, mas também dos eventos que ali decorrem. (EL) Elena Lacruz apresentou a conferência Anti-Monumentos e a paisagem contemporânea — as Ilhas Canárias, que remete para o tema desenvolvido na sua tese de doutoramento apresentada recentemente com o título Anti-Monuments of the Canary Islands: Modern Ruins and Abandoned Places as Elements of Identity and Transformation of Touristic Landscapes. Lacruz apresentou a sua pesquisa que culminou na definição do conceito de anti-Monumento1. Referindo um breve historial da ruína e da arquitetura destruída como tema na História da Arte: no séc. XVIII, a ruína clássica, embebida em nostalgia; no séc. XIX, o aspecto simbólico das ruínas; e já no séc. XX, no momento pós-guerras mundiais, a ruína como destruição. Lacruz comentou também sobre a atual obsessão com a ruína e o abandonado que adquire diversas designações e versões, como ruinscapes, edgelands, drosscapes, modern ruins, urban exploration (urbex), ruin porn, entre outros. Também no contexto da arte contemporânea a ruína é assunto recorrente, assim como um aprofundamento na exploração da arquitetura não apenas em seu aspecto tectônico — o construído, a materialidade —, mas também subjetivo, como (des)materialização do tempo. Nesse sentido, a obra de Paul Virilio é seminal. Para chegar à ideia de anti-Monumento, discutiu sucintamente o “Monumento”, um conceito que, com o passar do tempo, adquiriu diferentes contornos. No século XVII, por exemplo, os monumentos ligavam-se muito mais ao caráter histórico/ memorial daquilo que celebravam, enquanto no século XIX a prioridade era dada ao aspecto estético. Já no século XX, o monumento começa a ser lido à partir de uma panóplia de conceitos e significados dentro do mundo da arquitetura: além do memorial histórico e do monumento patrimonial, Giedieon fala da “Nova Monumentalidade”, Rossi refere-se aos “Artefatos Urbanos”, e Venturi e Scott Brown refletem sobre o “Simbolismo”. No campo das artes, alguns contrapostos são o novo monumento de Robert Smithson e o non-u-ment de Matta-Clark. Lacruz aponta para as dicotomias entre o monumento e o anti-Monumento, ligando o segundo conceito à heterotopia, ao futuro, ao sublime, aquilo que é esquecido, não linear e assustador. Assim, o anti-Monumento é um mecanismo de ler e entender o que está abandonado, reavaliando os “espaços mortos” em seu atual estado, condição e valor, num contexto específico. Foram também apresentados os conceitos de abandono vs. obsolescência, decadência vs. arruinamento, desordem, invasão e informalidade, que se resumem: • Abandono diz respeito à relação entre valor e uso; obsolescência refere-se ao valor ligado à relevância. • Decadência está conectada ao que ainda existe (persiste); enquanto o arruinamento fala sobre aquilo que já desapareceu (processo). • Desordem é o que desvia da norma e da regulação dos espaços modernos, o que está “fora de lugar” gera desordem. • Invasão é a infiltração ilegal, que cria uma ligação entre o visitante e o anti-Monumento. • Informalidade refere-se ao espaço não projetado. Por fim, Lacruz partilhou uma série de imagens dos anti-Monumentos que mapeou nas Ilhas Canárias durante o seu trabalho de campo. Curiosamente, as fotografias realçam o caráter monumental destes anti-Monumentos.

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LAUREM CROSSETTI

Day 2

Architecture is not solely made up of its material dimensions, but also of the events that take place there. (EL) Elena Lacruz presented the seminar, Anti-Monuments and contemporary landscape: The Canary Islands, addressing the theme developed in her PhD thesis, that she recently presented, entitled Anti-Monuments of the Canary Islands: Modern Ruins and Abandoned Places as Elements of Identity and Transformation of Touristic Landscapes. Lacruz presented her research that culminated in the definition of the concept, Anti-Monument. Referring to a brief history of the ruin and destroyed architecture as a theme of Art History: in the 18th century, the classic ruin, steeped in nostalgia; in the 19th century, the symbolic aspect of ruins; in the 20th century, in the post-world war periods, ruin was explored as destruction. Lacruz also commented on the current obsession with ruins and abandoned buildings that has been given several designations and versions, such as ruinscapes, edgelands, drosscapes, modern ruins, urban exploration (urbex), ruin porn, among others. In the context of contemporary art, ruin is also a recurring subject, furthering in the exploration of architecture not only its tectonic aspect — the built materiality — but also its subjective dimension, as (de)materialization of time. Paul Virilio has produced a seminal work on this topic. To arrive at the idea of Anti-Monument, she briefly discussed the understanding of the “Monument”, a concept that has acquired different outlines over time. In the 17th century, for example, monuments were primarily linked to the historical/memorial character of what they celebrated, while in the 19th century, priority was given to the aesthetic dimension. In the 20th century, the monument began to be interpreted on the basis of a panoply of concepts and meanings within the world of architecture. In addition to the question of historical record and heritage monument, Giedion has talked about the “New Monumentality”, Rossi refers to “Urban Artifacts”, and Venturi and Scott Brown have reflected on “Symbolism”. In the field of the arts, some opposite perspectives include Robert Smithson’s new monument, and Matta-Clark’s non-u-ment. Lacruz highlighted the dichotomies between the monument and the Anti-Monument, linking the latter to heterotopia, to the future, to the sublime, that which is forgotten, non-linear and frightening. The Anti-Monument is thus a mechanism which enables us to read and understand that which is abandoned, re-evaluating “dead spaces” in their current state, condition and value, in a specific context. The concepts of abandonment vs. obsolescence, decay vs. ruin, disorder, invasion and informality, can be summarised as follows: •

Abandonment concerns the relationship between value and use; obsolescence concerns the value that is associated to relevance.

Decay is linked to that which still exists (persists); while falling into ruin refers to that which has already disappeared (process).

Disorder is that which deviates from the norm and the regulation of modern spaces — that which is “out of place” generates disorder.

Invasion is illegal infiltration, which creates a link between the visitor and the Anti-Monument.

Informality refers to the non-planned space. Finally, Lacruz shared a series of images of Anti-Monuments that she has mapped in the

Canary Islands during her fieldwork. Interestingly, the photographs highlight the monumental nature of these Anti-Monuments.

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Elena Lacruz

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Elena Lacruz

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LAUREM CROSSETTI

Dia 2, 3 e 4

Sons são eventos, não fatos. (AK) Anton Kats, artista e músico nascido em Kherson, Ucrânia, apresentou a proposta de takeover que persiste ao longo de toda sua produção artística. Um dos projetos em destaque, West Street Narrowcast, foi desenvolvido em 2015 como parte de um programa de residência artística em Kingston, na Jamaica. O artista desenvolveu, juntamente com estudantes e residentes do bairro de Downtown, uma série de transmissões de rádio narrowcast — ou seja, de curto alcance ou alcance específico (oposto ao broadcast) —, explorando temas de interesse da comunidade local, tais como violência, poluição e colonização. Segundo o artista, “nesta série de programas de rádio e performances, diversos participantes apresentaram projetos em desenvolvimento e abriram-se para discussões e colaborações úteis para o dia a dia”. A produção de Kats dedica-se principalmente à criação colaborativa tendo como ponto de partida uma questão despertada pelo contexto, ou seja, são projetos responsivos, não pré-determinados. O workshop proposto, com o título Takeover Infraestrutural do Freixo, propõe observar, questionar e refletir sobre um ambiente designado — no caso, as adjacências da sede das Águas do Porto, na zona compreendida entre o Cemitério do Prado do Repouso e a Ponte do Freixo — com a intenção de propor uma resposta artística, que poderia materializar-se em qualquer formato (áudio, experiência, performance, objeto, etc.). Inicialmente, Kats propôs alguns exercícios direcionados ao foco, à atenção e aos modos de relacionar-se. Em um deles, os participantes foram divididos em duplas, onde um caminhava de olhos fechados tendo como única direção as instruções dx parceirx, que, posicionadx logo atrás, enviavam comandos através de sinais corporais muito sutis. Também foram propostos exercícios para a ativação da escuta, onde os participantes foram convidados a prestar atenção ao ambiente em redor e listarem os sons que ouviam. Após uns 10 minutos de escuta atenta, discutiram-se as categorias dos sons: humano, natureza ou tecnologia. Kats comentou como ele próprio costuma ter dificuldades em categorizar sons, citando como exemplo o barulho emitido por um carro — usualmente, enquadra-se na categoria tecnologia, mas, se pararmos para pensar, é preciso uma ação humana para o ruído acontecer. O artista lembrou-nos que sons não são fatos mas sim eventos, ou seja, são percepcionados de maneira diferente por cada indivíduo e interpretados de maneira singular. Levantando a proposta de que a escuta não precisa necessariamente ser uma ação passiva, mas que possui um imenso potencial generativo, Kats desafiou os participantes do curso a criarem uma resposta artística ao ambiente que estava sendo explorado. Para o desenvolvimento do projeto num período tão restrito, os participantes foram divididos em dois grupos, e, durante os dois dias seguintes, reuniram-se para debater e criar. O resultado foi compartilhado na tarde do dia 2 de outubro, seguido de uma conversa-debate com as tutoras Inês Moreira e Aneta Szyłak e o convidado Jonas Žukauskas. Um dos grupos propôs uma atividade de escuta e fala dentro do túnel da antiga linha de comboio, localizado próximo à Rua do Barão de Nova Sintra. A ideia era tirar partido dos ecos e reflexos auditivos proporcionados pelo espaço, convidando os participantes — sentados em diferentes locais do túnel e com os olhos fechados — a dizerem uma frase pela metade, em aberto, deixando a continuidade da sentença para o próximo participante. A experiência apenas terminou quando um transeunte atravessou o túnel e, sem se sentir intimidado pela atmosfera atenta, participou à sua forma da performance, recebendo uma salva de palmas dos participantes. O segundo grupo construiu uma série de “objetos de ver”, elementos remodelados a partir de caixas de mudança que condicionavam a visão e alteravam a percepção do ambiente. Os participantes foram convidados a caminhar por um determinado percurso vestindo/ utilizando estes objetos, de forma a terem uma nova experiência do espaço.

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west street narrowcast (2015) Anton Kats em / in Kingston, Jamaica

LAUREM CROSSETTI

Day 2, 3 and 4

Sounds are events, not facts. (AK) Anton Kats, artist and musician born in Kherson, Ukraine, presented his proposal of takeover which underpins his entire artistic production. One of the highlighted projects, West Street Narrowcast, was developed in 2015 as part of an artistic residency programme in Kingston, Jamaica. Working together with students and residents of the Downtown neighbourhood, he produced a series of narrowcast radio transmissions — i.e. short-range or specific range communications (as opposed to broadcasting) —, in which he explored themes of interest to the local community, such as violence, pollution and colonisation. According to the artist, “in this series of radio programmes and performances, several participants presented projects under development and showed their willingness to enter into discussions and collaborations that are useful for everyday life”. Kats’s production is mainly dedicated to collaborative creation, taking as its starting point an issue that is stimulated by the context, i.e. they are responsive projects, and not predetermined. The proposed workshop, entitled Freixo Infrastructural Takeover, aims to observe, question and reflect on a designated environment — in this case, the surroundings of the headquarters of Águas do Porto, in the area between the Prado do Repouso Cemetery and the Freixo Road Bridge — with the intention of proposing an artistic response, which could be materialised in any format (audio, experience, performance, object, etc.).

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Initially, Kats proposed several exercises directed towards the issues of focus, attention and different ways of relating. In one of these exercises, the participants were divided into two-person teams. One of the team members walked with his eyes closed, solely directed by his partner’s instructions, who, positioned just behind him, sent commands using very subtle body signals. Exercises for activating listening processes were also proposed, in which participants were invited to pay attention to the surrounding environment and identity and list the sounds that they heard. After about 10 minutes of careful listening, the participants discussed the categories of sounds: human, nature or technology. Kats explained how he usually has difficulties in putting sounds into different categories, citing as an example the noise emitted by a car — which is usually placed in the technology category, but, if we stop to think, it requires human action for the noise to happen. The artist reminded us that sounds are not facts, but events, i.e. they are perceived differently by each individual and interpreted in a unique way. Kats suggested that listening does not necessarily have to be a passive action, but has tremendous generative potential, and challenged the course participants to create an artistic response to the environment that was being explored. For the development of the project in such a restricted period of time, the participants were divided into two groups, and met to discuss and create over the following two days. The results were shared on the afternoon of October 2nd, followed by a conversation-debate with the tutors Inês Moreira and Aneta Szyłak and the guest Jonas Žukauskas. One of the groups proposed a listening and speaking activity inside an old railway tunnel, located near the Rua do Barão de Nova Sintra. The idea was to take advantage of the echoes and auditory reflexes provided by the space. The participants sat in different places in the tunnel and with their eyes closed were asked to say half a sentence, leaving the next participant to continue it. The experience only ended when a passerby walked through the tunnel and, without being intimidated by the attentive atmosphere, provided his or her performance, greeted by a round of applause from the participants. The second group built a series of “objects for seeing”, elements that were remodelled from moving boxes that conditioned the view and altered the perception of the environment. Participants were invited to walk along a certain route wearing/ using these objects, in order to gain a new experience of the space.

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Visual Report Renato Cruz Santos

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Notebook #2 LAUREM CROSSETTI

Dia 4

Take a walk on the East side Jorge Ricardo Pinto, geógrafo urbano e conhecedor da zona oriental do Porto, guiou o grupo num percurso que saiu das Águas do Porto, a empresa municipal responsável pelo tratamento e abastecimento de água da cidade. Situada na parte oriental do Porto, na zona localizada entre o Cemitério do Prado do Repouso, a Estação de Comboios de Campanhã e a Ponte do Freixo, a área está repleta de edifícios históricos, infraestruturas e ruínas que nos revelam estórias escondidas, destes e de outros tempos. O percurso teve início da própria Quinta de Nova Sintra, que, num passado não muito longínquo, foi propriedade de uma família de origem britânica, os Wright, tendo sido comprada pela Câmara Municipal do Porto em 1932 para alojar o SMAS — Serviços Municipalizados de Água e Saneamento. Um passeio pelo parque permite vislumbrar diferentes períodos históricos e variados usos que o espaço foi adquirindo, desde o casario burguês, os canteiros e recantos românticos, até às fontes e chafarizes deslocados de diversas partes da cidade, como pedaços de tubos, maquinaria e outros fragmentos industriais. Antes de chegarmos à antiga linha de comboio que ligava Campanhã à Ponte Maria Pia, passámos pela ruína daquilo que um dia foi a casa de Aurélio Paz dos Reis, reconhecido floricultor que, neste palacete na Rua do Barão de Nova Sintra 125, cultivava as sementes e flores que vendia. Era também comerciante (vendeu máquinas de escrever e automóveis) e tinha imenso interesse pela fotografia e pelo cinema; foi, inclusive, o responsável por trazer o cinema e a máquina de filmar a Portugal, sendo o criador da primeira película feita na cidade, intitulada A Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança, em 1896. O palacete encontra-se totalmente abandonado e em avançado estado de ruína, e ainda que o personagem de Aurélio tenha uma história brilhante e de reconhecida importância na cidade, não há qualquer informação ou sinalização no local. Descemos as escadarias na Travessa da China até à Travessa da Nova China, num cruzamento de toponímias misteriosas, até chegarmos ao túnel sob a atual linha de comboio, chegando aos trilhos da antiga linha, desativada há mais de 25 anos. Daqui, podemos ver infraestruturas de diferentes épocas, tal como as atuais linhas dos caminhos de ferro e suas estruturas de arcos em betão, a antiga linha de comboio, em alguns trechos totalmente inexistente e sustentada por estruturas de madeira, ruas de pedra e as construções contemporâneas que dão a largada à especulação imobiliária na área. Tudo isso pontuado por uma belíssima vista do rio Douro. Encerramos a visita parando nas ilhas, em direção ao ponto de partida da caminhada, onde Jorge Ricardo Pinto explicou a história destas habitações operárias, que originalmente abrigavam os trabalhadores das indústrias locais e que cresceram exponencialmente junto com o aumento acelerado da população urbana em finais do século XIX. Estas ruelas cheias de pequenas casas espalhadas pelo Porto, onde normalmente habitavam numerosas famílias e havia um distinto sentido de comunidade, hoje são — não exceção — alvo da crescente especulação imobiliária que, pouco a pouco, chega também ao lado oriental da cidade, tido, até então, como último reduto do Porto tradicional.

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Location Is Subjective. Laurem Crossetti

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LAUREM CROSSETTI

Dia 4

Take a walk on the East side Jorge Ricardo Pinto, urban geographer, with in-depth knowledge of the eastern zone of Porto, guided the group on a walking tour that began in the premises of Águas do Porto, the municipal company that is responsible for the city’s water supply and treatment. Located in the eastern zone of Porto, between the Prado do Repouso cemetery, the Campanhã train station and the Freixo road bridge, the area has many historic buildings, infrastructures and ruins that reveal hidden stories of the present and past. The itinerary began in the Quinta de Nova Sintra, which, in the not-too-distant past, was owned by a family of British origin — the Wrights — and was purchased by the Porto City Council in 1932 to house SMAS — the Municipal Water and Sanitation Services. A walk through the park offers a glimpse of the different historical periods and the varied uses of the space, ranging from bourgeois houses, flower beds and hidden romantic recesses, to the fountains displaced from different parts of the city, as well as bits of pipes, machinery and other industrial fragments. Before arriving at the old train line that used to connect Campanhã train station to the Maria Pia Bridge, we passed through the ruin of the former home of Aurélio Paz dos Reis, a renowned florist trader who, in his mansion on the Rua do Barão de Nova Sintra 125, cultivated seeds and flowers that he then sold. He was also a merchant (he sold typewriters and automobiles) and was immensely interested in photography and cinema; he was even responsible for bringing cinema and the film camera to Portugal, and shot the first film made in the city, entitled The Departure of Workers from Fábrica Confiança, in 1896. The former mansion is totally abandoned and in an advanced state of ruin. Although Aurélio Paz dos Reis had a brilliant history and is an important figure for the city, there is no information about him or memorial signs in the site. We descended the steps of the Travessa da China until the Travessa da Nova China, through a crossroads of mysterious names, until reaching the tunnel under the current railway line, and arrived at the tracks of the old line that was removed from service over 25 years ago. From here, we can see various infrastructures from different eras, such as the current railway lines and their concrete arch structures, the old railway line, in some parts totally non-existent and supported by wooden structures, stone cobbled streets and contemporary buildings which indicated the level of real estate speculation in the area. All this interspersed by beautiful views of the Douro River. We ended the visit by stopping in the “islands” of worker’s houses, leading us back to the starting point of the itinerary where Jorge Ricardo Pinto explained the history of these worker’s dwellings, which originally served to provide homes for laborers from local industries, which expanded exponentially together with the accelerated increase in the urban population at the end of the 19th century. These alleys filled with small houses, that are scattered around Porto, where large families used to live, with a strong sense of local community, are today — no exception to the general rule — the target of rising real estate speculation that, little by little, is also reaching the eastern zone of the city, which until now had been the last stronghold of traditional Porto.

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Visual Report Renato Cruz Santos

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Notebook #3 Dia 5

Vilnius Notebook, Mindaugas Navakas

LAUREM CROSSETTI

O Antropoceno é lindo. (JZ) O arquiteto e curador Jonas Žukauskas, na masterclass, intitulada Perspetivas sobre a transformação espacial, apresentou referências e introduziu um recorte contextual e histórico dos países bálticos. Das referências pessoais, vale a pena destacar aqui o livro We Have Never Been Modern, de Bruno Latour, e o filme Stalker, de Tarkovsky. Na introdução panorâmica ao contexto báltico, em especial a história da Lituânia, Žukauskas chamou-nos a atenção para os processos de controle levados a cabo pelo estado soviético — ocupação que perdurou desde o final da Segunda Guerra Mundial até à restauração da independência em 1991. O trabalho rural, por exemplo, era obrigatoriamente coletivo e controlado pela União Soviética, e, a partir dos anos 40, os camponeses foram deslocados de suas terras para fazendas coletivas, o que acabou causando uma das maiores crises alimentares da época¹. Žukauskas apresentou fotografias e vídeos destas fazendas coletivas, espécies de comunidades forçadas que, após a independência, foram totalmente abandonadas. Falou da tendência moderna de planeamento objetivando o controle — não apenas urbanístico, mas de toda a(s) sociedade(s). No contexto socialista, o planeamento era centralizado em Moscovo e não tinha a intenção de atender à particularidades regionais e/ ou locais, de forma a não responder a determinadas necessidades e, pior ainda, criar infraestruturas e edifícios que acabariam inutilizados e abandonados. Então, a partir de uma perspectiva pós-nostálgica, como ler/ entender/ ativar estes espaços? O artista lituano Mendugas Navakaz propôs, na série de colagens Vilnius Notebook, intervenções em espaços públicos onde combina suas esculturas de cimento e ferro com edifícios existentes na cidade: 1  Para uma leitura mais aprofundada: Hess D., Tammaru T. (eds), Housing Estates in the Baltic Countries. The Urban Book Series, 2019. Springer, Cham.

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Vilnius Notebook, Mindaugas Navakas

Deambulando pelas ruas de Vilnius, Navakas sentia-se atraído pelo espaço da cidade. Ainda incapaz de criar projectos reais para estes locais, limitava-se a fotografar os sítios que lhe prendiam o olhar, diferentes estruturas de arquitectura histórica e contemporânea. De volta ao seu estúdio, observava as fotografias e criava modelos para esculturas que espelhassem a especificidade de cada local. Estas peças denunciavam um certo ar irónico e pós-moderno. Mais tarde, fotograva os seus modelos, cortava as fotos em pedaços e inseria-as em forma de colagem na foto do local que lhe interessava. Por último, retocava a imagem que havia produzido. Com ajuda de amigos, estas imagens chegaram à fase de impressão e, tal como as páginas dos quotidianos Komjaunimo tiesa (Komsomol Verdade) e Tiesa (A Verdade), passaram por um processo de gravação em chapas zincográficas. Estas chapas foram depois usadas para impressão e eventualmente anexadas ao primeiro Vilnius Notebook. Galeria Nacional de Arte da Lituânia.

A primeira tentativa de expor essa série de colagens, na sede da União dos Arquitetos da República Soviética da Lituânia em 1986, durou apenas algumas horas, pois as obras foram consideradas inapropriadas. Em 2016, durante a Bienal de Arquitetura de Veneza, estes mesmos trabalhos foram apresentados no Pavilhão Báltico, contando com Žukauskas como um dos comissários e parte da equipa de 9 curadores da exposição de 2016.

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Laurian Ghinitoiu, ArchDaily.

Foi exatamente sobre este projeto que o arquiteto nos falou durante sua sessão pública, na tarde do dia 3 de outubro. A representação nacional daquele ano explorou, a partir de uma perspectiva pós-nacional, estórias da exploração do território báltico. Duas questões destacam-se no conceito da exposição: o espaço expositivo designado para abrigar a representação nacional, o Palasport Giobatta Gianquinto (um ginásio esportivo localizado próximo ao Arsenale, pavilhão principal da Bienal de Veneza) e o conceito de Antropoceno. O inusitado local da exposição destaca-se no cenário veneziano por sua dimensão e estilo. Projetado por Enrichetto Capuzzo na década de 1970, o edifício brutalista é parte da rotina da vívida comunidade local, e, mesmo durante a realização da exposição para a Bienal, continuou funcionando como uma arena desportiva. A expografia da representação báltica foi divida em três estágios, ocupando o espaço central do ginásio num primeiro momento (de 28 de maio a 4 de setembro); funcionando concomitantemente a atividades esportivas (em junho, o local sediou uma competição de ginástica), tendo sido remontada num espaço menor do edifício (7 de setembro a 27 de novembro), posteriormente passando por diversos países. Além da preocupação social com o uso dos espaços e equipamentos urbanos sendo ocupados por propostas curatoriais e artísticas, a disposição dos elementos e objetos expositivos teve que levar em consideração as restrições — e possibilidades — do local. Sendo um espaço de enorme personalidade e riscos altos, a exposição não decepcionou: o pavilhão foi amplamente elogiado pela conquista expográfica, e pela relevância do conteúdo e pela forma engenhosa como explora a temática. Criando uma leitura em camadas, a curadoria permitiu diversos níveis de leitura, fator o que considero fulcral num evento com as dimensões da Bienal. Abordar o conceito de Antropoceno explica-se quando a proposta curatorial fala não apenas da arquitetura em sentido tectônico, mas numa abordagem mais ampla, que compreende a relação direta do ambiente construído com os territórios, com as suas potencialidades, transformações e motivações. Nesse sentido, a proposta curatorial do pavilhão busca desvelar, através do conhecimento

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Laurian Ghinitoiu, ArchDaily.

arquitetónico, as relações ideológicas por detrás da exploração dos recursos — naturais e não só — do território comum aos três países bálticos. Com foco em grandes infraestruturas (transportes, produção de energia e etc.), os nove curadores encontraram artefatos com o poder de narrar estas estórias, tendo sido escolhidas obras de arquitetos, cientistas, geólogos, antropólogos e filósofos. Maquetas misturam-se com amostras geológicas, fotografias (até com uma pilha de restos de madeira), tudo recoberto por uma espécie de céu artificial, um tecido branco que cobre todo o espaço e que, num gesto barroco, deixa o visitante entrever a exposição por entre pequenas aberturas. O Antropoceno nos mostra como tudo está intimamente relacionado, como não é mais possível separar o mundo natural do mundo criado pelo homem. Onde está o limite que separa natureza, arquitetura, política, ciência, engenharia…? Žukauskas falou principalmente sobre aquilo que nos rodeia, mas que não vemos. Camadas subterrâneas — terra, minérios, água, petróleo, gás — que sentimos, mas que não vemos objetivamente. De certa forma, o conhecimento arquitetónico necessita e convida à criação de dispositivos óticos — mapas, gráficos, maquetas — que mostram uma leitura da realidade escondida, que se torna invisibilizada pela sobreposição de camadas e mais camadas, desta vez não geológicas, mas políticas. A natureza já perdeu as suas ‘selvageria’ e ‘inviolabilidade’, passou a ser feita pelo homem, ao passo que as tomadas de decisão humanas são substituídas por robots e máquinas quase ou totalmente autónomas, mais rápidas, fiáveis e eficientes, que gerem e negoceiam informação que, por sua vez, molda infraestruturas globais contemporâneas. Os fluxos de informação de natureza financeira, legal ou militar cristalizam-se numa vasta gama de estranhos ‘produtos espaciais’, ‘zonas’ extra-territoriais e nós de construção. www.deepbaltic.com/2017/05/23/ground-haunting-photos-industry-baltic-winter

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The Baltic Atlas (2017) de/ by Kārlis Bērziņš, Jurga Daubaraitė, Petras Išora, Ona Lozuraitytė, Niklāvs Paegle, Dagnija Smilga, Johan Tali, Laila Zariņa e/ and Jonas Žukauskas

LAUREM CROSSETTI

Day 5

The anthropocene is beautiful. The architect and curator, Jonas Žukauskas, in the masterclass, Optics for Spatial Transformation, presented references and introduced a contextual and historical outline of the Baltic countries. He mentioned personal references such as the book, We Have Never Been Modern, by Bruno Latour, and the film Stalker, by Tarkovsky. In his panoramic introduction to the context of the Baltic countries, in particular the history of Lithuania, Žukauskas drew our attention to the control processes implemented by the Soviet state — which occupied the country from the end of World War II until the restoration of independence in 1991. Rural work, for example, had to be collective and was controlled by the Soviet Union. From the 1940s onwards, peasants were displaced from their land to collective farms, which led to one of the biggest food crises of the epoch2. Žukauskas presented photographs and videos of these collective farms, which were kind of forced communities that, after independence, were completely abandoned. He spoke about the modern tendency of planning to achieve control — not only urbanistic control, but of society/ societies as a whole. In the socialist context, planning was centralised in Moscow and had no intention of being adjusted to specific regional and/ or local characteristics or respond to certain needs. Worse still, it created infrastructure and buildings that ended up being unused and abandoned. So, from a post-nostalgic perspective, how should we read/ understand/ activate these spaces? 2  For a more in-depth understanding read: Hess D., Tammaru T. (eds), Housing Estates in the Baltic Countries. The Urban Book Series, 2019. Springer, Cham.

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In the series of collages, Vilnius Notebook, Lithuanian artist Mindaugas Navakas proposed interventions in public spaces, in which he combines his concrete and iron sculptures with existing buildings in the city. Wandering the streets of Vilnius, Navakas felt attracted by the space of the town. Still unable to create real projects for these locations, he simply photographed the spots that caught his eye, different structures of historical and contemporary architecture. Back in his studio, he looked at his photographs, and created site-specific models for sculptures. These pieces struck an ironic and postmodern note. Afterwards, he photographed his models, cut the pictures into pieces, and pasted the pieces into a collage on the picture of the site of interest to him. Finally, he retouched the image he had produced. With help from his friends, these images reached the printing presses, and, just like the pages of the dailies Komjaunimo tiesa (Komsomol Truth) and Tiesa (The Truth), they went through the process of being etched on zincographic plates. These plates were then used to make prints, and eventually bound in the first Vilnius Notebook. Galeria Nacional de Arte da Lituânia.

The first attempt to exhibit this series of collages, at the headquarters of the Union of Architects of the Soviet Republic of Lithuania, in 1986, lasted only a few hours, since the works were considered to be inappropriate. In 2016, during the Venice Biennale of Architecture, the same works were presented at the Baltic Pavilion. Žukauskas was one of the curators and part of the team of 9 curators of the 2016 exhibition. The architect spoke about this project during his public session, on the afternoon of October 3rd. Lithuania’s representation in 2016 explored, from a post-national perspective, stories of exploration of the Baltic territory. Two issues stand out in relation to the concept of the exhibition: the exhibition space that was designated to house Lithuania’s representation — the Palasport Giobatta Gianquinto (a sports gym located next to the Arsenale, the main pavilion of the Venice Biennale) and the concept of the Anthropocene. The unusual location of the exhibition stands out in Venice, due to its size and style. Designed in the 1970s, by Enrichetto Capuzzo, the brutalist building is part of the daily routine of the lively local community. Even during the Venice Biennale, it continued to function as a sports arena. The expographic planning of the Baltic representation was divided into three stages, it initially occupied the central space of the gym (from May 28 to September 4); operating concurrently with sports activities (in June, the site hosted a gymnastics competition), and was then reassembled in a smaller part of the building (September 7 to November 27), and was subsequently shown in several countries. In addition to the social concern associated to the use of urban spaces and equipment for curatorial and artistic purposes, the layout of the exhibition elements and objects had to consider the restrictions — and possibilities — of the site. The space had tremendous personality but also posed high risks, and the exhibition did not disappoint visitors: the pavilion was widely praised for its expographic achievements, for the relevance of its content and the ingenious way that it explored the theme. Creating a layered interpretation, the curatorship enabled different levels of reading, a factor which I consider to be central to an event with the dimensions of the Venice Biennale. Addressing the concept of the anthropocene can be explained through the curatorial proposal, which not only addressed architecture in a tectonic sense, but also used a broader approach, comprising the direct relationship between the built environment and the host territories, including their potential, transformations and motivations. In this sense, the pavilion’s curatorial proposal aimed to reveal, on the basis of architectural knowledge, the ideological relations that underpinned the exploitation of the resources — natural and others — of the common territory of the three Baltic countries. With a focus on large-scale infrastructures (transport, energy production, etc.), the nine curators discovered artifacts that have the power to narrate these stories, having chosen works by

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architects, scientists, geologists, anthropologists and philosophers. Scale models were mixed with geological samples, photographs (and even a pile of wooden scraps), all of which was covered by a kind of artificial sky, a white fabric that covered the entire space and, in a baroque gesture, allowed the visitors to glimpse the exhibition, through small openings. The anthropocene shows us how everything is closely interlinked and that it is no longer possible to separate the natural world from the man-made world. Where is the limit that separates nature, architecture, politics, science, engineering…? Žukauskas spoke primarily about what surrounds us, but that we can’t see. Underground layers — earth, ores, water, oil, gas — that we feel, but that we don’t see objectively. In a way, architectural knowledge requires and invites the creation of optical devices — maps, graphs, models — that show a reading of hidden reality, which is made invisible by the overlapping of layers and more layers — this time not geological, but political layers. Nature has already lost its ‘wildness’ and ‘inviolacy’, it has become man-made, while human decision-making is being replaced by faster, more reliable and efficient semi and fully autonomous robots and machines that manage and negotiate data that in turn shape contemporary global infrastructures. Information flows of financial, legal or military nature congeal into a wide array of strange ‘spatial products’, extraterritorial ‘zones’ and building nodes. www.deepbaltic.com/2017/05/23/ground-haunting-photos-industry-baltic-winter/

LAUREM CROSSETTI

Dia 6

O vazio como oportunidade. (SK) Durante a masterclass Vazio como oportunidade: a cultura como ferramenta de transformação urbana em Shrinking Cities, Krese apresentou-nos o conceito de shrinking cities (algo como cidades em encolhimento) usando a sua cidade natal, Riga, como exemplo. Riga é cidade portuária, criada oficialmente pelo século XIII e que, juntamente com os outros países Bálticos, reconquistou a independência em 1991. Em 2004, a Letónia entra para a União Européia e, assim como aconteceu em muitos outros países, enfrenta uma severa crise desde 2008. Desemprego e a consequente imigração são alguns dos principais motivos pelos quais a capital Riga, assim como muitas outras cidades do mundo, estariam encolhendo — segundo Krese, cerca de 40% das cidades estão seguindo este ritmo. Contrariando a visão irrealista neoliberal que apregoa o crescimento a todo custo, o decrescimento da população em cidades não precisa ser entendido como algo inerentemente negativo se medidas inteligentes forem tomadas (em inglês, utiliza-se o termo smart shrinking). Explorar o pós-nostálgico para enquadrar o potencial de infraestruturas e edifícios abandonados nestes locais em declínio faz, assim, sentido. Falar de edifícios abandonados, seja em cidades em encolhimento ou não, passa inevitavelmente pelo conceito de gentrificação. Krese apresentou-nos três exemplos de processos de gentrificação ocorridos em diferentes zonas de Riga. O primeiro trata-se de Anderjsala, antiga zona portuária da cidade ocupada por artistas mas que, eventualmente, transformou-se num espaço privatizado para escritórios e casas noturnas da moda; VEF (Valsts Elektrotehniskã fabrika), fábrica de produtos tecnológicos na época da ocupação soviética que, encontrando-se abandonada no período pós-independência, foi ocupada por atividades artísticas e, hoje, é um dos principais espaços dedicados à cultura da cidade; e, finalmente, Spikeri, antiga zona de armazéns transformada por uma camada de tinta artsy, hoje composta por condomínios residenciais com comércio e programação de eventos descolados3. Destacando as similaridades do contexto de Riga com a gentrificação que se passa atualmente no Porto, Krese propôs aos participantes que pensassem nas potencialidades de reocupação de zonas urbanas abandonadas. Considerando que estávamos imersos na zona do Freixo, foram brevemente desenvolvidas ideias para a ocupação da área à partir de proposições artísticas, criativas e 3  Para mais sobre o contexto imobiliário em Riga ligado à cultura e às artes, leia-se o artigo Bursting the bubble: Riga reworks its urbanist legacy (em inglês).

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considerando a comunidade local. O exercício permitiu aos participantes uma reflexão sobre o local que estávamos a explorar, suas particularidades e potências. A reflexão estendeu-se à sessão pública comandada por Krese, que falou com mais detalhes sobre o Festival Survival Kit, um dos eventos de arte contemporânea mais relevantes no Báltico. Criado em 2009 e organizado pelo Centro de Arte Contemporânea da Letónia, o festival surgiu da necessidade de se criar meios de sobrevivência para a arte em um contexto de crise, numa cidade repleta de edifícios abandonados e enfrentando um corte orçamentário de 62% nos fundos públicos para a cultura. A premissa do evento, portanto, uma questão social/ política relevante para o momento e a ocupação de um edifício vazio/ abandonado, buscando assim criar potencialidades no presente e, possivelmente, reverberações no futuro: Todos os anos, artistas são convidados a explorar um tema socialmente relevante e a considerar, igualmente, cenários alternativos de sobrevivência. Todos os anos, o festival acontece num lugar diferente — um edifício devoluto em Riga, manifestando, assim, as suas potenciais e possíveis estratégias de desenvolvimento. Krese apresentou algumas particularidades e destaques em cada uma das 10 edições, e como, em todas as edições, a curadoria do evento questiona o significado e a motivação para sua realização; um processo curatorial em constante auto-crítica que, sem dúvidas, reflete-se na qualidade dos projetos apresentados ano após ano. O Survival Kit 2, por exemplo, ocupou diversos espaços comerciais vazios com diferentes iniciativas; à partir da terceira edição, o festival ganhou temáticas específicas: Future Prognosis, Slow Revolution e Utopian City são alguns exemplos. Um dos projetos cuja pertinência chama a atenção para o contexto local do Porto é o Free Riga, que teve início com uma série de autocolantes escritos “Occupy me” indicando edifícios desocupados pela cidade. Ao tornar visível a todos a quantidade de espaços vazios, levou a então a pensar nas potencialidades daqueles lugares. Um grupo de pessoas mapeou os locais e organizou um movimento de ligação, conectando proprietários com futuros ocupantes, numa tentativa de reativar os edifícios desocupados. Hoje, Free Riga é uma ONG que trabalha em conjunto com a câmara municipal de Riga e é responsável por inúmeras reativações, tendo transformado temporariamente edifícios vazios em espaços expositivos, bares, restaurantes, casas de concerto, etc4… O contexto de Riga e, mais especificamente, a experiência de Krese em projetos artísticos que inevitavelmente acarretam transformações sócio-políticas e urbanas, reverberou aos ouvidos dos participantes que estavam, ao longo dos últimos seis dias, debatendo o potencial das Práticas Pós-Nostálgicas.

LAUREM CROSSETTI

Day 6

Void as opportunity. (SK) During the masterclass, Void as an opportunity — culture as tool for urban transformation in Shrinking Cities, Solvita Krese introduced us to the concept of shrinking cities using her hometown, Riga, as an example. Riga is a port city that was officially created in the 13th century, in Latvia, which, together with the other Baltic countries, regained its independence in 1991. Latvia joined the European Union in 2004 and, as with many other countries, has been facing a severe social and economic crisis since 2008. Unemployment and the resulting immigration are some of the main reasons why the capital Riga, like many other cities in the world, is shrinking. According to Krese, about 40% of the world’s cities are also shrinking. Contrary to the unrealistic neoliberal vision that proclaims growth at all costs, shrinking urban populations doesn’t necessarily have to be viewed as something that is inherently negative if intelligent measures are taken (in English, the term smart shrinking is used). It therefore makes sense to explore the post-nostalgic dimension to frame the potential of abandoned buildings and infrastructures in these declining locations. 4  Para saber mais, leia aqui o artigo Free Riga — void as opportunity.

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Speaking about abandoned buildings, in shrinking cities and elsewhere, inevitably involves discussion of the concept of gentrification. Krese provided us with three examples of gentrification processes that occurred in different parts of Riga. The first was Anderjsala, the former port area of the city that used to be occupied by artists, but eventually became a privatised space for chic offices and trendy nightclubs. The second example was VEF (Valsts Elektrotehniskā fabrika), a factory that produced technological products during the Soviet occupation and was then abandoned in the post-independence period, occupied by artistic activities and is today one of the main spaces dedicated to the city’s culture. Finally, Krese talked about Spikeri, an old warehouse area, transformed by a layer of artsy paint, now occupied by residential condominiums with trendy shops and events5. Highlighting the similarities between the context of Riga and the gentrification currently taking place in Porto, Krese suggested that participants should think about the potential for reoccupation of abandoned urban areas. Considering that we were in the heart of the Freixo area, different ideas on how the area could be occupied were briefly developed, based on artistic, creative propositions and considering the local community. The exercise enabled participants to reflect on the zone we were exploring, including its particularities and strengths. The discussion then extended to the public session led by Krese, who spoke in more detail about the Festival Survival Kit — one of the most relevant contemporary art events in the Baltic countries. Created in 2009 and organised by the Latvian Centre for Contemporary Art, the festival arose from the need to create means of survival for art in a context of social and economic crisis, in a city filled with abandoned buildings and which faces a 62% budget cut in public funds for culture. The premise of the event is therefore a social/ political issue of contemporary relevance and occupation of an empty/ abandoned building, thereby seeking to create potential in the present day and, possibly, reverberations for the future: Every year artists are invited to explore a socially significant theme, whilst also considering alternative scenarios of survival. Each year the festival is held in a different location — an empty building in Riga, thereby manifesting its potential and possible development strategies. Krese presented several particularities and highlights of each of the 10 editions, and how, in all of them, the curatorship strategy questioned the meaning and motivation for the event to be held; a curatorial process in constant self-criticism that is undoubtedly reflected in the quality of the projects presented year after year. For example, Survival Kit 2 occupied several empty commercial spaces with different initiatives. From the third edition onwards, the festival gained specific themes: e.g. Future Prognosis, Slow Revolution and Utopian City. One of the projects that is highly relevant for the local context of Porto is Free Riga, which began as a series of stickers bearing the message Occupy me that were used to identify vacant buildings in the city. By making the number of empty spaces visible to everyone, it inspired people to think about the potential of those places. A group mapped the respective sites and organised a liaison movement, connecting the property owners with future potential occupants, in an attempt to reactivate the vacant buildings. Today, Free Riga is an NGO that works with Riga city council and is responsible for various reactivations, having temporarily transformed empty buildings into exhibition spaces, bars, restaurants, concert halls, etc6… Given that, over the previous six days, the participants had been discussing the potential of Post-Nostalgic Knowings and practices, they were particularly fascinated by the context of Riga and, more specifically, Krese’s experience in artistic projects which inevitably lead to socio-political and urban transformations. 5  For more on the real estate context in Riga linked to culture and the arts, read the article Bursting the bubble: Riga reworks its urbanist legacy (em inglês). 6  To learn more, read here the article Free Riga — void as opportunity.

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Notebook #3 MIGUEL TEODORO

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Parte 3

Part 3

Glossário Colectivo

Collective Glossary

Sobre Nostalghia

On Nostalghia INÊS MOREIRA

Nostalgia é um sentimento de saudade de um espaço e tempo antigos, ou da sua memória. Reverbera com angústia e uma certa amargura sobre a evolução, sobre os valores do tempo presente e sobre a resistência à mudança. Como forma de quebrar o gelo, a piada é esta: — Desculpe, este é o Clube dos Nostálgicos? — Sim, mas já não é como era dantes. Nostalghia (com H) é o título de um filme seminal do cineasta soviético Andrei Tarkovsky, rodado em 1983, glosando aspectos diferentes com os quais nos temos vindo a relacionar. O filme narra a viagem e o sentimento de saudade de casa de um escritor soviético que viaja para outro país, Itália, e enfrenta problemas de intradutibilidade no que concerne à arte, cultura e paisagem urbana. Tarkovsky cria uma visualidade e uma atmosfera que levantam questões de ambiguidade e subjetividade. Como enfrentamos nós o passado das nossas urbes e as suas ruínas? Tratar-se-á de património, ou de lixo? Estaremos presos no tempo? Nesta secção do Glossário Colectivo de PNK, os participantes criaram uma constelação de conceitos para cartografar e explicar diferentes camadas de um entendimento nostálgico do espaço e da cidade. Coloca-se uma questão subjacente: será a noção de nostalgia pelo passado a mesma noutras culturas sociopolíticas? Não temos certeza; por isso adicionámos ao glossário as secções b) Sobre Toska e c) Sobre Saudade. Nostalgia is a sense of longing for a former space and time, or for its memory. It resonates with anguish and a certain sourness on evolution, on the values of present times and on resistance to displacement. As an ice breaker, the joke says:

Excuse me, is this the Club of Nostalgia?  Yes, but it is not as it used to be. Nostalghia (with an H) is the title of a referential film by Soviet filmmaker Andrei Tarkovsky, filmed in 1983, relating different aspects to which we are responding. The film tells the journey and feeling of homesickness of a Soviet writer who travels to another country, Italy, and faces issues of untranslatability regarding the art, culture and the cityscape. Tarkovsky creates a visuality and atmosphere that raises issues of ambiguity and subjectivity. How are we facing the past of our cities and its ruins? Is it heritage, is it rubbish? Are we stuck in time? In this section of PNK Collective Glossary, participants have created a constellation of concepts to map and explain different layers within a nostalgic understanding of space and the city. Underneath, a deeper question raises, is the notion of nostalgia for the past the same in other socio-political cultures? We are not sure, and that is why we added sections b) On Toska and c) On Saudade.

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FUTURE BACKWARDS

FUTURO INVERTIDO

PATRÍCIA AZEVEDO SANTOS A nossa atual obsessão com o passado é tão intensa que o tempo deixou de funcionar como um paradigma cronológico. É caótico ao ponto de o património se estar a transformar no nosso futuro e ficarmos confusos sobre se é algo que está atrás ou à nossa frente†. A verdade é que há muito que o arruinado vem sendo um fetiche para o Ocidente. De um ponto de vista nostálgico ou romântico, transporta em si um sentido de ambiguidade, abertura e indeterminação, resiliência e esperança num futuro melhor. Mas a sua decadência é também uma lembrança concreta da passagem do tempo e de um tempo de certa forma perdido. É o testemunho material de uma certa ideia obsoleta de perfeição, de um determinado modelo regido por uma lógica de funcionamento e organização da sociedade que fracassou ou que deixou de funcionar. Evidência material do fracasso das utopias da modernidade e dos seus modelos sociais, políticos e económicos, a ruína confronta-nos, em última instância, com a nossa própria finitude. E se a nostalgia nos pode aprisionar no passado, de que forma uma postura de pensamento não-nostálgico nos poderia impelir para a frente, em direcção ao futuro? Parece claro que um pensamento ou prática desta ordem deverá distanciar-se de uma lógica estritamente económica de progresso, e que a resposta só poderá ser radical, mesmo que anacrónica, obsoleta, estranha ou absurda nos seus modos de actuação e materialização, embora contextualmente específica e verosímil.

Our current obsession with the past is so intense that time is no longer a chronological paradigm. It is chaotic, to the point that heritage is being transformed into our future and we are becoming confused as to whether it lies behind us or in front of us†. For many years now, the ruin has become a fetish for the West. From a nostalgic or romantic perspective, the ruin conveys a sense of ambiguity, openness and indeterminacy, resilience and the hope of a better future. But its decay is also a concrete reminder of the passage of time and of a time that, in a way, has been lost. It is the material testimony of a certain obsolete idea of perfection, of a certain model that was governed by a logic for the functioning and organisation of society, that has failed or ceased to function. The ruin is the material evidence of the failure of the utopias of modernity and its social, political and economic models. It ultimately confronts us with our own finitude. If nostalgia can imprison us in the past, how can non-nostalgic thinking propel us towards the future? It seems clear that such thinking or practice must distance itself from a strictly economic logic of progress, and that the answer can only be radical, even if anachronistic, obsolete, strange or absurd, in its modes of action and materialisation, even if it is contextually specific and credible.

†  Rem Koolhaas, Cronochaos, Conferência/ Lecture, Festival of Ideas for the New City, Nova Iorque/ New York, 2011. Consultado a/ Consulted on 11–11–2019. Disponível em/ Available at: www.oma.eu/lectures/cronocaos-preservation

ANTI-MONUMENT — / MONUMENT

ANTI-MONUMENTO — / MONUMENTO ELENA LACRUZ O anti-monumento não consiste na negação ou na oposição a uma ideia de monumento, mas na sua desconstrução. A partir da mesma definição de monumento, é obtido um conceito diferente através do questionamento e do reverso destes

The anti-monument does not consist in the denial or opposition of the idea of monument but the

deconstruction of it. Starting from the same definition of monument, a different concept is obtained through the questioning and reversal of

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valores. O anti-monumento é, assim, caracterizado pelo seu valor comemorativo, histórico ou artístico. Mas enquanto o monumento evoca o passado, o anti-monumento refere-se ao futuro; um monumento recorda grandes eventos da história da humanidade, o anti-monumento relembra-nos os actos vergonhosos e os erros do homem; enquanto o monumento possui beleza, o anti-monumento é sublime. De acordo com a construção anterior, identificamos as ruínas modernas com anti-monumentos. Estas são o resultado da sociedade pós-industrial em que vivemos, abandonadas e retiradas da dinâmica habitual das cidades modernas. A ideia de anti-monumento é uma leitura da condição de abandono da paisagem, por isso, é inseparável do ambiente que o rodeia. Sem ele, referiríamos apenas o fascínio pela ruína bruta; considerada parte da paisagem, a ruína torna-se anti-monumento. Deste modo, a estratégia anti-monumental consiste na leitura de diferentes camadas que perfazem uma paisagem. É utilizada como estratégia intelectual (e não interventiva) para a reativação destas estruturas através de práticas criativas e expressivas de modo a permitir a reapropriação do espaço por quem dele frui.

these values. The anti-monument is thus charac-

VAZIO

VOID

terized by its commemorative, historical or artistic value as well. But while the monument evokes the past, the anti-monument refers to the future; a monument recalls great events in the history of mankind, the anti-monument reminds us of the shameful deeds and failures of man; while the monument is beautiful, the anti-monument is sublime. According to the previous construction, we identify modern ruins as anti-monuments. They are the result of the post-industrial society in which we live that have been abandoned and, therefore, withdrawn from the usual dynamics of modern cities. The idea of anti-monument is a reading of the condition of abandonment in the landscape and so it is inseparable from the environment that surrounds it. Without it, we would be only speaking of the fascination for raw ruins; while considered in the landscape, the ruin becomes anti-monument. Therefore, the anti-monumental strategy consists in a reading of the different layers that make up the landscape. It is used as an intellectual strategy (and not an interventive one) for the reactivation of these structures through creative and expressive practices in order to allow the reappropriation of space by the user.

MIGUEL TEODORO Para compreender o conceito de vazio deveremos sempre colocá-lo em relação com o seu contexto. Estabelece-se como um território de conflito, imerso nas suas complexas dinâmicas. Áreas dormentes e expectantes num corpo complexo de cidade, onde uma latência intrínseca se configura como a sua condição primária. Estes lugares possuem a sua própria estratigrafia, na qual as implicações sociopolíticas respiram à flor da superfície. Intervir, por mais pequeno que seja o gesto, é como uma profunda e eficaz incisão que desenterra, expõe, reativa e cria espaço para que tais implicações sejam discutidas. Impõem-se diversas questões às quais nenhuma resposta deve ser singular ou estática, se não contemplar o contexto único de cada vazio urbano. Como regular estes espaços? Devemos regulá-los de todo?

To understand the concept of the void, we must always consider it in relation to its respective context. The void is established as a territory of conflict, immersed in its complex dynamics. It is a dormant and expectant area in a complex part of the city, wherein its intrinsic latency constitutes its primary condition. These places have their own set of layers, in which socio-political implications bubble at the surface. To intervene in such a zone, however small the gesture, feels like a deep and effective incision, that unearths, exposes, reactivates and creates the space where such implications may be discussed. Several questions arise, to which no answer should be singular or static, and must contemplate the unique context of each urban void. How should we regulate such spaces? Indeed, should we regulate them at all?

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Estou convicto que estes lugares possuem as suas próprias regulações e temporalidades — é essencial, por isso, a criação de um vocabulário específico de abordagem a cada um. A sua desconcertante improdutividade impõe nestes territórios híbridos uma série de características propícias à especulação criativa, ao espírito criador, ao ato de projeto, lugares de utopias que partem das margens para pensar o todo — essenciais ao pensamento e ao desenvolvimento urbano. Paisagens entrópicas num processo contínuo de (re)composição, mapeando o não mapeável. O complexo exercício de compor uma cidade implica pensar a relação entre vazios e cheios, harmonia e silêncio; entenda-se silêncio não como ausência, mas como momentos com intensidades produtivas distintas, momentos de pausa. Reatualizemos a visão romântica de vazios como territórios intocáveis, onde a relação com a ruína e o expectante é apenas contemplativa e pensemos a condição temporal de tais lugares como potenciais para criar discursos e ressignificar a experiência do lugar. A relação entre a ausência de uso, de actividade e o sentido de liberdade, de expectativa, é fundamental para compreender o potencial evocativo dos terrains vagues da cidade. Vazio, ausência, mas também promessa, o espaço do possível, do que poderá ser.

I am convinced that these places have their own regulations and timeframes. It is therefore essential to create a specific vocabulary to address each void. Their disconcerting unproductiveness imposes a series of characteristics in these hybrid territories that are conducive to creative speculation, to the creative spirit, to the act of architectural design, utopian places that commence from the margins to think about the whole — and as such they are essential to urban thought and development. They are entropic landscapes in a continuous process of (re) composition, mapping the non-mappable. The complex exercise of composing a city involves thinking about the relationship between voids and floods, and between harmony and silence. Silence is understood not as a form of absence, but as moments that have different productive intensities, moments of pause. We re-update the romantic vision of urban voids as territories that should be left untouched, where the relationship with the ruin and the expectant is only contemplative and we think about the temporal condition of these places as potential spaces to create discourses and resignify the experience of the place. The relationship between the absence of use, of activity, and the sense of freedom, of expectancy, is fundamental to understanding the evocative potential of the city’s terrain vagues. Void, absence, yet also promise, the space of the possible, of expectation.

Ignasi de Solà-Morales (1992), Terrain Vague.

CONTAMINATION

CONTAMINAÇÃO MIGUEL TEODORO O potencial dinâmico de transformação do lugar é a consequência da coexistência entre o sujeito e as suas especificidades espaciais, políticas e sociais endógenas ao território. Torna-se necessário conduzir a experiência de lugar de forma a adquirir uma consciência da contaminação implícita à nossa presença, percebendo a constelação decorrente das suas interferências diretas e necessárias nas circunstâncias.

The dynamic potential for transforming the place is the consequence of the coexistence between the subject and its spatial, political and social specificities, that are endogenous to the territory.

It becomes necessary to conduct the ex-perience of the place in order to acquire an awareness of the contamination which is implicitly linked to our presence, understanding the constellation that results from its direct and necessary

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Uma dialética entre estados de pensamento e consistências de discurso estabelece-se como abordagem aos territórios mutantes que percorremos. É nestas paisagens, que se transformam a cada passo percorrido, que também nós nos vamos alterando com ela. Movimentos que iniciam uma série de lastros e encadeamentos em vários campos de ação. Diferentes estádios de matéria implicam diferentes processos de contaminação. Práticas transdisciplinares tornam o discurso líquido e facilitam a sua disseminação, tornando fluido e imprevisível o seu percurso. Uma série de incursões de diversas naturezas penetram a porosa superfície infetando áreas adjacentes ou semelhantes. Os territórios afetados pela ação e pelo gesto desenvolvem-se com uma matriz rizomática não mapeável, sem previsão científica do tempo e espaço ou dos efeitos práticos que cada um terá no seu contexto específico. Inicia-se um processo de entendimento intuitivo construído a partir das consequências e reverberações concretas. Um sistema nómada viral que pela sua vital informalidade se apropria de sistemas e estruturas existentes para veicular o equilíbrio instável de uma contaminação elástica e líquida que escorre por entre os dedos a qualquer tentativa de contenção. Por vezes nem o gesto primeiro que despoleta os movimentos não axiais de contaminação é passível de ser identificado. O número de fatores intrínsecos à equação é impossível de quantificar — toda e qualquer ação de alteração de uma circunstância é necessariamente irreversível. É neste processo de transformação mútua que se lançam reativações de territórios híbridos que constroem a cidade e constroem quem os habita. A natureza mutável do lugar assenta sobre princípios de reciprocidade e é nesta leitura consciente e transversal do contexto que o tempo e o espaço adquirem espessura e consistência.

interferences in the circumstances. A dialectic between different states of thought and consistencies of discourse is established, as an approach to the changing territories that we journey through. In such a landscape, that changes with every step that we take, we also change with it. Movements that initiate a series of ballasts and which are channelled into various fields of action. Different states of matter imply different processes of contamination. Transdisciplinary practices render the discourse liquid and facilitate its dissemination, thereby making its trajectory fluid and unpredictable.

A series of incursions of different natures penetrate the porous surface, infecting adjacent or similar areas. Territories affected by actions and gestures develop within a rhizomatic matrix, that cannot be mapped, without a scientific forecast of time and space, or the practical effects that each action or gesture will have in its specific context. An intuitive understanding process begins, constructed from the consequences and concrete reverberations. A viral nomadic system that, due to its vital informality, appropriates existing systems and structures, to convey the unstable balance of an elastic and liquid contamination that runs between our fingers whenever we attempt to contain it. Sometimes it is even impossible to identify the initial gesture which triggered the non-axial movements of contamination. It is impossible to quantify the number of factors that are intrinsic to the equation — all and any action to change a circumstance is necessarily irreversible. It is within this process of mutual transformation that it is possible to reactivate the city’s hybrid territories and their inhabitants. The changing nature of the territory is based on principles of reciprocity. It is through such conscious and transversal reading of the context, that time and space acquire breadth and consistency.

Tudo que tocas Mudas. Tudo o que mudas Muda-te. A única verdade duradoura É a mudança. (…)

All that you touch You Change. All that you Change Changes you. The only lasting truth Is Change. (…)

Earthseed: The Books of the Living, Saturday, JULY 20, 2024, em / in Butler, Octavia; Parable of the Sower, p. 66/67

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Perceber as potencialidades de um espaço na sua totalidade é compreender as suas possibilidades de contaminação efetiva. Numa lógica de ação/ reação, a presença consciente do indivíduo pode desencadear, a partir das especificidades do lugar, insurgências e disrupções essenciais para a promoção de discussão pública.

To perceive the potential of a space in its entirety involves understanding its possibilities of effective contamination. Following a logic of action/ reaction, and in function of the specific characteristics of the place, the individual’s conscious presence can trigger insurgencies and disruptions that are essential to foster public discussion.

ABANDONED

ABANDONO BEATRIZ TAKAHASHI Abandono, o esvaziamento de um desejo refletido na ausência de uso. É a perda espontânea ou imposta — neste caso, por agentes externos ou pela necessidade — da apropriação em consonância com o descompasso frente à mutabilidade do tempo. Enquanto materialização no espaço, este assume diferentes escalas que vão desde construções, que outrora desempenharam funções de habitação ou trabalho, como é o caso de instalações fabris desativadas, até grandes áreas vazias tidas como os não lugares. Antes mesmo da sua materialização no plano físico, manifesta-se através da supressão de significados, memórias e imaginários relativos a um lugar. Portanto, abandono é a descontinuação física e afetiva referente a um território em que a nostalgia faz sua morada. Abandono Roma Os camponeses Abandonam a terra As andorinhas Abandonam a minha cidade Os fiéis Abandonam as igrejas Os moleiros Abandonam os moinhos As pessoas das montanhas Abandonam as montanhas A graça Abandona os homens Alguns Abandonam tudo.

Abandonment, the emptying of desire as reflected through the absence of use. It is the spontaneous or imposed loss — in this case, caused by external agents or by need — of appropriation, resulting from a mismatch in relation to changes that occur over time. As a form of materialisation in space, abandonment assumes different scales, ranging from buildings — which were once used as houses or for work, such as disused factories — to large empty spaces that are considered to be non-places. Even prior to its materialisation on the physical plane, it manifests itself through the suppression of meanings, memories and images related to a specific place. As such, abandonment it is a form of physical and emotional discontinuation in relation to a territory that is immersed in nostalgia.

I abandon Rome The peasants abandon the land The swallows abandon my town The faithful abandon the churches The millers abandon the mills The people of the mountains abandon the mountains Grace abandons men Some abandon everything.

Tonino Guerra, Lugares Abandonados, 1999, p. 22

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RESIDUE

RESÍDUO MARTÍN HERNÁNDEZ MOLÍN O termo resíduo refere-se ao restante de um objeto, espaço ou excedente que, de maneira substancial, social e comum, não tem utilidade ou foi criado para um fim que desapareceu devido à mudança no valor temporal. Pode-se considerar resíduo, o resto que evidencia um acontecimento ou processo passado. Dessa forma, o resíduo pode fazer parte da recuperação de algo aparentemente não utilizado ou esquecido e, ao mesmo tempo, um estado que pode tornar-se elemento ou ponto de partida para a criação de novas perspectivas, ideias ou estratégias e, assim, gerar novos discursos e narrativas num dado contexto. Assim, o resíduo faz parte do ciclo próprio e essencial da matéria que permite novos diálogos.

The term “residue” refers to the remainder of an object or space or a surplus that, in a substantial, social and common manner, is of no use, or was created for a purpose that is no longer relevant, due to the change in its time-value. We can consider a residue to be the leftover that demonstrates a former event or process. From this perspective, the residue can form part of the recovery process of something that is apparently unused or forgotten and, at the same time, is a state that may become an element or starting point for the creation of new perspectives, ideas or strategies and thereby generate new discourses and narratives in a specific context. Hence, the residue is part of the specific and essential cycle of matter, that permits new dialogues.

MATERIAL

MATERIAL

MARTÍN HERNÁNDEZ MOLÍN

Sem título (2019), Martín Hernández Molín Técnica mista sobre tábua. Dimensões: 200 x 200 cm

Sin titulo (2019), Martín Hernández Molín Técnica mixta sobre tabla. Dimensiones: 200 x 200 cm

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AUSÊNCIA / PRESENÇA

ABSENCE / PRESENCE

SÉRGIO MAGALHÃES Qual é a dança de sentido que se exige? A ausência de quê? A presença de quem? Haverá sequer relação? Começar com mais perguntas na procura de um termo não ajuda a encontrar a definição que procuro, mas permite assumir e aprofundar o tema e até, exercer o direito da desambiguação. Parto da responsabilidade da dúvida e da ambiguidade necessária para a própria existência da pergunta e da incerteza da resposta. É assim, a procurar compromissos que passo a um nível mais profundo de entrosamento e encontro. Só assim posso definir o que procuro e simplesmente notar a sua ausência. Seja por falta ou precariedade, seja o que for que reste (até da dignidade da pergunta) a ausência de gente é o que me propõe nostalgia. A vontade de ter gente, mais do que autoinfligida, é um pensamento resistente, embora social e eminentemente antropológico, que contamina outros conceitos sobre a desnecessária realidade em que o resto, o que sobra se tornou. Nada, muito pouco ou a presença da ausência, é, pois, a lógica da ausência da presença. É uma proposição lógica, óbvia e até banal, mas parte inquestionavelmente da inexistência e do afastamento. Da vontade e do plano, da estratégia, mas também da dificuldade de reerguer, de recomeçar e deter momentos enquanto outros são propostos em progressão; é claro, um facto, que sem gente, nem se sente a falta deste lugar. Já se erigiram os muros da vergonha local há tempo (que dura e cura) suficiente. Há algo atrás desses muros que interessa ver e sem conquista maior que a promoção da presença abundante, propor sem o excesso de algo irreal, um pouco mais do que falta das gentes. Remover a distância e propor de novo um ponto de partida. Definir ausência é, pois, definir a atitude da presença, pois enquanto humanos não só vivemos, como não vivemos sós.

What is the dance of meaning that is required in this regard? Absence of what? Presence of whom?

Will there even be a relationship between the two? If we begin with more questions when searching for the meaning of a term this doesn’t help us find the definition that we are looking for, but it makes it possible to assume and deepen the subject and even exercise the right to disambiguation. I begin with the responsibility of harbouring the doubts and ambiguity that are necessary for the existence of the question and the uncertainty of the answer. It is therefore in the search for compromises that I advancer to a deeper level of interaction and encounter. Only then can I define what I am looking for and simply notice its absence. Whether it is due to absence or precariousness, and whatever remains (even the dignity of the question), the thing which really makes me nostalgic is the absence of people. The desire to have peo-

ple, more than a self-inflicted proposition, is a persistent thought, even if social and eminently anthropological, that contaminates other concepts about the unnecessary reality that surviving remnants or leftovers have become. The absence of presence is therefore linked to nothingness, to very little, or the presence of complete absence. It is a logical, obvious and even banal proposition, but is unquestionably based on the lack of existence and distancing. Not just the lack of existence of desire and of a plan, of a strategy, but also the difficulty of rebuilding, starting over and halting certain moments, while other moments are proposed in progression. It is an evident fact that without people we don’t even miss the absence of this place. The walls of local shame were erected sufficiently long ago (which lasts and heals). There is something behind these walls that is worthwhile seeing and without a greater conquest than the promotion of abundant presence, proposing things without the excess of something that is unreal, a little more than the absence of people. Eliminate distance and propose a new starting point. In order to define absence, we must therefore define the attitude of presence, since humans not only live, they also live in the company of others.

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RUIN

RUÍNA ELENA LACRUZ

Igreja para a comunidade do Sanatório de Abades (que nunca funcionou como a leprosaria inicialmente prevista). Ilhas Canárias (Espanha), Elena Lacruz, 2018.

AUSÊNCIA / PRESENÇA

Church for the community of the Sanatorio de Abades (that never functioned as the leprosarium it was supposed to be). Canary Islands (Spain). Elena Lacruz, 2018.

ABSENCE / PRESENCE

SÉRGIO MAGALHÃES A decadência é a consequência da deterioração ou do princípio de ruína de um corpo, devido à transformação da matéria como parte de um ciclo intrínseco que dá origem a diferentes características infinitas vezes. A matéria é pura, mas isto não implica uma eternidade ou um propósito de permanecer fixa no tempo, uma vez que sua condição pode dar origem a outros estados. Interpretar a decadência pode partir de modos de ver distintos e, por vezes, ambíguos. Por um lado, a decadência está associada à perda de unicidade, força e solidez de um elemento ou objeto que dissipa a finalidade para o qual foi criado. Mas, por outro lado, é possível vê-la de outro ponto de vista, e assumir sua instabilidade e potencial para reconhecer e criar novas e múltiplas narrativas.

Decay is the consequence of deterioration, or the principle of the ruin of a body, due to the transformation of matter, as part of an intrinsic cycle which infinitely engenders different characteristics. Matter is pure, but this does not imply an eternity or a goal to remain unchanged over time, since its condition may engender other states. Interpreting decay can commence with different, and sometimes ambiguous, ways of seeing. On the one hand, decay is associated with loss of the uniqueness, strength and solidity of an element or object, that dissipates the purpose for which it was created. But, on the other hand, it is possible to see it from another perspective, and assume its instability and the potential to recognise and create new and multiple narratives.

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FETISH

FETICHE PATRÍCIA AZEVEDO SANTOS

Space Follies, 2019, Patrícia Azevedo Santos

[IN]VISIBLE

(IN)VISÍVEL PATRÍCIA COELHO (In)visível é tudo que existe entre o que pode ser visto e o que é invisível, ou seja todos os processos e sistemas que informam a nossa representação do real e se encontram, ao mesmo tempo, escondidos dentro dela, definindo assim uma dimensão visível composta de limites invisíveis. Conotar o visível com “in” significa introduzir e incorporar novas dimensões à nossa leitura do Território que confrontem o tecido urbano que nos é visível com as redes intangíveis que simultaneamente o constituem e suportam.

(In)visible is everything that exists between that which is visible, which can be seen, and that which is invisible, in other words it includes all the processes and systems that inform our representation of reality and which, at the same time, are hidden within it, thereby defining a visible dimension framed by invisible boundaries. Connotating visible with the prefix “in” means introducing and incorporating new dimensions to our interpretation of the Territory that confront the urban fabric which is visible to us with the intangible networks

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Esta dimensão do (in)visível pretende expor outras percepções que podem ser captadas e sentidas pelo observador, alterando a forma como este vê e como lhe podem ser reveladas novas relações entre espaço e vazio, som e imagem, tecnologia e território, informação e ausência. Quando este espectro de possibilidades se fecha e o território fica resignado ao que é visível perde-se uma parte essencial, a construção de sentido. O Freixo é assim um lugar metamórfico, vazio de acções, mas repleto de significado, onde tudo está parado mas ninguém lá pára; visível do exterior, mas com um complexo sistema interior que nos transporta para o campo do (in)visível.

that simultaneously constitute and underpin it. This dimension of the (in)visible aims to expose other perceptions that can be captured and sensed by the observer, changing the way that the observer sees and the possible ways of revealing new relationships between space and emptiness, sound and image, technology and territory, information and absence. When this spectrum of possibilities is closed and the territory is limited solely to that which is visible, an essential part is lost, in terms of the construction of meaning. Freixo is therefore a metamorphic place, devoid of actions, but impregnated with meaning, where everything has stopped but nobody stops there. It is visible from the outside, but with a complex interior system which transports us to the field of the (in)visible.

REFLEXÃO / REFLEXO

REFLEX / REFLECTION

SÉRGIO MAGALHÃES O estado de consciência, premeditado, e o discurso entre o que nos chega e o que de nós parte. O que nos reflete e sobre tudo o que refletimos. Não tenho dúvida sobre o que nos impede de ver, que não a noção desenfreada de não pensar no que queremos ser — imagem e tempo, pensamento e ação — na dicotomia do criar. A reflexão necessária, a pausa sobre o que nos falta tanto quanto a presença do que projetamos a partir daí. Importa-me ser dos que sabe, e por parecer, não sou nada. Reflito o que sei ser. Reflito o que sou sem mais misérias do que as que já tenho dentro de mim. Um ser biográfico, contextual e estrutural, um território, algo que existe mas que nunca refletiu o que quis ser — e tanto há ainda para dizer. Bastará infletir, juntos, momentos de comunidade para que tudo o que podemos criar o seja em intensa reflexão. Meditação no produto que nos interessa e nas repercussões deste lugar que eu também sou. Com problemas maiores que o que já sou, cheguemos assim a um bem comum. Não me interessa mais ficar sozinho: interessa-me a visita e a permissão. A efetiva penetração nessa parte real do sonho que de tão imaginado está gasto em fantasias de falta de estudo e seleção.

The premeditated state of consciousness and the discourse between that which comes to us and that which departs from us. What reflects us and about everything that we reflect. I have no doubt about that which prevents us from seeing, other than the unbridled notion of not thinking about what we want to be — image and time, thought and action — in the dichotomy of creating things. The necessary reflection, the pause about that which we are missing, and equally the presence of that which we project from this absence. I want to be one of those people who know things, and apparently, I am nothing. I reflect that which I know how to be. I reflect that which I am, without adding more miseries than those which I already harbour inside me. A biographical, contextual and structural being — a territory — something that exists, but that never reflected what it wanted to be, and there is still so much to say. It will be sufficient to inflect, together, various moments of community in order for everything that we can create to exist, in an intense reflection. Meditation on the product that interests us and the repercussions of this place, which I also am. With problems which are bigger than that which I already am, we thereby arrive at a common good.

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Podemos assim contemplar este lugar que nos assola e que desde a sua vida de sombra, na promiscuidade de tantos atos, tentação e devassidão, obriga a esse desvio final, como a fina força que uma puta dá aos fracos. Observar, contemplar e ponderar uma imagem do que é refletido, numa interpretação intencional e pretensiosa da ambição de criar. Comentário, sectário e tendencioso, oneroso da falta de tudo que tem até então este espaço é o território da memória gasta no abuso da falta de atenção.

I am no longer interested in remaining alone: I am interested in the visit and the permission. Effective penetration in this real part of the dream, which has been so extensively imagined that it is spent in fantasies of a lack of study and selection. We can therefore contemplate this place which plagues us and which from its shadow life, in the promiscuity of so many acts, temptation and debauchery, obliges this final deviation, rather like the refined strength that a whore endows the weak. To observe, contemplate and ponder an image of that which is reflected, in an intentional and pretentious interpretation of the ambition to create. The sectarian and biased, burdensome commentary of the absence of everything that this space has had until now, is the territory of memory focused on the abusiveness of lack of attention.

IMAGINARY

IMAGINÁRIO BEATRIZ DUARTE O imaginário é um tema inalcançável e polissémico e torna-se difícil não se ser redutor numa tentativa de o definir. No entanto, nesta busca falhada, poderemos abordar o imaginário como uma importante ferramenta de percepção, memória e linguagem. O imaginário é um modo de formulação (ou molde) de um potencial amórfico concebível ou leitura da realidade; é uma condição que não é real nem ficcional. Ao mesmo tempo que não se trata de algo material, não é também uma invenção da mente, pode ser uma reminiscência de uma informação arquivada que foi subvertida, escrutinada e traduzida para se criar uma nova imagem. Assim, em relação ao tempo, o imaginário pode ser nostálgico e melancólico, associando passado e presente com o apoio de inputs prévios ou pode ser igualmente pós-nostálgico, veiculando um futuro para o passado e o presente, impelindo a encarnação da realidade. Para além disso, existe outra dimensão do imaginário que se articula na fronteira entre dimensão pública e privada, agindo não só sobre memórias e assuntos privados, mas enquanto inventário comum.

The imaginary is an ungraspable and polysemic subject and it is rather demanding not to be reductionist in the attempt to delineate it. Nevertheless, in this failed pursue we can approach the imaginary as an important tool for perception, memory and language. The imaginary is a way in which we can formulate (or shape) a yet amorphic conceivable potential or reading to reality; it is a condition that is neither real nor fictional. At the same time that the imaginary is not a material thing it is also not an invention of the mind, it can be a recollection of an archived information that have been subverted, scrutinized and translated in order to create a new image. Thus, in relation to time, the imaginary can be nostalgic and melancholic associating past and present with the support of this previous inputs or can also be post-nostalgic, acting as a way to give a future to the past and present, impelling the incarnation of reality. Moreover, there is also another dimension to the imaginary which is articulated in the threshold of the public and the private realm, acting not only upon private memories and matters but as a common resonant inventory.

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POSH-INDUSTRIAL

POSH-INDUSTRIAL ALBERTO SALCEDO Etimologicamente falando, o termo compõe-se da união da locução inglesa posh e do vocábulo latino industrial. Segundo o dicionário Cambridge, posh é um adjectivo que significa elegante, luxuriante, mas de gosto duvidoso. O termo Posh-Industrial define uma nova tipologia de propriedade industrial. Estes edifícios pós-industriais são readaptados a um novo uso, quando a sua vida produtiva se esgota, através de reutilização/ reabilitação de projectos cujas necessidades estéticas tomam precedência sobre a conservação dos valores do edifício enquanto património industrial. O valor do património industrial é entendido como as características especificamente industriais que permitem que processos de produção sejam interpretados e reconhecidos. A reutilização de elementos de património industrial e a sua adaptação a uma nova actividade são necessárias para garantir a sua sobrevivência, mas deve ser assumido que terão um impacto nas características puramente industriais do elemento. No entanto, a propriedade patrimonial deveria continuar a ser um repositório de e transmissora do conhecimento da sua actividade industrial passada, e por este motivo, na reabilitação/ reutilização destes edifícios, deve ser dada preferência à conservação das características que permitem uma interpretação dos processos de produção que acolheram. Não sendo este o caso, tratar-se-á de um edifício de origem estética e industrial, mas totalmente descapitalizado dos seus valores puramente industriais. Quando esta descapitalização está subordinada à estética, estamos perante um edifício posh-industrial.

Etymologically speaking, the term is constructed with the union of the English locution posh and the Latin industrial. According to the Cambridge Dictionary, posh is an adjective that means elegant, luxurious, but of questionable taste. The term Posh-industrial defines a new typology of industrial property. These post-industrial buildings are readapted to a new use, once their productive life has ended, through reuse/ rehabilitation projects in which the aesthetic needs of the project take precedence over the conservation of the industrial heritage values of the building. Industrial heritage value is understood as the specifically industrial characteristics that allow production processes to be interpreted and recognized. The reuse of industrial heritage elements and their adaptation to a new activity are necessary to guarantee their survival but it must be assumed that they will have an impact on the purely industrial characteristics of the element. However, the heritage property should continue to be a container and transmitter of knowledge of its past industrial activity, and for this reason, in the rehabilitation/ reuse projects of these buildings, preference should be given to the conservation of the characteristics that allow for the interpretation of the production processes that they hosted. If this is not the case, it will be a building of aesthetic and industrial origin, but totally decapitalized from its purely industrial values. When this decapitalisation is subordinated to aesthetics, we are dealing with a posh-industrial building.

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FETISH

FETICHE PATRÍCIA AZEVEDO SANTOS

Space Follies, Patrícia Azevedo Santos. 2019.

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UNINTENDED

NÃO INTENCIONAL BRUNO DE ALMEIDA

I don’t know what I want to say,

Não sei o que quero dizer, Não sei o que quero dizer, mas tentar dizer algo, penso que talvez queira tentar pensar. Quero tentar ver o que penso. Penso que tentar é grande parte disso, penso que pensar é grande parte disso, e penso que querer é grande parte disso, mas dizê-lo é difícil, e descubro dizer tentar e quase sempre querer. Quero que o que quero dizer não precise ser dito.

but, to try to say something, I think I want to try to think. I want to try to see what I think. I think trying is a big part of it, I think thinking is a big part of it, and I think wanting is a big part of it, but saying it is difficult, and I find saying trying and nearly always wanting. I want what I want to say to go without saying.

Martin Creed, 2001

/

/ Seven/ knots and knows:

Sete/ nós e saberes: alguns nuncas e nãos sobre arte. 1 — O tema de um trabalho não é o seu conteúdo 2 — O significado de um trabalho não é necessariamente o mesmo que a “intenção” ou “propósito” do artista 3 — Não existe distinção entre “ler” imagens e ler textos Quatro/ ela escreve: nascemos no tempo. E, a seu tempo, apresentados à linguagem… Ou melhor, nascemos. E pela linguagem, apresentados ao tempo… Talvez até nasçamos, no tempo, através da linguagem.

some nots and nos about art. 1- the subject matter of a work is not it’s content 2 - a work’s meaning is not necessarily the same as the “intention” or “purpose” of the artist 3 - there is no distinction between “reading” images and reading texts Four/ she writes: one is born into time. And in time, introduced to language… Or rather, one is born. And through language, introduced to time… Perhaps even, one is born, in time, through language.

Susan Hiller, Exposição na Tate Britain, Londres (1 fevereiro - 15 março 2011)

/

Susan Hiller, Exhibition at Tate Britain, London (1 February - 15 March 2011)

/ É melhor deixarmos as ambivalências dos arquétipos embrulhadas na sua qualidade dominante. (…) perseguindo o dinamismo que pertence à sugestão, o leitor pode ir mais longe; até demasiado longe.

It is better to leave the ambivalences of the archetypes wrapped in their dominant quality. (…) Pursuing the dynamism that belongs to suggestion, then, the reader can go farther, even too far.

BACHELARD, Gaston. The poetics of Space, p.53

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Glossário Colectivo

Collective Glossary

Sobre Toska

On Toska INÊS MOREIRA

Toska é um sentimento de angústia culturalmente ancorado na língua russa e introduzido em Post-Nostalgic Knowings pelo nosso convidado Anton Kats, um falante nativo de russo. De acordo com Vladimir Nabokov: “Nenhuma palavra em inglês pode traduzir todas as nuances de toska. No seu sentido mais profundo e doloroso, trata-se de uma sensação de grande angústia espiritual, muitas vezes sem causa específica. Num sentido menos mórbido, é uma dor maçadora da alma, uma saudade de coisa alguma, um doentio definhar, uma vaga inquietação, agonias mentais, ânsia. Em casos particulares, pode traduzir-se em desejo por alguém ou algo específico, nostalgia, mal de amor. No seu nível mais térreo traduz-se em tédio, aborrecimento”. Esta secção do Glossário Colectivo refere-se a abordagens sistémicas ao passado, informada que está pelos contributos dos convidados de Leste de Post-Nostalgic Knowings — não tão especificamente ao sentimento de dor e tédio — trazendo “outros” conceitos à abordagem do território físico de sítios pós-industriais. Para lá de uma leitura orientada para o património, os participantes expõem camadas visíveis e invisíveis do urbano. Sob a superfície, uma questão mais profunda se impõe: pode a personificação da noção de toska accionar uma diferente abordagem da cultura urbana no Porto? Toska parece ser intraduzível para outras línguas; a nossa tentativa de a capturar faz com que a diferenciemos das secções a) Sobre Nostalghia e c) Sobre Saudade.

Toska is an anguish feeling culturally grounded in Russian language and introduced to Post-Nostalgic Knowings by our guest Anton Kats, a native Russian speaker. According to Vladimir Nabokov: “No single word in English renders all the shades of toska. At its deepest and most painful, it is a sensation of great spiritual anguish, often without any specific cause. At less morbid levels it is a dull ache of the soul, a longing with nothing to long for, a sick pining, a vague restlessness, mental throes, yearning. In particular cases it may be the desire for somebody of something specific, nostalgia, love-sickness. At the lowest level it grades into ennui, boredom”. This section of the Collective Glossary relates to systemic approaches to the past informed by the contributions of our eastern guests to Post-Nostalgic Knowings — not so specifically to the sentiment of pain and ennui — bringing “other” concepts to approach the physical territory of post-industrial sites. Beyond a heritage-oriented reading, the participants expose visible and invisible layers of the urban. Underneath, a deeper question arises: could the embodiment of the notion of toska activate a different approach to urban culture in Porto? Toska seems to be untranslatable to other languages, our attempt to grasp it makes us differentiate it from sections a) On Nostalghia and c) On Saudade.

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VERNACULARITY

VERNACULARIDADE ANETA SZYŁAK Vernáculo era originalmente o termo linguístico para a linguagem local que poderia ser entendida como linguagem de uma dada área habitada — um dialeto de uma certa região, ou distinção local de linguagem normativa, por exemplo “o vernáculo de Nova Iorque”, Inglês Americano com algumas palavras oriundas de outras línguas, tal como, entre outras, o Yiddish. Na sua relação com o visual, o vernáculo surge no vocabulário de arquitetura quando se verifica que simples construções e formas nascem do seu contexto local, e com recurso a materiais e tecnologias locais para satisfazer necessidades locais. Por outras palavras, baseia-se no conhecimento comum de que um certo lugar é compatível com o contexto em que se insere e com as pessoas que o habitam. O reconhecimento do que é ou não vernacular num dado contexto é fonte de conhecimento indispensável para desafiar abordagens padronizadas de locais de construção. Se olharmos para o contexto local da cidade, do quarteirão ou do bairro podemos identificar amostras materializadas de conhecimento local, onde o estudo coletivo do que está disponível para a ação humana originou construções e formas específicas. Para reconhecer, por exemplo, as abordagens inventivas sobre como criar um habitat, sem nos focarmos demasiado nos transportes ou em tecnologia complicada e custosa. Esta orientação é particularmente pertinente num momento em que enfrentamos os resultados da economia global em locais de construção e desenvolvimento. Mais à frente nesta publicação gostaria de propor o vernacular como parte do nosso pensamento tático e explorar o seu potencial revolucionário. Como, na realidade dos nossos dias, poderemos alcançar e manter formas locais especificas recorrendo ao uso de conhecimento e materiais locais, particularmente quando o local de interesse está a ser reajustado. Poderemos utilizar o nosso conhecimento para o tornar mais autêntico, mais localmente fundamentado, sem se tornar em mais uma intervenção aborrecida, com o seu respetivo adorno local? Como extrair um modus operandi modesto que permita à comunidade local a capacidade de exercer influência, ligando-a ao lugar que ocupa

Vernacular was originally the linguistic term for the local language that could be understood as a language for a specific inhabited area — a dialect in a certain region, or local distinction of normative language, i.e., “New York vernacular”, which is American English with certain words taken from other languages, such as Yiddish, among others. Vernacular, in relation to the visual, appeared in architectural vocabulary, where certain simple constructions and forms grow from the local context, with the use of local materials and technologies to fulfil local necessities. In other words, it is based on the common knowledge that a certain location fits the context and the people who live there. Recognition of what is vernacular in a specific context is a source of knowledge to challenge standardized approaches of construction sites. Looking at the local context of the city, quarter or neighbourhood one can track down materialized samples of local knowledge, where the collective study of what is available for human action led to specific constructions and forms. To recognize, for example, the inventive approaches on how to create, for example, a habitat, without too much effort given to transportation or complicated costly technologies. This stance is especially worth to revisit as we are facing the results of global economy upon developments and construction sites. Within pages of this publication, I would like to propose vernacular as a part of our tactical thinking and explore its revolutionary potential. How, in today’s reality, can we achieve and maintain specific local forms with the use of local knowledge and materials, especially when the site of interest is being “repurposed”? Can we use our knowledges to make it more authentic, more locally grounded, without becoming another boring development with some local adornment? How to source some modest modus operandi giving the local community a chance to influence with soft infusion that both connects it to the place and uses local knowledge to infiltrate something known as “an investment” to humanize? How can this be considered as a potential source of less harmful forms and structures to the environment and ourselves? We

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e utilizando conhecimento local que insira um elemento de “investimento” na sua humanização? Como pode esta ser considerada uma fonte potencial de formas e estruturas menos nocivas para o ambiente e para nós mesmos? Não estamos certamente à procura de “lugares exóticos”, mas antes em busca de formas de fusão despretensiosa com o ambiente que nos circunda.

are not, certainly, in search of “local exotics” but

DEMÊNCIA

DEMENTIA

rather looking for ways to unpretentiously merge with our surroundings.

ANTON KATS Todos experienciamos demência. Os sintomas de demência incluem, frequentemente, estados confusos e depressão; falta de motivação e apetite; distúrbio do sono; problemas de memória; dificuldade de concentração; consciência flutuante; distúrbios de linguagem; desorientação ou vermos coisas de modo diferente. Se o traduzirmos para arquitetura, a mais significativa externalização material da memória humana, o estado de demência urbana caminha lado a lado com especulação imobiliária e projetos de requalificação. Acompanhadas cada vez mais de condições de trabalho líquido, deslocação económica e ecológica de habitações de baixo custo, as redes de memória social na cidade dissolvem-se gradualmente na amplitude do não saber e do estranhamento quotidiano. Com o nosso limitado conhecimento da memória, tanto nas infraestruturas celulares como humanas, a demência permanece, neste momento, uma condição grave, sendo que o seu potencial estratégico tem sido largamente ignorado. A incapacidade dos recetores neurotransmissores estabelecerem novas redes e abandonarem velhas redes (plasticidade sináptica) leva à perda de memória e forçosamente dá prioridade a um presente. Este último abandona o passado e desimagina o futuro, abrindo espaços onde o som e o ato de escutar têm primazia. Jogando com registos literais e metafóricos, a atividade sónica-intercelular permite uma gradual manifestação de um entendimento alternativo do tempo, do espaço e da identidade. Esta amplitude interior é um vazio para transportar o agenciamento sonoro do ouvinte em oposição a uma identidade rígida, a conceitos temporais ou territoriais, dando prioridade ao não-saber e à intuição em detrimento do domínio do conhecimento e da propriedade.

We all experience dementia. The symptoms of dementia often include confusional states and depression; lack of motivation and appetite; sleep disruption; memory problems; difficulty concentrating; fluctuating consciousness; language disturbance; disorientation or seeing things differently. Translated into architecture, the most significant material externalisation of human memory, the state of urban dementia goes along with real estate speculations and redevelopment projects. Complimented by increasingly liquid labour conditions, economic and ecologic displacement of low-income households, the social memory networks in the city gradually dissolve into the spaciousness of not knowing and everyday estrangement. With our limited understanding of memory, both in cellular and human infrastructures, dementia remains a severe condition at present with its strategic potential being widely overlooked. The inability of the neurotransmitter receptors to establish new and abandon old networks (synaptic plasticity) leads to the memory loss and forcefully prioritises a presence. The latter abandons the past and un-imagines the future opening up spaces in which sound and listening come to the forefront. Playing out in literal and metaphorical registers the sonic-intercellular agency allows for a gradual manifestation of an alternative understanding of time, space and identity. This inner-spaciousness is a void for sound carrying agency of the listener in denial of rigid identity, temporal or territorial concepts and prioritising not-knowing and intuition over the mastery of knowledge and property.

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LAYERS

CAMADAS INÊS MOREIRA

As águas do Porto na encosta do Freixo (2013 e 2019).

Flood in Porto, riverslope of Freixo (2013 e 2019).

TRANSLATEDNESS

TRADUZIBILIDADE ANTON KATS A minha relação com a academia tem sempre sido uma relação de natureza suspeita, no mínimo. Chegado da Ucrânia à Alemanha no ano 2000, estava sobretudo preocupado em legalizar-me na Europa e em atualizar os meus documentos, por vezes apátridas, sob a forma de um passaporte europeu. A decisão de me inscrever numa universidade teve um papel importante e sobretudo pragmático, ao fornecer-me um suporte institucional ao meu processo de legalização. Particularmente no início, a minha proficiência no alemão e, mais tarde, no inglês deixavam muito a desejar. Ao candidatar-me à Goldsmiths University de Londres em 2010, reprovei nos exames de inglês duas vezes, atingindo o mínimo dos mínimos nas habilitações linguísticas. Contando sobretudo com o apoio de amigos, que se faziam passar por mim durante trocas de emails com a universidade, lá consegui inscrever-me num

My relationship with academia has always been and remains rather suspicious to say the least. Coming from Ukraine to Germany in the year 2000 I was mostly concerned with legalising myself in Europe and upgrading my, at times stateless papers, to a European Passport. The decision to enrol into a University has played an important yet mostly pragmatic role in providing an institutional backbone to my legalisation process. Especially at the beginning, my German and, later on, English skills have been at the bare minimum at its best. In fact, applying to the Goldsmiths University in London in 2010, I failed my English exams twice cutting well under the minimum language requirements. Heavily relying on support of my friends pretending to be me in all my email correspondence with the University I was somehow granted passage enrolling into a course I was told might fit in one way or another.

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curso no qual me disseram que me encaixaria, de uma forma ou outra. Ao longo deste tempo, o meu compromisso com o conhecimento (textual ou não) foi fortemente influenciado por equívocos e por impasses de tradução que gradualmente se foram tornando elementos-chave do meu trabalho. Traduzindo qualquer coisa, tanto posso ainda-não entender alguma coisa ou tardiamente entender o que quer que seja. Esta atracão por direções temporariamente justapostas revela-se a tensão adequada para encontrar — e adivinhar — um significado entre palavras.

VIDA ÚTIL / CICLO DE VIDA

Throughout this time, my engagement with knowledge (whether textual or not) was heavily influenced by miss-understanding and the translation impasses, which gradually became one of the core elements of my work. Translating anything, I am either not-yet understanding something or too late in understanding anything at all. This pull in temporally juxtaposed directions is just about the right tension for finding meaning in-between the words and figuring it out.

LIFESPAN / LIFECYCLE

PATRÍCIA COELHO A cidade e a sua urbanidade são um organismo aberto e multifacetado que tem a capacidade de se autorregenerar. Por isso a vida útil de um lugar ou fragmento territorial é sempre um ciclo sem limites precisos dos seus começos e dos seus finais. Quando determinado território, imerso na cidade, fica estagnado no estágio final de um ciclo, cria-se um estado de amnésia e indefinição entre a nostalgia do passado e a incerteza do futuro. Gera-se um hiato que prolonga a ausência e enche o espaço de um vazio que repele o movimento. Para estimular o início de novos ciclos, é necessário abrir oportunidades que pensem e reciclem a realidade passada do lugar, perante os momentos e dinâmicas da urbanidade que o integram. O Freixo integra-se numa cidade que tem experimentado uma constante regeneração urbana, contudo continua confinado em si mesmo como um fragmento colocado à margem dos novos ciclos de vida que vão paulatinamente reconstruindo o Porto. Não é necessário projetar neste território o paradigma de uma cidade ideal, que replique formas ou padrões de ocupação. O que o Freixo precisa é de vida.

The city, and its associated urbanity, is an open and multifaceted organism, which has the capacity to self-regenerate. That is why the lifespan of a place or a territorial fragment is always a cycle without any precise limits in terms of its beginnings or ends. When a specific territory, immersed in the city, becomes stagnant, in the final stage of a cycle, a state of amnesia and uncertainty is created between nostalgia for the past and the uncertainty of the future. A gap is created that prolongs absence and fills the space with a void, that repels movement. To stimulate the beginning of new cycles, it is necessary to open up new opportunities that think and recycle the past reality of the place, in view of the moments and dynamics of its constituent urbanity. Freixo is part of a city that has experienced constant urban regeneration and yet remains confined to itself, as a fragment placed on the edge of the new life cycles that have gradually rebuilt Porto. It is not necessary to project the paradigm of an ideal city within this territory, which replicates certain forms or patterns of occupation. What Freixo requires is life.

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PRECARIOUS

PRECÁRIO LETÍCIA COSTELHA

Interior de uma ilha portuense de vários patamares, localizada no Freixo junto à linha activa de comboios da CP (2017). Interior of a workers’ housing unit (ilha) in Porto, distributed across several levels, located in Freixo, next to the operating railway line, managed by Comboios de Portugal (2017).

Marquise e seus aglomerados, numa pequena comunidade do Freixo (2014). An outdoor balcony and its associated clusters, in a small community in Freixo (2014).

TRANSGRESSION

TRANSGRESSÃO ELENA LACRUZ Ir contra uma regra ou um código de conduta. A transgressão produz prazer ao exceder os limites impostos pela sociedade. Neste contexto, Georges Bataille reconfigura o conceito de transgressão considerando-o necessário para escapar à repressão do mundo moderno. Nos seus escritos sobre Erotismo, Bataille (1986, pp. 63-70) apresenta a transgressão como suspensão (mais do que abolição) da repressão produzida por tabus. Deste modo, o conceito de transgressão está intimamente ligado ao de limite, sendo que um depende do outro (Foucault, 1977). Ou seja, o limite não existiria se fosse impossível

Going against a rule or code of conduct. Transgression produces pleasure by exceeding the limits set by society. In this context, Georges Bataille reconfigures the concept of transgression considering it necessary to escape the repression of the modern world. In his writings on Eroticism, Bataille (1986, pp. 63-70) presents transgression as the suspension (rather than the abolition) of the repression produced by taboos. Therefore, the concept of transgression is intimately related to that of limit, so that one depends on the other (Foucault, 1977). That is to say, the limit would not exist if it was impossible to cross, just as there would be

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ultrapassá-lo, tal como não haveria transgressão se o limite não fosse real. A relação entre o limite e a transgressão não é de oposição, não lida com uma negação, mas antes com a afirmação do ser do limite. Lugares abandonados partilham uma particularidade: a de serem lugares ideais para vaguear, beber, praticar skateboard ou parkour, fazer graffiti, etc. Estas atividades para adultos em áreas marginalizadas da cidade estão também relacionadas com “desordem” e “liberdade” (Edensor, 2012, p.74). Essa é a principal razão pela qual uma ligação fundamental é estabelecida entre ruínas pós-industriais (desordenadas e fora de controlo) e transgressões, ligação essa que encontra em espaços de declínio e abandono o território ideal para albergar estas performances. A leitura de um espaço de uma perspetiva transgressiva permite-nos igualmente pensar no papel que as ruínas pós-industriais desempenham dentro da cidade e nas possibilidades transformativas destas práticas. Bataille, G. (1986). Erotism: death and sensuality. San Francisco, USA: City Lights edition. Edensor, T., Evans, B., Holloway, J., MIllington, S., Binnie, J. (2012). Playing in industrial ruins. Interrogating teleological understandings of play in spaces of material alterity and low surveillance. In A. Jorgensen & R. Keenan (Eds.), Urban Wildscapes (pp. 65-79). Oxford, UK: Routledge. Foucault, M. (1977). “A preface to transgression”. In D. F. Bouchard (Ed.), Language, counter-memory, practice. Selected essays and interviews (pp. 29-52). New York, USA: Cornell University Press.

no transgression if the limit wasn’t real. The relationship between the limit and its transgression is not opposition, it is not about the negation of it, but about the very affirmation of the being of the limit. Abandoned places in general share the particularity of being ideal places to hang out, drink, practice skateboarding or parkour, make graffiti, etc. These games made by adults in marginalised areas of the city, are also related to “disorder” and “freedom” (Edensor, 2012, p. 74). This becomes the main reason why a fundamental connection is established between post-industrial ruins (disordered and out of control) and transgressions, which finds in the spaces in decay and abandonment the ideal territory to house these performances. The reading of space from the transgressive perspective also allows us to think about the role that post-industrial ruins play within the city, and the transformative possibilities of these practices.

Bataille, G. (1986). Erotism: death and sensuality. San Francisco, USA: City Lights edition. Edensor, T., Evans, B., Holloway, J., MIllington, S., Binnie, J. (2012). Playing in industrial ruins. Interrogating teleological understandings of play in spaces of material alterity and low surveillance. In A. Jorgensen & R. Keenan (Eds.), Urban Wildscapes (pp. 65-79). Oxford, UK: Routledge. Foucault, M. (1977). A preface to transgression. In D. F. Bouchard (Ed.), Language, counter-memory, practice. Selected essays and interviews (pp. 29-52). New York, USA: Cornell University Press.

TERRITORY

TERRITÓRIO BEATRIZ TAKAHASHI Território, onde acontece o encontro de uma comunidade, sendo ela física ou virtual. Este lugar dentro do espaço da cidade tem como cerne o devir constante que, por sua vez, é orientado pelas construções políticas, sociais e culturais, sendo estas reflexos de um determinado tempo. Por vezes tais construções têm como origem estratégias desenvolvidas pelos poderes público e/ ou privado, cujo objetivo é selecionar o conjunto de indivíduos que poderão interpretá-lo, tal como as práticas a serem realizadas, por meio de parâmetros que, na maior parte dos casos, são justamente os fatores económicos e a produção do

A territory — which may be physical or virtual — is where a community meets. This locale within the space of the city is rooted in a constant state of becoming, which, in turn, is guided by political, social and cultural constructions, that reflect a specific moment in time. Sometimes these constructions result from strategies developed by public and/ or private authorities, whose objective is to select the set of individuals who will be able to interpret the space, as well as the practices to be performed, through parameters that, in most cases, are specifically economic and production factors related to the desired imaginary.

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imaginário desejado. Entretanto, o entendimento acerca deste conceito não deve ser reduzido às ações do Estado ou da iniciativa privada, embora estas tenham influência direta na sua dinâmica e manutenção. Desta forma, percebemos que aquilo que tratamos aqui não somente é o lugar de expressão das redes criadas entre os indivíduos, como também é o palco em que estão presentes as relações de poder. Portanto, reside no Território uma dimensão política como sendo parte indissociável de sua existência, uma vez que, a representação de uma comunidade neste espaço do qual ela se apropria é, por si só, um ato político, quando não de resistência. Por fim, sendo o Território um lugar ativado por um coletivo de pessoas, o mesmo pode assumir o caráter fixo ou móvel, público ou privado, contínuo ou descontínuo, mas será, invariavelmente, o local em que uma comunidade está e pertence dentro daquele espaço de tempo.

However, our understanding of the concept of ter-

DEMOLIR

TO DEMOLISH

ritory should not be reduced to the actions taken by the State or the private sector, although these do have a direct influence on its dynamics and maintenance. We therefore realise that the true issue at stake is not only the place of expression of the networks created between individuals, but also the stage on which power relations can be found. A political dimension therefore resides in the Territory as an inseparable part of its existence, given that the representation of a community in this space, which appropriates it, is in itself a political act, or an act of resistance. Finally, since the Territory is a place that is activated by a group of people, it can take on a fixed or mobile character, and may be public or private, or continuous or discontinuous. But it will invariably be the place where a community can be found and to which it belongs, in that specific moment in time.

PATRÍCIA AZEVEDO SANTOS Destruir. Aniquilar. Deitar abaixo. Deitar por terra. Desmantelar. Desfazer o construído. Undoing a building. Poderíamos tomar o acto de demolir como processo inverso de construir. No entanto, se desconstruir é o seu oposto, a sua antonímia poderá não se adequar aqui, uma vez que não se trata de um processo de decomposição física passiva, desgaste natural ou abandono, resultado de uma inacção que se prolonga no tempo (a ruína), mas antes um gesto humano deliberado de exterminação maciça e imediata das dimensões materiais ou físicas, reduzidas ao pó e ao entulho. É um modo específico de fazer desaparecer que nada tem a ver com a lei da Natureza. É um gesto destruidor, uma violência que é exercida e irreversível. É um gesto de apagar. Mas o que apagar? Como se faz essa escolha? E se destruímos os indícios, se apagamos o documento, se demolimos o construído, quais são as possibilidades da escrita da história no futuro? Mais, como decidir o que é historicamente relevante, o que deve ou pode ou não ser demolido, se a história do tempo presente procura actuar sincronicamente sobre eventos que lhe são coetâneos? Não obstante, a lógica económica é inegável:

To destroy. Annihilate. Knock down. Raze to the ground. Dismantle. Undo that which has been built. Undoing a building. We could view the act of demolition as an inverse building process. However, if deconstructing is the opposite of constructing, its antonym may not be adequate here, since it is not a process of passive physical decomposition, of natural wear and tear, or abandonment, the result of an inaction that is extended over time (the ruin). Instead, it is a deliberate human gesture of massive and immediate extermination of all material or physical dimensions, that are reduced to dust and rubble. It is a specific way of making something disappear, that has nothing to do with the law of Nature. It is a destructive gesture, a violence that is exercised and is irreversible. It is a gesture of erasure. But what should be erased? How is this choice made? And if we destroy the evidence, if we erase the document, if we demolish that which has been built, what are the possibilities of writing history in the future? Furthermore, how can we decide that which is historically relevant, what should or shouldn’t or can or can’t be demolished, if the history of the present time seeks to

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economiza-se tempo, recursos, técnicos e humanos, e espaço, na sua acepção mais ou menos literal; a demolição abre espaço para a reescrita, para o novo, para a mudança, ainda que de forma radical e transversal, do território. Ganha-se espaço físico ao suprimir as memórias não tão relevantes, não tão excepcionais, não tão convenientes. Por outro lado, — visão assumidamente radical, optimista, utópica ou ingénua — há também um potencial libertário, explícito e implícito, gerador de breathing spaces, para reinventar o futuro, para as cidades repensarem e redesenharem, sem nostalgias, o seu território.

act synchronously on events that occur simultaneously with it? Nevertheless, the economic logic is undeniable: it is possible to save time, resources, technical and human resources, and space, in its more or less literal sense; demolition opens up a space for rewriting, for the new, for change, albeit in a radical and transversal manner, of the territory. Physical space is gained by suppressing the not-so-relevant, the not-so-exceptional, the not-so-convenient memories. On the other hand, — an admittedly radical, optimistic, utopian or naive view — there is also a libertarian, explicit and implicit potential, generating breathing spaces, to reinvent the future, for cities to rethink and redesign their territory, without any sense of nostalgia.

DEMOLITION

DEMOLIÇÃO LAUREM CROSSETTI

Vestígios do antigo Bairro São Vicente de Paulo, construído na década de 1950 e demolido entre 2005 e 2008, na zona oriental da cidade do Porto. A história do bairro — das suas gentes à demolição — foi explorada pela artista Flora Paim durante o passeio (des)guiado Arqueologia do Vazio, realizado em Setembro de 2019 no âmbito do projeto The (mis)guided Tours, organizado por Laurem Crossetti com apoio do Coletivo MAAD. Vestiges of the old neighbourhood of São Vicente de Paulo, that was built in the 1950s and demolished between 2005 and 2008, in the eastern part of the city of Porto. The history of the neighbourhood — of the people who lived there up to its demolition — was explored by the artist Flora Paim during the (mis)guided tour, Archaeology of the Void, held in September 2019 as part of the project, The (mis)guided Tours, organised by Laurem Crossetti with the support of MAAD Collective.

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HISTORY — / MEMORY

HISTÓRIA — / MEMÓRIA ELENA LACRUZ Na introdução da sua trilogia, Rethinking France — Les Lieux De Mémoire, Volume 1: The State, o historiador francês Pierre Nora explicita as diferenças entre memória e história. Na sua perspetiva, a memória foi substituída pela “aceleração da história” que ocorre nos nossos dias e pela forma como “as sociedades modernas organizam um passado que estão condenadas a esquecer porque são movidas pela mudança” (Nora, 1996, p. 2). Esta definição de memória, de que Nora defende o desaparecimento, refere-se à memória como a própria “vida”. Estar “em evolução permanente, sujeito à dialética do lembrar e do esquecer”, enquanto a história é apresentada como “a reconstrução do que já não é”. A tabela abaixo representa as características de cada termo, segundo Nora. Memória Fenómeno do presente Fenómeno de emoção e magia > vulnerável a transferências e projeções Situa a recordação em contexto sagrado Múltipla, mas específica, coletiva e plural, mas individual Enraizada no espaço, no gesto, na imagem e no objeto

MEMORY Phenomenon of the present Phenomenon of emotion and magic > vulnerable to transferences and projections Situates remembrance in a sacred context Multiple yet specific, collective and plural yet individual Rooted in space, gesture, image and object

In the introduction of his trilogy, Rethinking France — Les Lieux De Mémoire, Volume 1: The State, French historian Pierre Nora states the differences between memory and history. According to his point of view, memory has been removed by the “acceleration of history” that occurs nowadays, and “how modern societies organize a past they are condemned to forget because they are driven by change” (Nora, 1996, p. 2). This definition of memory, in which Nora defends its disappearance, refers to memory as “life” itself. Being “in permanent evolution, subject to the dialectic of remembering and forgetting”. While history is displayed as “the reconstruction of what no longer is”. The following table shows the characteristics of each of the terms according to Pierre Nora.

História Representação do passado Atividade intelectual, não religiosa > pede analise e discurso crítico Transforma tudo em prosa Pertence a todos e a ninguém e tem por isso vocação universal Habita continuidades temporais, na trans-formação das coisas e na relação entre elas HISTORY Representation of the past Intellectual, nonreligious activity > calls for analysis and critical discourse Turn everything into prose Belongs to everyone and to no one and therefore it has a universal vocation Dwells on temporal continuities, on changes inthings and relations among things

Diferenças entre memória e história segundo Pierre Nora (1996). Elena Lacruz, 2017

A memória, tal como é definida acima, foi gradualmente substituída pela história. Esta ajuda a delinear a identidade através da justificação do passado e hoje em dia a memória já não é uma presença viva. “Aquilo a que chamamos memória hoje é, por isso, não memória, mas já história” (Nora, 1996, p. 8). Deste modo, Nora

Differences between memory and history according to Pierre Nora (1996). Elena Lacruz, 2017

Memory, defined as above, has been gradually substituted by history. History helps to outline identity through the justification of the past and nowadays memory is no longer a living presence. “What we call memory today is therefore not memory but already history” (Nora, 1996, p. 8). Hence, Nora refers to modern memory

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refere-se à memória moderna como memória-história, e não como “memória verdadeira” que subsiste apenas em gestos e hábitos, tácitas tradições artesanais, intimidade física, reminiscências enraizadas e reflexos espontâneos” (Nora, 1996, p. 8). Para o autor, esta memória moderna é arquivística e depende quase inteiramente da materialidade de ruínas, gravações e imagens.

as memory-history, and not the “true memory” that “subsists only in gestures and habits, unspoken craft traditions, intimate physical knowledge, ingrained reminiscences, and spontaneous reflexes” (Nora, 1996, p. 8). For the author, this modern memory is archival and depends almost entirely on the materiality of the remains, on recordings and images.

Nora, P. (1996). Realms of memory. New York, USA: Columbia University

[RE]THINK

[RE]PENSAR BEATRIZ DUARTE Ao ato de repensar alguma coisa, algum lugar ou mesmo um tema está inerente a ideia de que estes são assuntos que merecem ser considerados. Significa isto que repensar possui uma essência diádica de retrospetiva — uma vez que é suposto prefigurar um ato de nova avaliação de um objeto pré-existente — e de previdência — no qual o objeto será apreendido de outra forma, e de modo crítico. Apesar de o ato de pensar de novo sobre algo pareça ser demasiado etéreo, é na verdade um modo bastante sistemático, tectónico e eficaz de especulação ou reflexão sobre uma coisa material ou corpórea, recorrendo ao imaginário. Esta prática opera como ferramenta para planeamento de estruturas, criando novas perspetivas e antecipando potencialidades, que podem atingir objectivos-chave e formas de materialização numa mudança intuitiva. O processo, supostamente, implica uma transição do estado das coisas e estabelece renovadas ou melhoradas possibilidades que devem atuar como catalisador de transformação e alteração de realidades. Assim, mais do que ser apenas um modelo, o ato de repensar é um modo perspicaz de transformar a ambiguidade do futuro numa estratégica vantagem.

The action of rethinking something, some place,

ESPELHO

MIRROR

or even, a concern or subject inherent the idea that these are matters that worth the attention of being reconsidered in the first place. This means that rethinking has a dyad essence of hindsight — once it is supposed to foreshadow an act of assessing a pre-existing important object anew — and the one of foresight — in which the object matter will be perceived in another way in a critical manner. Although the act of thinking again about something seems to be too ethereal it is actually a very systematic, tectonic and effective way of speculating or reflecting upon a corporeal and material thing by using the imaginary. This practice operate as a tool for scenario planning, creating new perspectives and anticipating potentiality, which can achieve key objectives and ways of materializing the intuitive change. The process is supposed to implicate a transition in the state of things and settle refreshed or improved possibilities that must engage as a catalyst for transformation and the changing of realities. Thus, more than being just a mock-up, the act of rethinking is an insightful way of turning the ambiguity of the future into a strategic advantage.

SÉRGIO MAGALHÃES O espelho da direita reflete o espelho da esquerda, enquanto o espelho da esquerda reflete o espelho da direita. Nenhum ganha tempo ao outro, a luz

The mirror on the right reflects the mirror on the left, while the mirror on the left reflects the mirror on the right. Neither is faster than the other,

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mexe-se mais depressa. No meio está um homem que se deixa refletir enquanto reflete sobre o que vê sem sequer se ver no espelho. Uma imagem entre as imagens que se refletem infinitamente, numa linha temporal da história que conta tudo e até presume o que ainda está por contar, modelando a forma como o inesperado acontece, como os reflexos se transformam em reflexões e como tudo se condiciona em si mesmo, na presença do homem, na ausência da certeza. É este o exemplo que o homem vê quando está entre os espelhos. É este o saber consciente que transforma o homem nesse lugar.

because light moves faster. In the middle we see a man who allows himself to be reflected while he reflects on what he sees, without ever seeing himself in the mirror. An image among images that are infinitely reflected, in a timeline of the story which tells everything and even assumes that which has yet to be told, shaping the way that the unexpected happens, how reflexes are transformed into reflections and how everything is conditioned within itself, in the presence of man, in the absence of certainty. This is the example that the man sees while placed between the mirrors. This is the conscious knowledge that transforms the man in that place.

RESIGNIFYING

RESSIGNIFICAR PATRÍCIA COELHO Ressignificar é o ato de construir sentido e de produzir novos significados a partir do que já existe, transformando-o. Ao tomar o contexto e a geografia do Lugar como ponto de partida para pensar em novas dimensões e práticas imateriais que envolvam individual, colectiva e culturalmente todos os que nela se relacionam, pretende-se criar fricção entre ideias e ações que promovam a reflexão sobre o território. Para ressignificar é necessário lidar com o passado de forma operativa, sendo capaz de construir novas narrativas que ativem o Presente e que o integrem no tempo desses lugares e nas dinâmicas mais latas do território que o envolve. Ressignificar é sempre uma ação do Presente, que faz parte de um processo para a construção do Futuro. No Freixo, o Passado parece demasiado desgastado pela força das memórias que evoca, o Presente sendo constante é vivido num estado patente de amnésia e nostalgia gerador de inércias. Já o Futuro, esse tempo que teima em não chegar, não deveria ser sinónimo de reação, de algo que fica à mercê dos ciclos externos, económicos ou políticos. Para o Freixo é preciso Refletir, Agir e Ressignificar através da produção de identidades, de informação crítica, de conceitos, de glossário e todas as múltiplas possibilidades de ação que produzam significado e que nos façam revisitar estes Lugares.

Resignifying is the act of constructing meaning and producing new meanings from that which already exists, transforming it. By taking the context and geography of the Place as a starting point to think about new dimensions and immaterial practices that individually, collectively and culturally involve all those who relate to it, the objective is to create friction between ideas and actions that promote a reflection on the territory. To resignify it is necessary to deal with the past in an operative manner, able to build new narra-tives that activate the Present and that integrate it in the time of these places and in the broader dynamics of the territory around it. Resignifying is always an action of the Present, which is part of a process for the construction of the Future. In Freixo, the Past seems too exhausted by the strength of the memories that it evokes. The Present, as a constant presence, is experienced in a patent state of amnesia and nostalgia that generates inertia. The Future, that time which insists on never arriving, should not be synonymous with reaction, of something that lies at the mercy of external, economic or political cycles. For Freixo it is necessary to Reflect, Act and Resignify, through the production of identities, critical information, concepts, glossary and all the multiple possibilities of action that produce meaning and that make us revisit these Places.

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ARCHIVE

ARQUIVO MIGUEL TEODORO

Um modo de ligação com a realidade em movimento. Lab. 25, Fábrica Fogões Meireles, Rua Barão de S. Cosme, Porto, 2019.

A way to connect with the moving reality. Lab. 25, Fábrica Fogões Meireles, Rua Barão de S. Cosme, Porto, 2019.

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LISTENING

ESCUTA ANTON KATS

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ATTENTION

ATENÇÃO

ORLANDO GILBERTO-CASTRO Na geração que cresceu habituada às multitarefas, na era digital, os limites superiores da atenção no cérebro humano encontram-se em rápida expansão, algo que provavelmente levará à alteração de certos aspectos da consciência num futuro não muito distante, se tal não tiver já acontecido. Expandir a atenção traz vantagens óbvias, e as capacidades associativas geradas pelas multitarefas trazem vantagens espantosas; em contrapartida, poderá haver um custo em termos de aprendizagem, consolidação de memória e emoção. Não temos ainda ideia de qual poderá ser esse custo. †

For the generation that has become accustomed to multi-tasking, in the digital age, the upper limits of the attention capacity of the human brain are rapidly expanding. This will probably lead to an alteration of certain aspects of consciousness in the not-too-distant future and may have already happened. Expanding our attention capacity has obvious advantages, and the associative skills generated by multitasking may deliver amazing advantages. But it may also come at a cost, in terms of learning, consolidating memory and emotion. We still have no idea what that cost might be. †

Possibilidade de isolamento e monotarefa: estar inteiro naquilo em que se está. Ser capaz de alternar entre uma visão global e complexa e uma visão de detalhe e profunda compreensão de cada unidade. Capacidade — e vontade — de ver, ver de facto. De reparar nas pequenas coisas. Nas grandes também. De estar focado, concentrado e receptivo: disponibilidade para receber, captar, integrar, sem expectativas ou pré-concepções. Vontade honesta de ver o outro pelo que ele é, sem viciar os dados. Humildade e ousadia de fazer o mesmo connosco próprios. Capacidade de levar uma coisa até ao fim, seguir uma linha de raciocínio ou intuição até à sua compreensão ou inteligibilidade, independentemente das possíveis consequências.

Possibility of isolation and single tasking: being fully dedicated to whichever one is doing. Being able to switch between a global and complex view and a detailed view and profound understanding of each unit. Ability — and willingness — to see things, to actually see them. To notice the little things and the big ones too. To be focused, concentrated and receptive. The availability to receive, capture, integrate, without any expectations or preconceptions. An honest desire to see the other for what they truly are, without distorting the details. The humility and daring to look at ourselves in the same light. The ability to see things through, until the bitter end, to follow a line of reasoning or intuition until it is understood or intelligible, regardless of the possible consequences.

†  António Damásio, O Livro da Consciência — A Construção do Cérebro Consciente (Self Comes to Mind: Constructing the Conscious Brain), Círculo de Leitores, 2010 — p. 219

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VOZES / ESTÓRIAS

VOCES / ESTÓRIAS

ALMUDENA MARTÍN PÉREZ São as histórias transmitidas pela voz, sejam elas faladas ou cantadas. O ser humano tem a capacidade de transmitir inúmeros sons e com isso as emoções e sentimentos através dos sons que gera com as suas cordas vocais e o seu aparelho ressonante, o corpo. Esta capacidade de comunicação, portanto, depende tanto da linguagem verbal quanto da produção de outros sons que o acompanham, dando à mensagem uma entoação e um significado. O termo em definição refere-se às histórias contadas, não escritas, à descrição de fatos reais ou imaginários realizados pelas pessoas. Estes respondem a posições sócio-geo-políticas e emocionais diferentes, por isso são eminentemente subjetivas, como o termo estórias implica. Tal não impede que façam referência a fatos totalmente objetivos. Na verdade, estas estórias, em muitos casos, são os únicos traços de uma realidade já desaparecida fisicamente. As vozes ou estórias à volta do mesmo objeto de estudo geram uma fonte de informação rica, uma vez que os diferentes pontos de vista permitem a construção poliédrica duma mesma realidade. Assim, as diferentes vozes estórias podem ou não aparecer confrontadas. Neste termo poderiam ser incorporadas também as vozes do meio ambiente, vozes não humanas, que falam de estados ou processos no contexto. O conjunto de vozes de uma comunidade juntamente com as do seu contexto são uma ferramenta útil em práticas situadas. Pode ser utilizado como recurso em metodologias de pesquisa crítica e experimental, tornando-se material base para a interpretação e a criação artística (escritos, performances, intervenções digitais, instalações espaciais, …). Embora se possa aproximar, o termo difere do termo história oral, que é a especialidade dentro da ciência da história que visa reconstruir o passado através dos testemunhos orais de espetadores oculares, em busca da máxima objetividade possível. Um exemplo do uso dos recursos de vozes ou estórias é a proposta crítica e criativa de Flora Paim Arqueologia do Vazio elaborada no âmbito do programa (Mis)Guided Tours, da Porto Design

Son los relatos transmitidos a través de la voz, ya sean hablados o cantados. El ser humano tiene la capacidad de transmitir infinidad de sonidos y con ello de emociones y sentimientos mediante los sonidos que genera con sus cuerdas vocales y su aparato resonador, el cuerpo. Esta capacidad de comunicación por lo tanto se apoya tanto en el lenguaje verbal como en la producción de otros sonidos que lo acompañan, dando al mensaje una entonación y un sentido. El término a definir se refiere a los relatos contados, no escritos, a la descripción de hechos reales o imaginarios por personas. Estos responden a posiciones, socio-geo-políticas y emocionales distintas, por lo tanto son eminentemente subjetivos, como el término stories implica. Esto no impide que hagan referencia a hechos totalmente objetivos. De hecho estas stories, en muchos casos, son las únicas huellas de una realidad ya desaparecida físicamente. Las voices o stories en torno a un mismo objeto de estudio genera una fuente de información rica, ya que los distintos puntos de vista permiten la construcción poliédrica de una misma realidad. Por lo tanto las distintas voices stories pueden aparecer confrontadas o no. Al término también podrían incorporarse las voces del entorno, voces no humanas, que hablan de estados o procesos en el contexto. El conjunto de voces de una comunidad junto con las de su contexto son una herramienta útil en situated practices. Puede ser utilizado como recurso en metodologías de investigación crítica y experimental, convirtiéndose en material base para la interpretación y la creación artística (writings, performances, digital interventions, spatial installations…). Aunque puede aproximarse, el término difiere del término historia oral, que es la especialidad dentro de la ciencia de la historia que tiene como objetivo la reconstrucción del pasado a través de los testimonios orales de testigos presenciales, en búsqueda de la máxima objetividad posible. Un ejemplo de uso del recurso de voices o stories es la propuesta crítica y creativa de Flora Paim Arqueologia do Vazio realizada no

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Bienal 2019, em torno dos conceitos de demolição; ausência; arquivo; descampado, usando como base as voices stories dos antigos habitantes do descampado e incluindo também as novas, criadas para construir uma nova story.

âmbito do programa (Mis)Guided Tours da Porto Design Biennale 2019 en torno a los conceptos demolição; ausência; arquivo; descampado,utilizando como base la voices stories de los antiguos habitantes del descampado e incluyendo nuevas creadas para construir una nueva story.

Proposta pedestre para espaço urbano no Porto, Arqueologia do Vazio por Flora Paim. Fotografias de Almudena Martín Pérez.

Walking proposal for an urban space in Porto, Arqueologia do Vazio by Flora Paim. Photographs by Almudena Martín Pérez

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Glossário Colectivo

Collective Glossary

Sobre Saudade

On Saudade INÊS MOREIRA

Saudade é um sentimento familiar à cultura portuguesa mais castiça, sendo difícil de traduzir para outro idioma, como o é Toska, em russo. Envolta num imaginário pitoresco, da voz do fado à evocação de um tempo áureo, a saudade é menos carregada de angústia e mais plena de celebração de um momento, lugar ou relação antiga, cuja memória permanece idealizada. A saudade romanceia e simplifica, remete para um tempo melhor e mais simples. É por isso um pouco ingénua. Esta secção do Glossário Colectivo refere ideias, estratégias, aproximações à prática social e à produção do espaço, olhando ao passado e imaginando possíveis novos futuros. Um pensamento para acção colectiva sobre a cidade está, necessariamente, revestido de propostas e desejos utópicos em que a vida em sociedade é ditada pelo bem comum — não apenas pelo investimento imobiliário. Os debates sobre Post-Nostalgic Knowings olharam ao saber local das comunidades e colectividades, à vida em comum, em parte, pois no Porto Oriental a estrutura urbana das casas em ilha remete para quotidianos de partilha para ultrapassar a pobreza. E também, nas propostas colectivas e de auto-organização que Solvita Krese apresentou em Riga, a ideia de memória colectiva, com a consciência que olhando e aprendendo com o passado se pode tocar em ideias um pouco romanceadas, mas que permitem decantar aspectos com que imaginar momentos melhores. A Saudade acrescenta assim às secções a) Sobre Nostalghia e b) Sobre Toska.

Saudade is a familiar sentiment within the most traditional Portuguese culture, a very difficult word to translate in its full meaning into another language. The same is true for the Russian word, Toska. Surrounded by a picturesque imagination, from the voice of fado music to the evocation of a golden era, saudade is not so much a sentiment of anguish, but rather the celebration of things past, of a place or relationship, whose memory remains idealised. Saudade encompasses a romanticised notion of the past and at the same time simplifies it, harking back to a better and simpler time. For this reason, it is somewhat naive. This section of the Collective Glossary refers to ideas, strategies, approaches to social practice and the production of space, looking to the past and imagining possible new futures. A thought process for collective action in the city necessarily involves utopian proposals and desires, in which life in society is dictated by the common good — not just by the interests of real-estate investment. The discussion on Post-Nostalgic Knowings looked at the local knowledge of communities and collectivities, at communal life. This occurred in part because in East Porto the urban structure of the houses in workers’ housing units (ilhas) traditionally involved daily sharing of goods, in order to overcome poverty. In the collective and self-organising proposals that Solvita Krese presented in Riga, we also find the idea of collective memory, with the awareness that by looking and learning from the past we can find ideas that may be somewhat romanticised, but that allow us to decant aspects that we can use to imagine better times. Saudade is therefore complemented by the sections a) On Nostalghia and b) On Toska.

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CURATING THE LOCAL CONTEXT

CURADORIA EM CONTEXTO LOCAL ANETA SZYŁAK O contexto é uma rede de ligações que confere significado a palavras, objetos e lugares em confronto com as suas áreas circundantes. Não se trata necessariamente de um fenómeno individual, antes de partículas num campo em rede de possibilidades cognitivas. Este termo, oriundo da linguística, tornou-se útil para disciplinas como a arqueologia ou a arquitetura, onde se torna necessário, em locais de escavação ou na paisagem de certos lugares, ver coisas entre camadas. Deste modo, não estamos a lidar com a essência singular das “coisas”, mas com parte de uma situação mais vasta. A curadoria enquanto prática de projeto no campo das artes e cultura é frequentemente vista como uma prática institucionalmente interiorizada e codificada através da qual o curador impõe a sua vontade sobre artefactos e ideias. Vale a pena propor a curadoria como forma de interferência coletiva num novo entendimento de especificidades locais. No quadro da nossa investigação, a exploração de abordagens possíveis às zonas abandonadas do Porto, a curadoria pode surgir como modo de ação, mensagem ou prática de longa duração, com a intenção de produzir mudança sem muitas perdas. Isto não significa que tenhamos de reverenciar as lendas da cidade ou de insistir em identidades escolhidas, mas devemos observar, capturar e manter os valores inesperados do contexto. O local da nossa investigação pode ser curado — ou simplesmente ser cuidado — pelas ações minúsculas daqueles que com ele se importam. Isto inclui conhecimento especializado, abordagens transdisciplinares como saber comum, assim como conhecimentos tácitos não transmissíveis verbalmente. Curar um contexto pode significar contribuir para uma mudança desse mesmo contexto na senda da sua especificidade. É essencial que conhecimentos práticos e teóricos distintos se unam, transgredindo limitações de pensamento disciplinar.

Context is a web of connections that render meaning to words, objects and places in relation with the possible surroundings. It is not necessarily about individual phenomena, but rather particles in the networked field of cognitive possibilities. This term, sourced from linguistics, has become useful for disciplines such as archeology or architecture, where seeing things in the layers of excavation sites or places in the landscape of certain localities is necessary. This way we are not dealing with the singular essence of “things” but with a part of the larger situation. Curating as a practice of project-making in the field of art and culture is often seen as an institutionally internalized codified practice, where the curator imposes his or her will over artifacts and ideas. It is worthwhile to propose curating as a form of collective interference in understanding local specificities anew. In the framework of our inquiry, exploring possible approaches to the abandoned areas of Porto, curation can happen as a form of action, message or longer-term practice with the intention of changing possibly without casualties. This does not mean to lean toward city legends or insist on chosen identities but to observe, pick up and hold up unexpected valuables of the context. The site of our investigation can be curated — or simply taken care of — by the minuscule actions and interventions of those who care. This includes both expert knowledge, transdisciplinary approaches including common knowledge as well as tacit knowledges that are not verbally transferable. To curate context could mean then to contribute to the change of the given context following its specificity. It is essential for different practical and theoretical knowledges to come together, transgressing limitations of disciplinary thinking.

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BELONGING

PERTENÇA LETÍCIA COSTELHA Em Reminiscências de uma Viagem para a Lituânia, Jonas Mekas fala no momento em que ele e os irmãos partem da Lituânia para a grande Europa Ocidental, referindo algo similar a isto: o momento em que partimos foi o momento que procuramos o regresso a casa; e nós ainda procuramos esse regresso a casa; eu ainda procuro o regresso a casa. O sentimento de pertença poderá adquirir-se por diferentes razões e contextos. Poderá estar enraizado em cada pessoa por diversos factores: culturais, educativos, tradicionais, emocionais, sentimentais, políticos e/ ou sociais. Normalmente, esse sentimento está intrínseco a um lugar, a um espaço, a uma terra, a uma comunidade, a um grupo. Numa primeira instância, o lugar em que nascemos/ crescemos/ vivemos é um lugar que nos pertence. Mas serão os lugares de pertença os mesmos lugares de conforto e consolo? À medida que experienciamos e vivemos (considerando o tempo vivido e/ ou investido e outros factores já referidos) outros lugares brotam em nós sentimentos de pertença e ligações emotivas. Contudo, é possível também adquirir um sentimento de que algo nos pertence, mas nós não pertencemos a esse algo ou vice-versa, encarando aqui uma fragilidade neste sentimento de pertença, que por vezes parece não se completar. É por esse incompleto que, por vezes, há uma vontade enorme de procura por estes lugares e sentimentos. Inicia-se, então, uma jornada, mas em todas as partidas por essa conquista parece simultaneamente haver um anseio pelo regresso ao ponto de partida da mesma, tornando estes gestos numa busca constante. Retomando a citação de Mekas, há uma vontade de regressar a casa, há nessa busca um sentimento saudosista e nostálgico, mas talvez estes lugares de pertença ou este regresso a casa residam nesses ápices de efemeridade que se eternizam por nos fazerem sentir em casa. Nos momentos de passagem, nas imagens que se cruzam connosco, nos cheiros ou nos sons que nos transportam para outras imagens já pré-existentes no nosso íntimo. Assim, por vezes parece que algo nos pertence, mas nós não pertencemos a esse algo, pois são apenas ideias que já estão intrínsecas em nós.

In Reminiscences of a Journey to Lithuania, Jonas Mekas speaks about the moment when he and his brothers left Lithuania for Western Europe, remarking: The minute we left, we started going home, and we are still going home. I am still on my journey home. The sense of belonging can be acquired for different reasons and contexts. It can be rooted in each person on the basis of several factors: cultural, educational, traditional, emotional, sentimental, political and/ or social. This feeling is usually intrinsic to a specific place, space, land, community or group. First and foremost, the place where we were born/ grew up/ lived is somewhere that belongs to us. But are places of belonging the same thing as places of comfort and solace? As we experience and live our lives (considering the time lived and/ or invested, and other aforementioned factors) new places may generate feelings of belonging within us and emotional connections. However, it is also possible to acquire a feeling that something belongs to us, but we do not belong to that something, or vice versa, which constitutes a weakness in this feeling of belonging, and sometimes does not seem to be complete. It is due to this incompleteness that there is sometimes an enormous desire to search for these places and feelings. A journey thereby begins, but in the moment of departure to attain this goal, there always seems to be a yearning to return to the starting point, thereby transforming these gestures into a constant search. Returning to Mekas’s quote above, we harbour a desire to return home, there is always a sense of nostalgia and saudade in this search. But perhaps these places of belonging or this process of returning home actually reside in those peaks of ephemeral existence, eternalised because they make us feel at home. In moments of passage, the images, smells and sounds that we encounter transport us to other pre-existing images that lie deep within us. Hence, sometimes it seems that something belongs to us, but we do not belong to that something, because they are only ideas that already constitute an intrinsic part of us.

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STAY

FICAR ORLANDO GILBERTO-CASTRO Há algo de resistência em qualquer permanência. Em escolher ficar, até ao momento de partir. Ficar, ficar de facto. Ficar não como uma ida adiada: ser-se, verdadeiramente, no sítio onde se está. Por isso estamos aqui. Permanecemos. Neste lugar particular de existência. Ficamos como resistência aos dias que passam inconsequentes, como resistência à indiferença, resistência à ignorância. (…)†

There is an element of resistance in any form of permanence. When we choose to stay, until the moment that we depart. To stay, to actually stay in a specific place. To stay, but not as if we have put off our departure. To be truly in the place where we are. That’s why we are here. We remain. In this specific place of existence. We remain as a form of resistance, to the days that pass by inconsequentially, resistance to indiffe-

No contexto de uma cidade como o Porto, que parece cada vez mais estabelecida em movimentos transitórios, regulares mas fugazes — no contexto de uma cidade que parece apostada na impermanência —, uma estadia enraizada, por parte daqueles que cá nasceram ou daqueles que cá escolheram centrar os seus mapas, desafia as lógicas de especulação imobiliária e de venda — directa ou indirecta — de património, material e imaterial. O perigo iminente e o risco de destruição, tanto a um nível mais pessoal como a um nível mais colectivo, tornam tentadora a fuga, a evasão. Tornam tentadora a demissão de responsabilidade. Ficar representa, pois, uma tentativa mais ou menos consciente de manter o presente no presente: estar aqui-e-agora e querer lidar com isso.

rence, resistance to ignorance. (…)†

In the context of a city like Porto, which seems to increasingly revolve around regular but fleeting, transitory movements — in the context of a city that seems to be committed to impermanence — a rooted form of permanence, for those who were born here or who have chosen to centre their maps in the city, challenges the logic of real-estate speculation and the direct or indirect sale of tangible and intangible heritage. The imminent danger and risk of destruction, on a more personal level, as well as a more collective level, tempts us to escape and to flee. It tempts us to dismiss any sense of responsibility. Staying, therefore, represents a more or less conscious attempt to keep the present in the present: being in the here-and-now and wanting to deal with this moment in time.

†  Texto da Direcção do TUP — Teatro Universitário do Porto na folha de sala do espectáculo Atequando, 2016

†  Text written by the Management of Porto University Theatre (TUP) for the room sheet of the show, Atequando, 2016

PERMANENCE

PERMANÊNCIA BRUNO DE ALMEIDA Para o Taoísmo, aquilo que é absolutamente imóvel ou absolutamente perfeito está absolutamente morto, pois sem a possibilidade de crescimento e mudança não pode existir Tao. Na verdade, não existe nada no universo que seja completamente perfeito ou completamente imóvel; apenas na mente dos homens tal conceito pode existir. Alan Watts, citado em JUNIPER, Andrew. Wabi Sabi. The japanese art of impermanence, p.7

To Taoism that which is absolutely still or absolutely perfect is absolutely dead, for without the possibility of growth and change there can be no Tao. In reality there is nothing in the universe which is completely perfect or completely still; it is only in the minds of men that such concept exists. Alan Watts’ quote in JUNIPER, Andrew. Wabi Sabi. The japanese art of impermanence, p.7

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COMMUNITY

COMUNIDADE BEATRIZ TAKAHASHI Comunidade, o reconhecimento entre os semelhantes cujas vivências e interesses convergem para um ponto comum permitindo torná-los um grupo. Em outras palavras, a delimitação entre o “nós” e “os outros”. É o sentimento de pertença a um território, a uma identidade, a uma ação ou a um imaginário que descentraliza o “eu” ao passo que o substitui, diluindo-o no que vem a ser o “nós”. Este coletivo de pessoas assume tanto a forma física quanto a virtual. Sobre esta última conformação, os sujeitos que compõe esta comunidade virtual não necessariamente necessitam dividir o mesmo espaço geográfico para configurar uma, embora estejam referenciados dentro do mesmo tempo. O que transforma um conjunto de pessoas numa Comunidade é a possibilidade de estabelecer uma conexão que permite a identificação e a formação de vínculo tornando-os iguais: lutas, desejos, cultura, privilégios e assim por diante. Além disso, seu caráter não é estático — seja ela física ou virtual —, o que significa que também pode ser efêmera, acontecendo dentro de um determinado período de tempo e nunca mais ocorrer, porém, a sua duração não é capaz de invalidar a sua existência.

Community, the mutual recognition between peers

COLECTIVIDADE

COLLECTIVITY

whose experiences and interests converge to a common point that allows them to become a group. In other words, the delimitation between “us” and “them”. It is the feeling of belonging to a territory, to an identity, to an action or to an imaginary that decentralises the “I” while replacing it, diluting it in what becomes “us”. This collective of people assumes both a physical and virtual form. In relation to the latter, the members of a virtual community do not necessarily have to share the same geographical space in order to establish such a community, although they are referenced within the same moment in time. That which transforms a group of people into a community is the possibility of establishing a connection that makes it possible to identify and form bonds, which establishes them as equals: in terms of struggles, desires, culture, privileges and so on. Furthermore, the character of a community — whether physical or virtual — is not static. This means that it can also be ephemeral and it may exist within a certain period of time and never occur again, however, its fleeting duration cannot invalidate its existence.

BRUNO DE ALMEIDA Como se transforma um ajuntamento num “happening”, isto é, maior do que a soma das partes? Uma resposta é contaminação. Somos contaminados pelos nossos encontros; eles mudam quem somos à medida que desbravamos caminho para outros. À medida que a contaminação transforma projetos de feitura do mundo, mundos mútuos — e novas direções — podem emergir. Todas as pessoas trazem em si uma história de contaminação; pureza não é opção. TSING, Anna. The Mushroom at the End of the World. On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, Princeton University Press, Princeton and Oxford, 2015, p.27

How does a gathering become a “happening”, that is, greater than a sum of its parts? One answer is contamination. We are contaminated by our encounters; they change who we are as we make way for others. As contamination changes world-making projects, mutual worlds—and new directions—may emerge. Everyone carries a history of contamination; purity is not an option. TSING, Anna. The Mushroom at the End of the World. On the Possibility of Life in Capitalist Ruins, Princeton University Press, Princeton and Oxford, 2015, p.27

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Processo de trabalho para prática situada numa antiga fábrica de moagem em Portugal. Almudena Martín Pérez. Julho de 2019

PRÁTICAS SITUADAS

Work process for a situated practice located in an old milling factory of Portugal. Almudena Martín Pérez. Julio de 2019.

SITUATED PRACTICES

ALMUDENA MARTÍN PÉREZ São experiências levadas a cabo em contextos específicos, in situ, com o objetivo de investigá-los e, de uma forma ou de outra, torná-los conhecidos entre o coletivo. São trabalhos cuja razão de ser é o lugar de ou onde ocorrem, e dessa forma, perdem o seu significado caso sejam transferidos. A transdisciplinaridade presente no mundo contemporâneo dilui as fronteiras entre os diferentes campos da pesquisa e leva a que as metodologias de trabalho no campo dessas práticas sejam variadas e, até mesmo, sobrepostas dependendo da disciplina ou disciplinas a partir das quais se age. Portanto, os resultados podem ter um caráter híbrido. Este tipo de práticas são realizadas com base em diferentes posições teóricas e disciplinares, geralmente na vertente criativa: dança, teatro, música, artes plásticas, arquitetura, urbanismo, comunicação audiovisual… Nestes projetos não se parte do “papel em branco”, o contexto torna-se fonte de materiais e inspiração para a criação. Os resultados vão desde as criações literárias, às intervenções audiovisuais digitais, instalações físicas espaciais, coreografias, peças de teatro, peças de música, …, ou seja, criações em que se sobrepõem as diferentes linguagens, a textualidade, a performance e a crítica.

Son aquellas experiencias llevadas a cabo en contextos concretos, in situ, con el objetivo de investigarlos y de una forma u otra darlos a conocer a la colectividad. Son trabajos cuya razón de ser son el lugar desde o donde se producen, por ello pierden todo su sentido al ser trasladados. La transdisciplinaridad presente en el mundo contemporáneo diluye los límites entre los diferentes campos de investigación y conduce a que las metodologías de trabajo en el ámbito de estas prácticas sean variadas e incluso superpuestas, dependiendo de la disciplina o disciplinas desde las cuales se trabajen. Por lo tanto los resultados pueden tener un carácter híbrido. Desde variados posicionamientos teóricos y disciplinas se realizan este tipo de prácticas, generalmente en la vertiente creativa: Danza, teatro, música, artes plásticas, arquitectura, urbanismo, comunicación audiovisual… En estos proyectos no se parte del “papel en blanco”, el contexto, se convierte en fuente de materiales y de inspiración para la creación. Los resultados van desde creaciones literarias, intervenciones digitales audiovisuales, instalaciones físicas espaciales, coreografías, piezas de teatro, piezas de música…, es decir, creaciones en donde se imbrican distintos lenguajes, la textualidad, la performatividad y la crítica.

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Dentro desta vertente, pode ser incluído o site-specific art, que foi iniciado por escultores em meados dos anos 70. A pesquisadora Isa Wortelkamp fala sobre o processo criativo site-specific da peça de dança teatral Mies, de Toni Mira, uma obra coreográfica baseada em conceitos arquitetónicos que é criada a partir de um processo de exploração e improvisação no Pavilhão de Barcelona. Relativamente ao processo, explica: Mover-se através da arquitetura significa, consciente ou inconscientemente, ler as suas pegadas e, ao mesmo tempo, temporariamente fazer o próprio caminho. O espaço construído motiva e estrutura, coreografa, os movimentos do corpo. Deste ponto de vista, cada arquitetura possui de forma inerente uma coreografia, um plano de um arquiteto, que prevê e prescreve um projeto, que tem um propósito. Porquanto este plano determina o possível espaço, coloca limites ao movimento, impossibilita-o, interrompe-o. Com o movimento que atua criando e formando espaço, o plano torna-se num projeto próprio… (161)

Dentro de esta vertiente se puede incluir el site-specific art, que es iniciado por escultores en la mitad de los años 70. La investigadora Isa Wortelkamp habla del proceso creativo site-specific de la pieza de danza para escenario Mies de Toni Mira, un trabajo coreográfico basado en conceptos arquitectónicos que se crea a partir de un proceso de exploración e improvisación en el Pabellón de Barcelona. Dice acerca del proceso: Moverse a través de la arquitectura significa, de forma consciente o inconsciente, leer sus huellas y a la par temporalmente hacer el propio camino. El espacio construido motiva y estructura, coreografía, los movimientos del cuerpo. Desde este punto de vista cada arquitectura posee de forma inherente una coreografía, un plan de un arquitecto, que prevé y prescribe un proyecto, que tiene un propósito. En tanto este plan determina el posible espacio, pone límites al movimiento, lo imposibilita, lo interrumpe. Con el movimiento que opera creando y conformando espacio, el plan se convierte en un proyecto propio… (161)

Mira, Toni e Isa Wortelkamp. “Mies-Procesos coreográficos basados en conceptos arquitectónicos”. ¡A bailar a la calle! Danza contemporánea, espacio público y arquitectura. Ed. e trad. Victoria Pérez Royo. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2008. 169-181.

Mira, Toni y Isa Wortelkamp. “Mies-Procesos coreográficos basados en conceptos arquitectónicos”. ¡A bailar a la calle! Danza contemporánea, espacio público y arquitectura. Ed. y trad. Victoria Pérez Royo. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2008. 169-181.

CONDIÇÃO

CONDITIONS SÉRGIO MAGALHÃES

Contextual. Lógica e implicação de condições. Proposição ritual de uma verdade, óbvia e incontornável. Identificação e reconhecimento endémico, sistémico da ativação de um modo de ser particular, um estado de ser, da memória e da história. Circunstancial. Por isso dependente da ecologia de ser ponto de referência ou menção, até discussão. De forma e feitio a ser requerimento, feito por esse lugar que nem a si se habita.

Contextual. Logic and implication of conditions. Ritual proposition of an obvious and unavoidable truth. Endemic, systemic identification and recognition of activation of a particular way of being, a state of being, of memory and history. Circumstantial. It therefore depends on the ecology to be a point of reference or a mention, until the moment of discussion. With the form and attitude to be a requirement, made by this place which doesn’t even inhabit itself.

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CATALYST

CATALISADOR CARLA GONÇALVES O dicionário Cambridge define o substantivo catalisar como sendo uma condição, evento ou pessoa que é a causa de uma mudança importante. Na disciplina de química, o catalisador é uma substância que altera a velocidade de uma reação. Observaram que pequenas quantidades de substância de origem externa podiam afetar o desenvolvimento de uma reação química. A analogia em arquitetura coloca-se nos sítios e edifícios que se encontram num ciclo de abandono e sobre estes é promovida uma ação de uso. O ato de intervir sobre o objeto contrariando o ciclo em que este se encontra, pode ser o estímulo necessário para que retome ou inicie uma nova etapa de uso. O impulso gerado através de pequenas intervenções, sobre os sítios e edifícios pode ser o motor para que este entre num processo de retoma gradual da atividade. No período de 1968 a 1970 um grupo de arquitetos britânicos Archigram desenvolveu um conjunto de ideias a que deram o nome de migratory idea-circus. O projeto explorava o conceito catalisador, motor para despoletar atividades nas pequenas cidades que se encontravam fora do grande centro urbano. Hoje o uso temporário é a substância o catalisador que reativa, sítios e fábricas abandonadas.

The Cambridge dictionary defines the word “cat-

ROTINA DIÁRIA

DAILY ROUTINE

alyst” as a condition, event or person which is the cause of an important change. In chemistry, a catalyst is a substance that changes the speed of a chemical reaction. Chemists observe that small amounts of a substance of an external origin may affect the development of a chemical reaction. The analogy in the field of architecture concerns the sites and buildings that are in a cycle of abandonment, where an action of use is fostered in relation to them. The act of intervening in relation to the object, thus countering the cycle in which it is found, may be the necessary stimulus for it to resume or commence a new period of use. The impulse generated by small interventions in sites and buildings can be the necessary stimulus for them to enter a process of gradual resumption of activity. From 1968 to 1970 a group of British architects, Archigram, developed a set of ideas which they called the migratory idea-circus. This project explored the concept of the catalyst, as an engine to trigger activities in small cities outside the great urban centre. Nowadays the temporary use of a building is the substance, the catalyst, that may reactivate an abandoned site or factory.

LETÍCIA COSTELHA A rotina diária é um conjunto de acções predefinidas. Num primeiro momento é possível pensar a rotina diária como algo negativo, uma situação constante que torna as nossas acções automatizadas, mecânicas e intuitivas, interceptando desta forma a nossa imaginação, criatividade e/ ou pensamento crítico. Contudo teremos facilidade em identificar o momento do dia em que ganhamos consciência desses hábitos: o regresso a casa. Ao realizar este regresso revisitamos as primeiras acções do dia, refletimos sobre os acontecimentos da jornada diária.

A daily routine is a set of predefined actions. Initially, it is possible to think about a daily routine as something that is negative, a constant situation that makes our actions automated, mechanical and intuitive, thereby intercepting our imagination, creativity and/ or critical thinking. However, it is easy to identify the time of day when we become aware of these habits: when we return home. When we arrive home, we revisit our first actions of the day, and reflect on the events of our daily journey.

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Assim, num segundo momento é possível pensar a rotina diária como algo frutífero, de onde se poderá retirar novas formas de pensar, encarar ou redefinir o quotidiano. Num passo consciente, propõe-se uma nova posição pessoal quanto à rotina, tomando uma posição de atenção e vigilância quanto aos pequenos detalhes, características de espaços e/ ou situações, perceber a nossa posição nos diferentes lugares do dia, registar sons ou procurar odores característicos. Logo, há uma procura por retirar desse quotidiano elementos, assuntos, propostas, imagens ou outros que poderão ser importantes para a construção de um pensamento ou de uma investigação ou até de um desenvolvimento pessoal. Para facilitar a reflexão e absorção dessas imagens diárias é importante fazer um exercício de caracterização destes elementos, isto é, dividir cada um em três secções: os que habitualmente não mudam de lugar nem forma; os que parecem ser novidade no acto rotineiro; os que parecem ganhar novas formas e/ ou lugares dependendo do momento do dia. Num terceiro momento, é possível encarar/ pensar a rotina diária como um ritual. Reflectindo essencialmente nos momentos de maior introspecção, podemos pensar em cada acto doméstico, em cada acto quotidiano, em cada hábito como uma ideia de ritualização e pensando nestas acções como acções sagradas, encontrando na rotina diária um momento de consolo, conforto, estabilidade, alegria, plenitude, calma. Por fim, numa última instância, poder-se-á procurar a dissimulação da rotina. Ou seja, procurar novas formas de completar as tarefas e as responsabilidades diárias, recorrendo a novos caminhos, novas actividades, ou propondo outros horários, pois é importante, por vezes, sair da rotina, para que depois se possa voltar para esta com novas vontades e novas reflexões. Regressar/ retornar ao Freixo dez anos depois, poderá ser visto tanto como um momento de rotina como uma quebra das nossas próprias rotinas, saindo do centro da cidade para olhar de novo o lado Este desta. Ou talvez, regressar/ retornar ao Freixo poderá ser como que um ritual, uma caminhada de instrospecção para um lugar que à medida que os anos passam parece quase intocável.

Then we may think of the daily routine as something that is fruitful, from which we may withdraw new ways of thinking, facing or redefining daily life. In a conscious step, a new personal position is proposed in relation to this daily routine, adopting a position of attention and vigilance in relation to tiny details, characteristics of spaces and/ or situations, perceiving our position in the different places of the day, recording sounds or looking for characteristic odours. As a result, there will be a search to withdraw elements, subjects, proposals, images or others from that daily routine, that may be important for the construction of a thought or a line of research or even a personal development. To facilitate the reflection and absorption of these daily images, it is important to carry out an exercise to characterise these elements, i.e., to divide each one into three sections: those that usually do not change their place or form; those that appear to be a novelty in the routine act; those that seem to take on new forms and/ or places in function of the time of day. In a third moment, it is possible to face/ think about the daily routine as a ritual. Reflecting essentially on moments of greater introspection, we can view each domestic act, daily act or habit as an idea of ritualisation and think about these actions as sacred acts, thereby finding a moment of solace, comfort, stability, joy, fullness, calm in our daily routine. Finally, in the last instance, we may seek to conceal our routine. In other words, look for new ways to fulfil daily tasks and responsibilities, using new paths, new activities, or propose different schedules, since it is sometimes important to break with routines, in order to be able to return to the routine with new desires and new reflections. Returning to Freixo ten years later, may be seen as both a moment in a routine and also a departure from our own routines, as we set forth from the city centre to look again at its eastern zone. Or perhaps, returning to Freixo may be like a ritual, an introspective walk to a place that seems to remain almost untouched, as the years go by.

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ANTI-TOURISM

ANTI-TURISMO LAUREM CROSSETTI O anti-turismo advém do medo, aversão ou rejeição social por parte de uma comunidade local em relação aos turistas que visitam aquele espaço geográfico considerado “seu”. Alta do mercado imobiliário e consequente gentrificação dos centros urbanos, subida crescente de preço em simples bens de consumo, piores condições no trânsito devido ao elevado número de veículos circulando ou transporte público insuficiente perante o aumento exponencial de usuários, produção elevada de lixo e sistemas de tratamento deficientes, priorização das demandas do mercado turístico em detrimento das necessidades das comunidades locais… Estas são apenas algumas das razões pelas quais a figura do turista vem adquirindo conotações cada vez mais negativas. Chegamos ao ponto paradoxal onde detestamos o turista, mas adoramos viajar. Como lidar com essa incompatibilidade? Estamos, de fato, culpando os verdadeiros responsáveis pela descaracterização das nossas cidades? Mais do que uma aversão à figura caricaturizada do turista, o termo anti-turismo opõe-se à abordagem excessivamente neoliberal da indústria, à falta de regulamentação por parte das autoridades responsáveis locais e, numa última instância, à massificação das experiências da viagem em si. É possível pensarmos um turismo diferente?

Anti-tourism derives from fear, aversion or social

MALEABILIDADE

MALLEABILITY

rejection by a local community in relation to the tourists who visit that geographic space, which they consider to be "theirs". High real-estate prices and consequent gentrification of urban centres, increasing prices of simple consumer goods, worsening traffic conditions, due to the high number of vehicles, insufficient public transport in the face of the exponential increase in users, high production of litter and deficient waste management systems, prioritising the demands of the tourism market to the detriment of the needs of local communities… These are some of the reasons why tourism has acquired increasingly negative connotations We have arrived at the paradoxical point where we hate tourists but love to travel. How can we deal with this incompatibility? Are we actually placing blame on the people who are truly responsible for the loss of character of our cities? More than an aversion to the caricatured figure of the tourist, the term anti-tourism opposes the excessively neoliberal approach of the tourism industry, the lack of regulation by the relevant local authorities and, ultimately, the massification of the travel experience itself. Is it possible to conceive of a different kind of tourism?

BEATRIZ DUARTE Vivemos em tempos de volatilidade e incerteza e habitamos lugares que nunca são estáticos, com um conjunto de redes intrincadas e complexas e agentes não passivos. Torna-se, portanto, difícil propor soluções fixas e estáveis ao mundo contemporâneo. Para além do facto de ser pouco razoável não reconhecermos esta condição multifacetada, pode também esta situação ser resultado da cidade condicionada, produto de uma série de coligações de poder — públicas e privadas — que enrijecem esta realidade. Pelo contrário, uma das possíveis vantagens de interagir com espaços, como os de

We live in times of volatility and uncertainty and we inhabit places that are never static, with a very complex, intricate set of networks and actors which have agency and are not passive. Thus, it is quite difficult to pose fixed and stable solutions to the contemporary world. Besides the fact that not recognizing this multi layered condition is to some extent unreasonable, it can also be a product of the conditioned city produced by a set of power coalitions — public and private — that stiffens this reality. In an opposite direction, one of the possible abilities to engage with spaces,

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que falamos neste livro, é a de agir a partir de fissuras e ser adaptável, assumindo temporariamente a forma necessária. É crucial que a maleabilidade não seja mal interpretada enquanto posição a ser moldada por forças externas, mas pressuponha uma delineação ativa de uma forma sempre mutável que se adapte à alteração das coisas à nossa volta de fora para dentro. Ser maleável significa ter reações e abordagens flexíveis que atuam em silêncio, de mansinho, e criam ruturas para maiores e melhores mudanças. Ao longo do tempo, tais desvios e fraturas podem fundir-se na chamada realidade produzida rigidamente.

like the ones we are talking about in this book, is to act on its cracks and be adaptable, assuming temporarily the shape that is needed. It is crucial that malleability cannot be misunderstood as the position of being moulded by external forces but actively outlining an ever-changing form to adapt to the alteration of things around us from inside-out. Being malleable means having flexible reactions and approaches that act silently in small steps or scales and create ruptures for bigger and better changes. As times goes by this deviations and fractures can coalesce to the so called rigid produced reality.

Latour, Bruno. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press, 2005. Latour, Bruno. On actor-network theory. A few clarifications plus more than a few complications. Finn Olsen. Soziale Welt, vol. 47, 1996.)

URGÊNCIA

URGENCY

ORLANDO GILBERTO-CASTRO Estado de inquietude, de cisma, perante as realidades internas e externas. A necessidade de resposta a um momento em que o rumo da humanidade parece especialmente incerto. Perigos vários espreitam, a várias escalas, em todos os lugares — dentro de nós também. Nesse sentido questionar é urgente: questionar o que nos rodeia e questionar o que nos define. Mesmo se sem direcção definida, o estado das coisas impele à acção, porque a alternativa é passiva e inerte. Impele a perceber, por assumida tentativa e erro, o que queremos do mundo e o que estamos dispostos a fazer por isso. Perceber qual o peso que estamos dispostos a carregar, que é directamente proporcional à força das nossas convicções. Impele a aceitar a possibilidade de erro, de total destruição dos nossos valores, e a necessidade da sua reconstrução, assente em decisões mais conscientes, ainda que igualmente instáveis. Uma instabilidade produtiva, porque nos mantém atentos e críticos. Urge dar espaço à manifestação espontânea de inquietações, dar espaço à discussão, livre da necessidade de ser directamente útil: pensar e agir para lá do plano utilitário/ pragmático/ logístico/ financeiro, que é apenas um de muitos e que não fornece garantias de coisa nenhuma. Urge desenvolver uma linha de acção pessoal, de minúscula escala — ou talvez não — que instaure desde dentro uma outra forma de relação. Outra forma

A state of anxiety, of schism, in the face of internal and external realities. The need to respond to a moment in time in which the direction taken by humanity seems to be particularly uncertain. There are various dangers lurking everywhere at various scales — inclusively within us. In this sense, it is urgent to question things: question that which surrounds us and that which defines us. Even if the current state of affairs does not have a clearly defined direction, it nonetheless fosters action, because the alternative is to be passive and inert. It impels us to understand, through an assumed process of trial-and-error, what we want from the world and what we are willing to do to achieve it. To understand the weight that we are willing to carry, which is directly proportional to the strength of our beliefs. It impels us to accept the possibility of error, of total destruction of our values, and the need to rebuild them, based on more conscious decisions, even if equally unstable. A productive instability, because it ensures that we remain attentive and critical. There is an urgent need to create space for the spontaneous manifestation of concerns, to create space for discussion, free from the need to be directly useful: thinking and acting beyond the utilitarian/ pragmatic/ logistical/ financial framework, which is only one of many frameworks and does not provide any guarantees whatsoever. There is an urgent need to develop a personal line of

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de relação entre mim e eu mesmo, entre mim e os outros, entre nós e o mundo. Um activismo do quotidiano. Empatia.

action, on a small scale — or perhaps otherwise — that establishes another form of relationship from within. Another form of relationship between me and myself, between me and others, between us and the world. An activism of everyday existence. Empathy.

REACTIVATION

REATIVAÇÃO CARLA GONÇALVES É a ação para introduzir a substância, o uso, sobre um sítio ou um edifício que se encontra desativado. Retomar um processo de utilização ou iniciar um novo. A ação de (re)ativar no edifício industrial é confrontada com a complexidade e diversidade de sistemas que alguns edifícios integram. Nestes casos em que o volume é composto por dois sistemas: um correspondente à estrutura espacial, outro à produção/ máquina. O ato de (re)ativar acontece maioritariamente sobre o primeiro, o segundo mantém-se inativo ou é extraído. Quando são mantidas as máquinas, estas passam a funcionar como parte da estrutura espacial e a substância, alastra-se por entre a nova matriz. No caso da extração das máquinas, o volume transita de um sistema composto para um simples.

Reactivation is the action to introduce the substance, use, in a disused site or building. Resume one form of use or start a new one. The action of (re)activating the industrial building is confronted with the complexity and diversity of systems that are harboured within buildings. In these cases, where the volume consists of two systems: one of which corresponds to the spatial structure, the other to the production/ machine. The act of (re) activating primarily takes place in relation to the former, whereas the second remains inactive or is removed. When the machines are maintained, they start to function as part of the spatial structure and the substance, which spreads through the new matrix. In the case that the machines are removed, the volume moves from a composite system to a simple system.

REGENERAÇÃO

REGENERACIÓN

ALMUDENA MARTÍN PÉREZ (Del lat. regeneratĭo, -ōnis). Palavras relacionadas: rebuild, revive, revitalize, restore, reconstitute, resilience, reuse, heritage, biology, reprogramming É um substantivo que denota um processo, uma ação. A regeneratĭo significa “ação e efeito de produzir a partir de novo algo que foi destruído”. O prefixo re significa de novo e generare, engendrar, ~ e do latim produzir. A raiz gen vem do grego genós genus, que fazem referência à origem, ao nascimento, à raça ou ao género. Portanto, poderia ser definido como “voltar a nascer” ou “retorno à origem”, voltar a um estado primitivo. Por conseguinte, o termo tem a ver com o hereditário, com a informação básica que dá caráter a um ser e que permite identificá-lo e diferenciá-lo dos outros.

(Del lat. regeneratĭo, -ōnis). Palabras relacionadas: rebuild, revive, revitalize, restore, reconstitute, resilience, reuse, heritage, biology, reprogramming Es un sustantivo que denota un proceso, una acción. La regeneratĭo significa “ acción y efecto de producir del nuevo algo que se ha destruido”. El prefijo re significa de nuevo y generare engendrar, producir. La raíz gen viene del griego gēnós y del latín genus, que hacen referencia al origen, nacimiento, raza o género. Por lo tanto podría definirse como “vuelta a nacer” o “vuelta al origen”, vuelta a un estado primigenio. Por lo tanto el término tiene que ver con lo hereditario, con la información básica que da carácter a un ser y que permite identificarlo y diferenciarlo de otros.

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Termo originalmente ligado ao contexto das ciências biológicas e, por isso, aos seres vivos, embora também seja utilizado noutras disciplinas em referência a processos de objetos ou sistemas de elementos inertes. No contexto original da biologia, significa voltar a formar. É o processo pelo qual um organismo vivo é capaz de reconstruir por si mesmo algum órgão ou parte do corpo perdido ou danificado, recuperando assim a estrutura e a função dos mesmos. Pode dar-se a regeneração de organismos inteiros a partir de pequenos fragmentos. No mundo das plantas, é muito comum usar um fragmento de planta (explante ou estaca) para gerar uma planta completa. Nos seres humanos, os tecidos que têm a capacidade de se regenerar são os que compõem o cabelo, as unhas, a pele, as membranas mucosas, o sangue, o osso e o fígado, entre outros. Hoje em dia, a tecnologia permite a regeneração da pele e outros tecidos, a partir de pequenos explantes. Na maioria dos casos, a chave do processo é a presença de massas celulares indiferenciadas ou células estaminais totipotentes/ omnipotentes. Ou seja, a chave é a versatilidade dessas células para se converterem em qualquer tipo de tecido. Trata-se, portanto, de um processo de reconstrução que nem sempre leva a um estado inicial idêntico. Na maioria dos casos, podem ocorrer alterações, mas mantêm as principais características que permitem a sua identificação. O conceito biológico é transposto para outros contextos e disciplinas. Por exemplo, a regeneração de um tecido económico, de um tecido social, a regeneração urbana, entre outros. Passou a ser um conceito transdisciplinar, usado para se referir a realidades de diferentes escalas. A partir de uma visão orgânica no campo da arquitetura e do urbanismo, pode falar-se de regeneração da paisagem, urbana, de bairro ou arquitetónica. Neste âmbito, une-se ao termo património: o que é recebido do pai, o herdado, o conjunto de traços distintivos que caracterizam uma sociedade. Assim sendo, a regeneração e a mudança, igualmente como nos seres vivos, estão diretamente relacionadas com a permanência de certos elementos essenciais, o genius loci, que acompanha os lugares do nascimento até a morte. No processo vital dos objetos arquitetónicos, geralmente está presente a regeneração. Nesse sentido, o conceito de ruína inteligente apelidado por Van Reeth é definido como uma construção

Es un término originalmente ligado al contexto de las ciencias biológicas y por ello a los seres vivos, aunque también es utilizado en otras disciplinas en referencia a procesos en objetos o sistemas de elementos inertes. En el contexto original de la biología significa volver a formar. Es el proceso por el cual un organismo vivo es capaz de reconstruir por sí mismo algún órgano o parte del cuerpo perdida o dañada recuperando así la estructura y función de los mismos. Puede darse la regeneración de organismos completos a partir de fragmentos pequeños. En el mundo vegetal es muy común utilizar un fragmento de planta (explanto o estaquilla) para generar una planta completa. En el ser humano tienen la capacidad de regeneración los tejidos que conforman el pelo, las uñas, la piel, las mucosas, la sangre, el hueso y el hígado entre otros. Hoy en día la tecnología posibilita la regeneración de piel y otros tejidos a partir de pequeños explantos. La clave del proceso en la mayoría de los casos es la presencia de masas de células indiferenciadas o de células madre totipotentes/ omnipotentes. Es decir, la clave está en la versatilidad de estas células para convertirse en cualquier tipo de tejido. Es por lo tanto un proceso de reconstrucción que no siempre tiene que llevar a un estado inicial idéntico. En la mayoría de casos pueden producirse cambios, pero que conservan los rasgos principales que permiten la identificación. Este concepto biológico es trasladado a otros contextos y disciplinas. Por ejemplo la regeneración de un tejido económico, de un tejido social, la regeneración urbana, entre otros. A pasado a ser un concepto transdisciplinar, utilizado para referirse a realidades de muy diferentes escalas. Desde una visión orgánica en el campo de la arquitectura y el urbanismo puede hablarse de regeneración de paisaje, urbana, de barrio o arquitectónica. En este ámbito conecta con el término patrimonio: lo recibido del padre, lo heredado, el conjunto de rasgos distintivos que caracterizan a una sociedad. Por lo tanto la regeneración y el cambio, al igual que en los seres vivos, va directamente relacionada con la permanencia de ciertos elementos esenciales, el genius loci, que acompañan a los lugares desde el nacimiento hasta la muerte. En el proceso vital de los objetos arquitectónicos la regeneración está habitualmente presente. En este sentido, el concepto de “ruina

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cuja principal característica é a da adaptabilidade à mudança, desde o ponto de vista formal, funcional e sustentável. É um conceito que fala de reutilização e de reprogramação de espaços originariamente flexíveis. Se ampliarmos o conceito e ainda incorporarmos a multiplicidade de camadas de significados destas ruínas, pode resultar um elemento em contínua regeneração, submetido a processos contínuos de identificação de valores, releitura, interpretação e intervenção, ou seja, abertos a infinitas possibilidades. A regeneração torna-se, assim, num mecanismo de sobrevivência.

inteligente” acuñado por Van Reeth queda definido como una construcción cuya principal característica es la de la adaptabilidad al cambio desde el punto de vista formal, funcional y sostenible. Es un concepto que habla de reuso y de reprogramación de espacios originalmente flexibles. Si ampliamos el concepto e incorporamos además la multiplicidad de capas de significados de estas “ruinas” puede resultar un elemento en continua regeneración, sometido a continuos procesos de identificación de valores, relectura, interpretación e intervención, es decir abierto a infinitas posibilidades. Se convierte así la regeneración en mecanismo de supervivencia.

PRESERVING

PRESERVAR CARLA GONÇALVES A raiz do ato preservar encontra-se ancorada na história da humanidade quando esta procurou retardar a decomposição dos alimentos adicionando-lhes o açúcar e mais tarde o sal para que os vegetais e a carne migrassem das estações de abundância para as de escassez. O conceito de preservar para retardar e prevenir a ação corrosiva do tempo sobre os materiais, expandiu-se às disciplinas da museografia, arqueologia, biblioteconomia e história da arquitetura. Na história da arquitetura, assim como na arquitetura, o campo de ação da preservação é balizado entre o tempo útil e a entrada em degradação dos materiais que constituem o objeto. A preservação atua de modo a prevenir e minorar a deterioração decorrente da exposição atmosférica ou de uma má utilização do edifício. O processo preventivo promove as medidas e estratégias de modo a acautelar uma intervenção de conservação ou restauro. A relação simbiótica entre objeto e uso é a combinação procurada quando se pretende preservar/ prolongar o tempo de vida de um edifício. O uso deve adaptar-se ao objeto e não o contrário, encontrar este equilíbrio é hoje o fator que aproxima a disciplina da preservação histórica e a arquitetura. A primeira reconhece o uso como uma estratégia que promove a preservação do objeto. A segunda encontra-se em processo exploratório das estratégias de preservação, de modo a manter a integridade histórica e prolongar o tempo de vida do edifício.

The root of the act of preserving is anchored in the history of mankind, when people sought to delay the decomposition of food by adding sugar and subsequently by adding salt, so that vegetables and meat can migrate from the seasons when they exist in abundance, to those in which they are scarce. The concept of preserving things, to delay and prevent the corrosive action of time on materials, has expanded to the disciplines of museography, archaeology, library science and the history of architecture. In the history of architecture, as well as in architecture itself, the field of action for the preservation of buildings is demarcated between their useful time and the degradation of the materials that constitute the object. Preservation acts in order to prevent and mitigate the deterioration which results from atmospheric exposure or misuse of the building. The preventive process fosters measures and strategies to safeguard a conservation or restoration intervention. The symbiotic relationship between an object and its use is the combination that is sought when there are plans to preserve/ prolong the life of a building. The use must be adapted to the object and not the other way around. Striking this balance is now the factor that brings the discipline of historical preservation and architecture closer together. The strategy used by the former is to foster preservation of the object. By contrast, architecture is based on an exploratory process of preservation strategies, in order to maintain historic integrity and extend the lifetime of the building.

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NECESSIDADES INFORMULADAS

UNFORMULATED NEEDS

ORLANDO GILBERTO-CASTRO Expressão roubada a Matta-Clark e apropriada deliberadamente. Coisas de que ainda não sabemos que precisamos. Coisas de que precisamos mesmo que nunca o venhamos a saber. Sensação de falta, de precisar de alguma coisa indizível ou simplesmente desconhecida. Coisas de que sabemos que precisamos, sabemos o que são mas não conseguimos, por qualquer motivo, levar-nos a nomeá-las. Medo de assumir aquilo de que se precisa.

Necessidades informuladas, Porto, 2019

An expression stolen from Matta-Clark has been deliberately appropriated. Things we still don’t know that we need. Things that we need even if we were never aware of this fact. The sensation of a lack, of needing something that cannot be expressed in words, or is simply unknown. Things that we know that we need, we know what they are, but, for whatever reason, we can’t put a name on them. Fear of assuming that which we need.

Unformulated needs, Porto, 2019

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Visual Report Renato Cruz Santos

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Biographies of the guests

Biografias dos convidados

A

neta Szyłak é curadora, teórica da arte e escritora, estabelecida em Gdańsk, Polónia. É responsável pela criação do NOMUS — Novo Museu da Arte, um ramo do Museu Nacional em Gdańsk. Nesta cidade, fundou o Centro Laznia de Arte Contemporânea, de que foi diretora (1998-2001) e o Instituto de Arte Wyspa, que dirigiu de 2004 a 2014. Nos últimos 25 anos, comissariou vários festivais e exposições de arte contemporânea. Szyłak é autora de numerosos ensaios sobre teoria da arte contemporânea e sobre artistas contemporâneos, como Sherko Abbas: The Music of the Bush Era (2017) e Tactics of Arrival/ Means of Knowing (2017). Atualmente prepara a apresentação da tese de Doutoramento com o tema Curating Context. The Palimpsest on the Quotidian and the Curatorial, pela Universidade de Goldsmiths (Londres) e pela Universidade de Copenhaga.

I

nês Moreira é arquiteta, curadora e investigadora estabelecida no Porto. Dedica-se atualmente a estudos pós-doutorais na Universidade Nova de Lisboa/ FCSH, coordenando o cluster de investigação Curating Contemporary Cultures: on Architectures, Territories and Networks, e é Professora de Cultura Contemporânea na FBAUP. É Doutorada em Curatorial/ Knowledge (Goldsmiths College, University of London), Mestre em Cultura Urbana (UPC/ CCCBarcelona) e licenciada em Arquitetura (FAUP). Dedica o seu trabalho curatorial e de investigação a edifícios abandonados, espaços pós-industriais, bem como outros territórios artificiais. Desde 2001, foi curadora e programadora de projetos culturais como: Guimarães Capital Europeia da Cultura, Festival Alternativa de Gdańsk, Bienal de Bordéus, entre outros.

A

neta Szyłak is a curator, art theorist, institution maker and writer based in Gdańsk,

Poland. She is recently responsible for the making of NOMUS (New Art Museum) — a branch of National Museum in Gdańsk. Previously, Aneta Szyłak founded and directed the Laznia Centre for Contemporary Art (1998 - 2001) and the Wyspa Institute of Art (2004-2014), both located in Gdańsk. Over the past 25 years, she has curated numerous contemporary art exhibitions and festivals. Szyłak has written extensively on contemporary art theory and contemporary artists, including Sherko Abbas: The Music of the Bush Era and Tactics of Arrival/ Means of Knowing (2017). Currently she is on the final stage of her PhD thesis, Curating Context. The Palimpsest on the Quotidian and the Curatorial at Goldsmiths University and the University of Copenhagen.

I

nês Moreira is an architect, curator and researcher based in Porto. She is currently, a

post-doctoral research fellow at Universidade

Nova de Lisboa/ FCSH, where she coordinates the new research cluster Curating Contemporary Cultures: on Architectures, Territories and Networks; and a guest professor of Curating Exhibitions and of Contemporary Cultures at FBAUP. She holds a PhD in Curatorial/ knowledge (Goldsmiths College, University of London), and master’s degrees in Architecture and Urban Culture (UPC/ CCCBarcelona) and in Architecture (FAUP). Her research and curatorial work are devoted to abandoned buildings, post-industrial spaces and sites, along other manmade territories. Since 2001, she has curated exhibitions and programmed cultural events in several urban and post-industrial settings, including Guimarães 2012 - European Capital of Culture (Portugal), Festival Alternativa (Gdańsk, Poland), or Evento 2009 - Public Art Biennale (Bordeaux, France).

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J

orge Ricardo Pinto é geógrafo (Licenciado, Mestre e Doutor pela FLUP), docente universitário no ISCET (Professor Coordenador) e professor convidado na UTAD e na FLUP. Autor de vários livros, capítulos de livros e artigos científicos, tem centrado a sua investigação na geografia urbana, designadamente do Porto, na geografia histórica e na geografia do turismo. É investigador no Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território e no Centro de Investigação Interdisciplinar e Intervenção Comunitária.

A

nton Kats é um artista e músico de Kherson, Ucrânia. A sua prática deriva de relações informais quotidianas estabelecidas nas vibrantes áreas urbanas da sua cidade natal e foi complementada em instituições de ensino formais por necessidade e pelo pragmatismo da auto-legalização na Europa. Frequentemente, os seus trabalhos desenvolvem-se em espaços públicos e liminares e assumem a forma de esculturas e intervenções, composições musicais e concertos, espaços de ensino e programas públicos. O seu trabalho já foi apresentado em locais como as Serpentine Galleries, a Tate Britain ou a Tate Modern, em Londres, ou a documenta 14 em Kassel e Atenas, entre outros.

E

lena Lacruz é arquiteta e investigadora baseada em Las Palmas de Gran Canaria, Espanha, e recentemente apresentou a tese de Doutoramento com o tema Anti-Monuments of the Canary Islands: Modern Ruins and Abandoned Places as Elements of Identity and Transformation of Touristic Landscapes. É licenciada em Arquitetura pela Universidade de Las Palmas de Gran Canaria e estudou na Universidad de La Laguna, Tenerife, e na FAUP e FBAUP, no Porto. Atualmente faz parte do cluster de investigação Curating Contemporary Cultures: On Architectures, Territories and Networks, na Universidade Nova de Lisboa.

J

orge Ricardo Pinto is a geographer (BA, MSc and PhD at FLUP), Professor at ISCET (Coor-

dinating Professor) and guest professor at UTAD and FLUP. Author of several books, book chapters and scientific articles, he has focused his research on urban geography, namely in Porto, historical and tourism geography. He is a researcher at CEGOT and CIIIC.

A

nton Kats is an artist and musician from Kherson, Ukraine. Kats’ practice derives

from informal everyday relationships within vibrant neighbourhoods of his hometown, complemented through the necessity and pragmatics of self-legalisation in Europe via formal institutions of education. His works often unfold in public and liminal spaces and take the form of sculptures and interventions, musical compositions and concerts, learning sites and public programmes that have been presented in the Serpentine Galleries, Tate Britain and Tate Modern, documenta 14 in Kassel and Athens, among others.

E

lena Lacruz is an architect and researcher based in Las Palmas de Gran Canaria (Spain)

where she has recently presented her PhD Thesis, titled Anti-Monuments of the Canary Islands: Modern Ruins and Abandoned Places as Elements of Identity and Transformation of Touristic Landscapes (ULPGC). Elena has graduated in Architecture at Universidad Las Palmas de Gran Canaria and studied at Universidad de La Laguna (Tenerife), and in Porto at FAUP and FBAUP. Currently, she is part of the research cluster Curating Contemporary Cultures: on Architectures, Territories and Networks, at Universidade Nova de Lisboa.

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S

olvita Krese é curadora e diretora do Latvian Centre for Contemporary Art desde 2000. Comissariou numerosas exposições internacionais de grande dimensão, incluindo Portable Landscapes, no Museu Nacional de Arte da Letónia, Riga (2018); Akademia. Performing Life, na Villa Vassilieff (2018); Identity. Behind the Curtain of Uncertainty, na Galeria Nacional da Ucrânia, Kiev (2016); e re:visited, no Riga Art Space (2014). Foi a comissária do Pavilhão da Letónia na Bienal de Veneza (2015, 2019). Em 2009 fundou o festival anual de arte contemporânea Survival Kit, sendo desde então a curadora do mesmo.

J

onas Žukauskas is an architect based in Vilnius. His work seeks to rearticulate architecture in a wider ecology of spatial practices. Through research, curatorial and architectural projects he aims to create new links between past and future societies and their environment, and a relationship between two different systems: Soviet — linear — and European — rhizomatic long-term spatial models.

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olvita Krese is a curator and director of Latvian Centre for Contemporary Arts since

2000. She has curated a number of large scale international exhibitions, including Portable Landscapes, in the Latvian National Museum of Art, Riga (2018); Akademia. Performing Life, at Villa Vassilieff (2018); Identity. Behind the Curtain of Uncertainty, at the National Gallery of Ukraine, Kiev (2016); and re:visited, at Riga Art Space (2014). She was the commissioner of the Latvian Pavilion at the Venice Biennale (2015, 2019). In 2009 she initiated the annual Contemporary Art Festival Survival Kit, which she has been curating since then.

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onas Žukauskas is an architect based in Vilnius. His work seeks to rearticulate archi-

tecture in a wider ecology of spatial practices. Through research, curatorial and architectural projects he aims to create new links between past and future societies and their environment, and a relationship between two different systems: Soviet — linear — and European — rhizomatic long-term spatial models.

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PUBLICATION

PUBLICAÇÃO Editora / Publisher

ÁGORA CULTURA E DESPORTO DO PORTO, E. M. / GALERIA MUNICIPAL DO PORTO Projeto Editorial / Editorial Project

GUILHERME BLANC Edição / Editors

INÊS MOREIRA Contributos / Contributors

ALBERTO SALCEDO ALMUDENA MARÍN PEREZ ANETA SZYŁAK ANTON KATS BEATRIZ TAKAHASHI BEATRIZ DUARTE BRUNO DE ALMEIDA CARLA GONÇALVES ELENA LACRUZ FILOMENA NASCIMENTO

INÊS MOREIRA LAUREM CROSSETTI LETÍCIA COSTELHA MARTÍN HERNÁNDEZ MOLÍN MIGUEL TEODORO ORLANDO GILBERTO-CASTRO PATRÍCIA AZEVEDO SANTOS PATRÍCIA SILVA COELHO RENATO CRUZ SANTOS SÉRGIO MAGALHÃES

Coordenação Editorial / Editorial Coordination

TIAGO DIAS DOS SANTOS Design / Graphic Design

JOSÉ PENEDA Tradução / Translation

CLÁUDIA COIMBRA MARTIN DALE Revisão / Proofreading

CLÁUDIA COIMBRA TIAGO DIAS DOS SANTOS Impressão / Printing

EMPRESA DIÁRIO DO PORTO ISBN:

Depósito legal / Legal Deposit

978-972-99913-3-2

478497/20

© 2020 Ágora — Cultura e Desporto, E.M. / Câmara Municipal do Porto © das obras, fotografias, textos e traduções: os autores, salvo menção contrária / of works, photographs, texts and translations: the authors, unless otherwise mentioned. Todos os direitos reservados. Esta obra não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, por qualquer forma ou quaisquer meios eletrónicos, mecânicos ou outros, incluindo fotocópia, gravação magnética ou qualquer processo de armazenamento ou sistema de recuperação de informação, sem prévia autorização escrita da editora / All rights reserved. No part of this publication may be printed or used in any forms or may any means, including photocopying and recording, or any information or retrieval systems, without permission in writing of the publisher.

Nesta publicação foi respeitada a ortografia adotada por cada um dos autores.


COLECTIVOS PLÁKA PRÁTICAS PÓS-NOSTÁLGICAS

POST-NOSTALGIC KNOWINGS

Tutores / Tutors

ANETA SZYŁAK, INÊS MOREIRA Convidados / Guests

ANTON KATS ELENA LACRUZ JONAS ŽUKAUSKAS JORGE RICARDO PINTO SOLVITA KRESE Coordenador de Produção / Production Coordinator

ADRIANA CASTRO NUNO RODRIGUES Produção Executiva / Executive Production

ANA BRITO Design / Graphic Design

STUDIO DEGRAU Participantes / Participants

ALMUDENA MARTÍN-PÉREZ BEATRIZ DUARTE BEATRIZ TAKAHASHI BRUNO ALVES DE ALMEIDA CARLA GONÇALVES LETÍCIA COSTELHA MARTÍN MOLÍN MIGUEL TEODORO ORLANDO GILBERTO-CASTRO PATRÍCIA AZEVEDO SANTOS PATRÍCIA SILVA SÉRGIO MAGALHÃES


PLÁKA PLATAFORMA DE APOIO À PRÁTICA ARTÍSTICA CONTEMPORÂNEA NO PORTO

SUPPORT PLATFORM FOR CONTEMPORARY ARTISTIC PRACTICE IN PORTO

Presidente da Câmara do Porto / Mayor

RUI MOREIRA

Diretor de Arte Contemporânea e Cinema / Contemporary Art and Film Director

GUILHERME BLANC Diretora Executiva / Executive Director

SÍLVIA FERNANDES Coordenador de Programação / Programming Coordinator

NUNO RODRIGUES Gestora de Projeto / Project Manager

ANA BRITO Comunicação e Edição / Communication and Editorial

LÍDIA QUEIRÓS (COORD.) TIAGO DIAS DOS SANTOS ÁGORA CULTURA E DESPORTO DO PORTO, E. M. Presidente do Conselho de Administração / Chairman of the Board of Directors

CATARINA ARAÚJO Administradores Executivos / Executive Directors

ANA CLÁUDIA ALMEIDA CÉSAR NAVIO Diretora Geral da Unidade Orgânica de Cultura / General Director of the Department of Culture

FRANCISCA CARNEIRO FERNANDES Diretor de Comunicação e Imagem / Director of Communication and Image

JORGE RODRIGUES




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