Dez reflexões sobre a educação brasileira

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Dez reflexões sobre a educação brasileira


Dez reflexões sobre a educação brasileira


Introdução Em comemoração aos 10 anos do Instituto Alfa e Beto, celebrados em 2016, convidamos dez especialistas para publicarem em nosso site reflexões sobre temas fundamentais para o avanço da educação no Brasil. Os artigos foram publicados entre os meses de março e dezembro de 2016 e estão reunidos nesta publicação. São eles: •

Produtividade, setor produtivo e educação Maílson da Nóbrega

O Plano Nacional de Educação e a crise no país Simon Schwartzman

No jornalismo, educação nunca será demais Paulo Saldaña

O plano de país para o Brasil pode começar pelo currículo Ilona Becskeházy

Educação e Federalismo no Brasil Mariza Abreu

O Ensino Médio e o golpe da caneta Claudio de Moura Castro

Foco na Primeira Infância e a necessidade de uma Educação Infantil de qualidade Daniel Santos e Felipe Polo

A PEC 241 e os gastos com educação Marcos Lisboa

Qualidade da Educação e Educação domiciliar: liberdade de ensinar e aprender Luiz Carlos Faria da Silva

A escola pública - além do currículo Marcos Magalhães Todos os artigos podem ser consultados no link: goo.gl/dazqdy. Boa leitura!


Março

Produtividade, setor produtivo e educação Por Maílson da Nóbrega* A produtividade, isto é, a capacidade de

e gerencial, e para as atividades de pesquisa e

produzir mais com os mesmos recursos, é a primei-

desenvolvimento, essenciais para a inovação e a

ra e mais importante fonte do crescimento econô-

produtividade.

mico. Nos países desenvolvidos, ela costuma explicar cerca de 80% da taxa de expansão do Produto

No Brasil, a educação foi negligenciada

Interno Bruto (PIB). Daí a afirmação de Paul Krug-

durante muitos anos. Dizia-se que ela seria um

man, prêmio Nobel de Economia, de que a produ-

subproduto do desenvolvimento. As políticas públi-

tividade não é tudo; é quase tudo.

cas deveriam, pois, privilegiar ações para expandir o PIB. Nos anos 1950, despendíamos apenas 1,4%

A segunda fonte é o investimento em máquinas, instalações, software e infraestrutura,

do PIB em educação, o que nos legava legiões de analfabetos e baixa oferta de pessoal qualificado.

mas isso não terá maior importância para gerar crescimento se não houver ganhos de produtivi-

Naqueles tempos, a contribuição para a

dade. O colapso da União Soviética aconteceu, em

produtividade vinha basicamente da tecnologia

grande parte, porque seus investimentos, particu-

incorporada nos bens de capital importados, dos

larmente em armamentos, influenciavam pouco a

limitados investimentos em infraestrutura e da

produtividade.

migração campo-cidade. Trabalhadores agrícolas empregados em atividades urbanas, dotadas do

A terceira fonte é a incorporação de mão de obra ao processo produtivo, que eleva o potencial

mínimo de organização, tinham produtividade superior à da sua época no campo.

de crescimento do PIB, mas tal contribuição será tanto maior quanto mais elevada for sua produti-

A partir dos anos 1970, a educação ganhou

vidade. Esta, por seu turno, depende da qualifica-

prioridade, mas essencialmente no ensino superior.

ção do trabalhador, da tecnologia e do ambiente

A universalização do Ensino Fundamental – que

de trabalho. No Brasil, a produtividade da mão de

acontecera no século XIX nas nações desenvolvidas

obra equivale a apenas 18% daquela do trabalha-

e nos anos 1960 na Coreia do Sul – somente ocor-

dor americano.

reria no Brasil na segunda metade dos anos 1990. Nesse tempo, passou-se a acreditar que a melhoria

No pós-guerra, muitos economistas, com destaque para Gary Becker, desenvolveram a teoria

da qualidade da educação dependeria da elevação dos respectivos gastos governamentais.

do capital humano, que explica os benefícios da educação para os indivíduos e a sociedade. Mais

Com a aprovação da emenda constitucional

tarde, outros economistas acentuaram a relevância

proposta pelo senador João Calmon (1983), criou-

ainda maior da educação superior na formação do

-se a vinculação de 13% das receitas de impostos

capital humano e, assim, da produtividade. Isso

em favor da educação, sob o argumento equivoca-

decorre de seu papel na oferta de pessoal habi-

do de que assim se protegeria o setor dos cortes

litado para exercer funções de natureza técnica

de gastos impostos pelas equipes econômicas,

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especialmente nos programas de ajuste apoiados

rem melhor para pressionar o governo a encarar

pelo FMI.

as reformas necessárias na educação, das quais depende a melhoria da competitividade das

Dessa época em diante, grupos corporativos

empresas. É preciso ampliar o esforço que hoje

conseguiram incutir a ideia de que era preciso

cabe quase exclusivamente aos mestres e intelec-

gastar muito mais em educação. Assim, a Consti-

tuais não engajados em visões ideológicas sobre a

tuição de 1988 ampliou a vinculação para 18% dos

educação. Entre as medidas devem estar, necessa-

impostos federais e 25% dos impostos estaduais e

riamente, a eliminação de indicações políticas para

municipais. Nos anos 2000, os gastos aumentaram

cargos de direção nas escolas, o fim da gratuidade

ainda mais e se aprovou uma insana destinação

do ensino superior – exceto para os jovens talen-

de 10% do PIB para o setor. Isso quando o Brasil

tosos de famílias de menor renda – e regras para

já despende mais de 6% do PIB em educação,

avaliar a remunerar os professores.

proporcionalmente mais do que o Japão, a Coreia do Sul e a China, e perto do que gastam os EUA e a Alemanha.

Dificilmente o Brasil será capaz de explorar seu imenso potencial de desenvolvimento sem uma revolução na educação.

Apesar do aumento de gastos, a melhoria da qualidade da educação não foi compatível com tal expansão. Basta ver a classificação do Brasil nos testes do PISA, na qual ficamos na rabeira dos

*Maílson da Nóbrega é economista, ex-minis-

cerca de 60 países que participam da avaliação.

tro da Fazenda (1988-90) e autor do livro O Brasil

Claro, houve melhorias. Foi possível introduzir, no

em Transformação (Ed. Gente).

governo FHC, mecanismos de avaliação do ensino. O tempo de escolaridade praticamente dobrou nas últimas décadas. Evoluímos, todavia, pouco na qualidade. Até hoje, as corporações foram bem-sucedidas em bloquear iniciativas de remuneração por desempenho, comum em outras experiências ao redor do mundo. O setor produtivo reclama da perda de competitividade pela má qualidade do sistema tributário e da legislação trabalhista, dos excessos de intervenção estatal e das más condições da operação da infraestrutura e da logística. É o “custo Brasil”. Mas a baixa qualidade da educação, origem da baixa produtividade do trabalho, que obriga as empresas a realizar gastos de preparação da mão de obra em níveis superiores aos de seus concorrentes nos mercados mundiais, tem sido pouco enfatizada nas reivindicações de políticas industriais e de outras favoráveis ao desenvolvimento. Está na hora de os empresários se organiza-

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Abril

O Plano Nacional de Educação e a crise do país Por Simon Schwartzman* Em junho de 2014, a Presidente da República

de financiamento para a expansão dos recursos, se

sancionou o Plano Nacional de Educação para o

haviam transformado em miragem, com a queda

período 2014 a 2024, com 20 metas para educa-

dos preços internacionais e a crise da Petrobrás.

ção do país que previam universalizar o acesso da

Em 2016, com a economia em profunda recessão,

pré-escola ao Ensino Médio, alfabetizar todas as

o Ministério da Educação foi o que mais teve cortes

crianças até o terceiro ano do ensino escolar, ofere-

em seu orçamento, de 12%, e os estados mal estão

cer educação de tempo integral em 50% das esco-

conseguindo manter os salários dos professores.

las públicas, melhorar a qualidade da educação em

Não há perspectiva de que 2017 seja melhor.

todos os níveis, triplicar as matrículas na educação técnica e profissional de nível médio, aumentar em

Não é só por falta de dinheiro, entretanto,

50% as matrículas no Ensino Superior, expandir a

que o PNE está fadado a se transformar em uma

pós-graduação, melhorar a titulação dos professo-

grande frustração. Em 2011, quando a primeira

res em todos os níveis, e elevar os investimentos em

versão foi publicada, escrevemos um artigo dizen-

educação para 10% do Produto Nacional Bruto.

do que o Plano mais parecia uma enorme lista de Papai Noel, que não distinguia com clareza o que

Estas metas se desdobravam em 254 estraté-

é prioritário do que é supérfluo, ou mesmo preju-

gias, que reuniam as propostas e ideias que haviam

dicial. Sabemos que o simples aumento de gastos

sido trazidas pelos milhares de participantes das

não garante a melhora da educação, e que não

conferências municipais, estaduais e de sucessi-

basta transcrever os desejos em lei para que eles se

vas Conferências Nacionais de Educação nos anos

tornem realidade. A melhoria da educação depen-

anteriores. Acreditava-se que este processo partici-

de de diagnósticos claros, baseados em evidências,

pativo, com a predominância das associações de

das causas dos problemas, e políticas consistentes

classe, e uma lei extremamente detalhada, eram

e de longo prazo para, entre outras coisas, melho-

a melhor maneira de identificar o que a educação

rar o gerenciamento das redes e escolas públicas,

brasileira precisava, e garantir que que o Plano teria

assegurar a qualidade e a formação dos professores

apoio na sociedade e no governo, como política de

(que é muito diferente da simples titulação), intro-

Estado. Acreditava-se também que a economia

duzir currículos modernos e adequados, garantir

brasileira continuaria crescendo, que a percenta-

a alfabetização das crianças no primeiro ano da

gem dos recursos públicos dedicados à educação

educação básica e criar alternativas de formação

continuaria aumentando e que assim seria possível

no Ensino Médio – e nem sempre os interesses da

cumprir todas as metas e estratégias do Plano.

educação do país e das corporações que habitam o setor educacional coincidem.

A primeira versão do Plano ficou pronta em 2011, quando o Brasil parecia ter se recuperado na

É inevitável que a crise econômica, política

crise de 2009, e foi sancionada em 2014, quando a

e de valores que o Brasil vem atravessando leve a

economia já havia parado de crescer e os royalties

retrocessos importantes na educação, mas pode

do petróleo, que seriam uma das principais fontes

ser também uma oportunidade para repensar

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com mais profundidade quais são as prioridades, e como melhor gastar os recursos limitados de que o país dispõe, ante tantas necessidades dentre as quais a educação é somente uma delas.

*Simon Schwartzman é cientista político, ex-presidente do IBGE e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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Maio

No jornalismo, educação nunca será demais Por Paulo Saldaña* A urgência da educação no país é indicativo de que falar sobre o assunto deve ser postura prio-

gens sobre educação em meio aos mais diversos acontecimentos.

ritária na sociedade. A reflexão permanente sobre como fomentar e qualificar a presença do tema

Por causa da importância e prioridade do

no debate nacional é uma exigência para todos

assunto, é provável que o espaço reservado à

que acreditam na importância transformadora da

educação sempre parecerá insuficiente. Mas os

educação.

dados mais recentes sobre a quantidade de reportagens de educação na imprensa mostram que

A produção jornalística tem um papel incontestável nesse debate. Uma sociedade bem infor-

ela não tem sido ignorada. Pelo contrário, ganhou espaço de meados dos anos 1990 para cá.

mada tem maior capacidade de acompanhar e exigir com mais efetividade uma educação de qualidade.

Temas antes fora do radar, como Educação Infantil, ganharam destaque e entraram, inclusive, no debate eleitoral dos municípios nos últimos

É função do jornalismo buscar informações

anos. As informações estatísticas de avaliações –

confiáveis, debatê-las, além de exercer um controle

que tiveram papel preponderante na elevação do

social sobre políticas e práticas. Essas ações decor-

status da educação no noticiário – passaram a ter

rem da escolha de uma agenda de prioridades,

divulgações mais completas e complexas, o que

que deve ser combinada ao esforço de ampliar as

contribui para uma produção jornalística mais

vozes presentes no debate.

contextual.

Mas o jornalismo tem conseguido isso? A

As recentes divulgações das informações do

abordagem hoje na imprensa tem colaborado

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

com a qualificação do debate educacional?

(Ideb) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxeram, por exemplo, dados sobre os

É difícil responder assertivamente. Com

níveis socioeconômicos das escolas e oferecem

exceção de veículos especializados, a cobertura

leituras mais ricas do que simples ranqueamen-

sobre educação não se encontra à parte da confi-

tos. Entretanto, trabalhar com essas informações

guração e disputas que organizam a produção

no ambiente jornalístico, de velocidade e pressão,

jornalística, guiada, sobretudo, pela temperatura e

requer profissionais especializados.

apelo da notícia. Soma-se a isso um momento de rápida transformação tecnológica no ambiente da

A tese de doutorado defendida pelo jornalis-

comunicação, permeada por uma crise do modelo

ta e pesquisador Rodrigo Ratier na USP em 2015

jornalístico.

traz algumas informações relevantes para entendermos a configuração presente hoje na cobertura

Esse contexto não favorece um tema carate-

especializada.

rizado pela sua complexidade, como a educação. É, portanto, uma batalha diária impor aborda-

Intitulada “Jornalismo e jornalistas de educa-

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ção no Brasil: Um olhar multifocal sobre história,

Se buscamos um maior protagonismo da

estrutura, agentes e sentidos”, o estudo aponta

sociedade no debate educacional, precisamos

que, dos menos de 100 jornalistas identificados

avançar. O jornalismo tem obrigação de romper

pela pesquisa que trabalham com educação no

com a preponderância de abordagens situadas

país, 74% afirmam que a formação universitária

entre o catastrofismo e o deslumbramento. A

não contribuiu para aquisição de conhecimentos

discussão mais madura sobre educação no país

sobre o tema.

passa por uma produção jornalística não só mais presente, mas também que fuja de simplificações.

Além disso, 99% desses profissionais jamais receberam

alguma

formação

para

trabalhar

Uma

transformação

que

não

depende

com educação. Uma realidade que precisa ser

apenas de decisões editoriais ou empresariais,

combatida.

mas passa por um movimento amplo de fomento, atenção e responsabilidades.

As faculdades de jornalismo, por exemplo, têm formado uma quantidade expressiva de jovens jornalistas com interesse em trabalhar com política, economia, esportes e cultura. Mas são poucos os que veem na educação uma carreira.

* Paulo Saldaña é repórter de Educação do jornal Folha de S.Paulo desde março de 2016. Antes, atuou por mais de seis anos no jornal O Estado de

Falta formação inicial específica na área, o

S. Paulo, sobretudo na cobertura do tema. É diretor

que acaba colaborando com a baixa sedução que o

da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).

tema provoca. É ainda curioso que, nesse ambiente virtual de novos projetos jornalísticos independentes, são raríssimos aqueles com foco em educação.

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Junho

O plano de país para o Brasil pode começar pelo currículo Por Ilona Becskeházy* No momento em que o país parece perplexo

com infraestrutura rarefeita, precisa de um currícu-

com as revelações escandalosas sobre corrupção e

lo bem claro, bem ordenado e bem estruturado,

com a situação não menos vergonhosa da econo-

que mostre claramente o que se espera que os

mia, parece um luxo querer debater um novo currí-

alunos aprendam em cada ano letivo, mas com

culo para a educação nacional.

uma “barra” de qualidade bem mais alta.

Entretanto, tivéssemos feito essa discussão

Ontário, por exemplo, decidiu que em termos

e implementado um currículo de padrão de país

de compreensão textual seus alunos atingiriam o

desenvolvido nos últimos 20 anos, o desemprego,

nível 3 do PISA no 6º ano, que é quando termina

o desalento da juventude e a capacidade de supe-

a educação primária na província canadense. No

rar problemas estruturais poderiam ser diferen-

Reino Unido, os alunos aprendem mais estatística

tes, possivelmente para melhor. Currículo não faz

antes de entrar no Ensino Médio que um aluno de

milagres, mas ajuda a mudar um país de maneira

primeiro ano universitário no Brasil na maior parte

estrutural.

dos cursos de humanas. Em Portugal, os Lusíadas e a Carta de Pero Vaz de Caminha são obrigatoria-

Aparentemente, é por isso que a sociedade

mente ensinados no 9º ano.

brasileira vem clamando: um país menos injusto, mais rico, com melhor padrão de vida e com um

Mencionando essas diferenças outro dia

Estado que trabalhe para seu povo, não apenas

ouvi de um típico representante do corporativis-

para seus sócios. Um país que pode ser construído

mo tupiniquim, “mas olha o nível de renda desses

a partir de instituições respeitáveis sim, incluindo

países”. Então o raciocínio (ou o argumento falacio-

educação pública de alta qualidade.

so) é: pobre não deve ler Camões. Ou, se professor brasileiro não ganhar o equivalente a um professor

Se neste momento avassalador for possí-

português, não deve trabalhar o Poeta com seus

vel debater o tema, o primeiro argumento a se

alunos. Foi esse mesmo corporativismo que conse-

abandonar é deixar de comparar a versão 2 do

guiu fazer passar um Plano Nacional de Educação

documento da Base Nacional Comum Curricular

que gostaria de abocanhar 10% do Produto Interno

(BNCC) com sua antecessora e compará-la com

Bruto (PIB), formar o máximo possível de professo-

os documentos curriculares de países desenvolvi-

res em nível de mestrado e doutorado, apenas para

dos, como algumas províncias do Canadá, o Reino

alcançar, em 2024 o nível 2 do PISA para os alunos

Unido, a França, e Portugal e o americano Common

de 15 anos, normalmente no 1º ano do Ensino

Core. Melhor esquecer a Austrália como referência

Médio, ou seja, entregaríamos 1/10 da nossa produ-

curricular, pois é um documento cheio de “pontas

ção de riqueza para em mais 8 anos chegarmos

soltas”. O Brasil de hoje, com seus docentes fragil-

com nossos alunos um nível abaixo do que Ontário

mente preparados, que precisam educar crianças

chega hoje para os alunos de 12 anos.

e jovens de famílias de baixo nível sociocultural, com um dia letivo de menos de 4 horas e escolas

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Mesmo que hoje seja mais importante e

se fez no mundo, ou se deixem levar pelos feudos

urgente comparar taxas de juro, decisões do STF

acadêmicos e sindicais, ou mesmo apenas pela

e do Congresso Nacional, não podemos descuidar

inexperiência com as referências internacionais.

do debate específico do que a BNCC vai determinar

Mesmo que não se as conheça em profundidade

em termos de objetivos pedagógicos. Com certeza,

hoje, ainda dá tempo de fazê-lo. Quanto à socieda-

é possível fazer muito mais com o que se gasta

de brasileira, a exigência de altos padrões curricu-

hoje com educação, objetivos mais arrojados ainda

lares deve pautar as novas palavras de ordem das

podem ser introduzidos. Entretanto, com objetivos

ruas daqui pra frente.

pedagógicos realmente ambiciosos e um pouco mais de recursos bem alocados, pode-se fazer uma verdadeira revolução educacional no país.

*Ilona Becskeházy é jornalista e mestre em

Por exemplo, é preciso especial atenção

Educação, com pesquisa voltada para a análise

com o início da escolarização, devemos exigir

internacional de currículos escolares. É uma das

que a BNCC mapeie e explicite todos os objetivos

vozes mais ativas no debate sobre a Base Nacional

pedagógicos desde a educação infantil que levam

Comum no Brasil.

à alfabetização, caracterizada pela leitura fluente e escrita de textos curtos por todos os alunos, até o fim do 1º ano do Ensino Fundamental. Não no 3º, como conseguiram impor os super combativos corporativistas da educação. Se o aluno aprende a ler a escrever apenas com 8 anos, como pode compreender, analisar e comparar textos mais complexos e antagônicos aos 12 anos, ou mesmo aos 15, o que nos faria alcançar, em média, o nível 3 do PISA como os países da OCDE? O Estado brasileiro deve garantir à sua população uma educação de país desenvolvido, de padrão FIFA, mas sem a corrupção desta. Da mesma forma que apanhamos na Copa do Mundo e vamos passar maus bocados na operacionalização das Olimpíadas, vamos continuar vivendo vexame com nossa educação se a BNCC não for um documento realmente inovador e audacioso. Temos uma incrível oportunidade de virar a mesa agora e estabelecer padrões de desempenho para nossa educação dos quais não tenhamos mais que nos envergonhar. Cabe às autoridades máximas da educação brasileira comandar a elaboração de um documento de padrão internacional, sem concessões. Pode ser que elas façam como as suas contrapartes e estabeleçam comitês de especialistas que façam uma revisão bibliográfica do que melhor

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Julho

Educação e Federalismo no Brasil Por Mariza Abreu* Federação desde a proclamação da Repúbli-

Além de organizar o sistema federal e finan-

ca em 1889, o Brasil é um dos 28 Estados Federados

ciar as instituições federais de ensino, a legislação

entre os pouco mais de 190 países participantes

vigente determina à União o exercício da coorde-

da ONU. Numa Federação, governos nacional e

nação da educação nacional, por meio da função

subnacionais, todos eleitos, gozam de autonomia

supletiva e redistributiva, com assistência técnica

e, portanto, as relações de poder entre eles devem

e financeira à educação básica, por exemplo, via

ser de negociação.

complementação

ao

Fundef/Fundeb,

progra-

mas do FNDE, Bolsa Escola/Bolsa Família; função No Brasil, a Constituição Federal (CF) de 1988

normativa, por meio de normas gerais para a

institucionalizou os Municípios como entes fede-

educação nacional, ou seja, de leis e decretos fede-

rativos, ao lado dos Estados e do Distrito Federal

rais e atos normativos do Conselho Nacional de

(DF), e dispôs que o federalismo brasileiro deve ser

Educação; e função de planejamento e avaliação,

cooperativo. Entretanto, a implementação dessa

por meio do sistema nacional de informações e de

cooperação enfrenta problemas como a concentra-

avaliação educacional e dos planos de educação,

ção tributária na União, com a consequente depen-

por exemplo, Censo Escolar, Saeb, Prova Brasil,

dência financeira dos governos subnacionais; a

Enem, PNE.

falta de coordenação federativa, por um lado, pela indefinição do papel dos Estados e relação direta

Entre problemas do federalismo brasileiro na

da União com os Municípios e, por outro lado, pela

área educacional, destacam-se, em primeiro lugar,

não representação institucional dos Municípios no

os conflitos permanentes entre Estados e Muni-

Congresso Nacional, que decide a repartição do

cípios. Eles competem entre si por recursos, por

bolo tributário e das competências federativas; e a

exemplo, pela disputa das matrículas do Ensino

ausência de espaços deliberativos entre os execu-

Fundamental, que são repartidas entre as redes

tivos dos entes federados, para implementação de

estaduais e municipais de diferentes maneiras

políticas de cooperação.

e proporções. Por exemplo, no Paraná 97,9% das matrículas nos anos iniciais do EF são municipais e

Na educação, a CF e a Lei de Diretrizes e

99,9% das matrículas nos anos finais são estaduais.

Bases da Educação Nacional (LDB) dispõem sobre

No outro extremo, no Ceará 95% das matrículas

a repartição de competências entre os entes fede-

em todo o EF são municipais.

rados para oferta da educação escolar na forma de áreas de atuação prioritária, não de responsabili-

A partir de 2007, com o Fundeb, Estados e

dade exclusiva, sendo o Ensino Fundamental (EF)

Municípios contrapõem-se na fixação das ponde-

competência comum de Estados e Municípios, e

rações do valor anual por aluno em cada nível e

sobre a organização dos sistemas de ensino fede-

modalidade da educação básica, que regulam a

ral, estaduais/distrital e municipais em regime de

redistribuição do montante do respectivo Fundeb

colaboração, expressão exclusiva da educação.

estadual para cada Município e o governo do Estado.

10 reflexões sobre a educação brasileira

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Em várias Unidades Federadas (UF), governos

transfere sua execução a Estados/DF e Municípios.

estaduais e municipais divergem sobre o financia-

Apesar de avanços como a Comissão Intergover-

mento do transporte escolar dos alunos das redes

namental de Financiamento para a Educação

estaduais de ensino, executado pelas Prefeituras,

Básica de Qualidade, instituída pela Lei do Fundeb

que reivindicam o repasse de recursos equivalen-

em 2007, e o Grupo de Trabalho Permanente do

tes aos custos por parte dos respectivos governos

Transporte Escolar (GTP-TE), criado por portaria em

dos Estados. Convênios e leis estaduais têm enca-

2009, são ainda insuficientes os espaços delibera-

minhado, mas não resolvido esse conflito.

tivos no âmbito federal, para assegurar o regime de colaboração. E a União costuma dirigir-se aos

Conflito semelhante sobre a distribuição dos

Municípios, sem o conhecimento dos respectivos

recursos do salário-educação, antes transferidos

governos estaduais, ou mesmo às escolas públicas,

aos Estados para repasse às Prefeituras, somente

sem a participação de Estados e Municípios.

foi resolvido com a transferência direta pela União aos Municípios dos valores relativos à cota municipal dessa contribuição social.

Diferentes propostas têm se apresentado para aperfeiçoar o federalismo na educação brasileira. Entre elas, a federalização da educação básica

Após 1988, com a possibilidade de os Muni-

e a organização do Sistema Nacional de Educação

cípios organizarem sistemas municipais de ensino,

(SNE), previsto no art. 214 da CF, com a redação

de forma autônoma e paralela ao pré-existente

dada pela Emenda Constitucional (EC) 59/2009, e

sistema estadual, todos subordinados às normas

na Lei 13.005/2014, que aprovou o Plano Nacional

gerais da educação nacional, podem-se encontrar

de Educação (PNE) para o decênio 2014-2024, que

escolas estaduais e municipais na mesma munici-

contém estratégia com o prazo de dois anos para

palidade com organizações pedagógicas diversas

dispor sobre o SNE, por lei complementar.

entre si. O Projeto de Lei do Senado (PLS) 320/2008 Em segundo lugar, é insuficiente o exercí-

propõe a federalização como solução para as desi-

cio da função supletiva e redistributiva da União

gualdades sociais e regionais na educação básica

na educação. Apesar do aumento de recursos para

brasileira. Aprovado no Senado Federal (SF), trami-

a complementação ao Fundeb, em relação ao

ta na Câmara dos Deputados (CD) como Projeto de

que fora no Fundef, e da extensão dos programas

Lei (PL) 2286/2015, onde já recebeu parecer favorá-

suplementares da alimentação e transporte esco-

vel do relator, ainda não apreciado na Comissão de

lar para toda a educação básica a partir de 2009,

Educação (CE). Essa proposição autoriza o governo

antes somente para o EF, a União ainda participa

federal a criar o Programa Federal de Educação

com proporção insuficiente no financiamento da

Integral de Qualidade para Todos (PFE) e da Carrei-

educação básica e, em consequência, persistem

ra Nacional do Magistério da Educação de Base

desigualdades regionais inaceitáveis.

(CNM), nas escolas públicas da educação básica do

Por fim, em terceiro lugar, decorrente da concentração tributária, há também concentração de poder decisório na União, em detrimento da autonomia dos entes federados. Por meio de transferências voluntárias, o planejamento e a formulação das políticas encontram-se cada vez mais sob responsabilidade do governo federal que

Estados/DF e Municípios. O PLS prevê implantação progressiva do PFE e a administração descentralizada das escolas participantes, sob a coordenação dos prefeitos e governadores. Esse programa não transformaria os entes federativos subnacionais em gerentes executores das políticas do governo federal, em desrespeito à sua autonomia?!

10 reflexões sobre a educação brasileira

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Ao mesmo tempo, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP)

sos destinados à educação básica, sem representação dos Estados/DF e Municípios.

413/2014, com Substitutivo apresentado na CE, ainda não votado, que regulamenta as normas de

Por fim, é preciso garantir que a necessá-

cooperação previstas na CF (art. 23, par. único) e

ria participação de representações da sociedade

institui o SNE.

em órgãos colegiados de fiscalização e controle social, como os conselhos do Fundef/Fundeb e da

Sem aprofundar a análise do PLP, cabe

merenda escolar, e/ou de formulação das políticas

chamar atenção para o risco de o SNE vir a descon-

públicas setoriais, com os conselhos de educação,

figurar, em lugar de fazer avançar, o regime de

não continue a implicar partidarização ou sindica-

colaboração entre a União, Estados/DF e Municí-

lização das políticas públicas, pela ocupação dos

pios na educação brasileira por um processo de

espaços por parcelas mais “mobilizadas” da socie-

re-centralização das políticas educacionais no país.

dade e grande influência de grupos organizados, notadamente sindicatos de professores e partidos

Para aperfeiçoar o federalismo na educação

políticos. O desafio é articular os interesses gerais

brasileira, a legislação do SNE precisará, em primei-

da população com interesses particularizados de

ro lugar, definir com mais clareza as competên-

segmentos da sociedade, e os interesses legítimos

cias de cada nível de governo, a fim de reduzir ou

dos professores por valorização profissional com a

eliminar os conflitos entre Estados e Municípios.

necessidade intransferível de aprendizagem dos

Por exemplo, com melhor definição das responsa-

alunos da escola pública brasileira.

bilidades pelo EF e pelo transporte escolar. Em segundo lugar, a Lei do SNE deverá assegurar maior participação da União no finan-

*Mariza Abreu é representante da Confedera-

ciamento da educação básica, no cumprimento

ção Nacional dos Municípios, tendo atuado como

de sua função supletiva e redistributiva, de forma

secretária de Educação e consultora legislativa no

a completar a universalização do atendimento

Congresso Nacional.

educacional às crianças e jovens de 4 a 17 anos e reduzir progressivamente as desigualdades regionais. Por exemplo, com maior complementação da União ao Fundeb, ou o fundo que vier a lhe suceder a partir de 2021, mais recursos para as transferências legais (como programas da alimentação e transporte escolar) e valores diferenciados dessas transferências por grupos de Municípios de acordo com indicadores só-econômicos e educacionais a serem definidos para cada uma delas. Em terceiro lugar, o SNE deverá institucionalizar espaços interfederativos deliberativos em âmbito nacional e estadual. Por exemplo, não se justifica que o Conselho Deliberativo do FNDE tome as decisões sobre a aplicação da cota federal do salário-educação, assim como de outros recur-

10 reflexões sobre a educação brasileira

14


Agosto

O Ensino Médio e o golpe de caneta Por Claudio de Moura Castro* As mazelas do ensino brasileiro não são

quem pretende ascender ao ensino superior. Para

poucas. De fato, melhorar educação é lidar com

a maioria que nele encerra sua escolaridade, faz

uma multidão de fraquezas. Pior, as tentativas de

mais sentido aprender o que servirá mais imediata-

eliminá-las vem se revelando pouco eficazes.

mente na vida, em vez de conhecimentos somente úteis em um curso superior. E por ser distante do

Mas no Ensino Médio temos algo diferente. É verdade, os mesmos problemas estão presentes, a

mundo dos alunos, a escola é vista como supremamente chata e desinteressante.

exemplo das deficiências na formação dos professores. Contudo, muitos escolhos são apenas o resul-

Os assuntos tratados em um curso técnico

tado de decisões e leis infelizes. Ou seja, equívocos

são arrogantemente considerados menores e não

devastadores poderiam ser eliminados com golpes

são aceitos como créditos do Ensino Médio. É como

de caneta. Vejamos.

se desenho técnico, eletricidade ou aplicações da mecânica sejam assuntos subalternos e indignos.

Para o filósofo A. Whitehead, o que quer que

O resultado prático dessa discriminação é que o

se estude, que seja com profundidade. O aprendi-

curso técnico impõe cerca de mil horas adicionais,

zado que interessa não é decorar uma coleção de

já que não se aceitam tais disciplinas no currículo

fatos e datas, mas o mergulho em profundidade

acadêmico. Na prática, a alunos de origem modes-

nos princípios e teorias. Só assim aprendemos a

ta se impõe uma presença mais longa em uma

pensar com rigor. Mas nossos currículos transbor-

escola aborrecida e já sobrecarregada de matérias.

dantes não permitem que isso aconteça. Antes de

Só no Brasil é assim.

entender, salta-se para o próximo tópico, pois são disciplinas demais, assuntos demais e informação em excesso.

Tudo isso é fácil de ser consertado. A caneta faria o serviço. Algum especialista médico explica a paralisia nas mãos de quem deveria assinar?

No Ensino Médio, nenhum país conhecido oferece um conjunto único de disciplinas. Por boas razões, pois os que gostam de Literatura podem detestar equações. Outros gostam de Física e tropeçam na História. Nem há tempo útil para

*Claudio de Moura Castro é economista, professor e pesquisador em educação.

estudar tudo com um mínimo de profundidade e nem faz sentido insistir no que o aluno não gosta. Mas é exatamente isso que obriga a escola média brasileira: o mesmo é demais para todos. Considerando que a maioria dos alunos não ultrapassa esse nível, ainda menos sentido faz se esse currículo único estiver apenas voltado para

10 reflexões sobre a educação brasileira

15


Setembro

Foco na Primeira Infância e a necessidade de uma Educação Infantil de qualidade Por Daniel Santos e Felipe Polo* Muitos estudos recentes, internacionais e

Dois grandes estudiosos do desenvolvimen-

nacionais, reportam a potencialidade de gran-

to infantil, Ross Thompson, da Universidade da

des ganhos com o envolvimento das crianças em

Califórnia, e Charles Nelson, de Harvard, sistema-

programas de Educação Infantil, como creche

tizaram o desenvolvimento do cérebro humano e

e pré-escola. A frequência da criança no Ensino

concluíram que grande parte do desenvolvimen-

Infantil de qualidade estimula o desenvolvimento

to de nossas habilidades primordiais para a vida

cerebral como um todo: aspectos cognitivos, moto-

se dá na infância. Na Figura 1 (abaixo) é possível

res e linguísticos, além de considerável impacto no

checar algumas das evidências encontradas em

desenvolvimento socioemocional dos alunos, cuja

seus trabalhos sobre as fases de desenvolvimen-

duração transborda o ciclo escolar e influencia o

to cerebral e respectivas suscetibilidades para o

bem-estar até mesmo na vida adulta.

aprendizado:

O gráfico deixa evidente que até os cinco anos

janela de desenvolvimento se fechou. Assim como

de idade há ápices de desenvolvimento auditivo,

ambientes estáveis e estimuladores, fisicamente e

visual, e linguístico. Além disso, grande parte das

intelectualmente, são propícios para o desenvolvi-

funções cognitivas superiores se desenvolve nessa

mento individual pleno, ambientes estressantes e

fase da vida. Isso reforça a ideia de que a ausência

com falta de estímulos podem ser prejudiciais às

de estímulos e desenvolvimento adequados no

crianças, afetando posteriormente aqueles jovens

início da vida gera déficits que acompanharão o

e adultos que entrarão na escola, participarão do

indivíduo ao longo de sua existência. Em contra-

mercado de trabalho e/ou constituirão família.

partida, a figura também indica a dificuldade de compensar esses déficits mais tarde, quando a

Grande parte da responsabilidade de criar

10 reflexões sobre a educação brasileira

16


um ambiente favorável ao desenvolvimento recai

nos maiores do que investimentos no aprendizado

sobre a família nos primeiros anos de vida da crian-

realizados em outras fases da vida. ´

ça, e como as famílias são heterogêneas já muito cedo se notam diferenças importantes entre bebês

O Brasil, nas últimas duas décadas, andou a

que desfrutaram de ambientes favoráveis e aque-

largos passos no desenvolvimento de sua Educação

les que passaram por privações. É papel do Estado

Infantil, e obteve inúmeras conquistas. No final da

mitigar desigualdades de oportunidades em geral,

década de 90, menos da metade das crianças com

e em especial as surgidas nessa fase da vida, que

idade entre 4 e 5 anos frequentava pré-escolas, e

como vimos é tão importante para os resultados

menos de 10% das crianças entre 0 e 3 anos esta-

de bem-estar usufruídos a partir de então. Dentre

vam em creches. Hoje, estes números subiram para

as políticas que podem ser efetivas em apoiar o

aproximadamente 90% e 30%, respectivamente,

desenvolvimento da criança pequena, a escola

e parte isso se deve à Emenda Constitucional 59

ocupa papel de destaque, pois aí a criança passa

(2009), que reduziu para 4 anos a idade obrigatória

grande parte do tempo que, se bem aproveitado,

de ingresso no ensino formal. O esforço de expan-

pode compensar e até superar eventuais carências

são do ensino infantil também se manifesta sobre

de estímulos e atenção.

as exigências impostas aos profissionais deste setor: enquanto somente 20% dos professores tinham

Muitos programas avaliados em trabalhos científicos, sobretudo meta-análises, têm encon-

formação além do Ensino Médio nos anos 90, hoje esse percentual é quase três vezes maior.

trado impactos positivos de creches e pré-escolas de qualidade sobre notas durante o ciclo escolar;

Entretanto ainda existem diversos problemas.

menor envolvimento com violência; famílias mais

Dificuldades de acesso e inclusão da população de

estáveis e condições melhores de saúde no futuro.

menor renda nos programas de desenvolvimento

Além dessa gama de benefícios, também há

infantil são alguns deles. Mas principalmente, a

grandes evidências de que frequentar programas

qualidade destes serviços ofertados pelo Estado é

voltados à Educação Infantil tem efeitos benéficos

dúbia, e isso pode em muito reduzir – ou até não

e duradouros sobre o desenvolvimento socioe-

produzir – os efeitos positivos desejados na vida

mocional das crianças. Por exemplo, crianças que

futura dessas crianças, como apontado pela litera-

passaram pela Educação Infantil tendem a ter

tura científica e relatórios do Banco Interamericano

mais estabilidade emocional, incluindo menor

de Desenvolvimento. De fato, em amplo levanta-

probabilidade de desenvolver transtornos depres-

mento feito em seis capitais brasileiras a imensa

sivos ou de ansiedade. No âmbito interpessoal, há

maioria de nossas creches e pré-escolas não atin-

documentação de efeitos positivos sobre sociabi-

giu sequer o nível “adequado” em escala interna-

lidade e autoestima, dentre outras características

cionalmente reconhecida.

importantes para a formação de uma estrutura emocional e social sólida.

Apesar disso, existem pontos positivos em nosso contexto. O país possui mais de 5000 muni-

Em outra perspectiva, James Heckman,

cípios, muitos dos quais com intervenções inovado-

Prêmio Nobel em economia, tem grande parte

ras e promissoras de Ensino Infantil, e que precisa-

de suas pesquisas voltadas ao entendimento dos

riam ser mais frequentemente avaliadas para que

retornos associados aos investimentos em Capital

o restante do país conhecesse seus benefícios. No

Humano no princípio da vida. Um dos resultados

município de Petrolina, por exemplo, uma parceria

mais importantes alcançados pelo pesquisador é

do município com empresários locais e o Instituto

que investimentos em Educação Infantil têm retor-

Alfa e Beto introduziu a presença do aconselhador (coach) em creches e pré-escolas, para que, junta-

10 reflexões sobre a educação brasileira

17


mente com os docentes destas instituições, se

aprendizado. No entanto, é importante atentar-se

avaliasse a qualidade das aulas e do vínculo entre

a formas de as políticas atingirem seu público alvo

educadores e crianças. A intervenção foi avaliada

com eficácia, oferecendo programas de qualidade.

e hoje se sabe que contribuiu significativamen-

O Brasil tem feitos grandes avanços no que diz

te para o aumento da capacidade cognitiva das

respeito à mobilização, no entanto, ainda há muito

crianças, dentre outros resultados positivos.

o que melhorar.

Por fim, é importante recapitular que a Primeira Infância é um período crucial para o desenvolvimento do ser humano. Evidências nos

*Daniel Santos e Felipe Polo são pesquisa-

mostram que os melhores investimentos feitos em

dores da Faculdade de Economia, Administração

capital humano são feitos em idades menos avan-

e Contabilidade da Universidade de São Paulo em

çadas e isso se deve ao grande desenvolvimento

Ribeirão Preto (FEA-RP/USP).

que as pessoas podem ter nos primeiros anos de vida e seus desdobramentos durante o período de

10 reflexões sobre a educação brasileira

18


Outubro

A PEC 241 e os Gastos com Educação Por Marcos Lisboa* O ensino básico tem grandes desafios e

de 50% do PIB para mais de 70% em dois anos, e

problemas a serem enfrentados. A PEC 241 não é

vai continuar aumentando até o fim da década, ao

um deles.

menos.

Os gastos públicos têm crescido cerca de 6% acima da renda do país há duas décadas.

A PEC 241 inicia uma agenda de reformas para impedir o agravamento da crise nos próximos anos.

As razões são várias. Seu principal objetivo é limitar o crescimento Somos um país ainda jovem, mas em

da despesa federal à inflação do ano anterior. Caso

rápido processo de envelhecimento. As nossas

isso não seja possível pelo crescimento vegetativo

regras atuais permitem aposentadorias precoces,

dos gastos como previdência, a PEC limita aumen-

resultando numa idade média de aposentadoria

to dos gastos com diversos programas públicos e

por tempo de contribuição de 55 anos, para um

gastos com pessoal.

homem, e 53 anos, para uma mulher. A PEC, no entanto, prevê algumas exceções. O resultado é o crescimento do número de

Primeiro, os gastos com FUNDEB e as transferên-

beneficiários em cerca de 3,5% ao ano. O gasto com

cias para estados e municípios não serão limitados

aposentadorias e assistência social corresponde a

pelo teto do gasto. Segundo, os demais gastos com

quase a metade da despesa do governo federal e

saúde e educação não poderão crescer menos do

vai continuar a crescer rapidamente na ausência

que a inflação do período.

de uma reforma profunda da previdência. Isso significa que a maior parte dos gastos Além disso, desde 1988 foram introduzidas

com educação, mais de 75%, não serão limita-

diversas normas legais que indexam gastos em

dos pela PEC, seja por serem despesas primárias

programas específicos ao crescimento da econo-

excluídas da medida, como FUNDEB, ou por serem

mia, caso do salário mínimo, ou da receita do

gastos não primários, como FIES e PROUNI.

governo, como saúde e educação. A parte dos gastos com educação afetados Por fim, na fase de crescimento da economia,

pela PEC corresponde, principalmente, às escolas

o governo expandiu diversos programas sociais e

técnicas federais e as universidades. Esses gastos

políticas destinadas ao setor produtivo, como as

estão parcialmente protegidos, na medida em que

desonerações e o crédito subsidiado, que onera-

não podem ser reajustados abaixo da inflação do

ram as contas públicas para anos à frente.

ano anterior. Aumentos reais, no entanto, apenas

O resultado é a crise fiscal do governo federal, a longa recessão e uma economia que quando

se compatíveis com a meta geral prevista pela PEC para o gasto público.

tenta crescer e gerar emprego volta a enfrentar

O descontrole fiscal não foi apenas do gover-

uma inflação mais elevada. A dívida pública passou

no federal. Diversos estados enfrentam crises seve-

10 reflexões sobre a educação brasileira

19


ras decorrentes do elevado crescimento dos gastos,

discussão sobre a eficiência e eficácia das políticas

sobretudo com pessoal, na última década.

públicas. Como podem os gastos terem crescido tanto sem a contrapartida de melhores resultados

Alguns estados enfrentam uma crise dramá-

dos diversos programas?

tica, incapazes de pagar em dia até mesmo a folha de pagamento e aposentadorias. Esse é o caso do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Rejeitar a PEC não fortalece a educação, que, aliás, em grande parte, está excluída do limite de gasto previsto pela PEC. Rejeitar a PEC fortalece os

A má notícia é que esses problemas irão se

grupos de interesse que negociam benefícios sem

agravar nos estados e a maioria vai enfrentar uma

a necessidade de avaliar a consistência das diversas

crise fiscal ainda mais grave, incapaz de arcar com

demandas com a solidez das contas públicas.

as despesas para manter políticas essenciais, como a manutenção de hospitais, pagamento de servidores, entre várias outras.

A PEC permite preservar as regras atuais para os gastos federais com educação básica, reduzindo o risco de que a expansão dos gastos, nas demais

A PEC 241 tem por objetivo colaborar para

áreas, leve à volta da inflação crônica, como nos

que uma crise semelhante não ocorra no governo

anos 1980, ou ao colapso da política pública, como

federal. Outras medidas, porém, serão necessárias,

em alguns estados.

como a reforma da previdência. Muitos grupos de interesse serão afetados Existe, porém, uma alternativa para o governo federal que não está disponível para os governos

pela PEC 241. Para benefício dos gastos com educação básica e do interesse da maioria.

estaduais. A volta da inflação crônica. Não parece uma boa alternativa. A PEC 241 protege os gastos com ensino

*Marcos Lisboa é Ph.D em economia pela

básico e procura evitar que o agravamento da crise

Universidade da Pensilvânia e foi secretário de Polí-

fiscal contamine e fragilize as diversas políticas

tica Econômica do Ministério da Fazenda. Atual-

públicas.

mente, ocupa o cargo de diretor do Insper.

Muitas corporações perdem a capacidade de negociar aumentos significativos dos gastos públicos para atender seus interesses, como servidores e os grupos privados beneficiados com subsídios nos últimos anos. A PEC impõe que aumentos reais do gasto com políticas específicas tenham que ter como contrapartida a redução em outros gastos, garantindo a consistência das contas públicas. Não se pode mais, simplesmente, conceder aumentos expressivos e deixar a conta para as gerações futuras, até porque o futuro chegou. A PEC vai colaborar igualmente com a

10 reflexões sobre a educação brasileira

20


Novembro

Qualidade da Educação e Educação Domiciliar: liberdade de ensinar e aprender

Por Luiz Carlos Faria da Silva* Quem casa, quer casa, costuma-se dizer. E

humano disponível em sua população. Se admi-

quem tem filhos, no mundo atual, um dia, e cada

tirmos que a busca do crescimento é legítima,

vez mais cedo, terá que pensar em Escola. E aí

desejável, e mesmo necessária, e que, ausente o

começa um problema.

capital humano, claudicará o crescimento no país, segue-se que a criação do capital humano é de

A maioria de nós sabe, muitas vezes por infor-

alta relevância.

mação indireta – o que pode toldar a percepção real do problema – que os indicadores de qualidade

Ora, a Educação e Instrução são os meios

das escolas públicas brasileiras são preocupantes,

da criação de capital humano. Por isso, as nações,

para dizer o mínimo. Na verdade, eles são desani-

transformadas em sociedades organizadas, sob a

madores. Já sobre os indicadores de qualidade das

forma de Estado, e constituídas em países, insti-

escolas da rede privada de ensino sabemos menos.

tuem sistemas educacionais de educação escolar.

Pior. Nosso juízo sobre a qualidade das escolas

Tais sistemas podem assumir variadas formas de

privadas parece ter um viés. Para o senso comum

organização,

a escola pública é de baixa qualidade. Ao contrário

Mas não há sociedade moderna que não os tenha

do que ocorreria com a escola privada. Os dados,

edificado.

funcionamento

e

financiamento.

entretanto, não confirmam esse juízo. Ao menos Os

integralmente.

recursos

consumidos

na

Educação,

em todo país que possui dimensões e populaFalhas de julgamento em Engenharia e em

ção comparáveis ao Brasil são de grande monta.

Medicina costumam desencadear acontecimen-

A população escolar brasileira frequentando a

tos. Eles são, na maioria das vezes, facilmente

Educação Básica é gigante. O total de matrículas

percebidos. É o que se dá quando um viaduto

em 2013 girava em torno de 50 milhões. Mais de 41

desmorona. Ou quando a casa, mal terminada

milhões nas redes públicas. Mais de 8 milhões na

a construção, começa a mostrar rachaduras. O

rede privada. 142 mil escolas. Mais de 2 milhões de

paciente pode morrer quando um médico deixa

professores.

de distinguir, tempestivamente, se uma infecção é Que perfil cognitivo médio gera, em nossa

viral ou bacteriana.

população infanto-juvenil, a operação de uma Falhas de julgamento em Educação são

estrutura portentosa com a do nosso sistema de

ainda mais graves. No sentido de que os efeitos

educação escolar? A pergunta não é formulada

funestos demoram a ser percebidos. E quando se

agora somente da perspectiva do interesse, legíti-

trata da qualidade da educação escolar em todo o

mo, dos pais. Ela tem um âmbito expandido. Trans-

país a questão não é somente pessoal e familiar. É

formou-se em pergunta que interessa aos pais e ao

questão nacional. Senão vejamos.

país.

O ritmo e o alcance do crescimento econô-

Não menos do que escrutinar a qualidade

mico dos países estão relacionados com o capital

de qualquer serviço ou produto que adquirem,

10 reflexões sobre a educação brasileira

21


pais deveriam saber a quantas anda a qualidade

desastroso, abaixo do mínimo esperado, agora está

da educação escolar brasileira em geral. Assim,

em patamar ruinoso, pouco acima desse mínimo.

agiriam não somente em defesa de seus filhos,

Isso significa que existe uma multidão de alunos

mas, também, em defesa dos interesses do país.

com proficiências muito abaixo do mínimo espera-

Afinal trata-se de cidadãos vivendo sob a égide do

do. Do contrário, a média seria mais alta.

Estado de Direito Democrático, com direitos civis e políticos garantidos, na República Federativa do Brasil.

Para os Anos Finais do Ensino Fundamental, atual nono ano, o fenômeno da queda se repetiu. No mesmo intervalo de tempo. Em 2007 também se iniciou uma lenta trajetória de recuperação. Mas,

O estado da Educação brasileira

ao contrário do que ocorreu nos Anos Iniciais, as proficiências médias dos concluintes do Ensino Fundamental estiveram, em 2013, abaixo do nível

Desde 1995, o Brasil conta com o SAEB –

em que estavam em 1995. Aqui o cenário é dantes-

Sistema de Avaliação da Educação Básica. Bianual-

co. As médias, que já eram inferiores ao mínimo

mente, ao final dos Anos Iniciais e ao final dos Anos

esperado em 1995, caíram, em 2013, para um pata-

Finais do Ensino Fundamental, os alunos passam

mar ainda mais baixo na comparação com 1995.

por testes de Língua Portuguesa, ênfase em compreensão de leitura, e Matemática, ênfase em resolução de problemas. Os resultados dos testes são comparáveis ao longo das edições. Assim os dados permitem uma avaliação sobre a evolução, estabilidade ou involução do naipe de competências cognitivas agregado por fase de escolarização.

Segundo, quando olhamos para a proporção de alunos com aprendizado compatível com o mínimo esperado, e isso dá informação mais valiosa para interpretação do que ocorre, vemos o seguinte: ao final dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, menos da metade dos alunos, a saber, 40%, aprenderam o mínimo esperado em Língua Portuguesa.

Em duas décadas, tempo adequado à

Apenas 35% aprenderam o mínimo esperado em

percepção de tendências no longo prazo, entre

Matemática. Ao encerrarem o Ensino Fundamen-

1995 e 2013, foram 10 edições de testes do SAEB. Os

tal, somente 23% desenvolveram as habilidades de

números mostram, em geral, duas coisas.

leitura consideradas adequadas. Em Matemática, o dado é estarrecedor: apenas 11% são capazes de

Primeiro, quando olhamos para as proficiên-

resolver problemas cujo nível de dificuldade não

cias médias em Leitura e Matemática nas escolas

tem nada de mais para quem frequentou escola

públicas de todo o país vemos que elas estavam

por ao menos 9 anos.

em níveis desastrosos em 1995. Eram inferiores ao mínimo esperado para os períodos de frequên-

O Movimento Todos pela Educação, movi-

cia escolar considerados. As edições do SAEB em

mento da sociedade civil e empresários, estabele-

1997, 1999, 2001 e 2003 e 2005 mostraram queda

ceu cinco metas a serem atingidas até o bicentená-

contínua dessas proficiências. A partir de 2007 elas

rio da independência do Brasil, em 2022. A terceira

passaram a subir. Até voltarem para pouca coisa

delas prevê que, até 2021, 70% dos alunos apre-

acima do patamar ruinoso em que estavam no

sentem aprendizado compatível com o adequado

início do ciclo de aplicação de testes. Isso para a

para o percurso de escolarização cumprido. Pelo

fase dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental,

andar da carruagem, nada nos autoriza a esperar

atual quinto ano. Lembremo-nos que estamos

seu alcance.

falando de média. A média que estava em patamar

10 reflexões sobre a educação brasileira

22


E quanto aos que, concluindo o Ensino Fundamental, passam ao Ensino Médio?

Uma análise mais detalhada, e aqui chegamos às portas do que nos interessa, mostra que, comparados somente os resultados dos alunos

Uma amostra representativa da população

pertencentes ao estrato com nível socioeconô-

escolar com idades entre 15 e 16 anos, em deze-

mico mais alto em cada país, o Brasil é um dos

nas de países do mundo, desde 2000, a cada três

que apresentam a menor proporção de população

anos, inclusive do Brasil, passa por testes de Leitura,

escolar com desempenho enquadrado nos dois

Matemática e Ciências no PISA – Programa Inter-

níveis mais elevados da escala de proficiências. Nas

nacional de Avaliação de Estudantes – organizado

três áreas avaliadas.

pela Diretoria de Educação da OECD – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econô-

Ora, sabe-se que esses alunos tendem a ser

mico. O desempenho médio dos alunos em cada

matriculados em escolas das redes privadas. Ou

país é calculado e, então, comparado. Os relatórios

nas melhores escolas das redes públicas, a saber, as

informam que o Brasil nunca saiu dos 10 últimos

escolas da rede federal. Portanto, nossa educação

lugares na comparação com um número de países

escolar é de má qualidade, em média, também

em que o teste foi aplicado, 43 na primeira edição e

nas redes privadas. Os dados do PISA mostram

mais de 65 na penúltima, em 2012. E mostram que

que o desempenho escolar dos alunos brasileiros

aproximadamente metade de nossos adolescentes

oriundos das famílias cujo nível socioeconômico é

apresenta desempenho em leitura que recai nos

mais alto é flagrantemente inferior ao desempe-

dois níveis mais baixos da escala. Em Matemática

nho escolar dos alunos do mesmo estrato social

essa fração é de dois terços.

nos países da OECD.

O PISA pode ter limitações, mas é fonte repu-

Há mais de uma década a imprensa, mesmo

tada de informação educacional. E é estrela das

que esporádica e timidamente, vinha notando o

avaliações internacionais. Da edição de 2015, cujos

problema da má qualidade da educação na rede

resultados serão divulgados em aproximadamente

privada. E acabou de repetir a ação agora, em 2016.

um mês, mais de 70 países participaram.

Ainda que o tenha feito com base em indicador por cujas limitações evitamos citar: o IDEB.

Alguns alardeiam, com base em relatórios publicados pelo Banco Mundial, e mesmo pela

A mesma Diretoria da Educação da OECD

OECD: no PISA, entre as edições de 2000 e 2012,

responsável pelo PISA, realiza um levantamento

o ritmo da elevação das proficiências médias dos

mundial em que faz, aos professores e diretores das

alunos brasileiros foi um dos mais fortes entre os

escolas públicas e privadas de dezenas de países,

países que experimentaram crescimento em suas

perguntas sobre as condições de trabalho e apren-

proficiências médias nesse período. Mas é preciso

dizagem nas escolas. Trata-se do TALIS – Teaching

dizer que, mesmo que o Brasil dobrasse esse ritmo

and Learning International Survey. Sua primeira

de elevação das proficiências levaria 25 anos, um

edição ocorreu em 2008, em 24 países. A segunda,

quarto de século, para que o desempenho de seus

em 2013, entrevistou professores e diretores de 34

concluintes da Educação Básica se equiparasse ao

países. O Brasil participou das duas edições. Nessa

desempenho dos concluintes da Educação Básica

edição, 14.291 professores brasileiros responderam

nos países integrantes da OECD. Isso se o desem-

ao questionário. Os levantamentos ocorrem a cada

penho deles passasse esses 25 anos no mesmo

cinco anos e a próxima edição está programada

patamar em que estão hoje.

para 2018.

10 reflexões sobre a educação brasileira

23


A leitura dos relatórios mostra outra dimen-

família. Essa prática pode ficar a meio caminho

são grave dos problemas da qualidade nas esco-

das duas formas extremas indicadas no parágrafo

las brasileiras. O Brasil é o país do mundo em que

anterior, envolvendo, por exemplo, a organização

mais os diretores reportam a presença semanal

de um programa de estudos distinto do estabe-

das seguintes ocorrências: cola, vandalismo e

lecido oficialmente, levado a efeito pelos pais,

ameaça, agressões verbais entre estudantes, feri-

em casa, por intermédio de leituras dirigidas dos

mentos causados por ação violenta, intimidação

clássicos da Literatura, nacional e internacional, de

e abuso verbal contra professores e funcionários,

estudos da Geografia, da História pátria e mundial,

uso ou posse de álcool e drogas ilícitas. Além disso,

das Ciências. Isso pode ser levado a efeito indivi-

o relatório informa que ao menos um quarto dos

dualmente, por apenas uma família, ou em grupos,

professores brasileiros dizem despender 40% do

por várias famílias que se reúnem e compartilham

tempo em sala de aula tentando manter a ordem

conhecimentos, recursos e tempo, dedicando-os à

e realizando tarefas administrativas.

educação e instrução de suas crianças.

Como se vê, há outros problemas nas escolas

Pode, também, receber o complemento da

brasileiras. Atos inaceitáveis por qualquer critério

colaboração de professores profissionais, a domicí-

civilizatório começam a se tornar comuns. Esse é

lio, ou em cursos livres de Matemática, de Língua

um ambiente favorável à formação da pessoa e

Estrangeira que as crianças frequentam. Pode,

do cidadão? Nele a integridade moral e física das

ainda, receber um suplemento: a prática de ativi-

crianças, dos adolescentes, dos professores e dos

dades esportivas como a natação, o futebol, as

funcionários estarão garantidas?

artes marciais, que além de favorecerem o desenvolvimento físico e motor, treinam o autocontrole,

O cenário é adverso. E infelizmente, mais uma vez, os dados não dizem respeito somente às

a disciplina, e, por fim, estimulam as interações sociais.

escolas mantidas pelas redes públicas. Nada disso contraria o espírito da Constituição Federal brasileira, que atribui ao Estado e à

Educando em casa

Família a responsabilidade de educar. Ao contrário, nesse aspecto, a educação domiciliar se ampara no dispositivo da CONVENÇÃO AMERICANA DE

Esse é contexto no qual surgem iniciativas heterodoxas. A educação domiciliar é uma delas.

DIREITOS HUMANOS, conhecido como Pacto de San José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, segundo o qual “os pais têm direito a que seus

Pode ir do modelo sugerido no Projeto de Lei

filhos recebam a educação religiosa e moral que

3179/2012, em tramitação na Câmara dos Deputa-

esteja de acordo com suas próprias convicções”. O

dos, atualmente na Comissão de Educação, à orga-

Congresso Nacional aprovou, nos termos do Art.

nização totalmente livre, desescolarizada, em que

5º, § 3º da Constituição Federal, a adesão do Brasil

os pais assumem diretamente, quando querem e

a esse tratado que versa sobre Direitos Humanos.

podem, além da educação, a instrução dos filhos.

Assim, ele tem efeito de Emenda Constitucional e suas disposições estão acima das disposições da

A educação domiciliar vem sendo praticada

Lei Ordinária.

por um número crescente de famílias no Brasil, ainda não estimado com precisão, inclusive com

Nada disso sonega às crianças o direito a

permissão judicial, pelo menos no caso da minha

receber uma formação que vise à preparação para

10 reflexões sobre a educação brasileira

24


o trabalho e para o exercício pleno da cidadania.

aí incluído o direito à inviolabilidade da integri-

Nada disso ameaça ou compromete o necessário

dade, física e psíquica, durante a permanência

processo da socialização, como soem afirmar, equi-

no ambiente escolar. E manteriam seus filhos na

vocadamente, educadores profissionais, muitos

escola se isso estivesse ao alcance perto de casa,

deles altamente qualificados, mesmo contra as

em escola da rede pública, ou privada.

evidências disponíveis. Com efeito, não se tem notícia de uma epidemia de sociopatia, nem de

Esses pais estão convencidos de que nenhum

analfabetismo funcional, entre os milhões de crian-

país pode se autodenominar democrático e livre

ças e adolescentes educados e instruídos sob essa

enquanto aceitar que a posição social e econômi-

forma da educação domiciliar em países nos quais

ca de um só de seus adultos seja determinada no

ela é aceita e regulamentada. Aliás, não temos

nascimento. Eles sabem que o meio mais eficaz e

notícia de jovens educados em casa nos casos das

democrático de quebrar a transmissão intergera-

tragédias de assassinato em massa nas escolas

cional da pobreza é proporcionar uma educação

como recorrentemente temos visto, nos EUA, por

de alta qualidade a todos, indistintamente. Mas

exemplo, mas também no Brasil, como no caso

sabem, também, que a liberdade de ensinar e de

do ex-aluno de uma escola pública que matou 13

aprender, e a liberdade dos pais educarem seus

e feriu outros 13 no bairro de Realengo, no Rio de

filhos segundo suas convicções morais e religiosas,

Janeiro, em abril de 2011, ele mesmo ex-aluno da

são irrenunciáveis se a sociedade quer merecer a

escola.

caracterização de sociedade de homens e mulheres livres.

Nada do que se diz aqui em favor da educação domiciliar é dito em desfavor da necessidade

*Luiz Carlos Faria da Silva é professor adjunto

incontornável da existência da educação escolar.

do Departamento de Fundamentos da Educação

Ao contrário. Entre os pais que resolveram trilhar

da Universidade Estadual de Maringá

esse caminho muitos há que enquanto o seguem participam do debate público e pugnam por uma educação escolar de alta qualidade para todos,

10 reflexões sobre a educação brasileira

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Dezembro

A escola pública – além do currículo Por Marcos Magalhães* Embora seja tema controverso, há uma

As causas são amplamente conhecidas há

razoável concordância entre os especialistas do

anos, porém comete-se a insensatez de persistir

setor sobre qual é o papel da escola na sociedade.

no erro, esperando um resultado diferente. Esta é a

São os seguintes os objetivos mais convergentes:

definição de insanidade, segundo Einstein.

• Transferir para as gerações futuras o conhecimento acumulado pela humanidade;

O atual modelo de escola pública está falido e precisa ser redesenhado.

• Formar um jovem produtivo, capaz de gerar

Para melhor entendermos as mazelas do

riqueza econômica, contribuindo assim para a

Ensino Médio, que é a porta de saída da educa-

prosperidade individual e coletiva;

ção básica, precisamos ter respostas às seguintes

• Desenvolver

perguntas: no jovem o pensamento críti-

co de modo a equipá-lo a tomar as decisões

1. Por que o jovem abandona a escola?

relevantes para a sua vida e capaz de fazer as escolhas políticas acertadas, exercendo a sua cidadania e fortalecendo assim a democracia. Se cotejarmos a recém publicada avaliação do PISA com os objetivos acima e se observarmos onde estão e como estão os nossos 33 milhões de jovens de 15 a 24 anos de idade, facilmente concluiremos que a nossa escola pública tem falhado de maneira expressiva. No PISA estamos posicionados entre os 5 piores em um grupo de 70 países. Entre os nossos 33 milhões de jovens, 90% não sabem o esperado em Matemática e 73% não dominam o que se espera em Língua Portuguesa. O mais dramático: vinte e sete milhões (83%) de jovens jamais chegarão ao ensino superior e não mais que 2% farão um curso profissionalizante. O resultado final é um contingente de 10 milhões de jovens na categoria conhecida como “nem-nem” (nem estuda e nem trabalha) e uma enorme população inseridas no mundo do trabalho por meio de subempregos.

2. Que tipo de escola ele gostaria de ter? 3. Qual o perfil do jovem egresso do Ensino Fundamental? As respostas obtidas através de ampla pesquisa conduziu às seguintes respostas: 1. “A escola é chata”; “Não vejo conexão entre o que a escola ensina e o mundo lá fora”; “Não consigo aprender o que se ensina”. 2. “Atrativa, acolhedora, que eu não seja visto como um intruso”; “Que se interesse por mim, que me oriente”; “Que me escute, eu tenho voz”. 3. Tipicamente de família de baixa renda e em grande parte desestruturada, deficiente na formação acadêmica (3 anos de defasagem de aprendizagem), limitada formação em valores e baixo nível de ambição e auto-estima. Este é o jovem que o nosso professor, com seu limitadíssimo repertório, recebe para educar.

10 reflexões sobre a educação brasileira

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Este cenário, associado às crescentes demandas do mundo do século 21, claramente sinaliza que

equipe escolar motivada, a transformação será possível.

a escola precisa ir muito além do currículo tradicional. A escola precisa, em grande parte, substituir a

Difícil? Caro? Se um Estado com baixo PIB

família no seu papel de co-educadora, ampliando

per capita como Pernambuco mostrou ao país que

o repertório na formação de valores, no desenvolvi-

é possível implantar em 12 anos uma rede de esco-

mento de atitudes e comportamentos e apoiando

las de jornada ampliada no Ensino Médio (50% da

a construção do projeto de vida dos jovens.

rede é em jornada ampliada naquele Estado), com resultados expressivos e comprovados, não há por

Além disso, a escola atual precisa incorpo-

que o Brasil não seguir nesta direção.

rar nas suas metodologias o desenvolvimento das habilidades socioemocionais, componente funda-

Todo o mundo civilizado opera as suas esco-

mental para a formação integral do jovem e para

las com jornada ampliada, desde sempre. Estamos

a maximização das suas competências cognitivas.

atrasados apenas em um século!

Uma escola com tantos desafios requer novos atores: um gestor capaz de liderar uma ampla transformação no ambiente escolar; professores que saiam de sua zona de conforto e trans-

“Escola regular, o que é isso?” Perguntam eles!

*Marcos Magalhães é presidente do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE)

formem-se em educadores em todos os espaços e tempos do ambiente escolar e que a Pedagogia da Presença seja a referência para a prática educativa de todos, como nos ensinou o mestre Antônio Carlos Gomes da Costa. Tudo isto requer um modelo que inicia-se com um Projeto Escolar que deve especificar com clareza quais domínios cognitivos e socioemocionais o jovem deve desenvolver ao longo dos 3 anos. A partir desta definição, deriva-se o Currículo, que é a tradução de como o desenvolvimento destes domínios deve ser realizado e daí, conclui-se quanto Tempo faz-se necessário para a sua plena execução. De modo a saldar a enorme dívida que o país tem com a sua juventude, esta transformação jamais será possível, na sua plenitude com uma escola dita “regular”, com 4 horas de permanência diária e quando muito com 3 horas de atividade docente. As deficiências são tantas e as demandas tão grandes, que só com uma escola de jornada ampliada, com um currículo inovador e uma

10 reflexões sobre a educação brasileira

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