Pe. Ricardo Lorenzoni carta mortuária
" Tota ratio spei meae, Maria"
" Toda a razão de minha esperança és tu, Maria"
13/07/1915 02/05/2006 Cartas Mortuárias 1
Unidos na Caridade A lembrança dos irmãos falecidos une na “caridade que não passa” os que ainda são peregrinos aos que já repousam em Cristo. (C. 54)
Caros irmãos, celebrando o 5º ano de falecimento do estimado padre Ricardo Lorenzoni, senti-me no desejo de minorar a dívida de gratidão, da qual lhe sou devedor, escrevendo estas poucas linhas em sua memória. Minha intenção não é oferecer dados biográficos completos sobre este santo salesiano e tão pouco tenho a pretensão de dizer tudo sobre sua figura humana e espiritual. Meu desejo vê-se satisfeito em partilhar as experiências que tive o privilégio de vivenciar com o padre Ricardo nos anos em que frequentei a casa salesiana de Ananindeua1 como vocacionado (2003-2004) e em 2005 na condição de aspirante salesiano. Partilho também alguns testemunhos de pessoas que conviveram com o padre Ricardo nos diferentes momentos de sua vida e que com ele fizeram uma bonita experiência de Deus, sentiram-se amados, tocados, edificados pelo seu testemunho de vida. Alguns remontam aos anos 70, outros são mais recentes, todos, porém falam de um homem de virtude constante, que viveu com grande intensidade seu ministério pastoral. Ouvindo estes testemunhos nota-se com clareza como a Eucaristia, a Confissão, a devoção Mariana ocupavam lugar de destaque na sua ação evangelizadora. Foram muitas as sementes lançadas nestas terras por este corajoso salesiano, sementes que não ficaram estéreis, ao contrário, cresceram e dão abundantes frutos nos mais diversos campos da vida social, pastoral, política, religiosa, matrimonial... na vivência cotidiana de todos nós que aprendemos com ele o valor de ser “bons cristãos e honestos cidadãos.” Temos a maior alegria de partilhar a riqueza que foi conviver com este consagrado que levou a sério sua missão de educador pastor. Alguns meses atrás, conversando com amigos do tempo de aspirantado, ficamos surpresos em constatar como tudo quanto falávamos tinha alguma relação com o padre Ricardo. Ele era como que um ponto natural de convergência de nossas opiniões, atraia a nossa atenção, inspirava-nos os mais altos ideais e nos atestava que vale a pena ser salesiano. 1 A casa salesiana de Ananindeua foi aberta em 1946 em comemoração aos 50 anos da morte de Dom Luiz Lasagna, que havia visitado o Pará no ano de 1882 à pedido de D. Macedo Costa. O Pe. Antônio Agra foi o desbravador da obra.Em 1959 começou a funcionar como aspirantado. No início havia uma bela casa de madeira. A seguir construiu-se uma outra de alvenaria. Depois foi construída a Igreja e um ambulatório que se tornou o atual hospital Anita Gerosa.Atualmente é chamado de Centro Pastoral Salesiano, no qual funciona o aspirantado e a extensão do Colégio do Carmo Belém.
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Certamente este homem, para quem não poupamos palavras e elogios, teve seus limites humanos e disto não duvidamos. Sua personalidade decidida, consciência delicada para o pecado, próprio de quem deseja oferecer o melhor para Deus, pode soar para alguns como rigorismo, puritanismo... Para nós, no entanto, ele sempre foi um sacerdote de quem se pode dizer: consumia-se por fazer a vontade do Pai, um homem de quem temos pudor de mencionar alguma pequena falta por receio de não valorizar suficientemente as suas qualidades. Na realidade seus limites humanos não desmerecem em nada sua santidade, é exatamente o contrário, revelam como este homem tão vivo, rico de personalidade, forte, criativa e inteligente, soube ser dócil as inspirações divinas, deixou-se conduzir pelas mãos de Maria Santíssima com a confiança de uma criança. Certa vez, quando falava das qualidades do padre Ricardo, fui pego de surpresa por esta afirmativa: você não o conheceu quando jovem, se tivesse conhecido saberia como era durão. Diferentemente do dito não creio que a idade mudou sua personalidade, a idade simplesmente cancelou o esforço que fazia para manter oculto a santidade que desde jovem cultivara. O ser “durão” não representa sua fraqueza, manifesta apenas que foi um homem comum que lutou e venceu. Nos últimos anos de sua vida não ficou mais suave, é que agora, como o doce levado ao fogo, estava apurado de cor e sabor e já não podia mais ocultar isto de que lhe observava. A idade, ao meu ver, entre tantas analogias possíveis, pode ser comparada a um amplificador de som. Ela não cria o som, não musicaliza a partir de si mesmo, somente faz com que os menores ruídos tomem uma dimensão maior, permite que as palavras pronunciadas em movimento ou em meio a outros barulhos, sejam inteligíveis a quem está a certa distância, equilibra e recombina as diferentes amplitudes da voz, dando-nos uma “imagem sonora” harmoniosa, única, homogênea, ao mesmo em tempo que sentida nos detalhes. Com este “amplificador” na maturidade da vida percebemos melhor nossos gemidos interiores, as pulsações de nossa alma, o conjunto que antes parecia tão importante agora passa pelo crivo dos detalhes, cada parte torna-se audível. Esta é a beleza da sinfonia harmoniosa de uma alma que desde sempre se entregou ao exercício da virtude de outra que por ventura desejasse forjá-la de última hora. No padre Ricardo tudo ficou mais evidente. A paternidade espiritual, a gentileza dos modos de tratamento, a capacidade de escuta... tinham sabor de vinho novo, num corpo enfraquecido, que deixava escapar com maior intensidade seu odor.
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Meu Primeiro Encontro com o Padre Ricardo Enviado aos jovens por Deus que é “todo caridade”, o salesiano é aberto e cordial, pronto a dar o primeiro passo e a acolher sempre com bondade, respeito e paciência... (C. 15)
Encontrei-me com Pe. Ricardo logo na primeira vez que visitei a casa salesiana de Ananindeua. Era o dia 21 de fevereiro do ano 2003. Cheguei por volta das 15h. Chovia bastante. Fui acomodado e alguns minutos mais tarde desci para o pátio. Lá estava sorridente o Pe. Ricardo, entretido em agradável conversa com alguns jovens aspirantes que lhe faziam companhia. Ele trajava sua habitual batina creme, e a todos dirigia palavras de entretenimento. Neste ano sua visão já era bastante precária, o que não o impedia de locomover-se nos ambientes internos da casa com alguma autonomia. Fui apresentado a ele e logo perguntou meu nome, de onde eu vinha, ouvindo cada resposta com o maior interesse. Falou já ter estado próximo da minha cidade de origem. Senti-me positivamente atingido por demonstração tão afetuosa de carinho. Após alguns minutos em sua companhia, um dos aspirantes daquele ano perguntou-me se eu não poderia acompanha-lo até o Hospital Anita Gerosa2. Aceitei de imediato. Ele segurou meu braço e lentamente saímos em direção ao hospital que fica na primeira esquina ao lado esquerdo do colégio. A chuva forte havia cedido lugar a uma fina garoa que banhava a grama, embalada pelo cantarolar de algumas sabiás empoleiradas nos galhos de nossas mangueiras, cortado aqui e acolá pelo barulho de algum carro a passar veloz na rodovia à nossa frente.
2 O Hospital Anita Gerosa, fundado em 03 de julho de 1962, pelo Padre Pietro Gerosa (1928-1992), tinha como principal objetivo atender à saúde da comunidade carente da região. Nessa época,havia apenas um ambulatório com duas enfermarias e a cozinha da instituição. Em 1969, a mãe do Pe. Pietro, Anita Gerosa, homenageada pelo filho, ao emprestar seu nome para o hospital, ajudou financeiramente a ampliação da entidade que, cada vez mais, tornava-se fundamental para os moradores da região. Dez anos depois, em 1979, o hospital foi novamente ampliado e, em 1982, uma nova obra, realizada com recursos próprios, criou a maternidade. Somente em 1992, ano da morte do Pe. Pietro Gerosa, foi inaugurado o prédio atual com ambulatório, pediatria e clínica médica. Apesar de todo empenho e esforço, em 01 de março de 2005, a Inspetoria Salesiana Missionária, resolveu passar a administração do Hospital Anita Gerosa aos padres Camilianos, Sociedade Beneficente São Camilo. Este acordo foi selado com uma missa presidida na Paróquia Nossa Senhora das Graças pelo então Inspetor Pe. Damásio Medeiros e os superiores Camilianos.
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Cronologia Cada um de nós é chamado por Deus a fazer parte da Sociedade Salesiana. Para tanto recebe dEle dons pessoais e, respondendo fielmente, encontra o caminho da sua plena realização em Cristo. (C. 22)
Pe. Ricardo Lorenzoni, filho de Candida Gentilini e Adrea Lorenzoni, nasceu no dia 13/07/1915 no estado de Torreselle, Itália. Fez sua primeira profissão religiosa no dia 16/08/1934, a profissão perpétua no dia 16/08/1940. Cursou filosofia entre os anos de 1934-1940 em Verona residindo na casa Inspetorial. De 1939 -1940 realizou seu tirocínio no colégio D. Bosco na mesma cidade. De 1944-1945 cursou teologia em Monteortone, Verona e Pádua. Foi ordenado sacerdote no dia 24/06/1945 em Monteortone. Após sua ordenação ocupou vários cargos, sendo, na maioria das vezes em casas de formação. De 1947-1949 foi sócio do mestre de Noviços em Albaré de Costermano; função que ocupou novamente nos anos de 19551957; de 1950-1953 foi conselheiro de aspirantado em Treviso; no ano de 1954 professor em Verona e em Treviso no ano de 1958. Chegou ao Brasil no dia 25/09/1958. Pe. Benjamim Morano, nosso atual inspetor, contou-me que estava presente no dia de sua partida ao Brasil. Pe. Ricardo disse a ele – “Em breve nos encontraremos, pois você também irá ao Brasil, como de fato aconteceu – Tendo sido nomeado Inspetor pela primeira vez na década de 80, coube a mim a dura tarefa de transferir Pe. Ricardo de sua amada Manicoré.” Disse P. Benjamin – “Ele ouviu minhas palavras, abaixou a cabeça por algum tempo, em seguida ergueu-se e colocou-se a minha inteira disposição.” Estas palavras padre Benjamim pronunciou visivelmente emocionado. Pe. Ricardo faleceu em Ananindeua no dia 02/05/2006 após anos dedicados aos povos desta região Amazônica. Sua lembrança seja estímulo para continuarmos com fidelidade nossa missão. (C.94)
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Apostolado Missionário no Brasil A exemplo do Filho de Deus que em tudo se fez semelhante a seus irmãos, o missionário salesiano assume os valores desses povos e partilha suas angústias e esperanças. (C. 30)
Desde a sua chegada ao Brasil Pe. Ricardo empenhou-se em várias frentes de trabalho e, segundo o testemunho dos irmãos, realizou todos com grande êxito. As atividades que exerceu por mais tempo fora a de confessor, capelão e catequista3. Padre Ricardo morou em Manaus de1959 a 1960 na função de capelão e animador pastoral; de 1961-1962 animador pastoral e professor no Carmo-Belém; de 1963-1967 itinerante em Manicoré; de 19671968 catequista e confessor no Carmo-Belém e sacramenta; de 19691975, diretor e pároco em Manicoré; de 1976-1978 encarregado e pároco em Vila Rondônia (atual Ji-Paraná); de 1979-1987 encarregado e pároco em Manicoré; de 1988-1991 vigário paroquial em São João Bosco, Porto Velho; de 1992-1994 foi vigário paroquial de Humaitá, e de 1995-2006 esteve em Ananindeua onde exerceu a função de confessor e capelão. Na comunidade de Ananindeua passou seus últimos anos como confessor dos aspirantes e demais pessoas que o procuravam. Apesar da doença na visão, que progressivamente foi deixando-o limitado no seu apostolado, esforçava-se em não deixar de contribuir com o que era possível. Atendia as confissões na paróquia, visitava os doentes do hospital Anita Gerosa consolando e distribuindo os Sacramentos a quem precisasse. Pe. Ricardo era conhecido de todos os taxistas das imediações, que voluntariamente o levavam do hospital para casa e a paróquia. Era combinado entre eles. Quando passava o Pe. Ricardo o primeiro taxista que estivesse na fila deveria levá-lo a onde ele precisasse ir. Tive a oportunidade de presenciar esta cena por diversas vezes e não notei nenhum desgosto ou aborrecimento do taxista da vez em ter que lhe prestar essa gentileza, ao contrário, eram bastante corteses. O padre retribuía com gentis palavras e abençoava o seu condutor. Padre Ricardo cumpriu religiosamente as suas visitas vespertinas no hospital Anita Gerosa. Lá era conhecido por todos os funcionários. De modo geral manifestavam-lhe particular estima. Ao chegar ao hospital ia direto à capela. Lá rezava suas orações pessoais, ficava em silêncio e após este momento pedia ao seu acompanhante que fizesse a leitura de um volumoso livro, do qual não me recordo o nome, que trazia comentários aos documentos do Concílio 3-
Todas as vezes que nos referirmos a catequista estamos falando do que hoje chamamos de animador pastoral.
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Vaticano II. Outros livros que gostava de ouvir era O Mundo da Bíblia e as Constituições Salesiana. Oportunamente ele pedia que parasse a leitura e explicava o texto lido com bastante desenvoltura e com sentimento de particular adesão ao texto. Sentindo-se satisfeito, pedia para que a pessoa marcasse o lugar terminado. Tinha permissão de seu confessor para comungar duas vezes ao dia, de modo que comungava na missa comunitária de manhã e no fim da tarde durante sua visita ao hospital. Coisa que fazia com a máxima devoção. Pedia que as velas fossem acessas, paramentava-se com a estola, retirava a âmbula do sacrário e fazia alguns minutos de diálogo silencioso com o Senhor. Em algumas ocasiões pedia para que fosse lido o Evangelho do dia. Após a comunhão recolhia-se por mais alguns minutos em atitude de agradecimento, sempre em silêncio. Em seguida passava a visitar os enfermos que o recebiam com grande alegria. No final da visita as enfermeiras lhe serviam um café com bolachas, ou uma sopa; aproveitava da ocasião para medir sua pressão e tomar algum medicamento, de modo que antes do jantar ele estava em casa novamente. Só deixou de fazer este caminho diário em 2005, quando seu estado de saúde já não lhe permitia sair de casa.
Coração Oratoriano Ao realizarmos hoje nossa missão, a experiência de Valdocco continua critério permanente de discernimento e renovação de cada atividade e obra. (C. 40)
Padre Ricardo sempre teve grande interesse pela juventude. Em Ananindeua pedia sempre para ficar no pátio durante os intervalos das aulas e nos momentos de oratório nos finais de semana. Coisa que atraia bastante a atenção das crianças e jovens. Recordo de uma cândida criança da segunda série que perguntava quando o via se era o papa. Muitos gostavam de conversar com aquele “padre de batina”. Edificava a todos com seu modo de ser e a serenidade com que caminhava atravessando o pórtico ao dirigir-se para o refeitório na parte da manhã ou na hora do almoço. Era uma presença significativa na nossa comunidade. O comum é que as pessoas que estão acamadas prefiram ficar tranquilas, sem barulho por perto. Fato contrário testemunhei com o Pe. Ricardo. Quando seu estado de saúde já não lhe permitia sair do quarto, ficava atento ao som da campainha da escola e assim que soava o sinal do intervalo, perguntava: - É o intervalo? Sendo a resposta afirmativa logo completava: - Abra as janelas do quarto, quero ouvir os meninos. De fato, Cartas Mortuárias 7
seu quarto estava bem de fronte para as quadras, o que facilitava o barulho entrar. Ficava a maior parte do tempo calado, como que tentando compreender alguma das palavras, pronunciadas todas ao mesmo tempo pelos jovens, as vezes esboçava um sorriso. Este barulho tinha o efeito de um agradável remédio. O mesmo fazia nos domingos durante o oratório. Perguntava sempre - quantos frequentam o oratório? E a catequese? Quantos são alunos do colégio? Quando haverá missa para os oratorianos?... Com as coisas “da alma dos jovens” consumia suas forças e para esta preocupação encaminhava suas melhores energias.
Animador Pastoral Como Dom Bosco, somos chamados todos e em qualquer ocasião, a ser educadores da fé. Nossa ciência mais eminente é, pois, conhecer Jesus Cristo; e a alegria mais profunda, revelar a todos as insondáveis riquezas do seu mistério. (C. 34)
De fato, Pe. Ricardo era um animador por excelência, um daqueles homens que o documento de Aparecida elogia como “imagem do Bom Pastor[...] homem próximo do povo e servidor de todos”, que faz da Caridade pastoral a fonte de sua espiritualidade sacerdotal, que unifica e anima sua atividade ministerial. (DA, 198). A todos com quem podia trocar alguma palavra não deixava de tocar em assuntos da alma. Em algumas das missas para os alunos ele fazia questão de descer para participar. Ficava sentado próximo do altar. Acontecia algumas vezes do padre Diretor convidá-lo para dirigir alguma palavra aos alunos na hora da homilia, ou ao final da missa, coisa que fazia com bastante gosto. Chegava a ruborizar-se por conta da vivacidade com que falava do amor a Jesus Eucarístico e a Maria Santíssima. Padre Ricardo tinha um tino especial para a música. Ensinou por vários anos esta disciplina nas casas de formação por onde havia passado, inclusive no noviciado de Candeias, onde também foi confessor algum tempo. Costumava insistir bastante para que soubéssemos utilizar deste meio para a evangelização dos meninos, sobretudo, no oratório - a música do oratório deve ser educativa, afirmava. Falava com gosto das muitas bandinhas, teatros, saraus que organizava no seu tempo de animador pastoral. Quando realizávamos alguma destas atividades em casa o-convidávamos. Sempre que possível aceitava de bom grado. Cartas Mortuárias 8
Confessor O sacramento da Reconciliação leva à plena realização o empenho penitencial de cada um e de toda a comunidade. (C. 90)
Entre todas as atividades que Pe. Ricardo realizou nenhuma lhe dava mais prazer e santo temor do que a de confessor e orientador espiritual. Disto são muitos os que podem testemunhar. Eram muitas as pessoas que o procuravam para receberem orientação espiritual e confessarem-se. Seminaristas, religiosos e religiosas, leigos, padres e mesmo bispos não passavam na sua companhia sem pedirem para ser atendidos em confissão. Entre estes dignos senhores recordo-me com particular deferência de um bispo Salesiano que sempre obsequiava-o com visitas. Pe. Ricardo havia sido seu formador nos inícios de sua caminhada e mais tarde seu professor de Latim, aliás, diversos ilustres salesianos de nossa inspetoria foram seus alunos deste componente curricular. Suas palavras inspiradas portavam aquelas características próprias do profeta de Deus: mansas e exigentes, misericordiosas e empenhativas. Tinha grande consciência da sua responsabilidade como confessor, de modo que se um assunto exigia maior reflexão não temia pedir à pessoa que rezassem juntos para melhor compreender a vontade de Deus. Na confissão Pe. Ricardo sabia ouvir e só aconselhava quando a pessoa havia esgotado suas preocupações. Não era de sua índole investigar ou perguntar algo que não havia sido mencionado, porém, sabia mover a pessoa para que nada omitisse. Quem o procurava com algum problema espiritual ou temporal saia de sua presença sempre com uma expressão de satisfação, de agradecimento. Estava disponível para atender os aspirantes que por ventura precisassem, todas as manhãs. Colocava uma cadeira na porta de nossa capela e de lá acompanhava as orações. Em qualquer outro momento do dia ou da noite estava sempre a disposição. Em 2005, quando eu já era aspirante, jovens da minha cidade decidiram conhecer os salesianos. Alguns deles, depois de dois ou três encontros, perceberam não ser este o caminho para o qual Deus os chamava, porém, continuavam a percorrer mais de 100 Km de ônibus somente para poderem encontrar-se com padre Ricardo e com ele confessarem-se e receberem orientação. Tinham grande estima por ele. Destes jovens uns são religiosos Orionitas, outros seminaristas diocesanos, todos guardam com gratidão a lembrança do Pe. Ricardo. Em suas casas possuem devotamente um exemplar do cartaz comemorativo dos 60 anos de vida religiosa do Pe. Ricardo e dele falam como grande amigo. Cartas Mortuárias 9
Obediência, Pobreza e Castidade Os conselhos evangélicos, favorecendo a purificação do coração e a liberdade espiritual, tornam solícita e fecunda nossa caridade pastoral; o salesiano obediente, pobre e casto está pronto para amar e servir àqueles a quem o Senhor o enviar, sobretudo aos jovens pobres. (C. 61)
Padre Ricardo foi um salesiano de uma exemplar obediência. Para não me delongar narrarei apenas um fato testemunhado por várias pessoas. Estando há dias sem apetite para alimentar-se, e o que comia era regurgitado, foi necessário colocar uma sonda para sua alimentação. Pe. Ricardo porém não desejava aceitar tal intervenção. A tentativa dos médicos em convencê-lo não estava produzindo o efeito esperado. Ele estava irredutível. Entra no quarto o diretor. Ao ser informado do acontecido diz: - é desejo do diretor que o senhor use esta sonda, é para o seu bem. Num ato comovedor para todos disse: - se é a vontade do diretor é a vontade de Deus. Eu aceito! A sonda foi colocada com grande dificuldade ao passo que nenhuma reação se via no rosto do Padre. Os médicos comentavam admirados como um homem mais velho obedeceu com tanta prontidão um outro mais jovem. O desapego dos bens com que padre Ricardo viveu e morreu é também digno de ser imitado. No seu quarto havia pouquíssimos pertences: alguns documentos, dois ou três livros de espiritualidade, algumas poucas peças de roupa e cd’s de música gregoriana. Havia também uma coleção de cd’s bíblicos que ouvia constantemente. Nada mais. Não estava em Belém no ano de sua morte, acredito, porém, que pouca coisa precisou ser guardada, pelo simples fato de não possuir. Um fato que expressa bem seu desapego material, válido igualmente com relação a dimensão espiritual da pobreza evangélica, foi o seguinte: Certo dia chamou um aspirante, tomou uma velha carteira em suas mãos e disse: - certa pessoa me doou este dinheiro na rua, por favor entregue-o ao ecônomo da casa. Tratava-se de uma cédula de um real. O fato ficou conhecido de todos causando-nos grande impressão. Padre Ricardo foi um homem de uma postura humana que transmitia serenidade e dignidade. De sua boca jamais ouvimos nenhuma palavra vã, de seus gestos não percebemos qualquer dubiedade. Não possuía nada de sisudo ou de distanciamento das pessoas, ao contrário, a todos, homens e mulheres, jovens e crianças, tinha sempre palavras e expressões de amizade e de paternal carinho. Quando impossibilitado de cuidar de si próprio, precisava de ajuda para as coisas mais elementares, mantinha, no entanto, uma postura digna, recolhida, nobre, inconfundivelmente casta. Cartas Mortuárias 10
Devoção Mariana Maria Imaculada e Auxiliadora educa-nos para a plenitude da doação ao Senhor e nos infunde coragem no serviço aos irmãos... Nutrimos para com ela devoção filial... (C. 92)
Padre Ricardo foi um salesiano de uma devoção Mariana que não passava despercebida. Portava sempre o terço na mão ou no bolso de sua batina. Jamais sem ele. Rezava constantemente. Tudo o que fazia: aconselhar, confessar, alimentar-se, pedia a intercessão de Maria Auxiliadora. A todos que o visitavam não deixava de convidar para rezar uma Ave-Maria. Mesmo os médicos quando iam visitá-lo. Perguntava: - És católico? Então rezemos a Maria: - Ave-Maria... Era sua forma mais comum de terminar a visita de algum amigo ou conhecido. Costumava acompanhar com particular fervor a liturgia das horas. Quando já impossibilitado de ler, as irmãs Franciscanas de São José, nossas vizinhas, vinham para rezar com ele as vésperas de alguns domingos, sobretudos das solenidades. Ele ficava com as mãos postas em sinal de oração e acompanhava os salmos conhecidos de cor. O mesmo se diga das ladainhas e cânticos Marianos. Um dia perguntado por um aspirante, que agora já é salesiano, sobre quem era Dom Bosco para ele, respondeu com tom grave, sem pestanejar - Meu Pai! . E Maria? Indagou o mesmo: - Ora, Minha Mãe! Era edificante ver um homem ancião colocar-se de forma tão amorosa nas mãos de Dom Bosco e de Maria Santíssima. Expressão de sua terna devoção a Maria é certamente seu lema sacerdotal. Inspirado em São Bernado de Claraval, que Pe. Ricardo vive como um autêntico salesiano de Dom Bosco.
Lema Sacerdotal: “Tota ratio spei meae, Maria”.
Nossa sociedade é composta de clérigos eleigos que vivem a mesma vocação em fraterna complementariedade. (C. 4)
“Toda a razão da minha esperança és tu, Maria”. No lema sacerdotal do Pe. Ricardo temos uma bonita síntese de como foi a sua vida sacerdotal, sua ação pastoral e a esperança que o animou como salesiano. Aí está a força de sua atividade missionária-profética, pelas mãos daquela que em vida ele constantemente recorreu. Na invocação à Mãe vemos o filho-servo obediente que corre a fazer tudo o que Jesus mandar. Cartas Mortuárias 11
Um dia perguntei-lhe sobre o significado do seu lema. Ele disse-me com aquela delicadeza de palavras que lhe eram próprias - Ela fez tudo na minha vida, por sua intercessão alcancei grandes graças e agora a Ela eu recorro para continuar sendo fiel ao seu Filho Jesus. Nas palavras de Pe. Ricardo sentimos profunda ressonância de um salesiano, que como Dom Bosco, teve Maria por mãe e guia, educadora e intercessora, aquela que tudo fez. Há pouco tempo enchi-me de comoção ao ler os escritos espirituais de Dom Bosco e encontrar este exato conselho dado por ele ao jovem Bartolomeu Garreli: - Coloca-te com filial confiança sob a proteção de Maria; confia nela, põe nela a tua esperança”4. Dom Bosco colocava esta orientação como a primeira norma para aquele que desejasse viver em estado de pureza, na amizade com Deus. Pe. Ricardo, ainda na sua juventude, assumiu tal lema e podemos dizer, agora que ele já partiu deste mundo, que a sua confiança não foi em vão. “Quando estava para ser ordenado passei por sérios problemas de saúde. Recorri a Maria e prometi que em sua honra usaria para sempre a batina, mesmo que esta saísse do uso obrigatório. Sinto-me feliz em estar cumprindo esta promessa. Durante minha vida tive tantos outros problemas de saúde, perdi um rim, quebrei minha cabeça, cai diversas vezes em perigo de morte, e sempre tive confiança de que Maria me protegia”.
Estado de Saúde A comunidade cerca de cuidados e afeto os irmãos idosos e doentes. Prestando o serviço de que são capazes e aceitando a própria condição, eles são fonte de bênção para a comunidade... (C. 53)
Padre Ricardo quando foi enviado à comunidade de Ananindeua já possuía uma série de problema de saúde. Tinha perdido um rim alguns anos atrás, havia quebrado o crânio em um acidente. Sobre este fato dizia brincando: - fui tratado num hospital Adventista e lá cuidaram muito bem de mim, mas não deixei colocarem nada na minha cabeça; e ria. Costumava alimentar-se todos os dias com uma tigela de açaí no almoço. Parou de tomar somente no último ano de sua vida. Teve uma broncopneumonia, que mais tarde agravou-se para um estágio mais delicado. Por conta da fragilidade física e da pouca aceitação do estomago, bem como por dificuldade em engolir e a frequência de enjôo, precisou 4 - Escritos Espirituais de Dom Bosco, pp.159-160
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alimentar-se por sonda nasal, que mais tarde foi substituída pela sonda de gastrostomia, a fim de garantir a nutrição necessária. Tinha uma incômoda hérnia, que por causa da idade não podia ser corrigida cirurgicamente. Foi lentamente perdendo a visão como consequência do Glaucoma. Tinha dificuldades para respirar em alguns momentos, o que fez ser necessário no seu quarto um cilindro de oxigênio, entre outros problemas, que devem constar no seu histórico médico. Aqui relato os que me recordo. Seus últimos dois anos foram um verdadeiro calvário, e como nos edificava vê-lo tão resignado. Nunca o ouvi pedir para ter seus dias abreviados, ou reclamar da sua condição. Sempre dizia com um tom de voz que ainda hoje lembro: - paciência, seja feita a vontade de Deus, somente Sua vontade. Quando por algum motivo ficava aborrecido e percebia isso, juntava as mãos e calava-se até estar novamente tranquilo. Mesmo sentindo dores sempre estava pronto para atender algum penitente ou dar bons conselhos, que ganhavam, vindo de seus lábios sofridos, uma força incrível de emocionar quem ouvia ele falar. Uma funcionária do colégio dizia sempre: - vou falar com o padre Ricardo para dar-lhe força e por fim é sempre ele que me consola. Quando não mais podia celebra a missa e nem mesmo sair do quarto, os aspirantes revessavam-se em acompanhá-lo, sobretudo durante a noite, coisa que nos enchia de alegria. Precisamos dizer, por conta da verdade, que as vezes, para alguns, era uma tarefa cansativa, seja por falta do hábito ou mesmo por falta de aptidão para cuidar de um doente, em todo caso ninguém se omitia de tal dever. Vivíamos nesse período um pouco do que rezam as nossas Constituições: A comunidade ampara com mais intensa caridade e oração o irmão gravemente enfermo... (C. 54). Com ele rezávamos o terço, cantávamos cantos devocionais, os que honravam o Sagrado Coração de Jesus eram seus prediletos. As vezes barulhávamos tanto que o diretor vinha nos por para fora, mas ele adorava toda aquela agitação. Contou-me estes dias uma senhora que fora sua paroquiana em Manicoré que sempre que ia a sua comunidade pedia para cantarem o refrão que diz: Eu louvarei, eu louvarei, eu louvarei o meu Senhor... Disto não duvido, o louvor ao Senhor estava no seu coração e nos seus lábios. Todos os dias algum salesiano levava a Eucaristia, que ele recebia com a máxima devoção, fazendo em seguida um significativo tempo de silêncio. Em 2005 precisou ser hospitalizado em diversas circunstâncias, tanto no hospital Anita Gerosa, quanto no hospital da Unimed, sempre acompanhado pelos aspirantes e o assistente da casa que revessavam-se em fazer-lhe companhia. Havia também duas enfermeiras do hospital Anita Gerosa que o visitavam com frequência para avaliação do estado de saúde. No último ano foi contratada uma enfermeira para acompanhá-lo diariamente. Cartas Mortuárias 13
A Páscoa do Padre Ricardo Para o salesiano, a morte é iluminada pela esperança de entrar na alegria do seu Senhor. E quando acontece que um salesiano sucumbe trabalhando pelas almas, a Congregação alcançou uma grande vitória. (C. 54)
Em janeiro de 2006 fui encaminhado para o voluntariado salesiano na cidade de Manaus. Poucas horas antes de iniciar a viagem de barco, passei no seu quarto para me despedir dele. Quarta-feira, dia 25 de janeiro, havia chovido o dia todo, no fim da tarde uma fina garoa caia mansamente, como na primeira vez que o vi. Meu coração estava apertado. Andei lento no corredor. Parei por alguns segundo enfrente a porta de número 42, em fim entrei. Sua figura era serena, com os olhos fixo em algum ponto, nada porém mais via. Estava bastante debilitado fisicamente, sua voz as vezes embargava. Senti-me profundamente comovido com seu estado, quando percebeu minha comoção segurou minhas mãos entre as suas, disse-me palavras de ânimo, como era seu hábito, e deu-me seu terço de recordação para que eu por ele rezasse e ficasse certo de que por mim também rezava. Foi a última vez que o vi. O que mais me custou nesta nova fase foi certamente não poder estar próximo daquele padre que tanto me cativara e por que eu gostaria de fazer um pouco mais como sinal de gratidão.Nos meses seguintes mantinha-me informado do seu estado de saúde pelos amigos que lá ficaram. Era uma manhã de terça feira, dia 02 de maio, por volta das 10 da manhã, recebi a notícia de seu falecimento. Havia passado mal no dia anterior e foi levado ao hospital geral da Unimed Belém. Recebeu na tarde do dia 01 a visita de alguns aspirantes e da enfermeira que sempre o acompanhava. Rezou com eles algumas Ave-Maria e despediram-se. Na madrugada do dia 02 faleceu. Padre Ricardo completaria 91 anos de vida, 48 anos de chegada ao Brasil, 72 anos de vida religiosa, 66 de profissão perpétua e 61 anos de ordenação presbiteral. Seu corpo foi velado na Igreja Matriz da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Ananindeua com a presença de inúmeros paroquianos e funcionários do hospital Anita Gerosa, bem como dos demais membros da Família Salesiana da área. Presidiu a celebração de corpo presente o padre Francisco Alves, Vice Inspetor, na época diretor da casa onde eu era voluntario em Manaus. Deus sabe quanto tive que resignar-me para não pedir que me permitisse ir com ele ao Pará. A notícia de seu falecimento foi amplamente divulgada nos meios de comunicação local. Cartas Mortuárias 14
Seu corpo foi sepultado no mausoléu dos salesianos na Igreja Nossa Senhora do Carmo em Belém, onde estão tantos outros insignes irmãos. Na casa dedicada a Maria Santíssima repousa agora o corpo da quele que em vida tantas, lhe invocou como Mãe e Auxiliadora. Ó Dom Bosco, nosso pai e mestre, inspirai-nos grande amor pela Eucaristia, pela Virgem Santíssima e pelo Papa. Que busquemos constantemente nos Reconciliarmos com os irmãos e com a Igreja, de modo a estarmos sempre unidos ao Pai. Ò virgem Auxiliadora, refúgio e protetora nossa, sede nossa esperança, como fostes para o Pe. Ricardo. Guie-nos a teu Filho Jesus, de modo que nós, que hoje nos alegramos com sua partida para o céu, renovemos na força do Espírito Santo a confiança no vosso amor que jamais decepciona.
José Ivanildo de Oliveira Melo Salesiano pós-noviço. 02/05/2011
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Testemunhos Aqui apresento o testemunho de sete pessoas que tiveram um significativo tempo de convivência com o padre Ricardo. Como mencionei antes estes testemunhos remontam a períodos diferentes, que vão desde os anos 70 até os últimos dias de sua vida. Os testemunhos vindos de Manicoré, local onde padre Ricardo esteve por diversos anos, foram coletados em áudio, daí o estilo do texto. Os testemunhos vindos do Pará, onde passou seus últimos anos, foram mandados já digitalizados. Coube a nós somente transcrevê-los. Procuramos não alterar em nada as falas, somente suprimimos em alguns momentos os pronomes pessoais repetidos, próprios de quem está conversando com familiaridade. Padre João Mendonça,SDB, conheceu Pe. Ricardo no inicio de sua formação. O escolheu por confessor e teve a alegria de anos mais tarde ser seu diretor.
1. Um amigo: padre Ricardo Lorenzoni
Era o ano de 1979. Apenas iniciava minha vida na comunidade salesiana do aspirantado. O padre diretor, Franco Dalla Valle, também de saudosa memória, fez um convite a todos. Existia a possibilidade de passar as férias de julho em Manicoré e desenvolver atividade de formação catequética. Prontamente me candidatei. Fui escolhido e me apresentaram um padre simpático, olhos vivos, com uma batina limpa e com alguns remendos e fala tranquila. Era o padre Ricardo, pároco de Manicoré. Conversamos longamente. Ele me falou da paróquia e da necessidade de um curso para catequistas. Como eu já trabalhava na catequese não tinha segredos. Depois de uma semana estávamos juntos no barco em direção ao Município. Tudo era novo para mim. Padre Ricardo sempre simpático me ajudava a me virar dentro do barco super lotado. Chegamos a Manicoré debaixo de uma chuva torrencial. Naquela época não existia a escadaria que tem hoje. Era um barranco de burro barro. Enquanto eu ensaiava a subida padre Ricardo começou logo a escalada. Um pé lá e outro cá. Uma aventura e tanto. Eu com 19 anos e ele com uns 60 acho. Para não pagar mico também comecei a subida. Chegamos ao topo mortos de cansados e totalmente enlameados. Era barro por todo canto. Pensei que a casa paroquial era próxima. Que nada! Caminhamos alguns quarteirões. As pessoas passavam e saudavam o padre Ricardo e ele respondia com elegância; aliás, padre Ricardo era um homem eduCartas Mortuárias 16
cado e de boa fama na cidade. Depois de um banho merecido tomamos uma sopa e fomos dormir. Quando me dei conta os sinos tocaram e lá estava o bom padre pronto para presidir a missa. Ele era incansável. Depois de organizar as férias com ele comecei o trabalho. Conheci a postulante Vera Regina, hoje irmã Vera. Visitei as famílias dos catequistas, ajudei no pequeno oratório, ajudava nas missas e rezava na companhia daquele grande homem de Deus. No dia a dia conheci um pouco mais dos trabalhos realizados pelo padre Ricardo e sua atenção aos ribeirinhos. Um dia ele me convidou para visitar duas comunidades no Rio Manicoré. Uma aventura inesquecível. Horas e horas de barco e depois outro barranco para subir. A comunidade se chamava Barro Alto. O encontro do padre com os ribeirinhos era motivo de festa. Ele visitava as famílias, os doentes, batizava, pregava, fazia círculos bíblicos. Era uma escola para mim. Foi naquela experiência que conheci a ação evangelizadora chamada “ Boa-Nova” que envolvia um batalhão de leigos na evangelização. Padre Ricardo era o principal incentivador e animador. Voltei a Manicoré ainda três vezes sempre convidado por ele para ajudar na formação dos leigos. Eu me sentia realmente em casa e ele era um paizão. Encontrei o padre Ricardo nos retiros espirituais e o escolhi para confessor. Confessar com ele era uma alegria. Paterno, juiz e compassivo, assim o defino como confessor. Quando retornei de Roma em 1996 e recebi a obediência de ser o diretor do aspirantado de Ananindeua/Belém, encontrei novamente o padre Ricardo. A questão é que eu era o diretor dele. Ali conheci mais de perto sua grande dedicação ao povo e ao hospital Anita Gerosa. Ele trabalhava sem descanso. Novamente voltou a ser meu confessor. Ele me conhecia bem e muito me ajudou a animar aquela casa. Foram três anos de convivência alegre e edificante para mim. Não esqueço aquelas palavras: “paciência padre diretor, muita paciência”. O tempo passou e não tive mais a felicidade de conviver com padre Ricardo. Nossos encontros se resumiam aos retiros e às minhas passagens por Belém. Contudo, éramos irmãos e amigos. Quando ele morreu senti muito sua partida, mas sabia que no céu teria um permanente amigo. Obrigado, Senhor, pela amizade deste grande salesiano. Ele deixou uma marca na história da inspetoria e do povo de Manicoré. Para mim foi uma honra tê-lo conhecido e partilhado com ele de sonhos, tristezas e alegrias. Pe. João Mendonça, sdb
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2. Manoel de Oliveira Galdino, 52 anos. Prefeito de Manicoré Foi coroinha de padre Ricardo e com ele trabalhou nos grupos de jovens. (Manicoré-AM)
Trabalhei com o Padre Ricardo em vários momentos. No primeiro momento eu havia chegado da zona rural e o padre Ricardo era o vigário aqui em Manicoré. Eu o procurei para ser coroinha. Era meu desejo ingressar no grupo de coroinhas que ele treinava. A gente era coroinha e cantava na igreja. Ele dava catecismo a tarde, e o pessoal que tinha um interesse maior na catequese que ministrava eram escolhidos para o grupo de coroinha. Eu tinha grande interesse em ser coroinha, vindo em fim conseguir entrar no grupo. A gente chegava de madrugada para arrumar as abatinas que ele guardava em um armário grande. Todo dia, as seis da manhã ele celebrava a missa. A gente chegava as cinco horas, porque quem chegasse primeiro servia na missa. Quem chegava, vestia logo a túnica e ficava ali no canto meio que cochilando para que quando o outro chegasse percebesse que aquele dia já estava ocupado. A missa nessa época era bem solene, tinha que tocar a campainha, servir o vinho... o coroinha tinha um papel que agente achava ser de “destaque”. Nesse primeiro momento que trabalhei com ele como coroinha, padre Ricardo era um padre rígido, ao mesmo tempo muito sereno, era um padre bastante reservado, sério. Eu me espelhava nele. Foi ele quem me encaminhou vocacionalmente para o seminário. Eu queria ser padre por que ele era o meu modelo de padre. Fui ao seminário por causa dele. Ele era o meu referencial. Nessa época que trabalhei com ele como coroinha que comecei a aprender os valores, o respeito a vida. Ele era metódico e rígido, isso me ensinou a ter valores, o que é certo o que é errado. Ele me marcou muito. Depois eu fui ao seminário eu e outros, entre eles, Valter Pinheiro Fernandes que morreu em Ananindeua. Nos anos seguintes foram outros de Manicoré para lá. Fique em Ananindeua em 72,73 e 74, agente vinha nas férias de final do ano e ele nos inseria nos grupos de jovens, onde trabalhávamos com ele. Voltávamos novamente para os seminário para os estudos. Cartas Mortuárias 18
No segundo momento foi já quando aconteceu o acidente em Ananindeua onde morreram duas pessoas de Manicoré e o diretor aconselhou que eu voltasse para casa por um ano porque foi muito forte a tragédia, dois colegas meus morreram. A comunicação era difícil, só tinha uma central telefônica e se faziam fila para falar e ninguém sabia direito quem tinha morrido. Minha família ficou muito preocupada e eu sai. Depois padre Ricardo saiu daqui e veio padre Bernardo. Voltei para o seminário com o Padre Bernardo e quando sai novamente ele já estava novamente aqui. Ai eu entrei na vida pública. Ele estava aqui e não desejava que eu entrasse para a vida pública. Seu desejo é que eu fosse padre. Ele foi contrário a minha decisão e entrei na vida pública contra sua vontade. Ele ficou chateado comigo. Fui candidato a vereador e quando eleito retornei para falar com ele. Ele me disse – você provou que tem liderança com a juventude, seu lugar é aqui. Ele me reintegrou nos trabalhos. Trabalhei então como coordenador nos grupos de jovens. Nessa época fundamos vários grupos de jovens nos bairros e no interior JUSALE, MOJUMA, JUCRIVA entre outros. Fazíamos retiro todos os anos. Ele fazia questão dos retiros. Selecionávamos um grupo e íamos para zona rural. Ficávamos três dias em retiro por lá e ele fazia questão de ficar o tempo todo com a gente. Para ele era complicado tomar banho, por que ele nunca tirava abatina, nunca o vimos sem batina. Para tomar banho naquelas casas na zona rural ele levantava as cinco da manhã, antes de todos. Quando levantávamos ele já havia tomado banho e estava pronto de batina. Ele ficava muito perto da gente, gostava muito da juventude. Para mim Pe. Ricardo foi um Dom Bosco, ele encarnou Dom Bosco, até sua feição para mim era parecida com as fotografias que eu via de Dom Bosco. Pra mim ele era o Dom Bosco em carne viva. Como estou dizendo, apesar de sua idade ele estava sempre com agente, certamente com sacrifícios. Depois ele foi transferido novamente e eu como prefeito fui visita-lo em Ananindeua. Ele me chamava sempre de Manoel. Toda a cidade me chamava de Nena. Só ele me chamava de Manoel. Eu pedi para ele gravar uma entrevista, uma mensagem para o povo de Manicoré. Esta foi a penúltima vez que o vi. Depois eu fui visitá-lo novamente no colégio Domingos Sávio na Inspetoria. Sempre que me via me dava uma atenção toda especial. Para mim ele foi um exemplo de vida, exemplo de dedicação, exemplo de sacerdócio. Para mim só valeria apena ser padre se fosse Cartas Mortuárias 19
para ser como ele. Ele realmente era o meu referencial. Esta foi a última vez que o vi. Quando faleceu eu não estava aqui. Para mim ele é um santo. Vale a pena ser considerado com um santo. Estou planejando colocar o nome dele em algo de destaque no município. Em algo que tenha a ver com a juventude, que reúna os jovens, por que ele gostava muito dos jovens.
3. Maria Alícia do Rosário, 41 anos. Trabalhou com o padre Ricardo como catequista. Ajudava na missa das crianças e outras atividades pastorais. (Manicoré/AM)
O catequista para ser catequista tinha que ter espiritualidade, deveria procurar não cometer deslizes na vida pessoal. Padre Ricardo tinha o maior cuidado com a postura corporal. Não era do seu agrado que usássemos shortinhos, roupas de alça para comungar. Ele dizia que agente tinha que cuidar do corpo do mesmo modo que cuidávamos do espírito. As pessoas que foram catequistas e catequizandos na sua época não andaram na vida por ai. Tínhamos um grande respeito pela Igreja, pelos valores. Ele nos ensinava a ter um grande respeito pelo Santíssimo, a Comunhão, a Confissão. Na semana Santa era uma fila imensa para confessar com ele. Da catequese não tem como ele. Nós tínhamos um quantidade imensa de crianças e muitos deles são catequistas hoje. Eu tinha onze anos quando fui catequistas pela primeira vez. Fui criada naquela Igreja. Por usar batina nós tínhamos um grande respeito por ele. Só dele olhar para você ele te descrevia, sabia o que estava acontecendo com você. Na casa dele tinha muitas frutas. Ele fazia campeonatos com as crianças, jovens e distribuía jambos, goiaba... como prêmio. Quando retornou novamente já estava bem magrinho, já não reconhecia todos, mas eu falava pra ele se lembrava de mim, ele dizia- minha catequista. Para ele a catequista tinha que dar testemunho. Se eu não desse testemunho eu não poderia ser catequista.
4. Luzia Ferreira Parmelo, 89 anos. Atuou na paróquia de Manicoré na pastoral da visitação, na pastoral do Dízimo, foi ministra da Eucaristia e missionária. (Manicoré/AM)
Trabalhei com padre Ricardo sete anos diretos, quatro anos no interior e três na cidade. Ele foi um pai para mim. Ele era padre mesmo. Não gostava de fofocas, de conversinhas... - A igreja é lugar de rezar, de puriCartas Mortuárias 20
ficação, de encontro com Deus, dizia ele! Com ele aprendi muita coisa. Quando ele saia deixava um som ligado para eu aprender os cantos corretos do tempo do natal, da quaresma, porque ninguém sabia e puxava um canto de ofertório na hora errada. Ele trouxe um senhor de Caratinga do Ceará chamado senhor João Rezende para ministrar cursos para o povo, acompanhado de dois rapazes. Tínhamos reuniões de formação com este senhor. A primeira vez que teria este encontro me mandou um convite, eu respondi que não sabia ler nem escrever e que por isso não poderia aceitar. Mandou me chamar. Quando cheguei ele estava rezando o terço olhando para o céu. Ele me mandou sentar e me disse - Deus não escolheu ricos nem sábios, mas pescadores e por isso a senhora vai participar. Eu disse que tudo bem mas não me pergunte nada que eu não sei responder. Alguns sumiram mas eu fiquei sempre. Um dia foi feito uma pergunta - oque a gente dava mais a Deus? Eu disse - saio as 4 da manhã para vir a missa, depois visito os doentes, rezo por alguns que pedem, retorno para casa por volta das 10 horas para cuidar das minhas coisas, ele disse - então a senhora dá o seu dízimo ao Senhor. Hoje não posso mais fazer o que eu faziam antes, mas ninguém morreu nessa época sem preparação. Esta foi a única vez que ele brigou comigo. O irmão de uma paroquiana estava para morrer. Ela foi procurá-lo. Como chovia eu disse que ele estava repousando. Quando levantou ele perguntou - qual é a nova? Eu contei o caso. Ele disse - a senhora fez mal em não me chamar, eu jurei obediência e chuva nenhuma me impediria de ir. Ele foi para atender o rapaz. Assim que terminou o rapaz morreu. Ninguém morreu nesta cidade sem que ele atendesse. Ele dizia que eu não era sua empregada era uma mãe, e eu digo - ele era meu pai. Quando ele recebeu a carta de transferência daqui ele sentiu muito, ficou doente por alguns dias no seu quarto, mas quando saiu estava decidido em ir.
5. Maria Benedita É Técnica em enfermagem. Trabalhou no hospital Anita Gerosa e cuidou do padre Ricardo nos últimos anos de sua vida. (Ananindeua- PA)
Falar sobre o padre Ricardo é uma honra para mim. Conheci o padre Ricardo no ano de 2001, ele ia todos os dias no hospital Anita Gerosa, La tinha uma pequena capela. De manhã ele chegava, fazia as suas orações e ia as enfermarias rezar o terço com os pacientes e convidá-los para a missa, que ele celebrava todos os dias as 16 horas. Se não me engano no ano Cartas Mortuárias 21
de 2003 ele começou a apresentar várias crises de hipertensão e geralmente ele tinha que ficar internado, o médico o aconselhava que não levantasse para não fazer esforço físico, mas não adiantava ele fugia, quando as enfermeiras iam levar medicamentos ele estava geralmente na capela. Não lembro quando foi, mas de repente ele ficou sem a visão. As dificuldades ficaram maiores, mas a fé e a perseverança do Padre Ricardo não tinha limites. Os funcionários do hospital já estavam acostumados com ele e a maioria fazia questão de ajudá-lo em suas dificuldades. Em 2005 eu fui convidada pelo diretor do Carmo II para ser enfermeira acompanhante do Padre, foi com grande prazer que eu aceitei o convite, cuidava dele em dias alternados, foi ai que eu o conheci melhor, ele estava debilitado tinha uma hérnia inguinal que o incomodava demais, problemas respiratórios, digestivos e gástricos. Mas o que ele tinha mesmo era uma grande fé em Jesus e na virgem Maria, rezava o terço diversas vezes durante o dia. Mesmo fazendo uso da cadeira de rodas ele pedia pra ir a capela do colégio, e lá passou momentos de profunda oração. Lembro-me de um dia que ouve um encontro para ministros da eucaristia da paróquia Nossa Senhora das Graças no colégio, ele fez questão de descer e falar com todos e conheceu a cada um pela voz. No ano de 2005 ele ficou internado várias vezes, mas nunca reclamava e não perdia a oportunidade de dar conselhos e rezar o terço. Em abril de 2006 ele foi novamente internado, fazíamos visitas diariamente e ele. No Final do mesmo mês ele foi transferido para a UTI, a última vez que falei com ele foi no dia 1º de maio a tarde. Ao me ouvir ele pediu para rezarmos o terço, ele só conseguiu rezar uma dezena, pois estava muito cansado e abatido, mas chamava o nome da virgem Maria insistentemente. No dia 2 de maio de madrugada recebi a noticia de que ele tinha feito a viagem pra a morada eterna para viver ao lado de Jesus e da virgem Maria. Foi um momento de tristeza profunda, só nos resta a saudade e a certeza que ele esta ao lado de Jesus, A vida do padre Ricardo foi dedicada ao amor, a obediência e a fé em Jesus e na sempre virgem Maria.
6. Linda Maria de Oliveira Nunes.51 anos. É salesiana Cooperadora e educadora do Colégio Carmo Ananindeua. (Ananindeua-PA)
Para mim foi uma benção ter conhecido e convivido com o Pe. Ricardo Lorenzoni. O pouco que sei sobre ele é que desde criança tinha o sonho de ser sacerdote, porém seus pais não tinham condições para mantê-lo no Cartas Mortuárias 22
seminário, já que na época quem quisesse fazer o discernimento vocacional, a família deveria pagar o seminário. Mas ele teve a sorte de conhecer um jovem tirocinante que o ajudou nas aulas e conseqüentemente a inseri-lo nos salesianos de Dom Bosco. Ele comentava que tinha passado por inúmeras provações espirituais, temporais e materiais, mas conseguiu realizar seu sonho. Mais de 60 anos sacerdócio e 70 e pouco de vida religiosa salesiana. Sua ordenação sacerdotal foi no dia 08 de dezembro de 1945. Ele estudou no colégio Manfudine, Itália no período de 1929 a 1939, saiu direto para o seminário, depois o Pré-noviciado, em seguida Colégio Dom Bosco, noviciado e outros. Sua disciplina preferida fora a música, na qual se formou, além da Filosofia e Teologia que exerceu até seus últimos momentos de vida mortal. Veio para América, passando por Fortaleza, Belém, Manaus depois retornou para Belém- Ananindeua onde conviveu até sua partida para o encontro de Dom Bosco. Sim falei do pouco que ele me contou sobre sua vida, agora vou falar um pouco de mim. Fui aluna salesiana, infelizmente por dificuldades financeiras de meus pais precisei sair, mas prometi a mim mesma que meu filho seria aluno salesiano e foi aí que tive a sorte de conhecer Pe. Ricardo em 2002. Conversei e aprendi muito com ele, torcia para não ter ninguém para ir com ele até o Hospital Anita Gerosa, onde ele celebrava a missa, conversava com os doentes e familiares, pois nesses momentos eu recebia minhas aulas com ele, fiz muito pouco por ele diante de tanto que ele merecia. Infelizmente ele adoeceu e no seu último dia não sei como, mas em sonho ele me avisou que estava partindo, enxerguei uma luz vermelha, logo acordei e ao amanhecer falei para o meu filho: Acredito que não haverá aula; Pe. Ricardo partiu. Mesmo assim fomos ao colégio, chegando lá a notícia da sua partida era verdadeira. Algum tempo depois Pe. Amiraldo adoeceu, segundo os médicos era toxoplasmose, ficando em coma absoluto, por três dias, então pedi ao Pe. Ricardo que intercedesse junto a Dom Bosco e Maria Auxiliadora, pela saúde do Pe. Amiraldo, no quarto dia Pe. Amiraldo sai do coma, quem nem a médica entenderam como. Acredito, ou seja, tenho certeza que foi pela intercessão do nosso tão querido Pe. Ricardo Lorenzoni.
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7. Mariel Silva. Trabalhou no Colégio Salesiano Carmo-Belém e Ananindeua. Foi penitente e amiga do padre Ricardo. (Belém- PA)
Fui funcionaria do colégio salesiano da cidade velha onde trabalhei por 3 anos e tive a oportunidade de trabalhar com diversos padres Salesianos: Pe. Genaro, Pe. Gilberto, Pe. João Batista... Trabalhei em seguida na recepção do colégio Carmo Ananindeua. Foram os melhores anos da minha vida. Porque conviver com jovens é maravilhoso, você aprende mais do que ensina. Além do mais fui bastante valorizada e hoje trago uma bagagem e bom aprendizado de pessoas especiais, pessoas simples, mas com grande saber e atenção para dedicar aos outros. Em Ananindeua tudo era muito bom, um pedaço do paraíso, bastante verde, sem grande poluição. Ai trabalhei com muita garra Foi quando conheci o Padre Ricardo. Eu chegava as 7 horas. Ele descia as escadas para tomar seu café, depois caminhava com ele para hospital aonde ele fazia seu apostolado. Na entrada já havia funcionários do hospital lhe aguardando. Eu voltava para meu setor: a Recepção. As vezes eu ficava com ele, admirava aquele senhor de cabelos brancos indo de leito em leito para rezar pelos doentes. Para a missa ele preparava tudo certinho e na hora certa, para os que podiam ir até a capela, que ficava dentro do próprio hospital. Padre Ricardo gostava muito da companhia dos Seminarista principalmente o José Ivanildo. Ele sentiu muito sua ida a Manaus e foi quando eu passei ajudar-lher como podia. Os Padres também eram muitos carinhosos com ele. Mas com o decorrer dos anos começou a aparecer as doenças, foi ficando difícil. O mais difícil, foi ele ter que parar de confessar seus doentes, ele não percebia que já era hora de ele se cuidar e ficava teimoso e fugia para o hospital. Certo dia, quando já havia perdido a visão percebi que seus olhos estavam cheios de lágrimas, mas ele não reclamava de nada. Com a convivência é que íamos sentindo suas dificuldades. A partir de então passou a ficar na escola confessando e foi quando tive oportunidade de conversar com ele. Um dia ele percebeu que eu era infeliz no casamento. Orientou-me bastante. Tinha dias que eu pensava em desistir e lembrava de sua palavras - O que Deus criou o Homem não destrói. Estas palavras ficaram marcadas na minha memória e hoje estou com 25 anos de casada, sei que foi o Pe. Ricardo que me ajudou, pedindo para eu - rezar e rezar, dizia ele. Fico agradecida de ter conhecido alguém que mesmo não enxergando servia seu próximo com Amor. Alguém que não precisou eu falar, ele tinha seu jeito de percepção. Me indicava o caminho do Senhor mesmo Cartas Mortuárias 24
não enxergando eu admiro este ser maravilhoso que se chamou Pe. Ricardo Lorezoni. Desculpem-me não sei escrever direito, só sei que ele se dedicou a muita gente. Sinto-me triste que quando ele morreu eu estava operada e não puder ir prestar minha homenagem a ele. Fui operada de urgência e hoje graças a Deus estou curada. Ele partiu e não pude vê-lo, nem visitá-lo durante a sua doença. Não era permitido visitas frequentes, ele precisava de repouso. Tenho muito pra falar dele de bom e deixo neste papel o meu muito obrigada pela oportunidade de dizer a vocês que Padre Ricardo foi uma dádiva de Deus nas nossas vidas. Este ser maravilhoso soube viver sua velhice com Amor e Dedicação e quero agradecer a Deus por ter me dado a oportunidade de conviver com a Bondade dele e caminhar em tão boa companhia. Saudades de um grande amigo. Que ele descanse na Glória do Senhor. Amém.
Padre Ricardo recebendo do Reitor-Mor, Pe. Pascual Chávez, placa comemorativa do 70º aniversário de Profissão Religiosa - 2004
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