Agronegócio e Desenvolvimento - Pontos de vista

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AGRONEGÓCIO E DESENVOLVIMENTO

“pontos de vista”


Elmar Luiz Floss

AGRONEGÓCIO E DESENVOLVIMENTO

“pontos de vista”

2012


Dedico este livro à minha esposa Sandra Maria, aos meus filhos Luiz Gustavo, Paulo Marcelo e Márcio Felipe; às noras Fabiana, Daniele e Sandra; aos netos Luiz Otávio e Arthur, à neta Samira, ao meu pai João Edwino (in memorian), à minha mãe Olyra e aos irmãos Sérgio, Paulo, Neusa, Nilve, Sônia, Vilson, Ieda, Elton, Airton e Elizabeth (in memorian).


Sumário Introdução ...........................................................................................11 Prefácio 1.............................................................................................13 Prefácio 2.............................................................................................15 A nobre função de produzir alimentos ..................................................17 Produção de alimentos: o maior desafio da humanidade .............................. 17 O mundo busca segurança alimentar .......................................................... 19 Alimentação inadequada de escolares.......................................................... 21 Agricultura e alimentação escolar................................................................ 23 Fome e obesidade ....................................................................................... 24 Disponibilidade de alimentos....................................................................... 25 Frutas e legumes......................................................................................... 26 Mirtilo, saúde e longevidade! ....................................................................... 27 Consumo semanal de peixe ......................................................................... 28 A produção de peixes .................................................................................. 30 Banana: alto valor nutritivo e preconceito.................................................... 30 Brezel, para celebrar a paz .......................................................................... 31 Batata de pobre........................................................................................... 33 Cerveja, um pão líquido!.............................................................................. 34 Rancho mensal: perda de tempo e dinheiro ................................................. 36 O café brasileiro para o mundo.................................................................... 37 Pitanga, uma riqueza ainda não explorada .................................................. 39

Aveia, uma paixão................................................................................41 Aveia e suas múltiplas utilizações................................................................ 41 A pesquisa da aveia na UPF......................................................................... 42 Aveia faz bem ao coração!............................................................................ 45 Aveia e soja na alimentação humana ........................................................... 48 Palhada de aveia, um sustentáculo do sistema de semeadura direta! ........... 49 Aveia dá leite! .............................................................................................. 50 Aveia produz carne! ..................................................................................... 50 Feno de aveia garantia de alimento quando falta pastagem! ......................... 51 Silagem de aveia, um avanço na alimentação de vacas leiteiras! .................. 52

Agronegócio, um sustentáculo da economia brasileira..........................54 Origem e evolução da agricultura ................................................................ 54 História da agricultura no Brasil ................................................................. 56 Agricultura brasileira contemporânea.......................................................... 59 Agronegócio: o sustentáculo da economia do Brasil ..................................... 61 Globalização e gestão no agronegócio .......................................................... 64 Cenários futuros do agronegócio.................................................................. 65 Agronegócio: produzir e exportar para empobrecer?..................................... 67 Alca e agricultura brasileira ........................................................................ 68



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Importações desnecessárias ........................................................................ 69 Agricultura e seus pecados.......................................................................... 71 Dívidas ................................................................................................... 71 Uso inadequado do calcário ................................................................ 71 A falta de cobertura do solo ................................................................ 72 A compactação do solo ............................................................................ 72 Agricultura familiar também é agronegócio.................................................. 74 A quem interessa o dólar desvalorizado no Brasil?....................................... 75 Agricultura e exportação ............................................................................. 77 Exportações sustentam o agronegócio ......................................................... 78 Agronegócio brasileiro: da crise a euforia excessiva...................................... 79 Agricultura e mercado? ............................................................................... 80 Agronegócio em alta .................................................................................... 81 Agroindustrializar para agregar renda ......................................................... 82 Os colonos e os imigrantes .......................................................................... 84 A verdadeira reforma agrária ....................................................................... 85 O cristão e o direito à propriedade ............................................................... 87 Produção de madeira, uma alternativa econômica ....................................... 88 Para que serve o preço mínimo na agricultura? ........................................... 90 Pousio não é solução ................................................................................... 91 Calça jeans mais cara ................................................................................. 92 O que há com o cooperativismo gaúcho? ..................................................... 94

Ciência, tecnologia e o desenvolvimento do Agronegócio .......................96 Ciência, tecnologia e desenvolvimento ......................................................... 96 Altos rendimentos, da calagem à nanotecnologia ......................................... 97 Biotecnologia na agricultura........................................................................ 99 O medo do novo ........................................................................................ 100 Informação, conhecimento e ética.............................................................. 102 Educação e desenvolvimento rural ............................................................ 102 Ensino no meio rural................................................................................. 104 Empreendedorismo e desenvolvimento rural.............................................. 105 Passo Fundo, uma Agrotecnópolis ............................................................. 106 Agricultura do tempo da Brasília ............................................................... 108 Plano safra não é política agrícola!............................................................. 110 Falta infraestrutura no meio rural ............................................................. 111 As feiras de produtores.............................................................................. 112 O Parque Wolmar Salton ........................................................................... 113

A agronergia ......................................................................................116 Diesel caro, alimentos caros! ..................................................................... 116 Produção de etanol no RS.......................................................................... 117 Óleo de canola, na mesa ou no motor? ...................................................... 120

A “santa” soja ....................................................................................122 Soja, produtiva, rústica e nutritiva ............................................................ 122 Importância da soja no Brasil.................................................................... 126 Soja também é um alimento sagrado ......................................................... 128


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Semeadura de soja: devagar, bem devagar!................................................ 130 Soja, uma fábrica de fertilizante nitrogenado ............................................. 132 Adubação de soja via semente ................................................................... 133 Adubação foliar em soja ............................................................................ 134 A soja verde não é tóxica .......................................................................... 136 Rotação de culturas: um imperativo .......................................................... 137

Culturas alternativas .........................................................................139 O feijão nosso de cada dia ......................................................................... 139 Girassol, uma importante oleaginosa......................................................... 140 Cevada, malte e cerveja ............................................................................. 142 Milho no Centro-oeste, trigo no Sul ........................................................... 143 Semeadura do milho, melhor é não se apressar ......................................... 145 A mandioca merece estátuas! .................................................................... 146 Cultivo e uso do linho oleaginoso/ linhaça ................................................ 147 Canola ou colza? ....................................................................................... 151 A canola embeleza a região ........................................................................ 152 Óleo vegetal como combustível .................................................................. 153 Os vinhos e espumantes brasileiros........................................................... 154 Adubação nitrogenada em cereais de inverno ............................................ 155 Pinheiro de Natal! ..................................................................................... 157

A sustentabilidade do Agronegócio .....................................................159 Semeadura direta, conservacionista por excelência.................................... 159 Falta de palha: uma ameaça ao sistema de plantio direto .......................... 161 A palha minimiza a seca............................................................................ 162 Lições da seca .......................................................................................... 164 Estiagens e pecuária ................................................................................. 165 Agricultura, uma indústria de céu aberto .................................................. 166 Irrigação no RS: uma necessidade! ............................................................ 167 Seguro agrícola: público ou privado? ......................................................... 171 Quanta água potável desperdiçada! ........................................................... 173 Excesso de chuva em cereais de inverno.................................................... 174 Água é vida .............................................................................................. 175 A importância da mata ciliar ..................................................................... 176 Agricultura e preservação ambiental.......................................................... 177 Cuidados com o ambiente ......................................................................... 179 Amazônia e agricultura ............................................................................. 180 Agricultura contribui com redução do efeito estufa .................................... 181 Código Florestal e agricultura.................................................................... 183 Devagar, que estou com pressa! ................................................................ 184 La Niña e a agricultura da região! .............................................................. 185 Florestas e água ........................................................................................ 188 Fogo: que triste herança dos trogloditas .................................................... 189 Geadas e agricultura ................................................................................. 190

A biotecnologia na agricultura............................................................192 Soja transgênica: o medo do novo.............................................................. 192


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Finalmente, uma lei para transgênicos? .................................................... 194 O descaso com a soja ................................................................................ 194 Nova lei de biossegurança ......................................................................... 195 Cultivo de milho transgênico está liberado................................................. 196

Trigo e o pão nosso de cada dia..........................................................199 Trigo, farinha e pão! .................................................................................. 199 Trigo: produção nacional ou importação .................................................... 200 Trigo para pão francês............................................................................... 201 Trigo: somente com rotação de culturas .................................................... 202 É tempo de separar o trigo do joio ............................................................. 204

Nutrição de culturas .........................................................................206 Cuidado com excesso de fósforo na linha................................................... 206 Adubação nitrogenada em milho ............................................................... 207 Deficiência de zinco em milho.................................................................... 208 Cuidado com o calcário em excesso ........................................................... 209 Planta não come. Somente bebe! ............................................................... 210

Produção animal................................................................................212 Produção de leite: oportunidades e desafios............................................... 212 A importância da produção de leite............................................................ 213 Leite: produção e qualidade ....................................................................... 214 Pastejo adequado de forrageiras de inverno ............................................... 216 Palha não é feno........................................................................................ 217 Integração lavoura-pecuária de leite .......................................................... 218 Conservação de forrageiras.............................................................................. Vacas na casa ou morando no estábulo! .................................................... 221 Agrotecno Leite, desde 2007 ...................................................................... 222 O leite é caro? .......................................................................................... 223 Avicultura, oportunidades na região .......................................................... 225

O desafio de aumentar a produtividade com rentabilidade .................227 Aumento de rendimentos, um desafio!....................................................... 227 Fatores que influem no rendimento das culturas ....................................... 228 Influência genética ........................................................................... 229 Influência ambiental......................................................................... 229 Influência do manejo ou tratos culturais .......................................... 230 Influência hormonal ......................................................................... 231 Plantas também têm estresses .................................................................. 232 Reposição hormonal também em plantas................................................... 233 A nanotecnologia biológica! ....................................................................... 235 Faltam raízes para altos rendimentos ........................................................ 235 Semeadura ou sepultamento de sementes? ............................................... 237 Moléstias no final de ciclo da soja.............................................................. 238

O Agronegócio, do local ao internacional ............................................240 O desafio inadiável do desenvolvimento regional ........................................ 240 Agricultura em Passo Fundo .................................................................... 242 Cooperativismo................................................................................. 243


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Pecuária de corte.............................................................................. 244 Pecuária de leite ............................................................................... 244 Frangos de corte............................................................................... 245 PIB do agronegócio de Passo Fundo........................................................... 246 Vacaria, exemplo de desenvolvimento ........................................................ 246 Gaúchos na terra prometida...................................................................... 248 Querência-MT – Tchê! ............................................................................... 249 Novas fronteiras agrícolas.......................................................................... 250 O Brasil precisa de ferrovias ...................................................................... 250 A conquista do cerrado.............................................................................. 251 Espanha: da miséria para a riqueza .......................................................... 253 Agricultura brasileira no Paraguai ............................................................. 254 A pujante agricultura chilena ................................................................... 256 O agronegócio argentino ........................................................................... 259 Impressões sobre agricultura na Finlândia ................................................ 260 Churrasco em Paris................................................................................... 261 Brasil na Alemanha com futebol e café ...................................................... 263 Alemanha, cerveja e também vinho ........................................................... 264 Tulipas holandesas no Canadá .................................................................. 266 Merscosul: livre comércio ou livre contrabando? ........................................ 268 Aveia na “bucólica” Aberystwith................................................................. 269

A desobediência ao dicionário ............................................................272 Precipitação pluviométrica, que perigo!...................................................... 272 A soja e não “o soja” .................................................................................. 272 Graus centígrados ou Célsius? .................................................................. 273 Cereais...................................................................................................... 273 Legume ..................................................................................................... 274 Bushel, Fahrenheit, jardas e outras americanas ........................................ 274 Gatorros, câncer em morangos e outras pérolas ........................................ 276 Ipê em flor: acabou o frio? ......................................................................... 277 Ligustro e a indústria da doença ............................................................... 278

Minhas homenagens ..........................................................................280 Cinquentenário da Faculdade de Agronomia.............................................. 280 Cepa/UPF: um centro que deu certo.......................................................... 281 Curso de veterinária/UPF completou 15 anos............................................ 284 Embrapa Trigo .......................................................................................... 285 Expodireto Cotrijal: origem, evolução e importância .................................. 287 Origem ............................................................................................. 287 A Agropasso ..................................................................................... 288 Início da Expodireto ......................................................................... 289 Evolução da Expodireto Cotrijal........................................................ 289 Importância...................................................................................... 290 Importância social ............................................................................ 290 Busca de uma política agrícola ......................................................... 291 Influência regional............................................................................ 292


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O legado de Norman Borlaug ..................................................................... 292 Agronomia perde seu professor Honoris Causa .......................................... 294 Cirne Lima, Doutor Honoris Causa da UPF ................................................ 296 Brizola e a Faculdade de Agronomia/UPF .................................................. 298 Alysson Paulineli, um exemplo .................................................................. 300 Amigo Ronald Bertagnoli ........................................................................... 301 A agricultura brasileira perdeu Moacir Micheletto...................................... 302 Ceres, a deusa da agricultura.................................................................... 304 Sicredi comemora 25 nos .......................................................................... 308 Bruno Edmundo Markus, grande legado ................................................... 309 Um tributo a Murilo Coutinho Annes......................................................... 310 Alcides Guareschi, um amigo da agronomia .............................................. 312 Liçþes da caserna ...................................................................................... 314


Introdução Apresento esta coletânea de crônicas escritas e publicadas nos últimos anos em diversos meios de comunicação, especialmente nas colunas semanais dos jornais Diário da Manhã (2003 a 2007) e O Nacional, desde 2008. Foram selecionados alguns textos, contextualizados para a realidade atual, sobretudo aqueles que tratam tanto do agronegócio, bem como da relação com os demais setores da sociedade, que, no seu conjunto, promovem o desenvolvimento da região. Não há qualquer preocupação com o rigor científico dos textos. São opiniões pessoais, por isso, “meus pontos de vista”. E, parafraseando o professor Dr. Cézar Saldanha, “pontos de vista nada mais é do que a vista de um ponto”. Cada um interpreta os fatos baseado na formação técnica, cultural e experiências vividas. Também não há a pretensão de apresentar uma verdade absoluta. Em vários aspectos, os temas são polêmicos, pois envolvem questões educacionais, culturais, técnicas/científicas, e, especialmente, as experiências pessoais vividas. Somos o que somos pelos conhecimentos adquiridos, pela busca de informações e pelas experiências vividas. Além da abordagem de temas específicos, pretendo resgatar

com a obra alguns momentos históricos por que passamos nesses últimos anos, salientando que temos o privilégio de viver um dos tempos de maiores “revoluções tecnológicas” no agronegócio brasileiro e regional. Ao final do livro, dirijo algumas homenagens para quem fez e faz no agronegócio e na comunidade, com o objetivo final de atingir o desenvolvimento pleno da sociedade. Espero contribuir para o debate com a interpretação do passado recente e do presente, mas, principalmente, do que virá no futuro. São os meus pontos de vista. Uma boa leitura.



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Prefácio 1 NÃO BASTA PARTICIPAR... ... PRECISA DEIXAR O LEGADO! O professor Elmar Luiz Floss é uma verdadeira usina de ideias e realizações. Dotado de privilegiada inteligência, determinismo, gestão pessoal e foco em ações, ele tem surpreendido a todos que o cercam com um grande número de contriuições de grande valor na educação universitária, no agronegócio nacional e internacional, no desenvolvimento e cultura de Passo Fundo e do sul do Brasil, dentre outros. O currículo do professor Elmar é um exemplo bem acabado de como é possível trabalhar simultaneamente, de forma proativa, em diferentes atividades. O entusiasmo (traduz-se “ter Deus dentro de si”) está estampado por todos os meandros do seu vasto currículo, que não lhe pesa e não lhe envaidece. Uma das muitas preciosidades do seu currículo é o impressionante número de artigos assinados. Publicados em jornais diários, revistas especializadas, semanários, mídias eletrônicas, dentre outros, as “colunas do Professor Elmar” são lidas por um público heterogêneo sedento da sua opinião crítica, ética, atualizada e sem conflitos de

interesse. Baseado inicialmente na agricultura e no agronegócio, suas opiniões passaram a envolver áreas tão distintas como política, desenvolvimento, tendências econômicas, pessoais. Sem perceber, o notável professor de sala de aula estava agora ensinando um grupo muito maior de pessoas por meio das suas colunas veiculadas na mídia impressa ou eletrônica. Agronegócio e Desenvolvimen to – pontos de vista é uma coletânea bem estruturada das suas colunas produzidas nos últimos anos. Cuidadosamente compiladas em capítulos, as colunas resumem o pensamento passado e presente do autor. O ato de escrever é simplificado, as ideias estão em sequência a permitir o entendimento fácil e natural pelo leitor. As opiniões contidas nestas colunas, no entanto, são cuidadosamente apresentadas para análise e conclusão própria do leitor, levando sempre a um aprendizado, esclarecimento, advertência. Meses atrás, em uma conversa informal na Academia PassoFundense de Letras, incentivei o confrade Elmar Luiz Floss a reunir a sua


rica coleção de artigos já publicados e transformá-los num livro. O argumento era de que o leitor teria uma noção global das suas ideias e opiniões. Ao seu estilo e muito antes do que eu próprio poderia imaginar, o livro está pronto, estruturado. Não basta participar... precisa deixar o legado! Boa leitura! Osvandré Lech Presidente da Academia PassoFundense de Letras


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Prefácio 2 Conheci o trabalho do professor Elmar Luiz Floss logo após me diplomar em Direito pela Universidade de Passo Fundo, no final dos anos 1970. Colaborou comigo por meio de palestras sobre Conservação de solos e preservação ambiental, em escolas municipais, quando fui prefeito de Marau de 1983 e 1986. Mais tarde, principalmente como presidente da Conab e depois ministro da Agricultura e Abastecimento, tive a honra de estreitar os contatos. O professor Floss, além de idealista, é um acadêmico da maior competência e dedicação. Trata-se de uma das maiores autoridades em agronegócio no Brasil e do maior especialista do país em aveia. E tem compartilhado seu elevado conhecimento por meio de diversas obras e da realização de palestras em grandes eventos. Além de dividir este imenso saber e, por que não dizer, o amor pelo agronegócio, o professor Floss supera de forma brilhante um grande desafio: construir um elo entre a área acadêmica e o campo. Da mesma forma, é um valioso exemplo de que a pesquisa e o

conhecimento não emanam apenas do setor público e das grandes empresas privadas: nascem também das atividades de nossas universidades, que oferecem uma inestimável contribuição. É com imensa satisfação, portanto, que escrevo estas linhas para apresentar mais um de seus livros, uma coletânea de artigos da maior relevância, em que se destaca o nosso agronegócio. Esta obra, com certeza, será de leitura obrigatória para todos os que admiram a contribuição econômica e social daquele setor que é o verdadeiro motor da economia nacional. Francisco Sérgio Turra Presidente da União Brasileira de Avicultura (Ubabef) Ex-Ministro da Agricultura e Abastecimento



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A nobre função de produzir alimentos Produção de alimentos: o maior desafio da humanidade No dia 16 de outubro, comemora-se, em todo o mundo, o Dia Internacional da Alimentação. A data coincide com o dia da criação do Food Administration Organization (FAO), órgão da ONU, com sede em Roma, que tem como missão a busca da segurança alimentar. Em cada ano, um tema central é utilizado como motivo de reflexão. Em 2009, por exemplo, foi eleito para esse propósito “Segurança alimentar em tempos de crise”. A alimentação é a necessidade número um do ser humano. Nos primórdios da civilização, a população era pequena e essa necessidade era satisfeita com a utilização dos alimentos espontaneamente oferecidos pela natureza, como frutas, sementes, raízes, folhas e os animais silvestres. Meramente extrativa. À medida que a população crescia e os alimentos se esgotavam numa determinada região, os povos tinham de buscar novas terras, como nas conhecidas histórias do Egito antigo, terras

essas que eram disputadas pelas tribos. Assim que o homem começou a utilizar as técnicas de cultivo, os povos deixaram de ser nômades. O homem decidia colher sementes das plantas mais apreciadas, mobilizava o solo e as plantava. Mais adiante, começou a utilizar os dejetos animais como fonte de nutrientes para as plantas, o que garantiu que os povos ficassem sedentários. É o início da agricultura sedentária. A população crescia demasiadamente, e as técnicas de cultivo não eram suficientes para atender a essa demanda. Nos séculos XIV e XVI, a fome já era uma grande preocupação em diversos continentes, especialmente no europeu. Iniciou-se, então, a busca de novas terras para colonizá-las e, assim, aumentar a oferta de alimentos. Em 1798, ficou famoso o estudo publicado pelo economista Thomas Robert Malthus sobre a questão da fome no mundo. Segundo seu estudo, o mundo caminhava para uma catástrofe quanto à disponibilidade de alimentos, pois a produção de alimentos crescia em progressão aritmética (por exemplo, 2 + 2 + 2 + 2 = 8), ao passo que a população crescia em forma geométrica (por exemplo, 2 x 2 x 2


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x 2 = 16). A teoria de Malthus gerou desafios, especialmente aos gestores públicos, pressionados a adotar políticas de segurança alimentar, mas, também, muitas críticas e até mesmo desprezo aos seus estudos. Passaram-se mais de dois séculos e a grande preocupação da humanidade continua sendo a falta de comida ou o acesso a ela. No recente boletim sobre segurança alimentar divulgado pela FAO, estima-se que aproximadamente um bilhão de pessoas passa fome no mundo. Trata-se de uma fome endêmica, ou seja, a ingestão de quantidades não suficientes para atender às necessidades da pessoa. Ou, o que é pior, milhões de pessoas com fome epidêmica, pois há má nutrição da mãe gestante e da criança na fase inicial de vida, quando a falta de uma alimentação adequada deixa sequelas para o resto da vida, especialmente, em relação à formação do sistema nervoso central. Nesse período, efetivamente a população cresceu demasiadamente no mundo, de maneira especial nos países pobres. O planejamento familiar não era aceito, por quêstões culturais, educativas, ideológicas e religiosas. Na metade do século XX, os especialistas já se perguntavam se a questão primordial era produzir cada vez mais alimentos, comprometendo o ambiente, ou reduzir a velocidade de crescimento populacional. O que Malthus não imaginava é que o melhoramento genético de culturas a partir das teorias genéticas de Mendel do século XIX,

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os modernos conhecimentos biotecnológicos do final do século XX e o desenvolvimento de modernas tecnologias de manejo das culturas elevaram de forma significativa a produção de alimentos no mundo. O problema é a distribuição d o s a l i m e n t o s e o a c e s s o a e l e s desse quase um bilhão de pessoas. O crescimento da produção de alimentos é maior nos países desenvolvidos em virtude da maior utilização de tecnologias, justamente onde o crescimento demográfico é menor. Já nos países subdesenvolvidos, o rendimento das culturas é muito baixo, pela resistência à adoção de tecnologias, ao passo que o crescimento demográfico é o mais alto. Segundo o recente relatório da FAO, diariamente morrem 25 mil pessoas de fome no mundo, especialmente crianças. Isso é um atentado à dignidade da pessoa humana. Mesmo considerando-se a redução da taxa demográfica que se observa na maioria dos países subdesenvolvidos, até o ano de 2050, a produção de alimentos terá que aumentar 70% em relação à produção de 2010. Nos próximos 65 anos, deverá ocorrer um aumento da produção de alimentos equivalente àquela que o mundo produziu até o momento. A segurança alimentar continua sendo o grande desafio da humanidade.


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O mundo busca segurança alimentar Apesar de mais de um bilhão de pessoas no mundo terem uma alimentação abaixo de suas necessidades, conforme dados da ONU, a profecia de Malthus não se concretizou na sua integridade. O avanço da pesquisa elevou significativamente o potencial de rendimento das culturas alimentícias por meio da conjugação de fatores como melhoramento genético, adubação, controle de plantas daninhas, pragas e moléstias, entre outras técnicas de manejo das culturas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Outra razão foi a queda do índice de natalidade, que começou de forma vertiginosa nos países mais desenvolvidos, especialmente em alguns países da Europa, também após a Segunda Guerra. Nos últimos anos, observa-se que, também, na maioria dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, a taxa de natalidade começou a cair significativamente, como no Brasil. Essa redução da natalidade deve-se a políticas de planejamento familiar adotadas em alguns países de grande população, como a China e a Índia, ou de forma natural com o aumento do poder aquisitivo e a conscientização da população por uma paternidade mais responsável, como no Brasil, a partir de 1994. Também entre os muçulmanos, observa-se uma redução da

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taxa de natalidade, que é atribuída à crescente libertação da mulher do jugo masculino, pois, em vários países, ela luta contra a poligamia e quer decidir sobre o número de filhos, decisão que praticamente era apenas do homem. A fome ou a subnutrição no mundo, que infelizmente é crescente, deve-se muito mais à má distribuição desses alimentos (baixo poder aquisitivo) do que à falta de quantidades físicas disponíveis. Há países com programas de redução da quantidade excessiva de alimentos ingeridos, como nos Estados Unidos da América, onde a obesidade tornou-se uma questão de calamidade pública. Possivelmente, se os obesos no mundo diminuíssem sua alimentação a níveis adequados, sobraria alimento para os mais de um bilhão de pessoas com fome endêmica ou epidêmica. No ano de 1990, a FAO havia proposto um programa mundial de erradicação da fome até o ano de 2015. Na avaliação dos seus re sultados concretos, em 2000, chegou-se à triste conclusão de que a fome, na verdade, tinha aumentado no mundo e não diminuído. Nos países mais desenvolvidos, onde a população menos cresce, a produção de alimentos aumentava vertiginosamente, ao passo que, nos países em desenvolvimento ou não desenvolvidos, a população cresce e a produção de alimentos não acompanhava essa demanda. Criase uma dependência cada vez maior entre a oferta de alimentos pelos países ricos e a necessidade de


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importação desses alimentos pelos países pobres. Nesse sentido, as grandes exceções têm sido a China e Índia, países que têm as maiores populações do mundo (aproximadamente 2,5 bilhões de habitantes) e nos quais estão implantados processos de modernização de sua agricultura visando, exatamente, à redução de sua dependência e à melhor alimentação de sua população. As novas metas de segurança alimentar, até o ano de 2025, foram estabelecidas pela FAO em 2000. Segundo essas estimativas, a população mundial estará acima de 8 bilhões de pessoas em 2025. Significa que, nos próximos t r ez e anos, a população mundial aumente em aproximadamente mais 1 bilhão de pessoas. Isso representa um acréscimo de meio Brasil de pessoas a cada ano e estima-se que, em 2050, a população mundial seja superior a 9 bilhões de pessoas. Segundo a FAO, para alimentar a população mundial nos índices de 1995 (quando milhões de pessoas já sofriam por fome epidêmica ou endêmica), em 2020, a produção mundial de cereais deveria ser de 3,4 bilhões de toneladas. Quando era estimada a produção mundial de grãos, baseada na tendência de crescimento na década de 1990, essa produção chegaria, em 2020, a apenas 2,7 bilhões de toneladas. Ou seja, as tendências mundiais observadas em 2000 mostravam que, se o índice de natalidade continuasse nos mesmos patamares e a produção de cereais na mesma

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tendência da década de 1990, o número de pessoas mal alimentadas iria aumentar e não diminuir no mundo. Para atender a essa demanda, havia necessidade de que efetivamente novas tecnologias revolucionárias fossem introduzidas para garantir esse aumento da oferta de alimentos, como é o caso da transgenia. Diante desse cenário e considerando-se que apenas o Brasil tem áreas de terras significativas que ainda podem ser incorporadas ao processo agrícola, sem grandes restrições de solo ou clima, há necessidade do aumento permanente da produtividade/rendimento das culturas alimentícias A biotecnologia terá um papel importante no desenvolvimento de cultivares, com maiores potenciais de rendimento, melhor qualidade industrial e nutritiva, adaptabilidade ao cultivo em áreas hoje consideradas marginais, como as plantas tolerantes ao frio, salinidade, déficit hídrico, acidez etc. Novas tecnologias de manejo das culturas serão fundamentais para que efetivamente haja a expressão do potencial genético dos novos cultivares desenvolvidos. Mas, com o aumento crescente da utilização de grãos, como milho, soja e canola para fins não alimentícios, na produção de biocombustíveis, a questão de disponibilidade de alimentos tende a agravar-se. Estamos observando estoques extremamente baixos de grãos, como milho, trigo, soja e outros. Notícias da imprensa


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informam que o presidente da Nestlé, uma das maiores empresas transacionais ligadas à industrialização e à distribuição de alimentos, mostrava sua preocupação com a questão da segurança alimentar diante do consumo crescente da alimentação humana, dos baixos estoques disponíveis, mas, especialmente, da utilização crescente de milho na fabricação de etanol pelos Estados Unidos e de soja e outras oleaginosas na fabricação de biodiesel nos Estados Unidos, China, Argentina, Brasil e em vários países europeus. A mesma preocupação é manifestada pelo P residente da ONU e pela FAO. A principal preocupação é a de que, enquanto o preço dos grãos esteja atrelado ao aumento do petróleo, os preços das commodities agrícolas estariam também aumentando significativamente. Isso parece ser uma notícia auspiciosa para os produtores agrícolas. Mas essa situação teria sustentabilidade até quando? Como o poder aquisitivo da população não aumenta no mesmo índice do aumento do preço do petróleo, os elevados preços dos alimentos fatalmente provocarão uma redução do consumo, de forma direta ou indireta, desses grãos. Os suínos e as aves, por exemplo, cujo consumo mais cresce no mundo, são alimentados basicamente de farelo de soja e milho. Com a elevação do custo dessas matérias-primas, fatalmente o preço dos derivados vai

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aumentar e o consumo tenderá a diminuir.

Alimentação inadequada de escolares Uma das principais diferenças entre países desenvolvidos e não desenvolvidos está nos cuidados na saúde materno-infantil, especialmente a sua alimentação adequada em quantidade e em qualidade. Uma criança que nasce bem e recebe alimentação adequada até os cinco ou seis anos tem todas as condições de aprender bem, o que abre as portas ao mundo do trabalho. O melhor remédio continua sendo uma alimentação adequada. Criança bem alimentada tem tudo para ser um adulto mais sadio, com maior longevidade. Na discussão profunda sobre o tema por médicos e nutricionistas, a conclusão óbvia é a de que, se tivéssemos uma melhor política de alimentação materno-infantil, bilhões seriam poupados no Brasil em gastos de saúde do adulto, maior seria a produtividade no trabalho, a perda do título de campeões mundiais em acidentes de trabalho ocorreria. Tenho acompanhado essa questão há muito tempo. Especialmente, a partir de 1984, quando coordenei a implantação do Centro de Estudos e Pesquisas em Alimentação, conhecido Cepa da UPF. Uma das atividades iniciais foi


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um seminário realizado para discutir a municipalização da merenda escolar, hoje alimentação de escolares. Na época, toda a aquisição da merenda escolar era centralizada em Brasília. Além do forte tráfico de influência, o que acontecia na prática era um absurdo. Carne seca e feijão miúdo ou feijão de corda adquiridos no Nordeste eram distribuídos em escolas do Rio Grande do Sul, ao passo que o charque gaúcho e o feijão preto do Sul eram levados para o Nordeste. Um desrespeito à cultura alimentar das diferentes regiões de um país continental. A situação era tão ruim que o então recém-eleito Presidente Tancredo Neves se envolveu com o assunto e instituiu uma comissão de estudos. A partir daquele seminário na UPF, foi formada uma comissão que participaria de eventos nacionais na busca da municipalização da merenda escolar. Participei dessa Comissão Nacional, como coordenador do Cepa, juntamente com os Prefeitos Fernando Machado Carrion, de Passo Fundo; do Francisco Sérgio Turra, de Marau; do professor Ernesto Kubota, do Cepa - UPF, entre outros. Esses prefeitos foram indicados pela qualidade da merenda escolar oferecida nos municípios. Na época, Passo Fundo também coordenava a distribuição regional da merenda. Foram várias as reuniões em Porto Alegre, Curitiba e Brasília, até que a “Nova República” implantasse a municipalização da merenda

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escolar. O repasse do dinheiro aos municípios permitiria a aquisição de alimentos regionais, com qualidade, mas se respeitando a cultura alimentar. Também se promoveria uma agregação de renda nos municípios. Penso que foi uma política que proporcionou enormes avanços nesse setor ao longo dos anos. Entretanto, o modelo está fazendo água. Primeiramente pelos baixos valores repassados pelo Governo federal para alimentar cada criança. Como organizar um prato, que atenda às necessidades nutritivas de uma criança, conforme recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), com esses valores tão baixos? Evidentemente, os municípios necessitam complementar esses recursos. Em segundo lugar, nas cidades onde a alimentação de escolares é exemplar, o gasto do município é maior do que o repasse federal. E, todo o mérito da alimentação de escolares na mídia é atribuído ao Governo federal. Outro aspecto preocupante é a “terceirização da merenda escolar”. Parece jurídica e operacionalmente adequada, em função da burocracia nas licitações. Mas, na prática, distancia o objetivo da aquisição local. Lamentavelmente, um assunto técnico, ao invés de ser coordenado por competentes nutricionistas, passou para políticos neófitos no assunto. Com uma frequência cada vez maior, vemos na imprensa a descoberta de fraudes na aquisição dos alimentos, tendo agentes políticos como réus. Parece que a


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corrupção nacional no setor da década de oitenta do “século passado” agora é municipalizada. De outro lado, muitas crianças, do nascimento até chegar à escola, continuam passando fome, com reflexos irreversíveis para o resto de suas vidas. Pior ainda quando a mãe se alimenta mal durante a gestação ou é consumidora de álcool e drogas. Nesses casos, por melhor que seja a merenda na escola, ela não resolve o dano fisiológico já ocorrido.

Agricultura e alimentação escolar A região Sul do Brasil é uma das mais importantes produtoras de alimentos, em quantidade e qualidade. Além das culturas de verão, como milho, soja e feijão, há a possibilidade de cultivo de culturas alimentícias no inverno, como trigo, aveia, cevada, centeio, triticale e ervilha, dentre outras. É também a principal região brasileira produtora de carnes (bovina, suína e de aves), de leite e seus derivados. Essa abundância de alimentos, somada às frutas e hortaliças existentes, está em desacordo com o grande número de crianças subnutridas existentes na região. Mesmo em algumas escolas públicas, a merenda fornecida aos escolares é de baixa qualidade e não atende às exigências mínimas. Ao se examinarem os recursos financeiros recebidos pela escola para aquisição

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de alimentos, o quadro é ainda pior. O desafio dos responsáveis pelo preparo de alimentos na escola é enorme, pois, com recursos tão escassos, como preparar uma alimentação que atenda aos padrões da Organização Mundial de Saúde quanto a proteínas, calorias, vitaminas e sais minerais? Isso explica também por que, na maioria das escolas, são utilizados somente alimentos derivados de farinha de trigo, na forma de pães, bolachas, biscoitos etc. São alimentos com custos compatíveis com os recursos disponíveis, mas de baixa qualidade nutricional, pois são alimentos meramente energéticos. E o que a criança precisa prioritariamente é de proteínas para o crescimento e desenvolvimento. Essa alimentação inadequada é uma das responsáveis pelo aumento da obesidade entre jovens, cujas consequências e tratamentos exigem o dispêndio de altas somas de recursos financeiros do setor público. Visto que o pão, os biscoitos e as bolachas são utilizados e apreciados pelas pessoas, na merenda escolar, deveriam ser fornecidos alimentos produzidos com farinha integral. Assim, além das calorias, também haveria a ingestão de fibras e de proteínas, fundamentais para o adequado desenvolvimento humano. Em muitas escolas, a alimentação é melhorada por iniciativa de direções, professores e pais, por intermédio de campanhas de arrecadação de alimentos. Algumas vezes, parte da


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suplementação alimentar dos alunos vem da horta escolar. Mas, infelizmente, na maioria das escolas, a horta está abandonada. A utilização dos alimentos regionais, além de promover a formação e a preservação de um hábito alimentar e a melhoria do valor nutritivo do alimento fornecido, favorece o desenvolvimento econômico da região, pois os programas de alimentação de escolares representam somas vultosas. Além de melhorar a alimentação dos alunos, a logística dos programas de alimentação deveria oportunizar que as crianças menores que moram próximas das escolas e também as mães gestantes recebam uma alimentação adequada, que deveria ser fornecida às crianças também nas férias, o que evitaria a subnutrição.

Fome e obesidade Um dos problemas sociais mais importantes do Brasil é a questão da fome, embora os números de pessoas com fome sejam contraditórios. A questão é tão séria que o primeiro e mais importante programa social criado pelo governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi exatamente Fome Zero. Mesmo que sejam contraditórios os números de pessoas atingidas pela fome, a verdade é que milhões de brasileiros apresentam fome endêmica ou

epidêmica. A fome endêmica referese àquelas pessoas que ingerem diariamente quantidades de calorias, proteínas, vitaminas e sais minerais abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Já a fome epidêmica é mais grave, pois atinge aquelas pessoas que já desenvolveram carências crônicas. O mais importante está relacionado à má formação do sistema nervoso central por deficiente alimentação de proteínas, ácidos graxos essenciais, vitaminas e sais minerais nos primeiros anos de vida. Apesar de todos esses problemas, causou grande repercussão a divulgação de pesquisa que demonstrou que está aumentando a obesidade entre a população brasileira. E o mais surpreendente é que o aumento da obesidade não está presente somente nas classes A e B, mas também nas classes C, D e E, aquelas de menor poder aquisitivo. A questão de maior dúvida é: como um país, onde tantas pessoas passam fome, pode apresentar obesidade acima da média admitida pela Organização Mundial da Saúde? Isso demonstra que pior que ter pouco alimento é alimentarse mal. Os dados dos últimos anos mostram que aumentou significativamente o consumo de carboidratos, como massas, pão, bolachas, biscoitos e batata. Isso representa quantidade de alimento ingerido, mas não tem relação com uma adequada alimentação. Os alimentos ricos em carboidratos são


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os mais baratos, mas são os grandes responsáveis pela obesidade. Especialmente, as crianças necessitam de maiores quantidades de proteínas para seu crescimento e não de carboidratos. O consumo de carboidratos no Brasil é comparável ao consumo das populações de países do hemisfério Norte, de clima extremamente frio, onde esses alimentos realmente são fundamentais para garantir energia. Mas, em um país quase integralmente tropical, privilegiar o consumo de carboidratos é inexplicável. Para as pessoas adultas, é de fundamental importância o consumo diário de fibras para regularização do funcionamento digestivo. O consumo de alimentos ricos em carboidratos e pobres em fibras é o grande responsável pelo aumento do câncer intestinal. Mas onde deve começar essa educação alimentar? Em primeiro lugar, em casa pela família. Continuadamente, na escola, pelo ensinamento teórico permanente sobre educação alimentar por parte dos professores, e, na prática, pelo fornecimento de uma alimentação adequada para os escolares. Lamentavelmente, a alimentação das crianças na escola nem sempre atende às necessidades dos escolares. Parece um verdadeiro regime de engorda das crianças, as quais, quando saem do ensino fundamental, em primeiro lugar, necessitam fazer um regime para perder as gorduras em excesso.

Disponibilidade de alimentos Concretamente, não faltam alimentos. Vejamos a situação brasileira: na safra 2011/2012, tivemos uma produção de mais de 900 kilos per capita de grãos alimentícios. Isso significa que, teoricamente, cada brasileiro teria para comer uma disponibilidade de mais de dois kilos de grãos alimentícios por dia. Impossível. Por isso, há excedentes para exportação. Por outro lado, temos que analisar os hábitos alimentares da população mundial. Para se ter um kilo de frango ou carne suína, há a necessidade de mais de dois kilos de grãos (milho e farelo de soja). Se o grão fosse utilizado diretamente na alimentação humana, mais pessoas seriam alimentadas, mas, ninguém quer substituir o churrasquinho, o frango e a carne suína de seu cardápio pelo consumo direto de grãos. A questão da transformação de grãos alimentícios em combustível (etanol ou biodiesel) também precisa ser analisada com maior profundidade. Os países europeus, como a França, que mais reclama disto, são os que pagam os maiores subsídios agrícolas do mundo aos seus produtores, subsídios que geram a ineficiência. Reclamam de outros países, mas, na verdade, estão pagando aos seus produtores


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para não produzir alimentos. Apenas para exemplificar, a região do Planalto sulriograndense possui aproximadamente três milhões de hectares ociosos no inverno, quando poderíamos produzir importantes grãos alimentícios como trigo, aveia, centeio e outros. Os produtores não cultivam, pois não há mercado remunerador. Finalmente, a próprio FAO reconhece que tem mais de 1,5 bilhão de pessoas obesas no mundo. Se essas pessoas reduzissem a alimentação a níveis saudáveis, sobrariam alimentos para os outros 1,2 bilhão de pessoas com fome.

Frutas e legumes Quando se fala em nutrição humana, seguidamente cita-se a utilização de frutas e legumes na alimentação. No entanto, geralmente a citação de seu valor nutritivo ou a referência ao produto mais confunde do que esclarece. As frutas são alimentos ricos em água, açúcares, ácidos, vitaminas e sais minerais. Graças ao seu formato, cor, gosto e aroma, são utilizados largamente como uma sobremesa. Muitas vezes, as frutas não são utilizadas devido ao seu alto valor nutritivo, mas pelo prazer de degustá-las. No entanto, trata-se de uma importante fonte não só de vitaminas, graças ao seu consumo in natura, bem como de

sais minerais. Diferentes espécies de frutas apresentam diferentes concentrações deste ou daquele mineral ou vitamina. Por essa razão, uma adequada nutrição humana recomenda não somente o consumo diário de frutas, mas de diferentes frutas a cada dia. Assim, ao longo da semana, serão satisfeitas todas as necessidades de uma pessoa. O consumo de apenas um tipo de fruta pode levar a carências de algumas vitaminas, mesmo com o salutar hábito de seu consumo diário. Por isso, o consumo de salada de frutas é uma excelente combinação alimentar. As vitaminas e sais minerais também estão presentes nos sucos naturais, especialmente indicados para o verão, quando o consumo de líquidos deve ser maior do que no inverno. A substituição de refrigerantes ou sucos artificiais por sucos naturais é um importante hábito alimentar, indicado para qualquer idade. E quando se consome uma fruta in natura, estamos também ingerindo fibras, essenciais ao nosso organismo. Entretanto, as frutas de maneira geral são pobres em proteínas. De forma errada, ouve-se com frequência a informação de que as frutas são ricas em proteínas: são os frutos, que não são doces, ricos em proteínas, como as vagens/legumes, pepinos, tomate, beringela, pimentão, entre outros. Outra expressão usada com frequência de forma equivocada é “legume”. Até mesmo nos


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supermercados, as placas indicam legumes sem que haja qualquer um naquele lugar. Na verdade, o legume é o fruto das leguminosas, como as vagens de ervilha, feijão, fava etc. Muitas vezes, as raízes ou os caules de plantas são confundidos com os legumes (por exemplo: beterraba, cenoura, nabo etc). O consumo de legumes é muito importante exatamente pelo seu alto valor nutritivo, especialmente de proteínas. Por essa razão, seu consumo é especialmente indicado para crianças, pois, na fase de crescimento, as proteínas desempenham um papel essencial. O grão verde das leguminosas, como feijão de vagem, lentilha, ervilha, fava, tremoço doce, além da riqueza em proteínas, também apresentam bons teores de carboidratos, fontes de energia, razão de serem levemente adocicados.

Mirtilo, saúde e longevidade! Na busca de uma melhor saúde e de aumento da longevidade com qualidade de vida, buscam-se novos alimentos com propriedades que atendam a esses anseios. Ao longo dos últimos anos, várias frutas têm sido enaltecidas pelas suas propriedades medicinais ou nutricêuticas, como a acerola, a maçã, a romã, o limão, a uva, e, agora, o mirtilo.

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O mirtilo é uma fruta conhecida internacionalmente como blueberry, a fruta azul, indicada como alimento altamente saudável. A cultura é originária dos Estados Unidos, do Canadá e de alguns países da Europa, foi introduzida na América do Sul e cultivada principalmente no Chile, Argentina e Uruguai. No Brasil, foi introduzida pela Embrapa Clima Temperado, de Pelotas – Rio Grande do Sul, em meados dos anos 1980, com os primeiros cultivos comerciais realizados em Vacaria, a partir de 1990. Em 2011, eram cultivados algo em torno de dezessete hectares de mirtilo por aproximadamente quarenta e cinco produtores de Vacaria. Nos últimos anos, a fruta de mirtilo assume importância comercial cada vez maior não apenas pelo sabor exótico da polpa (doceácido a ácido), mas pela ampla divulgação da utilização das frutas como "fonte da longevidade" devido à sua composição nutricional e funcional. O mirtilo (Vaccinium myrtillus) é um arbusto que pertence à família Ericaceae, a mesma da azaléia. Há muitas espécies de mirtilo e as principais espécies com expressão comercial são divididas em três grupos de acordo com o genótipo, o hábito de crescimento, o tipo de fruto produzido e outras características. As práticas de manejo são diferenciadas para cada um dos grupos, desde a produção de mudas até a colheita e a utilização das frutas. A cor da fruta é uma baga


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azul, quando madura, semelhante à uva, à jabuticaba e ao guabiju, sendo por isso rica em antocianina, uma das substâncias mais importantes na saúde humana. O fruto apresenta muitas sementes, coberto por cera, de formato achatado, coroado pelos lóbulos persistentes do cálice, com aproximadamente 1 a 2,5 cm de diâmetro e peso de 1,5 a 4 g. Normalmente é referenciado como pertencente ao grupo das frutas vermelhas, ao lado de framboesa, amora-preta e morango. Nas condições de Vacaria-RS, a colheita de frutas é realizada de novembro a fevereiro, dependendo do cultivar/grupo cultivado. A frutificação ocorre nos ramos de um ano de crescimento. A maturação é desuniforme, exigindo colheita diária, de forma cuidadosa, pois é uma fruta sensível ao dano mecânico. A fruta do mirtilo não é tão sensível como as demais pequenas frutas (morango, amorapreta, framboesa), conservando-se, sob condições de prateleira, de sete a dez dias e, em condições de câmara fria, de trinta a quarenta dias. A colheita se realiza com intervalos de quatro a sete dias, dependendo das condições climáticas e do estádio de maturação do fruto. As frutas podem ser consumidas in natura ou após processamento por congelamento, desidratação, enlatamento ou elaboração de geleias, conservas em polpas e licores. As características ornamenais do mirtilo contribuem

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para que este seja uma alternativa adicional de utilização. No Canadá, é comum seu cultivo em jardins como motivo paisagístico, além da produção de frutas. Pesquisas realizadas demonstram que as frutas de mirtilo são ricas em vitaminas A, B e C, de antocianina e flavonóides, por isso apresentam vários efeitos biológicos benéficos no ser humano, incluindo ação antioxidante, anticarcinogênicos (inibição da indução química de câncer) e funcionamento cardiovascular. Os benefícios à saúde humana do consumo de mirtilo devem-se especialmente à presença de flavonóides e ácidos fenólicos. Os efeitos antioxidantes eliminam os radicais livres, cujo acúmulo promove o envelhecimento dos tecidos pelos danos provocados nas membranas, e interferem na estrutura de moléculas biológicas de alto peso molecular, como DNA, fosfolipídios e proteínas. Também produzem ação anti-inflamatória, melhoram a circulação do sangue, reduzem o colesterol ruim (LDL) e favorecem a saúde dos olhos. A fruta ainda é dotada de ácido elágico, substância que tem sido estudada em diversos países por possíveis propriedades inibidoras da replicação do vírus HIV, transmissor da AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida).


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Consumo semanal de peixe Na Semana Santa, tradicionalmente, é muito comum as pessoas se preocuparem em conseguir o peixe para ser utilizado na alimentação. Trata-se de uma tradicional cultura cristã. Estudos de nutrição humana há muito tempo vêm mostrando resultados que comprovam ser a carne de peixe muito saudável e, portanto, indicada na alimentação humana. Em alguns países, o peixe e seus derivados estão diariamente na mesa das pessoas e preparados das mais diferentes formas. O Brasil, com seu território continental, tem uma das maiores costas marinhas (Oceano Atlântico), com enorme potencial de produção de peixes de água salgada. Também possui as maiores bacias hidrográficas do mundo de água doce, como do rio Amazonas, rio São Francisco, rio Paraná, rio Uruguai, o Pantanal, dentre outras, com uma enorme variedade de espécies e grande capacidade produtiva de peixes. Mas o consumo per capita de peixe no Brasil é muito baixo quando comparado ao consumo de outros países desenvolvidos. Falta o hábito alimentar, que também é uma questão de educação. A principal diferença da carne de peixe em relação à carne bovina, suína ou aves, é um maior teor de ácidos graxos insaturados, especialmente, o ácido linolênico (Omega 3) e ácido linolêico (Ômega

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6). Um maior consumo desses ácidos graxos, essenciais na formação do sistema nervoso central, melhora a saúde humana e aumenta a longevidade. Quando chegamos à terceira idade, esses ácidos graxos liberados são precursores da formação de substâncias que inibem a degradação de proteínas. Esse é um sinal biológico do envelhecimento, quando a degradação de proteínas é maior que a sua síntese em nosso organismo, portanto, o Ômega 3 e o Ômega 6 previnem as doenças degenerativas. Claro que há também opções de ingestão desses ácidos graxos presentes em alimentos vegetais, como o óleo de oliva, de canola, de girassol e de grãos de linho, dentre outros. O salmão é mais citado por ser também o peixe mundialmente mais pesquisado. Parece que os peixes que vivem em águas frias e em profundidade apresentam um teor de Ômega 3 maior. Faltam, entre nós, pesquisas continuadas e com rigor científico sobre as qualidades nutritivas dos nossos peixes regionais de água doce. Ainda não há resposta científica sobre a quantidade de Ômega 3 também na carne desses peixes. Mas não é apenas devido ao Ômega 3 que se justifica o consumo de carne de peixe. A maioria dos peixes não tem gordura e, portanto, gera menor produção de colesterol, o que previne doenças do coração. A região Sul do Brasil tem uma enorme potencialidade para produzir peixes de água doce. São


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inúmeras as espécies disponíveis, sejam nativas, sejam exóticas, e já adaptadas às nossas condições climáticas. Assim, como nas demais produções de carne, que hoje são realizadas na região com grande sucesso, o peixe também precisa ser produzido de forma integrada (produção, indústria, consumidor). Assim, o produtor teria segurança de produzir e d e saber antecipadamente as condições do mercado e da comercialização. E, para o consumidor, as técnicas de preparo do filé eliminam um dos maiores temores das pessoas: as “espinhas”.

A produção de peixes A estiagem 2011/2012 mais uma vez gerou a discussão sobre a necessidade de açudagem no Sul do Brasil. A construção de açudes para armazenar água, além do aumento da disponibilidade de água na propriedade para os animais e a irrigação, possibilitaria também o aumento da produção de peixes. Com uma quantidade regular de carne de peixe disponível, a preços compatíveis com o poder aquisitivo de nossa população, certamente aumentaria o seu consumo também nas famílias. Além disso, os açudes embelezam as propriedades rurais e desenvolvem no produtor um saudável lazer, que é a pesca. Um lazer apaixonante. E, quanto mais se aumenta o gosto pela criação de

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peixes, maiores são os cuidados que o produtor tem quanto às contaminações do açude com defensivos agrícolas, como cuidados maiores na escolha dos produtos, com derivados de produtos, e nos momentos mais adequados para sua aplicação em função dos ventos. Assim, podem-se fazer economia financeira e poluir menos o solo, as águas e o ambiente. Portanto, a carne de peixe não deveria estar na mesa das famílias apenas na Semana Santa, mas, no mínimo, uma vez por semana.

Banana: alto valor nutritivo e preconceito A ingestão diária de frutas é de enorme importância para uma adequada nutrição humana, principalmente como fonte de vitaminas, de fibras e de sais minerais. Além do valor nutritivo, as frutas são apreciadas pela cor, sabor ou aroma, como um dessert (uma sobremesa). O sabor é uma combinação, particular de cada fruta, de açúcares, de água e de ácidos orgânicos (cítrico na laranja, isocítrico na bergamota/tangerina, succínico no morango, pirúvico na pera, málico na maçã, ou a mistura dos mesmos). A banana e o mamão são exemplos de frutas que têm apenas traços de ácidos. Quando se examina o valor nutritivo de diferentes frutas


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disponíveis, destaca-se a banana. Aliás, na Grécia antiga, e l a já era conhecida como a “fruta dos sábios”, pois acreditavam que as pessoas que tinham o hábito de consumir banana tinham uma melhor inteligência. Daí, surgiu o nome científico da banana: Musa sapiens. O Brasil é o segundo maior produtor de banana. Por isso, sua disponibilidade é alta e o seu preço é baixo quando comparado ao preço das demais frutas do mercado, considerando-se o seu valor nutritivo. Isso é tão verdade que, no Brasil, quando alguém quer realçar o preço baixo de alguma mercadoria, logo diz: “preço de banana”. No Canadá, por exemplo, uma banana custa o mesmo que uma maçã ou uma pera, equivalente a um dólar canadense. Apesar do alto valor nutritivo, da grande disponibilidade dessa fruta e do seu baixo preço, observase um grande preconceito contra a fruta. Até nas melhores escolas, as crianças se negam a levar banana, pois recebem logo o apelido de “macaquinho”. Nenhuma mulher pode comer livremente uma banana em lugar público, mas pode, sem problemas, comer uma maçã, morango ou qualquer outra fruta. Quando alguém vai visitar um doente, logo decide levar uma fruta. Geralmente é maçã, raramente, uma banana. O mesmo acontece quando a mãe começa a fornecer uma raspa de fruta para seu filho pequeno: geralmente, é maçã. Mesmo considerando a presença de

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importantes flavonoides, vitaminas e alguns sais minerais na maçã, seu valor nutritivo é infinitamente inferior ao da banana. A banana ainda sofre outros preconceitos relacionados à desinformação, transmitida de geração para geração. Em 1975, ao realizar o Projeto Rondon, em Santo Amaro das Brotas, interior do Sergipe, as pessoas não comiam banana com leite, pois “isso poderia matar”. Há outro ditado muito difundido, de que “comer banana pela manhã é ouro, comer banana ao meio-dia é prata e comer banana à noite mata”! Na eleição presidencial de 1989, o então candidato Guilherme Afif Domingos propôs que cada trabalhador, público ou privado, que ganhasse até três salários mínimos, recebesse uma alimentação na chegada ao trabalho. O Brasil vivia a maior inflação da história, que corroía o salário do trabalhador e reduzia seu poder aquisitivo. As pesquisas mostravam que a principal causa da baixa produtividade e do alto índice de acidentes de trabalho devia-se à fome. No programa de Afif, cada trabalhador deveria receber, no mínimo, um litro de leite, um pão, um ovo e uma banana ao chegar ao trabalho. Evidentemente, que não pode haver exagero no seu consumo, especialmente à noite. A banana também é altamente energética, por isso deve ser consumida com moderação pelos obesos. Rica em potássio, é muito consumida por atletas e mulheres grávidas para evitar a cãibra.


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Brezel, para celebrar a paz A Páscoa é um dos eventos mais importantes, especialmente, para os cristãos. Um tempo de profunda reflexão, de mudanças, a passagem para a renovação. Há muito que celebrar nessa passagem, sobretudo, a celebração da paz, tão necessária nesses dias. Pensando na paz e na celebração, lembrei-me do brezel ou pretzel, aquele acompanhante costumeiro de uma cerveja ou de um chopp na Europa, especialmente na Alemanha, na Suíça e na Áustria. Depois da cerveja, é o alimento mais consumido na mais famosa festa mundial da cerveja, a Oktobertfest, realizada, anualmente, em Munique. O brezel, na verdade, é um pão salgado, enrolado simetricamente em tiras de massa, em forma de biscoito, coberto de sal grosso e seco. A massa é enrolada cuidadosamente, cozida, depois é colocado o sal grosso, banhada numa solução de soda (hidróxido de sódio) e, então, assada. Mas, na Europa, também são encontrados os mais diferentes sabores doces desse biscoito. Existem muitas controvérsias sobre a origem do brezel. Possivelmente, sua origem é no sul da Alemanha, ainda na Idade Média. Seria inclusive um dos alimentos usados durante a Quaresma pelos religiosos. Naquela época, era obrigatório o jejum durante toda a

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Semana Santa, mas era permitido beber cerveja, como fonte de energia. Sem dúvida, o brezel era um adequado acompanhante. Mas qual a ligação do brezel com a paz? Em 2008, tive a oportunidade de conhecer Salzburg, na Áustria. Conheci o forte onde fica a Catedral da cidade, um antigo monastério. Foi lá que tocava o pai de Mozart, que era funcionário do bispado, e depois o próprio Mozart. Na Catedral, podem ser vistos, inclusive, o órgão utilizado na época e a pia batismal onde Mozart foi batizado. O bispo mais famoso que dirigiu aquele arquibispado foi Roberto (ou Ruperto), o fundador do condado de Salzburg, que atualmente, pertence à Áustria. Teria assumido o bispado numa época de muitos conflitos de disputa pelo sal, a maior riqueza da região (Salzburg = terra do sal). Um kilo de sal, na época, equivalia a um kilo de ouro, pois era a única forma de conservação de carnes e outros alimentos. O arcebispo Roberto morreu em Salzburg, no dia 27 de março do ano de 720, num domingo da Páscoa, logo após celebrar a missa e pregar as boas novas da ressurreição de Jesus Cristo. Cada bispo adotava um símbolo. Considerando a necessidade de pacificação da região, o bispo Roberto adotou como símbolo a cauda enrolada do leão, que, quando está pronto para atacar, tem a cauda erguida; quando está manso, a cauda está enrolada.


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Em todos os quadros ou estátuas do bispo Roberto, aparece em seu símbolo essa cauda enrolada. Exatamente, a forma do brezen. Essa seria a razão para que o brezen passasse a representar a paz. Mais tarde, o bispo Roberto foi santificado como São Roberto ou São Roberto de Salzburg, comemorado no dia 25 de setembro pelos seus devotos. Foi o dia em que suas relíquias foram transladadas para Salzburg. É conhecido como o Apóstolo da Bavária e da Áustria. Todos os anos, nesse dia, em Salzburg, há uma grande festa religiosa, cujo prato típico é o famoso brezen, nos mais variados sabores e tamanhos, mas, rigorosamente, com a mesma forma. A ligação do brezen com a paz é tão forte hoje que é inclusive usada pela Unicef em seus programas sociais.

Batata de pobre Um dos grandes aprendizados de viagens é conhecer diferentes culturas gastronômicas. Na viagem à Espanha, em 2010, experimentei um prato típico da região da Almeria, Andaluzia, e muito gostoso, denominado Batata de pobre. A região é montanhosa, destacando-se a Serra Nevada, conhecida no mundo inteiro graças aos filmes de John Wayne lá produzidos. Além de montanhosa, a região é tipicamente de deserto, com solos salinos (pH superior a 8), com excesso de sódio e uma precipitação

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muito baixa, entre 100 a 300 mm por ano. Cenário perfeito para filmagens, com aqueles cavalos correndo montanha abaixo e acima, formando nuvens de poeira. E, naquele areial, o John poderia cair à vontade sem se machucar! Em razão das condições ambientais, essa região era muito pobre. A fome era o principal problema da população. O prato mais comum para as refeições era a batata com pimentão, cozido em óleo de oliva. Isso porque, nessas condições, era possível plantar batata e pimentão. Em cada casa, sempre havia pelo menos uma oliveira ou, então, colhia-se nas plantas voluntárias à beira das estradas. As olivas eram colhidas, e o óleo extraído em prensas domésticas. Obtinha-se, em casa, o verdadeiro óleo de oliva extravirgem. Andando de carro pelo interior dessa região, ainda encontramos mulheres colhendo manualmente olivas em árvores nativas para fazer artesanalmente seu próprio óleo de oliva em casa. Aliás, a produção de azeite de oliva de qualidade é um dos grandes orgulhos dos espanhóis. A Espanha cultiva oliveiras em mais de dois milhões de hectares. Isso é mais de duas vezes a área cultivada com trigo no estado do Rio Grande do Sul. Aproximadamente 10% dessa produção destinam-se à elaboração de azeitonas de conserva e 90% são usados na fabricação do azeite de oliva. Aprendi muito sobre produção de olivas e elaboração do melhor


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azeite de oliva do mundo com o engenheiro-agrônomo Juan Moyano, professor da Universidade de Sevilha. Ele mostrou-me o momento ideal para colheita das olivas, ainda verdes, para fazer o melhor azeite. Um azeite que tenha, além do Ômega 3 (ácido linolênico), Ômega 6 (ácido linoléico) e Ômega 9 (ácido oléico), tão importantes para a saúde humana, também o aroma e sabor mais característico. Colhidas muito cedo ou muito tarde, algumas dessas propriedades organolépticas são perdidas. A primeira prensagem é feita a frio para não se perderem essas substâncias aromáticas e as vitaminas termossensíveis. Esse é o óleo extravirgem. Depois, os caroços são aquecidos e realiza-se uma segunda prensagem para obter-se o óleo virgem. Pelo aquecimento, algumas substâncias aromáticas e vitaminas são perdidas. Depois, é realizada ainda uma extração de óleo do bagaço com solventes orgânicos. Obtém-se, então, o óleo comum de oliva. Infelizmente, alguns países importam da Espanha o azeite de oliva virgem, embalam e vendem como extravirgem. Mas, voltemos à Batata de pobre. As famílias tinham óleo de oliva e também plantavam batata, que, apesar das condições inóspitas de clima e solo, produzia tubérculos. A batata foi uma das primeiras culturas levadas da América do Sul, onde é nativa, pelos espanhóis no retorno das expedições, tornandose até hoje uma das principais culturas alimentícias de todo o continente europeu. A Inglaterra deu-lhe o nome de batata inglesa

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(assumindo uma paternidade falsa) e os alemães tornaram-se seus maiores consumidores, surgindo a tão comum expressão: “alemão, comedor da batata”. Também é muito comum na região de Almeria o cultivo de pimentão, seja verde, amarelo ou vermelho. Na elaboração do prato Batata de pobre, quase como alimento único, a batata era finamente fatiada e cozinhada no azeite de oliva, misturada com pimentão cortado em tiras. Hoje, a região da Almeria é rica graças à grande produção de hortaliças orgânicas, produzidas em aproximadamente vinte mil hectares de estufas plásticas e exportadas para toda a Europa. De região da miséria, fome e choro, do pós-guerra, é hoje conhecida como a Horta da Europa. E a Batata de pobre é encontrada nos melhores restaurantes, servida como um dos pratos típicos da região, além da tradicional paella de frutos do mar.

Cerveja, um pão líquido! A elaboração da cerveja típica requer o malte de cevada, produzido em maltarias. A maltaria processa grãos de cevada, formando o malte, que é a matéria-prima utilizada na fabricação de cerveja por meio de um processo de fermentação. As maltarias são da maior importância, pois ativam uma cadeia, e estimulam a produção de cevada durante a estação de inverno pelos produtores, em sucessão à soja,


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com geração de renda, empregos diretos e indiretos e arrecadação de impostos. Houve um tempo em que era proibida no Brasil a utilização de recursos públicos na pesquisa de matérias-primas para bebidas alcoólicas. Essa regra foi quebrada com a instalação do Instituto de Pesquisa da Uva e do Vinho, em Caxias do Sul. Posteriormente, em Bento Gonçalves, foi instalado um centro de pesquisa em uva e vinho pela Embrapa, cujas tecnologias desenvolvidas têm muito a ver com a melhoria da qualidade de nossos vinhos observada nos últimos tempos. No caso da cevada (Hordeum vulgare var. distichum), até 1974, toda a pesquisa e o desenvolvimento dessa cultura eram realizados pelas indústrias cervejeiras. Naquele ano, foi criado o Promalte, com o objetivo de gerar a autossuficiência brasileira em malte. A Embrapa Trigo de Passo Fundo coordena nacionalmente a pesquisa da cevada-cervejeira desde aquele ano, em parceria com as maltarias e as indústrias cervejeiras. A relação de Passo Fundo com a cevada é histórica. A região também é a maior produtora de cevada para malteação, apesar de estarmos cada vez mais longe da meta de autossuficiência em malte para a fabricação de cerveja, cujo consumo per capita aumentou significativamente no Brasil desde a implantação do Plano Real. Aumentou o poder aquisitivo do povo e também aumentou o

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consumo de cerveja. Passo Fundo, por muitos anos, teve uma fábrica de cerveja da Brahma, instalada quase no centro da cidade. Gerava um grande número de empregos, mas, especialmente, impostos, pois as bebidas alcoólicas possuem alíquotas mais elevadas. Infelizmente, a fábrica foi fechada na década de 1990. A cevada é originária da região da antiga Mesopotâmia, cultivada em um dos solos mais férteis do mundo. Por isso, a principal característica da cevada é a exigência em alta fertilidade. Naquela região, já era preparada uma bebida alcoólica obtida da fermentação da cevada e era utilizada nas festas, ao lado do vinho, cujo consumo parece ser mais antigo. Quando os bávaros invadiram a Europa, levaram sementes de trigo para alimentação e também sementes de outros cereais, como a cevada. Na região da atual Alemanha, a cultura da cevada começou a ser desenvolvida, criando-se cultivares com maiores potenciais de rendimento. E foi na Alemanha que foi criada a cerveja como hoje nós a conhecemos. A cerveja tinha como função fornecer energia, a exemplo do pão, para enfrentar o rigor do inverno. Daí surge a expressão de que a cerveja é um pão líquido! Sendo ingerida moderadamente pelos adultos, acompanhada de uma dieta diversificada, especialmente incluindo proteínas, de fato, a


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cerveja é um alimento energético. E a população europeia é a que tem o maior consumo per capita de cerveja. Essa cultura foi levada pelos imigrantes europeus às mais diferentes regiões do mundo e cada país tem a sua cerveja típica, com diferentes teores de álcool, mas, na essência, o processo não difere tecnologicamente daquele inventado pelos alemães. O interessante é que, na Alemanha, existe uma relação direta entre o desenvolvimento de diferentes tipos de cerveja e os mosteiros. Ainda hoje é comum encontrar restaurantes típicos com cervejarias, que foram criadas por monges. Há uma lenda na Baviera de que, durante a Semana Santa, todos faziam jejum. Mas, em determinados anos, essa semana coincidia com muito frio. Então, os monges, criaram uma cerveja com maior teor de álcool para enfrentar os rigores do inverno. Como não se alimentavam, chegavam à Páscoa completamente bêbados. O papa teria ficado sabendo dessa bebedeira e mandou buscar essa cerveja da Baviera, pois queria experimentá-la. Levaram alguns barris de cerveja de Munique a Roma. Como o transporte era animal, levou muito tempo até chegar ao destino. Evidentemente, estava estragada. O papa teria experimentado essa cerveja e não gostou, ao que teria dito que, por ele, os monges poderiam continuar tomando essa cerveja, como penitência, durante a Semana Santa. Daí, surge a expressão, muito comum entre os alemães, de que, ao convidar alguém

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para tomar um cerveja ou um chopp, diz-se: “vamos fazer uma penitência!”

Rancho mensal: perda de tempo e dinheiro Ainda é muito comum as pessoas receberem o salário no início do mês e irem imediatamente ao supermercado para fazer o “rancho”. Observam-se pessoas de todas as classes sociais, desde as pessoas mais simples até os “doutores”, enchendo carrinhos com mantimentos para o mês inteiro. Tal atitude somente se justifica em duas situações: a) proteger o poder aquisitivo do dinheiro da alta inflação; b) prenúncios de escassez de alimentos, em caso de crises de abastecimento ou guerras. Graças a Deus, não estamos vivendo nenhuma dessas situações. No nosso caso, esse comportamento de massa é um legado cultural trazido dos amargos tempos da década de 1980, quando o Brasil era campeão mundial de inflação. Cada presidente da República deixa um legado. Apesar de a inflação ter crescido a partir do final dos anos 1970, foi durante o Governo de José Sarney que seus índices bateram recordes. Foi depois de um plano econômico implantado com forte apelo populista (quem não se lembra dos “fiscais” do Sarney ou da apreensão de bois em fazendas) pelo ex-Ministro da Fazenda Dílson Funaro, e que foi politicamente mal conduzido, pois a principal


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preocupação eram as eleições de 1986 (governadores, deputados estaduais, mas, especialmente, a Assembleia Nacional Constituinte). A inflação, em apenas um mês, chegou a 86%, ou seja, uma desvalorização da moeda de quase 3% ao dia. Com uma inflação tão elevada, a mais importante estratégia para os milhões de assalariados de nosso país, que ganham o salário mínimo, era pegarem o dinheiro e imediatamente fazerem o rancho mensal. Imagine-se que, com uma inflação tão elevada, em uma semana, o salário poderia ter uma perda de até 20% do seu poder aquisitivo. Sabe-se que a classe mais sacrificada, em tempos de inflação, é a classe trabalhadora, que vê seu salário sendo corroído diariamente, já que os ricos têm mecanismos de proteção ao seu dinheiro, como o famoso overnight, e o sistema financeiro lucra. A despensa das casas, nessa época, ganhou um eletrodoméstico quase obrigatório, independentemente da classe social: o freezer. Tornou-se comum adquirir a carne de um boi inteiro e dividir entre vizinhos e, assim, garantir alimento mais barato para o mês inteiro. Felizmente esses tempos da alta inflação acabaram em 1994, quando, depois de muitos fracassos nos mais diversos planos econômicos lançados pelos diversos governos, o Plano Real deu certo. Já são mais de 18 anos de controle da inflação no Brasil, desde os Governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso,

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Luiz Inácio Lula da Silva e agora Dilma Rousseff. No entanto, o povo brasileiro ainda tem medo da inflação. Mas, o que chama a atenção é ver também os jovens, que não conheceram as dificuldades impostas pelos tempos de inflação, fazerem o rancho no início do mês. Tenho feito levantamentos com meus estudantes sobre o custo da cesta básica em Passo Fundo, nos mais diferentes mercados (grandes, médios e pequenos) em diferentes semanas do mês, que mostram que seus preços são mais elevados no início do mês. Entre os dias 10-15 e 25 de cada mês, começam as ofertas. Quando se aproxima o final mês, quando os funcionários públicos começam a receber seus salários, as ofertas desaparecem. Portanto, quando se fala e se escreve sobre o poder aquisitivo do salário mínimo, esses fatores deveriam ser considerados. Sem dúvida, a vantagem proporcionada ao cidadão nos períodos de baixos índices inflacionários seria somente comprar o necessário no início do mês. Verificar semanalmente os preços, mercado por mercado, e adquirir em cada um deles apenas aquilo que está mais barato, sem manter-se fiel a apenas um supermercado. Por sua vez, o freezer, aquele sonho de consumo da década de 1980, pode ser desligado para poupar luz, pois é muito mais barato comprar a carne diária ou semanalmente do ponto de vista econômico e da qualidade da carne para o churrasco, pois a carne


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congelada não é a melhor opção para fazer um churrasco tipicamente gaúcho.

O café brasileiro para o mundo A cidade de Londrina (PR) é conhecida como a “capital nacional do café”. Além da produção na região, estão instaladas diversas indústrias torrefadoras que atendem o mercado nacional e também o destinado à exportação. Apesar de Londrina ter apenas 70 anos de fundação, ela já é a terceira maior cidade em importância econômica entre as cidades dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. E grande parte desse crescimento econômico deve-se à cadeia produtiva do café. O café foi introduzido no Brasil em 1737, a partir da Guiana Francesa, sendo as primeiras plantas cultivadas em Belém do Pará. Posteriormente, um juiz que atuava no Rio de Janeiro, Castelo Branco, levou as primeiras mudas para aquele Estado, onde o café encontrou as melhores condições de solo e de clima para seu desenvolvimento. Mais tarde, expandiu-se para os estados do Espírito Santo, Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Tornou-se, até 1950, a principal cultura econômica brasileira, cujas divisas financiaram a construção de portos de estradas de ferro, as primeiras universidades, os institutos de pesquisa agrícola e até mesmo a importação de

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alimentos e de produtos industrializados. Chegou à região norte do Paraná pelos colonizadores paulistas, que derrubaram a mata, predominantemente de perobas, para cultivar café e criar gado. Enquanto isso, os gaúchos colonizaram a região sul e oeste do Paraná e também derrubaram a exuberante mata de araucárias. O café brasileiro ainda é o preferido pelos consumidores, pois aqui predominantemente se cultiva a espécie Coffea arábica, que é mais aromático. Nos demais países da América do Sul, cultiva-se o Coffea robusta, que é mais rústico, mas de qualidade inferior. O café ainda está entre os cinco principais produtos agrícolas na pauta de exportação brasileira e gera milhões de dólares em divisas. No entanto, perdeu em importância econômica para outros produtos. Em São Paulo, grandes áreas de plantação desse grão estão sendo substituídos pelo cultivo da canade-açúcar devido à maior rentabilidade na produção de etanol combustível. No norte do Paraná, a redução da área cultivada deve-se ao crescimento das culturas produtoras de grãos, especialmente a soja. No entanto, o rendimento do café vem aumentando em razão da adoção de novas tecnologias de manejo da cultura, como os cultivos adensados, adubação adequada, podas e controle mais eficiente de moléstias e de pragas. É possível inclusive observar-se em algumas fazendas a implantação de novos cafezais conforme essas novas tecnologias. Dessa forma, em menor área, com maior rendimento, a


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produção continua alta. A principal razão da perda de rentabilidade do café, com a consequente redução de áreas em vários Estados brasileiros, deve-se à falta de agregação de valor ao produto. Infelizmente, a maior parte do café é exportada na forma de grãos, sem nenhum processamento, principalmente, para Itália e Alemanha. Ao chegar aos portos europeus, o café é torrado e distribuído às indústrias torrefadoras, já com o valor multiplicado. A Itália transformou-se no maior distribuidor do café em toda a Europa. No entanto, não tem cultivo de café, pois a cultura não se adapta ao clima frio daquele país. Mesmo com o reconhecimento do desenvolvimento de técnicas de processamento que incrementaram a qualidade e a diversidade de tipos de café, atendendo aos mais diversos paladares, na Itália, a verdade é que a renda que falta aos produtores brasileiros fica com quem o industrializa e o distribui. Não há dúvida de que o café voltará a ser rentável de forma sustentável no Brasil caso haja um aumento na exportação do café processado e não do grão in natura. Portanto, é salutar o processo de modernização da cafeicultura em curso em Minas Gerais, com área menor, mas em expansão, com uma melhoria da qualidade para agregação de renda e aumento da rentabilidade.

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Pitanga, uma riqueza ainda não explorada Provavelmente, o tema seja saudosista. Lembro-me da minha infância, no distrito de Alfredo Brenner, interior de Ibirubá. Na beira dos rios e riachos, havia uma abundante plantação nativa de pitangueiras. Aliás, daí vem o nome de Ibirubá, que, no tupi-guarani, significa “terra das pitangueiras”. A pitanga, fruto da pitangueira (Eugenia uniflora L.) pertence à família botânica das Myrtaceae. O termo “pitanga” vem da palavra indígena “pyrang”, que quer dizer vermelho, a cor predominante da fruta. É uma planta frutífera nativa do Brasil, da Argentina e do Uru- guai, sendo encontrada também na região das Guianas. Possivelmente, os navegadores portugueses levaram suas sementes a outras regiões, como Estados Unidos da América (Califórnia), ilhas do Caribe e a alguns países asiáticos, como a Índia. Em inglês britânico e norteamericano, o fruto é também conhecido como pitanga ou, então, como Brazilian cherry ou Surinam cherry (cereja brasileira ou cereja do Suriname). As pitangas já eram apreciadas pelos indígenas e primeiros colonizadores, que as cultivavam em suas residências pelos frutos que produziam doces e sucos e pelas folhas que utilizavam na medicina popular. No Brasil, a região Nordeste


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é a única a explorar comercialmente essa fruta de alto potencial econômico. A pitangueira frutifica de outubro a janeiro, e existe uma grande variação na coloração da fruta, indo do laranja, passando pelo vermelho e chegando ao roxo, quase preto. Apesar de ser uma árvore tão comum em nossas matas nativas, a sua produção comercial não é explorada na região. Ainda não é encontrada em nossas fruteiras ou mercados. Em algumas regiões, é muito comum o plantio de mudas de pitanga nas mansões, fazendo-as de cerca viva. Além da proteção, atraem os pássaros, especialmente os sabiás, que se alimentam de suas frutas por longos períodos. A florada das pitangueiras é outro espetáculo paisagístico. Suas flores são brancas, discretamente perfumadas e ricas em pólen, o que as torna bem atrativas a abelhas. Muito parecido com a lindíssima florada das cerejeiras japonesas. O cultivo de pitangueiras é uma excelente opção aos nossos produtores rurais que deverão recuperar áreas degradadas à beira de mananciais de água, recompondo a mata ciliar. Além da beleza das flores e das frutas, estimula o desenvolvimento de aves e outros animais silvestres. Seu cultivo também pode ser realizado em vasos (utilizando-se mudas enxertadas), para manterem-nas em casas e sacadas de apartamentos, como planta de baixo porte, mediante podas, com abundante floração e frutificação.

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Trata-se de uma fruta de gosto agridoce, além de ter uma série de outras características medicinais. No site da Embrapa Clima Temperado (Pelotas - RS), há um artigo da pesquisadora Márcia Vizzotto que aborda algumas utilizações da pitangueira: as folhas da pitangueira têm conhecidas atividades terapêuticas, tendo sido usadas no tratamento de diversas enfermidades, como febre, doenças estomacais, hipertensão, obesidade, reumatismo, bronquite e doenças cardiovasculares. Tem ação calmante, anti-inflamatória, diurética; combate a obesidade e também possui atividade antioxidante. Os extratos da folha da pitangueira, assim como de outras espécies nativas, também apresentam atividade contra Trypanosoma congolense (doença do sono), e moderada atividade bactericida, sobre Staphylococcus aureous e Escherichia coli. Há, ainda, na fruta e nas folhas de pitangueira, uma variedade de compostos secundários, ou fitoquímicos, como flavonoides, terpenos, taninos, antraquinonas e óleos essenciais. Daí, seu uso crescente na elaboração de perfumarias. Nos principais shoppings do mundo, nas lojas especializadas em perfumes, estão sendo mostrados como novidades cremes, loções e sabonetes de pitanga. Mas, ao se olhar a embalagem desses produtos de beleza, com preços muito elevados, observamse o termo pitanga e, logo abaixo, a denominação em inglês, como Surinam Cherry e não Braziliam


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Cherry. O Brasil ainda nĂŁo soube explorar comercialmente essa riqueza.

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Aveia, uma paixão Aveia e suas múltiplas utilizações A cultura da aveia (Avena sativa L. ou Avena strigosa Schreb) nas diferentes formas de utilização é a principal cultura de inverno no estado do Rio Grande do Sul. A sua principal forma de utilização é como forrageira e ocupa cerca de dois milhões de hectares, em cultivo isolado ou em consorciação com outras forrageiras de inverno, como azevém, centeio ou leguminosas. O uso na alimentação animal pode ser pelo pastejo, confecção de feno ou silagem, e pelos grãos na suplementação da alimentação como um concentrado. O pastejo de aveia deve ser realizado somente quando se tiver uma disponibilidade mínima de 800 gramas a 100 gramas de forragem verde por metro quadrado, o que representa aproximadamente 1.500 kg/ha de matéria seca. Assim, os animais são mais bem alimentados, o que representa uma maior capacidade de produção de leite ou maior aumento de peso vivo dos bovinos de corte. A forma mais adequada de realizar o pastejo é o rotativo, c om a d e l im i t a çã o p o r m e i o de c er c a elétrica apenas da área de pastagem necessária para a alimentação adequada dos animais.

Outra forma importante de produção de alimento para os animais é a elaboração de feno ou silagem. A fenação tem, na região, como fatores limitantes a precipitação excessiva e as baixas temperaturas, que impedem a secagem adequada da forragem em alguns anos. Já a ensilagem pode ser efetuada com maior segurança, pois, em caso de chuva, o trabalho pode ser interrompido e recomeçado quando as condições climáticas o permitirem. A produção de forragem, quando cultivada seguindo as recomendações da pesquisa, atinge de cinco a sete toneladas por hectare de matéria seca, o que pode proporcionar uma produção de mais de quatro mil litros de leite por hectare/ano ou 400 kg/ano de peso vivo por hectare. Essa produção animal é obtida com a ocupação do solo por apenas seis meses, de meados do outono ao início da primavera. No verão, essa mesma área da lavoura está ocupada pelas culturas de verão de maior importância econômica, como a soja, o milho, o feijão, o sorgo, entre outras culturas. A área destinada à produção de grãos de aveia-branca é a segunda mais importante no inverno no Rio Grande do Sul, somente superada pela cultura do trigo. O principal destino dos grãos de aveia


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produzidos é a suplementação na alimentação animal, especialmente de equinos e de bovinos. Como a colheita de aveia ocorre na entressafra do milho (de outubro a dezembro, dependendo da região), o seu custo é competitivo. Mas o cultivo de aveia visando à produção de grãos p o s s u i a grande vantagem de proporcionar uma elevada produção de palha, fundamental para o sucesso na semeadura direta da soja em sucessão por intermédio da semeadura direta. A palha, após a colheita de grãos, apresenta uma alta relação C/N, razão de menor velocidade de decomposição pelos microrganismos. As pesquisas realizadas em nossa região mostram que a sustentabilidade do sistema de semeadura direta necessita de, no mínimo, nove a doze toneladas por hectare de palha/ano. Os principais cultivares de aveia-branca, com maiores potenciais de rendimento, produzem de quatro a sete toneladas por hectare de palha seca, superior ao trigo e à cevada. Portanto, é um desperdício o cultivo de aveia simplesmente como cobertura verde/morta do solo. Mesmo mantendo a sustentabilidade do sistema de semeadura direta, é possível converter essa valiosa biomassa vegetal em produto animal ou alimento humano.

A pesquisa da aveia na UPF A pesquisa de aveia na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária Universidade de Passo Fundo FAMV/UPF iniciou-se em 1977 com transferência do material genético da Embrapa Trigo, onde a pesquisa iniciou em 1974, para a Universidade de Passo Fundo. Esse acordo foi efetivado a partir de proposta da Embrapa (à época, Centro Nacional de Pesquisa de Trigo), representada pelo seu chefe-geral Ottoni de Sousa Rosa e o subchefe-adjunto técnico Francisco Antônio Lange (in memoriam) e pela Universidade de Passo Fundo, representada pelo seu reitor Bruno Edmundo Markus (in memoriam), vice-reitor Acadêmico Elydo Alcides Guareschi, diretor da Faculdade de Agronomia Rodoaldo Damin (in memoriam) e por mim. Coordenei o Programa de Pesquisa de Aveia de 1977 a 1988 e de 1991 até 2009, quando me aposentei na UPF. Foram mais de 32 anos dedicados a esse programa de pesquisa. Uma vida de muito trabalho, desafios, dificuldades, mas levada adiante com muita paixão e orgulho pela realização profissional em função das conquistas. Naquela época, poucas Faculdades de Agronomia tinham um programa de melhoramento genético para desenvolver cultivares. Esse desafio


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era maior ainda na FAMV/UPF, que não tinha nenhuma tradição em pesquisa. A preocupação era somente com o ensino até 1977. Graças à aveia, efetivou-se a primeira cooperação internacional na qual se envolveu a UPF com as universidades norte-americanas de Wisconsin, Texas A & M, de Minnesota e da Flórida (EUA), com o projeto Breeding Oat Cultivars Suitable for Developing Countries. Esse projeto foi desenvolvido sob a responsabilidade do professor Hazel Lee Shands (in memoriam), Professor Emérito da Universidade de Wisconsin (Madison, EUA) até 1987. A partir daquele ano, passouse a responsabilidade pelo projeto ao professor Milton McDaniel (in memoriam), da Texas A & M University (College Station, Texas, EUA) e posteriormente ao professor Robert Forsberg, da Universidade de Wisconsin. Até o ano de 2010, esse projeto foi coordenado pelo professor PhD Deon Stuthmann (in memoriam), da Universidade de Minessota (St. Paul, EUA). Durante vários anos, o projeto contou com a participação do professor PhD Marshall Brinkman, da Universidade de Wisconsin, e do professor Dr. Charlie Brown, da Universidade do Illinois (Chicago, EUA). Desde 1996, também participa desse programa a Universidade da Flórida, com o professor PhD Ron Barnett. Essa importante cooperação internacional somente foi possível graças ao patrocínio da indústria de aveia Quaker (Chicago, EUA), sob a

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responsabilidade do Diretor de desenvolvimento Donald Schrickel (in memorian) até o início da década de 1980. A partir daquele ano até 2001, o trabalho foi coordenado pelo Dr. Samvel Weaver, da Quaker de Chicago (EUA). O pioneirismo da pesquisa de aveia na FAMV/UPF pode ser caracterizado de várias maneiras. Foi o primeiro projeto de pesquisa da UPF aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - Fapergs, em 1979. Também foi o primeiro a ser contemplado com recursos e bolsa de produtividade pelo CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, em 1981 e 1982, respectivamente, e pela FINEP Financiadora de Estudos e Projetos, em 1982. Graças aos recursos financeiros dessas agências e da participação do setor primário, destacando-se a Quaker Alimentos e a Apassul, foi montada uma infraestrutura de pesquisa (laboratórios, máquinas e equipamentos) que proporcionaram a realização de pesquisa em outras áreas da Agronomia. Destaca-se a criação, em 1984, do Centro de Estudos e Pesquisa em Alimentação - Cepa, hoje um dos principais centros laboratoriais do estado do Rio Grande do Sul. A continuidade desse programa de pesquisa e a relevância de seus resultados foram fundamentais para que a Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, em 1996, autorizasse a


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abertura do primeiro curso de mestrado institucional da UPF na FAMV, hoje também doutorado. Esse programa de pós-graduação stricto sensu, em nível de mestrado, iniciouse em 1996 na área de concentração em Fitopatologia e em Produção Vegetal, em 2000. Em 2004, foi criado o primeiro curso de doutorado em Agronomia, nas áreas de Fitopatologia e Produção Vegetal. Esse programa de pesquisa de aveia desenvolveu, de 1977 a 2009, 23 cultivares de aveia-branca, destinados à produção de grãos alimentícios, denominados de UPF 1, UPF 2, UPF 3, UPF 4, UPF 5, UPF 6, UPF 7, UPF 8, UPF 9, UPF 10, UPF 11, UPF 12, UPF 13, UPF14, UPF 15, UPF 16 - Jubileu, UPF17, UPF 18, UPF 19, UPFA 20 – Teixeirinha, UPFA 22 – Temprana, UPFA - Pampa e UPFA - Gaudéria, e, um cultivar de aveia-preta, UPFA 21 – Moreninha, recomendada também no Uruguai, com o nome de Azabache, e nos Estados Unidos da Améria, com a denominação Black Horizon. Outra linhagem foi lançada como cultivar na Austrália, denominada Condamine, a partir de uma linhagem cedida pela UPF. Em cooperação com a Embrapa Pecuária Sudeste (São Paulo - SP), foi lançado um cultivar de aveia forrageira, denominado de São Carlos, a partir de linhagem desenvolvida na UPF. Graças à adoção tanto desses cultivares pelos produtores de aveia, bem como das tecnologias de manejo desenvolvidas, o programa de pesquisa da FAMV transformou-se no mais importante programa de

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extensão da UPF. A marca UPF estendeu-se por vários estados brasileiros e países. Também foram desenvolvidas inúmeras tecnologias de manejo e utilização da aveia na alimentação humana e animal, com a participação de quase duas dezenas de professores/pesquisadores. Mais de 300 alunos receberam treinamento em pesquisa, nas mais diferentes modalidades, e tiveram a oportunidade de realizar seu estágio nas diversas áreas e respectivos professores como orientadores. De 1977 a 2009, participaram como pesquisadores do Programa de Pesquisa de Aveia da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo os professores Ana Lúcia Véras (nutrição animal), Carlos Alberto Forcelini (fitopatologia), Claud Ivan Goellner (entomologia), Cleri Terezinha Doro (in memoriam nutrição humana), Cleusa Bandeira Velloso (nutrição humana), Elmar Luiz Floss (melhoramento genético, nutrição mineral e ecofisiologia), Erlei Melo Reis (fitopatologia), Eunice Oliveira Calvete (melhoramento genético), Helio Carlos Rocha (alimentação de ovinos), João Luiz Reichert (entomologia), José Antônio Martinelli (fitopatologia), Jones Leal Severo (fitopatologia e tecnologia de sementes), Jorge Schulz (nutrição humana), Jurema Schons (virologia), Lizete Augustin (melhoramento genético e bioteconologia), Luiz Carlos Gutkoski (pós-colheita e nutrição


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humana), Magali Ferrari Grando (melhoramento genético e biotecnolgia), Maria Irene Baggio (biotecnologia), Nadia Canali Lângaro (melhoramento genético e biotecnologia), Osmar Rodrigues (tratos culturais), Pedro Alexandre Varella Escosteguy (nutrição e adubação), Renato Serena Fontaneli (pastagens e plantas forrageiras), Simone Meridith Scheffer-Basso (pastagens e plantas forrageiras) e Walter Boller (tecnologia de aplicação de defensivos e tratos culturais). Certamente, a geração e a difusão de tecnologias e a formação de recursos humanos em pesquisa foram alguns dos principais resultados a serem comemorados numa instituição de ensino superior, que comemorou o Jubileu de Ouro em 2011.

Aveia faz bem ao coração! A produção brasileira de grãos de aveia cresceu, no Brasil, de 37 mil toneladas em 1977 para um recorde de 516 mil toneladas na safra de 2006, o que representa a viabilização econômica dessa alternativa de cultivo, a geração de renda aos produtores, a melhoria do solo e, principalmente, a economia de divisas ao país, pois, até a década de 1980, o Brasil era importador desse grão alimentício. O interesse crescente pelo cultivo de aveia-branca observado nos últimos anos pode ser atribuído

não somente ao aumento da demanda interna desse cereal, aos preços favoráveis no mercado interno, à redução da área cultivada com trigo e à disponibilidade de cultivares apresentando potenciais de rendimento superiores aos utilizados tradicionalmente pelos produtores, bem como à melhor qualidade industrial dos grãos. Isso deveu-se aos resultados dos programas de melhoramento genético, especialmente pela Universidade de Passo Fundo e pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Esse fato determinou um aumento significativo do rendimento dessa cultura nas propriedades, com a combinação do potencial genético com a aplicação das melhores tecnologias hoje disponíveis, como melhores cultivares, época e densidade de semeadura, adubação, controle adequado de plantas daninhas, pragas e moléstias, dentre outras O crescimento da demanda de grãos de aveia, nos últimos anos, pode ser atribuído ao aumento dos consumos humano e animal. A produção de grãos de aveia destinase basicamente à alimentação animal, especialmente, cavalos. Aproximadamente 65 mil toneladas de grãos de boa qualidade são processadas no Brasil pelas indústrias de alimentação humana, o que representa apenas 10% - 15% do total de grãos de aveia-branca produzidos, atualmente, em nosso país. Assim, o consumo humano de aveia no Brasil ainda é muito baixo, da ordem de apenas de 283 gramas


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per capita/ano. Para se exemplificar, na Europa, o consumo per capita de aveia é em média de 3 kg/ano. Do ponto de vista político, foi de enorme importância para a cadeia produtiva da aveia a decisão tomada, em dezembro de 1997, pelo Conselho Monetário Nacional, a partir do voto do Ministério da Agricultura, em conceder à aveia um preço mínimo, equivalente a 70% do preço do trigo, e a possibilidade de EGF – SOV (Empréstimo do Governo Federal – sem opção de venda). Como decorrência dessa decisão, as cooperativas, indústrias ou cerealistas podem adquirir os grãos de aveia-branca dos produtores na safra, utilizando como capital de giro os recursos do EGF - SOV, e armazenar o produto durante todo o ano de comercialização/industrialização. Além disso, abre-se a possibilidade de financiamento da lavoura de aveia, a exemplo do que existe para o trigo, cevada e outras culturas. No campo das decisões políticas, espera-se que a aveia seja incluída na cesta básica e, dessa forma, o ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, que hoje é de 17%, seja reduzido para 7% como ocorre nos demais cereais. Isso beneficiaria o produtor e o consumidor e, certamente, representaria um importante incremento ao aumento de produção e consumo desse cereal. Atualmente, a capacidade de produção de grãos de aveia-branca é muito superior à demanda do

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mercado consumidor existente. Há a necessidade da ampliação desse mercado mediante o incremento da sua utilização como alimento humano, especialmente considerando-se a sua alta qualidade nutritiva. A aveia é considerada um dos cereais mais completos, pois seus grãos apresentam altos teores de proteína, fibra dietética e insolúvel e lipídios superiores aos demais cereais (trigo, milho, arroz, cevada, centeio e triticale), um melhor balanceamento de aminoácidos e bons teores de sais minerais e vitaminas. As proteínas, os sais minerais e as vitaminas são essenciais para o crescimento, razão pela qual é a base para alimentação infantil nos países desenvolvidos. Os lipídios são responsáveis pelo alto valor energético dos alimentos derivados de aveia, sendo ricos em ácidos graxos poli-insaturados (por exemplo: Ômega 3), importantes para a saúde humana. Além dessas propriedades nutritivas, a aveia é considerada um alimento funcional por excelência, pois os grãos apresentam altos teores de fibra solúvel ou fibra dietética solúvel ou alimentar (beta-glicano), importante na dieta alimentar de adultos. Essa fibra alimentar reduz os níveis de colesterol e de glicose no sangue e, consequentemente, atua na prevenção de doenças do coração conforme quarenta e um trabalhos científicos publicados em diversas partes do mundo durante mais de trinta anos. Esse fato justificou a


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decisão tomada, em janeiro de 1997, pelo FDA (Food and Drug Administration) dos Estados Unidos e pela Agência Nacional de Vigilância do Ministério da Saúde do Brasil (8/12/2000), em recomendar a aveia como alimento funcional (“a aveia ajuda a reduzir o colesterol”). Segundo o documento aprovado no Brasil, proposto pela professora Alicia de Francisco (UFSC), “o consumo diário de três gramas de fibra solúvel de aveia, como parte de uma dieta baixa em gordura saturada e colesterol, pode reduzir o risco de doenças cardíacas”. Pesquisas recentes sugerem que a aveia tem um papel importante em outros processos fisiológicos, como na moderação dos efeitos da hipertensão, na regulação dos níveis de glicose e insulina no sangue, no controle de peso e na promoção de saúde gastrointestinal, reduzindo-se inclusive o câncer intestinal. Também é rica em fibra insolúvel, que melhora o funcionamento intestinal. Resultados de pesquisa demonstraram que a adição de farelo de aveia (oat bran), rico em fibras, em uma dieta contendo gorduras, baixou o acúmulo de colesterol e triglicerídios tanto no sangue como no fígado de ratos. Em vinte e uma pessoas sadias, que consumiam dietas contendo 140 gramas de aveia ao dia, observou-se uma redução dos níveis de colesterol de 251 para 233 mg/100 ml de sangue após três semanas. A aveia pode ser consumida na forma de grãos integrais descascados e de produtos

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derivados do processamento industrial, como flocos, flocos finos ou instantâneos, farelo (oat bran) e farinha. Nos países de clima frio, como os europeus, os Estados Unidos da América e o Canadá, a principal utilização é na forma de mingau. Entre nós, algumas pesquisas realizadas mostram uma baixa aceitação dessa forma de preparo. Por essa razão, a aveia deve ser utilizada em alimentos tradicionalmente consumidos pela população como: na substituição parcial da farinha de trigo por derivados de aveia; no preparo de pães, bolos, biscoitos/bolachas, massas, pizzas, pastéis; em vitaminas ou batidas de leite ou sucos de frutas (especialmente de laranja, limão, abacaxi e acerola, que são ricos em vitamina C); na mistura com bebidas lácteas; nas sopas substituindo o arroz; na substituição da farinha de mandioca na farofa ou no churrasco, por farelo de aveia torrado; na mistura com iogurte natural; na forma de granolas (com sabores a gosto) e de cereal em barras; dentre outras formas, tanto em alimentos doces quanto salgados. Com o aumento do rendimento da aveia e a melhoria da qualidade industrial dos grãos, houve uma redução significativa do custo da unidade produzida. Esse fato, aliado à competição entre as novas plantas industriais de aveia instaladas no Brasil nos últimos anos, fez com que houvesse uma redução significativa no preço dos alimentos derivados de


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aveia ao consumidor. Também houve um aumento significativo da quantidade de produtos alimentícios derivados de aveia disponíveis no mercado brasileiro. Ao se considerar que a aveia é uma importante alternativa de cultivo em toda a região Centro-Sul do Brasil, com potencial para ativar o agregado econômico, a existência de novas plantas industriais processadoras desse grão e a grande variedade de novos alimentos disponíveis contendo derivados de aveia, há a necessidade da implantação de programas educativos que estimulem o aumento do consumo humano desse cereal, como a merenda escolar, os programas sociais, em hospitais, nas Forças Armadas, entre outros. O aumento crescente da inclusão da aveia na merenda escolar nos municípios seria de grande importância por vários aspectos: 1) o fornecimento às crianças de um alimento altamente nutritivo; 2) o desenvolvimento do hábito de consumo de derivados de aveia pelas crianças de hoje e adultos de amanhã; 3) o estímulo ao consumo de um produto da própria região, beneficiando toda a cadeia produtiva da aveia, o produtor, a indústria, o comércio e os serviços; 4) a expectativa de que, como pais, no futuro, essas crianças, fornecerão alimentos à base de aveia aos seus filhos de forma rotineira; e 5) a melhoria da saúde de toda a população consumidora.

Aveia e soja na alimentação humana A sociedade discute cada vez mais a necessidade de uma alimentação mais saudável e, dessa maneira, aparecem os bons alimentos, com destaque à s frutas, às verduras e aos grãos integrais. Tradicionalmente, o valor nutritivo dos alimentos era baseado apenas no valor energético, protéico, vitamínico e mineral. A partir da década de 1990, os especialistas começaram a dar maior atenção aos chamados alimentos funcionais. Dessa forma, assumem importância as fibras dietéticas, que, associadas a uma dieta equilibrada, diminuem os teores de colesterol no sangue, o que previne as doenças cardíacas. Merece destaque o trabalho do médico americano Michael Roizen, fundador de um dos mais renomados Centros de Estudo da Saúde e do Metabolismo Humano. Esse médico escreveu recentemente um livro denominado A cozinha da Idade Verdadeira, no qual apresenta as receitas específicas para cada idade e situação corporal, visando ao retardamento do processo de envelhecimento e à prevenção de doenças. Segundo o Dr. Michael, os dez alimentos, já comprovados pela ciência de serem capazes de prevenir doenças e, portanto, de prolongar uma vida saudável, são a aveia, o alho, o azeite de oliva, a castanhado-pará, o chá verde, a maçã, os peixes, a soja, o tomate e o vinho tinto. Excluídos o azeite de oliva e a castanha-do-pará, todos os demais


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alimentos são produzidos na região Sul do Brasil e encontrados em qualquer mercado. Até mesmo o peixe está cada vez mais disponível, especialmente aqueles de água doce, produzidos em nossa região, inclusive com maior variedade. Chamam a atenção dois alimentos, cujos cultivos ocupam uma enorme área em nossa região, que são a soja no verão e a aveia no inverno. A aveia “ajuda a diminuir o colesterol ruim, o LDL, e por isso ganhou o selo de redutor do risco de doenças cardíacas do FDA, que é a agência americana que cuida do controle de alimentos e medicamentos”, e da Anvisa no Brasil. Mas, o consumo per capita desse cereal ainda é baixo no Brasil. A situação da soja é ainda pior, pois, apesar de sermos o segundo maior produtor mundial, o primeiro exportador, pelo fato de a região cultivar um verdadeiro “mar de soja” no verão, praticamente utilizamos apenas o seu óleo na alimentação humana. A grande procura mundial por soja e seus elevados, altos preços, quando comparado aos demais grãos alimentícios, devem-se, principalmente, ao alto teor de proteínas, com uma qualidade biológica equivalente à proteína animal. Os grãos de soja, a depender do cultivar, solo, clima e manejo utilizado, apresentam de 37% a 43% de proteína bruta. É a única proteína vegetal comparável quanto ao valor nutritivo e biológico à proteína animal, como da carne, do ovo e do leite. Assim, um produtor que colhe 50 sacas de soja/ha (3.000 kg/ha), com um média de 40% de proteína, está colhendo 1.200 kg/ha de

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proteína bruta. Essa proteína é produzida pela soja num período de apenas 120 a 135 dias, a depender do cultivar. Para exemplificar, a carne bovina, sem ossos, tem em média 30% de proteína. Para produzir 1.200 kg/ha de proteína animal, seria necessário produzir 3.660kg/ha de carne, mais de 7 mil kg de peso vivo/ha, nos mesmos 120 - 135 dias. Isso é absolutamente impossível. Os estudos recentes demonstram que a soja também promove redução dos níveis de colesterol ruim no sangue, bem como ameniza os incômodos da menopausa e previne o câncer de mama e de cólon, pela presença de flavonoides. O mais lamentável é que temos, no Brasil, mais de quarenta milhões de brasileiros com carência de proteína e não utilizamos esse grão tão abundante e barato na alimentação, nos programas sociais. Essa nova educação alimentar deve começar pelas escolas, com a inclusão dos melhores alimentos regionais na merenda, criando-se, assim, condições melhores para a saúde humana.

Palhada de aveia, um sustentáculo do sistema de semeadura direta! A aveia tem contribuído decisivamente para a sustentabilidade do sistema de semeadura direta no sul do Brasil ou sistema plantio direto na palha (SPDP). Ela produz grande


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quantidade de palha, propicia uma melhoria significativa das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo e no controle alelopático (escopoletina) de algumas moléstias e plantas daninhas. Também pode ser utilizada como cultura de cobertura verde do solo e manejada no estádio de floração para formação de cobertura morta. No cultivo de aveia-branca, além da produção econômica de grãos, forma-se uma palhada menor, porém, com maior relação C/N, razão da menor velocidade de decomposição e, por isso, mais eficiente para a sustentabilidade do sistema de semeadura direta. A sucessão aveia/soja contribui para o aumento da rentabilidade da propriedade. Quando o cultivo da aveia for realizado em sucessão ao do milho, deve-se aumentar a adubação nitrogenada em, aproximadamente, 5 kg/ha de N para cada tonelada de palha seca de milho ou outra gramínea existente no momento da semeadura.

Aveia dá leite! A aveia, cultivada de forma isolada ou consorciada com outras forrageiras, constitui-se na principal forrageira de inverno do Sul do Brasil, em integração com as culturas de verão. A forragem pode ser utilizada por meio de cortes e fornecimento no cocho, pastejo, elaboração de feno e silagem e em forma de grãos. A produtividade média é de 5 a 7 t/ha de matéria

seca, de alto valor nutritivo. Estimase que um kilo de matéria seca propicia a produção de um litro de leite. Dessa forma, ocupando os solos apenas no outono/inverno, é possível a produção de 3.800 a 4.500 litros de leite/ha, considerando uma perda de 20% a 25% da forragem. Também os grãos de aveia são uma excelente alternativa de suplementação das vacas leiteiras no período de novembro a fevereiro, quando há maior escassez de milho. Os grãos de aveia não devem ser triturados, pois a ingestão diminui. Para triturar a casca da aveia, há a necessidade de alta rotação, o que degrada demasiadamente o endoesperma, que contém os constituintes nutritivos. Recomenda-se, portanto, que sejam fornecidos inteiros e preferivelmente umedecidos com doze horas de antecedência ou laminados/machucados. Os grãos inteiros secos irritam a garganta do animal devido ao silício presente na casca. Ressalte-se que o seu valor proteico é superior ao do grão de milho, enquanto o valor energético compreende aproximadamente 80%.

Aveia produz carne! A terminação de novilhos no período de inverno alimentados com forrageiras dessa estação, como a aveia forrageira, é uma importante alternativa econômica para o sul do Brasil na integração lavoura/pecuária. A partir de


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animais disponíveis nas regiões criatórias, produz-se carne na entressafra, o que proporciona aumento de renda às propriedades. A implantação da aveia, de forma isolada ou consorciada com outras forrageiras, deve ser realizada imediatamente após a colheita das culturas de verão. O pastejo deve ser realizado sempre em caso de uma disponibilidade de 1.500 kg/ha de matéria seca, ou seja, de 800 a 1000 g/m² de forragem verde. Dessa maneira, o animal alimenta-se de forma adequada. Estima-se que, para se produzir um kilo de peso vivo, o animal precisa ingerir dez kilos de matéria seca. Portanto, essa atividade pode proporcionar um ganho de 380 a 450 kg/ha de peso vivo, sem prejuízo das culturas de verão, utilizando-se a área somente nos meses de março-abril até setembro, época de pouco sol e de baixas temperaturas. A partir de setembro, as áreas são liberadas para o cultivo das culturas de verão, com uma antecedência mínima de três semanas antes da dessecação. Recomenda-se aplicar de 25-30 kg/ha de nitrogênio, para acelerar o rebrote das plantas forrageiras. Além da formação de uma maior palhada, o crescimento de novas raízes proporciona uma descompactação da camada superficial provocada pelo pisoteio dos animais.

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Feno de aveia - garantia de alimento quando falta pastagem! A aveia pode ser utilizada para elaboração de feno entre os estádios de emborrachamento e floração. Quanto mais jovens forem as plantas, menor será a produtividade de forragem e melhor será a qualidade nutritiva do feno. O rendimento varia de 5 a 9 t/ha, conforme o cultivar utilizado, o nível de fertilidade do solo e as condições climáticas da região. Um bom feno de aveia-branca, elaborado no estádio vegetativo, apresenta qualidade nutritiva equivalente a uma boa silagem de milho na produção de vacas leiteiras e criação de bezerras. Em sistemas de semeadura direta (SSD), recomenda-se a fenação em 20%/ano da propriedade para não prejudicar a cobertura do solo. Um dos grandes prejuízos de estiagens na região é a falta de pastagem para as vacas leiteiras e a consequente diminuição da produção de leite. A pastagem de verão, como o milheto e o sorgo, além da pastagem nativa, tem o crescimento praticamente reduzido a zero com a falta de água. Apesar de as secas de verão serem um fenômeno que ocorre periodicamente em nossa região, com diferentes graus de intensidade, dependendo do ano, ainda carecemos de um planejamento forrageiro para enfrentar esses


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períodos. A elaboração de feno ou silagem é alternativa de conservação de forragem que assume uma importância decisiva em momentos de escassez de pastagem. O mais acertado seria manter permanentemente um estoque de feno ou silagem, exatamente para se ter alimentação farta aos animais em épocas de seca ou quando precocemente as pastagens de verãos são crestadas pelas geadas. Há, no Rio Grande do Sul, uma enorme área de solos cultivados com soja e milho no verão e que ficam sem ocupação econômica no período de inverno. Essas áreas podem ser utilizadas para cultivo de aveia, azevém, centeio ou outras forrageiras de inverno para a elaboração de feno ou silagem, quando as plantas atingem o estádio de floração ou formação de grãos. Um fator restritivo para a fenação é a necessidade de, pelo menos, dois a três dias de sol para a secagem do material e seu enfardamento, o que normalmente ocorre nos meses de agosto a outubro. Um feno elaborado quando as plantas forrageiras estão no estádio de floração apresenta excelente qualidade para a alimentação de vacas leiteiras e para a manutenção da produção normal de leite.

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Silagem de aveia, um avanço na alimentação de vacas leiteiras! A elaboração de silagem é uma forma de aproveitamento dos solos no inverno e de aumento da disponibilidade de forragem para os animais, especialmente vacas leiteiras. Para uma melhor qualidade nutritiva, deve ser realizada a ensilagem nos estádios de emborrachamento até o início da floração (pré-secada). Como apresenta um alto conteúdo de água, deve ser secada e deixada para murchar ao sol por quat r o a seis horas, produzindo-se menos, mas com melhor quantidade nutritiva. Quando a ensilagem é realizada no estádio de grão em massa mole, ela pode ser realizada diretamente, porém o valor nutritivo é menor. A silagem pré-secada deve ser utilizada na alimentação de vacas de alto valor zootécnico em produção. Para os demais animais, pode-se fornecer a silagem produzida no estádio de grãos em massa mole. A ensilagem é mais fácil de ser realizada do que a fenação, pois, em caso de chuvas, o trabalho pode ser interrompido e retomado quando as condições climáticas o permitirem. Por tratar-se de uma forragem conservada na forma úmida, a palatabilidade para as vacas leiteiras também é melhor, o que garante uma adequada alimentação dos animais.


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O grande problema é o alto custo do maquinário para fenação ou ensilagem. Realmente, não é compensador cada agricultor adquirir as máquinas e utilizá-las poucos dias durante o ano. A solução é o associativismo, ou seja, vários produtores se reúnem para adquirir os equipamentos, diminuindo-se o valor do investimento e o custo do produto elaborado. Em vários municípios da região, as prefeituras municipais ou as cooperativas adquiriram o maquinário e realizam o trabalho para os produtores interessados, que pagam apenas o custo operacional da máquina. Trata-se de uma oportunidade para os produtores adquirirem o maquinário e fazerem a prestação de serviços aos demais produtores. Com as geadas de inverno ou estiagens, estão sendo deixados de se produzir milhares de litros de leite por falta de alimentação dos animais, o que resulta na redução de renda dos produtores e também gera ociosidade das indústrias. Com um melhor planejamento forrageiro e manutenção de um estoque de feno ou silagem, esses problemas podem ser minimizados e garantir-se a sustentabilidade do negócio. É o trabalho da formiga: “guardar o que é produzido em abundância em determinadas épocas do ano, para não faltar comida nas épocas de condições climáticas adversas”.

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Agronegócio, um sustentáculo da economia brasileira Origem e evolução da agricultura A agricultura é uma das atividades humanas mais antigas. Desde suas origens, o homem aproveita o fruto das árvores, recolhe grãos, folhas ramos e tubérculos para satisfazer as suas necessidades alimentares. A coleta de vegetais logo se viu associada a outras atividades, como o aproveitamento do mel e de alguns pequenos animais comestíveis. Mas ainda não se praticava a agricultura e, sim, a indústria extrativa. Essa só começa com a execução de trabalhos voluntariamente aprendidos e destinados a conseguir uma colheita prevista. A princípio, o agricultor deve ter-se esforçado para aclimatar e cultivar as plantas consideradas úteis que encontrava ao acaso. Nessas formas primitivas, o cultivo era muito superficial e as ferramentas eram adaptações

rudimentares: um bastão pontiagudo para abrir covas, um chifre de cervo como enxada ou troncos de árvores como cultivadores. A agricultura efetivamente iniciou-se nas regiões montanhosas dos países tropicais e subtropicais. Já no ano 2838 a.C., a China conhecia o arado, preconizado pelo imperador Shen Nung, considerado o “fundador da agricultura”. Naquela época, cultivavam-se arroz, trigo, soja e amoreira para criação do bicho-daseda. Na Índia, plantavam-se videira, tamareira, mangueira e cajueiro. Muitos séculos antes da era cristã, floresceu no Egito uma agricultura adiantada que aproveitava as inundações do Nilo, com canais de irrigação e obras hidráulicas. A erosão provocada pela chuva fazia com que a água arrastasse para dentro do rio Nilo grande quantidade de terra fértil das montanhas da Etiópia e outras regiões. Após a inundação das


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planícies pelo Nilo, esses sedimentos ricos em nutrientes e matéria orgânica enriqueciam o solo, propiciando altas produções. Na Grécia, no século II a.C., Teofrasto e Xenofonte descreveram, com detalhes, algumas questões agrícolas. Catão. ao descrever os campos, relata o crescimento que a agricultura obteve em Roma. Na Idade Média, o desenvolvimento agrícola foi pequeno. Mas o que dá fisionomia própria ao cultivo primitivo é o seu caráter itinerante. Sem a reposição de nutriente via adubação, o solo esgota-se com rapidez. Sem a adubação, havia necessidade de se deslocarem frequentemente os cultivos a fim de buscar novos campos férteis e permitir que os esgotados se recuperassem. O passo dado no sentido de transformar o cultivo itinerante em cultivo sedentário ou fixo é um dos fatos mais importantes da evolução humana, pois se acha associado à sedentariedade dos homens. A implantação do cultivo fixo e a utilização sucessiva do mesmo campo estão condicionadas à possibilidade de restituir ao solo pelo menos uma parte dos nutrientes dele derivados com o crescimento das plantas e a respectiva colheita. Não se pode praticar o cultivo sedentário sem a reposição dos nutrientes. Até um século atrás, os únicos produtos de que dispunham os agricultores para devolver ao solo a fertilidade perdida eram os estercos, dejeções humanas, restos de comida, algas e plantas ricas em matéria

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orgânica (húmus) ou, então, fazer o pousio (deixar o solo em repouso). O pousio (não cultivar) representava o descanso das terras. Quando um campo permanecia em pousio por alguns anos, cobria-se de vegetação espontânea e era onde pastava o gado. Prepará-lo para o novo cultivo significava enterrar as plantas e com elas o esterco deixado pelos animais. Essa matéria orgânica é decomposta pelos microorganismos, liberando-se novamente os nutrientes na forma inorgânica. Assim, o solo recuperava sua fertilidade. Em tempos modernos, a pressão demográfica e a escassez de terra impuseram tipos de cultivo que dispensam o pousio. Além dos recursos de recuperação que a técnica colocou à disposição dos agricultores, verificou-se que alguns vegetais, notadamente leguminosas, têm a propriedade de fixar no solo o nitrogênio atmosférico, por meio da simbiose com bactérias, compensando-se, assim, a retirada exaustiva desse alimento. Introduziu-se, então, a prática de rotação de culturas com a alternância especialmente de leguminosas com cereais e outras culturas, mais exigentes em fertilidade. A agricultura primitiva estava ligada a ritos de caráter religioso, que deram origem a numerosas lendas e constituíam um mundo mágico com seus deuses e superstições. Ainda hoje, a agricultura de muitos países está impregnada de certas tradições


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oriundas desses antigos ritos. A literatura registra muitas antigas lendas sobre a origem de várias plantas. É bem conhecida a dos nossos índios sobre a mandioca. Assim, também o milho tem o seu aparecimento explicado por várias lendas, e os astecas tinham por ele veneração, pois o consideravam mãe da raça e de seus ancestrais. O milho era considerado “um alimento dos deuses e do homem”. Na Manchúria antiga (hoje China), a soja também era considerada um “alimento sagrado”. Na era cristã, a partir da história bíblica do Egito antigo, o trigo e o pão são considerados “alimentos sagrados”. O fogo está ligado às práticas mais antigas. Por seu intermédio, o homem conseguiu dominar a natureza e implantar as primeiras lavouras. Infelizmente, sua ação ainda é sensível em nossos dias, e os fazedores de deserto, na expressão de Euclides da Cunha, até hoje, tanto no Brasil como em outros países de agriculturas subdesenvolvidas, pelo uso do fogo no preparo de lavouras, convertem imensas regiões florestais em deserto. Pouco a pouco, o homem foi observando as plantas, conforme seu interesse, tirando partido daquelas que lhe davam mais rendimentos. Assim, as plantas arbóreas, produtoras de frutas e sementes comestíveis, foram sendo aproveitadas na alimentação. As plantas com raízes tuberosas, como a mandioca e o inhame, parecem ter sido as primeiras utilizadas pelos índios em suas primeiras plantações.

A cultura de cereais, como trigo, cevada, centeio e aveia, são antigas na região asiática. Depois, o homem aprendeu a cultivar as plantas oleaginosas e as leguminosas. A domesticação de animais precedeu e depois acompanhou a evolução da agricultura: a vida pastoril nômade foi anterior à vida agrícola. Dos animais domesticados pelo homem, estão em primeiro lugar o cão, a cabra e a ovelha. Para exemplificar, a partir do javali, desenvolveu-se o suíno. ]

História da agricultura no Brasil Historicamente, a agricultura exerce importante papel na economia brasileira. O próprio descobrimento do Brasil teve, na agricultura, um de seus mais importantes componentes. Com a revolução comercial e industrial e o crescimento demográfico, a Europa carecia de alimentos e estava à procura de centros de abastecimento de alimentos e matérias-primas. Antes da chegada dos portugueses, os índios cultivavam o milho, o fumo, o amendoim e, principalmente, a mandioca em tamanha proporção que já não se poderia considerá-los nômades. Aos homens indígenas, cabiam a derrubada e a queima do mato, o exercício da caça e da pesca, o transporte da lenha e a construção de habitação. As mulheres se


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ocupavam do plantio, dos tratos culturais, da colheita, em virtude de conhecidas superstições de grupos sociais que acreditavam na transmissão pela mulher de seus dons de “fecundidade” aos trabalhos agrícolas, identificando a produção da terra com a função da maternidade. Por isso, a agricultura tem uma deusa, Céres. Os processos de cultivo de nossos índios não eram muito diferentes dos que ainda hoje se encontram em algumas regiões brasileiras. Da ação dos portugueses em benefício da agricultura indígena, assinala-se a história de que, no período colonial, foram os jesuítas, por intermédio de um árduo trabalho, os primeiros e únicos mestres dos nossos índios na arte de cultivar a terra. Afora o trabalho dos jesuítas, pouco fizeram os portugueses pela agricultura no Brasil colonial. Na verdade, promoveram uma grande indústria extrativa na exploração do pau-brasil. Após algumas experiências com a cana-de-açúcar trazida da Ilha da Madeira, no século XVII, a descoberta das minas de ouro e de diamantes desloca os interesses de Portugal para a exploração dessas riquezas, e, só no fim do século XVIII, o vice-Rei, Marquês do Lauradio, mostrar-se-ia preocupado em estimular a nossa agricultura, com a promoção de várias culturas, principalmente a do trigo, que de resto não despertariam grande interesse em Portugal. A evolução da agricultura brasileira está subordinada à nossa economia, feita em ciclos sucessivos

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característicos de nossa história e desenvolvida em ordem cronológica desde o século XVI: são os ciclos do pau-brasil, do açúcar, do gado, do ouro e do café. Foram assim chamados, porque neles predominou economicamente o produto que lhes deu o nome, mas, ao lado de cada um desses produtos principais e, dentro desses ciclos, a história registra outros produtos. Assim, no primeiro ciclo, do pau-brasil, assinala-se o comércio de animais vivos e mortos, de algodão e sementes oleaginosas. No segundo ciclo, do açúcar, as culturas de tabaco e a criação de gado (exportação de charque) representam fontes importantes de rendimento ao Império português. No ciclo do ouro, o diamante e as pedras preciosas ocupam papel saliente. E, no ciclo do café, que possibilitou a expansão material e a civilização em que vivemos, está incluído o ciclo industrial com produção variada. a) Ciclo do pau-brasil O pau-brasil (Caesalpinia echinata, Lamarck) representou uma riqueza fácil que se tornou a principal fonte e dominou o comércio colonial durante anos. A sua importância foi de tal monta que a terra descoberta por Cabral recebeu o nome de Vera Cruz ou Santa Cruz, como foi oficialmente batizada, teve o seu nome alterado para o de Brasil, “por artes diabólicas”. Dizia o grande escritor da época, João de Barros: “se mudava o nome de Santa Cruz, tão pio e devoto para o de um pau de tingir


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panos”. A exploração do pau-brasil far-se-ia nas florestas litorâneas nos trechos compreendidos entre o Cabo de São Roque e Cabo Frio. A quantidade de madeira levada para Portugal é desconhecida, mas esse comércio durou aproximadamente cinquenta anos. b) Ciclo da cana-de-açúcar A cana-de-açúcar (Sacharun officinarum L), de origem asiática, foi introduzida no Brasil em princípios do século XVI, por Martim Afonso de Souza, a partir da Ilha da Madeira. O primeiro engenho, chamado “engenho do governador”, foi construído em São Vicente, em 1533. A cultura de cana-de-açúcar expandiu-se depois pelo litoral brasileiro, do Rio de Janeiro a Pernambuco. Como o valor de exportação atingiu índices elevados, era natural que aparecesse a cobiça de outras nações. Tivemos, assim, o domínio holandês no Brasil, sob a direção do Príncipe Mauricio de Nassau. Já em 1550, o Brasil possuía mais de 50 engenhos de açúcar. Essa época se destaca como uma página infeliz de nossa história, pois escravos negros, aprisionados na África e trazidos ao Brasil, forneceram abundante mão de obra à exploração de cana-de-açúcar já que os índios não queriam trabalhar. Além disso, rumo ao Oeste, partiam do litoral diversas expedições em busca de índios para serem utilizados como escravos na lavoura. Certamente, ninguém, naquela época, iria imaginar que a cana-de-

açúcar viria a ser, além da produção de açúcar, uma produtora de combustível etanol, utilizao em 63% da frota de automóveis flex em 2012. À cultura de cana-de-açúcar, seguiu-se a do tabaco, que era usado pelos indígenas para “afastar os maus espíritos”. Essa cultura, apesar de combatida pelos jesuítas, estendeu-se por todo o país, chegando a dominar o comércio internacional brasileiro. O tabaco ainda é um dos produtos mais importantes da pauta de exportação brasileira. c) Ciclo gado

do

O gado bovino foi introduzido na Capitania de São Vicente na primeira metade do século XVI. Daí, passou à Bahia e às capitais do Nordeste. A princípio, o gado era utilizado como elemento de trabalho nos engenhos de açúcar e na alimentação de sua população. Depois, apareceram os currais, que tiveram grande desenvolvimento e alastraram-se pelo Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Por outro lado, na direção do Oeste, a sua expansão atingiu Goiás e Mato Grosso. O estado de Minas Gerais era desbravado pelos criadores de São Vicente. Foi a verdadeira marcha para o Oeste, feita pelos bandeirantes, os desbravadores de nossos sertões e fundadores de cidades. Portanto, com a importância que assume na história do Brasil o ciclo pastoril, pelo gado, foi consolidada a unidade


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nacional. O grande negócio da criação era a comercialização do couro, o que fez surgir a pitoresca expressão “época do couro” usada por Capistrano de Abreu. No século XVI, a criação de gado tornou-se importante no Rio Grande do sul, pois a sua criação era comum na região platina. Além do couro, na época, assumia-se a grande exportação de charque. Em função dos altos tributos cobrados pelo império sobre o charque e o couro, ocorreu a histórica Revolução Farroupilha. d) Ciclo do café O café foi introduzido no Brasil, em 1727, por Francisco de Melo Palheta, que o trouxe da Guiana Francesa. Plantado no Pará, espalhou-se a cultura para outras capitais do Norte, constituindo, entretanto, pequena exploração agrícola. Mais tarde, o café foi levado ao Rio de Janeiro, de onde se espalhou, pouco a pouco, por Minas Gerais e São Paulo, mas em escala reduzida. Essa cultura alcançou grande desenvolvimento no Rio de Janeiro, durante o Império e até 1880, assinalando-se daí por diante o seu declínio. Esse produto muito contribuiu para o desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro. Em troca do café exportado, foram importados muitos produtos industrializados, montaram-se os laboratórios das primeiras universidades brasileiras, ocorreu a construção de ferrovias e portos etc.

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A preferência dos europeus e americanos pelo café brasileiro devia-se ao fato de ser aqui cultivada a espécie Coffea arábica, considerada de melhor paladar. A abolição da escravidão foi uma das causas do declínio da lavoura cafeeira fluminense. Posteriormente, surgiu a ferrugem nos cafezais na Bahia, que se estendeu posteriormente ao Sul e dizimou grandes áreas. Não havia possibilidade de controle químico dessa moléstia e o cultivo de espécie resistente (Coffea robusta) não era interessante por ser de menor qualidade. A solução foi a expansão do café para São Paulo, Paraná e Mato Grosso, mas, nessas regiões mais frias, grandes áreas de café foram crestadas pelas geadas, o que gerou enormes prejuízos aos agricultores e ao Estado. A partir do início da década de 1950, a agricultura brasileira iniciou uma fase de “modernização”, com a introdução de máquinas e de equipamentos e a utilização crescente de insumos agrícolas. Caracteriza-se pela diversificação em nível nacional, deixando de ser dependente de apenas um ou dois produtos.

Agricultura brasileira contemporânea Ultimamente, começam a aparecer ensaios para mostrar a evolução e a importância do agronegócio brasileiro nos últimos


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anos. Em 1930, quando Getúlio Vargas assume o poder, a população brasileira era predominantemente rural (83%). Produziam-se alimentos para si e para os outros 17% da população que vivia nas cidades. O Brasil tinha no café a grande cultura econômica e geradora de divisas, mas importava alimentos básicos, até mesmo seu prato típico, o arroz (da Ásia) e o feijão (do México, América Central e até mesmo dos Estados Unidos da América), além de trigo (dos EUA e Canadá) e leite (da Europa), dentre outros. Nessa época, milhões de sacas de café tiveram de ser queimadas, para melhorar os preços no mercado internacional. E, no final de seu governo, surgiu a ferrugem do café que dizimou os cafezais da Bahia, do Rio de Janeiro e parte de São Paulo. Além das inúmeras iniciativas na área social, Getúlio Vargas é lembrado pelo início da industrialização no Brasil: além do populismo, carregava também o forte discurso nacionalista. Mas, o Brasil não tinha tecnologia e equipamentos. Na verdade, transferiram-se indústrias têxteis e mecânicas de sua matriz para o Brasil, um custo elevadíssimo e o início do histórico endividamento brasileiro. Mas, preocupado com a crescente importação de alimentos, criou inúmeras Estações de Pesquisa Agropecuária pelo Brasil. No Rio Grande do Sul, a principal missão era desenvolver a cultura do trigo. Depois veio o Governo de Juscelino Kubistchek de Oliveira, o

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mineiro que não se conformava que apenas o café sustentasse a economia brasileira. Seu projeto de governo era “avançar 50 anos em cinco anos”. Investiu na industrialização, mas viu que se dependia do desenvolvimento tecnológico, por isso investiu em universidades e criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Forneceu bolsas de pesquisa para que brasileiros fossem fazer pósgraduação no exterior, pôs em prática o projeto da transferência da capital federal do Rio Janeiro para o Centro-Oeste, construindo Brasília. O Brasil não poderia continuar somente litorâneo, dando as costas para seu interior. Certamente, se Brasília não fosse construída, não teríamos o desenvolvimento tão pujante do agronegócio no CentroOeste brasileiro e até mesmo no Norte e Nordeste. Já se fala que essa é a segunda “revolução verde” da humanidade. Até a década de 1970, a situação de segurança alimentar não se resolveu. Com a industrialização, aumentava-se cada vez mais a população urbana e havia cada vez menos produtores para produzir alimentos. E, o Brasil se tornava um dos maiores importadores de alimentos. No final da década de 1960, o então Ministro da Agricultura, o gaúcho e engenheiro agrônomo Luiz Fernando Cirne Lima, havia proposta uma reformulação da pesquisa agropecuária brasileira, que era inoperante. Propôs a criação


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da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, mas, infelizmente, poucas semanas depois, renunciou ao cargo. Em 1974, o ministro da Agricultura, engenheiro agrônomo, mineiro, filho de produtor de café, exprofessor e diretor da Faculdade de Agronomia de Lavras, Alysson Paulinelli retoma o projeto e implanta a Embrapa, como instituição pública de coordenação da política nacional de pesquisa agropecuária. Era outro mineiro inconformado com o fato de que praticamente somente o café financiasse as importações de alimentos básicos, em quantidade crescente pelo aumento da população urbana. Ao longo dos anos, milhares de pesquisadores foram treinados no exterior, para trazer as mais modernas tecnologias agropecuárias ao Brasil. Além da pesquisa na Embrapa, houve um desenvolvimento da pesquisa em universidades em função dos cursos de mestrado e doutorado. Grandes empresas privadas de pesquisa foram criadas no Brasil ou vieram do exterior, especialmente depois que foi aprovada (de forma atrasada) a Lei de Proteção de Cultivares. Hoje, as empresas privadas dominam o mercado genético nas grandes culturas, contribuindo significativamente com o aumento do rendimento, difusão de tecnologias de manejo e desenvolvimento de máquinas, equipamentos e insumos. Aliada a outras políticas de crédito rural e infraestrutura, a produção brasileira

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de grãos começa a aumentar. Em 2012, apenas 17% da população brasileira produziam alimentos para si e para mais 83% da população urbana e com crescentes excedentes exportáveis. Em 1980, a produção brasileira de grãos era de 51 milhões de toneladas e, na safra de 2011, chegou a 168 milhões de toneladas, um crescimento de 329%. O mesmo aconteceu com a produção de carnes (bovina, suína e de frangos) e leite. De importador, o Brasil passou a ser um dos maiores exportadores de alimentos de origem vegetal e animal. Enquanto, em 2011, a balança comercial brasileira de produtos industrializados foi R$ 72 bilhões negativa, o agronegócio gerou um superávit de R$ 77 bilhões. Essas divisas equilibraram a balança comercial e contribuíram para o controle da inflação, causando estabilidade econômica e política ao país. Até a década de 1990, cerca de 40% -50% da renda dos trabalhadores estava comprometida com a aquisição de alimentos. Com o aumento do poder aquisitivo, em função do bem-sucedido Plano Real, que controlou a inflação, e a produção abundante e barata de alimentos, o trabalhador hoje não compromete mais do que 20% da sua renda com alimentação. Assim, sobra dinheiro para a aquisição de eletrodomésticos, celular, carro, casa, lazer etc, o que impulsionou a economia brasileira.

Agronegócio: o


Agronegócio e Desenvolvimento - pontos de vista

sustentáculo da economia do Brasil O Brasil apresenta uma potencialidade agrícola extraordinária, traduzida pela grande área de solos, clima diversificado e tecnologias apropriadas disponíveis, desenvolvidas pela pesquisa pública e privada. É a resposta do agricultor brasileiro aos desafios a que foi submetido, pois, diferentemente de outros países desenvolvidos, aqui não há subsídios para produzir, os recursos financeiros são escassos e, por isso, os juros altos. Além do mais, os impostos são os mais elevados do mundo, tanto sobre os insumos utilizados, quanto sobre a produção final. Somam-se a isso a falta de estradas em adequadas condições e o alto custo de nossos serviços portuários que reduzem a competição dos produtos agrícolas brasileiros em relação aos outros países exportadores. A partir da década de 1980, a adoção pela grande maioria dos agricultores do sistema de plantio direto - SPD foi o início da mudança de perfil das propriedades e da economia regional. O sistema de plantio direto é um processo de produção combinado com a preservação ambiental, pois representa o sequestro de carbono no solo, absorvido pelas plantas por meio da fotossíntese. A menor erosão reduziu significativamente o assoreamento dos rios, lagos e

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açudes. Com o aumento da produtividade das lavouras, desapareceu a necessidade permanente de destruir a mata nativa para utilização como área de cultivo. É notório também que houve, nos últimos anos, um aumento do número de animais silvestres na região, resultado da menor agressão ao ambiente. O resultado é que, em várias regiões do Brasil, pratica-se uma agricultura das mais modernas, comparável aos países mais eficientes do mundo. Além dos riscos naturais da exploração agrícola, como as condições climáticas adversas, o produtor gaúcho buscou garantir a sustentabilidade do negócio da soja trazendo clandestinamente cultivares transgênicos da Argentina. A despeito da morosidade das políticas públicas, o cultivo de transgênicos é outro fator diferencial da agricultura regional, determinando um aumento da rentabilidade da propriedade e a garantia da competitividade com os principais países produtores, onde o cultivo de transgênicos é liberado. Dos 851 milhões de hectares do território nacional, estão sendo ocupados, atualmente, aproximadamente 282 milhões de hectares, sendo 220 milhões de hectares com produção animal e 62 milhões de hectares com produção vegetal. A produção nacional de grãos aumentou de 51 milhões de tonelada em 1980 para 168 milhões em 2012, o que representa um crescimento de 329% no período. Ao


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se considerar a desaceleração da taxa demográfica, a produção per capita de grãos aumentou de 490 kg/ano para 980 kg/ano na safra 2012. O principal destaque é a cultura da soja, cuja colheita é estimada em oitenta e dois milhões de toneladas, resultado do aumento de rendimento das lavouras do sul do Brasil e do aumento da área cultivada no Brasil central e norte, na safra 2012/2013. O mais interessante é que, desde 1999, o Brasil bate recordes de aumento da produção nacional de grãos a cada ano, com crescimento maior do que o crescimento da área cultivada. Isso significa um aumento de produtividade decorrente do uso de modernas tecnologias de manejo das culturas. O agronegócio brasileiro representou, em 2011, 32,3.% de toda a riqueza brasileira (PIB). Praticamente 50% da frota nacional de caminhões transportam produtos relacionados ao agronegócio, seja de insumos, máquinas e equipamentos, seja de produtos vegetais e animais e produtos industrializados. O agronegócio é um dos principais empregadores de mão de obra, especializada ou não, estimado em dezesseis milhões de trabalhadores, contribuindo para a redução do desemprego no país. Em 2011, o Brasil também bateu o recorde de exportação de produtos agrícolas, o que contribuiu decisivamente para que a balança de pagamentos fosse positiva. Nosso país está entre os primeiros países exportadores de soja, suco de

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laranja, açúcar, carne de frango, café, carne bovina, calçados, frutas, fumo, entre outros produtos. Desde 2004, o Brasil passou a ser o primeiro exportador de carne de frango, cuja comercialização rendeu mais de US$ 2,8 bilhões em divisas em 2011. A exportação do agronegócio chegou a US$ 94,6 bilhões, contribuindo para que a balança comercial brasileira obtivesse superavit total de US$ 29,79 bilhões. Se não houvesse essa expressiva exportação agrícola, nossa balança comercial teria um déficit da ordem de US$ 64,8 bilhões, o que certamente afetaria nossa estabilidade econômica e promoveria aumento da inflação, elevação do dólar, diminuição da credibilidade internacional, retração de investimentos internacionais e, por consequência, a redução ainda maior da renda dos brasileiros. No Rio Grande do Sul, a situação é mais alvissareira ainda, pois nosso Estado colheu 23,2 milhões de toneladas em 2011, praticamente duplicando em relação a 1980. A produção per capita gaúcha de grãos é de aproximadamente 2.300 kg/ano, o que é maior do que a dos países desenvolvidos, como EUA, Alemanha, França, entre outros. Mas há muito ainda para crescer. O Brasil apresenta uma das poucas regiões do mundo onde pode haver expansão de área de cultivo. O país ainda tem 106 milhões de hectares de terras que podem ser incorporados ao setor produtivo sem afetar as áreas de preservação


Agronegócio e Desenvolvimento - pontos de vista

permanente. Os dispositivos do novo Código Florestal, a serem implantados a partir de 2012, poderão limitar a expansão da área agrícola no Brasil. No Sul, onde a possibilidade de expansão de área é mais restrita, pode haver um aumento significativo na produção com a adoção das tecnologias permanentemente desenvolvidas pelas instituições de pesquisa agrícola e pecuária. Somente com o aumento de utilização das áreas de cultivo no inverno, sem alterar as áreas de cultivo no verão, isso já representa um enorme acréscimo na produção gaúcha de grãos. Entretanto, é importante não esquecer que o agronegócio sofre com a volatilidade dos mercados. O período é de bonança, mas é preciso capitalizar-se para enfrentar a tempestade que algum dia voltará. Nunca foi tão atual a expressão “a busca do crescimento sustentado” dos pontos de vista econômico, social e ambiental. Poderia imaginar-se o tamanho do agronegócio e sua eficiência se, nos municípios, estado e União, o setor recebesse no orçamento uma contribuição proporcional à importância econômica que representa no PIB. E cabe a reflexão: o que seria do Rio Grande do Sul se não houvesse anualmente essa expressiva geração de divisas com a produção e exportação da soja?

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Globalização e gestão no agronegócio A globalização da economia, as questões culturais e de informação são realidades do momento histórico em que vivemos. Muitas nações não propuseram a globalização, mas são levadas compulsoriamente a participar desse processo pelo avanço natural das questões que envolvem, modernamente, as relações comerciais entre países. O agronegócio é diretamente influenciado pela globalização, seja pelo comércio de insumos, máquinas/equipamentos, seja pelos produtos agrícolas. À medida que os portos se abrem ao comércio internacional, alguns países vão estabelecendo barreiras à importação para preservar a sua economia. E, nesse jogo, prevalecem, infelizmente, as regras dos países mais ricos, que as impõem aos países mais pobres. Dessa forma, decisões políticas tomadas em países muito distantes e desconhecidas para a maioria das pessoas acabam afetando os interesses de produtores rurais de nossa região, como o preço da soja e dos insumos, o petróleo, o comércio de frangos. O mercado da soja, nossa principal cultura econômica, não é definido pelo Brasil. Seus preços dependem dos estoques mundiais, das safras colhidas em outras regiões e da oferta ou da procura da soja na bolsa de Chicago. Como os Estados Unidos da América ainda


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são os principais produtores mundiais, sempre que, por alguma razão climática, ocorre frustração de safra, os produtores brasileiros se beneficiam, pois são maiores os preços praticados no mercado desse grão. Fatores absolutamente novos, como o aparecimento do mal da vaca louca no Reino Unidohá alguns anos e nos EUA em 2003, modificam as relações comerciais no mundo e afetam os interesses de nossos agricultores. Não há dúvida de que esse problema beneficiou o aumento da exportação de carne bovina pelo Brasil, utilizando-se a marca do “boi verde”, ou seja, criado a pasto. Esse problema também aumentou a utilização do farelo de soja na alimentação de bovinos confinados, o representa um aumento da demanda mundial por soja. Quando a Comunidade Europeia decidiu que a Holanda deveria diminuir a produção de leite, em função dos altos estoques de leite em pó e manteiga e x i s t e n t e s e da preservação dos sistemas de produção em outros países, foram abatidas, num período de três anos, mais de três milhões oitocentas mil vacas leiteiras. Essa decisão aumentou a oferta de carne bovina em toda a Europa e baixou os preços. O fato reduziu o volume de exportação de carne pelo Brasil. Mas, com esse abate de vacas, diminuiu-se a necessidade de farelo de soja e de milho para alimentação das mesmas. Portanto, nos países produtores desses grãos, houve uma retração no mercado e a

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consequente queda dos preços. O mesmo acontece muitas vezes com o preço dos insumos. Por exemplo, quando a China, na busca pela modernização de sua agricultura, importou um grande volume de ureia, acabou promovendo um aumento enorme no preço desse fertilizante em todo o mundo. Os nossos agricultores, por consequência, tiveram uma elevação de seu custo de produção. Portanto, uma decisão de um país longínquo afeta os interesses de nossos produtores, sejam grandes, médios ou pequenos. Por isso, o sucesso do negócio exige cada vez mais a necessidade de informações sobre as tendências do agronegócio no mundo e os reflexos de novos fatos. Em nenhuma época, a questão da gestão do agronegócio teve importância tão grande quando nos dias de hoje. E, sem dúvida alguma, a gestão é uma das ferramentas mais importantes no futuro para determinar tanto a forma de produção na propriedade, bem como a adequada comercialização dos produtos colhidos.

Cenários futuros do agronegócio A região norte do Rio Grande do Sul é altamente dependente do desenvolvimento do agronegócio, envolvendo a produção animal e vegetal, as indústrias de máquinas, de equipamentos, de insumos; as


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indústrias de transformação (abatedouros, moinhos, fábricas de rações, indústrias de óleo, biodiesel etc) e a distribuição dos produtos aos consumidores. Portanto, a geração de empregos, renda e impostos depende não somente da produção primária, mas também do setor industrial e de serviços, ligados de forma direta ou indireta ao agronegócio. O termo “agronegócio” vem do inglês agribusines e envolve todas as fases das cadeias produtivas. De forma genérica, independentemente da produção vegetal ou animal, é a soma de todas as atividades desenvolvidas na propriedade, como também aquelas que ocorrem antes da porteira (sementes, insumos, máquinas, tecnologia, vacinas, medicamentos) e todas as atividades pós-porteira (transporte, armazenagem, industrialização, distribuição, tributação etc). O agronegócio é permanentemente desafiado ao aumento da produtividade, à melhoria da qualidade do produto, ao aumento da rentabilidade, da competitividade e da sustentabilidade. O aumento da produtividade nas grandes culturas de lavoura (total de biomassa seca produzida por unidade de área) ou do rendimento (quantidade de produto econômico colhido por unidade de área), como também a produção animal, exige a permanente atualização para utilização das novas tecnologias, adequadas às condições particulares de cada exploração. Essa capacidade

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produtiva de forma eficiente é o resultado da interação de muitos fatores, como os relacionados às características genéticas e condições ambientais (clima e solo), manejo ou tratos culturais utilizados na propriedade para expressão desse potencial. Mas não basta produzir cada vez mais por unidade produtiva. O mercado consumidor tem exigências cada vez maiores em relação à qualidade dos produtos (grãos, frutas, hortaliças, leite, carnes, ovos etc). Essas características qualitativas envolvem aspectos relacionados à higiene, aos resíduos de agrotóxicos, à qualidade industrial e à qualidade nutritiva e funcional (nutricêutica). Com a globalização, vivemos uma nova realidade mundial, pois há uma competitividade cada vez maior entre países, de ordem mercadológica, tecnológica, econômica, sanitária, preços de produtos e insumos, políticas, entre outras. Por isso, os preços das commodities (como grãos, leite) dependem dos preços internacionais, o mesmo ocorrendo com os preços do petróleo e os demais fatores de produção dependentes deste. Além do desafio de se produzir cada vez mais, de se oferecer produtos de melhor qualidade, de se obter rentabilidade e competitividade no mercado internacional, o agronegócio requer a sustentabilidade dos pontos de vista econômico, social e ambiental. É o desafio de se


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produzir cada vez mais, de forma melhor, sem que isso custe a destruição ou a contaminação dos recursos ambientais como o solo, água, fauna e flora. Mesmo reconhecendo não ser possível “fazer omelete sem quebrar os ovos”, há a necessidade de uma gestão cada vez melhor do ambiente. Não se pode esquecer que, até o ano de 2050, a produção mundial de alimentos deverá aumentar em aproximadamente 70% para atender à demanda do crescimento demográfico estimado. Visto que, na maioria dos países, não existem mais fronteiras agrícolas, esse aumento na produção está na dependência do aumento da produtividade, animal e vegetal, em cada unidade de produção. Entretanto, a viabilidade econômica da propriedade, independentemente do tamanho ou forma de exploração, depende da rentabilidade. A renda é a diferença entre a receita e as despesas. As receitas podem ser aumentadas pela maior quantidade de produtos, mas também pela agregação de renda devido à melhoria da qualidade do produto comercializado. A lucratividade também depende do controle dos custos de produção. Por essa razão, a capacidade de gestão da propriedade é cada vez mais necessária na viabilidade das propriedades.

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Agronegócio: produzir e exportar para empobrecer? O desastre das contas públicas gaúchas foi construído ao longo de décadas, sendo usados paliativos (minimizando efeitos) ao invés de soluções permanentes (atacando as causas): quanto mais a agricultura gaúcha se moderniza, aumentam-se os potenciais de rendimento e batem recordes de exportação, mais o Estado empobrece. A Lei Kandir foi criada para estimularem-se as exportações brasileiras e ganharem competitividade no difícil e disputado mercado internacional. Por isso, foi retirado o ICMS sobre a exportação de produtos agrícolas, com a garantia, da própria lei, de que os estados exportadores seriam compensados pelo Governo federal. Na prática, os recursos, depois de contabilizados no caixa do Governo federal, só voltam após muita pressão. E o que é pior, os recursos legítimos devidos ao Estado são utilizados num lamentável jogo de barganha política, no qual interesses partidários se colocam acima dos interesses da sociedade. Na prática, o Estado produz, mas não recebe em troca os serviços públicos essenciais, pois ele não tem recursos financeiros para investimentos, já que o que é arrecadado mal paga o custeio. A perversidade também está em cobrar cada vez mais de quem paga impostos para compensar os que sonegam.


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Diante desses episódios, pode-se ver o quanto distante ainda estamos de uma verdadeira democracia. A cidadania plena é obtida “quando podemos confiar nas coisas confiáveis”. A solução também está em políticas do não arrecadar cada vez mais e, sim, em como ajustar os gastos ao tamanho das necessidades. É uma imoralidade cobrar cada vez mais impostos e manter cargos de confiança com altos salários quando comparados com aqueles de funcionários de carreira. Deve-se perguntar também que representantes do povo são os deputados, os quais, em vez de atender aos anseios de seus eleitores, votam contra os interesses destes. É incompreensível que aqueles que, há pouco tempo, votaram contra os aumentos de impostos, foram favoráveis agora a eles. E os que eram ardentemente a favor do aumento do ICMS, agora, foram contra. Que interesse público é esse? Trata-se, meramente, de um jogo político-partidário, no qual, na verdade, não há ganhadores. Mas o pior de tudo é, ainda, se dizer que os produtores rurais foram beneficiados, pois foi retirado o diesel da pauta de aumentos do ICMS. Ora, anuncia-se uma penalização ao setor produtivo, que depois é retirada por pressão, e considera-se isso um ganho. Ajudar a agricultura é diminuir o ICMS hoje já cobrado sobre combustíveis, fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos agrícolas. O Rio Grande do Sul precisa rever urgentemente sua matriz tributária.

Deixar de ser exportador de matérias-primas e aumentar a exportação de processados com agregação de. Quem exporta matéria-prima, exporta empregos, impostos e renda e tende a empobrecer.

Alca e agricultura brasileira A extensão da Alca – Área de Livre Comércio das Américas, hoje composta por Estados Unidos da América, Canadá e México, aos países sul-americanos é um velho sonho norte-americano. No entanto, os países componentes do Mercosul – Mercado Comum do Sul têm resistido a essa adesão, especialmente devido ao voto brasileiro que impõe algumas condições. O assunto é polêmico e ainda, em 2002, foi realizado um plebiscito no Brasil para saber se o povo era favorável ou não ao referido acordo. Entretanto, a participação popular foi pequena e amplamente contrária em razão da forte mobilização de segmentos da Igreja Católica e partidos de esquerda. A formação de um grande bloco de livre comércio é uma tendência mundial; por isso, a ampliação da Alca é apenas uma questão de tempo. Do ponto de vista de comércio e serviços, a Alca seria um dos blocos econômicos mais fortes, considerando a população (superior a oitocentos milhões de habitantes) e um


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produto interno bruto (PIB) da ordem de US$ 13 trilhões. Para o Brasil, é inaceitável a proposta dos americanos de formar essa área de livre comércio, excluindo a agricultura, que é o nosso principal poder barganha, pois, comparado a os Estados Unidos da América e Canadá, nosso setor industrial é muito menor. Na agricultura, ao contrário, temos a maior área de solos ainda não explorados, o que permite a expansão da área cultivada. Temos um clima diversificado, que vai desde um temperado no Sul até um tropical úmido no Norte. Além dos mais diferentes tipos de solos, o Brasil tem condições de produzir grãos, frutas, hortaliças, fibras, madeira etc das mais diferentes culturas, além de ter produção animal diversificada. Certamente, esse potencial agrícola brasileiro é visto como uma forte concorrência para os Estados Unidos. Apesar de ser o nosso principal parceiro comercial, os produtos agrícolas brasileiros são fortemente taxados quando entram naquele país. No suco de laranja, por exemplo, essa taxação chega a mais de 300%. O Rio Grande do Sul sofre as mesmas barreiras alfandegárias quando exporta sapatos e carne bovina para aquele país. Dessa forma, a adesão do Brail à Alca somente deve ocorrer se o comércio for livre para tudo, especialmente em relação aos produtos agrícolas, tanto de origem animal quanto vegetal. Isso seria decretar

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definitivamente o alijamento do Brasil no comércio internacional de produtos agrícolas, conquistado lentamente e de forma muito difícil, seja por imposição alfandegária e sanitária, seja pela política dos países mais desenvolvidos. Além de perda de soberania, representaria um retrocesso econômico para agricultura, geração de desemprego, redução de preços dos produtos agrícolas, menor arrecadação tributária e a não obtenção das tão necessárias divisas para financiar nosso desenvolvimento com vistas à melhoria da qualidade de vida da população rural e urbana.

Importações desnecessárias Frequentemente, os produtores rurais do Rio Grande do Sul são prejudicados pelas importações de produtos agrícolas do Uruguai e Argentina. Uma das culturas mais atingidas é o arroz, afetando a renda e a sobrevivência do setor. Depois de uma safra extraordinária de arroz em nosso Estado, cujos rendimentos estão entre os melhores do mundo, os produtores não encontram mercado para a comercialização desse alimento em nosso país. E, quando conseguem comercializar o produto, o f a z por preços aviltados, muito abaixo dos custos de produção. Ao mesmo tempo, e diariamente, caminhões vindos da Argentina e do Uruguai estão trazendo arroz para abastecer nosso mercado.


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O mesmo fenômeno ocorre com outros 36 produtos agrícolas, todos de clima temperado, produzidos apenas nos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, como trigo, malte, cevada, vinho, maçãs, leite e derivados, carne bovina, dentre outros. Todos esses produtos poderiam perfeitamente ser produzidos no Sul do Brasil, o que garantiria emprego e renda para os brasileiros. Para entender as razões desse processo desnecessário de importações, é preciso voltar ao ano de 1986. Naquela oportunidade, um grupo de grandes industriários de São Paulo, liderados pela toda poderosa Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, pressionou o Presidente José Sarney para que fosse criado um comércio bilateral Brasil Argentina, especialmente, para abrir um mercado aos produtos manufaturados daquele Estado. O Brasil vivia uma recessão, o poder aquisitivo do brasileiro era baixo e, portanto, a capacidade de compra era limitada. Era preciso dar demanda aos produtos industrializados, garantindo-se emprego, renda e impostos para as indústrias e o estado de São Paulo. A indústria argentina estava sucateada e o poder aquisitivo do argentino era maior, e, portanto, com maior capacidade de consumo do que a do brasileiro. O Presidente Sarney foi para a Argentina, acompanhado de vários Ministros, entre os quais o Ministro

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da Agricultura Pedro Simon, para acertar aquele primeiro contrato bilateral de comércio. A Argentina precisava importar, mas inseriu na pauta de exportação para o Brasil 37 produtos agrícolas, todos concorrentes do Sul do Brasil, devido às condições climáticas semelhantes. Esses produtos agrícolas não concorrem com os produtos agrícolas produzidos no Sudeste brasileiro. Mesmo com alguns avanços relacionados à criação do Mercosul, que foi implantado a partir de 1995 e envolve também o Uruguai e o Paraguai, na verdade, o que existe de fato em vigor são contratos comerciais. Depois de tantos anos decorridos do início dessa integração, o Brasil nem mesmo conseguiu que nossa moeda fosse aceita correntemente em nossos países vizinhos, a não ser nas fronteiras. Cada vez que o Governo argentino quer aumentar seu poder de barganha a fim de garantir maior exportação de produtos agrícolas para o Brasil, ele ameaça não importar os bens produzidos em São Paulo. Como na grande região de São Paulo está o grande mercado consumidor e os produtos importados não concorrem com o café, o açúcar, o álcool, a banana e outros produtos agrícolas produzidos no Centro, as importações são permitidas pelo Governo brasileiro. E quem sofre as consequências são os produtores do Sul. Enquanto o Sul tiver menos


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poder de barganha que o Brasil central, especialmente a Fiesp de São Paulo, esses problemas continuarão. Estaremos produzindo, pois somente assim estaremos dando sustentabilidade ao agronegócio, mas não conseguindo comercializar os produtos, como por exemplo, o trigo. Restaria a busca de mercados para exportação de nossos produtos agrícolas, mas isso é totalmente inviável quando o câmbio é desfavorável, o que favorece as importações e não as exportações. Com essa irreal valorização interna do dólar de 2002 a 2012, diminuiuse a competitividade com o mercado internacional. O jogo de poder é muito pesado e os gaúchos estão perdendo de goleada.

Agricultura e seus pecados Mesmo considerando o crescimento extraordinário do agronegócio brasileiro nos últimos 30 anos, é inegável que existem alguns grandes problemas que necessitam ser resolvidos. São problemas que afetam a produtividade, especialmente a competitividade no mercado internacional. Destacam-se as dívidas dos produtores, a falta de gestão, o alto custo das colhedoras, o uso inadequado do calcário, a falta de cobertura dos solos, a compactação dos solos, entre

outros.

Dívidas A edição 2006 da revista Agroanalysis, da Fundação Getúlio Vargas, traz um artigo muito preocupante sobre o endividamento dos produtores rurais no Brasil. O artigo faz uma minuciosa abordagem sobre o crescimento das dívidas do setor agrícola no Brasil de 1995 a 2006. Segundo o artigo, as dívidas dos produtores rurais cresceram linearmente desde 1995. Naquele ano, a dívida representava 35,3% em relação ao produto interno bruto (PIB) da agricultura, atingindo o preocupante índice de 54,8% do PIB em 2006. Do total da dívida de 2006, 24,6% do PIB são provenientes de dívidas de custeio; 27,8%, de investimentos e apenas 2,6%, de dívidas de comercialização. Em termos absolutos, a dívida passou de R$ 18 bilhões, em 1999, para R$ 50 bilhões, em 2004. Somente as dívidas contraídas pela aquisição de máquinas e equipamentos pelo Moderfrota foram de R$ 10,2 bilhões, somente no período 2002/03 a 2003/04. Estima-se que, em 2012, essa dívida dos produtores tenha chegado a US$ 114 bilhões. Por essa razão, mesmo com uma safra boa e bons preços, o setor agrícola carrega um fardo de dívidas que levará vários anos para ser pago. A evolução da dívida e a queda da rentabilidade do setor devido aos mais diferentes fatores exigem


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uma gestão mais profissional nas propriedades agrícolas, independente de seu tamanho.

Uso inadequado do calcário A correção da acidez dos solos a partir da década de 1960, mas de forma sistemática a partir da década de 1970, foi um extraordinário fator para o desenvolvimento da agricultura regional. Por natureza, os nossos solos são ácidos e apresentam elevados teores de alumínio, que é um dos elementos químicos mais tóxicos às plantas. A acidez também disponibiliza excesso de alguns nutrientes (por exemplo, o manganês e o ferro) e reduz a disponibilidade de vários nutrientes (como fósforo, cálcio, magnésio e molibdênio). Com a aplicação de calcário (carbonato de cálcio e carbonato de magnésio), ocorrem uma neutralização da acidez e a indisponibilidade do alumínio. Como os resultados iniciais da aplicação de calcário são realmente significativos, criou-se um hábito em muitas propriedades de aplicação do calcário todos os anos na superfície, em lavouras conduzidas sob a semeadura direta. Geralmente, se aplica, anualmente, de duas a três toneladas de calcário por hectare, independente de uma análise de solo. Quando observamos os resultados de análise de solo de propriedades da região sul do Brasil, verificam-se, com frequência cada vez

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maior, solos com pH acima de 6,5. As pesquisas científicas demonstram que acima desses valores de pH começam a ocorrer desordens nutricionais, como deficiência de manganês, zinco e boro, dependendo do tipo de solo e da cultura. Para evitar a perda de rendimento devido à deficiência de nutrientes gerada pela calagem excessiva, o produtor necessita aplicar fertilizantes pela via foliar.

A falta de cobertura do solo A utilização do sistema de semeadura direta (SSD) foi, sem dúvida alguma, a principal revolução na agricultura regional ocorrida nos últimos 30 anos. É difícil até imaginar o que teria acontecido nas lavouras da região caso os produtores continuassem a mobilizar os solos por meio de arações, gradagens e outras. No entanto, esse sistema somente contempla todas as vantagens caso, efetivamente, o solo apresente uma quantidade mínima de palha na superfície. Mesmo se considerarem as diferenças entre regiões, a pesquisa tem mostrado que, em nossas condições, precisamos de pelo menos 9 a 12 t/ha de palha anualmente. Mas, com a redução da área de milho em rotação com a soja, a menor estatura dos novos cultivares, a baixa produção em anos sob a estiagem e o aumento do vazio outonal (intervalo entre a colheita das culturas de verão e a semeadura das culturas de


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inverno), a produção de palha tem sido cada vez menor. Como consequência, num outono chuvoso, a palha da cultura de verão é rapidamente degradada, deixando os solos descobertos. Dessa forma, para garantir a sustentabilidade do SPD, há a necessidade de se planejar também a produção de biomassa de cobertura. Deve-se seguir o esquema colher/semear/colher, não deixando o solo em pousio.

A compactação do solo Uma das principais consequências do mau manejo do solo é a sua compactação. Isso acontece de forma mais acentuada em solos com menores teores de matéria orgânica e palhada insuficiente de cobertura. A falta de palha possibilita o impacto direto da gota de chuva sobre o solo, o que causa a desagregação deste (perda de solo por erosão) e a compactação superficial ou crosta superficial. Essa crosta reduz a absorção da água da chuva e aumenta o seu escorrimento superficial. Outra causa comum de compactação é o mau manejo de animais na lavoura durante o inverno/primavera na integração da lavoura-pecuária. Deve-se evitar que os animais caminhem livre e desnecessariamente na lavoura, por meio de um pastejo rotacionado com a utilização de cerca elétrica. Outro fator de compactação é a manutenção de animais durante os

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dias de chuva. Para disponibilizar alimentação aos animais nesses dias, há a necessidade de uma reserva de feno ou silagem mediante um adequado planejamento alimentar. Entretanto, o pior manejo é deixar os animais pastejando as forrageiras até a semeadura da nova cultura. O correto é retirar as animais no mínimo vinte e um dias antes da dessecação e fazer uma adubação nitrogenada. Dessa forma, as forrageiras rebrotam na parte aérea e radicular. A parte aérea irá fornecer um mínimo de palha para a sustentabilidade do sistema de semeadura direta; por sua vez, o desenvolvimento de novas raízes propicia a quebra da crosta superficial compactada, aumentando-se a capacidade de infiltração de água e favorecendo-se a cultura implantada em sucessão. Outra causa da compactação do solo é o movimento de máquinas sobre um solo excessivamente úmido. Em qualquer uma das causas de compactação, os seus efeitos são minimizados nos solos com teores adequados de matéria orgânica e com cobertura morta do solo. Quando efetivamente for diagnosticada uma compactação do solo, pode-se realizar uma escarificação mecânica, mas ela deve ser realizada quando o solo apresentar a maior cobertura verde ou morta. Por exemplo, logo após a colheita do milho ou quando as culturas de cobertura do solo, como aveia, centeio ou nabo,


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apresentarem uma abundância de biomassa (por exemplo, na floração). Como observado em algumas lavouras da região, a escarificação generalizada do solo, sem o prévio diagnóstico de sua necessidade, é a melhor forma de perder tempo e dinheiro. Resultados de pesquisas têm demonstrado que a descompactação pelo escarificador tem efeito temporário. A preocupação maior deve ser na adoção de práticas agrícolas que evitem as causas da compactação do que na eliminação apenas dos seus efeitos. Sem dúvida, o melhor descompactador superficial dos solos são as raízes, e a descompactação biológica é vantajosa sobre a descompactação mecânica.

Agricultura familiar também é agronegócio Frequentemente, estabelece-se uma discussão (estéril e desinformada) sobre a agricultura familiar e o agronegócio. Infelizmente, houve manifestações como se a agricultura familiar não fosse agronegócio. E, o pior, nas entrelinhas, fortalecendo a primeira sobre a segunda. Na verdade, a distinção está entre a agricultura familiar (sem contratação de colaboradores/empregados) e a agricultura empresarial, na qual há contratação de terceiros. E essa distinção nem sempre está relacionada com o tamanho da

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propriedade. Essa confusão inicia-se em Brasília, desde que uma Secretaria de Reforma Agrária foi transformada em Ministério da Reforma Agrária e depois, inadequadamente, em Ministério do Desenvolvimento Agrário. Na prática, o Brasil tem dois Ministérios da Agricultura, com a mesma missão: o desenvolvimento agrário. O que não está errado é termos políticas diferenciadas para a agricultura familiar e a agricultura empresarial. As políticas voltadas à agricultura familiar têm objetivos econômicos, mas, especialmente sociais. Desde a criação desses programas, houve redução do êxodo rural e aumento da renda nas pequenas propriedades, dando-se mais dignidade a esses produtores e suas famílias. É muito mais vantajoso para a sociedade brasileira subsidiar as pequenas propriedades, com a fixação de famílias no meio rural, do que ter os altos custos dos serviços públicos de saúde, na assistência social, na segurança, entre outros problemas sociais gerados por pessoas que saem do meio rural numa velocidade maior do que a capacidade de absorção dessa mão de obra (desqualificada) no meio urbano. Para entender melhor o tema, precisamos analisar nossa (inadequada) estrutura fundiária. Apenas no Rio Grande do Sul, temos mais de duzentas mil propriedades rurais com menos de dez hectares (ha). Com menos de


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cinquenta hectares, temos mais de quatrocentos e trinta mil propriedades. É muito difícil gerar renda digna a famílias, com atendimento inclusive dos dispositivos constitucionais de renda mínima, com a exploração de áreas tão pequenas. É possível, com 10 hectares de cultivos para produção de frutas (morangos, uvas, pêssegos, laranjas, etc) ou hortaliças, gerar alta renda. No entanto, não haveria mercado para toda essa produção caso todos esses pequenos produtores aderissem a essas alternativas. Por exemplo, para cultivar 10 hectares de morangos, haveria a necessidade de contratação de colaboradores, considerando-se a alta demanda de mão de obra, o que já desqualificaria a propriedade, que passaria a ser empresarial e não diferiria de uma grande lavoura de soja. A agricultura empresarial é a grande responsável pela produção extensiva, especialmente de commodities. É a principal responsável pela extraordinária geração de divisas ao nosso país, como, por exemplo, a soja, o café, o açúcar e as carnes, deixando nossa balança de pagamentos positiva. Contribui decisivamente no desenvolvimento do Brasil, e as políticas de incentivo à agricultura familiar não podem representar um desestímulo à agricultura empresarial. Para viabilizar economicamente essas propriedades, além de culturas de maior valor agregado, há a necessidade de se estimular a

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agroindustrialização. O ideal é que essa industrialização seja feita por intermédio de cooperativas ou associações de produtores, nas quais o produtor tem ganhos na produção, na transformação e na distribuição. Entretanto, esse ideal nem sempre é possível. E o possível é a inserção dos produtores em sistemas integrados de produção, como no caso de frangos, suínos, leite, entre outros. Outra alternativa importante é aproximar cada vez mais o produtor do consumidor, como os mercados públicos ou feiras exclusivas de produtores, onde também há agregação de renda. Independente da exploração (grãos, frutos, fumo, erva-mate, hortaliças, suínos, frangos, leite), a propriedade familiar também é um agronegócio.

A quem interessa o dólar desvalorizado no Brasil? Com o objetivo do controle da inflação, os responsáveis pela política econômica do Governo federal utilizaram a estratégia dos altos juros, inibindo o consumo, o crédito e o crescimento econômico do país, por vários anos. Ao pagar os mais altos juros do mundo, o Brasil atraiu enorme quantidade de dólares de especulação. Para comparar, enquanto o Brasil pagava juros superiores a 19% até alguns meses atrás, os bancos


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americanos pagavam entre 4,5 e 6,5% ao ano. Não há dúvida de que qualquer investidor aplicaria seu dinheiro no Brasil, ganhando juros, no mínimo, três vezes superiores em relação ao que ganharia aplicando em bancos de países desenvolvidos. Essa política propiciou a entrada de bilhões de dólares em nosso país nos últimos anos. A entrada de moedas estrangeiras é um desejo de qualquer país desde que esses recursos financeiros entrem no país para financiar projetos de desenvolvimento (construção de ferrovias, estradas, portos, hidroelétricas, indústrias etc); para gerar renda, empregos e impostos ao país recebedor. No entanto, parte dos dólares que entram no país é especulativa e, portanto, volátil. A qualquer momento, o investidor estrangeiro retira do país os seus dólares, investindo em outro ou em outros ativos financeiros. Como qualquer mercadoria, o valor do dólar também é regulado no mercado pela lei da oferta e da procura. Com a entrada de enormes quantidades de dólares, devido aos altos juros oferecidos, aumentou-se a oferta e, consequentemente, a cotação da moeda americana parece “um submarino: flutua, mas só afunda!”. Numa economia de mercado estável e organizada, a moeda pátria valoriza-se proporcionalmente à riqueza gerada. Não há em nosso país nenhum índice econômico que indique um aumento da riqueza

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proporcional à valorização do real de 2002 a 2012. Portanto, essa valorização do real perante o dólar foi artificial e atendeu apenas a interesses políticos e aos dos setores importadores. Mas quem ganha e perde com essa política? Perdem todos os setores exportadores, como o agronegócio e as indústrias de nosso país. Quando o dólar obtido na exportação é convertido em reais, o negócio dá prejuízo. Por isso, por vários anos, os preços internos dos produtos agrícolas foram baixos, em algumas atividades abaixo inclusive do custo de produção. Ganham com a desvalorização do dólar quem importa produtos e quem precisa comprar dólares para viajar. O agricultor brasileiro, além da baixa renda pela exportação, ainda vê o mercado sendo abastecido por produtos importados. Na indústria, ocorre o mesmo fenômeno e essa é a principal razão dos milhares de desempregados, fruto do fechamento de indústrias exportadoras, como as de calçados no Rio Grande do Sul. Essa também é a razão dos preços acessíveis de eletrônicos. Por isso, a China está abarrotando nosso comércio com seus produtos, numa concorrência absolutamente desleal. Mas o principal interessado na defasagem cambial é o Governo federal. Por exemplo, precisam-se de menos reais para comprar dólares para pagar juros e dívidas externas. Quando foi anunciado o novo


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salário mínimo, por exemplo, foi dito ser o maior em dólar dos últimos anos. Efetivamente, ao dividir R$ 520,00 pelo dólar defasado de R$ 1,50, o salário mínimo equivale a US$ 347,00. Deve-se lembrar de que, quando foi criado o salário míimo pelo Presidente Getúlio Vargas em 1938, o decreto estabelecia que o mesmo deveria valer no mínimo US$ 100. Entretanto, se aplicarmos o próprio índice do governo, o IGPM – Índice Geral de Preços do Mercado, resultaria na cotação efetiva do dólar de R$ 3,39, portanto, na verdade, o novo salário mínimo equivale a US$ 153,24 e não US$ 347. Portanto, o ganho real do salário mínimo é de apenas US$ 53. O mesmo pode ser dito quanto ao valor da dívida externa: com o real artificialmente valorizado, é menor a quantidade de reais para adquirir dólares. Num passo de mágica, a dívida externa diminui. Em função da balança comercial cada vez mais negativa no setor industrial, desde o final de 2011, iniciou-se uma política de desvalorização gradativa do real. Assim, as exportações brasileiras já começam a dar sinal de recuperação.

Agricultura e exportação Devido ao tamanho continental de nosso país, ainda temos enormes áreas de terras que podem ser

incorporadas ao processo agrícola e fazer efetivamente que o Brasil seja o tão almejado “celeiro do mundo”. O crescimento observado nos últimos anos no Brasil central é o exemplo mais eloquente dessa perspectiva. Essa produção nacional, além de atender a uma demanda de crescimento devido ao aumento populacional, promoverá excedentes exportáveis em quantidades cada vez maiores. No entanto, quando observamos a tendência das exportações no agronegócio, observa-se uma exportação cada vez maior de matérias-primas de origem vegetal e cada vez menos de produtos industrializados. Vamos a alguns exemplos para mostrar essa tendência. O Brasil é historicamente o principal produtor e exportador mundial de café. Além de produzir em grande escala, a maior parte do café produzido é o Coffea arábica, que é a espécie que produz o café de melhor aroma e sabor. No entanto, praticamente todo o café brasileiro é exportado na forma de grão verde para a Itália e Alemanha. Ao chegar a esses países, é torrado e distribuído para as diferentes indústrias, já com o seu preço multiplicado por quatro. A partir daí, desenvolveu-se, tanto na Itália quanto na Alemanha, um complexo industrial que agrega maior valor a esse produto, distribuindo-o aos mais diferentes países europeus como se fosse uma produção daqueles países. Até chegar ao consumidor final, o valor do café é


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multiplicado por oitenta em relação ao que recebe o produtor brasileiro. E o mais interessante é que existe todo um marketing promovido pela Itália e Alemanha, de jamais associar o café ao Brasil. Por isso, quando se pede um café brasileiro em restaurantes da Europa, os garçons afirmam que não tem café brasileiro, mas o ”finíssimo café italiano”. E as únicas plantas de café que existem na Itália estão em jardins botânicos, meramente como curiosidade. E não se encontra uma só propaganda brasileira nas principais cidades mostrando que o verdadeiro café fino e tão apreciado pela população é, na verdade, produzido no Brasil. Está na hora de o Governo federal gastar menos dinheiro com campanhas internas, para nós mesmos, e usar parte deste dinheiro para divulgar os produtos brasileiros no exterior, abrindo mercados e gerando as indispensáveis divisas que precisamos para financiar nosso desenvolvimento. Aliás, devem-se começar a privilegiar os produtos brasileiros nas grandes recepções protocolares que o Governo brasileiro oferece para autoridades estrangeiras, e se transformarem as embaixadas brasileiras, que tanto custam ao cidadão brasileiro, em verdadeiras unidades de negócio, procurando difundir o produto brasileiro com vistas à agregação de valor. Lamentavelmente, apesar de caminharmos para logo sermos o maior produtor mundial de soja, tornamo-nos o maior exportador,

mas de soja grão. Mais um produto em que estamos exportando matéria-prima e não produto industrializado, com agregação de valor. Sabemos que a maior fatia da renda não é de quem produz, mas de quem transforma e distribui. E país que exporta matériaprima, na verdade, exporta emprego, renda e impostos.

Exportações sustentam o agronegócio A exportação do agronegócio brasileiro, no ano de 2011, representou mais de US$ 94 bilhões para a economia brasileira. As exportações deste ano de 2012 certamente superarão aquele marco histórico. Graças às crescentes exportacões, obtém-se a principal renda do setor produtivo nacional. Apesar do enorme mercado consumidor que representa a população brasileira de mais de 194 milhões de habitantes em 2012, a queda do poder aquisitivo no período 1976 a 2002 promoveu uma substancial queda no consumo dos principais alimentos. Segundo dados publicados recentemente, ao compararmos os anos 1975/1976 com os anos 2002/2003, observa-se uma redução do consumo per capita de feijão de 14,7 para 9,3 kg/ano (37%); arroz, de 31,8 para 17,1


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kg/ano (- 46%); batata, de 13,4 para 5,5 kg/ano (- 59%); macarrão, de 5,2 para 4,3 kg/ano (- 17%); carne bovina, de 16,2 para 14,6 kg/ano (- 10%); carne de frango, de 24,2 para 14,2 kg/ano (- 41%); leite, de 14 para 38 litros/ano (-5%); e, açúcar refinado, de 15,8 para 8,3 kg/ano (-47%). Essa queda no poder aquisitivo deveu-se ao desemprego e aos baixos valores do salário do trabalhador brasileiro, cujo reflexo é o menor consumo de alimentos, muitas vezes aquém das reais necessidades propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Milhões de brasileiros ainda têm uma alimentação deficiente, que, no caso de crianças, se torna epidêmica. Se a renda do setor do agronegócio dependesse apenas do mercado interno, essa queda de consumo determinaria também uma queda significativa da renda do setor. Graças à crescente capacidade de exportação do setor, é mantida a renda do setor primário em nosso país, especialmente, em nossa região. O Brasil é o primeiro exportador mundial de carne de frango, soja, suco de laranja, álcool, café e calçados. Além desses produtos, o país destaca-se pela exportação de carne bovina, tabacos, celulose, cacau, madeira, carne suína, entre outros. Por essa razão, as políticas públicas devem ser voltadas para o aumento das oportunidades de trabalho para os brasileiros e o

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consequente aumento da renda de sua população. Com o aumento da renda, teremos um substancial aumento do consumo de alimentos, com a agregação de renda ao setor do agronegócio, seja ao produtor, seja para quem industrializa e distribui. Promover a produção de alimentos voltada para o mercado interno representa perda de foco, pois o mercado consumidor está limitando a renda do setor. De outro lado, promover investimentos em logística e em marketing internacional, com vistas à continuidade do crescimento das exportações. Na logística, o Brasil requer urgentes investimentos no setor ferroviário para reduzir os custos de transporte dos produtos até os principais portos; a melhoria das estradas de acesso aos portos; a melhoria dos portos a fim de aumentar a capacidade de carregamento e de evitar as enormes filas hoje observadas. Quanto ao marketing, é preciso promover cada vez mais nossos produtos no mercado internacional, especialmente, nos países que têm renda maior e consomem mais.

Agronegócio brasileiro: da crise a euforia excessiva A agricultura é uma indústria de céu aberto e sujeita aos riscos climáticos e também sofre com as oscilações do mercado. Esses fatores afetam o rendimento das culturas,


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mas, em especial, a sua rentabilidade. Por isso, passa por momentos de muita euforia, como no ano de 2012, mas também por graves crises, como em 2004. O agronegócio brasileiro teve uma das maiores crises de sua história a partir dos anos de 2004/2005, decorrente, de um lado, das perdas por estiagem no Sul e, de outro, do excesso de chuva no Centro-Oeste e, principalmente, devido à perda de renda dos produtores rurais. Além de ter pouco produto para comercializar, a perda de renda foi causada também pelo alto custo de produção e pelos baixos preços dos produtos agrícolas no mercado interno e externo, especialmente, devido à desvalorização do dólar. Os altos custos de produção ainda eram efeitos da desvalorização do real em relação ao dólar (chegou a R$ 3,80/dólar) durante o segundo semestre de 2002, motivada pelas incertezas da eleição para Presidência da República. O mercado não sabia como seria o Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente sua política econômica e monetária, que as pesquisas apontavam como virtualmente eleito. A partir de 2003, o dólar começou uma vertiginosa desvalorização, provocando uma queda significativa nos preços de todos os produtos agrícolas. Os custos de produção também baixaram, mas não na mesma velocidade. Outros fatores que foram decisivos para a perda de renda dos produtores rurais foram os altos custos de financiamentos. A política

monetária adotada favorecia o sistema bancário e desfavorecia o setor produtivo. Estimulava as importações e inibia as exportações, razão da crise em vários setores tradicionais exportadores, como o calçadista, madeireiro, além do setor primário.

Agricultura e mercado? Não há dúvidas de que o agronegócio é a atividade econômica de maior risco, seja de mercado, climático, seja fitossanitário. Quando o agricultor planeja a implantação de uma lavoura, não tem nenhuma certeza sobre o comportamento desse mercado na hora de colher, depois de alguns meses. Também não há ainda uma previsão climática segura, com a antecedência equivalente ao ciclo das culturas que possa orientar com maior segurança o manejo de culturas que deve ser utilizado. E a lavoura pode estar sujeita ainda à incidência de novas pragas (como, por exemplo, o pulgão em milho) ou moléstias (como a recente ferrugem asiática na soja), que aumentam o custo da produção e não estão previstas no plano inicial. Quanto ao mercado, o poder de barganha do produtor rural ainda é pequeno. Quando vai comprar insumos agrícolas, faz a pergunta: “quanto custa?” Os insumos agrícolas têm variações de preço de uma safra


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para outra, que, às vezes, é difícil de entender. Quando a mídia, de forma às vezes exagerada, anuncia supersafra, observa-se uma elevação enorme do preço dos principais insumos agrícolas, como fertilizantes, defensivos agrícolas etc. No caso dos fertilizantes, muitas vezes, as razões apresentadas são as de que o aumento deve-se ao enxugamento de estoques, determinado pela expansão significativa da fronteira agrícola ou da modernização tecnológica da agricultura na China. São, na verdade, milhões de hectares de agricultura que procuram o aumento dos rendimentos e, por isso, necessitam de mais insumos. Nesse caso, o aumento explica-se pelas leis do livre mercado: oferta e procura. Para um diagnóstico mais apurado sobre as tendências de preço de soja e milho, é importante também olhar para a Bolsa de Ações de Nova York, além da Bolsa de cereais de Chicago. No mercado de ações, vendem-se, em papel, quantidades maiores de grãos do que efetivamente é produzido. E, quando se cria uma nova expectativa de mercado, essa compra de ações eleva-se significativamente. Para exemplificar, na Bolsa vendeu-se, em 2006, o equivalente a nove safras mundiais de milho. Na verdade, os grandes investidores não querem grãos; pretendem vender os papéis comprados mais adiante com lucros, como na

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aquisição de qualquer outra ação no mercado. Por essa razão, é fundamental que nossos produtores rurais façam a comercialização cada vez maior de seus grãos mediante a venda futura. Evidentemente, que pode ficar com uma parte para especular no mercado. Mas aquela quantidade de grãos já comprometida com bancos ou fornecedores de insumos ou dívidas passadas já deveria ser comercializada no mercado futuro. De maneira geral, ao longo dos anos, verifica-se que os preços na colheita da safra são menores do que na entressafra. Especular com os grãos que, na verdade, não são seus, pois são dívidas, é um jogo muito perigoso.

Agronegócio em alta O agronegócio, nacional e internacional vive, desde 2010, um momento de enorme prosperidade. Todo o mercado de grãos, leite e derivados, e de carnes, está ativo, pois a procura é maior do que a oferta e, consequentemente, os preços são os mais altos dos últimos anos. No caso da soja, um dos fatores mais importantes que influiu para o aumento dos preços foi a decisão dos Estados Unidos de utilizar o óleo para elaboração do biodíesel. Foi uma decisão política que visava tirar o poder de barganha da OPEP – Organização dos Países


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Exportadores de Petróleo com os preços do petróleo. Com essa decisão, baixaram-se significativamente os estoques mundiais e criou-se uma nova perspectiva de valor das ações para esses grãos. A decisão mais importante sobre preços da soja passou a ser a Bolsa de Ações de Nova York e não a Bolsa de Grãos em Chicago. Isso por que o mercado de ações de comodities, como a soja e o milho, é maior em ações do que de produto físico. O aumento dos preços foi estimulado com as quebras de safra ocorridas na América do Sul e nos Estados Unidos da América, nos anos 2011/2012, que causou uma redução significativa dos estoques mundiais. O aumento nos preços do milho também tem a ver com uma decisão política dos EUA de utilizar o milho na elaboração de álcool. Somente em 2006, cerca de 56 milhões de toneladas de milho foram convertidas em álcool combustível. Isso é mais milho do que toda a colheita brasileira desse cereal. Com os preços do milho em alta, as indústrias de rações começaram a utilizar os grãos de trigo como insumo. Com a queda dos estoques desse cereal, também houve uma elevação dos preços internacionais. Estima-se que, em 2011, mais de 120 milhões de toneladas de milho foram usadas na fabricação de etanol, mesmo com a crítica de Barack Obama, durante a campanha em 2008, de que “alimentos não deveriam ser convertidos em combustível”.

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A elevação dos preços internacionais também se reflete no Brasil. Estão sendo praticados preços muito acima da média dos últimos anos para o trigo, o milho e a soja. E essa tendência, felizmente, mostra-se não ser efêmera, porque toda a conjuntura internacional do mercado de grãos dá sinal de boas perspectivas. Esse momento promissor deve ser bem aproveitado pelos produtores rurais. Uma das medidas, sem dúvida alguma, é aumentar a comercialização futura de grãos. No entanto, não é a primeira vez que vivemos momentos tão auspiciosos no agronegócio. O último foi bem recente, pois, em 2003, tivemos uma extraordinária colheita de soja e preços excepcionalmente altos. Naquela oportunidade, os produtores com eficiente capacidade de gestão tiraram proveito e desenvolveram sua atividade econômica. Outros, na ânsia de preços ainda melhores, acabaram perdendo e aumentaram até mesmo as dívidas. Outro aspecto relevante a ser considerado são os novos investimentos. É preciso ter aprendido a lição anterior e os investimentos devem ser muito bem pensados para evitar as altas dívidas. O maior custo na produção é o do dinheiro, pois este é nosso fator de produção mais escasso. E as dívidas dos produtores rurais, contraídas de forma não bem pensada no período da abundância, somadas com os problemas de


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perdas por estiagem, os elevados custos de produção e os baixos preços dos produtos agrícolas, nos anos seguintes, ainda são muito elevadas e preocupantes.

Agroindustrializar para agregar renda A economia da maioria dos municípios do interior do Rio Grande do Sul depende diretamente do desenvolvimento do agronegócio. Infelizmente, a maior parte dos produtos de origem vegetal e os produtos de origem animal ainda são processados em outras regiões ou em outros países. Isso significa exportação de renda, empregos e impostos, pois somente a transformação e a distribuição agregam renda ao produto de forma significativa. Por essa razão, a prioridade do setor do agronegócio de Passo Fundo sempre foi a agroindustrialização como fator de geração de emprego e aumento da renda. Conforme dados da FAO (Organização para Administração de Alimentos), o processo de industrialização e de distribuição multiplica, em média, o valor do produto primário por oito. Em alguns produtos, esse valor agregado é muito maior. Para comprovar isso, basta comparar diariamente os preços pagos aos produtores pelo feijão, arroz, trigo, leite, frango, suínos, gado e frutas, por exemplo, com o

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custo, no supermercado, do feijão e arroz empacotados, pão, salame, copa, queijo e enlatados. Evidentemente, que, nesses custos dos alimentos aos consumidores está inclusa uma pesada e injusta carga tributária. Injusta, porque, além de alíquotas altas, há em muitos casos uma tributação em cascata. O imposto está incluso nos insumos (fertilizantes, óleo diesel, graxa, óleo lubrificante, herbicidas, fungicidas, inseticidas), nas máquinas e nos equipamentos agrícolas, na ração e nos medicamentos, no transporte, nos encargos sociais, entre outros. Depois, há tributação também na industrialização (Imposto sobre Produto Industrializado), cujas alíquotas variam conforme o produto. A soja é o principal grão produzido no Brasil, no Rio Grande do Sul e em nossa região. Isso se deve à grande demanda por esse grão, graças ao seu alto valor nutritivo: aproximadamente 40% de proteína de alto valor biológico, 20% de óleo e 20% de amido. Essa composição caracteriza o grão de soja como um dos alimentos mais completos, utilizado de forma crescente na alimentação humana e animal. Por essa razão, esse grão já é denominado como o novo “grão sagrado”, a exemplo do que foi o trigo por milênios. Infelizmente, a maior parte desse grão é exportada na forma integral, sem processamento. Já há, no Brasil, tecnologia disponível de processamento da soja


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para fins de elaboração de alimentos humanos. Uma das maiores autoridades no assunto é uma passofundense, a Dra. Mercedes M. Carrão Panizzi, pesquisadora por muitos anos na Embrapa Soja, em Londrina, no Paraná e, atualmente trabalhando na Embrapa Trigo, em Passo Fundo - RS. Além de produzirmos aqui o que os asiáticos preferem, a disponibilidade de diferentes alimentos derivados da soja poderia alavancar o aumento do consumo humano desse importante grão. Não podemos mais nos conformar com estatísticas que mostram que milhões de brasileiros têm carência de proteínas quando temos a disponibilidade abundante da proteína de soja. Essa é a única proteína vegetal, disponível em abundância, que se assemelhaa o valor nutritivo da proteína animal, mas, a custos muito mais baixos por unidade de proteína. Por isso, precisamos saudar cada nova indústria de processamento de soja que é instalada, obtendo-se os produtos primários como óleo e farelo. Uma indústria como a BSBios, que produz biodiesel, representa uma importante contribuição na agregação de valor à soja. Já o melhor destino ao farelo de soja, misturado ao milho, é sua utilização na alimentação de suínos e aves. Quanto mais soja e milho a região produzir e alimentar animais, ao exportar frangos e suínos, mais valor é agregado. Sem dúvida alguma, ao lado da produção de leite, devem ser fomentados sistemas

integrados de produção de suínos e aves. Uma nova maltaria, como a da Ambev em Passo Fundo, será outra agroindústria que promoverá o desenvolvimento regional, pois vai proporcionar um incremento da área cultivada de cevada, uma cultura de inverno. Entre empregos diretos na agroindústria e na produção, há outros empregos indiretos. Estima-se que, para cada 30 hectares cultivados de cevada-cervejeira na região, há a geração de um emprego. Além da área de grãos, são importantes outros projetos de agroindustrialização, como uma indústria processadora de suco de laranja. A área de cultivo dessa cultura frutífera aumentou muito nos últimos anos no Rio Grande do Sul. Como é uma cultura de clima temperado, aqui encontrou ótimas condições de cultivo. Além do alto rendimento, o suco de laranja aqui produzido é superior ao suco de laranja produzido no estado de São Paulo. É mais doce e tem, verdadeiramente, “cor de laranja”, diferentemente daquele produzido em regiões mais quentes.

Os colonos e os imigrantes No dia 25 de julho, comemoram-se o Dia do Colono e o Dia do Motorista. São duas importantes profissões de natureza


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complementar e diretamente envolvidas com a produção agrícola. Como diz o ditado: o colono produz, e o motorista transporta! A data comemorativa também é uma homenagem aos imigrantes que vieram colonizar as terras do sul do Brasil, depois que as terras gaúchas passaram da Espanha ao domínio de Portugal. Havia necessidade urgente de povoar a região e, assim, impedir uma nova retomada pelos espanhóis. Os portugueses não estavam dispostos a vir ao Brasil para colonizar a região. Foi por sugestão da rainha Leopoldina, esposa de Dom Pedro I, que foram trazidos imigrantes alemães. A Alemanha, como de resto de toda a Europa, vivia uma crise profunda, com muito desemprego, pobreza e fome. A mudança para o Brasil era alternativa para sobrevivência dessas pessoas. Da companhia colonizadora, receberam a promessa de casa, de abundância de terra e de toda a infraestrutura necessária para produzir. Quando chegaram aqui, receberam terras de mato, sem casa, sem benfeitorias, sem estradas e sem escolas e casas de saúde. Para entender um pouco do sacrifício daqueles pioneiros, é preciso lembrar que, na época, a Europa já tinha uma agricultura bem desenvolvida, Já havia universidades com mais de 500 anos, portanto, muito mais velhas do que a mais antiga universidade brasileira atual. Os serviços de saúde eram bem avançados, com hospitais e profissionais formados

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nas diversas universidades e havia escolas públicas e confessionais para atender à maior parte da população. Aqui tudo estava por ser realizado. Derrubar árvores, e com serrote manual, fazer tábuas e construir as casas e benfeitorias. As ferramentas e demais bens necessários eram vendidos aos imigrantes por preços elevados, a prazo, mediante assinatura de promissórias. As dívidas realizadas eram uma das maneiras de fazer o imigrante não desistir e voltar Em cada grupo de imigrantes que vinham ao Brasil, não havia apenas agricultores. De forma planejada, vinham também profissionais de outras áreas para ajudar a criar uma nova comunidade, como sapateiros, serralheiros, carpinteiros, construtores, funileiros etc. No entanto, diferente das comunidades na Alemanha, que eram organizadas em núcleos, aqui os agricultores foram assentados em “Linhas”, ficando um morador distante do outro. Esse inadequado planejamento de colonização foi o principal responsável pelo atraso no desenvolvimento das comunidades rurais quando a s c o m p a r a à s comunidades urbanas. Tudo era longe e, por isso, custou caro fazer estradas, levar luz, telefone, escolas, serviços de saúde etc. Depois de assentados em suas terras, praticamente foram abandonados à sua própria sorte. Como eram cristãos, trataram de


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reunir-se e de construir uma igreja, católica ou de confissão evangélica. Para isso, padres e pastores vieram da Alemanha. Esses mesmos padres e pastores foram os responsáveis pela construção das primeiras escolas, junto às igrejas. Mais uma vez, fizeram eles próprios o que o governo não dava: a escola. Muitas dessas escolas confessionais deram origem a escolas de nível médio e, posteriormente, os primeiros cursos superiores e universidades, que hoje desempenham um papel importante no ensino superior da região.

A verdadeira reforma agrária Um dos temas mais polêmicos da sociedade brasileira é a questão da reforma agrária. Grande parte dessa preocupação deve ser atribuída à forma pela qual o Brasil foi loteado pelos portugueses, gerando a concentração de terra em várias regiões brasileiras, especialmente no Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Hoje há, no Brasil, grandes latifúndios improdutivos e, ao mesmo tempo, verdadeiros produtores rurais necessitando de mais área para cultivo. Um dos entraves para uma verdadeira reforma agrária está na forma empírica como o assunto é tratado. Trata-se de um problema econômico e social, que necessita de

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tratamento técnico e político. Mas não um tratamento leigo e partidário, mais preocupado com “a próxima eleição do que com a próxima geração”. Especialmente no sul do Brasil, foi realizada uma colonização com famílias alemãs (a partir de 1824), italianas, polonesas, holandesas, dentre outras etnias, além das primeiras colonizações portuguesas e espanholas. Essas famílias receberam aproximadamente 36 hectares por família, que, naquela época, em uma exploração manual e com o auxílio de animais de trabalho, era o suficiente para a sua manutenção. Mas o grande número de filhos foi fragmentando essas propriedades e hoje, apenas no Rio Grande do Sul, existem mais de 230 mil propriedades com menos de 10 hectares. O cultivo apenas de grãos, mesmo com alta produtividade, não gera renda suficiente para o atendimento das necessidades mínimas da família. Nessas áreas, há a necessidade de uma exploração intensiva e altamente tecnificada, em sistemas integrados de produção, para que a família obtenha uma renda anual digna para o seu sustento. A verdadeira reforma agrária necessária é criar financiamento a longo prazo (15 anos, por exemplo) para que esses filhos de produtores possam adquirir áreas de terras e seguir na agricultura, para a qual têm vocação. Considerando os desafios atuais (competitividade global e sustentabilidade social,


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econômica e ambiental), esses pretendentes deveriam receber treinamentos adequados, para que sejam capazes de utilizar em sua propriedades as tecnologias mais adequadas para o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade do produto colhido, mas com rentabilidade. Quando se analisam os investimentos realizados em assentamentos nos últimos 18 anos no Brasil, percebe-se que foram gastos mais de R$ 80 bilhões. E o que é pior, na maioria dos assentamentos, não houve uma produção autossustentável de alimentos, muito menos a produção de excedentes comercializáveis para gerar o almejado desenvolvimento e bem-estar dessas famílias. Isso ocorre, porque muitos dos assentados não têm vocação para a agricultura, não receberam treinamentos específicos e se inscrevem movidos pela busca de um patrimônio gratuito. Rapidamente, sofrerão os mesmos problemas que hoje são observados com os pequenos agricultores e fatalmente, em alguns anos, também abandonarão o meio rural. E os vultosos investimentos realizados pelos governos com recursos do povo terão sido perdidos. Por outro lado, enquanto milhares de famílias são assentadas em pequenos lotes, um número maior de famílias deixou o meio rural para engrossar os bolsões de pobreza nas cidades, responsáveis pelos mais graves problemas sociais enfrentados pelos municípios. A

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razão é a falta de condições para sobrevivência em pequenas áreas diante da política agrícola existente. A aplicação dos recursos seria mais eficiente se fossem utilizados em programas integrados de desenvolvimento. Nas pequenas propriedades, além do financiamento aos filhos de produtores para a compra de terras, a reconversão dos pequenos produtores. Deixarem de produzir grãos de baixo retorno e incluírem a produção integrada com as agroindústrias de frutas, olerícolas, flores, plantas medicinais, leite, aves, suínos, ovinos, caprinos, dentre outros, de acordo com as especificidades de cada propriedade e do mercado consumidor existente. Sem organização, gestão e tecnologia, não há condições de enfrentar os desafios de um mundo globalizado em que vivemos. E, por isso, a tendência é a diminuição do número de propriedades e o aumento de tamanho das mesmas nos próximos anos, em todo o sul do Brasil. Quem aplicar adequadamente a tecnologia e aumentar a renda irá adquirir a propriedade do vizinho que não inova e perde em competitividade.

O cristão e o direito à propriedade Com muita frequência, vemos invasões a propriedades privadas no Brasil, sejam rurais ou urbanas. E,


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muitas vezes, essas invasões são justificadas com a alegação de que é legítimo o direito da pessoa hu mana de ter uma casa para morar ou uma propriedade rural. Mas onde fica o direito de quem é dono da propriedade invadida? O direito à propriedade privada é um dos principais direitos garantidos ao cidadão pelas leis em sociedades onde há respeito ao Estado de direito. E esse também é o ponto vista da doutrina social cristã. Na encíclica Rerum Novarum, o papa João XIII, por meio de diversos argumentos, insistia fortemente contra o socialismo do seu tempo no caráter natural do direito de propriedade privada. Esse direito, fundamental para a autonomia e o desenvolvimento da pessoa, foi sempre defendido pela Igreja até os nossos dias. De igual modo, a Igreja ensina que a propriedade dos bens não é um direito absoluto, mas, na sua natureza de direito humano, traz inscritos os próprios limites. Significa que é legítimo o direito à propriedade privada, obtida honestamente p e l o trabalho e cujos limites são aqueles estabelecidos pela Constituição ou pelas leis complementares de cada país. Porém, além do direito ao particular, há o dever com o uso social do bem, de maneira que o direito de cada pessoa tenha como limite o direito do outro. Também o Concílio Vaticano II, ao analisar a doutrina tradicional, propõe que “a propriedade privada ou certo domínio sobre os bens externos asseguram a cada um a

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indispensável esfera de autonomia pessoal e familiar e devem ser considerados como uma extensão da liberdade humana.” Na Encíclica Centesimus Annus, o papa João Paulo II, ao analisar o destino universal dos bens da terra, afirma: “é mediante o trabalho que o homem, usando de sua inteligência e liberdade, consegue dominar a terra e estabelecer nela a sua digna morada.” Isso porque a origem primeira de tudo o que é bem é o próprio ato de Deus que criou a terra e o homem, e ao homem deu a terra para que a domine com seu trabalho e goze de seus frutos (conforme Gn.1, 28-29). Portanto, há uma íntima relação histórica entre a terra e o trabalho no princípio de cada sociedade humana. As pessoas têm o direito à obtenção da propriedade mediante o trabalho, mas não o de impedir que outras pessoas, por meio do trabalho, também tenham acesso à mesma.

Produção de madeira, uma alternativa econômica A produção de madeira é uma grande alternativa econômica não somente atual, mas, especialmente, em um futuro bem próximo, pois deve-se produzir madeira a ser usada na fabricação de celulose, na construção civil, na indústria


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moveleira, como lenha para produção de energia, dentre tantas outras utilidades. Até recentemente, toda a madeira consumida era obtida de uma mera indústria extrativa, ou seja, o desmatamento das florestas naturais. A história econômica da região norte do Rio Grande do Sul tem ligação forte com a derrubada do pinheiro e o comércio interno e externo de sua madeira. À medida que se esgotaram os pinheirais no Rio Grande do Sul, iniciou a migração para o Paraná. Os gaúchos derrubando pinheiros no S ul e os paulistas derrubando mogno a partir do norte daquele Estado. Dizse que os “gaúchos cansados” ficaram em Santa Catarina, com a mesma finalidade, por exemplo, em Pinhalzinho, São Carlos, Chapecó e arredores. Era o tempo em que praticamente todas as casas e outras benfeitorias eram construídas de madeira, e a madeira do pinheiro era da melhor qualidade e mais usada. Em torno do ano de 1985, o pinheiro começou a ser protegido no Rio Grande do Sul e a lei limitou seu corte. O objetivo está correto quanto à preservação das árvores nativas, especialmente quando essas árvores estão em áreas de preservação ambiental (APPs). Mas a legislação atual também limita enormemente a colheita de pinheiros que foram plantados mediante projetos, há muitos anos, como forma de investimentos de longo prazo. A indústria da madeira sai da exploração extrativa para o exercício

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da silvicultura, na qual o homem maneja a floresta desde a escolha da espécie/variedade, plantio, cuidados de condução e, finalmente, a sua colheita. Muitas famílias continuamente foram plantando árvores, pensando em dar uma vida econômica segura a seus filhos e netos no futuro, hoje não conseguem colher suas árvores. Mas, como em várias regiões do mundo, no Brasil, também foi introduzido o eucalipto, originário da Austrália. Quase ao mesmo tempo, era introduzido dos Estados Unidos da América o pinus (pinheiro americano). E essas são as espécies florestais que vão ocupando áreas cada vez maiores nas mais diferentes regiões. O plantio de árvores, ao contrário da produção de grãos, é um investimento com retorno econômico a longo prazo. E, para que o projeto seja bem sucedido, há necessidade da observação de aspectos como a legislação ambiental e as tecnologias disponíveis quanto ao seu manejo para a obtenção de quantidade (produtividade), de qualidade da madeira, d e colheita no menor prazo possível, cujo conjunto representa a rentabilidade do setor. As várias espécies de eucalipto existentes apresentam características particulares, que podem ser cultivadas para finalidades nobres como madeira para construção civil ou moveleira, quanto na produção de celulose e lenha. O pinus também tem características que permitem o seu


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uso para as mais diferentes finalidades. A preferência por essas espécies deve-se, principalmente, ao seu rápido crescimento e produtividade. Por isso, ao lado do cultivo dessas espécies exóticas, deveria haver incentivos ao cultivo também de nossas espécies nativas e nobres da madeira, como a araucária brasileira, que seria um investimento de maior prazo ainda. O mais importante é que, com o crescimento da população, a necessidade de madeira para as mais diferentes finalidades também é crescente. E essa demanda não pode ser satisfeita pelo desmatamento das matas nativas. Por isso, é de enorme importância o estabelecimento de projetos de reflorestamento que surgem em toda a região com vistas à produção da madeira, que têm na coordenação a Emater – Rio Grande do Sul e a Embrapa Florestas, sediada em Colombo – Paraná. Sempre que se festeja a instalação de novas indústrias na região, haverá também a maior necessidade de lenha para suas fornalhas. A importante indústria moveleira do Rio Grande do Sul consome diariamente quantidades enormes de madeira de qualidade e ela não pode parar por falta de matéria-prima. Além do mercado interno em crescimento, há amplas possibilidades de exportação de móveis. Mesmo a atual legislação referente à reserva legal, o novo Código Florestal, abre possibilidades para que, em áreas impróprias para

produção de grãos, possam ser implantados projetos de reflorestamento, mediante projetos técnicos e respeitando-se a legislação ambiental.

Para que serve o preço mínimo na agricultura? Nas mais diferentes manifestações promovidas pela classe rural em todo o país, com frequência é reivindicado um preço equivalente aos preços mínimos para cada produto. O preço mínimo é estabelecido anualmente pelo Governo federal, tendo sido implantado no Brasil a partir da década de 1960, mas somente para alguns produtos, especialmente o trigo. Normalmente, o anúncio dos novos preços mínimos é precedido de ampla discussão entre o setor produtivo e governamental. O anúncio também tem ampla divulgação na grande imprensa nacional, como se efetivamente beneficiasse todos os produtores nacionais. Mas para quem serve o preço mínimo? Até alguns anos atrás, por intermédio da Comissão de Financiamento da Produção (CFP), hoje Conab – Companhia Nacional de Abastecimento,havia uma garantia efetiva de preço mínimo para os produtos incluídos nessa


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política. Enquanto a compra do trigo era estatal, por meio da Setrin do Banco do Brasil, os débitos bancários eram todos pagos aos produtores, garantindo-se o preço mínimo. Mesmo com a privatização da comercialização do trigo nacional, o trigo era uma das culturas com garantia de preços mínimos. Com vistas à formação de estoques reguladores, foi também implantado no Brasil um programa de Aquisição do Governo Federal (AGF). A compra de produtos respeitava o seu preço mínimo. Outra linha de financiamento era o Empréstimo do Governo Federal (EGF). Os produtores, as cooperativas, os cerealistas ou as indústrias poderiam dispor de uma linha de financiamento, com baixos juros, para manter os produtos armazenados por um determinado período de tempo. O valor financiado obedecia ao preço mínimo do produto. Assim, caso os preços no mercado fossem baixos, havia a possibilidade de se obter um capital de giro e esperar uma melhora dos preços na entressafra. Caso isso acontecesse, comercializava-se seu produto e pagava-se o empréstimo bancário. Caso não houvesse melhoria dos preços, no final do empréstimo, era entregue o produto pelo preço mínimo, sendo repassado à Conab. Atualmente, o EGF somente é praticado sem opção de venda (EGF-SOV). Ou seja, ao final do empréstimo, a dívida deve ser paga obrigatoriamente e não há

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recebimento de produto. Portanto, a atual política de preços mínimos é uma mera peça de ficção. Em muitos produtos agrícolas, os produtores recebem valores abaixo do preço mínimo, pois os preços são regulados pelas leis de mercado (oferta e procura) ou pelas políticas econômicas do próprio governo, como a de juros e a cambial. Assim, quando os preços estão abaixo do mínimo, o produtor não tem nenhuma garantia de recebê-lo.

Pousio não é solução O não cultivo dos solos no inverno praticando o chamado “pousio” não contribui em nada para a busca do almejado desenvolvimento da nossa agricultura. Além dos problemas apontados, a falta de cultivo ou “pousio” é o único manejo do solo que empobrece simultaneamente agricultores pela falta de produção e renda e os municípios e o Estado, pela falta de arrecadação de enormes somas em tributos. A falta de cultivo no período de inverno tem ainda como agravante o fato de que o solo fica desprotegido, sujeito à ação erosiva da chuva, processo muitas vezes causado pelo agricultor por meio da mobilização pelo arado ou pela grade durante o inverno, para eliminação de plantas daninhas. Diante da situação econômica e social por que passa o país, não podemos continuar deixando em


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“pousio” milhões de hectares de terra durante o inverno. Se somarmos a área ocupada com a cultura da soja, milho, feijão e sorgo, temos um total superior a seis milhões de hectares de área cultivada no verão, na região do Planalto sul-riograndense. Essa mesma área precisa ser utilizada economicamente no inverno para a produção de grãos, pastagens e adubação verde. Quanto à produção de grãos, temos muitas alternativas adaptadas ao sul do Brasil, como trigo, cevada, aveia, triticale, centeio, alpiste, linho, canola e outros. De muitos grãos dessas alternativas, não somos autossuficientes, o que nos faz gastar anualmente milhões de escassos dólares para sua importação. E, geralmente, importados do Uruguai e da Argentina e produzidos na mesma época em que nossos solos ficam ociosos. O trigo é nossa cultura mais importante, pois ainda estamos longe da autossuficiência desse grão que se transformou no principal cereal alimentício consumido pela população brasileira. Se seguir as recomendações técnicas hoje disponíveis e se tiver em vista uma estabilidade de produção durante vários anos, poder-se-ia cultivar anualmente 1,5 milhões de hectares com trigo, ocupando, portanto, 25% dos solos integralmente cultivados no verão. Outros 1,5 milhões de hectares poderiam ser cultivados com outras culturas produtoras de grãos de inverno.

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Outra opção de utilização dos solos no inverno é a implantação de pastagens visando à terminação de bovinos de corte, produção de leite e criação de ovinos em outros 1,5 milhões de hectares. É conhecido no Rio Grande do Sul o problema da mortalidade de bovinos, da perda do peso do rebanho e da diminuição na produção de leite no período de inverno. A razão principal é a falta de alimentação devido ao crescimento das pastagens nativas pelas geadas. Uma das soluções para o problema é o cultivo de forrageiras de inverno, as quais poderiam ocupar outra quarta parte dos solos. As condições de clima e d e solo do Estado propiciam o cultivo de um grande número de forrageiras que podem ser utilizadas isoladas ou em consorciação, salientando-se a aveia-preta, azevém, centeio, trevos, ervilhaca, comichão, entre outras. Considere-se, também, que o sul do Brasil é uma das poucas regiões do mundo onde é possível realizar duas safras por ano. Finalmente, a área restante de 1,5 milhões de hectares deveria ser destinada gradativamente para adubação verde. De um lado, o cultivo de leguminosas como ervilhaca, serradelo, chicharo (lathirus) ou trevos ou nabo forrageiro, antecedendo o cultivo do milho. Além da proteção do solo durante o inverno evitando-se a erosão, a incorporação das leguminosas fornece à cultura do milho grande quantidades de nitrogênios fixados gratuitamente a partir do ar atmosférico por meio


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da simbiose com a bactéria. Para anteceder o cultivo da soja, é recomendável a utilização de gramíneas/cereais produtoras de grão ou como cobertura verde/ morta de solo no inverno. A principal cultura utilizada nos últimos anos como cobertura verde, com resultados exitosos, é a aveia- preta, cuja preferência se deve: a) à facilidade de obtenção de semente dessa cultura; b) ao baixo custo de sementes em relação a alternativas para adubação verde; c) à grande produção de massas verdes; d) ao bom desenvolvimento do sistema radicular, melhorando-se as características físicas do solo; e) ao efeito alopático sobre algumas plantas daninhas. Diante de tantas alternativas de cultivo existentes, o processo da diversificação, especialmente no inverno, tem amplas possibilidades de ser implantado no Estado, como alavanca para o almejado desenvolvimento do setor agrícola.

Calça jeans mais cara A calça jeans é praticamente um uniforme universal. Em qualquer lugar do mundo, ela é usada por homens e mulheres, jovens e idosos. Além do modismo, beleza e conforto, esse fenômeno deve-se também à resistência e durabilidade de sua fibra. A melhor fibra de celulose, com essa conjugação de características qualitativas, vem do algodão, cultura conhecida na

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Índia desde o ano 8000 a.C. e já utilizada na elaboração manual de tecidos. A fibra de algodão também é utilizada numa infinidade de outros produtos como roupas, toalhas de banho e de mesa, roupas de cama, entre tantos outros. Especialmente com o aumento da demanda pelo forte ingresso da China no mercado consumidor, os estoques mundiais de algodão estão baixos. Os chineses, que, ao tempo do ditador Mao Tsé-Tung, eram proibidos de usar jeans (roupa associada aos Estados Unidos), agora também querem entrar nessa moda. Um mercado de mais de um bilhão trezentos e oitenta milhões de pessoas. Por outro lado, em alguns países, nos últimos anos, houve uma redução do cultivo de algodão, pois os preços internacionais não eram competitivos com a produção de grãos alimentícios, especialmente o milho, a soja e o arroz. Também houve frustrações de safra do algodão no Paquistão, o quarto maior produtor mundial dessa fibra. A Índia, onde o consumo de produtos de algodão também está em alta, proibiu a exportação da fibra. Quando a demanda está tão aquecida, há um aumento nos preços. A partir de 2009, o preço da fibra de algodão praticamente triplicou no mercado internacional. O mesmo ocorreu no Brasil. Em menos de dois anos, de 2009 a 2011, o preço da arroba (15 kg) de fibra de algodão passou de R$ 36,00 para mais de R$ 90,00. Por


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isso, o cultivo do algodão foi retomado em várias tradicionais regiões produtoras brasileiras. O estado do Mato Grosso é o maior produtor de algodão do Brasil, seguido da região do oeste da Bahia. Entretanto, o cultivo de algodão é um empreendimento de alto risco. Muitos produtores de algodão perderam tudo no Centro-Oeste brasileiro há alguns anos devido às condições climáticas desfavoráveis, à falta de controle de pragas e moléstias e preços. Trata- se de uma cultura muito sensível e que precisa ser conduzida com alta tecnologia. O cuidado na lavoura é quase diário. Como a fibra é produzida na flor, esta é o alvo preferencial de várias pragas. O excesso de chuva, na fase de formação da flor (denominada de capulho), também torna a fibra inadequada ao mercado. Há inúmeras tecnologias hoje disponíveis para aumentar o número de capulhos por planta e a melhoria da qualidade da fibra. O rendimento médio varia de 250 a 300 arrobas por hectare nas propriedades que aplicam as modernas tecnologias de manejo. Considerando-se a produtividade média observada nas lavouras e os altos preços de mercado praticados, a renda bruta obtida em um hectare de algodão, na safra 2011, foi o equivalente a 490 sacas de soja. O maior problema enfrentado pelos produtores é a falta de máquinas colhedoras. O mercado, interno e internacional, não conseguiu suprir a demanda. Por essa razão, estão ocorrendo

aumentos nos preços de todos os produtos têxteis, dos quais o algodão é a principal matéria-prima. Muitas indústrias têxteis estão misturando a fibra de algodão com fibras sintéticas, como a viscose. Essa viscose tem seu brilho neutralizado com aplicação de produtos químicos e, após o tingimento, não se observam diferenças dessa mistura de fibras em relação aos tecidos 100% algodão. Espera-se que essa euforia não contamine aventureiros ao cultivo do algodão. Por ser uma cultura de difícil manejo e considerando os altos riscos de mercado, de clima e sanitários, o produtor deve dominar profundamente as práticas culturais e as regras do mercado.

O que há com o cooperativismo gaúcho? Do ponto de vista social, a organização associativa na forma de uma cooperativa é de fundamental importância para dar poder de barganha aos produtores rurais. A primeira cooperativa foi fundada na Inglaterra, em 21 de dezembro de 1844, e foi criada nos arredores da cidade de Manchester, em Rochdale, quando um grupo de 28 tecelões, um deles mulher, se uniu para comprar, em conjunto, ítens de primeira necessidade, como alimentos, por exemplo. Chamavase Sociedade dos Probos Pioneiros de Rochdale.


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No Brasil, a primeira cooperativa foi criada em 1847, na colônia Teresa Cristina, no Paraná, com inspiração nos ideais humanistas, junto com outros colonos europeus. Logo em seguida, em Minas Gerais, foi criada a primeira cooperativa de produção. No Rio Grande do Sul, em 28 de dezembro de 1902, na Linha Imperial - Nova Petrópolis, um grupo de 19 sócios aprovou o estatuto da Sparkasse Amstad (Caixa de Economia e Empréstimos, também conhecida como Caixa Rural), origem da atual Sicredi, sob a orientação do padre jesuíta Theodor Amstad, dando, assim, início no Estado ao cooperativismo no setor de crédito. Era a primeira Cooperativa de Crédito Rural no Brasil e na América Latina. O cooperativismo no Brasil é regido pela Lei nº 5.764/71, que traz claro o objetivo essencial da criação de uma cooperativa, em que “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. O ideal cooperativista tem como valores a ajuda mútua, o esforço próprio, a responsabilidade, a democracia, a igualdade, a equidade e a solidariedade. Daí, surgiu o slogan do cooperativismo: um por todos, todos por um. Possivelmente devido à minha origem como filho de produtores rurais, sou um defensor dos ideais cooperativistas. Colaborei em

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inúmeras atividades de difusão do cooperativismo na região ou na difusão de tecnologias aos seus associados. A cada vez que vou ao Paraná, fico mais impressionado com a pujança do cooperativismo de produção naquele Etado, como a Coamo, Cocamar, C. Vale, Lar, Agrária, Integrada, entre outras. Crescem integrando a produção primária de seus associados com a industrialização e a distribuição dos produtos nos mercados interno e externo. Dessa forma, agregam valor, pois a maior renda do agronegócio não vem da produção de grãos, frutas, leite, frangos, suínos ou bovinos, mas da sua industrialização e distribuição aos consumidores. Mesmo reconhecendo que temos boas cooperativas no Rio Grande do Sul, como a Cotrijal, Cotriel, Cotripal, Cotribá, dentre outras, não se pode fechar os olhos para a profunda crise que vive esse setor. Como um dominó, as grandes e tradicionais cooperativas desse Estado vão à falência. Todas gozavam de prestigio, tinham a confiança de milhares de associados e fornecedores. Seus dirigentes (geralmente reeleitos eternamente) eram grandes celebridades e ministravam palestras nos mais importantes eventos para defender não somente o ideal cooperativista, mas especialmente a pujança da cooperativa que dirigiam. No entanto, repentinamente, seus associados e fornecedores são surpreendidos com a situação


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falimentar da cooperativa. Foi o que aconteceu com a Coopasso Passo Fundo, na época, a terceira maior cooperativa do Rio Grande do Sul; a Copalma (Palmeira das Missões), a Cotricruz (Cruz Alta), a Cotrigo (Getúlio Vargas) e outras em profundas dificuldades financeiras. De outro lado, as cooperativas de crédito vão bem e não se têm notícias de crises com relação a elas. Talvez isso ocorra devido ao rígido controle que sofrem do Banco Central. Nessas falências, os maiores prejudicados são os produtores rurais, que perdem milhares de sacas de grãos obtidos com o suor do trabalho. Como os grãos viraram uma espécie de moeda, são depositados na cooperativa, como uma poupança para realização de negócios futuros. E, quando uma cooperativa começa a pagar juros sobre os grãos depositados, a organização está doente. Mas quais são as razões dessa crise? É incompetência de gestão? É o reflexo de crise de renda do setor rural? Falta de controle externo? Perderam o foco, o que leva à inviabilização do sistema? Independentee da causa, alguma coisa precisa ser feita de forma urgente, pois milhares de produtores rurais, trabalhadores e fornecedores em nosso Estado dependem da cooperativa. E, portanto, de seu sucesso depende todo o desenvolvimento do interior do Rio Grande do Sul.

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Ciência, tecnologia e o desenvolvimento do Agronegócio Ciência, tecnologia e desenvolvimento Definir a ciência é realmente muito difícil. De forma genérica, dizse ser a “soma de todos os conhecimentos desenvolvidos pela humanidade, em todas as áreas do saber". A parte dos conhecimentos diretamente aplicados é mais comumente denominada de tecnologia, daí a citação tão frequente da ciência e da tecnologia. A ciência é, na verdade, a busca do novo, pois seu objetivo é a evolução. Seu berço é a Grécia antiga, onde tiveram origem muitas das áreas de conhecimento, eternizando-se as teorias desenvolvidas por Aristóteles, Demócrito, Platão, Descartes, Aristodemo e assim por diante. Esses “sábios“ gregos passaram a ser os patronos de várias áreas do conhecimento, como a Medicina, o Direito, a Biologia etc, pela importância reconhecida de seus postulados. Entretanto, como a ciência cria o novo, ela incomoda, pois, a cada nova teoria criada, novas hipóteses

são levantadas, as quais geram novas teorias. Quanto mais inovadora for a nova teoria desenvolvida, mais demora para ela ser aceita. Portanto, a verdade científica somente vale enquanto não se tiver uma prova em contrário. Essa dinamicidade é acelerada, atualmente, pela disponibilidade de novos equipamentos que os cientistas têm, especialmente o uso da informática, comunicação via satélite e da biologia molecular. Mas essa característica de que os conhecimentos científicos não são definitivos (dogmas) é utilizada como argumento por aqueles que não querem o novo, pois este pode estar afetando seus princípios ideológicos, culturais, religiosos e, principalmente, os seus interesses econômicos. Por isso, há tantos registros na História sobre os novos conhecimentos que provocaram revoltas, como estes que relataremos. Em 1778, foi descoberta a vacina contra a varíola por Edward Jenner. Em 1904, parte da população do Rio de Janeiro estava sendo dizimada pela peste bubônica, febre amarela,


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varíola e cólera. Muitos navios já não atracavam mais no porto do Rio de Janeiro devido à epidemia, isolando do mundo a capital brasileira da época. Foi, então, que o grande sanitarista brasileiro Osvaldo Cruz começou uma campanha de vacinação obrigatória da população. Quando as pessoas ficaram sabendo que a vacina, na verdade, era a injeção do vírus visando ao desenvolvimento de resistência, posicionaram-se contra. Os adversários do Presidente da República Rodrigues Alves espalharam a notícia de que o real objetivo da campanha de vacinação era “exterminar os pobres por meio da contaminação”. O movimento contrário à vacinação ficou conhecido como a Revolta da Vacina. Milhares de pessoas foram às ruas para protestar contra a obrigatoriedade da vacinação. O policiamento teve que intervir, houve confronto, com um triste saldo de 23 mortos e 67 feridos. Mas, baseado nas evidências científicas, a vacinação obrigatória, que era realizada normalmente nos países mais desenvolvidos, continuou salvando milhares de pessoas. As pessoas foram curadas e o sanitarista Osvaldo Cruz tornou-se um dos grandes heróis nacionais. É difícil uma cidade brasileira que não tenha um nome de rua, avenida, hospital, escola ou outro logradouro público homenageando Osvaldo Cruz. Hoje a vacinação está incorporada à cultura popular, pois há a consciência da importância de

prevenir doenças. Aliás, muitas enfermidades que matavam pessoas no século passado estão extintas. Há outros exemplos como esse na história da ciência. No final do século XIX, houve protestos na Europa contra a pasteurização do leite. Hoje vamos diariamente ao supermercado adquirir leite pasteurizado, pois ele apresenta qualidades superiores ao leite não pasteurizado, importante veículo de transmissão de doenças do animal para o ser humano. Para evitar o desenvolvimento de microrganismos, outros alimentos não derivados do leite também são pasteurizados, como é o caso da cerveja. Calvino, em 1553, ordenou que se queimasse numa fogueira, até a morte, Michael Servetus, pelo “crime” de ter descoberto a circulação pulmonar. É histórica a perseguição da Igreja católica ao grande físico Galilei Galilei pelo “crime” de ter descoberto que a Terra gira ao redor do Sol. As fogueiras de hoje são sugeridas aos cientistas que desenvolvem organismos geneticamente modificados (OGM), como os cultivares transgênicos. Continua o medo do novo!

Altos rendimentos, da calagem à nanotecnologia A agricultura no Sul do Brasil experimentou grandes mudanças nos últimos 50 anos, especialmente


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quanto ao aumento no rendimento das culturas e à melhoria da qualidade do grão colhido. Ao se usar o Rio Grande do Sul para exemplificar e ao se comparar às safras 1977/78 às de 2010/11, os dados demonstram que se passou de um rendimento médio para a soja de 1.246 kg/ha para 2.845 kg/ha (+ 228%); para o trigo, de 453 kg/ha para 2.490 kg/ha (+550%); para o milho, de 1.320 kg/ha para 5.255 kg/ha (+ 398%); para a aveia-branca, de 837 kg/ha para 2.300 kg/ha (+275%); para o arroz, de 3.719 kg/ha para 7.600 kg/ha (+ 204%); para o feijão, de 671 kg/ha para 1.341 kg/ha (+199%). Graças ao desenvolvimento de tecnologias e à sua difusão, mas, especialmente, à adoção dessas pelos produtores, tivemos aumentos crescentes no rendimento. É o resultado da interação dos fatores genéticos, ambientais, de manejo e fisiológicos. Mesmo quando passamos por graves estiagens, temos que reconhecer que as condições climáticas apresentam instabilidade histórica. Então, o aumento do rendimento deve-se às diferentes revoluções tecnológicas como a calagem, o melhoramento genético, a implementação do sistema de plantio direto, o controle mais eficiente de plantas daninhas, pragas e moléstias, a introdução de cultivares transgênicos (a biotecnologia na agricultura) e, atualmente, a era da agricultura de precisão, com significativa participação da nanotecnologia eletrônica e biológica.

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a) Calagem A primeira grande revolução iniciou-se em meados da década de 1960, quando, por meio da calagem, os solos ácidos, com excesso de alumínio e baixa disponibilidade de nutrientes, foram transformados em solos altamente produtivos. A calagem reduz a disponibilidade de elementos tóxicos no solo (alumínio e manganês) e aumenta a disponibilidade de vários nutrientes (nitrogênio, fósforo, cálcio, magnésio, enxofre, molibdênio, entre outros). A calagem, além de melhorar a nutrição das culturas, estimula um maior desenvolvimento do sistema radicular. E quanto maior o volume de raízes em contato com o volume de solo, maior é a eficiência na nutrição das culturas. b) genético

Melhoramento

Pelo melhoramento genético, foram desenvolvidos cultivares com potencial de rendimento cada vez mais elevado e houve a melhoria da qualidade de grãos. Houve mudanças significativas na redução do ciclo dos cultivares e da estatura de plantas, prevenindo o acamamento e tornando-as mais responsivas à adubação. Outro aspecto importante é uma melhor adaptabilidade dos cultivares aos diferentes ambientes para permitir a expressão desse potencial genético. Na cultura do milho, foi significativo o aumento do potencial de rendimento a partir do desenvolvimento de híbridos.


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c) Sistema plantio direto A implementação do sistema plantio direto (SPD), a partir das década de 1970-80, foi decisiva na redução drástica da erosão do solo, na melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo; na melhoria da qualidade das águas; na redução da necessidade de máquinas/equipamentos/mão de obra; e no auxílio na economia com diesel, graxas e lubrificantes. Pesquisas realizadas demonstraram que as mobilizações do solo (aração profunda, grade de destorroamento, grade de nivelamento, semeadura, gradilha, capinadeira dirigível) provocavam uma perda de até 150 toneladas de solo fértil por ano, representando, além da perda da camada superficial do solo, a mais fértil, onde se concentram o calcário, os nutrientes e a matéria orgânica, também o assoreamento de rios, açudes, barragens e estradas. Mas não somente o produtor rural ganhou com isso, uma vez que o sistema plantio direto contribui muito com a redução do efeito estufa. d) Sanidade de plantas Entretanto, grandes perdas de rendimento ainda ocorriam devido a pragas (especialmente lagartas, pulgões, percevejos), moléstias e plantas daninhas. O controle de lagartas e percevejos em soja necessitava de até seis aplicações de inseticidas altamente tóxicos, principalmente por estarem na forma de pó. Eram aplicados até

20-25 kg de inseticida por hectare, ao passo que hoje esse controle é realizado com maior eficiência, menor contaminação ambiental e humana, com o uso de aproximadamente 100-150 ml/ha. No controle de plantas daninhas para a soja, passamos da aplicação de até cinco produtos sequenciais para apenas um produto, graças à utilização quase total dos cultivares transgênicos. Também houve um aumento significativo na eficiência de controle de moléstias, integrando-se a resistência genética, o manejo e a utilização de fungicidas mais eficazes no tratamento de sementes e parte aérea. Para o controle preventivo de moléstias, são de fundamental importância a rotação de culturas, o uso de sementes sadias e a adubação equilibrada de macro e micronutrientes.

Biotecnologia na agricultura Na cultura da soja, a introdução de cultivares transgênicos representou uma das contribuições mais efetivas da biotecnologia na produção vegetal. Certamente, não há registro na história da agricultura de uma adoção tão rápida e eficiente de uma nova tecnologia, como a transgênese. O uso de culturas transgênicas no mundo evoluiu de 1,7 milhões de hectares em 1996 para 153 milhões


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de hectares em 2011. Grandes novidades virão em um futuro próximo, quando os produtores terão à disposição não só cultivares com vários eventos transferidos, aliando altos potenciais de rendimento, qualidade de grãos, resistência a pragas e doenças, bem como tolerância a estresses abióticos, especialmente, maior tolerância à deficiência hídrica. e) Agricultura de precisão Agora vivemos a fase da agricultura de precisão, a nanotecnologia na agricultura. Não se trata apenas da utilização de GPS em máquinas e equipamentos agrícolas, mas também da conjugação dos maiores avanços da informática, da engenharia mecânica, eletrônica, comunicação (nanotecnologia eletrônica), mas também da biologia molecular, fisiologia vegetal e nutrição de plantas (nanotecnologia biológica), proporcionando-se as condições mais adequadas para o melhor desenvolvimento das culturas, fazendo-o de forma rentável e sustentável. Portanto, a continuidade de crescentes rendimentos será obtida pela interação de todos os fatores envolvidos e não somente por fatores isolados. Pouco adianta ter um GPS e deixar de fazer coisas simples, mas fundamentais no manejo das culturas.

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O medo do novo Em 2009, comemoraram- se os 200 anos de nascimento de Charles Darwin, que, em 1859, emitiu a sua revolucionária teoria sobre a evolução, no livro A origem das espécies. Evidentemente, como toda ideia absolutamente nova, quebrando paradigmas milenares, ela foi rechaçada. Até hoje, por fanatismo de algumas seitas religiosas ou conservadorismo, há escolas em vários países do mundo nas quais estão proibidos os livros de Biologia que falam da Teoria da Evolução de Darwin. A mesma incompreensão sofreu Galileu Galilei quando seus estudos de Física na Universidade de Pádua mostraram que a Terra não era o centro do universo e, sim, o Sol. Somente depois de séculos, foi reconhecido o valor de sua teoria, já perfeitamente aceita pelos estudiosos de astronomia. Então, veio o pedido de desculpas, como se isso apagasse todo o sofrimento que Galileu sofreu no final de sua vida. O medo do novo é uma característica do ser humano. A História tem inúmeros registros de fatos nos quais os seres humanos se envolveram equivocadamente em lutas, meramente por questões de fanatismo ideológico, político ou religioso. Aqui entre nós também há inúmeros exemplos desses equívocos, como a campanha contra a calagem, vacinação, uso da pílula anticoncepcional, fertilização in


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vitro, e, mais recentemente, os transgênicos. Os solos da região, como a maior parte dos solos brasileiros, são por natureza, extremamente, ácidos e com elevados teores de alumínio, o que é tóxico às plantas e aos animais que se alimentam dessas plantas. No início da década de 1960, por um convênio da Faculdade de Agronomia da UFRGS com a Universidade de Wisconsin (EUA), foram iniciadas as primeiras pesquisas e a implantação da calagem em nosso Estado. A Universidade de Wisconsin, na época, era uma referência mundial no domínio da tecnologia de correção e adubação de solos. Quando os primeiros pesquisadores começaram a abrir buracos nas lavouras da região de Ibirubá e de Santa Rosa, para amostragem de solo que seria analisado em Porto Alegre, pejorativamente receberam o apelido de “tatus”. Daí em diante, a campanha de correção da acidez do solo passou a ser conhecida por Operação Tatu. Essa foi a primeira grande revolução da agricultura regional, que transformou campos de barba de bode, absolutamente improdutivos em uma das regiões mundiais de maior produção de grãos, carne e leite, considerando-se a possibilidade climática existente de realização de duas safras por ano. A calagem era uma técnica absolutamente nova, já usada há muitos anos em vários países do mundo. Quando os holandeses

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vieram à região de Não-Me-Toque, já conheciam em seu país a importância da calagem e do uso de fertilizantes nas lavouras na busca do aumento do rendimento das culturas, e não entendiam como aqui essas técnicas ainda não eram utilizadas. Mas a calagem era a aplicação de toneladas de calcário moído nas lavouras. E aplicar pedra moída nos solos era visto com muita desconfiança pelos produtores, conservadores por natureza. Entretanto, os técnicos que difundiram e orientaram a calagem sofreram as mais diversas campanhas difamatórias. Entre essas, dizia-se que a calagem era uma estratégia “dos imperialistas norte–americanos, que queriam deixar os solos com deficiência de manganês e, desta forma, reduzir a fertilidade das mulheres e, assim, fazer o controle da natalidade”. De fato, uma das razões do baixo desenvolvimento das culturas em solos ácidos é a disponibilidade em excesso de manganês no solo. Esse mesmo manganês, que é essencial para as plantas, também é essencial para os seres humanos e outros animais, mas em quantidades extremamente pequenas. Uma das funções do manganês nos animais é atuar na reprodução. Certamente, não existe nada pior do que partir de premissas verdadeiras para impor o medo por meio da extrapolação de seus efeitos, sem comprovação científica. Já se passaram quase 50 anos da


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introdução da calagem em nossas lavouras e, há muito mais tempo, nas mais diferentes regiões do mundo, entretanto, não há uma só evidência de que “a calagem era um método diabólico de fazer controle de natalidade em países subdesenvolvidos”.

Informação, conhecimento e ética Depois da era agrária e da era industrial, o mundo vive a era do conhecimento. País desenvolvido é aquele que domina o conhecimento. Quem não gera conhecimentos será irreversivelmente dependente. Pesquisas recentes demonstram que o estoque de conhecimentos desenvolvido pela humanidade dobra a cada 14 meses. Essa dinamicidade é decorrente, principalmente, do desenvolvimento da informática e do aperfeiçoamento da comunicação. Graças à internet, as pessoas têm à disposição em sua casa a maior e melhor biblioteca do mundo e, portanto, com acesso aos novos conhecimentos científicos, tecnológicos e culturais desenvolvidos. Representa o mais importante instrumento de socialização do conhecimento no mundo moderno, eliminando-se as fronteiras entre instituições, países ou continentes. No entanto, essa quantidade imensa de informações necessita ser transformada em conhecimento

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humano, ou seja, em saber (teorias). Diante da velocidade com que as informações são geradas diariamente, é impossível absorver tudo. Portanto, a busca deve ser prioritariamente pelas informações necessárias para gerar um conhecimento que represente um avanço, a solução de um problema. Esse conhecimento será estéril caso não haja a capacidade de transformá-lo em aplicação prática, ou seja, no desenvolvimento da capacidade de fazer. De outro lado, a utilização desses conhecimentos deve ser feito com ética. Um mesmo conhecimento científico, tecnológico ou cultural pode ser utilizado para fazer o bem ou para fazer o mal. É imprescindível colocar o bem comum acima do bem particular. Ou seja, expressar, além da dimensão pessoal, a dimensão social, inerente ao ser humano. Por isso, o desenvolvimento harmônico da sociedade exige que a ética (responsabilidade, honestidade, respeito, pontualidade, assiduidade e solidariedade) deve anteceder o uso do conhecimento ou a técnica gerada.

Educação e desenvolvimento rural Infelizmente, a qualidade do ensino no Brasil é muito inferior ao dos demais países emergentes, considerando-se os diversos


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indicadores existentes. A revista Exame, de 27 de setembro de 2006, com o título A ignorância que mata, destaca o fraco desempenho dos estudantes brasileiros numa avaliação realizada mundialmente, pois, entre quarenta países emergentes, o Brasil ficou em 40º lugar. Mesmo com uma legislação considerada moderna, o ensino brasileiro, na prática, dá titulação e não qualificação. O foco é a conclusão de cursos, independente do conhecimento adquirido. Essa baixa qualidade do ensino inicia-se no ensino fundamental, se estende ao ensino médio e também atinge, de forma alarmante, o ensino superior. A universidade, ao receber alunos despreparados, não adota estratégias pedagógicas que priorizem o direito fundamental de um aluno, que é o conhecimento. Quanto mais despreparado é o aluno, menor é o grau de exigência na maioria dos cursos superiores, com a desculpa quase universalizada de que não se é possível exigir mais. É inadmissível, por exemplo, que alunos concluintes de cursos superiores não saibam expressar-se na língua pátria, fazer um cálculo de regra de três, interpretar um texto em inglês, localizar-se geográfica e historicamente no mundo em que vive. Partindo de uma premissa verdadeira, que é a necessidade de redução da repetência na escola, os alunos são aprovados quase que por decreto. A escola não diferencia quem aprendeu e quem não aprendeu.

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Mas, estatisticamente, essa falsa redução da repetência é festejada como um avanço na qualidade do ensino brasileiro. A Constituição brasileira garante a todos os brasileiros o ensino fundamental. Portanto, os recursos públicos deveriam, prioritariamente, ser utilizados nesse nível, pois representa a universalização e a democratização de oportunidades. No entanto, o país inverteu a prioridade e os maiores recursos são destinados ao ensino superior. Chega-se ao ridículo de uma oferta de vagas no vestibular para cursos de ensino superior maior do que o número de concluintes do ensino médio. Nem nos países de ensino mais evoluído do mundo, como a Alemanha, Japão e Estados Unidos da América, a prioridade é a formação superior de toda a população. Mais uma vez, o que interessa são os dados estatísticos de aumento de vagas, número de cursos implantados e aumento do número de concluintes do ensino superior. Recentemente foi divulgado um estudo que mostra que apenas 10% dos habitantes do meio rural no Brasil têm escolarização superior a 10 anos, ao passo que, entre habitantes do meio urbano, esse percentual é de 60%. Até alguns anos atrás, os pais diziam para os filhos no meio rural: “estude ou terás que ficar na lavoura”. Hoje, verifica-se que, na complexidade da gestão de uma propriedade, a necessidade de estudar é igual ou até maior no meio


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rural do que no meio urbano. A diversificação de culturas, a rotação de culturas, o uso adequado de agrotóxicos e de fertilizantes, o manejo da moderna maquinaria (computadorizada e com GPS) são exemplos da necessidade de uma adequada qualificação. Essa questão é preocupante, pois os desafios no meio rural são cada vez maiores enquanto o produtor do futuro tiver ensino muito inferior em relação ao habitante urbano. Agora, no meio rural, os pais conscientes dizem a seus filhos: “vá estudar para poder continuar vivendo da renda da propriedade”. Portanto, os municípios, estado e União devem rever o ensino no meio rural. Certamente, esses objetivos não serão alcançados com o fácil e barato transporte dos filhos de produtores do meio rural para estudar em colégios urbanos. Tirálos até os 14 ou 15 anos da realidade do meio rural para estudar em colégios de mentalidade urbana é contribuir para o êxodo rural e para a continuidade da manutenção de uma população despreparada na agricultura. Certamente, essa situação será, cada vez mais, um entrave à competitividade da agricultura brasileira com a dos demais países emergentes.

Ensino no meio rural As pesquisas do IBGE demonstram que a população do

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meio rural, na maioria dos municípios da região, está envelhecendo. Os jovens estão saindo com uma velocidade cada vez maior para a cidade e apenas os pais estão ficando no meio rural. Mesmo considerando o fato de que, com a tecnificação, há liberação de mão de obra no meio rural, a situação é preocupante. Quem serão os produtores rurais do futuro? Os desafios do mundo moderno, globalizado e com rápidas mudanças científico-tecnológicas, sociais e culturais, exigem uma qualificação cada vez maior dos futuros produtores rurais. Os cenários futuros indicam a busca permanente do aumento da produtividade/rendimento na unidade de produção, a melhoria da qualidade dos produtos colhidos, atendendo às exigências do consumidor, a elevação da rentabilidade da propriedade, o vencimento da crescente competitividade em níveis nacional e internacional, e a necessidade da sustentabilidade do agronegócio. Devem ser consideradas ainda as grandes preocupações da humanidade com as questões relacionadas à conservação e à melhoria do ambiente. Das atividades desenvolvidas no meio rural, dependem a preservação da fauna e da flora, a disponibilidade e qualidade da água potável, a redução da emissão de CO na 2 atmosfera e a melhoria do solo dos pontos de vista físico, químico e biológico.


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Para a inserção nesses cenários, há a necessidade de uma preparação qualificada dos futuros produtores, capazes de adotar as tecnologias mais adequadas para que a sustentabilidade, dos pontos de vista econômico, social e ambiental, seja atingida pelo setor. Esse futuro produtor necessita de uma educação permanente, seja capaz de, diante da enorme quantidade de informações geradas continuamente, transformá-las em conhecimento e aumentar a eficiência e a eficácia de seu trabalho. Nesse contexto, certamente, a questão do ensino no meio rural deve ser revista. Será que efetivamente a prática pedagógica atualmente aplicada nas escolas do meio rural prepara os filhos dos produtores para serem agricultores melhores do que foram seus pais? Será que trazer os alunos do meio rural para estudar em escolas urbanas estimula que os mesmos retornem para cuidar da propriedade? Não se trata de negar a universalidade dos conhecimentos, mas de agregar uma especificidade que se faz necessária ao desenvolvimento do agronegócio. Cabe aos prefeitos da região a condução de uma discussão profunda dessa questão. Estrategicamente, as diretrizes, as políticas e as ações devem anteciparse ao problema. Há ações que devem ser implementadas imediatamente para que, no futuro bem próximo, essa situação, tão preocupante, seja

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resolvida. A participação dos sindicatos rurais e dos trabalhadores rurais, das cooperativas agrícolas e das associações de produtores é fundamental nessa discussão para que a melhor solução seja encontrada. A reordenação do ensino, aliada a outras políticas, poderá alterar uma tendência hoje observada.

Empreendedorismo e desenvolvimento rural O desenvolvimento das comunidades, dos estados e dos países requer o domínio de conhecimentos científicos, tecnológicos e culturais, mas, fundamentalmente, o domínio da capacidade criativa e empreendedora do cidadão. Os conhecimentos são obtidos a partir de uma sólida educação familiar e de um ensino de qualidade, que une o saber, a capacidade de fazer e uma postura ética. Estamos vivendo a chamada Revolução do Conhecimento, ou seja, quanto mais conhecimentos gerados, maior é seu poder. O mundo está cada vez mais dividido entre os que detêm o conhecimento e aqueles que, irreversivelmente, serão dependentes. Por isso, o ensino em todos os níveis (fundamental, médio e superior) e a formação integral do ser humano devem estar voltados


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à produção de um conhecimento atualizado e dinâmico, que prepare o cidadão para aprender permanentemente. Se o estoque de conhecimentos dobra a cada 14 meses, conhecimento recebido por um aluno nos dois primeiros anos do curso já estará ultrapassado nos dois últimos. As mudanças que ocorrem são tão rápidas que as pessoas necessitam de uma enorme capacidade para adaptar-se aos novos desafios. Mas os conhecimentos serão estéreis caso não sejam ferramentas para trabalho. A criatividade é uma característica inerente ao ser humano, mas ela também pode ser desenvolvida a partir da família e da escola. A partir do conhecimento e da capacidade criativa, o homem desenvolve a capacidade de empreender. As grandes transformações na sociedade são geradas por aqueles que empreendem, inovam e, por isso, transformam. A melhoria dessa sociedade somente ocorre quando as mudanças estão voltadas ao bem comum. Por isso, antes do conhecimento técnico e da criatividade, deve haver ética.

Passo Fundo, uma Agrotecnópolis No final da década de 1980, o desenvolvimento de tecnologias agrícolas em Passo Fundo era basicamente realizado pelo Centro

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Nacional de Pesquisa de Trigo – Embrapa, hoje Embrapa Trigo. A pesquisa agrícola ainda era incipiente na Faculdade de Agronomia da Universidade de Passo Fundo. Entretanto, nesses últimos 25 anos, houve mudanças extraordinárias, com novas instituições, novas áreas de investigação e maior número de pesquisadores. Merece destaque a criação do primeiro curso institucional de mestrado em Agronomia, na área de concentração em fitopatologia, em 1996, numa ação conjunta entre a UPF e a Embrapa Trigo. Em 2000, inicia o curso de mestrado na área de concentração em produção vegetal e, em 2004, o primeiro curso de doutorado em Agronomia. Isso representa um incremento na geração de conhecimentos nas duas instituições pelos professores/pesquisadores treinados nas melhores universidades do mundo e a modernização de laboratórios e campos experimentais. Também, em 1996, é implantado o curso de Medicina Veterinária na Faculdade de Agronomia da UPF, um forte impulso à produção animal da região. O moderno hospital veterinário e os laboratórios anexos contribuem tanto para o desenvolvimento da pesquisa e a difusão de tecnologias, bem como para a prestação de serviços. Na área de alimentos, o Centro


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de Estudos e Pesquisas em Alimentação – Cepa, criado em 1985, com o objetivo de dinamizar o ensino, a pesquisa e a difusão de conhecimentos e técnicas em alimentação, transformou-se num dos mais importantes laboratórios na área de alimentos do estado do Rio Grande do Sul, com destaque para o Sarle (Serviço de Análise de Rebanhos Leiteiros), Laboratório de Análise de Resíduos e o Laboratório de Cereais. O melhoramento genético é o responsável pelo desenvolvimento dos novos e diferenciados cultivares das diversas culturas, disponibilizados aos produtores da região e para vários estados brasileiros. Cada novo cultivar desenvolvido pela pesquisa apresenta características diferenciadas, como maiores potenciais de rendimento, melhor qualidade industrial e nutritiva, melhor adaptabilidade/estabilidade de produção nas condições de solo e de clima de uma determinada região ou maior resistência/tolerância a moléstias e pragas, reduzindo-se a necessidade de aplicação de defensivos agrícolas. Graças à liderança da Embrapa Trigo, Passo Fundo tornou-se a capital nacional do melhoramento genético vegetal, considerando-se o número de instituições de pesquisas aqui existentes e a diversidade de espécies vegetais melhoradas. Na

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área vegetal, a Embrapa Trigo desenvolve cultivares de trigo, cevada-cervejeira, centeio, triticale, soja e de canola, e pesquisas em outras culturas. Mais de 200 cultivares já foram desenvolvidos por essa instituição e utilizados pelos produtores nas mais diferentes regiões brasileiras. A Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária/UPF realiza melhoramento genético de aveia desde 1977, já tendo desenvolvido 24 cultivares, além da geração e da difusão de tecnologias geradas por outras instituições na região de Passo Fundo: a OR Melhoramento e Sementes (desenvolvimento de cultivares de trigo e aveia-branca); a Biotrigo (criador de cultivares de trigo); a Brasmax (criadora de cultivares de soja em cooperação com a empresa Don Mário, da Argentina); a AmBev, que transferiu seu programa de melhoramento de cevada-cervejeira de Encruzilhada do Sul para Passo Fundo, c o m o campo experimental junto à BR 386, entre Tio Hugo e Carazinho; a Pioneer, que transferiu seu programa de pesquisa de milho, de Santa Cruz do Sul, com a instalação de seu campo experimental em Coxilha; também em Coxilha, as instalações da antiga Dekalb deram lugar à empresa de melhoramento de milho Semilha; junto à Apassul (Associação de Produtores de Sementes do Estado do Rio Grande do Sul). De forma pioneira em


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Passo Fundo, foi criada a Fundação Pró-Sementes, que atua na área de produção e de certificação de sementes (em soja, aveia e trigo). A Monsanto está transferindo seu campo experimental de Não-MeToque para uma área próxima a Passo Fundo, gerando modernas tecnologias nas culturas da soja e milho. A Semeato e a Kuhn Metasa são modernas indústrias de máquinas agrícolas em Passo Fundo, comercializadas no Brasil e em diversos países. Em relação à agroindustrialização, também houve um crescimento significativo no esmagamento de soja (Bünge), na produção de biodiesel (BSbios), no maior abatedouro mundial de frangos (Groupe Doux e atualmente JBS), na indústria de Laticínios Italac e no projeto de construção da maior maltaria brasileira, pela Ambev. Os avanços da genética chegam ao produtor rural por intermédio das sementes dos novos cultivares. Por essa razão, existe uma estreita relação entre o melhoramento genético e o sistema de produção de sementes, o pósmelhoramento vegetal. Dessa forma, as sementes modificadas geneticamente são multiplicadas de forma eficiente para que cheguem ao produtor no menor espaço de tempo possível, o que propicia a obtenção das vantagens desse cultivar. Por essa razão, a sede da Associação de Produtores de Sementes do Rio Grande do Sul -

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Apassul é em Passo Fundo. A partir da experiência da Apassul, foi criada a Associação Brasileira de Produtores de Sementes - Abrazem. Essas instituições públicas e privadas de pesquisa representam a inclusão de Passo Fundo e da região no mapa da ciência e tecnologia brasileiras, considerando-se os qualificados recursos humanos, a infraestrutura (biblioteca, laboratórios e campos experimentais) e as inúmeras tecnologias desenvolvidas. Trabalhos científicos aqui gerados difundem-se no país e no exterior. Além do melhoramento clássico, as instituições estão também atuando em áreas avançadas com a utilização de estratégias biotecnológicas para o desenvolvimento de novos cultivares, como a transgenia. Do ponto de vista econômico, é uma enorme quantidade de recursos financeiros, que, alocados nesses programas, geram divisas, empregos e renda. Portanto, ao se considerarem o número de instituições de pesquisa, o número de culturas abrangidas e o número de pesquisadores envolvidos, a região de Passo Fundo é o principal polo de ciência e tecnologia agrícola do Brasil. A Agrotecnópolis, uma cidade ou região, que é polo em geração e difusão de ciência e tecnologia agrícola, como apoio à produção animal e vegetal e à indústria de máquinas e à agroindustrialização, é uma


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realidade. Essa realidade justifica a implantação de incubadoras tecnológicas em Passo Fundo, o que propicia o empreendedorismo dos qualificados recursos humanos formados e a implantação do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia.

Agricultura do tempo de Brasília Quando se observa a evolução tecnológica nas agriculturas brasileira e mundial, várias comparações podem ser realizadas. É inegável o aumento significativo do rendimento das principais culturas com o somatório de fatores, como o uso dos melhores cultivares, a utilização das tecnologias de manejo mais adequadas atualmente disponíveis, nas melhores condições de solo e de clima. Mesmo enaltecendo o aumento médio do rendimento, chama a atenção a enorme diferença de rendimento observado entre produtores que usam a tecnologia e muitos que ainda não inovam. Isso não tem nada a ver com solo e clima, pois ocorre nas mesmas coxilhas da região. Não perceberam ainda a velocidade com que as novas tecnologias são desenvolvidas e a importância que elas têm para o

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aumento da produtividade, mas, principalmente, para o aumento da rentabilidade. A evolução das tecnologias de manejo de culturas pode ser comparada à evolução dos automóveis. Certamente, muitos leitores tiveram, como eu, uma Brasília da Volkswagen, em meados da década de 1970. Essa grande indústria automobilística tinha criado a Kombi e depois o Fusca, um dos carros mais populares da história do automóvel. Os grandes engenheiros da Volkswagen, então, criaram um carro mais espaçoso que o Fusca. E, com a inauguração de sua fábrica em São Paulo, homenagearam o Brasil dando o nome ao novo carro de Brasília, a nossa capital federal. Mas como era essa Brasília? Não tinha direção hidráulica, vidro elétrico, ar condicionado, air bag, freio ABS e injeção eletrônica, componentes dos quais hoje não abrimos mão. Apresentava dois carburadores e a eficiência era de 4 a 6 km por litro de gasolina. Entrava poeira por todos os lados quando se andava em estrada de terra, e água, quando chovia. Mas a principal característica era que o motor estava na cabine, atrás do banco do traseiro. O barulho dentro do carro era insuportável. Claro que a gauchada logo encontrou uma solução para atenuar a barulheira. Colocavam sobre a tampa, acima do motor, um pelego, vermelho pelos colorados e azul pelos gremistas. Mas, não era


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suficiente. Então, se comprava um tapete de borracha preto, grosso (e feio) e o barulho era abafado. Para deixar bonito o carro, um pelego em cima. Vejam como evoluíram os carros desde 1977 até hoje. As fábricas foram colocando no carro, ao longo do tempo, as mais inovadoras tecnologias desenvolvidas pela pesquisa. Ainda lembro que, em 1989, o então Presidente Collor, num de seus pronunciamentos “marqueteiros” de domingo de manhã, disse que os carros brasileiros eram umas “carroças” quando comparados aos carros encontrados nos países desenvolvidos. Parece que aquilo mexeu com as indústrias, que inovaram. Os grandes beneficiados da adoção dessas tecnologias inovadoras somos nós, consumidores, seja pela beleza dos carros, sua segurança, eficiência mecânica e durabilidade. Exatamente, essa é a grande mudança tecnológica ocorrida na agricultura nos últimos 30 anos. Os produtores que inovam estão obtendo rendimentos recordes, e milhões de produtores, fiéis às técnicas do passado, obtendo baixos rendimentos. Continuam fiéis à tecnologia da Brasília. De nada adianta o desenvolvimento de novas tecnologias, se essas não são adotadas pelos produtores.

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Plano safra não é política agrícola! O Plano Safra é semelhante à maioria dos orçamentos (especialmente, os públicos): uma peça de ficção. Historicamente, existe uma diferença muito grande entre o que é anunciado, anualmente, em Brasília e o que efetivamente é contratado pelos produtores rurais, independente do tamanho da propriedade ou da atividade desenvolvida. A menor contratação de financiamentos deve-se a várias razões. Em razão do grande endividamento dos produtores (superior a R$ 114 bilhões), muitos não têm acesso ao crédito rural. Outros, capitalizados e com alta capacidade de gestão, estão implantando as culturas com recursos próprios, barganhando preços de insumos e vendendo a produção quando o mercado é o mais favorável. Na verdade, a grande financiadora do agronegócio brasileiro é a iniciativa privada. Grandes cerealistas ou indústrias de insumos e transformação, de forma direta com o produtor ou indireta, por meio de cooperativas, financiam máquinas e insumos, mediante contratos de entrega da produção. Esses valores, atualmente, são superiores aos recursos financeiros contratados pelos produtores junto às agências bancárias. Historicamente, no Brasil, os juros de investimento e custeio para a agricultura eram


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estimados em 50% da inflação. Portanto, quando a inflação no ano é estimada para 5%, juros de custeio a 6,75%, são muito altos e, dependendo da atividade, proibitivos. É importante a ampliação do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor, com R$ 5,65 bilhões, e a da Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que pretende aumentar de 26 para 33 milhões de hectares cultivados sob plantio direto no Brasil, além de financiar projetos de integração agrosilvoflorestal, com vistas à recuperação de milhões de hectares de solos degradados pela pecuária, mal manejada, no Brasil Central. Na verdade, o Brasil precisa de uma política agrícola que garanta renda aos produtores. Recursos para financiamento são importantes, mas não são o fator mais limitante para o aumento da renda dos produtores. Uma garantia de preços mínimos, um câmbio equilibrado, um seguro agrícola, que garanta a reposição das perdas provocadas por intempéries, como estiagens ou excesso de chuva na colheita, e a redução dos custos de logística são mais importantes.

Falta infraestrutura no meio rural É altamente positivo que a produção brasileira de grãos e as

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exportações aumentem a cada ano, gerando renda, empregos e impostos. No entanto, é cada vez mais preocupante a falta de investimentos públicos em logística, como estradas, ampliação de portos e da capacidade de armazenamento de grãos. É incompreensível que os produtores rurais tenham que praticamente implorar ao Poder público para ter estradas em condições de trafegabilidade em qualquer condição climática. É o mínimo que uma prefeitura pode retribuir aos seus agricultores que tanto contribuem com seus trabalhos para a obtenção de riquezas, que não apenas promovem o desenvolvimento rural, como também são decisivos para a geração de emprego e renda no meio urbano. Além da necessidade de condições adequadas das estradas para tráfego de caminhões que transportam insumos e produtos agrícolas, a estrada é fundamental para a locomoção, como em caso de doença, até chegar ao centro urbano em menor tempo possível. Uma estrada em más condições também eleva os custos de produção devido ao aumento de despesas com consertos mecânicos e menor duração dos pneus. Isso reduz a renda da propriedade e a competitividade de nossos produtos agrícolas. Outro investimento necessário no Brasil é a ampliação da capacidade de armazenamento. Em qualquer país desenvolvido, a capacidade de armazenamento é maior do que a produção interna


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exatamente para que esse fator não seja limitador em caso de safras recordes e de possibilidade de manutenção de estoques estratégicos, que é uma questão de segurança alimentar. Verifica-se que alguns armazéns ainda têm soja, milho e trigo da safra passada e já está ocorrendo a colheita das culturas de verão. Não há espaço para armazenar tudo, o que determina a necessidade de comercialização dos produtos armazenados. E, sempre que a oferta de um produto aumenta, sabemos que há queda dos preços, o que diminui a renda do produtor. Finalmente, considerando as enormes potencialidades que existem para exportação, também há uma deficiência séria na capacidade de embarque em nossos principais portos. Além de serviços portuários mais caros do que nos países vizinhos, a sua capacidade não atende ao crescimento que ocorreu no setor. Em menos de dez anos, duplicamos a quantidade de produto exportado, mas a capacidade portuária não foi ampliada. Há necessidade de investimentos públicos com vistas à ampliação dos portos e à melhoria da eficiência de carregamento. Quanto mais rapidamente um navio é carregado, menores são os custos de exportação. Mas também há necessidade de ampliação das rodovias de acesso aos portos, o que evitaria as quilométricas filas de caminhões e a alta frequência de acidentes observadas a cada ano.

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As feiras de produtores As feiras de produtores são uma tradição na maioria dos municípios brasileiros. Têm uma enorme importância econômica, mas, especialmente, social, pois oportunizam um mercado para pequenos produtores. Representam, para muitas propriedades, a garantia de uma rentabilidade, que, por si só, sustenta a família com adequados padrões de qualidade. São também um importante fator que inibe o êxodo rural das famílias que vivem em pequenas propriedades, que não têm sustentabilidade apenas com a produção de grãos. De outro lado, o consumidor urbano também se beneficia com a feira, pois compra produtos recémcolhidos, e, geralmente, a preços abaixo dos praticados nos mercados. Portanto, a feira é uma interessante estratégia que une produtores e consumidores de forma direta e sem intermediários, numa forma sinérgica que beneficia os dois segmentos da sociedade. Geralmente, a iniciativa da organização das feiras e a assistência técnica aos produtores são da Emater, junto com as secretarias municipais da Agricultura. Em Passo Fundo, a feira foi criada no início dos anos 1980, numa iniciativa da Secretaria Municipal da Agricultura e apoio da Emater, do Sindicato dos


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Trabalhadores Rurais e da Faculdade de Agronomia/UPF. Ao Poder público municipal, cabem o auxílio na implantação de uma infraestrutura adequada e a fiscalização para que haja um mínimo de higiene e qualidade, preservando-se a saúde dos consumidores. A ele também cabe a fiscalização para que, na feira, sejam vendidos somente produtos produzidos pelos produtores rurais. A presença de atravessadores, na feira de produtores, é uma lamentável distorção de suas funções. Aquilo que os produtores do município não podem produzir, por questões de clima, de solo ou de outro fator, os consumidores devem buscar nos mercados regularmente estabelecidos. De outro lado, a organização por parte dos produtores também é importante para que sejam estabelecidas as normas de conduta dos feirantes, a dinamização e a eficiência do trabalho, a definição das tecnologias de manejo das culturas ou criações e o dimensionamento do mercado. A organização dos produtores é necessária para a busca dos interesses coletivos, pois, em conjunto, aumentam o poder de barganha e o próprio peso político das reivindicações. No entanto, a defesa dos interesses do grupo não pode estar acima dos interesses sociais. A entrada de novos produtores deve ser livre desde que obedecidas as normas internas de organização. A limitação da entrada

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de outros produtores, estabelecidos no município, nas mesmas condições dos demais, não é mais o salutar direito de organização, mas o autoritário corporativismo. Com o desenvolvimento do projeto das hortas urbanas, além da produção própria de alimentos pela população, deverá ser criado um mecanismo que oportunize a comercialização dos excedentes. Uma feira de produtores não deve ser limitada por questões geográficas, se área rural ou área urbana. A feira é uma concessão de uma atividade pública pela prefeitura municipal. A limitação dos aspectos de concorrência deve ficar restrita aos estabelecimentos comerciais, dos quais são exigidos alvará, registro na Junta Comercial, fiscalização fiscal e tantas outras exigências. Essas exigências não são feitas aos feirantes. Essa regulação é uma intransferível responsabilidade da prefeitura municipal. Como também é urgente que seja construído, em Passo Fundo, um prédio para a Feira Permanente de Produtores, cuja ação foi estabelecida pelo Conselho de Desenvolvimento de Passo Fundo em 1996 e ainda não cumprida. Isso possibilitará melhores condições aos feirantes, ampliação de oportunidades para novos produtores, diversidade de horário para os consumidores, funcionamento em todos os dias e turnos da semana e a redução da importação de frutas e hortaliças de outras regiões.


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O Parque Wolmar Salton Quanto mais viajo pelo Brasil e conheço os parques de exposições, mais fico inconformado com a situação do Parque de Exposições Wolmar Salton de Passo Fundo. Cidades muito menores que Passo Fundo realizam grandes feiras anuais e construíram parques de exposições invejáveis. Para exemplificar, vale a pena visitar o de Ijui, Santo Ângelo, Santa Rosa, Soledade, Chapecó, Lages, Erechim, Cruz Alta, Dourados, entre outros. Historicamente, Passo Fundo carecia de um parque de exposições para realização de feiras e demonstração das potencialidades existentes do agronegócio, indústria, comércio e serviços. Por iniciativa do Secretário municipal da Agricultura Sinval Bernardon, foi construído um parque de exposições numa área do Patronato de Menores, próximo onde hoje funciona o Ifsul. Foram realizadas Feiras de Gado Leiteiro, dando início ao fomento dessa tão importante atividade pecuária na região. Também foram realizadas as primeiras feiras de ovinos de corte, cuja atividade iniciava na região do Planalto. Mas era um local acanhado que logo se mostrava insuficiente para atender ao crescimento. Por isso, por iniciativa do Sindicato Rural de Passo Fundo, tendo como presidente o saudoso

Ronald José Bertagnoli e como vicepresidente Norberto Amândio Wentz, iniciou-se um movimento de integração do setor privado (sob a liderança do Sindicato Rural e Cicasp, hoje Acisa) e do setor público (Prefeitura e Câmara de Vereadores) para a construção de um novo parque de exposições. Havia uma área próxima à cidade que atendia aos anseios dessas lideranças, uma área que havia sido desapropriada pela prefeitura municipal e cedida ao Governo do estado do Rio Grande do Sul, por intermédio de Cedic, para instalação de um grande distrito industrial. No entanto, a localização era contestada pelos ecologistas e alguns professores da UPF, pois estava exatamente na cabeceira de importantes mananciais de água. Certa noite, Ronald Bertagnoli ligou para mim perguntando se eu poderia recebê-lo no dia seguinte, pois ele tinha um assunto urgente para resolver e queria minha ajuda. Na manhã seguinte, ele chegou à Faculdade de Agronomia. Falou- me do andamento das gestões para que a área destinada à Cedic fosse devolvida ao município, para fins de instalação do parque de exposições. Para isso, havia sido agendada uma audiência com o então Governador Jair Soares. Mas, era preciso ter um anteprojeto a ser apresentado para convencê-lo de decretar a devolução da área. Mostrou-me o anteprojeto que o sindicato havia encomendado e solicitou que eu o examinasse. Passei os olhos e ele perguntou-me:


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“isso está em condições de ser apresentado ao Governador do estado?” Eu disse que achava que deveria ser melhorado. Imediatamente, objetivo como era, disse-me que, de fato, para ele aquilo era uma “porcaria”. Solicitou-me, então, em caráter de urgência, pois faltavam poucos dias para a audiência com o governador, que eu melhorasse o anteprojeto. D u r a n t e a t a r d e , eu e o Ronald percorremos toda a área e fizemos anotações. Elaborei o novo anteprojeto, com as sugestões já discutidas no sindicato das edificações, da área de estacionamento, do lago, do ajardinamento e do sombreamento etc. Entreguei o trabalho ao Ronald, que solicitou que eu acompanhasse a delegação a Porto Alegre. Fomos a Porto Alegre com uma delegação formada pelo prefeito Fernando Machado Carrion, presidente da Câmara de Vereadores, Alberto Poltroniere, o presidente da Cicasp, Renato Miranda, Ronald Bertagnoli, Norberto Wentz e eu. Em seu gabinete, f izemos a justificativa ao Gover nador J air Soares para a substituição da área de distrito industrial para um grande parque, mediante a devolução da área. O Governador, imediatamente aceitou a ideia. Logo em seguida, o Sindicato Rural começou a implantação da área para exposição animal. Durante o primeiro mandato do prefeito Airton Lângaro Dipp, foram construídos pavilhões, abrigando a

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retomada da Efrica, em 1991, e merecidamente homenageando o exPrefeito Wolmar Salton. Desde 1996, por meio do Planejamento Estratégico para Passo Fundo, o Conselho de Desenvolvimento defende a implantação de um plano diretor para o parque e sua revitalização. Para quem acompanha a evolução dos parques em cidades vizinhas, fico envergonhado com a situação de nosso parque. Como ainda tenho na cabeça os ideais propostos lá na década de 1980, não me conformo que nosso Parque Wolmar Salton não evolua e que não seja realizada, anualmente, uma grande feira múltipla. Várias pequenas feiras setoriais, por mais bem organizadas, não substituem uma grande feira múltipla, em atrativos a visitantes, expositores e volume de negócios.


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A agronergia Diesel caro, alimentos caros! O óleo diesel é a fonte energética mais importante no agronegócio relacionada com a produção agrícola e com o transporte, tanto dos produtos agrícolas quanto das máquinas e dos insumos. Devido a essa importância, tradicionalmente, o preço do óleo diesel foi subsidiado para que o custo de produção e de transporte tenha um impacto menor no custo dos alimentos e outras matérias-primas industriais de origem vegetal. Não me lembro de épocas em que o preço do óleo diesel no Brasil fosse tão próximo do preço da gasolina como atualmente. A mudança do sistema de manejo do solo adotado pelos agricultores brasileiros, do convencional para o sistema de semeadura direta, promoveu uma economia de aproximadamente quarenta litros de óleo diesel por hectare e por cultivo. Ainda assim, o preço do diesel tem uma influência significativa no custo de produção dos alimentos. Esse alto preço atual do óleo diesel no Brasil é difícil de entender. Para comparar, o preço internacional do petróleo ficou um

longo período próximo a US$ 100 o barril. O Governo brasileiro, apesar de alardear nossa autossuficiência em petróleo, continuou autorizando o aumento do diesel e da gasolina. E, o pior, permitiu aumentos maiores no preço do diesel do que da gasolina, aproximando significativamente os seus preços. Também não é correto justificar os altos preços do óleo diesel no Brasil com os preços do diesel na Europa, que, de fato, é superior ao nosso. A Europa ocidental não é produtora de petróleo, sendo 100% importado. Mas, por que os altos preços do combustível não impactam na produção agrícola e no seu transporte na Europa? Porque os produtores rurais recebem altos subsídios para produzir (até 750€ euros por ha/ano), enquanto no Brasil, além de não se ter subsídios, há taxas tributárias e taxas de juros das mais elevadas do mundo. E não importa que isso tenha reflexos diretos na rentabilidade dos produtores rurais e nos preços dos alimentos que o consumidor é obrigado a pagar. Além de impactar também nos custos do transporte coletivo nas cidades, pois os ônibus são movidos pelo óleo diesel.


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Produção de etanol no RS O uso de álcool, o etanol, como combustível é um dos casos de maior sucesso no mundo contemporâneo. É o melhor exemplo de uma integração da universidade e do setor industrial. O Programa Brasileiro do Álcool Combustível (Pro-álcool) iniciouse no Brasil a partir de projetos de pesquisa na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Esalq, em Piracicaba, no Departamento de Engenharia de Alimentos, que trabalhava no aperfeiçoamento da produção de açúcar e aguardente de cana-deaçúcar. A cana foi introduzida no Brasil, a partir da Ilha da Madeira, por Martin Afonso de Souza na Capitania de São Vicente, hoje estado de São Paulo. Depois se expandiu pelo Nordeste brasileiro. Tradicionalmente, as lavouras mais produtivas de cana estão em São Paulo como resultado da melhor aplicação das tecnologias de manejo da cultura. Depois de o Brasil ser o grande fornecedor de açúcar à Europa no período Imperial, barreiras alfandegárias limitam a exportação em maior quantidade, especialmente devido aos subsídios que governos europeus dão à produção de açúcar de beterraba. Portanto, a cadeia da cana-de-açúcar precisava encontrar novos mercados. Nos anos de 1970 a 1980, os pesquisadores da Esalq retomaram

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os estudos para viabilizar a produção de etanol e seu uso como combustível. Havia um motivo especial para isso: com a guerra entre árabes e israelenses, em 1973, o preço do petróleo explodiu no mercado, passando de US$ 3,00-5,00 o barril para mais de US$ 37 em poucos meses. E o Brasil, que vinha crescendo de forma extraordinária (o chamado “milagre econômico”), era grande importador de petróleo, o que gerou uma grande crise na balança comercial brasileira. Sabia-se que, durante a Segunda Guerra Mundial, foi usado etanol em automóveis, mas o desempenho era baixo e ele corroía os motores. Junto com a engenharia de automóveis, foram criados carros com desempenhos cada vez melhores com o uso de etanol, comparado à gasolina. Surgem os primeiros carros brasileiros movidos a etanol, o que reduziu a importação brasileira de gasolina. Mesmo com desempenho ainda aquém em relação aos carros a gasolina, o preço do etanol era compensador. E, a tecnologia mecânica acabou com os efeitos corrosivos em motores antes existentes. Mas o mundo ignorava nossos avanços. Em Piracicaba, graças à Esalq, surge uma Tecnópolis Sucro-alcooleira, com pesquisa e formação de recursos humanos qualificados, com desenvolvimento de grandes usinas de álcool, a Dedini, hoje exportadora, e o de máquinas agrícolas para plantio e colheita da cana, como a Motocana. É o melhor exemplo da integração pesquisa e


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desenvolvimento – P & D. A Eco-92, o grande encontro mundial sobre meio ambiente, realizado no Rio de Janeiro, foi um divisor de águas. A exposição preparada pelo Brasil mostrou os benefícios ambientais da produção dessa energia renovável e despertou a curiosidade mundial. Pela primeira vez, os principais jornais e revistas do mundo fizeram reportagens sobre o sucesso do Proálcool brasileiro. E, em vários países, o etanol começou a ser produzido a partir de grãos alimentícios. No entanto, poucos países têm clima favorável à produção de cana-de-açúcar, a mais eficiente cultura até hoje conhecida de transformação de energia solar em energia química. Atualmente, o Brasil já tem mais de 8 milhões de hectares cultivados com cana-de-açúcar. Mesmo com a produção crescente de etanol, o consumo expandiu-se muito graças ao crescente mercado de carros flex, outro avanço extraordinário da indústria automobilística. Por isso, atualmente, os preços do etanol estão muito próximos ao preço da gasolina, especialmente, no Rio Grande de Sul. Por essa razão, é da maior importância o investimento em canade-açúcar no Rio Grande do Sul, em algumas regiões com adaptabilidade climática da cultura (menos frio). Mesmo sendo um sonho antigo deste Estado, a indústria de etanol se viabiliza técnica e economicamente hoje graças ao aumento da produtividade da cana. É o

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resultado do desenvolvimento de tecnologias de produção (clones mais produtivos e adaptados a climas mais frios), do aumento da eficiência da produção industrial de etanol (extração do açúcar por difusão e não esmagamento, fermentos transgênicos mais eficientes de transformação desse açúcar em álcool) e dos preços maiores do petróleo, que viabilizam o mercado de combustíveis renováveis, como o etanol e também o biodiesel no Brasil. Não se podem esquecer os maiores benefícios ambientais e a circulação do dinheiro numa cadeia produtiva brasileira ao invés de envio de divisas ao exterior para importação de petróleo e seus derivados, gasolina e diesel. Mesmo com a propalada autossuficiência de petróleo anunciada, o Brasil é importador de aproximadamente 25% de todo o óleo diesel, e, agora, também, vai importar gasolina. Quando o Proálcool foi criado no Brasil, o Rio Grande do Sul não foi incluído, porque a cana-deaçúcar tem uma limitação ao seu desenvolvimento na região quando comparado a São Paulo, ao CentroOeste e ao Nordeste, devido ao frio. A cana-de-açúcar é uma cultura tipicamente tropical e exige altas temperaturas e muita luz solar para expressar seu potencial produtivo. Mas é cultivada nas mais diferentes regiões gaúchas, especialmente, nas pequenas propriedades, para elaboração de melado, chimia e rapadura, bem como na


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alimentação de animais, como o gado leiteiro. Também, é muito comum o cultivo da cana-de-açúcar para elaboração de cachaça ou aguardente. Mesmo assim, o Rio Grande do Sul sempre mostrou interesse na indústria de etanol. Durante o Governo de José Amaral de Souza (1978-1982), foi criada uma comissão especial para tratar do Proálcool gaúcho. Tive a satisfação de participar da referida comissão. Foram muitas reuniões e viagens técnicas, que resultaram na criação de duas usinas-piloto em nosso Estado. A primeira, para produção de etanol, junto à Agasa, em Santo Antônio da Patrulha, uma estatal produtora de açúcar, a partir da cana-de-açúcar. A segunda destilaria, em Pelotas, visando à produção de etanol a partir de beterraba–açucareira, sorgo sacarino e outras matérias-primas. Depois, também foi autorizada a construção da destilaria de álcool em Carazinho, para uso da mandioca. Nenhuma dessas destilarias prosperou, pois o custo de produção de etanol aqui, não era competitivo com outros estados produtores. Para exemplificar, enquanto a média de rendimento da cana-de-açúcar em São Paulo chega a 120 t/ha, no Rio Grande do Sul não passava de 50 t/ha. Isso se deve ao fato de a canade-açúcar apresentar um ciclo de desenvolvimento limitado pelo frio. A brotação somente ocorre a partir de setembro/outubro e depois seu crescimento paralisa com os primeiros dias frios de março/abril,

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dependendo do ano. Durante o Governo de Germano Rigotto (2002-2006), o assunto foi retomado, com apoio do Ministério de Desenvolvimento Agrário. Na época, eu era membro do Conselho Superior da Cientec, como representante suplente das universidades gaúchas e acompanhei essa discussão. A Cientec criou uma comissão mista para retomar os estudos sobre a viabilidade de usinas de etanol em nosso Estado, a partir da canade-açúcar, bem como das indústrias de biodiesel. Evidentemente, o momento era outro. Havia uma grande demanda por etanol devido aos carros flex e os preços do petróleo viabilizavam economicamente a sua produção mesmo em regiões com menor produtividade. O governo do Estado também estava preocupado com as perdas de divisas de nosso estado com a importação de etanol de outros estados. Somente em ICMs, o Rio Grande do Sul deixava de arrecadar mais de R$ 420 milhões. Do ponto de vista técnico, também houve mudanças tecnológicas significativas nos últimos anos. Novos cultivares (clones obtidos por meio de técnicas biotecnológicas) foram desenvolvidos com maior adaptabilidade a regiões mais frias e com períodos de crescimento mais curto, promovendo-se o aumento da produção de colmos. Na indústria, também houve grandes melhorias tecnológicas, o que aumentou a


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eficiência de produção de etanol por unidade de colmo. A extração da sacarose já não é mais efetuada por esmagamento da cana, em que grande parte fica no bagaço, e, sim, pela extração por difusão. Na fermentação, são utilizados, atualmente, microrganismos modificados geneticamente, com maior eficiência. Essa eficiência passou de uma média de setenta a oitenta litros de etanol por tonelada de colmo para mais de cem litros por tonelada. Estudos já efetuados na UFRGS e na Cientec mostraram, em condições de laboratório, que a produção de etanol pode chegar a 140 l/t de colmo pela simples mudança biológica na fermentação. O momento é favorável, com viabilidade técnica e econômica da instalação de usinas de etanol em algumas regiões mais quentes do Rio Grande do Sul. Aquela pequena propriedade, que já plantava cana para uso doméstico ou como fornecedora a pequenas indústrias de aguardente, pode ter uma nova alternativa para aumento da renda. O uso de novos cultivares e a aplicação de tecnologias de manejo da cana, como adubação, podem aumentar significativamente a produtividade. Por essa razão, estão sendo elaborados projetos para instalação de várias usinas de etanol em municípios junto ao rio Uruguai, onde as temperaturas são mais elevadas. É importante que o produtor destine apenas uma parte da lavoura para cultivo da cana. De outro lado, a ponta da cana deve ser

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utilizada na alimentação animal, como o gado leiteiro, uma renda adicional indireta da cana-deaçúcar. Mas, hoje, também há disponibilidade de cultivares de sorgo sacarino, que, nas condições de clima e solo da região, podem render mais etanol do que a cana. E é uma cultura anual e não permanente.

Óleo de canola, na mesa ou no motor? A canola foi introduzida no Brasil em 1974 pela Cotrijui, com o nome de colza. A Alemanha cultiva, atualmente, aproximadamente quatro milhões de hectares de canola, cujo óleo é utilizado na alimentação humana e também na indústria de biodiesel. Na Alemanha, existe o biodiesel B100 (bombas verdes), ou seja, 100% biodiesel, enquanto que, no Brasil, temos o B5 (5% de biodiesel e 95% de óleo diesel). No século VI, a colza era utilizada como verdura e, no século XIV, seu óleo era usado pelas civilizações antigas da Ásia e do Mediterrâneo em lamparinas e no fabrico de sabões. No século XVII, desenvolveu-se no Japão o costume de comidas fritas com óleo de colza e, a partir daí, ela adquiriu valor como óleo comestível.


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Embora fosse cultivada na Europa desde o século XIII, somente com o surgimento da máquina a vapor é que o óleo de colza adquiriu maior expressão, sendo usado como lubrificante. A necessidade de um lubrificante com tais características, para atender às máquinas dos navios das Forças Aliadas, deflagrou o cultivo da colza no Canadá a partir de 1942. Seu potencial como óleo combustível foi proposto em 1948, que levou à primeira extração mundial de óleo de colza para tal finalidade nos anos 1956 e 1957. Os cultivares de colza disponíveis na época apresentavam teores de ácido erúcico no óleo (<5%) e glucosinolatos no farelo (<15 mmol/g de farelo) dentro de valores toleráveis para a saúde humana. A partir de 1980, foram criados cultivares com teores muito baixos de ácido erúcico no óleo e de glucosinolatos no farelo, denominado de “colza doble zero” na Alemanha e de canola (“Canadian Oil Low Acid”) no Canadá. Essa canola foi selecionada geneticamente, mas a característica não foi introduzida por meio da transgênese, como erradamente muitas pessoas pensam. Mas existem cultivares transgênicos, a exemplo da soja, ainda não liberados para cultivo no Brasil. Atualmente, o óleo de canola está entre os cinco mais usados no mercado internacional de óleos vegetais, junto com o da palma, da soja, do coco e do girassol, ocupando o terceiro lugar. As restrições à utilização do óleo de colza para consumo humano residiam no seu

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elevado conteúdo de ácido erúcico (até 57%), o que provoca diminuição do apetite e causa distúrbios circulatórios e lesões cardíacas. Da mesma forma, elevados teores de glucosinolatos na torta de colza desengordurada causam distúrbios no funcionamento da tireóide, o que influencia negativamente no crescimento e na reprodução, principalmente em animais monogástricos. A obtenção de cultivares com baixos teores de ácido erúcico e glucosinolatos favoreceu a expansão do cultivo da canola em razão de seu crescente emprego na alimentação humana e animal. As lavouras da região produzem, em média, de 1.500 a 2 mil kg/ha. O teor de óleo no grão varia de 32% a 40%, que representa a possibilidade de produção de 500 a 800 litros/ha. A cultura se encaixa perfeitamente em nosso sistema de produção, pois é cultivada no período inverno/primavera, quando temos milhões de hectares de solo ocioso, não competindo com a soja. O farelo de canola desengordurado contém de 35% a 45% de proteínas e 12% a 20% de fibra, sendo empregado como suplemento protéico na alimentação de bovinos, suínos, ovinos e aves. Portanto, é inexplicável que o óleo de canola, com qualidade semelhante ao óleo de oliva, porém a custos mais baixos, seja queimado em motores, enquanto outros óleos menos nutritivos e baratos, são usados na alimentação humana.


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Precisamos de uma política governamental que subsidie o óleo de canola e girassol, visando o aumento no seu consumo humano, deixando os óleos de soja, algodão, palma, amendoim, dentre outros, para uso na fabricação de biodiesel.

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A “santa” soja Soja, produtiva, rústica e nutritiva Infelizmente, de forma pejorativa, é comum ouvir-se a expressão “santa soja”, quando, por absoluto desconhecimento, atribui-se à cultura da soja os problemas de manejo, ambientais, e até mesmo as crises econômicas geradas quando há uma quebra de safra, como em 2004/2005 e 2011/2012. Por ser a cultura que ocupa maior área de cultivo e por ser uma cultura de exportação, há, no Brasil, um ranço ideológico que discrimina a cultura. Evidentemente, por convicções técnico-científicas e numa visão integrada do sistema de produção agrícola, sou um defensor intransigente da diversificação de culturas (com rotação de culturas) exatamente como estratégia para reduzir os riscos climáticos, sanitários ou de mercado. Mas atribuir somente à soja problemas de poluição do solo e de água, contaminação ambiental e alimentos, destruição de matas ciliares, drenagem de banhados, é um exagero. Isso é um problema de desconhecimento por parte das

pessoas, e algumas vezes a manifestação do espírito da ganância gera esses problemas. Os problemas ambientais seriam os mesmos caso a cultura econômica mais importante fosse outra. Entretanto, essa questão precisa ser analisada de forma mais racional e com um mínimo de bom senso. A cultura da soja é a mais importante cultura brasileira do ponto de vista econômico, é o grão alimentício de maior valor nutritivo produzido em escala no mundo e é a nossa cultura mais rústica. a) Importância econômica A cultura da soja, que é recente entre nós, pois foi introduzida como cultura econômica há menos de cinquenta anos, é hoje a principal cultura econômica do Rio Grande do Sul e do Brasil, seja em área cultivada, seja em produção. Apenas para um pequeno exercício, vamos imaginar o que seria dessa região norte do Rio Grande do Sul se tirássemos a cultura da soja nos últimos vinte anos. O dinheiro gerado com a produção e a comercialização da soja propiciou investimentos na melhoria tecnológica e física nas propriedades rurais, na geração de empregos e na


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renda no setor urbano. O negócio agregado da soja é superior a R$ 42 bilhões e envolve não só produtores rurais, mas também muitos segmentos industriais, comerciais e de serviços nas cidades. Graças à sua importância econômica, foram desenvolvidas as pesquisas no Brasil que propiciaram o desenvolvimento de cultivares e de tecnologias adequadas ao cultivo dessa leguminosa na região tropical. Isso viabilizou técnica e economicamente a cultura da soja em regiões como Mato Grosso, Goiás, Tocantins, Bahia, Piauí, Maranhão, Pará e outros Estados. Além da grande importância econômica interna, a exportação de grãos de soja e seus derivados representa o principal ingresso de divisas em nosso país. Nenhum setor agrícola ou industrial gera mais divisas do que a cultura da soja. Esses dólares e euros são fundamentais para a balança comercial do Brasil. Graças a esses recursos, o país importa inúmeros produtos, como medicamentos, matérias-primas, máquinas e equipamentos, que geram desenvolvimento e bem-estar a milhões de brasileiros. Esse grão é tão importante que várias oportunidades se abrem, seja de soja transgênica, seja de soja convencional ou orgânica. Existem nichos de mercado diversificados e, portanto, novas oportunidades de negócio.

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Voltemos a nossa região Sul do Brasil e vejamos a contribuição da cultura da soja ao desenvolvimento das modernas indústrias de máquinas agrícolas ao longo dos anos, das indústrias de fertilizantes e outros insumos e das indústrias de processamento da soja. Quantos caminhões estão permanentemente transportando insumos ou produtos de uma para outra região ou ao porto de Rio Grande; quantos profissionais liberais têm seu trabalho e renda garantida graças aos recursos financeiros gerados pela soja? Finalmente, o farelo de soja é junto com o milho o principal insumo para fabricação de ração para os sistemas integrados de produção de aves e suínos. Esse setor gera milhares de empregos diretos e indiretos e também representa um setor com crescimento permanente da geração de divisas ao Brasil. Para sentir o quanto essa cultura é importante para a economia da região, é só observar o quanto todos estão perdendo com a quebra de safra que ocorreu em 2012, devido à seca. Por isso, antes de discriminar essa cultura, deveríamos ver o que efetivamente ela representa em nosso cotidiano e, certamente, a consideração será outra. E essa mudança comportamental não custará nada e será benéfica a todos, produtores e consumidores. Provavelmente, não existe em nenhum lugar do mundo uma cultura tão importante do ponto de vista econômico que seja


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negligenciada e, pejorativamente, chamada de “santa soja”. b) A rusticidade Normalmente, entre as principais culturas ou mesmo cultivares da mesma espécie, a especialização e a qualidade geralmente não estão associados à rusticidade. Também quanto maior o potencial de rendimento, algumas características especiais parecem ser competitivas com a rusticidade. Culturas de grande rusticidade, como tolerância à seca, geadas, moléstia, pragas etc, de maneira geral não são aquelas de maior rendimento ou qualidade. Ao contrário, quando a seleção de plantas objetiva altos potenciais de rendimento ou a melhoria de características qualitativas, normalmente, a rusticidade é baixa. Também nesses aspectos a cultura da soja é diferenciada. Apesar de ser um dos grãos alimentícios de maior concentração de componentes nutritivos (proteína, óleos, glicídios etc), a cultura da soja é uma das mais rústicas. O exemplo está na nossa região. Em decorrência da longa estiagem na safra 2011/2012, a maioria das plantas anuais estava totalmente destruída, como o milho, o feijão, o arroz, entre outras. Até mesmo as pastagens permanentes estavam completamente secas, a exemplo das gramas de nosso jardim. E, surpreendentemente, as lavouras de soja ainda estavam verdes. Essa é a demonstração mais eloquente do

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quanto essa cultura é rústica. Mas por que com o milho praticamente a perda é total com a seca e a soja ainda produz alguma coisa? A cultura do milho é extremamente sensível à seca quando a falta de água ocorre na fase de floração, que é curta. Já a soja apresenta um período de floração mais longo. Isso significa que, mesmo com alguma chuva no início, no meio ou no final da fase de floração, a produção ainda será razoável. Por essa razão, apesar da seca, o rendimento da soja ainda foi de 800 a 1.500 kg/ha. Em algumas regiões com maior frequência de chuvas, o rendimento foi até superior. Aos preços atuais do produto, não são rendimentos alentadores ou que cobrem os custos de produção, mas superiores ao que ocorre com outras culturas. Outro aspecto importante da cultura da soja é sua extraordinária capacidade de fixar nitrogênio do ar, utilizado na síntese das proteínas dos grãos e, como nitrogênio dos grãos, é exportado. Mas a palha de soja remanescente, quando decomposta pelos microrganismos, disponibiliza grande quantidade de nitrogênio à cultura seguinte (trigo, aveia, cevada, triticale, canola ou outra) e reduz os custos de produção. Um hectare de soja que produz três mil kilos de grãos necessita de aproximadamente 300 kilos de nitrogênio, ou seja, o equivalente a mais 650 kg/ha de ureia. Caso todo esse nitrogênio


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tivesse de ser fornecido por meio dos fertilizantes, o custo de produção da soja seria muito alto e deixaria de ser uma cultura economicamente viável. Portanto, a soja, além da grande importância econômica e social que a sua cadeia produtiva representa pelo alto valor nutritivo de seus grãos, é uma cultura que ainda tolera significativamente condições climáticas tão adversas quanto essas que o Sul do Brasil viveu em 2012. c) O valor nutritivo Além de ser a cultura brasileira de maior importância econômica, o grão de soja também é um dos grãos de maior valor nutritivo. Na antiga Manchuria (hoje China), os grãos de soja eram utilizados como base nas alimentações humana e animal, como fonte de energia (óleos) e proteína. Até hoje, os produtos derivados de soja, nas mais diferentes formas de preparo, são muito utilizados na alimentação dos orientais. Há relatos de que Hitler somente iniciou a Segunda Guerra Mundial depois de ter um grande estoque de alimentos preparados a partir de proteína texturizada de soja. E atribui-se a essa alimentação a maior resistência dos soldados alemães nos combates no frio da Sibéria. O óleo de soja é universalmente utilizado na alimentação humana no Brasil desde meados da década de 1960, sendo um dos mais baratos à disposição do consumidor.

Também é expressivo o consumo da margarina de soja. A composição do óleo de soja caracteriza-se por altos teores de ácido graxo oléico, mas é pobre em ácido graxo linolênico, mais conhecido como Ômega 3. Por essa razão, pela transgenia está sendo desenvolvida uma soja com as mesmas características de rendimento, mas com altos teores de Ômega 3, a exemplo dos óleos de girassol e de canola. Isso porque é mais barato produzir uma tonelada de óleo de soja do que produzir uma tonelada de óleo de girassol e de canola. Mas o principal componente do grão de soja, que é responsável pelo seu grande mercado, é a proteína. A soja apresenta de 37% a 43% de proteína, dependendo do cultivar e da região onde é produzida. Além do alto teor, a proteína de soja é a única proteína vegetal que apresenta uma qualidade biológica semelhante à proteína da carne, dos ovos ou do leite considerandose a composição de aminoácidos. No entanto, quando se compara o custo da unidade de proteína, a derivada da soja tem um custo muito menor Ultimamente, descobriu-se que a soja apresenta flavonas de grande valor na prevenção de câncer, como o de mama. Essa é uma das razões do aumento de consumo da soja nos países desenvolvidos. E parece que a soja produzida no Rio Grande do Sul, devido às condições climáticas peculiares existentes na região, é uma das mais ricas em flavonas. Poderíamos, portanto, agregar valor


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à nossa soja, o que aumentaria seu valor econômico. d) Cultura ecológica Por ser uma cultura produtora de proteínas e considerando-se que essa apresenta 16,5% de nitrogênio, é uma cultura altamente exigente nesse nutriente. No entanto, de 75% a 85% desse nitrogênio vêm da fixação biológica desse elemento realizado por meio da associação da soja com bactérias do gênero Bradyrhizobium, formando os nódulos nas raízes. Como também se obtém o carbono do gás carbônico do ar atmosférico, a exemplos das demais culturas, trata-se de uma cultura verdadeiramente ecológica. e) Uso na alimentação humana Em conclusão, é absolutamente incompreensível que o Brasil não consuma maior quantidade de produtos derivados da soja como fonte de proteína. Ao se considerar que a maior parte da população brasileira vive em clima tropical, os alimentos mais importantes são as proteínas e não a energia. Não podemos copiar a cultura alimentar dos europeus (apesar de nossa grande descendência europeia), pois, num clima frio como a Europa, a necessidade de energia é muito maior. Há, no Brasil, milhões de pessoas com carência em proteínas. Com uma parte apenas da soja hoje exportada, poderíamos alimentar adequadamente as crianças, que,

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em crescimento, necessitam de maiores quantidades de proteína, essencial à adequada formação corporal. Certamente, somos o único país no mundo onde o principal alimento produzido, seja em área cultivada seja de produção, é o principal produto exportado, mas não é utilizado na alimentação de seu próprio povo. Para criar o hábito alimentar, é preciso que, nos programas sociais, como alimentação de escolas, Fome Zero, alimentação de soldados do Exército, Marinha e Aeronáutica, em creches, em asilos e outros, haja a introdução de alimentos derivados de soja nas mais diferentes formas de preparo. Há, no Brasil, tecnologia de preparo de alimentos à base de soja muito bem desenvolvido na Embrapa Soja de Londrina e em outros centros de pesquisa e alimentação.

Importância da soja no Brasil A soja é uma cultura originária do sudoeste da Ásia e cultivada na China, Japão e Coréia, desde 3000 anos a.C. É nativa da Manchúria, em terras situadas a Nordeste da República Chinesa, sendo considerada pelos antigos imperadores chineses como “um dos cinco grãos sagrados responsáveis pela manutenção da civilização chinesa”, e, por isso, seu plantio era


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iniciado pelos imperadores, com rituais religiosos. Após a Primeira Grande Guerra (1914/18), essa leguminosa ingressou em quase todos os países da Europa, de onde passou para a América, através dos EUA, país onde chegou em 1804. A soja foi introduzida no Brasil, na Bahia, em 1822 por meio dos EUA, por Gustavo Dutra, sem ter se adaptado nessa região, pois o material trazido era originário de regiões com latitudes superiores a 30°. Como a Bahia está localizada numa latitude inferior a 20°, encontram-se condições de fotoperiodismo completamente inadequadas ao seu cultivo. Em 1892, houve uma nova introdução, dessa vez no Instituto Agronômico de Campinas - IAC, por Deffart. J á em1908, imigrantes japoneses trouxeram consigo um grande número de cultivares e iniciaram efetivamente o cultivo, acostumados que estavam a fazê-lo no Japão. Em 1923, houve uma introdução de mais de 50 cultivares, dos EUA, por Henrique Löbbe. No Rio Grande do Sul, a soja foi introduzida em 1914 por Mr. Craigg, professor da Faculdade de Agronomia de Porto Alegre. Inicialmente, o cultivo foi feito no terceiro distrito de Santa Rosa e, posteriormente, fixou-se na zona de suinocultura do Alto Uruguai. Pela falta de comercialização, era plantada somente em pequenas áreas coloniais e servia de alimento para os suínos, quer como pasto verde, quer na forma de grãos

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torrados, como fonte de proteína nas rações à base de milho. Foi no município de Giruá que ocorreu, em 1935, a primeira comercialização de grãos de soja. Com o registro das primeiras exportações em 1941, a soja passou a receber maior interesse por parte dos agricultores, sendo o cultivo da leguminosa também incrementado nos estados de São Paulo e Paraná. A possibilidade de cultivo da soja em sucessão com o trigo, com o aproveitamento, dessa forma, da mesma terra para duas culturas em um só ano, constituiu fator preponderante na expansão da cultura dessa leguminosa, mesmo porque eram utilizadas as mesmas máquinas e equipamentos para o preparo do solo, semeadura, tratos culturais e colheita. A sua disseminação foi rápida, pois essa cultura aproveitou uma infraestrutura de produção, beneficiamento e armazenamento de grãos, implantado anteriormente para a cultura do trigo, especialmente, pelas Cooperativas Tritícolas. Assim, a soja tornou-se a principal cultura de importância econômica na região norte do Rio Grande do Sul a partir de década de 1970, cuja renda mantém os pequenos e médios agricultores na atividade rural. Os campos de pastagens nativas, ocupados com bovinocultura de corte, e as áreas coloniais, que eram utilizadas apenas na produção de alimentos de subsistência (feijão, arroz,


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mandioca, batata, dentre outras), foram convertidos em lavouras altamente tecnificadas, comparáveis às melhores lavouras dos países mais desenvolvidos, mormente após a adoção do sistema de semeadura direta. A lavoura de soja gera renda para os produtores e promove o crescimento econômico das cidades pelo comércio de combustíveis, graxas, lubrificantes, máquinas e equipamentos, fertilizantes, herbicidas, inseticidas e fungicidas; serviços de transporte e mecânicas, gerando renda, empregos e tributos. Sempre que a lavoura de soja vai bem, as cidades também estão bem. Quando há crises na lavoura de soja, como baixos rendimentos em virtude de seca ou de baixos preços no mercado, a crise também é sentida no setor urbano. Também se tornou o principal produto de exportação da região, do estado do Rio Grande do Sul e do Brasil, gerando divisas em dólares e contribuindo de forma significativa com o desenvolvimento dos municípios. É difícil imaginar como seriam a economia da região e a renda per capita da população sem a riqueza gerada, anualmente, pela cultura da soja.

Soja também é um alimento sagrado A soja é originária da Ásia, a região da antiga Manchúria, hoje

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China, cultivada desde os anos 2883-2838 a. C. Era considerada um grão sagrado, juntamente com o arroz, trigo, cevada e milheto. Por isso, todas as principais atividades culturais, como a semeadura e a colheita, eram precedidas por ritos religiosos. Um dos mais antigos registros conhecidos sobre a soja está no livro Pen Ts’ao Kong Um, que descrevia as principais plantas ao imperador Shen-Nung (“deus na mitologia chinesa”), considerado por muitos “o pai da agricultura”, pois inventou o arado. Para os cristãos, consideramse o trigo e o pão como alimentos sagrados. Isso porque toda a história do cristianismo inicia-se no Egito antigo, onde Jesus nasceu, viveu e morreu. Lá se cultivava, principalmente, o trigo (“o pão nosso de cada dia”), criava-se o cordeiro e produzia-se o vinho, além do peixe. A Bíblia Sagrada não fala na soja e no arroz, porque não existiam nessa região. Também não fala do milho como alimento, porque somente era cultivado pelos povos indígenas da América. O milho foi o alimento mais importante utilizado pelas grandes civilizações, como a asteca dos Maias, depois Incas. Para esses povos, o milho era considerado um grão sagrado (“alimento dos homens e de deuses”), cultivado desde os anos 3000 a 3500 a.C. Essa cultura alimentícia somente foi descoberta por Cristóvão Colombo, 1.492 anos depois de Cristo, que levou suas sementes para a Europa. Hoje, o milho é o verdadeiro “cereal rei”, pois é a segunda cultura em área


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cultivada, mas, a primeira em quantidade de grãos produzidos. A soja já é o quarto grão mais produzido no mundo, atrás de milho, arroz e trigo, respectivamente. No Brasil, segundo maior produtor de soja do mundo e possivelmente o primeiro depois da safra 2012/2013, é a primeira em área cultivada, em produção e empregos diretos e indiretos gerados. Além disso, é o produto agrícola que mais traz divisas ao país pela exportação, pois somos o maior exportador dessa aleuro-oleaginosa. Em 2011, a soja contribuiu com mais de US$ 27 bilhões na balança comercial brasileira, cada vez mais negativa, devido à falta de competitividade industrial brasileira provocada por uma política econômica equivocada de valorização exagerada do real. Por isso, o Banco Central estimou que o déficit da balança comercial brasileira na área industrial foi superior a US$ 72 bilhões no final de 2011. O único setor brasileiro que tem balança comercial positiva e crescente é o agronegócio, graças à alta competitividade pelos altos rendimentos obtidos pelos produtores. Além da importância econômica, a soja caracteriza-se como o grão alimentício mais nutritivo. Por isso, tornou-se a base da alimentação dos povos asiáticos e, agora de forma cada vez mais consistente, chega aos países ocidentais, no entanto, a custos infinitamente inferiores. Sem deixar de desconhecer os aspectos culturais envolvidos n a

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a limentação, essa comparação explica a demanda crescente de soja nos mercados nacional e internacional. Além do uso direto na alimentação humana, o farelo de soja, junto com o milho, é o principal alimento para aves (carne e avos) e suínos e na complementação da alimentação de gado leiteiro em vários países. A Embrapa Soja de Londrina tem pesquisado muito a questão da utilização da soja na alimentação humana, nas mais diferentes formas. Os resultados dessas pesquisas têm sido altamente promissores. Aliás, a grande procura pela soja no mundo inteiro deve-se exatamente ao seu alto valor nutritivo, tanto na alimentação humana quanto na alimentação animal. Especialmente, nos países orientais, como Japão, China, Hong Kong e outros, o seu uso na alimentação humana é antigo. Ultimamente, a soja tem recebido uma atenção especial não apenas devido à excelente fonte de proteínas, com valor nutritivo semelhante à carne, mas pela presença de flavonoides, importantes para a saúde humana. Uma das indicações da soja é na prevenção da osteoporose, um mal que atinge milhões de brasileiros. As formas de utilização da soja na alimentação humana são as mais diversas, como no enriquecimento proteico da farinha de trigo usada na panificação, confecção de bolos, bolachas e biscoitos, na forma de extrato (“leite


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de soja”), em mistura de bebidas lácteas, em produção de queijos, entre outros alimentos. Essas informações estão disponíveis no Brasil há muito anos. No entanto, não há no país, o segundo maior produtor mundial desse grão, nenhum programa de incentivo ao uso da soja na alimentação humana. Creio que a melhor forma de desenvolvimento do hábito de seu consumo seria a inclusão da soja em programas sociais, como, por exemplo, a alimentação de escolares. Como a alimentação escolar é municipalizada, cabe aos prefeitos a iniciativa de se incluírem os derivados de soja na merenda escolar e, assim, alimentar melhor as crianças e estimular a formação do hábito de consumo desse importante grão. Mas a introdução da soja deve ser precedida de treinamento sobre as formas de preparo para que os alimentos tenham um bom sabor e sejam bem aceitos pela população. Para isso, existem pesquisadores e extensionistas capacitados para efetuar esses treinamentos sobre o preparo de alimentos. De outro lado, o consumo humano de derivados de soja, especialmente da sua farinha, abre enormes perspectivas de implantação de agroindústrias regionais, o que promove, dessa forma, agregação de valor a esse grão e geração de empregos, renda e impostos para os municípios e estado.

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Semeadura de soja: devagar, bem devagar! Aproxima-se a época de semeadura de soja em nossa região, indicada entre 15 de outubro e 10 de dezembro como preferencial. Essa é uma das etapas mais importantes para um adequado estabelecimento da cultura com vistas à obtenção de altos rendimentos. E, muitas vezes, a forma inadequada como é realizada limita o rendimento. De nada adianta ter a biotecnologia na lavoura, por meio das sementes de cultivares transgênicos, expressão máxima da evolução da ciência biológica vegetal, ou ter GPS em semeadoras e colhedoras, se não for realizado o simples. Um dos problemas mais comuns é a alta velocidade de semeadura. Mesmo reconhecendo a melhoria extraordinária nas modernas semeadoras hoje disponíveis, que melhoraram a eficiência, ainda é um problema. A minha recomendação para uma semeadura bem feita da soja é ser feita devagar, muito devagar. A velocidade ideal de semeadura não deveria passar de 6 km/hora para que a distribuição das sementes e dos fertilizantes seja a mais correta possível. Entretanto, encontro, em muitas propriedades, semeaduras sendo realizadas a uma velocidade de 13-15 km/hora. Com essa velocidade, algumas sementes não ficam enterradas e, portanto, não germinam; outras sementes,


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tão profundas, que estão “mortas e sepultadas”. De nada adianta utilizar sementes dos melhores cultivares, com alta qualidade biológica, os mais modernos fungicidas, inseticidas, inoculantes, micronutrientes e bioreguladores no tratamento de sementes, pois muitas sementes não vão originar plantas. O resultado é uma população não ideal para a expressão dos potenciais genéticos dos cultivares ou do nível tecnológico utilizado no manejo. Quando analisamos as tecnologias utilizadas pelos campeões de produtividade de soja, concurso organizado pelo Comitê Estratégico Soja Brasil – Cesb, observamos que o produtor Leandro Ricci, de Mamborê, no Paraná, cuidou muito desse aspecto. Para garantir uma adequada população de plantas, em que colheu o recorde brasileiro de 108,4 sacas/ha, fez uma semeadura cruzada. Uma distribuição eficiente das sementes no espaço superficial e na profundidade. Também o produtor norte-americano Kipp Cullers (K & K Farms), que já ganhou seis vezes o concurso de produtividade de soja nos Estados Unidos da América, cuida muito bem dessa prática. Na safra 2011, esse produtor bateu o recorde americano e mundial, com 180,2 sacas de soja/ha. Algo absolutamente inimaginável há cerca de 10-15 anos. Evidentemente, a semeadura não foi a principal razão para a obtenção desse recorde de rendimento. Não se obtêm altos

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rendimentos com qualquer cultivar de soja, sob qualquer tecnologia de manejo, em qualquer tipo de solo e clima. Os altos rendimentos são o resultado da adoção de um sistema de produção, que envolve aproximadamente cinquenta e três fatores, entre genéticos, de ambiente (solo e clima), das práticas culturais e de fatores fisiológicos ou internos. Portanto, o “tabuleiro” dos altos rendimentos de soja tem mais peças para mexer do que um tabuleiro de xadrez, que são apenas trinta e duas. Poucos jogam xadrez no Brasil, pois acham difícil; preferem jogar cartas. Mas, na agricultura, ainda há mais dificuldades. No “tabuleiro” dos altos rendimentos, há peças que o produtor não controla, como a chuva, a temperatura, a radiação solar e a umidade relativa. Diante de fatores não controláveis, como os climáticos, ele precisa adotar, estrategicamente, tecnologias de manejo para minimizar eventuais problemas futuros. Destacam-se a diversificação de cultivares com diferentes ciclos, a diversificação de épocas de semeadura, uma adubação racional (evitar o excesso de potássio na linha, devido à salinidade), a população ideal de plantas em função das características de cada cultivar e a época de semeadura, a adoção de tecnologias que promovam o crescimento radicular, a manutenção de boa cobertura do solo com palhadas (o que aumenta a infiltração da água quando chove e reduz as perdas por evaporação),


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entre outras.

Soja, uma fábrica de fertilizante nitrogenado A soja é a mais importante cultura brasileira, do Rio Grande do Sul e da região, quando se consideram a área cultivada, a produção de grãos, os empregos diretos e indiretos gerados e as divisas obtidas com sua exportação. Enquanto a balança comercial do setor industrial é negativa, o agronegócio brasileiro teve uma balança comercial positiva, da ordem de US$ 77 bilhões em 2011, dando equilíbrios às contas brasileiras. Desse total, a soja, contribuiu com US$ 27 bilhões em divisas. As divisas obtidas com a exportação de soja dos últimos cinquenta anos foram responsáveis pelo desenvolvimento de toda a nossa região. Nenhuma outra atividade gerou tantas divisas. Mesmo com o aumento da produção de soja, esse grão continua tendo liquidez no mercado em função de seu alto valor nutritivo, para uso na alimentação humana, especialmente pelos orientais, e no arraçoamento animal. Além da proteína, a soja também é um dos óleos mais utilizados na alimentação humana e, atualmente, na produção de biodiesel. Um produtor de soja da região que colheu, na última safra, uma média de 60 sacas/ha (3.600 kg/ ha), colheu em média 1.440 kg de

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proteína. A proteína é constituída de 16,5% de nitrogênio. Portanto, para que um hectare de soja sintetize 1.440 kg de proteína bruta, são necessários, em média, 350 kg de nitrogênio, como constituinte dos grãos e para crescimento adequado das plantas (formação de raízes, caules, folhas, flores e vagens). Esse nitrogênio é exportado pelo grão, mas a cultura também precisa desse elemento para formar os demais tecidos vegetais, como raízes, caula, folhas, flores e vagens. Se o produtor de soja tivesse que fornecer esse nitrogênio por intermédio dos fertilizantes, teria que aplicar aproximadamente 800 kg/ha de ureia. Nesse caso, o custo de produção desse grão seria elevado e a rentabilidade seria muito menor. Assim, até 85% desse nitrogênio a planta de soja obtém pela fixação biológica de nitrogênio realizada em simbiose com bactérias (gênero Bradyrhizobium japonicum ou elkanii) que formam nódulos nas raízes. Trata-se de uma das mais evoluídas associações biológicas conhecidas na natureza. A planta de soja realiza a fotossíntese com a utilização da luz solar como fonte de energia, transformando a água (absorvida do solo) e o gás carbônico (retirado do ar) em açúcares, aminoácidos e outros compostos. Parte desse açúcar circula até a raiz na forma de sacarose, servindo de substrato alimentar das bactérias dos nódulos da raiz. Com a energia da decomposição desses açúcares, fixa-se o gás nitrogênio do ar 2(N), o mais abundante dos gases atmosféricos, cuja concentração é de


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78%. Primeiramente, as bactérias utilizam todo o nitrogênio fixado para elaborar seus constituintes biológicos e garantir o crescimento exponencial característico de colônias bacterianas. Quando a soja atinge o estádio de desenvolvimento de cinco folhas (V5), os compostos nitrogenados formados nos nódulos das raízes, na forma de ureídios (ácido alantóico e alantoínas), são transportados pela água até as folhas da soja. Na folha, esses ureídios são degradados por enzimas, e o nitrogênio é utilizado na elaboração dos mais diferentes compostos nitrogenados, como clorofila, DNA, RNA, vitaminas, hormônios, aminoácidos e proteínas, dentre outros compostos nitrogenados. Mas, para que essa fixação de nitrogênio seja eficiente e atenda às exigências de rendimentos de grãos de soja cada vez mais elevados, há a necessidade de se inocularem as sementes antes da semeadura. Infelizmente, parte dos produtores abandonou essa prática. O custo do inoculante é, em média, de apenas R$ 3,00 por dose para inocular as sementes utilizadas na semeadura de um hectare. Considerando o grande benefício dessa prática e o baixo custo do inoculante, recomenda-se o uso de pelo menos duas doses para cada 50 kg de sementes. Em lavouras de soja do Brasil Central, são utilizados até cinco doses de inoculante por hectare para se ter a garantia efetiva de que todas as sementes estejam inoculadas. Pesquisas realizadas pela

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Embrapa Soja de Londrina mostraram que, mesmo realizando a inoculação em todos os anos, em lavouras sob o plantio direto, a prática da inoculação realizada corretamente pode representar um ganho de produtividade da ordem de 2,2 a 6,4 sacas/ha, considerando rendimentos entre 50 a 60 sacas/ha.

Adubação de soja via semente A tecnificação da lavoura de soja em todo o Brasil tem possibilitado o aumento do rendimento desta tão importante cultura do ponto de vista econômico e social. Esses altos rendimentos são o resultado da interação de vários fatores: o alto potencial genético, a melhoria das condições de solo e as estratégias para reduzir os efeitos adversos do clima e, finalmente, os tratos culturais aplicados pelos produtores. Entre as várias técnicas utilizadas pelos produtores, está o tratamento de sementes de soja com nutrientes. Evidentemente, que o retorno econômico dessa técnica somente ocorre quando o potencial da lavoura é alto, decorrente do uso adequado de todos os fatores de produção, como os melhores cultivares, solos corrigidos com calcário, adubação adequada, controle de plantas daninhas, pragas e moléstias. Pesquisas realizadas por


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diversas instituições mostram que, se for constatada uma deficiência no solo ou baixos teores nas sementes, é recomendável o tratamento das sementes com molibdênio e cobalto. Essa prática normalmente tem um custo mais baixo em relação ao tratamento da parte aérea via foliar. A deficiência de molibdênio é frequente em solos ácidos, onde o calcário ainda não promoveu a elevação do pH acima de 6,0. Nos últimos anos, tem aumentado muito em nosso Estado a semeadura direta de soja em campo nativo a fim de se preservar a estrutura física do solo, evitar a decomposição da matéria orgânica e a menor necessidade de uso de calcário em superfície para correção da acidez. Como a velocidade de infiltração do calcário é baixa, nos primeiros anos, as raízes da soja estarão crescendo em solos ainda ácidos e, portanto, com baixa disponibilidade de molibdênio. O molibdênio é um micronutriente essencial para as culturas, especialmente as leguminosas, pois está envolvido na fixação biológica de nitrogênio por intermédio da simbiose com bactérias. Também é um cofator da enzima nitrato redutase, responsável pela assimilação pelas plantas do nitrogênio absorvido na forma de nitrato. A sua necessiadde é de 1225 g/ha no tratamento de sementes ou de 25-50 g/ha quando aplicado via foliar, nos estádios V3 a V4. O cobalto também é utilizado no tratamento de sementes apesar de sua disponibilidade ser pouco

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estudada entre nós. De maneira geral, nos solos ácidos com deficiência de molibdênio, também são encontrados teores menores de cobalto. O cobalto é um elemento útil às plantas leguminosas, pois também está diretamente relacionado à eficiência da fixação de nitrogênio. A necessiadade é pequena, da ordem de 3-5 g/ha. O cobalto é o constituinte do núcleo central da molécula de leghemoglobina (“hemoglobina das leguminosas”), que dá a coloração avermelhada ao interior do nódulo e mostra a eficiência de fixação do nódulo. A alta eficiência da fixação biológica de nitrogênio é, sem dúvida, um dos principais fatores de aumento da rentabilidade da soja. Por isso, o tratamento de sementes de soja com molibdênio e cobalto deve ser realizado e acompanhado pela inoculação das sementes com bactérias fixadoras de nitrogênio, pois seu principal efeito é sobre esse processo fisiológico. Atualmente, o custo de duas doses de inoculante, mais cobalto e molibdênio, custa de 15 a 18 kg de grãos de soja. Portanto, o processo é ecológico e altamente viável economicamente.


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Adubação foliar em soja Com frequência cada vez maior, é feita a indagação pelos produtores rurais sobre a conveniência ou não da aplicação de adubos foliares em soja. Para a tomada da melhor decisão, o assunto deve ser analisado do ponto de vista técnico e também o econômico. É correto pensar que, com o aumento dos potenciais de rendimento da cultura, haja uma necessidade maior de nutrientes para que as plantas possam expressar todo o seu potencial. No entanto, a aplicação de um nutriente deve ser baseada no diagnóstico de sua deficiência na planta ou no solo. As observações de campo têm mostrado que há três distúrbios nutricionais que ocorrem em algumas lavouras da região. Nas áreas com excesso de calcário em superfície (pH acima de 6,4), observa-se na soja uma deficiência de manganês nos primeiros quarenta e cinco dias após a emergência. Isso porque, em solos com pH muito elevado, o manganês, cobre, zinco e boro tornam-se indisponíveis para as plantas. Geralmente, quando as raízes ultrapassam essa camada superficial (5-10 cm), a deficiência desaparece, pois, a partir daí, há nutrientes disponíveis para atender às necessidades da cultura. Quando o sintoma de deficiência

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persiste, recomenda-se aplicar um adubo foliar. Na soja transgênica, a aplicação de glifosato em pósemergência inibe temporariamente (10-14 dias) a absorção de nutrientes pelas raízes das plantas. Como o produto é sistêmico, transloca-se das folhas até as raízes e um pouco de glifosato exsuda na rizosfera (fina camada ao redor das raízes), onde modifica a flora microbiana, o que inibe a absorção de nutrientes, como manganês, cobre, zinco e ferro. Nesse caso, em lavouras com alto potencial genético, é indicada a aplicação foliar de micronutrientes, especialmente, o manganês, o mais exigido pela soja, juntamente com o glifosato, desde que o quelato seja compatível. As quantidades de molibdênio e cobalto necessárias para as leguminosas são muito pequenas, mas é essencial para que ocorra uma fixação eficiente do nitrogênio pelas bactérias existentes nos nódulos. A forma mais econômica de sua aplicação, nessas condições de solo, é via tratamento de sementes, junto com a inoculação das sementes. Mas, em lavoura de altos potenciais de rendimento, a aplicação na parte aérea tem mostrado bons resultados, pois promove maior eficiência na assimilação pelas plantas do nitrato absorvido do solo. Finalmente, também devido à aplicação excessiva de calcário em superfície em sistema de semeadura direta, há algumas


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lavouras com desequilíbrios na relação cálcio/magnésio, cujo ideal deveria ser 2-3:1. Altos teores de magnésio no solo inibem a absorção de cálcio e de manganês pelas plantas, ocorrendo a sua deficiência. Como o cálcio é praticamente imóvel na planta, quando for constatada a sua deficiência (visual ou pela análise foliar), a adubação foliar com cálcio na floração tem mostrado resultados compensadores. Outro aspecto importante é que, mesmo com solos com altos teores de nutrientes no solo ou aplicados na adubação de semeadura, pode haver deficiência na planta quando ocorrem estiagens. Os nutrientes, como cálcio, manganês, ferro, cobre, zinco e boro, são imóveis na planta. Uma vez assimilados numa folha, eles não são redistribuídos para formação de novas folhas, flores ou frutos. Nesse caso, a única maneira eficiente de aplicação é via foliar, uma “injeção na veia”. Portanto, o aumento na frequência de plantas de soja com deficiência de micronutrientes deve– se a um somatório de fatores: calagem excessiva (diminui a disponibilidade), aplicação de glifosato na soja transgênica (inibe a absorção temporariamente), altos potenciais de rendimento (maior extração e exportação) e deficiência hídrica no estádio reprodutivo (maioria são imóveis na planta).

A soja verde não é tóxica Os primeiros grãos de soja colhidos na safra 2012 apresentavam uma coloração verde, motivo de muitas discussões. Essa cor verde é decorrente da presença do pigmento clorofila nos grãos, pois a semente não amadureceu e, sim, secou, pois a planta morreu precocemente devido à seca. No processo de amadurecimento da soja, esse pigmento é degradado pela enzima clorofilase, o que deixa o grão com a coloração amarela característica. O nitrogênio liberado na decomposição dessa clorofila é utilizado no grão para a síntese de aminoácidos, que serão transformados em proteínas. E as proteínas são um dos principais fatores responsáveis pela demanda de grãos de soja. Mas por que há restrição à comercialização desse grão verde? Isso se deve basicamente a duas razões: 1) O menor período de formação do grão de soja, provocado pela seca, causa uma menor síntese de óleos e também de proteínas. Os compostos nitrogenados não são transferidos das folhas para os grãos e, por isso, além da redução do peso individual dos grãos, a quantidade de proteína sintetizada é menor; 2) Na extração do óleo, por prensagem, mas, epecialmente, com o uso de solventes, o óleo extraído apresenta uma coloração esverdeada. Isso


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obriga a indústria a clarificar o óleo, o que representa custos adicionais para as indústrias. É por essa razão que o melhoramento genético, no mundo inteiro, eliminou todos os genótipos de soja com coloração marrom ou preta. Até mesmo em relação à coloração preta ou marrom do hilo, ponto de inserção do grão na vagem, são preteridos em relação aos grãos de hilo claro. Em anos normais, a frequência de grãos esverdeados é muito pequena, sendo perfeitamente tolerada pela indústria. Entretanto, é muito importante destacar que esse grão verde não é tóxico, podendo seus derivados serem utilizados normalmente na alimentação humana e na animal. Portanto, não há nenhuma relação com os “grãos vermelhos” detectados pelos chineses em cargas de soja exportada pelo Brasil no ano de 2004, que derrubaram os preços internacionais da soja. Os grãos vermelhos continham defensivos agrícolas que haviam sido aplicados nas sementes. As sobras de sementes foram criminosamente misturadas com grãos destinados à indústria, os quais, mesmo diluídos na massa geral dos grãos, foram detectados pelos chineses. A questão dos grãos vermelhos causou prejuízos tão consideráveis para os produtores, comerciantes e exportadores, que, imediatamente houve uma associação por alguns segmentos da sociedade com a soja verde que estava sendo colhida.

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Rotação de culturas: um imperativo A rotação de culturas é uma das práticas agrícolas mais antigas utilizadas pelos produtores rurais. Já no Egito antigo (nos famosos vales banhados pelo rio Nilo) e na Mesopotâmia, nas planícies dos rios Tigre e Eufrates eram utilizadas as rotações de culturas para maximizar os rendimentos. Escritos antigos encontrados ensinavam os produtores a realizar rotação de culturas. A palavra era ROTAR, e cada letra representava uma cultura, que eram cruzadas, como se fosse uma matriz da matemática, com dois fatores: o fator sucessão cultural na mesma gleba e o rodízio de áreas para mesma cultura. Incompreensivelmente, apesar de a cultura do trigo ocupar aproximadamente um sexto da área cultivada no verão (em torno de 1.086.000 hectares) em 2004, em muitas lavouras, o cultivo do trigo foi realizado em áreas onde haviam sido cultivados trigo, cevada ou triticale, no ano anterior. A rotação de culturas (diferentes sucessões culturais na mesma área) é recomendável para qualquer cultura. Entretanto, em anos com estiagem no verão, a rotação de cultura precisa ser obrigatória. Com o verão e o outono secos, é menor a decomposição da palhada dos cereais cultivados na safra anterior. Cultivos realizados sobre palha remanescente, que mantém os fungos necrotróficos,


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causa uma série de moléstias, denominadas genericamente de podridões radiculares e causadoras de manchas foliares. Essa técnica também se tornou mais importante com a semeadura direta em relação ao cultivo convencional. No convencional, a palha era enterrada e rapidamente decomposta pelos microrganismos. Na semeadura direta, essa palha é conservada na superfície, servindo de alimento para os fungos causadores de moléstias. Não há dúvidas de que a expressão do potencial genético dos cultivares utilizados e a maximização dos efeitos das práticas culturais adotadas, como adubação, controle de plantas daninhas, moléstias e pragas, dependem de uma adequada rotação de culturas. Na aveia, o problema não é diferente. Essa cultura, especialmente a aveia-preta, tornou-se a principal monocultura de inverno devido às suas múltiplas formas de utilização, especialmente, a cobertura verde/morta do solo. Aliada ao sistema de semeadura direta, a falta de rotação de culturas é a responsável pelo aumento do aparecimento de manchas foliares na aveia, responsáveis, quando não controladas, por perdas significativas no rendimento. No cultivo de soja em rotação com o milho, também são obtidos aumentos significativos no rendimento. O ideal, dos pontos de vista técnico e econômico, seria o cultivo de um ano com milho e três

anos de soja na mesma área.


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Culturas alternativas O feijão nosso de cada dia O feijão é um dos alimentos mais comuns entre os brasileiros, mesmo com a queda do consumo per capita ocorrida nos últimos anos. Os principais nutricionistas do Brasil são unânimes em afirmar que um prato, com feijão, arroz, mandioca cozida ou batata, carne, uma salada e uma fruta ou suco natural de frutas, seria um dos pratos mais completos para jovens e adultos, considerando a combinação de energia, proteínas, sais minerais e vitaminas. É natural encontrar tendas à beira das estradas na região vendendo feijão. E sempre com uma placa chamativa: temos feijão novo. Todos que passam na estrada, em qualquer mês do ano, encontram a mesma placa. Como se nós, nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pudéssemos colher feijão em qualquer época do ano. Um legítimo pega trouxa! A cultura do feijão é muito sensível a geadas. Por isso, a sua semeadura é realizada somente após o frio de inverno, colhendo-se a partir de dezembro. Esse é para nós o feijão da safra. Mas também é realizada uma segunda semeadura a partir de janeiro ou fevereiro.

Portanto, a colheita pode ocorrer entre os meses de dezembro a abril, dependendo da região. Assim, nos meses de junho a novembro, não há feijão novo na região. No feijão, a questão de novo é um fator de qualidade. Todas as cozinheiras sabem que o feijão velho demora para cozinhar. Além disso, o feijão velho tem um gosto desagradável. Essa é a razão de a cultura de feijão ser inelástica. A produção deve ser aquela que atenda exatamente à demanda do mercado. Quando a produção é muito alta, sobra feijão e os preços caem vertiginosamente. Bom para o consumidor, mas péssimo para o produtor, pois, nessas condições, geralmente, não atende ao custo de produção. Quando as condições climáticas são adversas, ou quando se reduz a área cultivada, a produção é menor e os preços sobem rapidamente, invertendo-se a situação para consumidores e produtores. E não há mercado externo para os excedentes, pois o consumo de feijão não ocorre nos principais países desenvolvidos. Onde o feijão é frequente na mesa dos consumidores, geralmente a produção atende às suas necessidades internas. Esse é um grande problema na formação de estoques básicos de feijão pelo Governo. Sempre que a


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produção de feijão excede o consumo, todos correm ao governo para que a Conab adquira esses excedentes. Trata-se de uma política duvidosa, pois o Governo, que não cumpre com eficiência seu papel na educação, saúde, segurança, infraestrutura, entre outros serviços públicos, não é um bom armazenador de alimentos e muito menos comerciante. No caso do feijão, a justificativa sempre é convincente, pois se trata “da aquisição e formação de estoques do alimento típico do brasileiro”. Mas, como a qualidade do feijão diminui rapidamente, logo esse grão não tem mais condições adequadas para consumo. Por isso, abre-se um grande mercado para a produção de feijão, em escala, em regiões onde o cultivo pode ser realizado em qualquer época do ano, como no Brasil Central, evidentemente, com o uso de irrigação na época das secas, entre maio a outubro de cada ano. Na região de Unai e Paracatu, em Minas Gerais, existem grandes áreas de cultivo de feijão, como as da família de Dirceu e Danilo Gatto, naturais da região de Espunoso. Dirceu é conhecido como o rei mundial do feijão. Cultiva, por ano, entre dez a doze mil hectares com feijão. Nessas regiões, sim, é possível a aquisição de feijão novo em praticamente em qualquer época do ano.

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Girassol, uma importante oleaginosa As condições climáticas da região permitem que se façam pelo menos duas culturas durante o ano, uma no inverno e outra no verão. No verão, todas as nossas lavouras são totalmente cultivadas com soja, milho, feijão, sorgo e outras, tendo em vista a liquidez de mercado e os preços atrativos. O problema é o inverno, pois o mercado é restrito para as culturas, especialmente devido às importações. Uma das alternativas de cultivo que tem aumentado em área no Rio Grande do Sul e outros estados brasileiros é o girassol. Até alguns anos atrás, a semeadura do girassol era realizada nos meses de outubro e novembro, exatamente na mesma época de cultivo da soja. Esse sistema não era economicamente viável, pois, mesmo se utilizando os melhores cultivares de girassol disponíveis e as mais modernas tecnologias de manejo da cultura, o seu rendimento era menor do que o da soja. Em anos com precipitação normal, o rendimento médio de soja na região é de 3.000 kg/ha, ao passo que uma boa lavoura de girassol fica em torno de 2.000 kg/ha. De outro lado, coincidindo a época de colheita do girassol e da soja, há a dificuldade de recebimento para secagem e beneficiamento e, geralmente, o preço pago ao produtor era menor do que o preço pago para a soja.


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Os resultados de ensaios de pesquisa na região, com diferentes épocas de semeadura, utilizando-se os novos cultivares disponíveis, demonstram que a melhor época para semeadura é nos meses de julho/agosto nas regiões mais quentes e setembro nas regiões mais frias. O girassol é uma planta que apresenta boa tolerância à geada na fase inicial do desenvolvimento, até os estádios de 4-5 folhas. Portanto, a semeadura, em cada região, deve ser efetuada de maneira que a cultura esteja nessa fase vegetativa até o período mais frequente de geadas. Uma outra vantagem da antecipação da semeadura do girassol é a menor incidência de moléstias causadas por fungos, cuja incidência e severidade tendem a aumentar a elevação das temperaturas. Esse girassol, implantado em agosto, por exemplo, é colhido no mês de dezembro, época em que temos uma grande ociosidade de armazéns e secadores. É, normalmente, também a época de ociosidade das indústrias esmagadoras de oleaginosas, pois estamos na entressafra da soja, a mais importante de todas. Em geral, os preços do girassol pagos ao produtor equivalem ao preço pago pela soja. Como o custo de produção do girassol é menor que o da soja, e, mesmo considerando que seu rendimento é menor, ainda assim é uma importante alternativa economicamente viável. Colhido o girassol, ainda temos a possibilidade da implantação na mesma área de outra cultura no verão, como milho,

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sorgo, milheto como forrageira, feijão, dentre outras, seja para produção de grãos, seja para forragem para os animais. A outra época indicada para cultivo do girassol na região é em sucessão ao milho. Como o ciclo do milho é cada vez mais curto, a colheita realizada em janeiro permite a semeadura do girassol na safrinha. O principal uso do girassol é a produção de óleo de excelente qualidade nutricional, pois é rico em ácidos graxos insaturados, especialmente, o Ômega 3. Na soja, o teor médio de óleo é de 18% - 20%, o que representa a obtenção de 530 a 600 litros de óleo por hectare. Já o girassol apresenta um teor médio de 40% de óleo. Assim, mesmo com um rendimento menor que a soja (2.000 kg/ha, por exemplo), representa uma produção de 800 litros de óleo por hectare. O girassol também é uma cultura melífera. Em um hectare, é possível manter duas colmeias e uma produção de até quarenta kilos de mel por florada.

Cevada, malte e cerveja A cevada-cervejeira (Hordeum vulgare var. distichum ) é um cereal de inverno cultivado em diversas regiões no mundo e destinada prioritariamente à elaboração de malte, usado na elaboração de


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cerveja e de destilados. Também é utilizada na alimentação humana na forma de farinhas, flocos e bebida alternativa ao café. A cevada é o cereal de inverno mais exigente em fertilidade dos solos, para expressão de altos potenciais de rendimento e de boa qualidade industrial de grãos. A cevada é originária da região asiática, na região da antiga Mesopotâmia, e teve sua domesticação ocorrida em época pré-histórica, no início da agricultura, há aproximadamente 7.000 anos antes de Cristo. A grande expansão da cultura e o seu melhoramento genético, que permitiu a obtenção dos cultivares modernos de cevada hoje disponíveis, ocorreram na Europa e posteriormente nos Estados Unidos da América e no Canadá. No Brasil, a cultura é relativamente recente, cuja expansão ocorreu somente a partir da metade do século XX com a expansão das indústrias cervejeiras. Trata-se de uma importante cultura alternativa em algumas regiões do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, para inclusão no sistema de produção, especialmente, em sucessão à soja. Tradicionalmente, a cevada é cultivada em sistemas integrados de produção com as companhias cervejeiras, como a Ambev, geralmente em parceria com cooperativas de produção. Atualmente, a maior parte do malte utilizado na fabricação de cerveja, cujo consumo cresce

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significativamente a cada ano no Brasil, é importado, especialmente da Argentina. Com a instalação da maltaria da Ambev em Passo Fundo, com previsão de início de atividades a partir de 2012, abre-se uma perspectiva de aumento da área cultivada desse cereal na região. Isso representa uma ocupação econômica de parte dos solos que ficam ociosos no período de inverno, gerando renda, empregos diretos e indiretos e tributos na região produtora. Quanto aos principais fatores de produção da cevada, há disponibilidade de cultivares com altos potenciais de rendimento e com uma adequada qualidade para malteação. Ao longo dos anos, a pesquisa também desenvolveu tecnologias de manejo da cultura (tratos culturais), desde a semeadura até a colheita, objetivando, além de altos rendimentos e qualidade industrial dos grãos, consequentemente o aumento da rentabilidade ao produtor. Em relação ao fator ambiental, a cevada-cervejeira deve ser cultivada somente em solos corrigidos e de alta fertilidade, por meio de semeadura direta, sobre resteva de soja, obrigatoriamente em rotação de culturas para se minimizarem os riscos sanitários. É tolerante ao frio e expressa seu potencial em anos com primaveras secas, de alta luminosidade e baixas temperaturas noturnas, mas sensível ao excesso de chuva na maturação. O grão de cevada destinado à malteação deve ter no máximo 12%


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de proteína, largura maior que 2,5 cm e um poder germinativo de no mínimo de 95%. Isso porque a malteação consiste numa prégerminação do grão de cevada para que o sistema enzimático converta o amido em maltose, que é o substrato utilizado pelos microrganismos de fermentação alcoólica na indústria cervejeira. Aqui está a sensibilidade da cevada às condições de excesso de chuva na maturação, pois, nesse caso, ocorre uma redução no poder germinativo ou no vigor dos grãos, tornando-os impróprios para a malteação. No grão que não germina, não há a conversão do amido em maltose, portanto, ele não serve como matéria-prima na fabricação de cerveja. Nesse caso, seu destino é a alimentação animal, especialmente, na nutrição de vacas leiteiras.

Milho no Centro-Oeste, trigo no Sul Com o desenvolvimento de cultivares de soja e de milho, com ciclo cada vez mais curto, em todo o oeste do Paraná, Mato Grosso do Sul, parte de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, observam-se áreas cada vez maiores de milho em sucessão à soja. O chamado milhosafrinha, pela enorme área cultivada e importância econômica, já é conhecido como o segundo cultivo de verão. É um verdadeiro

mar de milho em toda essa região. Como as temperaturas do solo são mais elevadas, a semeadura da soja inicia-se em setembro, o que possibilita, com o uso de cultivares superprecoces e precoces, a colheita a partir de janeiro. Imediatamente, é realizada a semeadura do milho, cuja colheita ocorre entre abril a junho. Evidentemente, há algum risco de geadas prejudicarem o cultivo do milho, como ocorreu no ano de 2011. Como as condições de clima haviam sido excepcionais no verão, propiciando o recorde histórico de rendimento da soja, o ciclo dessa cultura se prolongou e atrasou a semeadura do milho. Até alguns anos atrás, essa sucessão soja-milho era uma opção muito arriscada, pois, com cultivares de ciclo mais longo, o risco de perda por geada era maior e o potencial de rendimento dos híbridos de milho era menor. Por isso, também o nível tecnológico utilizado pelos produtores era baixo; praticamente, apenas o custo da semente, a implantação e o controle de plantas daninhas, sem adubação e outros tratos culturais. Como a palha de soja é de decomposição rápida, ela permite uma reciclagem dos nutrientes, aproveitados pelas plantas de milho, que são implantadas logo em seguida. Atualmente, a tecnologia utilizada pelos produtores é maior; fazem-se uma adubação suplementar, especialmente a nitrogenada em cobertura, o controle de pragas, plantas


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daninhas e moléstias, entre outras. Para acelerar o processo de germinação de sementes e o crescimento inicial, também são usados reguladores vegetais em frequência cada vez maior. Nessa época do ano, os aviões estão fazendo a aplicação de produtos químicos, defensivos ou reguladores, pois devido à alta estatura das plantas de milho, a aplicação por pulverizadores é impossível a partir da floração. O custo de implantação de um hectare de milho safrinha varia entre R$ 1.200,00 a R$ 1.400,00, safra 2012, dependendo da tecnologia empregada. Como o preço do milho está em aproximadamente R$ 21,00 a saca, o custo da lavoura está entre 57 a 67 sacas. Como o rendimento desse milho safrinha está entre 100 a 130 sacas por hectare (com colheitas de até 180 sacas), verifica-se um lucro de 40 a 70 sacas por hectare, ou R$ 840,00 a R$1.470,00 por hectare. Para comparar, o custo de implantação de um hectare de trigo é o mesmo do milho. O rendimento médio de trigo obtido naquela região está entre 50 a 60 sacas/ha. Como o preço do trigo pago ao produtor está em torno de R$ 26,00, o custo de produção varia de 36 a 46 sacas/ha, e a rentabilidade é de 14 a 24 sacas (R$ 364,00 a R$ 624,00). Por isso, em toda essa região, a área cultivada com trigo diminuiu drasticamente nos últimos anos. Em municípios como Assis Chateubriand, que já foi

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considerada a “capital paranaense do trigo”, praticamente não houve lavouras de trigo na safra 2012. Além desse ganho financeiro com o milho, os solos se mantêm cobertos, o que evita o desenvolvimento de plantas daninhas entre uma e outra safra de soja, especialmente, o da buva, cujo custo de controle é alto. Solos descobertos sofrem maior impacto da chuva, há perdas de solo fértil por erosão e também a compactação superficial. Com o milho, há uma produção alta de palha, de decomposição lenta, que protege o solo, diminui a erosão, aumenta a absorção da água da chuva, diminui a evaporação quando não chove, provoca a supressão de plantas daninhas e promove uma melhoria significativa nas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. O resultado é um aumento crescente do rendimento da soja. Visto que, na grande região do Planalto sul-riograndense, onde temos um verdadeiro mar de soja no verão, o cultivo de milho safrinha é restrito a pequenas áreas devido ao frio, temos a oportunidade do cultivo do trigo. O Rio Grande do Sul passaria a ser novamente o maior produtor brasileiro de trigo. Mas não é qualquer trigo que o mercado consumidor quer. Como o consumidor quer pão francês, temos que produzir trigo de qualidade para a panificação. A viabilidade depende do uso de cultivares tipo pão, da adoção de tecnologias de manejo para expressar esse potencial genético e de as condições climáticas


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na maturação ocorrerem com menos chuva.

Semeadura do milho, melhor é não se apressar A partir do mês de agosto, normalmente inicia-se a semeadura do milho no Rio Grande do Sul. Seguindo as exigências dessa cultura, a semeadura deve ser realizada somente quando a temperatura do solo for superior a 18º C. Em alguns anos, com inverno menos rigoroso, essa temperatura do solo já é atingida em algumas regiões desse Estado a partir do mês de agosto. A semeadura do milho em solos ainda frios (temperaturas do solo abaixo de 18º C) faz com que a emergência seja demorada. Quanto mais tempo as sementes ficarem no solo sem germinar, menor é a taxa de emergência e também menor será o vigor da plântula após a emergência. A redução da densidade de plantas no milho é um dos principais fatores de redução do rendimento dessa cultura. Em condições normais de disponibilidade de nutrientes e água, a densidade de plantas de milho deve ficar entre cinco a sete plantas por metro quadrado. Pelas próprias características dessa planta, ela tem uma capacidade de compensação pela falta de plantas

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muito pequena. E plântulas pouco vigorosas têm uma velocidade de crescimento menor, competem menos com as plantas daninhas, são menos eficientes na capacidade de absorção de água e nutrientes do solo, além de serem mais sensíveis ao ataque de pragas e moléstias. Geralmente, a emergência ocorrida algumas semanas depois, já em condições normais de temperatura, apresenta o mesmo crescimento. Mas a semeadura do milho com baixas temperaturas do solo causa outro problema muito sério na lavoura, que é a germinação desuniforme. E algumas das plântulas germinadas mais tarde crescem, competem por água e nutrientes, mas não formam espigas. Isso se deve ao fato de que o milho é uma cultura tipicamente tropical e plantas que ficam na sombra não apresentam bom desenvolvimento. Na verdade, elas se tornam verdadeiras “plantas daninhas”, pois crescem sem produzir espigas. Por isso, o agricultor deve tomar cuidado com a semeadura, fazendo um escalonamento para reduzir os riscos climáticos. Além do efeito da baixa temperatura do solo sobre a germinação, é importante que haja um escalonamento também para se evitar que todas as plantas floresçam na mesma época. Em anos de transição, há, no verão, alternância de épocas com chuva normal, mas também a possibilidade de pequenas


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estiagens. O problema é que não se pode saber em que época vai ocorrer a falta de chuva. Como o milho é nossa cultura mais sensível à falta de água na floração, é preciso dividir os riscos por meio de uma diversificação de épocas de semeadura e o uso de híbridos com diferentes ciclos entre aqueles de maior potencial de rendimento.

A mandioca merece estátuas! O uso da raiz de mandioca na alimentação humana é milenar entre os povos que habitavam a América antes de seu descobrimento pelos espanhóis e depois pelos portugueses. Os indígenas utilizavam-na, inclusive, por motivos religiosos. Conta a lenda que morreu uma indiazinha muito querida pelo seu povo, a Nanci. No local onde foi enterrada, cresceu uma planta diferente. Quando a arrancaram viram que se tratava de uma planta alimentícia, que produzia grandes raízes, que alimentavam muita gente. Concluíram que aquilo era uma dádiva de Deus, manifestada por intermédio da indiazinha Nanci. Por se tratar de uma planta tropical, quando foi levada para a Europa, não prosperou como cultura, diferentemente da batata, também oriunda da América. Essa, por ser originária dos altiplanos próximos aos Andes, adaptou-se

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perfeitamente ao solo e clima europeus, onde se tornou uma das plantas alimentícias mais importantes a tal ponto que, quando surgiu uma enfermidade extremamente agressiva à cultura, a sarna da batata, milhões de pessoas morreram de fome ou emigraram para outros países. Foi o caso da família Kennedy, pais de John, Bob e Edward, que emigraram da Irlanda para os Estados Unidos, tornando-se uma das famílias mais influentes da política norte-americana. Quanto ao valor nutritivo, os tubérculos de batata e as raízes de mandioca são muito semelhantes. O principal componente é o amido; portanto, trata-se de um alimento energético. A batata ganhou grife, sendo inclusive conhecida no mundo inteiro como “batata inglesa”, quando o certo seria batata da América. A mandioca, apesar de seu uso por milhões de pessoas no Brasil, nas mais diferentes formas de preparo, é considerada uma comida comum, uma comida de pobre. Isso é tão verdade, que, ao analisar-se o consumo per capita de batata e mandioca no Brasil, desde a implantação do Plano Real, seu desempenho mostrou-se antagônico. Diminuiu o consumo de mandioca e aumentou o consumo de batata, porque aumentou o poder aquisitivo e a população deixou a “comida de pobre” e procurou aumentar o consumo da “comida dos ricos”. De maneira geral, o custo da mandioca é muito menor do que o custo da batata. Como o valor nutritivo é semelhante, a troca deve-


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se apenas a questões culturais, mas a mandioca continua sendo um alimento básico no Norte e Nordeste brasileiros, possivelmente, seja a cultura que salvou da fome milhões de nordestinos. A cultura tem como principal característica ser rústica e adapta-se a qualquer tipo de solo. Quando falta comida na casa, a mãe arranca uma planta de mandioca e, então, tem vários kilos de comida. Associada com uma carne (geralmente peixe), mais frutas nativas, está pronta a refeição da família. Essa importância é tão grande que certamente essa planta mereceria uma estátua na maioria das cidades do Nordeste e Norte. Entretanto, a importação de trigo, por meio da Aliança para o Progresso e posteriormente do subsídio governamental ao consumo de trigo no Brasil, foi um dos responsáveis pela substituição da fécula da mandioca por farinha de trigo na elaboração do pão. Esse programa começou no início dos anos 1950. Como o consumo per capita de trigo no Brasil era muito baixo, os americanos doaram trigo para ser fornecido à população mais pobre. Depois, com o subsidio, a farinha de trigo, produzida principalmente com grãos importados, era mais barata do que a fécula de mandioca produzida na região. Isso foi decisivo na troca de um hábito alimentar milenar. Assim como a quebra da tradição alimentícia foi um erro, outro está em implantação. Uma lei federal obriga a usar uma

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porcentagem de fécula de mandioca misturada com a farinha de trigo na confecção do tradicional pão francês. A questão não é discutir o valor nutritivo ou o sabor deste ou daquele pão, mas desconhecer as diferentes realidades de um país continental. O Sul, produtor de trigo e de outros cereais, deve continuar a elaborar o pão francês tradicional. Nas regiões onde é grande a produção da mandioca, de fato, deve ser incentivada essa mistura, alimentando-se uma grande cadeia econômica e agregando-se valor a essa cultura milenar. E, se tiver que haver subsídios, que eles sejam dirigidos, em cada região, para o consumo dos produtos alimentícios locais.

Cultivo e uso do linho oleaginoso/ linhaça O plantio do linho oleaginoso ou linhaça (Linum usitatissimum L. Scheling) é uma atividade muito antiga, inicialmente cultivada com o objetivo de produzir fibras. A fibra de linho foi a primeira matériaprima utilizada na tecelagem pelos egípcios antigos. Há registros de que, na Idade da Pedra, os grãos do linho, conhecido popularmente como linhaça, também eram utilizados na alimentação humana durante o inverno como fonte energética. Mais tarde, o óleo de linhaça foi extraído para utilização nas lamparinas. Levada para a Europa e depois para a América do Norte, a cultura


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passou a sofrer processo de melhoramento genético, o que propiciou o desenvolvimento dos cultivares atuais, que têm como principal aptidão a produção de óleo. A sua composição química também foi elucidada: o teor de óleo nos grãos de linho varia conforme o cultivar e o ambiente (solo e clima) de cultivo. Verificou-se que o óleo de linho tinha a propriedade de ser secante, ou seja, em contato com o oxigênio do ar, há uma oxidação, formando uma película impermeável. Por isso, passou a ser utilizado na indústria de tintas a óleo, exatamente para provocar a secagem da pintura. Com a criação dos polos petroquímicos a partir de década de 1950, o óleo de linhaça e as fibras foram substituídos por derivados do petróleo. Os baixos preços do petróleo tiravam a competitividade dos óleos e fibras naturais, surgindo, daí, o nylon, nycron, poliéster etc. Com o aumento nos preços do petróleo, os óleos vegetais e as fibras naturais voltaram a ganhar competitividade no mercado. O cultivo do linho foi introduzido na região das Missões do estado do Rio Grande do Sul pelos jesuítas. A principal função da cultura era a produção de fibras destinadas à tecelagem e ao uso do óleo em lamparinas. Com o passar dos anos, o cultivo passou a ser feito exclusivamente para produção de óleo, destinado às indústrias. Seu cultivo no Rio Grande do Sul já foi uma atividade agrícola muito importante. Chegou a ser cultivado,

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na década de 1960, numa área em torno de 50.000 hectares, quando a área de trigo era de 200 mil hectares. A gradativa redução da área cultivada com linho destinado à extração de óleo deve-se a vários fatores: problemas sanitários, instabilidade do mercado externo, concorrência com tintas derivadas de petróleo, falta de estrutura para comercialização, concorrência com outras culturas e a falta de pesquisa para geração de cultivares e tecnologias de manejo da cultura. Entretanto, nos últimos anos, o cultivo de linho oleaginoso foi incrementado na região, pois aumentou-se a demanda dos grãos para uso na alimentação humana devido às suas propriedades nutritivas e medicinais. De outro lado, por ser uma cultura de inverno, representa uma alternativa técnica e economicamente viável para cultivo na região, em sucessão à cultura da soja, em rotação com os cereais de inverno, como trigo, cevada-cervejeira, aveia, entre outras. A planta de linho oleaginoso é herbácea, anual de inverno-primavera, com estatura que varia de 30 a 120 cm. Possui uma raiz principal, que pode chegar a mais de 100 cm de profundidade, e ramificações laterais, que podem atingir 30 cm. Apresenta um caule principal, do qual podem derivar, logo abaixo da superfície do solo, duas ou mais ramificações, caso a densidade de plantas seja baixa e a disponibilidade elevada de


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nitrogênio no solo. Quando a densidade de plantas é elevada, geralmente só o caule principal se desenvolve. Esse caule principal e as ramificações dão origem a ramos primários, secundários e terciários, que produzem flores e cápsulas em arranjo irregular. A casca (floema) contém longas celas com fibras: as fibras de linho. As flores se desenvolvem nos pequenos ramos no topo do caule principal e ramos da base da planta. O florescimento é indeterminado e continua até o momento em que o crescimento das plantas de linho cessa. Isso determina uma desuniformidade de maturação, o que exige a dessecação antes da colheita. Cada flor tem 2 cm de diâmetro e cinco conjuntos de pétalas, sépalas e anteras. Os cultivares de linho podem ser distinguidos pela cor das pétalas, as quais podem ser brancas (linhaça dourada) ou de várias tonalidades de azul a violeta (linhaça comum). As flores abrem ao amanhecer em dias quentes e são polinizadas no meio da manhã. Então, inicia-se a queda de pétalas, que termina no meio da tarde. Cada flor fecundada produz uma cápsula (fruto) com cinco celas, podendo cada uma ser ocupada por duas sementes. Assim, no máximo, são produzidas dez sementes por cápsula, quando ocorre um número completo de duas sementes por cela. Esse fruto maduro da planta de linho (cápsula) inicia a maturação entre vinte a vinte e cinco dias após

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a floração. Na maturação, as cápsulas abrem o topo e os cinco segmentos se separam, apenas parcialmente, ao longo da margem. Em determinados cultivares, as cápsulas são semideiscentes, podem se abrir espontaneamente e ocorrer a queda das sementes, ou podem ser resistentes à deiscência. O óleo extraído, industrialmente, do grão de linho apresenta aproximadamente de 35% a 45% de óleo e de 18% a 26% de proteína bruta. O farelo constitui um alimento concentrado para bovinos, cujo grande valor não está relacionado apenas com a sua riqueza em constituintes nutritivos (89% MS, 33% proteína bruta; 8% gordura e 8,7% de celulose), mas também devido às suas propriedades diuréticas, que aumentam a secreção de leite quando administrada em condições normais na ração diária de vacas leiteiras. Mas, passando de certo limite, transmite ao leite odor e sabor especial, em geral desagradável. A manteiga do leite das vacas arraçoadas com a farelo de linhaça é mais mole do que a natural devido ao aumento do teor de ácidos graxos insaturados, servindo, assim, para corrigir os efeitos dos alimentos que dão manteiga dura. Os grãos de linho são muito utilizados no preparo de animais para exposições ou comercialização por ajudar a melhorar o estado e amaciar o pelo. Os grãos de linho também são utilizados na produção de ovos


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diet, com menor possibilidade de síntese de colesterol no organismo humano. As aves recebem um percentual de grãos de linho na ração. Também são utilizados na ração de pássaros, ovinos e equinos, pois conferem uma plumagem ou pelagem brilhante e sedosa. Em qualquer país do mundo, há uma grande preocupação na busca de uma alimentação mais saudável. Estamos vivendo a era dos alimentos nutricêuticos, que, além de possuírem os componentes nutritivos tradicionais, como energia, proteína, vitaminas e sais minerais, sejam também funcionais. Essas ações funcionais de alimentos vegetais estão relacionadas com a presença de outros componentes que previnem doenças. O primeiro grão alimentício considerado funcional pelo FDA (órgão do Ministério da Saúde dos EUA, que cuida de medicamentos e alimentos) foi a aveia. O grão de linho é rico em ácido graxo alfa-linolênico (ALA), da família Ômega-3, do ácido alfalinolêico (Ômega 6), de fibras alimentares, em fitoestrógenos (lignanas) e outros compostos bioativos, dando a ele as características de alimento funcional. Os grãos são revestidos de uma mucilagem. Assim, ao se deixar os grãos na água ou sucos por aproximadamente doze horas, forma-se uma substância gelatinosa, importante para controle de gastroenterites em seres humanos e animais domésticos.

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Nos últimos anos, o grão de linho oleaginoso passou a ser muito utilizado na alimentação humana pelas suas propriedades funcionais. As propriedades “secantes” do óleo devem-se à presença do ácido linolênico. No linho comum, o teor de ácido linolênico representa aproximadamente 50% do total de ácidos graxos presentes no óleo. Outra característica desse ácido graxo é a facilidade de rancificação quando em contato com o ar. Esse processo forma ácido butírico, que transmite um gosto extremamente desagradável ao alimento. Pesquisas recentes mostraram que os Ômega 3 e 6 têm um papel muito importante na prevenção de doenças. Seu uso está muito relacionado com a almejada longevidade. Na Finlândia, o país de maior longevidade do mundo, observa-se o maior consumo per capita de grãos de linho ou linhaça. O óleo de linho é o mais rico nesses dois ácidos graxos, seguindo-se o óleo virgem de oliva, canola e girassol. Por isso, o consumo de grãos de linho aumentou significativamente, sobretudo, nos países desenvolvidos. Como o grão é muito sensível à rancificação, os grãos devem ser conservados na geladeira ou freezer. A trituração deve ser realizada somente no ato de consumo, pois o processo acelera a rancificação. As indústrias realizam uma estabilização térmica das enzimas para evitar a rancificação. A combinação de grãos de linho ou linhaça com farelo de aveia é indicada não somente na prevenção


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de doenças do coração, melhoria do funcionamento intestinal, bem como na prevenção de câncer de intestino. Recentemente, pesquisadores do Canadá e Austrália desenvolveram uma variedade de linho, denominada Solin, que, ao invés de ter 50% de Ômega 3 no óleo, tem apenas 5%. Dessa forma, esses grãos têm menor tendência à rancificação. Aqui no Brasil, essa variedade de linho passou a ser difundida como linhaça dourada, pois os grãos têm cor amarela e não a tradicional cor marrom do linho comum. Essa linhaça dourada está virando um verdadeiro modismo na busca de uma alimentação saudável, com grande publicidade nas principais revistas brasileiras. Mas se a linhaça dourada tem a vantagem de não rancificar, facilitando seu uso na alimentação humana, perdeu-se a maior proporção exatamente do Ômega 3, o principal constituinte funcional do linho oleaginoso.

Canola ou colza? A colza é uma brassica, da família da couve, repolho, brócolis e couve-flor, cuja aptidão é a produção de grãos com altos teores de óleo. A cultura é utilizada na alimentação humana como verdura no Japão há mais de dois mil anos, introduzida que foi da China e da Península Coreana. Nessas regiões de origem da cultura, o seu óleo era principalmente utilizado nas

lamparinas. Mas, a partir do século XVII, começou a ser consumida como óleo comestível. Como esse óleo é rico em ácidos graxos poliinsaturados, como ácido linolênico (Ômega 3) e ácido linolêico (Ômega 6), a cultura recebeu intensos trabalhos de melhoramento genético em vários países, especialmente na Europa, pela Alemanha, França e Holanda, na busca de cultivares com maiores potenciais de rendimento de grãos. Na América, o primeiro país a cultivar grandes áreas de colza foi o Canadá, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de se produzir óleo lubrificante para os navios das Forças Armadas. Na América do Sul, é cultivada na Argentina desde 1937 e no Chile desde 1953, com áreas expressivas. No Brasil, a colza foi introduzida pela Cotrijui, em 1974, a partir de germoplasma da Alemanha. Apesar de ser um óleo de excelente qualidade nutritiva, apresentava uma substância tóxica, o ácido erúcico, que, em altas concentrações, causa problemas ao coração, como, por exemplo, taquicardia, podendo levar à morte. Portanto, a colza cultivada para uso na alimentação humana poderia ter no máximo 2% de ácido erúcico. Os cultivares de colza destinados à produção de óleo combustível ou lubrificante tinham até 57% de ácido erúcico. Também o farelo, obtido após a extração do óleo, apresentava elevados teores de glicosinolatos, também tóxicos aos animais, cuja


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tolerância para alimentação animal era de apenas 15 micromol/g de farelo desengordurado. Mesmo com essas restrições, o consumo mundial de óleo de colza aumentava permanentemente, pois apresentava características tão boas quanto o melhor óleo para saúde humana, o óleo de oliva, e a preços significativamente mais baixos. Durante a Copa do Mundo de1982, na Espanha, morreram 68 pessoas naquele país, porque, segundo o noticiário, houve intoxicação pelo consumo de óleo de colza. Verificou-se, mais tarde, que a intoxicação, na verdade, era devido a uma provável sabotagem, misturando–se óleo mineral com óleo de colza. Como todos os grandes meios de comunicação estavam focados na Espanha, a notícia teve grande repercussão mundial. Consequentemente houve uma drástica queda do consumo humano desse óleo. Entretanto, os melhoristas de colza já trabalhavam na seleção de cultivares que tivessem níveis baixos ou ausência de ácido erúcico no óleo e de glicosinolatos no farelo. Isso foi conseguido, inicialmente, na Alemanha e no Canadá. Na Alemanha, essa nova colza foi denominada de “colza double zero” ou seja, zero de ácido erúcico e zero de glicosinolatos. Na seleção, foram utilizadas as técnicas clássicas do melhoramento genético, pois nessa época ainda não era dominada a técnica da transgênese. Entretanto, além da conquista do melhoramento genético pelos

pesquisadores canadenses, nesse país, surgiu também o marketing que faz com que hoje o óleo de canola seja um dos mais utilizados na alimentação humana em todo o mundo. No Canadá, denominaram a nova colza de canola (CANadian Oil Low Acid), que significa óleo canadense com baixos teores de ácido. Assim, como se fosse uma nova espécie, o óleo voltou a ser consumido.

A canola embeleza a região Quem viaja pela região observa lindas lavouras amarelas da cultura da canola em plena floração nos meses de junho a setembro. Graças a um programa de fomento desenvolvido na região, com a participação de diversas instituições ligadas ao agronegócio (BSBios, Banco do Brasil, Embrapa Trigo, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária/UPF, Emater, e outras), a área cultivada da canola cresce a cada ano que passa. O destino principal é a utilização do seu óleo na elaboração de biodiesel. Entretanto, trata-se de um óleo comestível de alto valor nutritivo graças à riqueza em ácidos graxos poliinsaturados como o Ômega 3 e o Ômega 6, semelhante ao famoso azeite virgem de oliva. As lavouras de canola em floração atraem intensamente as


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abelhas devido à grande quantidade de néctar e pólen. Em plantações extensas, obtém-se um mel monofloral, claro e de cristalização fina e rápida, que é muito apreciado nos países europeus, pois nele há flavonoides importantes para a saúde humana, de forma semelhante aos encontrados no brócolis. Em um hectare de canola, são possíveis colocar duas colmeias e produzirem-se até vinte kilos de mel cada uma durante a florada da cultura.

Óleo vegetal como combustível O Governo federal, de forma acertada, estabeleceu, no final de 2004, uma lei que permite e regulamenta o uso de óleos vegetais como biodiesel a partir daquele ano. Esse assunto vem sendo estudado no Brasil desde 1982 pela Universidade Federal do Ceará, inclusive com uma “experiênciapiloto” em várias cidades brasileiras, com o nome de Pró-oleo. Considerando o enorme potencial brasileiro para a produção de óleos vegetais, como dendê, mamona, soja, girassol, canola e outros, e a eficiência da tecnologia utilizada, trata-se de um programa de grande importância econômica, social e ambiental. Do ponto de vista econômico, a substituição paulatina da importação de óleo diesel por óleos

vegetais representa a poupança de bilhões de dólares, pois é fundamental na mecanização agrícola, transporte e indústrias. Esses recursos expressivos utilizados nas importações circulariam entre os produtores e a indústria brasileira e gerariam empregos, renda e impostos. Da mesma forma, o Programa do Biodiesel pode ser utilizado também para geração de renda em pequenas propriedades, o que representa um cunho social de enorme extensão social. Representa também uma maior independência de nosso país, pois, com as importações de óleo diesel, praticamente todo o processo produtivo e o de transporte dependem das frequentes oscilações do mercado. Além da autossuficiência interna, o Brasil tem as melhores condições de tornar-se um exportador de biodiesel. Certamente, a longo prazo, a melhor alternativa brasileira é o cultivo do dendezeiro, espécie bem adaptada às condições do Brasil central. Um hectare de dendezeiro pode produzir até 5.000 litros de óleo vegetal por ano. A desvantagem é que se trata de uma planta permanente, que requer anos de investimento inicial até que as plantas comecem a produzir anualmente. Os mais de 150 milhões de cerrado permitem o cultivo de mamona, uma espécie adaptada às condições de seca. É uma cultura anual, cuja condução pode ser


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totalmente mecanizada, e apresenta uma produção de óleo de 1.000 a 2.000 litros por hectare/ano, dependendo da região e da tecnologia de cultivo utilizada. O óleo de mamona não pode ser utilizado na alimentação humana, destinando-se apenas para fins industriais, por ser extremamente tóxico. As demais alternativas propostas são o óleo de soja, girassol e canola. A maior produção nacional é a de óleo de soja, o mais utilizado na alimentação humana, além de o Brasil ser o principal exportador mundial. A produção de óleos de canola e de girassol ainda é pequena, mas com amplas possibilidades de expansão em várias regiões brasileiras. O óleo de soja, apesar de ser o mais consumido devido ao seu menor custo e costume, não é o mais adequado do ponto de vista da saúde humana. Os óleos de canola e girassol são aqueles mais indicados para alimentação humana.

Os vinhos e espumantes brasileiros Quando se iniciou a integração do Mercosul, em 1986, uma das áreas que o Rio Grande do Sul mais temia era a falta de competitividade do nosso setor de vitivinicultura. Os vinhos e espumantes gaúchos realmente não tinham boa

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qualidade. Era um vinho colonial, até apreciado por grande parte da população, especialmente, os descendentes de italianos. No entanto, era uma bebida “muito mais para vinagre do que para vinho”, utilizando-se basicamente o antigo cultivar de uva Isabel, que é rústica, mas não é utilizada na elaboração de bons vinhos varietais. O nome da uva é uma homenagem à princesa Isabel, que trouxe dos Estados Unidos da América as primeiras mudas desse cultivar, resistente à pérola da terra, que havia destruído os plantios de videiras trazidas pelos imigrantes italianos quando aqui chegaram em meados do século XIX. Com a integração dos países do Conesul, os excelentes vinhos argentinos e uruguaios chegavam a nossos mercados a preços semelhantes aos nossos. Por isso, temia-se que milhares de pequenos produtores de uvas do Rio Grande do Sul perdessem esse mercado e a renda dele proveniente. Como diz um ditado antigo: “a dor ensina a gemer”. Diante de uma grande ameaça a toda a cadeia do vinho gaúcho, todos buscaram novas tecnologias que viabilizassem a vitivinicultura. Nesse processo, houve uma integração forte entre os produtores de uvas, as indústrias vinícolas e o apoio da pesquisa, de maneira especial a Embrapa Uva e Vinho, sediada em Bento Gonçalves. Os antigos cultivares de videiras foram paulatinamente substituídos por novos cultivares


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varietais como Cabernet, Cabernet Sauvignon, Merlot, Riesling, Chardonay, Tannat, dentre outros. Ao mesmo tempo, foram buscadas novas tecnologias de elaboração de vinhos e espumantes nas mais diferentes regiões do mundo. O resultado desse esforço foi o desenvolvimento de vinhos e de espumantes que atualmente recebem prêmios de qualidade nos mais diferentes concursos realizados no mundo. E, sem dúvida alguma, temos hoje vinhos e espumantes tão bons quanto os melhores vinhos da Argentina, Uruguai, Chile e até mesmo os europeus. O vinho importado ainda tem um grande mercado do Brasil devido ao seu menor custo, resultado da desvalorização do dólar. Esse também é um dos impedimentos ao aumento da exportação brasileira. O outro é ainda a falta de divulgação de nosso produto nos demais países consumidores. Por essa razão, é incompreensível que, nos grandes banquetes oferecidos pelo Governo brasileiro na recepção a missões internacionais em Brasília, como também nas recepções oferecidas pelas embaixadas brasileiras no mundo todo, não sejam oferecidos vinhos e espumantes brasileiros. Durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, por influência de dois ministros gaúchos, Francisco Sérgio Turra e Pratini de Moraes, os vinhos e espumantes gaúchos começaram a ser incluídos nessas recepções. Enquanto as delegações

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estrangeiras tomarem vinho italiano ou espanhol e champagne francesa, jamais saberão que temos produtos tão bons quanto os importados. E, certamente, isso não abre mercado aos nossos produtos. Ao contrário, quando experimentam nossos produtos, apreciam a sua qualidade, e abre-se um novo mercado. Por isso, devemos saudar a grande cerimônia realizada no Palácio do Planalto, amplamente divulgada pela imprensa, de promoção de vinhos e espumantes brasileiros. No seu discurso, o Presidente Lula ordenou que, nas recepções oficiais organizadas pelo governo federal, os vinhos e espumantes voltem a ser oferecidos. Antes tarde do que nunca!

Adubação nitrogenada em cereais de inverno A adubação nitrogenada é um dos fatores mais importantes que influem no potencial de rendimento dos cereais de inverno, como aveia, trigo, cevada, triticale e centeio. Para todos os cereais de inverno, recomenda-se que a adubação nitrogenada seja parcelada: aproximadamente um terço da necessidade aplicada na semeadura e dois terços aplicados em cobertura. Assim deve ser feito, porque o nitrogênio é um nutriente facilmente perdido pela volatilização na forma de amônia, óxido nitroso ou nitrogênio molecular, especialmente quando o solo é


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compactado ou excessivamente encharcado. Entretanto, a maior perda ocorre por meio da lixiviação no solo pelo excesso de chuva, na forma de nitrato. Como o nosso clima é instável, com alta probabilidade de chuvas muito intensas, o parcelamento da adubação é a principal estratégia para prevenir as perdas do fertilizante aplicado. Mas, para que o resultado econômico seja obtido, é preciso que o produtor rural leve em consideração alguns fatores quando for realizar a adubação de cobertura, como o potencial de rendimento da cultura, a sensibilidade ao acamamento do cultivar utilizado, a fase de desenvolvimento da cultura, a cultura anterior (soja ou milho), a quantidade de palha da cultura anterior ainda disponível no solo, a disponibilidade de água, além do teor de matéria orgânica determinada por meio de análise de solo. Entre esses fatores, um dos principais é o estádio de desenvolvimento das culturas. Como os cereais de inverno iniciam a formação da espiga ou da panícula entre a formação da terceira e quarta folha, esse é o momento de maior necessidade de suprimento do nitrogênio para as culturas. Nessa fase, também se inicia o afilhamento dos cereais, que também é dependente do suprimento do nitrogênio. Portanto, observar as fases do desenvolvimento das plantas é mais

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importante do que seguir um determinado número de dias ou a estatura das plantas, pois a velocidade de crescimento é diferente entre cultivares e espécies. No estádio de elongação dos cereais de inverno, define-se o número de flores por espigueta, diretamente relacionado ao componente de rendimento do número de grãos por espiga ou panícula, fase altamente dependente de n i t r o g ê n i o . E a terceira fase fenológica em que o suprimento de desse elemento é fundamental na obtenção de altos rendimentos. Na fase de enchimento de grãos, há a síntese de proteínas, que influi no rendimento e na qualidade de panificação do trigo. Outro aspecto importante a observar é a cultura anterior e a quantidade de resteva ainda disponível. O ideal é que os cereais de inverno sejam cultivados em sucessão à soja. Essa cultura tem a capacidade de fixar o nitrogênio do ar por meio da associação com bactérias. A decomposição dessa palhada pelos microrganismos libera nitrogênio, que pode ser aproveitado pela cultura seguinte. Sempre que os cereais são cultivados sobre resteva de milho, há necessidade de aumentar a adubação nitrogenada, pois, nesse caso, os microrganismos decompositores da palha retiram nitrogênio da cultura. Finalmente, a eficiência da adubação nitrogenada é obtida levando-se em consideração as características de cada cultura e cultivar. O centeio, por apresentar


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uma grande estatura de plantas e baixo potencial de rendimento, deve receber menos nitrogênio. A cevada é exigente em nitrogênio, no entanto, se a aplicação for excessiva e muito tardia, pode promover um aumento muito grande do teor de proteína nos grãos, fator limitante ao seu uso na cervejaria. Para o trigo, triticale aveia-branca, devem ser observadas a estatura de plantas e a sensibilidade ao acamamento, podendo ser aumentada a dose de nitrogênio para cultivares precoces e de baixa estatura de plantas. O nitrogênio, quando aplicado corretamente, além de promover o aumento do rendimento, também promove um aumento do teor de proteínas nos grãos, o que melhora a qualidade nutritiva tanto para uso na alimentação humana quanto na alimentação animal.

Pinheiro de Natal! Em tempos de Natal, a todos vêm lembranças, lindas lembranças, dessa data tão especial vivida na infância. Morávamos no interior de Ibirubá e uma das principais lembranças são as grandes árvores de Natal. A casa tinha um teto alto, como a maioria das antigas casas de madeira. Lembro meu pai trazendo aquele enorme pinheiro cortado. Aliás, todos os anos, no inverno, plantávamos pinhões ao redor do rio, para que, em todos os anos, tivesse uma araucária do tamanho

ideal para ser cortada e enfeitada no Natal. Como o pinheiro rebrota, muitas vezes eram colhidos brotos. E, ainda, em determinados anos, havia aquele pinheiro, maior ainda, para ser cortado e levado para a igreja, que tinha como padroeiros os Três Reis Magos. A tradição cristã ensina que esse pinheiro deve ficar até o dia 6 de janeiro, quando os Reis Magos finalmente encontraram Jesus, Maria e José, seguindo a estrela guia. Era um desafio manter o pinheiro verde e bonito por tantos dias, no verão. O calor provocava o murchamento e o amarelecimento das folhas do pinheiro e a prostração dos ramos. Além de colocar água fria de poço (não tínhamos geladeira nessa época) todos os dias, havia uma tradição de colocar, de dois em dois dias, um comprimido de Aspirina junto com a água. A Aspirina foi criada pela Bayer, na Alemanha, há muitos anos e tornou-se um dos mais importantes analgésicos utilizados no mundo inteiro. Sua descoberta foi consequência de uma cultura popular. Os alemães, tradicionalmente, usavam o chá de sabugueiro (esse que nós ainda encontramos à beira de alguns rios em nossa região) para reduzir febres e dores. A Bayer isolou das folhas do sabugueiro um ácido chamado ácido salicílico, derivado do nome do gênero da planta (Salix). A partir daí, o ácido salicílico passou a ser produzido sinteticamente. Certamente, muitas


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pessoas, quando estão gripadas, tomam uma Aspirina ou similar. Mas, se o agente da gripe é um vírus, o ácido salicílico controla vírus? Na verdade, não. Apenas reforça nossas defesas, tira a sensação de mal-estar e dor; alimentamo-nos bem e, então, o vírus completa seu ciclo e a saúde volta. Nos últimos anos, o ácido salicílico também foi muito estudado pela fisiologia vegetal. Sabe-se, hoje, que o ácido salicílico é produzido pelas plantas em quantidades extremamente pequenas, cujo teor varia de espécie para espécie. A síntese nas plantas ocorre como resposta a uma indução, provocada por ferimentos, pragas ou patógenos. O teor aumenta rapidamente e translocase sistemicamente por toda a planta. Esse ácido salicílico induz a expressão de genes, produzindo as chamadas “proteínas de defesa”. Dessa forma, é preservada a vida do tecido vegetal mesmo com a presença de patógenos, como por exemplo, os vírus. Estudos realizados com tomate, batata, berinjela, fumo e outras, atacadas por vírus, mostram que, apesar da presença do vírus, a aplicação exógena de ácido salicílico mantém a planta viva e em desenvolvimento. Esse fenômeno, descrito no inglês pela sigla SAR (Síndrome da Resistência Adquirida), também é denominado de “resistência de planta adulta”, porque a planta no início de seu desenvolvimento é sensível ao patógeno. Com o passar

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do tempo, expressam-se os genes de resistência, mediados pelo ácido salicílico. Baseado nessas novas descobertas, as grandes indústrias químicas do mundo estão desenvolvendo novas substâncias para serem aplicadas nas plantas e induzi-las à produção de defesas naturais contra pragas, moléstias e danos por fatores não biológicos. No futuro, os agricultores estarão aplicando muito mais “vacinas” nas plantas do que “remédios”. Essas substâncias de defesa produzidas têm as mesmas funções que os anticorpos nos seres humanos e demais animais. Como as plantas não têm um coração para bombear a seiva, não há circulação de proteínas (anticorpos), devido ao alto peso molecular. Portanto, está explicado por que era usada a Aspirina nos pinheiros de Natal e sua conservação, pelo menos até o dia dos Três Reis Magos. Era a cultura popular (empírica) que agora tem explicação científica. O uso de comprimidos contendo ácido salicílico também aumenta o tempo de conservação de flores. Aproveite para testar nas flores de sua casa, recebidas neste Natal, já que não se usam mais pinheiros naturais para se enfeitarem no Natal.


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A sustentabilidade do Agronegócio Semeadura direta, conservacionista por excelência Nos anos 1970/1980, a maior preocupação de produtores, técnicos e gestores rurais eram as perdas de solo por erosão, que causava o empobrecimento das lavouras e o assorreamento de mananciais hídricos, o desmatamento indiscriminado e a poluição das águas. A adoção do sistema plantio direto (SPD) pelos produtores foi a maior revolução ocorrida na agricultura regional, pois reduziu drasticamente a erosão do solo, melhorou a qualidade das águas, gerou economia de máquinas e equipamentos, de óleo diesel e de mão de obra. Além da redução de custos, houve um aumento linear do rendimento das culturas, pois melhorou o ambiente solo. O rendimento da soja, por exemplo, que era de aproximadamente 20-30 sacas por hectare em 1980, aumentou para mais de 50-60 sacas na safra 2011. Mas, não ganhou apenas o produtor rural, pois o sistema plantio direto também contribui com a redução do efeito estufa. A liberação desenfreada de gás

carbônico na atmosfera é o responsável pelo efeito estufa, que está causando o aumento da temperatura global. A única forma de retirar esse excesso de gás carbônico da atmosfera é por meio da fotossíntese realizada pelas plantas, que utilizam a água absorvida do solo e o gás carbônico (C ) absorvido do ar para a síntese dos mais diversos compostos orgânicos que constituem a biomassa, como glicídios, óleos, proteínas, celulose, vitaminas etc, tendo como fonte de energia o Sol. A maior contribuição da agricultura para a redução do aquecimento global é o aperfeiçoamento do sistema de plantio direto. Quanto mais tempo a lavoura estiver ocupada com culturas, estas estarão assimilando gás carbônico do ar e formando biomassa. E, quanto mais palha for produzida, aumenta-se o teor de matéria orgânica, que, além de promover a melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, evita que o gás carbônico retorne imediatamente ao ar. Para exemplificar, uma produção de 10 t/ha/ano de palha seca (milho, soja, trigo, aveia e


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outras) contém cerca de cinco toneladas de carbono. Como um kilo de carbono equivale a 3,67 kg de CO2, isso representa cerca de 18 toneladas de CO2 fixado por ha/ano. Apenas num hectare, a palha fixada, em carbono, o equivalente à liberação de CO2 na combustão de aproximadamente oito mil litros de gasolina pelos automóveis, pois a combustão de cada litro de gasolina libera 2,34 kg de CO2 na atmosfera. Essa palha é decomposta entre doze a dezoito meses pelos microrganismos, dependendo da espécie. Para evitar que o carbono fixado na matéria orgânica seja liberado ao ar, deve-se colher a cultura de verão e imediatamente implantar uma cultura produtora de grãos ou de cobertura/adubo verde do solo. Essas culturas irão assimilar o nitrogênio e o gás carbônico liberado pela decomposição da palhada da cultura anterior. É colher e semear, evitando o vazio outononal observado no Sul do Brasil. Considerando-se as condições de clima da região (chuva e temperatura), a sustentabilidade do sistema plantio direto requer a produção anual, entre cultura de inverno e verão, de aproximadamente 9 a 12 t/ha de palha seca. Nessas condições, o solo estará coberto, aumentando-se a infiltração de água quando chove. A cor clara da palha aumenta a reflexão dos raios solares e diminui o aquecimento do solo, o que beneficia o desenvolvimento inicial da soja e do

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milho. Esse fato também diminui as perdas de água do solo por evaporação. A decomposição dessa matéria orgânica pelos microrganismos promove a reciclagem de nutrientes, a redução da atividade tóxica do alumínio e aumenta a capacidade de troca de cátions (CTC). Mas, numa produção anual de 10 t/ha de grãos de milho, são fixadas outras dezoito toneladas de 2 CO2. Somando-se os grãos mais a palha, uma lavoura de milho retira do ar o gás carbônico liberado na queima de dezesseis mil litros de gasolina. De outro lado, ao adotar o sistema plantio direto, o agricultor, comparado ao convencional, tem-se uma economia de aproximadamente 40 litros de óleo diesel por ha/ano. Em seis milhões de hectares cultivados com culturas produtoras de grãos no Planalto sul-rio-grandense, economizamos 240 milhões de litros de diesel/ano. Como a combustão de 2 um litro de óleo diesel libera 2,68 kg de CO2, estamos deixando de emitir mais de 643 milhões de kilos de gás carbônico por ano. Imaginem, em 26 milhões de hectares no Brasil, onde se adota o sistema plantio direto. Por isso, o sistema plantio direto é verdadeiramente conservacionista!


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Falta de palha: uma ameaça ao sistema de plantio direto A introdução do sistema de plantio direto na região foi a principal revolução que ocorreu nos últimos anos, promovendo aumentos significativos na produtividade das culturas e na rentabilidade dos produtores. Mas esse sistema somente tem vantagens quando efetivamente o cultivo é realizado num solo com abundante quantidade de palha na superfície. O verdadeiro plantio direto é na palha. A cobertura do solo é essencial para que não haja o impacto direto da gota de chuva sobre o solo, o que causa a erosão superficial e a formação de uma crosta compactada; evita o aquecimento do solo, que causa uma maior evaporação de água; além de formar o húmus, fundamental para a estabilidade dos agregados do solo, a melhoria das propriedades físicas como redução da densidade e o aumento da porosidade. Considerando nossas condições de temperatura e de precipitações, pesquisas recentes têm demonstrado uma necessidade anual de pelo menos nove a doze toneladas por hectare/ano de palha seca. Isso somente é conseguido se, pelo menos uma vez a cada três anos, houver o cultivo de milho, trigo e aveia no inverno. Infelizmente, nos últimos anos, houve uma redução da produção

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de palha, pois ocorreu uma diminuição da área cultivada de milho e aumento da área de cultivo da soja. Os cultivares de milhos utilizados apresentam estatura cada vez mais baixa e, consequentemente, com menos palha. Por sua vez, com o aumento crescente dos cultivares transgênicos de soja, precoces e de baixa estatura, a quantidade de palha produzida também é menor. O mesmo acontece com os novos cultivares de trigo e cevada e alguns cultivares de aveia- branca. Há ainda o manejo inadequado do pastejo dos animais nas forrageiras de inverno, implantadas nas lavouras pela integração lavoura-pecuária. Para não prejudicar a sustentabilidade do sistema de semeadura direta, os animais devem ser retirados com pelo menos três semanas antes da dessecação da área para cultivo das culturas de verão em sucessão. Assim, as plantas rebrotam, formando uma adequada palhada na parte aérea, e o crescimento das raízes realiza uma descompactação da camada superficial do solo. Não há dúvida de que a palhada que realmente influi na melhoria das propriedades físicas do solo é a de gramíneas/cereais, pois apresentam maior relação C/N, o que representa uma menor velocidade de decomposição dessa palha. A palhada de soja, mesmo quando abundante, tem uma decomposição muito rápida, contribuindo muito pouco para o


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aumento do teor de matéria orgânica no solo. A consequência dessa situação é o aumento da erosão, fato agravado pela ausência de terraços. Observa-se que alguns produtores estão subsolando o solo e outros colocando novamente terraços nas lavouras. Essas duas práticas simplesmente tentam corrigir os efeitos do problema e não as suas causas. Cada vez que houver uma mobilização do solo, é acelerada a degradação da matéria orgânica, o que agrava o problema da sua estruturação física. Enquanto não for planejado o aumento da produção de palha para condicionar fisicamente o solo, assim como a calagem condiciona quimicamente o solo, essas práticas são meramente paliativas. Isso pode ser feito por uma adequada rotação de culturas, incluindo-se gramíneas produtoras de palha, abundante e resistente à decomposição. Escolher entre os cultivares de maior potencial de rendimento aqueles que também deixam no solo uma grande quantidade de resteva.

A palha minimiza a seca As estiagens infelizmente são mais previsíveis do que imprevisíveis em nossa região. De 1992 a 2012, tivemos, no Rio Grande do Sul, quatorze estiagens ou de inverno. Essas estiagens tiveram diferentes intensidades e durações e

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nenhuma foi tão longa e tão devastadora quanto as de 2004/2005 e 2011/2012. São momentos de muita frustração por parte dos agricultores, que veem seu trabalho e investimentos perdidos. Além da falta de renda, têm ainda dívidas a saldar ou renegociar. É também um momento de apreensão dos demais segmentos da sociedade, pois a falta de receita no setor rural influencia significativamente todos os agregados econômicos de nossos municípios. Em alguns municípios, a cadeia do agronegócio representa mais de 80% da sua riqueza. Os setores públicos municipal, estadual e federal deixarão de arrecadar enormes somas em tributos; além de não arrecadarem impostos, terão que encontrar recursos financeiros para auxiliar financeiramente os agricultores mais atingidos. Mas é nas dificuldades que devemos também aprender lições. Como é absolutamente certo que, nos próximos anos, voltaremos a ter estiagens, é preciso pensar em alternativas para minimizar esses problemas. A redução de efeitos da seca deve começar na própria propriedade, com a adoção de tecnologias de manejo do solo mais adequadas. Começa com a diversificação na exploração agrícola, que reduz os riscos climáticos, sanitários e de mercado. Quem explora a produção de leite e


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conserva forragem na forma de feno, silagem ou grãos, produzidos na própria propriedade, continua tendo uma renda mensal. O mesmo ocorre com os produtores de suínos e aves. Na lavoura, a diversificação de culturas é fundamental para a sustentabilidade da produção e da renda da propriedade. Além de diversificar culturas, é preciso diversificar cultivares com diferentes ciclos e diversificar épocas de semeadura. Por exemplo, na soja, os cultivares mais tardios (os menos utilizados) ainda estavam na fase de formação de florescimento e formação de grãos quando as chuvas voltaram em 2005. Na próxima seca, isso pode inverter, razão para que, estrategicamente, os riscos sejam divididos sempre. Entretanto, as maiores diferenças de rendimento, apesar da gravidade da seca, estão sendo observadas entre lavouras com abundante palhada de cereais de inverno e aquelas lavouras sem cobertura por ocasião da semeadura da soja. A palha, especialmente a de cereais, como milho, aveia, trigo, triticale, centeio, e, em menor quantidade, a cevada, evita o impacto da gota de chuva, causadora de erosão e compactação superficial, e aumenta o tempo de retenção da água da chuva, reduzindo-se a velocidade de escorrimento. Dessa forma, há maior infiltração da água da chuva no solo, que mantém as plantas abastecidas por mais tempo quando se inicia a seca. De outro lado, a palhada, como é clara, aumenta a

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reflexão dos raios solares. Assim, há maior variação da temperatura do solo, o que reduz significativamente a evaporação da água, sendo que esta reduz a disponibilidade de água para as culturas. Além desses efeitos benéficos das palhas, há ainda a reciclagem de nutrientes quando são decompostas pelos microrganismos do solo, o sequestro de carbono no solo, reduzindo-se sua difusão por meio do gás carbônico, o que contribui com o efeito estufa, causador do aquecimento global. O aumento da matéria orgânica no solo melhora sensivelmente algumas propriedades físicas do solo, com a redução da compactação e o maior armazenamento de água e ar, fundamentais para o desenvolvimento das plantas. Apesar de toda essa importância, estamos observando uma sensível redução da cobertura com palha nas lavouras da região em virtude da diminuição do cultivo do milho, a principal cultura produtora de palha, e da utilização cada vez maior de cultivares de soja, trigo e cevada de ciclo curto de estatura baixa. Esses cultivares apresentam altos potenciais de rendimento de grãos, mas deixam pouca palha após a colheita. Assim, como o produtor investe em calagem e em adubação para melhorar as propriedades químicas do solo, também ele deve planejar a maior produção de palha na lavoura e melhorar as propriedades físicas


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do solo com estratégias para obtenção de altos rendimentos e minimização dos efeitos de adversidades climáticas.

Lições da seca A grave seca ocorrida no sul do Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, na safra 2011/2012, deixou enormes prejuízos já sentidos e com reflexos futuros nos mais diferentes segmentos da sociedade. Apesar da indiferença com que alguns especialistas e lideranças comunitárias consideram o setor do agronegócio, na verdade, quando este vai bem, a sociedade toda cresce e se beneficia. Mas, quando há perdas por clima ou por questões de mercado, toda a sociedade também sofre os reflexos. Se a agricultura tivesse apenas a importância que lhe é atribuída pelos recursos orçamentários, tanto de municípios, estado e U n i ã o (2% a 4%), perdas por uma estiagem não teriam reflexos tão significativos na economia como um todo (agronegócio, indústria, comércio e demais serviços). Na verdade, o agronegócio representa mais de 40% do PIB quando se considera, adequadamente, o valor total agregado. Em alguns municípios da região, essa participação do agronegócio na economia é superior a 70% do Produto Interno Bruto (PIB). De outro lado, as estiagens são fenômenos mais previsíveis do que imprevisíveis entre nós, com

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diferentes graus de amplitude e severidade. Por isso, quando a seca ocorre, especialmente, com a intensidade que afetou a produção, cria-se na opinião pública a ideia de que essa estiagem não terá mais fim. Os mais sensacionalistas e movidos apenas pelo conhecimento empírico diziam inclusive que “o Nordeste havia se transferido para o Sul do Brasil”. O pior é que, quando as chuvas voltam, a impressão reinante é de que nunca mais haverá seca no Rio Grande do Sul. E todos os inflamados discursos políticos proferidos durante a crise são esquecidos. Outra informação repassada por oportunistas de plantão era associar a falta de chuva com o desmatamento. Há uma confusão entre a causa e o efeito, que é compreensível entre aqueles que não tiveram o direito de estudar mais, mas inaceitável entre aqueles que tiveram essa oportunidade, inclusive em cursos superiores. Se a cobertura com matas fosse o único fator a promover chuvas, de forma regular, não teríamos tido secas entre os anos de 1943 e 1945, quando a área coberta com matas no estado do Rio Grande do Sul era de aproximadamente 27%. Nem tampouco, a grave seca que ocorreu no Estado, relatada historicamente, durante a Revolução Farroupilha. Portanto existem várias causas que influem na distribuição das chuvas nas mais diferentes regiões. A falta de chuva que ocorre no Brasil central, de maio a setembro (em


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alguns anos de abril a outubro), em todos os anos, não tem nada a ver com a superfície ocupada por matas. No entanto, quanto aos efeitos da estiagem, há relação com o desmatamento. As áreas cobertas de matas retêm muito mais água da chuva, o que, de um lado, reduz as enxurradas, e, de outro, promove uma maior infiltração de água e menor perda de água por evaporação. As águas infiltradas são aquelas responsáveis em manter as vertentes e dão um regime de vazão mais uniforme às fontes, riachos e rios. Portanto, é da maior importância que o código de uso do solo e da água seja adotado (previstos no novo Código Florestal Brasileiro, promulgado pela Presidente Dilma Roussef, em 2012), especialmente em relação à preservação de fontes (banhados) e à manutenção das matas ciliares. Dessa forma, quando ocorre uma seca, há uma maior quantidade de água armazenada, que pode ser utilizada para as diferentes finalidades, mas, especialmente, atender às necessidades humana e animais. Essa e outras lições da estiagem devem ser aprendidas para que estratégias preventivas sejam tomadas e, dessa forma, minimizarem-se os efeitos da estiagem. É absolutamente certo que o Rio Grande do Sul voltará a ter estiagens. Só não sabemos precisar a data da nova ocorrência e sua duração e intensidade. A lição

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não aprendida é a de que, quando começa a chover, ninguém mais fala em políticas e ações para reduzir as perdas, como se essa normalidade da chuva, ora observada, fosse eterna. Planejar não é decidir sobre o que deve ser feito quando a seca voltar, mas o que deve ser feito hoje para prevenir seus efeitos no futuro.

Estiagens e pecuária Um dos setores também afetados com a seca é a pecuária. Com o prolongamento da estiagem, as pastagens, mesmo bem manejadas, também são crestadas, sejam permanentes ou anuais. Além da baixa disponibilidade de forragem, também é afetada a qualidade nutritiva da forragem. Os resultados são o emagrecimento dos animais e a redução drástica na produção leiteira. Sem dúvida, o efeito das estiagens é maior na pecuária de leite do que na pecuária de corte. Como o fenômeno das secas é mais previsível do que imprevisível, também na agropecuária precisamos pensar em alternativas para diminuir essas perdas. A vaca, por exemplo, é uma produtora de renda pelo leite produzido diariamente. Portanto, ela precisa estar bem alimentada permanentemente. As necessidades do rebanho são uniformes, mas a produção de forragem é estacional e sujeita aos


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estresses climáticos da seca ou das geadas. Uma das alternativas para reduzir essas deficiências na produção de forragem é a ensilagem e a fenação. Em 1982, ao visitar uma importante propriedade de exploração pecuária-leiteira, próximo a Madison, estado de Wisconsin, nos Estados Unidos da A m é r i c a , o proprietário estava elaborando silagem de aveia e cevada-forrageira. E justificava dizendo que precisava fazer tantas toneladas de silagem esse ano a mais para “alimentar o galpão”. Eu não entendi, pensando que era a dificuldade de comunicação na língua inglesa. Depois que ele repetiu três vezes a mesma frase, eu perguntei: o que é “alimentar o galpão”? Ele me respondeu que a renda da propriedade vinha da produção de leite de cada vaca. Portanto, era imprescindível que elas estivessem sempre bem alimentadas. Por uma questão de segurança, ele mantinha um reserva de silagem, feno e grãos de cereais, para um período mínimo de dois anos. Assim, na pior das hipóteses, mesmo com problemas de neve ou de seca, ele tinha forragem garantida para os animais. Como, no ano anterior, a neve ocorreu por um período maior obrigando ao maior uso de forragem conservada, ele precisava produzir uma quantidade maior de silagem para repor o estoque, que ele denominava de “alimentar o galpão”. Na região, os produtores que fazem silagem no ano anterior ou

feno continuam alimentando bem as vacas mesmo na seca e, assim, produzindo leite. Esse leite passa a ser, praticamente, a única renda da propriedade a sustentar a família. E, na região do Planalto sulriograndense, há pelo menos 3 milhões de hectares de terra fértil sem uso econômico no período de inverno. Aqui está a oportunidade de cultivo de aveia, triticale, centeio ou trigo forrageiro, seja para alimentação dos animais pelo pastejo seja para a confecção de silagem ou feno. A época ideal para cultivo é logo após a colheita das culturas de verão. Vamos aprender a lição com os americanos e sempre ter uma reserva de forragem para enfrentar as adversidades climáticas.

Agricultura, uma indústria de céu aberto Mais uma vez, a agricultura do Rio Grande do Sul sofreu com uma longa estiagem na safra 2011/2012. E, quando ocorre uma estiagem, há a preocupação não apenas entre produtores, mas entre todos os segmentos da maioria dos municípios do Rio Grande do Sul, que dependem econômica e socialmente do agronegócio. Entretanto, as manifestações políticas são muito mais demagógicas do que realmente são proponentes de soluções que


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amenizem o problema. Sobretudo ao se considerar que a estiagem no verão é algo anormal. O levantamento das condições climáticas ocorridas na região nos últimos 20 anos mostra, em menor ou maior intensidade, que tivemos estiagens em quatorze anos. Portanto, a ocorrência de estiagem no verão, entre dezembro a março, é um fenômeno mais normal do que anormal. O erro maior é olhar as precipitações de forma empírica, apenas considerando as médias. Quando se observa o total de chuvas durante o ano, mesmo em anos de estiagens, ela é superior a 1.200 mm. É perfeitamente possível fazer agricultura com altos potenciais de rendimento com a metade dessa precipitação. O problema é a sazonalidade. De nada adianta para o desenvolvimento das plantas e a produção que a precipitação média esteja próxima da normal, porém ocorrida apenas numa semana do mês. A semana do excesso prejudica as plantas, pois o encharcamento do solo expulsa o oxigênio dos poros. A falta de oxigênio inibe o desenvolvimento radicular e a absorção de água e nutrientes. Nas semanas sem chuva, o desenvolvimento é limitado pela falta de água, que também afeta a sua nutrição adequada. Como consequência, ocorre uma redução do rendimento das culturas e da rentabilidade do produtor. O que fazer para minimizar os frequentes problemas de falta de chuva? A solução não está simplesmente na adoção de apenas

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uma ou outra prática agrícola, mas no conjunto de ações, como: o aumento da capacidade de armazenamento de água nas lavouras por meio da melhoria da sua estrutura física; a diversificação de culturas e de cultivares na mesma cultura, de diferentes ciclos de desenvolvimento; o aumento da palhada sobre o solo que amplia a capacidade de armazenamento da água quando chove e reduz a evaporação no período de estiagem; o desenvolvimento, em médio prazo, especialmente pelas técnicas biotecnológicas, de cultivares mais tolerantes à seca. Entretanto, a principal solução é a implantação gradativa da irrigação em todas as propriedades onde há essa possibilidade, dos pontos de vista técnico e econômico. Mas, esse objetivo ainda está muito longe de ser atingido em nossa região. Por quê?

Irrigação no RS: uma necessidade! O estado do Rio Grande do Sul é hoje o número um em rendimento de arroz irrigado em grandes áreas. Portanto, o setor arrozeiro tem know how nessa área. Os problemas são as culturas denominadas de sequeiro, especialmente as de verão, como soja, feijão e milho, que mais sofrem com as estiagens nessa época do ano.


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Não há um só governador desse Estado que, nesses últimos 40 anos, não tenha tido perdas de arrecadação de tributos devido às perdas de culturas por estiagens. Durante os quatro anos de mandato, alguns governadores tiveram três anos de perdas por secas; outros, por dois anos, e alguns tiveram a sorte de ter apenas um ano. Grande parte da crise financeira por que passa nosso Estado deve-se às perdas da agricultura devido às estiagens. Além das perdas de arrecadação de ICMS, as estiagens ainda obrigam os governos a retirarem recursos financeiros de outros setores da sociedade para auxiliar os pequenos produtores rurais em programas sociais, como fornecimento de cestas básicas, perfuração de poços, perdão de dívidas etc. Como a estiagem é um fenômeno muito mais normal do que anormal no estado do Rio Grande do Sul, por essa razão há a necessidade urgente de que sejam elaboradas políticas de irrigação. Os recursos antes destinados aos investimentos com máquinas e equipamentos, que, no momento, não são fatores mais limitantes ao desenvolvimento da agricultura, deveriam ser utilizados no financiamento, a médio e longo prazo, de projetos de irrigação. No entanto, não podemos imaginar projetos de irrigação baseados na água corrente de rios. Há a necessidade de que seja realizada primeiramente a construção de açudes de armazenamento de água. Apesar das

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frequentes estiagens, a média de precipitação no Rio Grande do Sul pode ser considerada alta (superior a 1.500 mm por ano). Ou seja, as chuvas são mal distribuídas. Por isso, prioritariamente, deve-se armazenar a água das épocas de chuvas para uso quando há escassez. Evidentemente, não há condições de se irrigarem todas as propriedades do Rio Grande do Sul, mesmo em prazos longos, devido a diversos impedimentos. O investimento, entre R$ 5.000,00 e R$ 7.000,00 por hectare, pode ser considerado alto. A viabilidade financeira do projeto dependerá do grau de tecnologia adotado. Em propriedades de baixo uso de tecnologias, tendo por consequência os baixos potenciais de rendimento ou a produção de grãos de baixo valor agregado, a irrigação não é viável. Entretanto, quando todas as tecnologias são utilizadas e o fator terra é utilizado intensivamente (por exemplo, o cultivo de três safras por ano), a irrigação é plenamente viável também na produção de grãos. Nada melhor do que conhecermos as propriedades agrícolas da região, as quais, durante vários anos, de forma gradual, foram aumentando o armazenamento de água e hoje apresentam recordes de rendimento e rentabilidade na produção de soja, milho e feijão. O que definitivamente não é viável é dar sustentabilidade à agricultura quando, de cada dois anos, em média, perdemos um ano devido às


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estiagens. Sabe-se que, diante de um fenômeno climático que é cíclico, o manejo de culturas deve ser sempre realizado estrategicamente para prevenir possíveis perdas. Para estiagens de curto prazo, a prevenção requer a adoção de práticas, como a diversificação de culturas, a diversificação de cultivares de diferentes ciclos, a semeadura em diferentes épocas, a manutenção de grande quantidade de palha na superfície do solo, a descompactação do solo, o uso de botinha na semeadora, a adubação adequada, o uso de tecnologias hoje disponíveis, para se estimular o crescimento de raízes, entre outras práticas. A busca do aumento da capacidade do solo de armazenar a água da chuva reduziria as perdas de água por evaporação e, assim, ter-se-ia maior disponibilidade quando para de chover. Entretanto, quando a falta de chuva é tão longa quanto a observada em muitas regiões, essas práticas não são suficientes. Nesse caso, há necessidade de irrigação. Para fazer irrigação, há necessidade de se armazenar a água das épocas de chuva por meio de açudes e cisternas. E não falta água, pois, em Passo Fundo, chove em média 1.787 litros de água por metro quadrado em cada ano. O problema é que, periodicamente, ela é mal distribuída. Aqui está a limitação, pois deve-se compatibilizar a legislação ambiental hoje vigente à necessidade de produção de

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alimentos. O certo é que, por razões técnicas, ambientais ou econômicas, é impossível imaginar que possamos irrigar todas as lavouras. Nesse caso, há a necessidade de um seguro agrícola, que garanta renda ao produtor em caso de catástrofes, como estiagens, chuvas em excesso, granizo ou geadas fora de época. Isso, porque a lavoura é uma “indústria de céu aberto” e os fatores climáticos não estão sob o controle humano. É difícil para as pessoas do meio urbano aquilatar o drama que é uma estiagem: ver plantas e animais morrendo, dia a dia, por falta de água e comida e sentir a impotência na aplicação de soluções; perder a produção de alimentos e a renda esperada de um ano de trabalho. E, como pagar as dívidas do custeio e dos investimentos realizados? O Proagro é importante, mas apenas devolve parte do custo. É muito mais um seguro de créditos do banco para o ressarcimento do crédito rural fornecido do que auxílio ao produtor. E aqueles que plantaram usando recursos próprios? Aqui está um dos problemas para a criação de políticas governamentais para enfrentar estiagens ou outras intempéries. O agricultor, cada vez em menor número no meio rural, não tem poder de barganha diante de uma sociedade cada vez mais urbana. O poder político é do urbano, não do ruralista. Por isso a rigidez na legislação ambiental para o meio rural e a frouxidão nas questões


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ambientais na área urbana, como os problemas do lixo, ocupação ribeirinha, esgoto, mau uso da água tratada etc. Não há um senso crítico para entender as dificuldades de produção do alimento do dia a dia de todos. Diferentemente do que ocorre na Europa, onde apenas 3% da população vivem no meio rural, mas suas reivindicações são apoiadas pela população urbana. Há uma consciência clara da importância tanto do agricultor para uma segurança alimentar, direito maior do ser humano, como da situação econômica favorável de todos os setores industriais, de comércio e outros serviços quando a agricultura vai bem. Aumentam-se os empregos e a renda de todos os setores econômicos da sociedade. Nesse contexto, os governantes têm maior arrecadação de impostos. Graças ao agronegócio, o Rio Grande do Sul teve um crescimento extraordinário do PIB em 2011, e, como consequência, o recorde de arrecadação de impostos. Para quem já passa dos 60 anos e nasceu e viveu no meio rural, além de estudar e trabalhar na agronomia há mais de 35 anos, olho com muito ceticismo essa discussão de políticas agrícolas. Em 1998, eu representava as universidades do estado do Rio Grande do Sul junto ao Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia. Fomos convocados para uma reunião para apreciar a proposta do Planejamento Estratégico do Rio Grande do Sul, iniciado ainda no Governo de Alceu Collares e executado durante o

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Governo de Antônio Brito, o chamado RS 10. Ao examinar o documento, sugeri a inclusão de uma política para irrigação. Diante de minhas justificativas, fui imediatamente apoiado por uma das reservas políticas de nosso Estado, o então ex-Vice-Governador João Lucas Coelho, e também pelo grande médico-cardiologista Fernando Luchese. Lucas Coelho indagava qual teria sido o governador que não teve perdas por estiagens, que, além da queda na arrecadação de impostos, ainda teve que tirar recursos de outros setores para socorro emergencial. Contudo, o documento final foi publicado e nele nada consta a respeito propostas de ações contra estiagens. Em 2007, durante a campanha eleitoral, sugeri ao candidato Francisco Sérgio Turra que incluísse em seu plano de governo políticas para irrigação. Como ele não foi para segundo turno, ao apoiar Ieda Crusius, essa proposta foi incluída no plano de governo desta. Foi o primeiro governo do Rio Grande do Sul a criar uma política para irrigação. Infelizmente, foi feito menos do que se esperava. Em 2010, Tarso Genro se elege governador e, em suas primeiras manifestações, anunciou acabar com a Secretaria de Irrigação. Afinal, tivéramos dois anos de chuvas adequadas e com recordes de produtividade. Contudo, exatamente em seu governo, o Rio Grande do Sul viveu uma nova e grave estiagem. Então, quando não se tem chuva, anuncia-se a


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construção de açudes. Açude se constrói quando chove, não quando há seca! Quando ocorrem estiagens, muitas propostas são apresentadas para minimizarem-se seus efeitos no futuro, mas, infelizmente, as políticas para irrigação e seguro agrícola são esquecidas assim que volta a chover. E as chuvas copiosas sempre voltarão, pois as condições climáticas são cíclicas. Esses assuntos serão discutidos novamente quando vier a próxima estiagem. Desaparecem as manchetes em jornais, notícias de rádio e TV. O próprio produtor esquece. Quando chove adequadamente, acha que a estiagem é coisa do passado. Quando a estiagem volta e as perdas tornam-se significativas, o desânimo é geral e tem-se a impressão de que nunca mais vai chover na região. Estrategicamente, diante de um fator que não está sob nosso alcance, temos que adotar práticas de prevenção a estiagem em todos os anos. Se chover bem como nos dois anos anteriores, maravilha. Mas planejar lavouras pensando que vai chover bem é um risco. Essa prevenção significa a adoção de práticas de manejo de culturas para aumentar a infiltração de água quando chove e a redução da evaporação do solo quando para de chover Entretanto, quando a estiagem é muito longa, essas práticas atenuam, mas não são suficientes. Então, precisamos de investimentos permanentes em irrigação. Armazenar água da época

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das chuvas para ter água quando ocorre a estiagem. O custo de um sistema de irrigação para um hectare é variável, mas, em média é de R$ 5.000,00 a R$ 7.000,00 por hectare. Para cem hectares, o custo seria equivalente a uma moderna colhedora adquirida durante a Expodireto. Quantos dias por ano essa colhedora vai trabalhar? Tudo é uma questão de foco. Colhendo 150 sacas de milho a mais, sob a irrigação, comparando às perdas de uma estiagem, em três anos, está pago o investimento. E nessa área, há condições de se fazer, pelo menos, três safras por ano. Mas por questões ambientais, técnicas e econômicas, a irrigação não pode ser realizada em todas as lavouras. Então, o terceiro pilar de uma política antiperdas por estiagens: o seguro agrícola. Mas um seguro que garanta renda aos produtores, não apenas o ressarcimento do crédito bancário.

Seguro agrícola: público ou privado? Dentre as reivindicações dos produtores rurais ao Governo, está o seguro agrícola. Diante das seguidas perdas de produção, por geada, do excesso de chuva na colheita, do granizo, e, especialmente, das frequentes estiagens, o seguro agrícola é uma necessidade urgente. Nos países desenvolvidos, é uma tradição de os


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agricultores fazerem seguro de suas lavouras contra eventuais intempéries. Essa área é muito desenvolvida e abrange inúmeras empresas, que oferecem os mais diferentes sistemas de seguro. No Brasil, as seguradoras privadas na área agrícola ainda são muito poucas, especialmente considerando-se o tamanho do país e a diversificação de culturas existente nas diferentes regiões. A necessidade do seguro agrícola ainda não faz parte da cultura dos nossos produtores rurais. As pessoas no meio urbano contratam o seguro de seu automóvel contra perdas por roubo ou acidentes e de suas casas contra incêndios como um procedimento normal de preservação de seu patrimônio. É lógico que quem faz um seguro não quer recebê-lo, pois significaria ter perdido patrimônio. É o mesmo que seguro de vida, que não é feito para morrer. Na agricultura, a preocupação em proteger o patrimônio por meio do seguro ainda é pequena, talvez pelo fato de os produtores terem-se acostumados com o Proagro, que ressarcia o empréstimo bancário do crédito rural. Esse Proagro, por um lado, desobrigava o produtor de pagar a dívida em caso de um sinistro; de outro, garantia também o ressarcimento do investimento ao banco. No entanto, muitas mudanças ocorreram na agricultura brasileira nos últimos anos. Atualmente, uma parcela muito menor das lavouras é financiada por meio do crédito rural,

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que hoje representa menos do que um terço do que representava no Brasil no final da década de 1980. A maioria dos agricultores investe recursos próprios para formar a lavoura ou financiar parte dos insumos nas próprias empresas de fertilizantes e defensivos agrícolas Em virtude do alto custo da formação de uma lavoura, não há condições de arriscar tudo, correndo o risco de perder todo o investimento realizado, descapitalizando-se, além de perder a renda de uma safra. Dependendo do tamanho da lavoura, uma perda de safra de apenas um ano significa a perda de muitas casas ou automóveis em valores monetários. Todo produtor deve ter a consciência clara de que vivemos em uma região de clima extremamente instável. Por essa razão, os produtores, por intermédio de cooperativas, devem tomar a iniciativa de contratar seguro para suas lavouras em empresas privadas. A participação do governo poderia ser um subsídio inicial do mesmo e um financiamento total para a pequena propriedade. Na região da fronteira do Rio Grande do Sul, a mais castigada pela seca, na última safra de verão, muitos produtores rurais contrataram seguro agrícola em empresa privada. No contrato em outubro, os agricultores pagaram à seguradora o valor de duas sacas de soja (R$ 56,00) por hectare. Isso assegurava um prêmio de 28,5 sacas de soja, ao valor de R$ 28,00 a saca. Assim, os


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produtores que colheram menos que 28 sacas/ha receberam o equivalente a R$ 798,00. Esse valor cobre totalmente o custo de produção, impede a descapitalização dos produtores apesar da falta de renda no ano. O valor do seguro também varia conforme a região fisiográfica. Em regiões de clima mais favorável e menos sujeitas a intempéries, o valor do seguro é menor, pois a possibilidade de pagamento de prêmio pela seguradora é menor. Na prática, isso representa a implantação definitiva de um zoneamento agrícola, não um mero calendário de semeadura. Cada cultura será cultivada preferencialmente na região edafoclimática mais adequada. Abre-se aí uma grande oportunidade para as empresas da área de seguros, sejam nacionais ou internacionais. Mas a empresa de seguro mais importante pode ser aquela formada pelos próprios produtores por meio de sua cooperativa de crédito ou uma espécie de mútua entre produtores. Os agricultores formam um fundo e, em caso de problemas climáticos, é pago o prêmio correspondente ao valor assegurado da lavoura. De outro lado, os produtores independem da burocracia governamental lenta e ineficiente.

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Quanta água potável desperdiçada! A água cobre dois terços da superfície do globo terrestre. Ela também não é destruída, apenas transforma-se de uma forma de agregação da forma sólida (geleiras) à forma líquida (rios, lagos, mares e oceanos) e à forma gasosa do ar atmosférica. No entanto, apenas uma pequena fração dessa água é potável. Por essa razão, esse assunto preocupa tanto a humanidade. O Brasil talvez seja o país com maior disponibilidade de água doce e potável, representada pelos seus grandes e caudalosos rios (por exemplo: Amazonas, São Francisco, Paraná, Uruguai, entre outros) e a presença do grande lençol subterrâneo, o Aquífero Guarani. A média anual de precipitação do Rio Grande do Sul, superior a 1.500 mm, é muito superior à da maioria das regiões do mundo. O problema é que essas chuvas são mal distribuídas. E estabelecer políticas baseadas na média (do grego medíocre) é como considerar normal uma média de temperatura do corpo humano de 36,5º C, quando “a cabeça está num forno a 73º C e os pés no freezer a 0º C”. Imagine o desconforto! No Rio Grande do Sul, quando ocorre precipitação abaixo da média, perdem-se milhares de toneladas de grãos alimentícios, deixam de ser produzidos milhões de litros de leite, pela falta de pastagem e pelo emagr eciment o


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dos bois. Em 2011/2012, mais da metade dos municípios do Estado decretaram estado de calamidade pública devido ao déficit hídrico. E, muitas cidades tiveram de implantar programas de racionamento de água potável. A novidade é o estabelecimento de multas para quem desperdiça água tratada lavando calçadas e carros em alguns municípios. Diz um ditado muito antigo que a “dor ensina a gemer”. Já era hora da preocupação com o abastecimento de água não enfocar apenas as fontes, mas voltar-se com a mesma intensidade para o inaceitável desperdício observado no setor urbano. E a solução nos é ensinada pelas formigas, que são previdentes ao se abastecerem na época da fartura para ter quando há escassez. Também nas cidades, precisamos voltar a construir cisternas e coletar a água da chuva que cai sobre nossos telhados. Para exemplificar, uma chuva de apenas 7 mm supre as necessidades de apenas um dia de um hectare de milho no estado de floração. Mas imaginemos uma casa média, com 100 m2, essa mesma chuva de 7 mm representa a precipitação de 7 litros de água por m2. Assim, nesse telhado, seriam coletados 700 litros de água. Essa água armazenada adequadamente (com tampa e uso de hipoclorito para evitar o mosquito transmissor da dengue) estaria disponível para lavar calçadas e automóveis, molhar as plantas, flores e gramados dos jardins.

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Estaríamos poupando a água tratada que custa tanto em termos econômicos e ambientais. Certamente são difíceis, em muitas casas já construídas, a colocação desses coletores de água da chuva e a disponibilidade de espaço para a construção de cisternas que possibilitem a sua distribuição a baixo custo. Mas também não se entende que as Câmaras de Vereadores não tenham ainda aprovado leis que obriguem o Executivo a exigir também esses coletores de água de chuva dos telhados e a construção de cisternas nos projetos de licenciamento de construções de casas e prédios encaminhados à aprovação. Trata-se de uma questão ambiental. E a Constituição do Brasil, promulgada em 1988, estabelece que as Câmaras Municipais de Vereadores podem legislar sobre questões relacionadas ao ambiente. Seria um belo exemplo quanto ao uso adequado da água. A água potável, que tanto custa para ser coletada, bombeada, tratada e distribuída nos condomínios, seria usada somente para as finalidades mais nobres. Para o consumidor, essa técnica é economicamente viável, pois, apesar da abundância, temos uma das águas mais caras do mundo.


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Excesso de chuva em cereais de inverno Os maiores potenciais de rendimento de cereais de inverno (trigo, aveia, cevada, centeio e triticale) são obtidos em anos de pouca chuva, especialmente, no período de primavera. O excesso de chuva representa a redução da insolação na lavoura. E, como a “agricultura é a arte de colher a luz solar”, quanto menos dias de sol, menor é a produção obtida. Esse fato é mais representativo na primavera, quando se iniciam o período reprodutivo dos cereais e a fase de enchimento de grãos. Num cultivar de trigo, por exemplo, cuja fase de formação de grãos dura 28 dias, se durante 14 dias tivermos dias chuvosos ou nublados, haverá uma redução de aproximadamente 50% do potencial genético de produção de biomassa durante a fase de enchimento de grãos. Esse efeito poderá ser mais significativo neste ou naquele cultivar. O encharcamento do solo também diminui a disponibilidade de oxigênio no solo, pois o excesso de água expulsa o ar do solo. Como o desenvolvimento pleno das raízes requer oxigênio para a respiração celular, haverá menor produção de energia. Como consequência, ocorre menor absorção de água e nutrientes, essenciais para as atividades produtivas das folhas. Uma condição de períodos de muita chuva também aumenta a umidade relativa do ar. Essa alta

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umidade relativa, associada a altas temperaturas, provoca o aumento da incidência e a severidade de moléstias. Enquanto os patógenos são favorecidos por essa condição ambiental, as plantas hospedeiras são prejudicadas. De outro lado, o controle químico das moléstias e pragas é dificultado pela condição climática adversa. Particularmente, uma moléstia que aumenta sua incidência e severidade sob condições de dias de muita chuva e nublados é a giberela. Isso ocorre em virtude de o esporo multiplicador do patógeno penetrar na planta p o r m e i o das anteras das flores. E o controle químico da moléstia somente é efetivo caso a proteção da planta seja efetuada nesse estádio de desenvolvimento. Nas lavouras em que oespigamento do trigo, triticale, cevada e centeio ocorreu durantes os dias de chuva, já há incidência de giberela. E depois de a planta estar infectada, não há fungicida curativo disponível para essa moléstia. Finalmente, o excesso de chuva durante o desenvolvimento das culturas também provoca perdas significativas de nutrientes por lixiviação, especialmente de nitrogênio. Por isso, o fertilizante nitrogenado, ao invés de ser absorvido e assimilado pelas plantas, contribuindo para o aumento do rendimento das culturas, é perdido pelas águas. No caso do nitrato, além de fazer falta às plantas, ainda contamina os lençóis freáticos, prejudicando a


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saúde humana e animal.

Água é vida A tão almejada qualidade de vida da população depende da disponibilidade de alimentos e de água potável, em abundância e com qualidade. Apesar de 2/3 do globo terrestre serem ocupados por água, a água potável representa uma pequena fração desse total, que diminui à medida que aumenta a sua poluição, especialmente pelo crescimento urbano desordenado e a falta de saneamento básico. Já há países no mundo que importam a água potável de outros países a custos elevados para a população. É incompreensível, entre nós, que um copinho de água já custe mais do que um litro de água. Por essa razão, foi louvável a iniciativa da CNBB em discutir a questão da água na Campanha da Fraternidade 2004, com o lema “Água é vida”. A importância do tema e a sua discussão, certamente, trarão uma maior conscientização sobre a tarefa de cada cristão na preservação desse bem da humanidade. De fato, a vida depende de água. Cerca de 70% de nosso peso corporal é água. Os vegetais, nossos produtores primários de alimento, são constituídos de 70% a 90% de água. Os animais domésticos consomem diariamente grandes quantidades de água para garantir a vida. Além da necessidade direta da

água pelo ser humano, a produção de alimentos depende da água. Não há agricultura sem a disponibilidade de água para as culturas e para os animais domésticos. A fonte primária da água é a chuva. Portanto, o aumento da disponibilização da água começa com projetos de armazenamento da água da chuva em épocas de abundância para a utilização nas épocas de escassez, já que essa alternância climática é absolutamente normal. A preocupação maior com o bem comum é a preservação de todas as fontes de água existentes, seja no meio rural, seja no meio urbano; a utilização racional da água nas casas, evitando o desperdício; e, finalmente, a priorização de políticas públicas em investimentos em saneamento básico, pois o maior agente poluidor da água potável é o esgoto cloacal. O consumo de água contaminada é uma das principais causas de doenças infantis.

A importância da mata ciliar Um dos pontos mais contraditórios, durante a discussão do Novo Código Florestal no Brasil, de 2008 a 2012, foi a questão da definição de áreas de reserva legal e áreas de preservação permanente (APPs).


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No caso da APP, a lei estabelece a manutenção de uma mata ciliar de, no mínimo, 30 m de cada lado do riacho, fonte, rio, açude etc. Esse limite, na verdade, foi estabelecido ainda em 1965 pelo Código Florestal. Para entender seu sentido, é preciso voltar àquela época e analisar seu contexto. Era a época inicial da agricultura mecanizada e intensiva, altamente degradadora do solo. Eram realizados dois cultivos ao ano, especialmente a monocultura do trigo no inverno e a monocultura da soja, em sucessão, no verão. Todo o cultivo era convencional. À luz dos conhecimentos de manejo de solos daquela época, um solo bem preparado era aquele onde se faziam uma aração profunda, uma gradagem de destorroamento e depois uma grade niveladora. Em seguida, era feita a semeadura da cultura. Havia ainda outras formas de mobilização do solo, como a escarificação, as gradilhas para controle de plantas daninhas e as capinadoras dirigíveis. Essa mobilização do solo, em maior ou menor intensidade, era realizada duas vezes por ano. Tal prática foi a grande responsável pela degradação do solo, facilitando a sua erosão. A cada chuva, a camada superficial do solo, justamente aquela corrigida pela calagem e de maior fertilidade, era levada pela água das chuvas. Representava a perda do solo fértil, de um lado, e, de outro, o assoreamento dos mananciais hídricos. Daí o rigor do Código

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Florestal em estabelecer uma mata ciliar de, no mínimo, 30 m de cada lado do manancial, tendo como principal função a retenção das partículas de solo, evitando-se o assoreamento e a contaminação dos mananciais hídricos. Entretanto, hoje as lavouras de toda a região Sul do Brasil são conduzidas por meio do sistema plantio direto, no qual é mobilizado apenas o sulco de semeadura da cultura. A erosão é mínima. O escorrimento da água da chuva é reduzido pela palhada mantida sobre o solo e a sua infiltração é maior. Dessa forma, a quantidade de solo carregado pelas águas da chuva é mínima também. Portanto, será que essa mata ciliar ainda precisa ser de 30 m de largura? Nos países desenvolvidos, em função da mudança no manejo do solo, essa mata ciliar foi reduzida a 7 m de largura.

Agricultura e preservação ambiental No dia 5 de junho, comemorase, em todo o mundo, o Dia do Meio Ambiente. Não há dúvida de que as maiores preocupações da humanidade é a fome e a necessidade de preservação do ambiente. Quanto à questão ambiental, a maior preocupação é a excessiva e crescente liberação de gás carbônico e o consequente aquecimento global. Por isso, o tema foi tão


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lembrado nesse dia pelos mais diversos meios de comunicação. E o que mais ouvi é que temos pouco a comemorar nesse dia. Se olharmos as graves questões ambientais no meio urbano, em muitas cidades, aqueles que pensam assim estão certos. Como pensar em qualidade de vida quando pequena parte do esgoto é tratada ainda que a concessionária tenha uma das maiores receitas de arrecadação com o fornecimento de água. Olhar o rio Passo Fundo, a partir da ponte, é ter a certeza do quanto estamos longe de uma preservação ambiental. Esse rio, que nasce tão perto, responsável maior pelo abastecimento de água urbana, transforma-se num mero canal de esgoto. A insensatez (ou falta de educação) da população não dá valor ao rio que deu nome a nossa cidade, e talvez por isso deposite nele tanto lixo, como essa enorme quantidade recolhida há poucos dias. É muito triste ver diariamente o Arroio Miranda, o outro rio que abastece a cidade, durante esse longo período de estiagem. Mais parecia um canal de esgoto, cujo cheiro desagradável poderia ser sentido a longas distâncias. Esperase que a nova estação de tratamento de esgoto próxima ao bairro São José resolva esse problema. A coleta seletiva de lixo ainda é pequena diante do volume de lixo produzido diariamente. Há um árduo trabalho de conscientização a ser realizado para que esse objetivo seja alcançado. Falar em realizar compostagem do lixo orgânico para

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uso desse adubo na produção de hortaliças é, no mínimo, uma temeridade quando ainda se colocam no lixo os termômetros de mercúrio quebrados, lâmpadas fluorescentes, pilhas, restos de medicamentos (antibióticos!), resíduos de inseticidas domésticos, para exemplificar. Os metais pesados contaminantes, em especial, como mercúrio, flúor, chumbo, cádmio, dentre outros, são extremamente nocivos à saúde humana, mesmo que em quantidades extremamente pequenas. Esses compostos poderiam ser usados apenas na adubação de essências florestais e longe de mananciais de água. É preocupante também a cada vez maior impermeabilização do solo urbano. Essa menor capacidade de infiltração da água da chuva gera uma excessiva quantidade de água de escorrimento. Como consequência, ocorrem inundações cada vez mais frequentes em dias de chuvas copiosas. Pobre gente que mora nas baixadas de nossa cidade, pois esse problema tende a se agravar. Não podemos nos confortar com as condições de nossas praças. A permissão de construção de prédios altos ao redor das praças tende a piorar essa situação. As árvores implantadas são praticamente todas heliófitas (requerem muito sol para crescer e viver) e, por isso, não toleram esse crescente sombreamento. Com certeza, cada vez mais árvores vão morrer, lentamente, em um futuro


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próximo, e terão que ser substituídas por espécies umbrófitas (adaptadas à sombra), mas de crescimento muito lento e sem a beleza das atuais. Aliás, em Passo Fundo, plantam-se muitas árvores pelas mais diferentes entidades. O problema é que, após fotos da cerimônia de plantio, das filmagens para televisão e da divulgação da notícia pelo rádio, ninguém vai colocar água e cuidar de formigas. A não ser que o objetivo seja termos praças como a praça de Igreja de Antônio de Pádua, na Itália (“eles não falam em Santo Antônio”), que não tem árvores, mas, dezenas de estátuas.

Cuidados com o ambiente A preocupação mundial com as questões da preservação do ambiente é cada vez maior. Os resultados de pesquisas mostram claramente o aquecimento global e as suas consequências nas mais diferentes dimensões. O alerta recente dos pesquisadores reunidos em Paris é um exemplo. A principal causa do aquecimento global devese ao acúmulo de gases, especialmente o gás carbônico, que é o produto principal da combustão da matéria orgânica e a liberação de energia. A maior contribuição de gás carbônico vem da degradação do ácido carbônico das águas de Oceanos e Mares, devido ao aumento da temperatura. Esse aquecimento cíclico das águas

possivelmente seja pelo aumento periódico das explosões solares. Quando as temperaturas são baixas, o gás carbônico do ar se combina espontaneamente com a água e forma o ácido carbônico nas águas. Quando essas águas aquecem, a reação é contrária e grandes quantidades de gás carbônico volta ao ar atmosférico. Mas, o acúmulo de gás carbônico no ar também é resultado da ação humana. Pelas grandes indústrias, pela combustão de derivados do petróleo pelos automóveis e pelas queimadas. Aqui reside a principal contribuição brasileira no aumento da quantidade de gás carbônico e no aquecimento global. E as queimadas ocorrem principalmente no Cerrado e na Amazônia. O aquecimento global tem como principal efeito o degelo e, consequentemente, o aumento do nível das águas dos mares e oceanos. Além da inundação de áreas litorâneas, a maior superfície de água líquida exposta ao sol aumenta a evaporação, o que origina os grandes e cada vez mais frequentes temporais. Outro problema, extremamente grave, é a destruição gradativa da camada de ozônio, que tem como consequência o aumento da radiação ultravioleta sobre a superfície da terra. Os raios ultravioletas são causadores do câncer de pele, razão do aumento desse problema entre nós. Entre as principais causas da destruição da camada de ozônio, estão os gases


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como brometo, cloro, CFC dos aerossóis ou sprays etc. O problema ambiental é muito grave e complexo; portanto, as soluções também são complexas e de efeitos demorados. O que não há dúvida é de que a preservação do ambiente é uma responsabilidade de todos, de qualquer região da Terra. Cada pessoa pode, de forma singela, colaborar para reduzir o aquecimento global e a redução da camada de ozônio. Por isso, quando a Igreja Católica desafia as pessoas a refletir sobre a Amazônia e a necessidade de sua preservação, ela está também proporcionando a todos uma oportunidade de reflexão sobre os problemas ambientais que estão tão próximos de cada um de nós. Uma reflexão que deve gerar mudanças de hábitos. Apesar de cada ação parecer simples diante do problema complexo, é exatamente da soma de ações que resultará a solução futura do problema. Exemplos de mudanças de hábitos que devemos ter: a) não queima do lixo ou restos vegetais no fundo do pátio; b) a segregação do lixo domiciliar; c) a economia de água; d) a substituição de desodorantes ou outros produtos tipo spray; e) a substituição do uso de recipientes de plástico por outros biodegradáveis ou vidros recicláveis; f) a manutenção de áreas com cultivo de plantas durante o ano, que são as únicas capazes de retirar o gás carbônico do ar; g) a não destruição da mata ciliar; h) a proteção de toda e qualquer nascente de rio; i) o não

revolvimento do solo das lavouras, pois isso acelera a degradação da matéria orgânica, liberando gás carbônico; j) a utilização cada vez mais do transporte coletivo em detrimento do automóvel; k) o controle da erosão do solo; l) a não poluição das águas dos rios. Portanto, usemos a distante Amazônia como moldura e procuremos resolver os problemas que estão próximos de nós. A fraternidade está na conscientização e ação coletiva.

Amazônia e agricultura Ao considerarem-se a extensão territorial e a enorme diversidade de espécies vegetais e animais lá existentes, a selva amazônica é a mais exuberante reserva florestal existente na face da Terra. A região amazônica também representa a maior reserva mundial de água doce de superfície. A grande preocupação do mundo inteiro é o desmatamento acelerado e ilegal que está ocorrendo. Em 2007, ocorreu o maior desmatamento de áreas já registrado. Estamos diante do contraditório: de um lado, a pressão de organizações internacionais que querem a manutenção da selva amazônica intacta; e, de outro, um desmatamento ilegal. Na verdade, essa região é a mais rica do mundo em termos de madeira, peixes, água doce,


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essências medicinais e de perfumaria, jazidas de ouro, prata, alumínio e outros metais. Cálculos feitos há alguns anos mostravam que o Brasil poderia pagar sua enorme dívida externa com a exportação de madeiras nobres, colhidas racionalmente e não por derrubadas irracionais e criminosas. Outra riqueza extraordinária é a exploração piscícola da região, que poderia fornecer a carne de peixe mais barata para brasileiros e para exportação. Para isso, deveria haver a implantação de uma logística quanto aos transportes rodoviário, fluvial, ferroviário e aeroviário. Hoje, árvores de altíssimo valor comercial simplesmente viram cinzas devido às queimadas. E quanto à reserva de petróleo dessa região? É incompreensível que, do lado da Venezuela, cuja divisa com o Brasil é meramente virtual, haja uma das maiores bacias de petróleo do mundo e, no lado brasileiro, não tenha petróleo. Por isso, numa região tão rica, não podemos nos conformar com políticas, geralmente vindas de fora do Brasil, que querem impedir a exploração racional dessas riquezas com vistas ao desenvolvimento das comunidades que lá vivem. O Deputado federal pelo Paraná Moacir Micheletto, falecido em 2012, engenheiro-agrônomo formado na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UPF, em 1973, lutou para que o Congresso Nacional aprovasse um projeto de exploração racional da Amazônia. Por meio

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desse projeto, haveria áreas de preservação permanente e outras onde seria permitida a “colheita de árvores” que tivessem um determinado diâmetro. Como a floresta intacta está em equilíbrio, pois atingiu o clímax de desenvolvimento, a retirada de uma árvore permitiria o crescimento daquelas que estavam à sua sombra e a floresta se recomporia. Com a legalização desses cortes, o Brasil poderia exportar essas madeiras nobres para Europa, o que geraria riqueza ao povo e divisas ao país. Hoje, como o desmatamento geralmente é ilegal, o mercado clandestino de madeiras do Brasil é combatido nos principais países desenvolvidos. Infelizmente, o colega Moacir Micheletto faleceu em 2012, sem ver seu projeto aprovado. Entretanto, esse projeto de lei não tramita no Congresso Nacional, pois é combatido por minorias radicais, especialmente as apoiadas por ONGs internacionais. Esses mesmos grupos não têm a eloquência para combater a comercialização de enormes áreas de terras amazônicas a grupos internacionais. E também não conseguem barrar o desmatamento indiscriminado que avança a cada ano que passa. Isso lembra uma expressão antiga: “quando se exagera no argumento, perde-se a discussão”. Manter-se na defesa de uma única forma de utilização dos recursos como os indígenas e impedir a utilização racional das riquezas lá


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existentes acabam gerando esses avanços, condenáveis sob todos os aspectos, do desmatamento.

Agricultura contribui com redução do efeito estufa A liberação desenfreada de gás carbônico na atmosfera em decorrência da Revolução Industrial é responsável pelo efeito estufa que está causando o aumento da temperatura global. Até o ano de 1850, os teores de gás carbônico na atmosfera mantinham-se constantes. Com a utilização crescente das fontes fósseis de energia, carvão e petróleo na indústria, veículos e residências, o carbono dos compostos orgânicos, armazenados a milhões de anos nas profundidades, entra em combustão e produz o gás carbônico. Os principais países emissores de gás carbônico são os Estados Unidos, Japão, China, Índia e Brasil. Apesar de o Brasil ser o quinto país mais poluidor do mundo, a emissão de gás carbônico representa menos de 10% daquele emitido pelos Estados Unidos. E a principal causa da emissão de gás carbônico pelo Brasil são as queimadas, que, em 2007, foram recordes. Com o aumento desses teores de gás carbônico na atmosfera, está se formando uma cortina gasosa na atmosfera que deixa passar os raios

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solares, mas reduz a saída de raios infravermelhos. A retenção desses raios impede a saída do calor e, dessa forma, está ocorrendo um lento, mas progressivo, aumento da temperatura. Esse aquecimento global já está causando mudanças climáticas significativas em várias regiões do mundo, especialmente, o degelo na Antártida. Por essa razão, o mundo busca implementar ações para redução da emissão de gás carbônico desde a Eco 92, realizada no Rio de Janeiro, e também formas de aumentar a retirada desse gás tóxico da atmosfera. Existe apenas uma forma de retirar esse excesso de gás carbônico da atmosfera: por meio da fotossíntese realizada pelas plantas. Os vegetais, por esse processo, utilizam a água absorvida do solo e o gás carbônico absorvido do ar para a síntese dos mais diversos compostos orgânicos que constituem a biomassa. Por isso, grandes projetos estão sendo desenvolvidos visando ao plantio de árvores em áreas que, por alguma razão, estão desmatadas. Cada vez que um agricultor plantar árvores em áreas ociosas, como na beira de estradas, rios, riachos, cercas etc, ele estará contribuindo com a fixação ou sequestro de carbono. Entretanto, a maior contribuição da agricultura para a redução do aquecimento global é o aperfeiçoamento do sistema de semeadura direta. Quanto


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mais tempo a lavoura estiver ocupada com culturas, estas estarão assimilando gás carbônico do ar e formando biomassa. E, quanto mais palha for produzida, aumenta-se o teor de matéria orgânica, que, além de promover a melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo, estará evitando que o gás carbônico retorne imediatamente ao ar. Como estamos utilizando cultivares de soja e milho cada vez mais precoces e realizando a semeadura do trigo cada vez mais tarde, devido a sensibilidades dos cultivares disponíveis às geadas, observa-se um vazio outonal cada vez mais longo. Se, desde março/abril (colheita de soja superprecoce e milho) até junho (época indicada para semeadura de trigo, cevada e outros cereais de estação fria), o solo ficar descoberto, haverá a decomposição dos restos culturais pelos microrganismos. Portanto, o carbono fixado na matéria orgânica é liberado ao ar na forma de gás carbônico, contribuindo com o efeito estufa. Para evitar esse efeito, devemse colher a cultura de verão e imediatamente implantar uma cultura de cobertura do solo ou adubo verde. Para o desenvolvimento dessas culturas, elas irão assimilar o nitrogênio e o gás carbônico liberado pela decomposição da palhada da cultura anterior. Antecedendo ao cultivo das culturas de inverno, a decomposição dessa palhada recicla os nutrientes para a cultura

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econômica.

Código Florestal e agricultura O Congresso Nacional aprovou, em 2012, um novo Código Florestal (Lei federal nº 4.771/65) para o país. O Código que estava em vigor foi aprovado em 1965. Para entendê-lo, é preciso considerar o contexto no qual foi aprovado. A década de 1960 foi marcada pela intensa mecanização da agricultura, com o aumento crescente do cultivo de trigo, soja, milho e outras culturas. Todo o preparo do solo era o convencional, com arações profundas, várias gradagens, além de outras mobilizações do solo como escarificações, uso de capinadeiras, gradilhas etc. Esse sistema de cultivo provocava a erosão do solo, com perdas, estimadas pela pesquisa, de até 150 toneladas de terra por hectare/ano. Essa erosão causava o empobrecimento dos solos da lavoura e, em consequência, o assoreamento de fontes, rios, açudes, lagos e outros mananciais. Nessa situação, foi elaborado um Código Florestal com vistas ao controle do desmatamento indiscriminado, especialmente a preservação das matas ciliares. E, para evitar que aquela enorme quantidade de terra fosse arrastada


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das lavouras pelas enxurradas provocadas pela chuva, estabeleceuse um largura mínima de 30 m e 50 m ao redor de fontes. A grave degradação dos solos fez com que fosse elaborado o primeiro Código de Uso do Solo do Brasil, em 1979. A proposta foi elaborada por uma comissão coordenada pelo professor Loreno Covolo, da UFSM, da qual tive o prazer de participar, tendo ainda como membros Carlos Alberto Foschiera (Ministério da Agricultura); Clóvis Severino Alves, Delvino Nolla, David Dias da Cunha e Renato Zenker (Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul); Elemar Cassol (UFRGS) e os professores Arleu Machado, Antônio Carlos Brum e Luiz Fernando Vinadé (UFSM). Na elaboração do Código de Uso do Solo, levamos em consideração, além do Código Florestal, também o Código da Água. A proposta elaborada foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Depois o exDeputado santa-mariense Nelson Marchezan propôs e conseguiu aprová-la na Câmara Federal. Com a adoção, quase por 100% dos produtores, do sistema de plantio direto, a erosão é controlada quase que totalmente. Portanto, desapareceu também o grave problema dos assoreamentos de mananciais hídricos. Se essa comissão elaborasse uma nova proposta hoje, evidentemente ela seria muito diferente, pois a situação é completamente diferente. Mas, o pior dessa nova legislação é o fato de que o agricultor precisa delimitar por meio

de georeferenciamento a área e averbá-la, às suas custas. Isso, na prática, significa que o produtor vai passar, de graça, 20% da propriedade que adquiriu (às vezes com muito sacrifício) ao G overno. Na prática, é uma desapropriação gratuita da terra. Caso todos tenham que colaborar com a questão ambiental, e considerandose a igualdade constitucional, as indústrias e as propriedades urbanas, que mais poluem as águas com seus efluentes, deveriam também averbar 20% de seu patrimônio. Além de não ser mais sua, pois a área foi averbada ao Governo, fica responsável pela sua conservação.

Devagar, que estou com pressa! Li certa vez, em uma biografia sobre o grande Rui Barbosa, que, quando ele tomava um táxi, imediatamente ordenava ao seu motorista: “ande devagar que estou com pressa. Preciso chegar.” Caso essa frase fosse lembrada por todos os motoristas, certamente teríamos menos acidentes de trânsito. Mas ela se aplica também na agricultura regional, onde a alta velocidade na semeadura causa “acidentes”. Lembrei-me dessa frase ao observar muitas lavouras de milho cultivadas na região. A cultura do milho desempenha um papel fundamental em nosso sistema de


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produção dos pontos de vista econômico e agronômico. Considerando que a maioria das lavouras é semeada praticamente na mesma época, com a utilização predominante de híbridos precoces ou superprecoces, também entram em floração praticamente na mesma época. A redução da área de cultivo de milho deve-se principalmente ao medo dos produtores quanto aos riscos climáticos. A cultura do milho necessita aproximadamente da metade da água para formar a mesma unidade de matéria seca, quando comparada à soja. Entretanto, o milho é extremamente sensível à deficiência hídrica quando esta ocorre no período de q u i n z e dias antes e quinze dias após a floração. Esse dano na floração é menor na cultura da soja. Como não temos como interferir nas condições climáticas, há a necessidade de, estrategicamente, utilizar práticas de manejo da cultura para evitar esse estresse, por meio da irrigação ou tentativa de reduzir os riscos. Essas estratégias são mais importantes, porque a área irrigada de milho no Rio Grande do Sul ainda é pequena. As principais práticas de redução de riscos por estresses hídricos em milho são a diversificação de híbridos, com diferentes ciclos, e a semeadura em diferentes épocas. Ao se analisar o ciclo dos híbridos de alto potencial de rendimento disponíveis, verifica-se que, entre o mais precoce e o mais tardio, há um diferença de até

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quarenta e cinco dias no subperíodo da emergência à floração. Na maioria das regiões do Rio Grande do Sul, é rara uma estiagem total superior a quarenta e cinco dias. De outro lado, há uma concentração excessiva da semeadura do milho na mesma época. Quando analisa-se o rendimento dos cultivares de milho na região durante mais de cinco anos, observa-se que a época de semeadura ideal em nossa região se estende de agosto a outubro. Assim, diversificando cultivares com diferentes ciclos e semeados em diferentes épocas, divide-se o risco da uma estiagem coincidir exatamente no período da floração de toda a lavoura. Além do cultivo de 100% da lavoura no cedo e a utilização predominante de híbridos precoces, a pressa de semeadura também causa uma distribuição desuniforme de plantas. Para uma semeadura adequada do milho, a velocidade não deveria ser superior a 3 km horários. Por essa razão, é muito comum observarem-se três ou quatro plantas de milho praticamente juntas e um espaço de quase 1 m linear sem nenhuma planta. O excesso de plantas gera uma competição entre elas, e as dominadas, apesar de competir por água e nutrientes, não produzem espigas. Essa desuniformidade na distribuição de plantas é uma das principais diferenças entre lavouras de alto rendimento e outras de baixo de rendimento, com lavouras de milho cultivadas praticamente nas


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mesmas condições de solo e clima. A pressa em rapidamente implantar a lavoura de milho é uma das causas do aumento de risco e da redução do potencial de rendimento da cultura. Como no trânsito, é melhor na semeadura do milho andar devagar.

La Niña e a agricultura da região! A região Sul do Brasil caracteriza-se pela instabilidade climática, que é fortemente influenciada pelos fenômenos “El Niño” e “La Niña”, que dependem, principalmente, da temperatura das águas do oceano Pacífico equatorial (litoral do Peru). Quando a temperatura dessas águas está 1º C acima da temperatura média, temos o fenômeno “El Niño”. Sua influência sobre o sul do Brasil caracteriza-se por um inverno mais curto, de temperaturas mais elevadas, primavera chuvosa e pouco ensolarada. O que não é uma boa condição climática para as culturas de inverno, como trigo, cevadacervejeira, aveia-branca, canola etc, mas são geralmente as melhores condições para o desenvolvimento das culturas de verão como milho, feijão e soja, com obtenção de recordes de rendimento. Caso a temperatura dessa água estiver 1º C abaixo da média, temos o fenômeno denominado “La Niña”. De

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maneira geral, a sua influência na região caracteriza-se por um inverno mais longo e com temperaturas mais baixas, uma menor precipitação e umidade relativa do ar, e uma primavera ensolarada. Essa é uma condição ideal para o desenvolvimento das culturas de inverno. Entretanto, sob a influência de “La Niña”, há maior probabilidade de ocorrerem estiagens que afetam as culturas de verão. De 1950 a 1975, predominaram anos com maior frequência de temperaturas abaixo da média, caracterizando o fenômeno La Niña. Já a partir de 1975 a 2010, há maior frequência de anos com temperaturas acima da média, caracterizando o fenômeno El Niño. A partir de dados meteorológicos coletados na Embrapa Trigo de Passo Fundo, observa-se que, de 1992 a 2012, choveu em média 200 mm/ano a mais do que na média histórica de precipitação na região. Mesmo considerando que esses prognósticos não são absolutamente precisos, eles devem ser considerados, pois a probabilidade de acerto nas previsões é cada vez mais alta. E, diante de um futuro climático incerto, a estratégia é prevenir-se com a adoção de tecnologias de manejo que possam minimizar os problemas de escassez de chuva no verão. Em relação ao cultivo da soja, a primeira estratégia é diversificar com cultivares com diferentes ciclos. O cultivo dos cultivares


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superprecoces e precoces terá uma menor condição de crescimento quando ocorre a falta de chuva e florescerão mais cedo. Temperaturas acima de 30o C, no mínimo por três dias seguidos, associadas ao estresse hídrico, promovem a indução floral das plantas de soja sempre que tiverem mais de vinte e oito dias de desenvolvimento após a emergência. O principal componente do rendimento da soja é o número de vagens por planta. Esse componente depende do número de axilas foliares formados, pois, em cada axila, haverá a formação de rácimos florais. Quando a planta não cresce e não ramifica, e ainda é induzida a floração mais cedo, além do menor número de vagens, ainda terá uma baixa inserção das mesmas, o que representa uma significativa perda na colheita. Também é importante utilizar cultivares de hábito de crescimento indeterminado, pois, à medida que se inicia o período de floração, ainda crescem. Essa estratégia divide riscos de pequenas estiagens. Nas lavouras onde o sistema de semeadura direta é conduzido de forma correta, com uma produção de, no mínimo, 9 a 12 toneladas por hectare de palha por ano, esses problemas serão minimizados. Isso ocorre, porque a matéria orgânica é o fator mais importante para condicionar fisicamente o solo, aumentando a capacidade de retenção de água da chuva. A maior cobertura com palha também reduz significativamente a evaporação da água do solo, processo que se

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intensifica nos meses de dezembro e janeiro por serem os meses mais quentes do ano. Manejo de culturas para minimizar efeitos de estiagens. A diversificação de culturas é fundamental para a sustentabilidade da produção e a renda da propriedade. Essas culturas devem ser inseridas em um sistema de rotação de culturas. Além de diversificar culturas, é preciso diversificar cultivares com diferentes ciclos e diversificar épocas de semeadura, pois propicia o florescimento e a formação de grãos em diferentes épocas. Assim, há uma redução dos riscos climáticos. Para prevenirem-se os efeitos de estiagens, é de fundamental importância aplicar tecnologias de manejo que promovam maior enraizamento das culturas. Quanto maior o sistema radicular, maior é o contato com o solo, o que propicia uma absorção mais eficiente de água e nutrientes. Um melhor enraizamento das culturas como soja e milho, visando a altos rendimentos, depende de: a) descompactação do solo; b) fornecimento de nutrientes na semeadura, como nitrogênio, enxofre, boro, fósforo e cálcio; c) somente realização da semeadura em condições adequadas de água no solo; d) realização da dessecação da área com, no mínimo, 14-16 dias antes da semeadura; e) tratamento de sementes com fungicidas e inseticidas, para s e evitar a perda de raízes provocada por


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pragas e patógenos de solo; f) uso de bioativadores ou reguladores vegetais, que apresentam citocininas e auxinas, ou aminoácidos precursores desses fitohormônios, essenciais para um bom enraizamento; g) inoculação das sementes com inoculantes de qualidade e com proteção das bactérias fixadoras dos inseticidas e fungicidas; h) tratamento das sementes ou aplicação junto com o glifosato, no estádio V3, de molibdênio e cobalto. Como a formação de raízes é prioridade no desenvolvimento da soja e milho até o estágio V5 (quinta folha), toda a tecnologia deve ser aplicada no tratamento de sementes ou logo após a emergência. A partir do estádio V5, a prioridade da planta passa a ser o crescimento da parte aérea, especialmente a formação de ramificações (engalhamento). A partir do início da floração (R1), a prioridade passa ser a reprodução e a formação de grãos. Em relação ao milho, deve-se dar preferência por híbridos adaptados ao clima temperado, pois a germinação terá que ocorrer em solos com temperaturas mais baixas.

Florestas e água No dia 21 de março, comemorase o Dia Internacional das Florestas. Em setembro, comemora-se o Dia da Árvore ou, como acontece em vários locais, a Semana da Árvore. Já no dia 22 de março, comemorou-

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se o Dia Internacional da Água. Coincidência ou não, a proximidade das comemorações dessas duas datas tem um grande significado como instrumentos de conscientização da população para a preservação do ambiente. As matas são os principais ambientes que conseguem absorver uma grande quantidade de águas das chuvas, evitando-se a erosão do solo ou a enxurrada. A água infiltrada mantém as fontes, que, por sua vez, dão estabilidade aos córregos, riachos e rios. Por essa razão, o Código de Uso da Água estabelece que, nas áreas mais declivosas, devemos manter a cobertura com árvores. Outro aspecto de fundamental importância é a preservação das matas ciliares, ou seja, as matas nativas que se estabeleceram nas margens dos rios. Quando a humanidade preocupa-se cada vez mais com as questões tão atuais do aquecimento global e das suas consequências, o plantio de árvores torna-se cada vez mais importante. Há somente uma maneira de tirar o gás carbônico do ar, causador do efeito estufa: o processo da fotossíntese realizado somente pelos órgãos verdes da planta, especialmente, as folhas. O cultivo de árvores, que crescem continuamente durante muitos anos, representa uma significativa redução do gás carbônico e seu sequestro na forma de compostos orgânicos. Além de as plantas retirarem o gás carbônico de ar, elas devolvem oxigênio. Por e s s e


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m o t i v o , a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece uma área verde mínima por habitante a fim de realizar-se a descontaminação do ar. Por essa razão, é incompreensível que as autoridades municipais não obriguem a implantação de praças e de áreas verdes nos novos loteamentos, atendendo aos princípios legais e ao compromisso com a qualidade de vida da população. As árvores também absorvem grandes quantidades de água líquida a partir do solo. Essa água circula até a parte aérea arrastando consigo os nutrientes essenciais às plantas, também absorvidos da solução do solo. O excesso de água é evaporado e devolvido à atmosfera na forma de vapor de água pelo processo denominado “transpiração”. Como a evaporação é um processo que requer calor (como se fosse evaporar a água da chaleira), quanto mais a planta transpira, maior é quantidade de calor eliminado do ambiente. Essa é razão por que as sombras de árvores são tão agradáveis e incomparáveis com qualquer outra sombra. Mas a árvore pode contribuir com todas essas características e ser explorada comercialmente. É preciso unir a questão ambiental com a questão econômica. Nem a destruição criminosa das áreas de preservação obrigatória, nem a proibição completa em determinadas áreas, desde que sejam obedecidos os princípios legais e a técnica disponível. Sem árvores colhidas, não haverá madeira para papel,

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construção de casas, móveis, aberturas, lenha e carvão. A cadeia da madeira gera milhares de empregos, renda e tributos.

Fogo: que triste herança dos trogloditas O fogo foi o principal método desenvolvido pelos povos primitivos a partir do atrito de pedras para dominar a natureza. As chamas, altamente destruidoras e de forma rápida, permitiam, então, o cultivo dessas terras com vistas à produção de alimentos. Como fato histórico, trata-se efetivamente de uma extraordinária descoberta na Antiguidade e que, por muitos e muitos anos, foi adotado como principal meio para preparo das áreas para cultivo. Paulatinamente, o homem foi desenvolvendo outros métodos de dominação da natureza, como o arado pelos chineses, e o fogo foi perdendo importância. Quando o Brasil foi descoberto, os índios ainda tinham no fogo a principal arma de dominação da natureza. Mesmo os europeus, quando aqui se estabeleceram, realizavam a derrubada da mata, e a limpeza da área era realizada com o uso do fogo. Quando se iniciou o cultivo de trigo em nossa região, na década de 1950, e as primeiras epidemias de moléstias dizimavam a cultura


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em determinados anos, recomendava-se a queimada da palhada para reduzir a fonte de inóculo. Lembro-me dos cartazes que eram distribuídos nos clubes e nas igrejas. Mesmo quando já havia outras tecnologias disponíveis de controle das moléstias, o nosso agricultor havia se acostumado com o fácil recurso do fogo e, imediatamente, após a colheita do trigo, aquela exuberante palhada era queimada. Estávamos ainda sob o cultivo convencional, e a alta quantidade de palha dificultava a aração e a semeadura da próxima safra. Com o advento da semeadura direta, essa palhada passou a ser o principal aliado do produtor com vistas à melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo e, por consequência, o aumento do rendimento das culturas. Com isso, e graças à permanente pressão dos agentes de assistência técnica, o fogo praticamente foi banido de nossas lavouras. No entanto, nas pastagens naturais, ainda continua a triste cultura de, a cada ano, realizar a queimada do campo. Toda a matéria orgânica que poderia ser reciclada pelos microrganismos é destruída pelo fogo, e vários nutrientes essenciais são sublimados e liberados no ar. Trata-se do mais eficaz meio para, de forma de lenta e paulatina, reduzir a capacidade produtiva das pastagens nativas. No Cerrado brasileiro, ocorre o mesmo. Quando as pastagens crestam no inverno devido à seca,

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iniciam-se as queimadas. O método poderia ser perfeitamente substituído pela roçada anual e, assim, ao conservar-se a matéria orgânica, propiciar o rebrote das forrageiras. O problema é tão sério que rotas de aviões são alteradas devido à fumaça. O fogo é, no Brasil, a principal causa da emissão de gás carbônico no ar atmosférico e contribui com o efeito estufa. Quando a Skilab sobrevoou o Brasil pela primeira vez, numa segunda-feira de madrugada, ao avistar mais de cento e cinquenta mil incêndios no Brasil central, o astronauta teria feito o seguinte comentário à base: “o brasileiro levanta cedo na segunda-feira para por fogo no seu país”. Portanto, parece que o gene do fogo (“piromania”) continua muito ativo entre as pessoas, mesmo quando vivemos a moderna Era do Conhecimento. É incompreensível que pessoas que têm elevado nível de ensino, com carros modernos, parem os mesmos na beira da estrada tão somente para pôr fogo na macega. Na verdade, essas pessoas têm ensino, mas não têm a mínima educação. Além da destruição absolutamente desnecessária dessa macega, o fogo e a fumaça são causas muito prováveis de acidentes automobilísticos, especialmente à noite. Mas o maior perigo é que, com a implantação do sistema de semeadura direta, esse fogo das margens de estradas invade as lavouras e destrói o que há mais


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importante para sua sustentabilidade, que é a palha.

Geadas e agricultura A formação de geadas é um fenômeno meteorológico muito comum em nossa região, pois ocorre praticamente em todos os anos. Em alguns anos, sua intensidade é maior devido ao efeito do fenômeno “La Niña”; em outros anos, sua intensidade é menor, devido à influência do fenômeno “El Niño”. Mesmo em anos de transição entre “La Niña” e “El Niño”, é frequente, ao longo dos anos, que tenhamos ao mesmo tempo dias com temperaturas muito elevadas (os veranicos de inverno), seguido de períodos com temperaturas muito baixas. Se formos analisar os registros meteorológicos históricos de Passo Fundo, percebe-se, com muita clareza, que, até o dia 20 de setembro, é muito frequente a ocorrência de geadas na região. Por isso, no planejamento de uma lavoura, deve-se ter cuidado na escolha de cultivares e de épocas de semeadura para não colocar 100% da lavoura em risco, quando o florescimento ocorre todo na mesma época e no início de setembro. Diga-se, de passagem, que as geadas são muito bem-vindas na agricultura, desde que ocorram na época certa. Muitas frutíferas necessitam de frio para que ocorram a quebra da dormência e uma florada

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uniforme, com vistas à obtenção de altos rendimentos. Para os cereais de inverno, as geadas nos estádios iniciais de desenvolvimento também são benéficas, pois, além de as plantas serem mais tolerantes ao frio, observam-se um aumento do afolhamento e uma menor incidência de pragas e moléstias. No entanto, na ocorrência de geadas quando os cereais como trigo, cevada, aveia, triticale e centeio já estiverem no estádio de elongação, e especialmente após a emergência da espiga ou panícula, os danos podem ser elevados. O problema se agrava quando temos no inverno períodos de alta temperatura, que aceleram o desenvolvimento das culturas, o que aumenta o risco das geadas de setembro. Outro aspecto importante dos efeitos da geadas sobre as culturas está relacionado ao grau de umidade das plantas. Enquanto as plantas na região apresentavam estresse hídrico devido à estiagem, os danos das geadas ocorridas eram menor, porque, quanto maior a concentração interna da seiva, o dano por geadas somente ocorre em temperaturas muito baixas, fato raro entre nós. Mas, quando ocorrem chuvas normais, deixando as plantas túrgidas, com temperaturas um pouco abaixo de zero grau, já se pode determinar a morte dos tecidos vegetais, acarretando-se prejuízos no rendimento. Essa propriedade é universal, pois, para cada um molar de aumento da concentração interna da


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seiva, ocorre um abaixamento do ponto de congelamento de –1,86º C. Portanto, em uma planta cuja seiva apresenta uma concentração de 2 molares, a morte dos tecidos somente ocorre com temperaturas abaixo de –3,72º C. Por essa razão, em culturas bem supridas de nutrientes, especialmente, com alta disponibilidade de potássio, os danos por geadas são menores. Isso se deve ao fato de as plantas terem a capacidade de absorver quantidades de potássio muito superiores às suas necessidades, sem causar toxidez às plantas. Essa maior concentração da seiva aumenta a tolerância das plantas às geadas. Por essa razão, muitas vezes geadas de grande intensidade não causam danos às plantas, ao passo que, em outras ocasiões, geadas de menor intensidade podem determinar danos maiores.

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A biotecnologia na agricultura Soja transgênica: o medo do novo Apesar de o Brasil ter uma lei que disciplina a questão da biossegurança, incluindo também a soja transgênica, os agricultores ainda não têm liberdade total para produzi-la. O novo caso dessa longa novela é a proibição pelo Ibama de plantio de soja transgênica em áreas de até 10 km de distância de reservas florestais. Parto sempre do princípio de que, mesmo não concordando com as leis, só temos duas atitudes a tomar diante delas: respeitá-las enquanto estiverem em vigor e atuar fortemente junto a quem tem o poder mudá-la. Dos pontos de vista científico e tecnológico, essa proibição não tem nenhuma justificativa. Parte-se do pressuposto de que os genes RR da soja poderiam contaminar outras plantas ou animais (os animais silvestres daquela reserva florestal, por exemplo) e, assim, gerar algum problema. Na verdade, a transmissão desses genes da soja somente seria possível com outra espécie silvestre de soja, o que não ocorre entre nós. Ora, todos os dias, quando nos alimentamos com produtos de origem vegetal ou animal, estamos

na verdade ingerindo os genes presentes nesses seres vivos. Mas nem por isso eles interferem em nosso organismo. Quando comemos uma folha de alface, uma maçã, arroz, carne, leite etc, estamos ingerindo os genes dessas espécies, o s q u a i s , no nosso tubo digestivo, são degradados, e mantemos obrigatoriamente nossa estrutura genética. Imagine se nosso organismo pudesse ser modificado geneticamente de acordo com o alimento que ingerimos. Há mais de 6 bilhões de pessoas no mundo e cada uma tem uma constituição genética absolutamente individual. Aliás, se não fosse assim, não teria nenhuma validade um teste de DNA para confirmação de paternidade. A vítima poderia defender-se exigindo um exame em todos os homens, o que é cientificamente desnecessário. Justificam-se as medidas restritivas à soja transgênica em nosso país utilizando-se como absoluto o princípio da precaução. Esse princípio é necessário na investigação para que efetivamente chegue à mesa do consumidor um alimento que não cause problemas à saúde. Mas quando há evidências científicas suficientes que comprovam a segurança do alimento, não há mais razão para o medo. É lógico, que “em Biologia não existe risco zero”. Mas, se esse


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princípio for tomado em termos absolutos, deveriam ser proibidos muitos medicamente e alimentos ingeridos diariamente, pois sabidamente eles têm efeitos colaterais. No entanto, diante de um problema, o médico calcula os riscos e benefícios e os recomenda como alternativa para salvar uma vida. De outro lado, as pessoas têm alergia a esse ou aquele alimento, mesmo sendo absolutamente natural e orgânico, como ao glúten do trigo, ao leite, ao tomate, ao limão, ao pêssego, apenas para citar alguns exemplos. O Food and Drug Administration (FDA), do Ministério da Saúde dos Estados Unidos, é o órgão internacionalmente considerado referência na indicação de medicamentos e de alimentos seguros para a saúde humana graças a seu rigor. Certamente, quem tem um familiar doente e desenganado não teria nenhuma dúvida em buscar nos Estados Unidos da América uma nova droga recentemente aprovada pelo FDA para controle dessa grave enfermidade. No entanto, no caso de soja transgênica, mesmo que esteja sendo cultivada em 36 milhões de hectares e consumida por milhões de pessoas desde 1991, a aprovação de seu consumo pelo FDA não é aceita, exigindo-se que, no Brasil, haja testes para sua comprovação. Há, evidentemente, uma intenção manifesta de prolongar essa interminável discussão. E as causas são a lamentável mistura que foi

feita em relação à soja transgênica entre o conhecimento científico/tecnológico e a ideologia política e até mesmo o fanatismo religioso. Como “o território conquistado pelo intelecto é o mais difícil de ser reconquistado”, a discussão é contínua, mesmo diante de evidências científicas. É da cultura do ser humano o medo do novo. Foi assim nos manifestos contra a vacina no Rio de Janeiro quando se pensava que “os americanos querem contaminar as pessoas injetando o vírus da doença”; do uso da pílula anticoncepcional pela mulher: “querem esterilizar a mulher brasileira para que a população não cresça”; do uso do calcário nos solos ácidos da região: “vai diminuir o manganês nos alimentos vegetais e reduzir a fertilidade humana”, entre outras. Felizmente, a história testemunha que, com o passar do tempo, as evidências se sobrepõem ao empirismo, e os dogmas ficam no passado. Esperemos que o bom senso prevaleça também nessa questão.

Finalmente, uma lei para transgênicos? De 1989 a 2005, o Brasil discutiu uma nova lei que regulamentasse a pesquisa, a produção e a comercialização de


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produtos vegetais e animais obtidos por meio da biotecnologia, os denominados organismos geneticamente modificados (OGM). E já o fazia com atraso, pois os países mais desenvolvidos já haviam regulamentado essa questão há muitos anos. No Brasil, o tema foi tratado de forma lenta, pois o jogo político é muito influenciado por pressões de grupos ambientalistas, os quais, geralmente, defendem interesses internacionais e não atendem aos verdadeiros interesses do povo brasileiro. O Brasil já havia criado a CNT - Bio (Comissão Nacional de Biossegurança), constituído por oito cientistas com experiência nessa área e mais três representantes da sociedade. Em 1995, foi assinado um decreto que regulamentava os organismos geneticamente modificados (OGM) em nosso país. No entanto, demandas judiciais impediram do ponto de vista legal o cultivo e a comercialização de soja transgênica em nosso país. Os agricultores gaúchos buscaram os seus interesses e introduziram da Argentina as sementes de soja transgênica, lá produzidas livremente. Essa soja transgênica produzida no Rio Grande do Sul desde 1996 era comercializada livremente e seus subprodutos chegaram à mesa dos consumidores de forma direta (óleos e margarinas) e de forma indireta na carne de suínos, frango, leite e ovos, cujos animais são alimentados basicamente de milho e farelo de

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soja. De 1998 a 2002, o governo do Estado deliberadamente combateu o cultivo de transgênicos no Rio Grande do Sul com a proposta de tornar o estado livre dessa tecnologia. Mas a área de cultivo só aumentou entre pequenos, médios e grandes produtores, inclusive nos assentamentos e áreas indígenas devidos às múltiplas vantagens. Um verdadeiro absurdo. A utilização de culturas transgênicas no mundo evoluiu de 1,7 milhões de hectares em 1996, para mais de 153 milhões de hectares na safra 2011. Se as políticas propostas tivessem prosperado no Rio Grande do Sul e talvez no Brasil, eles tivessem sido alijados desse avanço técnicocientífico.

O descaso com a soja A soja é a principal cultura brasileira, seja quanto à área cultivada, seja quanto à quantidade produzida. É, também, a nossa principal cultura geradora de divisas de exportação, cujo mercado é crescente e, num futuro bem próximo, o Brasil, além de ser o principal exportador mundial, será também o primeiro produtor, na ordem de 82 milhões de toneladas, na safra 2012/2013. Em busca de competitividade, os produtores, especialmente os gaúchos, introduziram da Argentina a soja transgênica, que hoje representa mais de 90% do total da


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área cultivada no Estado. Essa soja transgênica, motivada pelo menor custo de produção e aumento da rentabilidade, também está sendo cultivada no Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul. A lei aprovada pela Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2003, de forma nenhuma resolveu a questão, pois o substitutivo apresentado pelo relator Aldo Rebelo foi modificado para pior e aprovado um novo substitutivo para atender somente aos interesses da então Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Essa lei aprovada pela Câmara dos Deputados foi para o Senado. A comissão designada modificou para melhor a proposta da Câmara, praticamente retornando à versão do substitutivo que havia sido proposto no final de 2003 pelo então relator, e hoje Ministro do Esporte, Aldo Rebelo.

Nova lei de biossegurança Depois de uma longa negociação, finalmente em 2005, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.401/2003, que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvem organismos geneticamente modificados e seus derivados. Foi acatada no Senado (pelo relator senador e engenheiroagrônomo Osmar Dias) e na Câmara

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dos Deputados a minuta inicial do parecer do Deputado Aldo Rebelo. O referido projeto havia sido encaminhado pelo Presidente Lula em outubro de 2003, após uma demorada busca de consenso sobre o assunto entre os ministros ligados à área. Na Câmara federal, foi criada uma comissão especial para tratar do assunto, tendo como relator o Deputado Aldo Rebelo, do PC do B, Líder do Governo Lula na Câmara dos Deputados. Lamentavelmente, apesar de ser uma lei de biossegurança para todas as áreas e culturas, a maior parte da discussão envolveu apenas a questão da soja transgênica. Depois de mais de 200 horas de audiência, o relator, Deputado Aldo Rebelo, apresentou um substitutivo ao projeto do governo, alterando substancialmente a proposta original. Essa proposta, apesar de ser um pouco burocratizada, foi referendada tanto pelas diferentes sociedades científicas brasileiras, bem como pelos representantes dos produtores rurais. Mas esse parecer contrariava interesses da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e aos ambientalistas, liderados pelo Greenpeace e MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. No entanto, como o D eputado Aldo Rebelo assumiu o Ministério da Coordenação Política, foi designado como novo relator o Deputado Renildo Calheiros, também do PC do B. Após várias reuniões de busca de consenso, o relator apresentou um parecer que


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atendia à Ministra Marina Silva. Assim, a nova lei aprovada, apesar de ser muito melhor do que a proposta original, enviada pelo Executivo, tirou da competência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CNTBio a liberação da produção e da comercialização de organismos geneticamente modificados, como, por exemplo, a soja transgênica. Pela proposta do Deputado Aldo Rebelo, essa função também seria da CNTBio, pois, dos 27 membros dessa comissão, apenas 12 seriam cientistas e os demais membros representantes de diversos órgãos e ministérios, inclusive o do Meio Ambiente. Assim, o princípio da precaução estabelecido no art. 225 da Constituição Federal estaria atendido. Em troca dessa exigência do Ministério do Meio Ambiente, o cultivo de soja transgênica foi prorrogado por mais um ano, sendo permitida a comercialização até janeiro de 2006, o que diminui a angústia dos produtores rurais da região. Diante de uma vazio jurídico, chegou-se a exigir “o licenciamento ambiental pelo Ibama” para plantio de soja transgênica. De outro lado, a nova lei inibia que empresas privadas possam investir no Brasil no desenvolvimento de cultivares ou outros produtos pela biotecnologia, pois, mesmo sendo aprovado o projeto pela CNTBio, correrá o risco de não ser autorizada a comercialização pelo Ibama, que é órgão do Ministério do Meio

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Ambiente. A outra mudança substancial que o novo relator introduziu no seu parecer foi a proibição do uso de células embrionárias como célulastronco para clonagem com finalidade terapêutica, atendendo à bancada evangélica do Congresso Nacional e a alguns segmentos da Igreja Católica. A nova lei, na maioria absoluta de seus artigos, é inovadora, porém, apresentava um viés burocrático que poderia impedir que o Brasil se desenvolvesse nesta área e ficasse à mercê de tecnologias produzidas no exterior e pelas quais pagaremos royalties.

Cultivo de milho transgênico está liberado Depois de várias demandas judiciais, finalmente, está liberado o cultivo de alguns cultivares de milho transgênico no Brasil. Apesar de o Brasil ter uma lei regulamentando o desenvolvimento e uso de biotecnologias desde 1995 (Lei nº 8.974/95), a sua legalidade foi questionada por demandas judiciais. Por muitos anos, uma nova lei foi debatida pela sociedade brasileira e aprovada somente em 2005 (Lei nº 11.105), denominada de Lei de Biossegurança, aprovada por 94% dos senadores e 86% dos deputados federais. No entanto, somente em 2007, a CNTBio, a comissão que recebeu a


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responsabilidade técnica na Lei de Biossegurança de apreciar os processos referentes à liberação de projetos de pesquisa, cultivo e uso de produtos geneticamente modificados, aprovou o cultivo dos primeiros híbridos de milho no Brasil. Mas, devido a uma decisão judicial, o cultivo foi proibido em todo o território nacional, em 2007. Essa decisão da Justiça foi derrubada há poucas semanas, por um desembargador, em Brasília, permitindo de forma definitiva o cultivo dos cultivares de milho previamente aprovados pela CNTbio. No dia 6 de fevereiro de 2008, o Diário Oficial da União publicou a liberação do cultivo de alguns cultivares de milho transgênico em todo o Brasil. Na verdade, essa decisão brasileira já vem muito atrasada em relação aos outros grandes países produtores de milho, como os Estados Unidos da América, Argentina e Paraguai. Uma das características dos híbridos de milho agora liberados é a presença do gene BT, que confere resistência à lagarta do milho. Esse gene de resistência foi transferido de uma bactéria, denominada Bacillus thuringensis, daí a sigla BT. Essa bactéria foi, por muitos anos, utilizada no controle natural da lagarta da soja como alternativa ao uso de inseticidas. Trata-se de uma bactéria, presente nas lagartas mortas e coletadas na lavoura e tão natural e inofensiva que era guardada pelos produtores, de uma safra para outra, na própria geladeira. Quando na nova safra

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havia incidência de lagartas, o produtor rural macerava as lagartas infectadas que havia guardado, diluía em água e pulverizava esse produto sobre as plantas. As lagartas eram infectadas pela bactéria e, depois de alguns dias, morriam. As lagartas mortas eram coletadas e, assim, o inóculo era multiplicado. Essa prática foi paulatinamente abandonada por questões práticas, apesar de todos os esforços científicos e tecnológicos de vários pesquisadores e extensionistas e das diversas instituições. Graças à evolução da biotecnologia ou engenharia genética, os cientistas desenvolveram a capacidade de transferir esse gene da bactéria para as plantas e, dessa forma, transferir essa característica aos novos cultivares transgênicos. Mesmo que a analogia não seja exata, esses cultivares estão “vacinados” contra o ataque de lagartas de forma natural, sem uso de inseticidas, sem contaminação ambiental e sem resíduos tóxicos nos grãos. Coincidentemente, essa liberação ocorre em um dos anos em que houve, na região, uma das mais graves incidências de lagartas que causou prejuízos significativos na cultura do milho. Alguns produtores fizeram até quatro aplicações de inseticidas para o controle da referida lagarta. Trata-se de um aumento significativo dos custos de produção, da contaminação


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ambiental e do risco de contaminação do aplicador. De outro lado, com o aumento da demanda de milho com a abertura de novos mercados para exportação de carne de frango e suínos e, considerando-se as perdas na produção decorrentes de estiagens em algumas regiões produtoras, é bem provável que o Brasil tenha que importar grãos de milho no final do ano. No momento, os únicos países produtores de milho que poderiam ter excedentes exportáveis seriam os Estados Unidos da América, Argentina e Paraguai. Em todos esses países, a produção de milho transgênico já está liberada há vários anos e não é realizada a segregação dos grãos transgênicos e não transgênicos. Assim, caso haja necessidade de importação, a única alternativa é a importação de grãos de cultivares transgênicos.

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Trigo e o pão nosso de cada dia Trigo, farinha e pão! Apesar de ser possível fazer pão com farinha de centeio, milho, aveia, batata, mandioca etc, a verdadeira farinha para panificação é a extraída de grãos de trigo, uma cultura alimentar milenar, desde os antigos egípcios. O tipo de pão é o mais diversificado, dependendo da cultura étnica. Entretanto, assim como os americanos uniformizaram o mundo com a calça jeans, os franceses uniformizaram o mundo com um tipo de pão: o pão francês nosso de cada dia. A questão não é discutir qual o melhor pão, pois essa escolha é absolutamente pessoal. Também não é o caso de se discutir aqui qual é o pão mais nutritivo e saudável. O que importa é saber qual a farinha (ou de qual trigo) de que precisamos para fazer esse pão francês. A partir de gramíneas silvestres, foram desenvolvidos cultivares de duas espécies de trigo: o Triticum aestivum (hexaplóide), destinado à elaboração de pão, e o Triticum durum (tetraplóide), utilizado na elaboração de massas, biscoitos, panquecas e pizzas. Nos países mais desenvolvidos, essa aptidão é respeitada pelo consumidor e rigorosamente fiscalizada pelos órgãos

governamentais. No Brasil, praticamente toda a massa é feita de farinha de trigo pão, pois não temos o trigo duro. Para quem quiser testar a diferença, compare espagueti tipo italiano, elaborado com trigo duro, com o espagueti feito com a farinha de trigo pão. A conclusão é que nosso espaguete é na verdade “um pão em metro” A diferença entre esses trigos está no genoma: o trigo pão tem no genoma D genes relacionados à a qualidade da farinha para panificação. Esses genes são os responsáveis pela síntese de duas proteínas, as glutelinas e gliadinas, responsáveis pela chamada força de glúten. Uma massa que tem a capacidade de crescer de forma rápida, mas tem a tenacidade para garantir que a massa cresça com uma retenção dos gases da fermentação de maneira que a massa não se rompa. Dentre os cultivares disponíveis aos produtores, há o tipo melhorador (alta força de glúten), tipo pão (adequada força de glúten) e o trigo brando (baixa força de glúten). Esse trigo brando pode ser utilizado na elaboração de bolachas, biscoitos e massas. Por muito tempo, a qualidade do trigo era avaliada somente pelo peso do hectolitro (peso específico),


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que estima o rendimento de farinha durante o processo de moagem, sendo de fundamental importância para a indústria moageira. Até alguns anos atrás, o maior mercado para a farinha de trigo era para elaboração do pão caseiro, tipo italiano ou alemão. Era aquele típico pão “sovado”, com um longo amassamento. O mercado hoje é do pão francês, comprado diariamente, com suas características peculiares, porém plenamente aceito pelo mercado consumidor. O padeiro precisa elaborar o pão francês em menor tempo de amassamento, de fermentação e de forno. Mas, para elaborar o pão francês, há a necessidade de uma farinha com alta força de glúten. Infelizmente, os cultivares mais plantados no Rio Grande do Sul têm bons potenciais de rendimento, porém são do tipo brando, com baixa força de glúten. A viabilização da cultura do trigo na região exige o cultivo de cultivares modernos, que, além de alto rendimento, também apresentam qualidade para panificação, manejados com a adoção de tecnologias diferenciados, especialmente quanto à adubação, para que essa qualidade genética se expresse. E torcer para que não chova em excesso, pois rapidamente ocorre a fermentação no grão ainda não colhido, o que reduz significativamente a qualidade dessa farinha para panificação. A sustentabilidade da lavoura de trigo em nosso Estado depende da conjugação de altos potenciais de rendimento com qualidade para panificação, garantindo-se a

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rentabilidade ao produtor competitividade com o importado.

e a trigo

Trigo: produção nacional ou importação Apesar das amplas possibilidades de ampliação da produção brasileira de trigo e de um consumo anual de aproximadamente onze milhões de toneladas, somos ainda um grande importador desse cereal. A disponibilidade de clima e solo poderia tornar o Brasil não apenas autossuficiente na produção de tão importante grão alimentício, mas tornar-se um exportador a curto prazo. Essa situação de produção menor que a necessidade não é decorrente de falta de terra adequada para a cultura, clima impróprio, falta tecnologia ou desinteresse dos produtores, mas somente devido a problemas políticos. Acordos internacionais celebrados pelo governo brasileiro, de curto e longo prazo, aumentaram a importação do cereal, na mesma medida em que a produção interna era desestimulada durante o final da década de 1980 e início dos anos 1990. A importação de trigo começou a partir da década de 1950, mas a participação do trigo importado no


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consumo diminuiu paulatinamente com as políticas de fomento à produção, implantadas no Brasil na década de 1970 com o slogan: “Faremos a triticultura do tamanho do Brasil”. A força do estado de São Paulo contribuiu decisivamente para esta situação. Como aquele Estado é pequeno produtor de trigo, mas é o principal estado consumidor, não tinham interesse na autossuficiência nacional. No entanto, a partir das propostas apresentadas pelo Fórum Nacional de Agricultura, e sancionadas pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998, houve uma retomada da produção brasileira de trigo. Para o trigo, ficou estabelecida uma política de incentivo à produção interna e à redução paulatina das importações. A resposta dos agricultores foi imediata com o aumento crescente da área de cultivo e a produção nacional. Infelizmente, essa política foi abandonada a partir de 2002. E, o Rio Grande do Sul, que tem na triticultura a cultura de maior importância no inverno, é o mais prejudicado. Essa produção interna gera renda aos produtores, alimenta todo o agregado econômico dos municípios produtores, gera empregos diretos e indiretos e representa uma poupança de divisas ao país.

Trigo para pão francês O pão é uma espécie de alimento sagrado para os cristãos. Seu uso na alimentação humana é muito antigo. Na Bíblia Sagrada, o trigo e o pão são os alimentos mais citados, além do cordeiro, do peixe, da uva e do vinho. Esses eram os principais alimentos consumidos no Egito antigo, época em que nasceu, cresceu e morreu Jesus Cristo. Mas o tipo de pão varia muito, dependendo do país, seja na forma de elaboração, de sabor, e de aparência, seja nas formas de utilizações. Entretanto, o pão francês é hoje o pão mais apreciado pelos consumidores, especialmente, no Brasil. Levemente marrom por fora, branco e fofo por dentro. Um pão para ser consumido no mesmo dia, pois, quando envelhece, tornase duro ou “emborrachado”. Para elaborá-lo, precisa-se de uma farinha especial, com alta força de glúten, ou seja, que cresça rapidamente sem “abatumar”. Que o padeiro necessite do menor tempo possível para amassar o pão, do menor período de fermentação e, com isso, da colocação à disposição do consumidor em menos tempo e com menor preço. A remuneração sobre o pão é pequena; portanto, há a necessidade de escala para manter uma padaria. Essa farinha buscada pelo mercado não é obtida com qualquer cultivar de trigo ou com inadequadas práticas culturais.


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Trata-se de uma importante e quase irreversível tendência. E brigar contra uma tendência consumidora de mercado é perda de tempo. Há 30 anos, o grande mercado era farinha de trigo, pois a maioria das famílias fazia seu pão em casa. Para fazer esse pão “caseiro”, tipo italiano ou alemão, a qualidade da farinha não era tão importante. Havia tempo para um demorado amassamento e fermentação. Hoje poucas famílias fazem seu pão em casa. Buscam na padaria ou nos supermercados, todos com uma padaria montada. O Brasil tem um consumo de aproximadamente 11,5 milhões de toneladas de trigo, cujo destino, em aproximadamente 95%, é para a elaboração de pão e o restante para massas, biscoitos e outros produtos alimentícios. Produzimos a metade dessa necessidade, e o restante é importado, especialmente, da Argentina. Apesar disso, sobra trigo, pois a maior parte do grão aqui produzido não atende às exigências do mercado consumidor. E, em qualquer atividade ou negócio bemsucedido, o cliente (freguês) sempre tem razão. Quando nos aproximamos da época de implantação da cultura de trigo na região, esses fatores devem ser considerados pelos produtores. Quem é meu comprador? Que qualidade é exigida? Qual é o preço pago pelo grão na época da colheita? Quem tiver mercado garantido para grãos de trigo tipo brando (massas, biscoitos, bolachas etc) produza esse trigo brando. Mas,

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para o grande mercado consumidor existente, deve ser produzido o trigo pão. Os produtores devem implantar cultivares de trigo tipo pão e não qualquer cultivar, mesmo que este apresente alto potencial de rendimento. Deve também utilizar as tecnologias de manejo da cultura, da semeadura à colheita, relacionadas, ao mesmo tempo, com altos rendimentos e melhor qualidade industrial e nutritiva da farinha. O estado do Rio Grande do Sul tem uma grande oportunidade de produção de trigo para atender ao mercado interno e até mesmo para exportação. Isso porque o Paraná e o Mato Grosso estão substituindo o cultivo de trigo por milho safrinha. Mas, para se ganhar dinheiro com trigo, seu cultivo deve ser bem feito, atendendo-se rigorosamente às exigências do mercado consumidor. A legislação é meramente para garantir a disponibilidade de farinha que atenda esse cliente. Mas a pior de todas as estratégias na cadeia produtiva de trigo é a não segregação de trigo tipo pão com o trigo tipo brando. Fazer média é perder mercado. Até por que média vem do grego e significa ser “medíocre”.


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Trigo: somente com rotação de culturas No planejamento da lavoura de trigo, o produtor deve considerar como essencial a implantação desse cereal em áreas onde não teve cultivo de trigo, cevada, triticale ou centeio na safra de inverno do último ano. A razão é que esses cereais sofrem a incidência dos mesmos fungos causadores de moléstias. Já a cultura da aveia apresenta suscetibilidade a outras espécies e pode perfeitamente ser utilizada como cultura antecessora do trigo, cevada, triticale e centeio. Com a implantação do sistema de semeadura direta - SSD, a manutenção da palha em superfície é causadora do aumento das doenças necrotróficas, como as manchas foliares. Sem rotação de culturas adequada, também se aumenta a incidência do mal-do-pé, cuja severidade é acelerada pela calagem em superfície. Esses problemas não ocorriam no cultivo convencional, pois a palha, ao ser incorporada ao solo, era rapidamente degradada pelos microrganismos decompositores e, portanto, os fungos fitopatogênicos morriam de inanição. Portanto, o sistema de semeadura direta exige obrigatoriamente uma adequada rotação de culturas. Esses fungos se mantêm no solo alimentando-se da palha residual da safra anterior. Portanto, se a cultura é implantada quando ainda há resíduos de palha da

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cultura anterior, a população de microrganismos causa danos significativos. O tratamento de sementes com fungicidas específicos é uma importante estratégia para o controle dessas moléstias, bem como a aplicação na parte aérea. Mas, quando a fonte de inóculo é muito alta, a eficiência dos fungicidas é reduzida. Isso aconteceu no último ano, quando em muitas propriedades os potenciais de rendimento foram muito aquém do esperado em função da tecnologia aplicada. No entanto, o “melhor fungicida para o controle de moléstias necrotróficas” é a rotação de culturas. Como há uma enorme área de solos que ficam sem uma ocupação econômica no inverno, há plenas possibilidades de se cultivar não só o trigo em áreas que não receberam essa cultura no último ano, bem como os demais cereais suscetíveis às mesmas moléstias. Para um planejamento adequado do cultivo de cereais de inverno, o ideal é o cultivo de um terço da lavoura com trigo. Dessa forma, o trigo só volta para a mesma área de três em três anos, o que reduz a fonte de inóculo a níveis toleráveis. O mesmo raciocínio vale para o planejamento das culturas de cevada, triticale e centeio. Com o aumento da área cultivada com girassol, canola e linho oleaginoso, abrem-se novas possibilidades de rotação de culturas, pois essas são excelentes


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culturas antecessoras ao cultivo do trigo.

É tempo de separar o trigo do joio Uma das passagens mais conhecidas da Bíblia é aquela que se refere à separação do “trigo do joio”. O joio é semelhante ao azevém, uma das principais plantas forrageiras de inverno, cultivada no Sul do Brasil. Já o joio é uma das principais plantas daninhas, infestante de culturas em várias regiões do mundo. O trigo, alimento considerado sagrado, é originário do Oriente Médio e conhecido desde oito mil anos antes de Cristo. No Egito, onde Cristo nasceu e viveu, o trigo era o cereal mais importante, do qual era extraída a farinha e elaborado “o pão nosso de cada dia”. Quando a lavoura de trigo era infestada por plantas daninhas, era um problema, pois se diminuía a quantidade de alimento produzido. Certamente, quando a Bíblia se refere ao joio, não era somente a essa planta daninha, mas a toda e qualquer planta infestante do trigo. Passados mais de dois mil anos, as plantas daninhas ainda são um dos principais problemas da agricultura. Ao longo dos anos, os mais diferentes métodos de controle foram utilizados pelos produtores rurais, desde o arranquio manual, o uso da enxada, os diversos métodos

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mecânicos e, ultimamente, o emprego do controle químico pelos herbicidas. Os herbicidas cumprem um papel importante, pois são o resultado do conhecimento das rotas metabólicas responsáveis pelo desenvolvimento das plantas. Dessa forma, os diferentes grupos de herbicidas desenvolvidos eram seletivos a essa ou aquela espécie de culturas, mas tóxicos a determinadas espécies de plantas daninhas. Com o aparecimento de novas espécies de plantas daninhas, era necessária a utilização de mais herbicidas, em aplicações sequenciais, o que aumentava significativamente o custo de produção e os problemas ambientais. A “separação do trigo do joio” é tão importante que o primeiro cultivar transgênico desenvolvido, com a utilização dos modernos conhecimentos de biologia molecular, é resistente a um herbicida. É o caso da soja transgênica, cuja introdução ao cultivo em nosso país, iniciando pelo Rio Grande do Sul, gerou tanta polêmica. Na soja, foi introduzido um gene que dá a essa cultura resistência ao herbicida glifosato, utilizado em todo o mundo na dessecação, antecedendo a semeadura direta das culturas de interesse econômico. Hoje a maioria das lavouras de soja cultivadas no mundo é transgênica, onde se aplica apenas o herbicida glifosato. Esse mesmo gene de resistência ao herbicida


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glifosato foi introduzido em outras culturas, como milho e algodão. Para muitos, parecia uma solução definitiva para o controle de plantas daninhas na mais importante cultura econômica do Brasil. Entretanto, o uso continuado de um mesmo herbicida, que interfere em apenas um mecanismo metabólico, acaba provocando o desenvolvimento de resistência genética das plantas daninhas. Entre nós, já temos várias plantas daninhas resistentes ao herbicida glifosato, destacando-se o azevém, no inverno, e a buva, no verão. A buva infesta muitas lavouras de soja no Sul do Brasil e preocupa produtores e técnicos. As plantas que desenvolveram mecanismos de resistência ao glifosato sobrevivem. Cada planta de buva é capaz de produzir de 200 a 400 mil sementes, que podem ser levadas pelo vento a até 65 km. As plantas derivadas dessas sementes, na safra seguinte, também não são mais controladas pelo glifosato. O problema maior é que essas plantas de buva também não são controladas pela maioria dos herbicidas seletivos à soja hoje disponíveis, mesmo com a utilização de doses mais elevadas ou de mais de uma aplicação de diferentes herbicidas. As perdas na lavoura de soja podem chegar a vinte e duas sacas por hectare, conforme levantamentos realizados pelos técnicos da Cotrijal.

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Nutrição de culturas Cuidado com excesso de fósforo na linha Nos últimos anos, os produtores rurais têm procurado utilizar de forma cada vez mais intensiva as tecnologias recomendadas pela pesquisa com vistas ao aumento do potencial de rendimento e ao aumento da rentabilidade. O melhor exemplo dessa constatação é o que se observa com a cultura do milho. Durante muitos anos, esse cereal era cultivado sob o baixo nível de tecnologia, basicamente como uma cultura de subsistência. Nessas condições, o rendimento dos cultivares não expressava seu potencial genético. Com a modernização da cultura do milho, um dos fatores que recebe maior atenção dos produtores é a adubação. Para colher de 100 a 150 sacos de milho por hectare, há a necessidade de uma adubação adequada de nitrogênio, fósforo e potássio. Entretanto, quantidades superiores a 60 kg/ha de fósforo na linha podem causar uma deficiência de zinco no milho, logo após a emergência das plântulas. Isso por

que a alta concentração de fósforo na linha inibe a absorção de zinco pelas plantas. E o milho é uma das culturas mais exigentes em zinco, cuja deficiência promove reduções significativas do rendimento da cultura. Esse fenômeno é mais comum em solos arenosos, que, naturalmente, já apresentam menores teores de zinco para as culturas. Mas, com frequência cada vez maior, observa-se essa deficiência também em solos argilosos. Geralmente, os sintomas de deficiência desaparecem a partir de q u a r e n t a e c i n c o dias após a emergência. No entanto, isso representa um atraso no desenvolvimento inicial, que pode causar perdas no rendimento final da cultura. Para se evitar o problema, deve-se, caso haja necessidade de altas quantidades de fósforo, colocar na linha de semeadura no máximo 60 kg/ha (PO ) de fósforo (em solos arenosos) e até 80kg/ha (em solos argilosos) e o restante da recomendação deve ser colocado no sistema, antecedendo a semeadura. Por exemplo, adubar a aveia, o nabo forrageiro, a ervilhaca ou o azevém, utilizados como cobertura


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verde, antes do milho. Dessa forma, produz-se mais palhada, o que é interessante, e a decomposição dessa biomassa, durante o desenvolvimento do milho, disponibiliza o fósforo. Com quantidades menores de fósforo aplicados na linha de semeadura, a inibição da absorção de zinco não ocorre. Caso seja observada uma deficiência de zinco no milho, indicase a aplicação via foliar de zinco, cuja dose e produto comercial variam para cada situação.

Adubação nitrogenada em milho Apesar da redução da área de cultivo do milho nos últimos anos em função do maior cultivo de soja, observa-se que o seu manejo é cada vez mais profissional, com destaque à diversificação da época de semeadura, à densidade adequada, à adubação e ao controle de plantas daninhas. Para que os modernos cultivares de milho, especialmente os híbridos, expressem seu potencial genético, há a necessidade de uma adequada adubação, especialmente, a nitrogenada. Recomenda-se que aproximadamente um terço do nitrogênio seja fornecido na semeadura e dois terços sejam aplicados em cobertura, na forma de ureia, sulfato de amônio, nitrato de amônio ou outra fonte, escolhendo-

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se aquele com menor custo por unidade de nitrogênio. Esse parcelamento tem como objetivo evitar as perdas de nitrogênio por lixiviação devido às chuvas com alta intensidade. A região caracteriza-se pela instabilidade climática, com alternância de períodos de pouca chuva seguidos de períodos de chuvas de alta intensidade. E as chuvas intensas provocam a perda do nitrogênio na forma de nitrato no solo e a volatilização da amônia. Quando a necessidade de nitrogênio for maior que 100 kg/ha, recomenda-se que a adubação em cobertura seja parcelada. A primeira aplicação deve ser realizada quando as plantas de milho apresentarem de quatro a cinco folhas, e a segunda, no estádio de sete a oito folhas. Se a necessidade de adubação for menor que 100 kg/ha de nitrogênio, a adubação de cobertura pode ser feita numa única vez, no estádio de seis a sete folhas do milho. Em regiões em que as chuvas são de baixa intensidade e periódicas, como no norte do Paraná, é perfeitamente possível aplicar todo o nitrogênio necessário à cultura do milho antecedendo a semeadura, a lanço, quando a necessidade é alta, ou todo o nitrogênio na linha de semeadura, quando a necessidade é pequena. Mas por que aplicar o nitrogênio tão cedo no milho? Os pesquisadores de milho descobriram que a formação do pendão e da espiga do milho já se inicia no estádio de quatro a seis


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folhas. Portanto, a partir desses estádios de desenvolvimento, todo e qualquer fator ambiental já está influenciando no rendimento final da cultura. Se esses grãos vão se formar ou não, vai depender das condições climáticas ocorridas na fase de floração (quinze dias antes até quinze dias depois), mas o potencial de rendimento é estabelecido quando as plantas de milho ainda são muito jovens. Como o rendimento do milho é altamente dependente da disponibilidade de nitrogênio, a partir desses estádios, não pode haver deficiência desse nutriente. A deficiência de nitrogênio promove uma redução do tamanho da espiga e, portanto, do número de grãos por espiga, impedindo a expressão de todo o potencial genético dos cultivares. No entanto, o sucesso da adubação nitrogenada depende de outros fatores que devem ser considerados pelo produtor, como: 1) disponibilidade de umidade no solo na hora da adubação; 2) potencial de rendimento esperado; 3) cultura anterior (leguminosas, nabo ou cereais); 4) quantidade de palha na superfície; 5) taxa de decomposição da matéria orgânica na região. Para evitar perdas de nitrogênio, a adubação de cobertura não deve ser realizada quando o solo estiver excessivamente úmido ou excessivamente seco.

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Deficiência de zinco em milho É cada vez mais frequente, o aparecimento de sintomas de deficiência de zinco na cultura do milho, especialmente nos primeiros estádios de desenvolvimento. O sintoma caracteriza-se por estrias amarelas longitudinais nas folhas, começando pelas mais novas. O milho é uma das culturas mais exigentes desse micronutriente, cuja deficiência acarreta redução significativa do crescimento das plantas, além da redução do número de grãos por espiga. De maneira geral, os solos arenosos são deficientes de zinco, indicando-se uma adubação na semeadura ou via foliar com esse nutriente. Mas em nossa região, os sintomas de deficiência de zinco estão aparecendo cada vez mais frequentemente também em solos argilosos, conduzidos sob sistema de semeadura direta. E qual seria a razão desse fenômeno? Em primeiro lugar, é preciso considerar que, com a tecnificação das lavouras e a obtenção de rendimentos cada vez maiores, também haverá maior extração e exportação de nutrientes. Nessas condições, é natural o aparecimento de deficiências deste ou daquele micronutriente, dependendo da cultura e do tipo de solo. De outro lado, a cultura do milho vem sendo conduzida sob


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níveis tecnológicos crescentes. Uma das práticas agrícolas que sofreu grandes mudanças foi a adubação desse cereal e, assim, alcançaram-se os altos potenciais de rendimento dos híbridos disponíveis. E aqui está uma das possíveis causas das deficiências de zinco observadas. Altas doses de fósforo na linha de semeadura promovem uma inibição da absorção de zinco pela cultura, mesmo em solos que normalmente não apresentavam deficiência do nutriente. Mas, provavelmente, a causa dessa deficiência deve-se à aplicação excessiva de calcário em superfície no sistema semeadura direta. Quando os valores do pH nos primeiros 10 cm de profundidade do solo ultrapassam 6,5, o zinco começa a ficar indisponível, não sendo absorvido pelas raízes das plantas. Como o problema é superficial, os sintomas aparecem logo após a emergência das plantas de milho. Quando as raízes ultrapassam essa camada superficial, com excesso de calcário, encontram zinco disponível. Com a absorção, os sintomas não mais aparecem nas novas folhas que se formam. No entanto, nas folhas deficientes o sintoma não se reverte. Os resultados de pesquisa ainda não definiram o efeito dessa deficiência inicial na redução do rendimento final do milho. A redução no crescimento inicial é visível. O problema é agravado em períodos com deficiência hídrica, o que afeta a disponibilidade e o movimento do nutriente no solo,

reduz a velocidade de absorção, o transporte da raiz para a parte aérea e, finalmente, a utilização do mesmo pela planta. Os produtores que observarem esse sintoma em sua lavoura devem procurar um engenheiro-agrônomo que indicará a melhor solução para o caso.

Cuidado com o calcário em excesso A aplicação de calcário foi a principal tecnologia responsável pela transformação de campos de barbade-bode em lavouras altamente produtivas, o que aconteceu na região a partir da década de 1960. Por natureza, todos os solos da região eram altamente ácidos e com elevados teores de alumínio tóxico. Essa situação determinava a deficiência de nutrientes como fósforo, cálcio, magnésio e outros, e a toxidez de manganês e alumínio às culturas. A calagem elimina a toxidez do alumínio e aumenta a disponibilidade de vários nutrientes. Com o advento da semeadura direta, passou-se a aplicar o calcário na superfície. Mas o calcário tem uma velocidade de infiltração no solo muito lenta, cerca de 1 cm por ano. De outro lado, com o aumento do teor de matéria orgânica nas lavouras como resultado da adoção do sistema de semeadura direta, a quantidade necessária de calcário é


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menor do que em lavouras conduzidas ainda pelo sistema convencional. Por essa razão, o agricultor somente deve aplicar calcário em superfície caso o resultado da análise de solo indique a necessidade de calagem. Com a aplicação, quase anual de calcário na superfície, sem monitoramente via análise de solo, em várias lavouras já são observados problemas causados por seu excesso. Como o calcário infiltra lentamente no solo, o seu acúmulo excessivo na superfície causa uma grande elevação do pH nos primeiros 10 cm de profundidade do solo. Análises de amostras de solos realizados nos laboratórios da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UPF têm mostrado com frequência cada vez maior resultados de pH acima de 6,7. Sempre que o pH for maior que 6.5, o zinco, o manganês e o boro tornam-se indisponíveis para as plantas, o que causa uma redução do rendimento da soja e do milho. Para resolver essa deficiência desses nutrientes, o agricultor precisa efetuar adubação foliar, o que significa aumento de custos.

Planta não come. Somente bebe! O filósofo grego Aristóteles (257-180 a. C.) foi quem primeiro considerou que as plantas também eram seres vivos. Segundo

Aristóteles, a planta é um “animal invertido”, que come solo. Somente em 1776, portanto, mais de 2 mil anos depois, o médico Joseph Priestley concluiu uma história de investigações e demonstrou que a produção vegetal era proveniente da conversão do gás carbônico do ar (CO ), absorvido pelas folhas, e da água absorvida pelas raízes por meio do processo hoje conhecido como fotossíntese. Hoje se sabe que os principais componentes da matéria orgânica vegetal são o carbono, o oxigênio, o hidrogênio e o nitrogênio. Quando tanto se fala no acúmulo de gás carbônico no ar atmosférico, principal causador do aquecimento global e de todas as consequências, deve-se destacar que o mesmo somente pode ser reduzido do ar graças à fotossíntese das plantas. Por isso, as áreas devem estar permanentemente cobertas com plantas, num processo conhecido como colher/plantar. Em áreas sem cultivo, além de ocorrer assimilação de gás carbônico, ainda há a liberação para o ar devido à decomposição da matéria orgânica pelos microrganismos. Mas Aristóteles também tinha estabelecido a teoria humanística, segundo a qual a planta utilizava diretamente a matéria orgânica (restos vegetais e animais) para seu crescimento. Somente a partir das pesquisas publicadas por Justus Von Liebig, na Alemanha, em 1840, essa teoria foi derrubada. Toda e qualquer matéria orgânica necessita ser degradada pelos microrganismos e os nutrientes, liberados na


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forma inorgânica (sais e íons), para, então, serem absorvidos pelas plantas. Sabe-se hoje que as plantas necessitam de dezessete nutrientes e praticamente são os mesmos que também são essenciais aos seres humanos. Nesse sentido, há uma grande desinformação. Como o nutriente precisa estar na forma química inorgânica para ser absorvido, a sua origem não faz diferença para a saúde da planta ou do consumidor. A toxidez depende somente da quantidade ingerida de cada nutriente. O exemplo clássico é o sal de cozinha. Todos o utilizamos para temperar alimentos, mas o excesso causa uma série de problemas à saúde humana. Por analogia, muitas vezes usase a expressão “a planta come”. No entanto, a nutrição adequada da planta somente ocorre quando há disponibilidade de água no solo. Por isso, quando há uma estiagem, imediatamente são observados sintomas de deficiência de nutrientes nas folhas das plantas, pois a decomposição da matéria orgânica, a dissolução de fertilizantes, a mobilidade de nutrientes no solo e a sua absorção são dependentes de água. Portanto, as plantas não “ comem”, em virtude de os nutrientes estarem somente disponíveis na forma líquida. As plantas somente bebem os nutrientes. Uma vez absorvidos, os nutrientes também não caminham sozinhos da raiz para a parte

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aérea. Na verdade, são levados passivamente pela água, que é sugada pela parte aérea. Na folha, a principal fábrica da planta, os nutrientes inorgânicos absorvidos são incorporados na síntese de compostos orgânicos, como glicídios (açúcares, amido e celulose), lipídios (óleos), proteínas, entre outros milhares de compostos, dependendo da espécie. Entretanto, a nutrição adequada das plantas não depende somente da quantidade adequada de cada nutriente. Alguns são exigidos em quantidades extremamente pequenas, por isso, chamados de micro ou oligoelementos, O principal segredo é a proporção adequada entre os nutrientes. É igual a exigência equilibrada dos diversos nutrientes para uma saúde adequada dos seres humanos e dos demais animais. Uma planta bem nutrida produz mais alimentos ou outras matérias-primas. Essa nutrição adequada também representa uma adequada nutrição dos seres humanos e outros animais que se alimentam desse vegetal.


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Produção animal Produção de leite: oportunidades e desafios A região do Planalto do Rio Grande do Sul já é uma das principais regiões produtoras de leite do Brasil. Deve-se às condições favoráveis de clima e d e solo, tanto para a produção de forrageiras, quanto para o bem-estar das vacas. Como as mais importantes raças leiteiras são originárias da Europa, esses animais apresentam desempenho produtivo melhor em regiões de clima frio. Por isso, ao longo dos últimos anos, várias indústrias de laticínios instalaram-se na região de olho nessa promissora oportunidade. Quando municípios disputam a instalação de indústrias e festejam efusivamente quando a conquistam, estão de olho na busca da diversificação na matriz produtiva, que reduz os riscos climáticos, econômicos e sanitários. Buscamse, também, a geração de empregos diretos e indiretos, o aumento da renda, o aumento da arrecadação de impostos e a busca do desenvolvimento sustentável.

Entretanto, essas metas somente são alcançadas, quando as indústrias têm leite disponível em quantidade e qualidade, e de forma regular nos trezentos e sessenta dias do ano. Aqui estão os grandes desafios que devem ser vencidos nos próximos anos para que efetivamente o Rio Grande do Sul seja o principal estado produtor de leite do Brasil. A Emater - RS divulgou durante a Agrotecnoleite 2009, que, nos setenta municípios da região de Passo Fundo, área de abrangência do Escritório Regional, já existem trinta e cinco indústrias de laticínios, com uma capacidade de processamento de 4,5 milhões de litros/dia de leite. No entanto, elas estão processando menos que 2,5 milhões de litros de leite/dia por falta de matéria-prima. Se, em um curto período de tempo, for aumentada a produção de leite em dois milhões de litros/dia, considerando-se os preços médios do momento de R$ 0,60, significa um injeção diária de R$ 1.200.000,00 na economia da região (quase R$ 500.000.000,00 por ano). Ao se considerar uma produção média de 20 litros de leite/vaca/dia (que já é mais do que o dobro da média estadual), para s e produzir


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2 milhões de litros de leite a mais, seria necessário aumentar o rebanho em cem mil vacas. Então, além do investimento na criação adequada de terneiras, para se ter boas vacas no futuro, e na aquisição de vacas de outras regiões (inclusive do Uruguai), o mais importante é aumentar a produção média diária de leite das vacas existentes no rebanho. O principal fator limitante ao aumento da média de produção de leite por vaca na região não é genético e, sim, a alimentação inadequada, em quantidade e qualidade. As condições de clima e de solo existentes permitem o cultivo das mais diferentes e melhores plantas forrageiras disponíveis, como as temperadas no inverno e as tropicais no verão. Teoricamente, poderíamos implantar sistemas de produção de leite somente a pasto, que é a forma mais econômica. No entanto, a região, por ser uma transição entre o clima tropical e o temperado, apresenta uma enorme instabilidade climática. O exemplo foi o que aconteceu nos meses de março a maio de 2009, quando a longa estiagem impediu o estabelecimento das forrageiras de inverno (aveia, azevém, centeio, trigos-forrageiros, ervilhaca, trevos, e outras). E as forrageiras de clima quente paralisam seu crescimento em função das baixas temperaturas. O mesmo aconteceu com as forrageiras permanentes. Como resultado, uma queda na produção diária de leite no Rio Grande do Sul

de aproximadamente 30%. Isso significa perda de renda aos produtores, à indústria devido à ociosidade, afetando-se toda a cadeia produtiva. Por essa razão, além de estimular a implantação de sistemas de pastagens que atendam ao maior período do ano, em quantidade e qualidade nutritiva, precisamos de orientar os produtores na produção de reservas, como feno, silagem e grãos na propriedade, e, por último, de fazer frente a momentos de ausência de forrageiras por questões climáticas.

A importância da produção de leite A diversificação na exploração, dentro de adequados parâmetros técnicos e econômicos, é uma das mais importantes estratégias para que produtores reduzam os riscos de clima e mercado. A exploração agrícola, seja produção animal seja produção vegetal, é uma atividade de alto risco, especialmente em uma região que se caracteriza pela alta instabilidade climática: ora as culturas são afetadas pela seca, ora, pouco tempo depois, pelo excesso de chuva. Existe um velho ditado que diz que “os ovos não devem ser colocados na mesma cesta; caso vire, perdeu-se tudo”. A diversificação na exploração agropecuária representa exatamente


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esse ditado, ou seja, a prevenção contra perdas provocadas por intempéries ou por problemas de falta de mercado ou preços de produtos abaixo do custo de produção. Os altos rendimentos da cultura da soja em nossa região, especialmente na safra 2003/2004, associados a preços extremamente altos, representaram um período de fartura para os produtores e os demais segmentos econômicos agregados ao agronegócio. Aquele período não era normal, pois dificilmente temos, ao mesmo tempo, colheita farta e altos preços dos produtos, como também a combinação que estamos vivendo atualmente: a baixa produção e consequente baixa oferta de grãos e, ao mesmo tempo, preços baixos, determinados por diversos fatores. Aquele período de fartura, infelizmente, fez com que muitos produtores deixassem outras explorações alternativas na propriedade para somente dedicarse ao cultivo da soja. Parecia que aquela bonança nunca mais iria acabar. Uma das alternativas abandonadas em muitas propriedades foi a produção de leite. É claro que precisamos considerar que, para ser produtor de leite, há a necessidade de vocação para o exercício continuado na atividade. É um trabalho árduo por sete dias por semana, trinta dias por mês e trezentos e sessenta e cinco dias por ano. As atividades devem ser desenvolvidas em horários rígidos,

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pois, quando o caminhão recolhedor chega, o leite precisa estar disponível, dentro de, cada vez mais, exigentes padrões de qualidade. No entanto, a produção de leite representa um ingresso mensal de receitas na propriedade, cuja atividade em alguns municípios já representa o principal componente da formação do produto interno bruto. E essa falta de receita é muito sentida atualmente por aqueles que deixaram de produzir leite. Ao contrário, quem continuou na atividade está minimizando os efeitos das enormes perdas causadas pela seca sobre a produção de grãos como soja, milho e feijão, mediante o ingresso de receitas financeiras mensais com a comercialização do leite. Isso mostra que o leite, além da sua importância econômica, também tem uma importante função social, especialmente na agregação de renda e n a fixação das famílias na pequena propriedade, com razoável qualidade de vida. Do ponto de vista econômico, o cenário futuro indica que a produção leiteira ainda tem amplas possibilidades de crescimento. Mas, para manter-se no setor, é preciso acompanhar as exigências do mercado por meio de permanente atualização técnica e de rígido acompanhamento contábil e administrativo.


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Leite: produção e qualidade Na grande região norte/nordeste do Rio Grande do Sul, a produção de leite transformou-se, nos últimos anos, em uma importante alternativa econômica, independentemente do tamanho da propriedade. A produção de leite representa um ingresso mensal de receitas na propriedade, cuja atividade em alguns municípios da região já representa o principal componente da formação do Produto Interno Bruto (PIB). O leite, além da sua importância econômica, também tem uma importante função social, especialmente na agregação de renda e na fixação das famílias na pequena propriedade, com razoável qualidade de vida. Do ponto de vista econômico, o cenário futuro indica que a produção leiteira ainda tem amplas possibilidades de crescimento. Mas, para manter-se no setor, é preciso acompanhar as exigências do mercado, por meio de permanente atualização técnica e rígido acompanhamento contábil e administrativo. A viabilidade das propriedades agrícolas da região depende da ocupação econômica dos solos também no período de inverno. O cultivo de forrageiras e seu uso na alimentação de vacas leiteiras, na forma de pastejo, feno, silagem ou grãos, representam uma alternativa interessante que cresceu significativamente nos últimos

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anos. Há aproximadamente trinta anos, Passo Fundo tinha a Lapasa, que iniciou a pasteurização de leite na região. Essa empresa foi adquirida pela CCGL na época, que fechou a pequena indústria, transformando-a numa mera usina de resfriamento do leite. O leite produzido em Passo Fundo era levado para Languiru (a 200 kilômetros) ou para Ijuí (a 180 kilômetros) para ser pasteurizado. No dia seguinte, o leite voltava a Passo Fundo, para os mercados distribuidores. Esse passeio do leite é inaceitável considerando o baixo valor do produto e os altos custos de um transporte rodoviário. Esse espaço acabou sendo ocupado por várias pequenas indústrias de Passo Fundo ou por outras plantas industriais de municípios vizinhos. Por isso, foi saudada a instalação em Passo Fundo, em 2008, da indústria de laticínios Italac, que certamente vai estimular a produção de leite na região. Atuamente, a região possui inúmeras grandes indústrias de processamento de leite: a Italac em Passo Fundo, a Bom Gosto em Tapejara, Corlac em Erechim, a BRFood em Palmeira das Missões e Carazinho, e muitas pequenas indústrias e queixarias. Além do aumento da produção de leite na região, nesses últimos anos, o Laboratório de Análise de Rebanhos Leiteiros (Sarle), instalado junto ao Cepa/UPF, tornou-se um dos dois maiores do país, sendo considerado uma referência


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nacional pela sua qualidade. Dessa forma, é incompreensível que ainda seja consumido leite não pasteurizado em alguns municípios. Como um importante centro técnico/científico e cultural, referência em saúde humana, com uma própria legislação existente, esse problema já deveria ter sido resolvido. Sabemos que, mesmo com todos os cuidados, o leite pode ser importante veículo de transmissão de doenças ao ser humano. Todo produtor tem o direito de produzir leite, mas os órgãos de fiscalização têm o dever de proteger a saúde dos consumidores. É tarefa dificílima convencer um grande empresário a investir numa grande indústria de laticínios quando tanto leite não pasteurizado ainda é comercializado.

Pastejo adequado de forrageiras de inverno As forrageiras de inverno, como aveia, centeio, azevém, trevos, ervilhaca e outras, têm boa adaptabilidade na região, com capacidade de produzir de cinco a sete toneladas por hectare de forragem seca durante o período outono/inverno/primavera, época de pouca luz, frio e baixas temperaturas. Essa produção de forragem representa uma produção de aproximadamente quatro mil

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litros de leite com bovinos de leite ou 400 kg de peso vivo com bovinos de corte. Mas a característica mais importante dessas forrageiras é a alta qualidade nutritiva da forragem produzida, seja na forma verde, seja na forma de feno ou silagem. Por essa razão, elas devem ser manejadas adequadamente para que esses potenciais sejam aproveitados e convertidos em renda para o produtor na forma de carne ou leite. Para que os altos potenciais de rendimento de forragem de gramíneas sejam obtidos, há a necessidade de uma adequada adubação nitrogenada. Recomendase colocar, no mínimo, 15 kg/ha de nitrogênio na semeadura, juntamente com a adubação com fósforo e potássio, e mais 30 kg/ha de nitrogênio no início do afilhamento, mais ou menos aos vinte e cinco a trinta dias após a emergência das plantas. Essa mesma adubação deve ser repetida após cada pastejo para se garantir um abundante rebrote das forrageiras. As sementes de leguminosas (trevos, ervilhaca, cornichão, ervilha forrageira e outras) devem ser inoculadas antes da semeadura com a utilização de inoculantes específicos para cada espécie. Assim, haverá uma maior formação de nódulos nas raízes das plantas, responsáveis pela fixação quase gratuita do nitrogênio do ar. Esse nitrogênio fixado nos nódulos não apenas garante um bom crescimento das leguminosas, mas


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parte desse nitrogênio será aproveitada pelas gramíneas, cultivadas em consorciação. Entretanto, para garantir uma maior rentabilidade, deve-se ter muito cuidado com o pastejo, especialmente quando as forrageiras são cultivadas em áreas de lavoura onde serão cultivados o milho ou soja em sucessão. O pastejo somente deve ser iniciado quando as forrageiras apresentarem uma estatura de plantas de 30 a 35 cm de altura, ou seja, uma disponibilidade de forragem verde de no mínimo 800 g por metro quadrado, cortado a 7 cm de altura. Dessa forma, os animais ficam bem alimentados e há menor arranquio de plantas, pois essas já estão bem enraizadas. Mas, principalmente, estará garantido o rebrote das plantas, propiciando-se uma boa disponibilidade de forragem para o próximo pastejo, o qual deve ser realizado quando as plantas atingirem, outra vez, uma produção de aproximadamente 800 g de forragem verde por metro quadrado. Outro aspecto importante é realizar o pastejo rotativo, ou seja, delimitar diariamente por meio de cerca elétrica uma área de pastejo que atenda às necessidades dos animais. Dessa forma, vai ocorrer menor pisoteio pelos animais, que causa a compactação do solo e um rápido rebrote das forrageiras após a retirada dos animais daquela área. Finalmente, quando as forrageiras são cultivadas em rotação com culturas de verão, os animais devem ser retirados com, no

mínimo, três semanas antes da dessecação. Dessa forma, haverá a produção de uma adequada quantidade de palha, indispensável ao sucesso da semeadura direta das culturas implantadas em sucessão. De outro lado, além do rebrote da parte aérea, haverá também um abundante crescimento das raízes no solo, promovendo-se a descompactação da camada superficial do solo ocorrida devido ao pisoteio dos animais.

Palha não é feno Observa-se que muitos produtores rurais enfardaram a palha após a colheita de grãos de aveia-branca. Isso se deve ao fato de a aveia produzir uma grande quantidade de palha, mesmo em cultivares com altos potenciais de rendimento de grãos. De outro lado, é a busca de uma reserva de forragem para alimentação animal, evitando-se os problemas da falta de alimento observada em função de estiagens. Entretanto, é preciso distinguir a palha do feno. O feno é a forragem conservada da colheita de plantas forrageiras, no estádio vegetativo, portanto, com alto valor nutritivo. Quando confeccionado em boas condições atmosféricas e estádio adequado de desenvolvimento das plantas, pode ser perfeitamente utilizado na alimentação de vacas leiteiras com alta produção de leite. E com qualidade nutritiva


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semelhante a uma silagem de milho. Já palha é de baixíssimo valor nutritivo, pois, durante a formação de grãos, praticamente toda a proteína, glicídios e vários minerais e vitaminas são transferidos da parte vegetativa da planta para os grãos de aveia. Por essa razão, os grãos apresentam um valor nutritivo elevado e a palha é pobre. Além dos baixos teores de componentes alimentícios, a sua digestibilidade é menor que 30%. Portanto, a palha, no máximo, é um volumoso utilizado junto com rações (concentrados), o que pode tornar a atividade antieconômica. De outro lado, a palha somente deve ser removida do solo quando já há um sistema de semeadura direto bem estabilizado. Ainda assim recomenda-se que a retirada seja efetuada apenas uma vez a cada cinco anos, pois ela é fundamental para a sustentabilidade do sistema plantio direto. Considerando-se nossas condições de clima, a decomposição da palha é muita rápida. Por isso, num adequado manejo do solo, busca-se o aumento da produção de palha para condicionar fisicamente o solo, assim como a calagem condiciona quimicamente o solo; essas práticas são meramente paliativas. Isso pode ser feito por uma adequada rotação de culturas, incluindo gramíneas produtoras de palha, abundante e resistente à decomposição. Escolher entre os cultivares de maior potencial de rendimento aqueles que também deixam no solo uma grande

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quantidade de resteva. Outro aspecto importante que deve ser considerado é o nutricional. Quando retiramos a palha da lavoura, estamos levando embora grandes quantidades de nutrientes, como, por exemplo, o potássio. A aveia é uma grande extratora de potássio do solo e pouco é redistribuído para os grãos. Assim, em cada tonelada de palha seca de aveia, há aproximadamente 35 kg de potássio. Considerando-se os principais cultivares de aveia-branca disponíveis e cultivados na região, a produção média de palha é de 5 a 6 toneladas/ha. Ao retirarmos essa palha da lavoura, estaremos retirando aproximadamente d e 1 75 a 210 kg/ha de potássio. Somente o custo de reposição desse potássio no solo, observandose o baixo valor nutritivo da palha, já se inviabiliza o seu enfardamento para uso na alimentação animal.

Integração lavourapecuária de leite As pastagens constituem a base fundamental da exploração da pecuária leiteira para garantir altos rendimentos de forma contínua em todas as estações do ano e com rentabilidade ao produtor. No sul do Brasil, o período crítico na alimentação das vacas tem sido o outono/inverno. No outono, os dias curtos e noites frias limitam o


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crescimento das forrageiras de verão, e a deficiência hídrica, periódica, limita o estabelecimento das forrageiras de clima frio. A região Sul do Brasil caracteriza-se pela instabilidade climática, na qual períodos de estiagem são alternados com épocas de excesso de chuva, além das geadas. Essa estacionalidade da produção de forragem causa má alimentação dos animais e reduz a rentabilidade da exploração leiteira. Existem diversas alternativas forrageiras anuais que podem ser utilizadas no período outono/inverno/primavera no sul do Brasil, como aveia-preta, aveiabranca, azevém, centeio, triticale, trevo-vesiculoso e ervilhaca, entre outras. Dessa forma, aumenta-se a rentabilidade da propriedade com o aproveitamento econômico do solo também no período de inverno. Integra-se a produção de grãos no verão com a produção de leite. Com o manejo adequado do pastejo e do solo, é perfeitamente possível a integração das culturas de verão com a pecuária leiteira (outono/inverno), em sistema de semeadura direta (SSD). Na formação de pastagens de inverno, cultivada de forma isolada ou consorciada, as forrageiras de inverno apresentam alta produção de matéria seca (5 a 7 t/ha/ano) e alta qualidade nutritiva da forragem (digestibilidade superior a 60% e teor de proteína superior a 15%). O primeiro pastejo deve ser realizado somente quando ocorrer uma disponibilidade de 1.500 kg/ha de matéria seca (800 a 1.000 g de

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forragem verde por metro quadrado, cortada a 7 cm acima do solo), que é obtida com a densidade recomendada (350-400 plantas/m2) e uma estatura das plantas de cerca de 30-40 cm. O tempo necessário para ser atingido esse rendimento varia de acordo com o cultivar, a espécie utilizada, as condições climáticas e a fertilidade do solo, variando entre quarenta a sessenta dias. Pela falta de reservas de feno ou de silagem, muitos agricultores colocam o gado antes desse estádio. Considerando as despesas efetuadas com sementes, fertilizantes, preparo do solo e mão de obra, o pastejo antecipado é antieconômico, pois a alimentação dos animais é insuficiente pela pequena oferta de pasto e o arranquio de plantas que ainda não enraizaram bem, o que provoca a diminuição da densidade e compromete o rebrote das plantas que, neste estádio, ainda não têm grande quantidade de reservas acumuladas. Para evitar a compactação do solo e a perda elevada de forragem pelo pisoteio, são recomendados fazer o pastejo rotacionado por meio da divisão da área em piquetes mediante o uso da cerca elétrica e deixar os animais pastejando somente por algumas horas pela manhã e à tarde. O tempo de permanência dos animais em cada piquete não deve ser superior a três dias a fim de que não seja afetado o rebrote. O ideal é deixar os animais durante um dia por piquete. O


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tamanho de cada piquete deve ser calculado em função da quantidade de pasto disponível, as necessidades de cada animal e o número de animais existentes. É importante deixar uma resteva de 7 a 10 cm acima do solo para permitir um rápido rebrote. Os animais devem ser retirados da lavoura com uma antecedência mínima de v i n t e e u m dias antes da dessecação para que haja um rebrote das plantas e a produção de biomassa para não se prejudicar a semeadura direta da soja em sucessão. Com esse rebrote, além da formação de palha na superfície, o crescimento das raízes reduz a compactação superficial do solo, causada pelo pisoteio.

Conservação de forrageiras Devido à falta de alimentos, observa-se o pastejo antecipado das forrageiras de inverno, diminuindose significativamente o potencial de rendimento de leite. Diante dessa problemática, há a necessidade da conservação de alimentos produzidos na própria propriedade, como feno, silagem e grãos. Considerando-se a enorme área de terras ociosas no período de inverno na região, o potencial de rendimento forrageiro existente e a alta qualidade da forragem, a fenação, a ensilagem ou a produção de grãos

de cereais de inverno são promissoras, além da silagem de milho ou sorgo realizada tradicionalmente no verão. Apesar de muito usado em outros países, os fenos são pouco utilizados na alimentação de bovinos de leite no Brasil. Quando fornecido diariamente na proporção de 0,5 kg a 1,0 kg por 100 kg de peso vivo, além da silagem à vontade, as vacas em lactação ingerem maior quantidade de matéria seca e produzem mais leite em comparação com o uso de silagem como único volumoso. Para a fenação das forrageiras de inverno (aveia-preta, aveia-branca, centeio, azevém), o momento de corte é no início de floração, obtendo-se, além da quantidade, uma adequada qualidade da forragem. A composição química e o valor nutritivo médio do feno de aveia forrageira são: teor de MS (69,8%), proteína bruta (11-15,0%), fibra bruta (31,8%), cálcio (0,47%), fósforo (0,28%), energia bruta (4,7% cal/g), digestibilidade da matéria seca (63,3%, in vitro) e nutrientes digestíveis totais (50,7%). As maiores limitações para a fenação são o clima frio e o excesso de chuva no inverno/primavera. Podem-se fazer dois tipos de silagem de forrageiras de inverno. O primeiro tipo é a silagem de forrageira de alto valor nutritivo para a produção leiteira, no início da floração. Como a forrageira tem muita umidade nesse estádio, é preciso ser segada e pré-secada por 4-6 horas, para depois ser recolhida


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e picada por ensiladeira com recolhedor, compactando-a no silo. O segundo tipo é feito no início do grão pastoso, diretamente recolhida com ensiladeira, não sendo necessária a pré-secagem. O teor de matéria seca ideal da silagem varia de 32% a 38%. Apesar da vantagem da pouca umidade, o segundo tipo tem valor energético semelhante, mas de proteína inferior à silagem de milho. Tanto a silagem de milho quanto a de aveia, triticale ou centeio, são bons alimentos quando usados como únicos volumosos da dieta. Combinados, a deficiência em proteínas da silagem do milho é compensada pelo maior teor desse nutriente da aveia. Na ensilagem no emborrachamento início do florescimento, colhe-se menor quantidade, mas de qualidade nutritiva superior, que se destina a animais com alta exigência de energia, por exemplo, vacas com produção de leite superior a 20 litros/dia. No estádio de grão em massa, há maior rendimento por hectare, mas com menor qualidade nutritiva, recomendada para animais com menor exigência de energia, vacas secas e novilhas. A consorciação de gramíneas (aveia, azevém, centeio ou triticale) e leguminosas (ervilhaca e trevovesiculoso) promove melhor desempenho dos animais do que na pastagem somente de gramíneas. Os grãos de aveia-branca ou triticale podem ser utilizados como suplementação da alimentação de vacas leiteiras, especialmente

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quando se usa a silagem ou o feno produzido no inverno-primavera. Os grãos de cereais de inverno colhidos entre outubro e novembro na região Sul tornam-se economicamente competitivos, reduzindo-se os custos de produção de leite nessa época.

Vacas na casa ou morando no estábulo! Cada vez mais produtores estão iniciando ou ampliando as atividades de produção de leite, buscando a integração com a produção de grãos e, assim, agregando renda à propriedade. Trata-se de uma atividade que pode ser implantada em qualquer propriedade, pequena, média ou grande, desde que haja a vocação para a atividade, que requer trabalho todos os dias, durante o ano inteiro. A região Sul do Brasil já é a principal produtora brasileira de leite em função das condições mais favoráveis de clima, pois as duas principais raças leiteiras (Holandesa e Jersey) são de origem europeia, não toleram o calor e são perfeitamente adaptadas ao frio. Outro fator extremamente importante para garantir a rentabilidade na produção de leite é a possibilidade de produção de forragem durante os 12 meses do ano. Não temos longos períodos de neve, como na Europa e nos Estados


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Unidos da América. Certamente, esse é um dos nossos fatores diferenciais de competitividade. Mas, ainda temos muito a aprender com os produtores de leite dos outros países da Europa, Nova Zelândia e outros. Em 2008, tive a oportunidade de conhecer o sul da Alemanha e a Áustria, regiões produtoras de leite. Juntamente, com o norte da Itália, que visitei em 2011, constituem a região do Tirol, próximo às montanhas geladas dos Alpes. Trata-se de uma das regiões mais famosas na produção de leite e elaboração de produtos lácteos. Ainda como influência do longo período de submissão ao Império germânico-austríaco, a cultura é muito semelhante. Observando as propriedades, é difícil distinguir o país em que estão: Alemanha, Áustria ou Itália. De maneira geral, são pequenas propriedades (20-30 ha), com cinquenta a cem vacas por propriedade. A produção média de leite por vaca está acima de 35 litros/dia. Para comparar, a média do estado do Rio Grande do Sul não passa de 10 litros/vaca/dia. Mas temos aqui, na região, produtores de elite, com médias superiores a 35 litros/ vaca/dia. Diferentemente de nossa região, a região do Tirol tem neve todos os anos. Por isso, durante o inverno, as vacas ficam estabuladas, recebendo feno, silagem e grãos, produzidos na primavera e verão. Nada é perdido. Nas áreas urbanas, há leis severas punindo o desperdício de forragens.

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No corte de gramas nas casas, áreas públicas e até mesmo nos muitos campos de futebol lá existentes, o material cortado deve ser destinado aos produtores de leite. Quando se prenuncia a chegada da neve, todos os gramados são segados e a forragem enfardada e levada aos galpões. Cada produtor recolhe seus animais em grandes estábulos, onde ficarão até o final do inverno. Tudo é feito no mesmo dia. Cada produtor desfila com seus animais até o estábulo. Um dia de festa, regado à cerveja. O interessante é que, em toda essa região, a construção do estábulo é geminada com a residência da família. São residências amplas, onde mora toda a família, avós, filhos e netos. O estábulo tem dois andares: embaixo ficam os animais e, em cima, o depósito de feno. A razão principal é que os animais servem de aquecimento da residência, durante os dias muito frios, reduzindo-se os gastos com energia para aquecimento. Certo dia, numa palestra, ao mostrar essas fotos e comentar o tema, as pessoas ficaram perplexas. Como podem as pessoas, praticamente, conviver com vacas, sob um único teto, conforme pode ser visto na foto abaixo? É uma questão cultural, que vem de gerações, há vários séculos. Por isso, as condições higiênicas no estábulo são exemplares. Mas e o cheiro? É o cheiro de dinheiro, respondem. A propósito: é o mesmo


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costume de muitas famílias daqui, que mantêm dentro de casa muitos animais, como gatos e cães. Animais dormindo até no mesmo quarto e, em muitos casos, na mesma cama. Mas esse não é cheiro de dinheiro. Gosto é gosto!

Agrotecno Leite, desde 2007 A produção de leite está se tornando uma das atividades econômicas mais importantes do agronegócio regional. Representa uma importante diversificação na exploração da propriedade agrícola, gerando empregos, renda e tributos. Certamente, uma atividade tão importante precisa ser apoiada por conhecimentos técnicos, gerados pela pesquisa. A Agrotecno Leite é realizada anualmente, junto ao Centro de Eventos e Campo Experimental da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária/UPF. Trata-se de uma “feira de tecnologias” relacionadas à cadeia do leite e às estações a campo, mais uma exposição de máquinas e equipamentos, de indústrias de laticínios e indústrias de insumos agrícolas. Diante do crescimento de importância do setor leiteiro em todo o norte do estado do Rio Grande do Sul, especialmente, na região de Passo Fundo, havia a necessidade de evento técnico de difusão de tecnologias relacionadas

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às produção e qualidade do leite e ao gerenciamento de rebanhos leiteiros. Propus a criação de uma grande feira relacionada ao leite durante um jantar na casa do Presidente da Cotrijal, Nei César Mânica, em Não-Me-Toque, em dezembro de 2006, com a presença da Comissão de Revitalização do Agronegócio, coordenada por Ari Rosso, presidente do Sicredi Planalto Médio. Fui o coordenador técnico da primeira edição, em 2007. Por essa razão, mediante um protocolo de intenções, a Universidade de Passo Fundo, o Sicredi, a Cotrijal, a Embrapa Trigo e a RBS TV estão promovendo anualmente esse evento, tendo como apoiadoras todas as instituições/entidades voltadas ao agronegócio regional, como Ministério da Agricultura e Pecuária, Secretaria Estadual da Agricultura, Prefeitura Municipal de Passo Fundo, Emater/RS, Sebrae, Senar, Coprel, Sindicato Ru ral, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Associação de Engenheiros Agrônomos e Associação de Médicos-Veterinários do Planalto e indústrias de laticínios da região. O evento destina-se aos produtores rurais, engenheiros-agrônomos, médicos-veterinários, zootecnistas e técnicos em agropecuária, além de estudantes dessas áreas ou outras ligadas ao agronegócio. As estações de difusão de tecnologias envolvem temas como alternativas de alimentação de vacas leiteiras, manejo sanitário e


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de reprodução de vacas, criação de terneiras, gerenciamento de rebanhos leiteiros, qualidade do leite, integração lavoura-pecuária e elaboração de feno e silagem. Além dessas estações, ocorre uma exposição de máquinas e equipamentos, indústrias de laticínios e insumos, dentre outras. Em auditório a campo, também são realizadas palestras relacionadas à questão do leite.

O leite é caro? No sul do Brasil, a menor disponibilidade de forrageiras ocorre no outono, pois o frio já inibe o crescimento das plantas de verão, enquanto as espécies de inverno ainda estão em início de desenvolvimento. Normalmente, na primavera e no verão, temos a maior oferta de forragem. Essa sazonalidade é responsável pela diminuição na produção de leite. No Rio Grande do Sul, essa queda de produção de leite entre um mês e outro pode chegar a um milhão de litros de leite/dia, ou 30 milhões de litros de leite por mês. Isso determina um aumento do preço do leite na propriedade. Quando começa a abundância de forrageiras, como aveia, azevém, leguminosas e outras, a oferta de leite aumenta e as indústrias baixam o preço do leite. Para os consumidores, observa-se a mesma sazonalidade. No entanto, na média dos preços, temos um aumento linear nos

últimos anos, tanto em nível internacional quanto o interno. É o resultado da diminuição da produção de leite em alguns países e o aumento do consumo em outros. Nos países onde a produção leiteira é evoluída, essa sazonalidade praticamente não existe. Isso ocorre por que uma das principais preocupações dos produtores é armazenar forragem da estação de maior crescimento na forma de feno, silagem ou grãos, e seu uso nas épocas de escassez. Tal prática já é utilizada nas melhores propriedades de nossa região. Essa maior profissionalização vai eliminar essa grande diferença de produção de leite de uma época para outra. Com os preços mais estáveis, o consumidor também vai se beneficiar. Com grande frequência, consumidores indagam-me sobre os altos preços do leite e seus derivados. Às vezes, eles não compreendem que estamos fomentando o aumento da produção de leite na região e os preços ao consumidor elevam-se. Essa elevação dos preços, na verdade, é ditada pela lei da oferta e procura em nível internacional. O leite e seus derivados são alimentos de grande importância na nutrição humana. Aliás, o homem é o único mamífero que não desmama. Na verdade, a maior parte do leite é água e a matéria nutritiva é constituída de proteínas, gorduras, vitaminas e sais minerais, especialmente ricos em cálcio. Por isso, os médicos


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recomendam o consumo de derivados de leite, como iogurtes e queijos, pois apresentam maior concentração de cálcio e, por isso, previnem os problemas de osteoporose. Aliás, um problema que afeta a população adulta, especialmente as mulheres, em idades mais precoces no Brasil, pelo baixo consumo de alimentos ricos em cálcio. Por essa razão, países orientais, como a China, estão estimulando o consumo de leite e derivados e, assim, melhor a saúde das pessoas. Mas o leite é caro? Quando olhamos o preço de um copinho de água mineral com 250 ml, verificamos que praticamente é o mesmo preço nos mercados e com preços bem acima em bares. Praticamente, todas as latinhas de refrigerante (300 ml) custam mais que um litro de leite. Ou seja, água por água, é mais barato consumir leite e não refrigerantes.

Avicultura, oportunidades na região A produção de carne de frango tornou-se uma das atividades econômicas mais importantes do agronegócio brasileiro nos últimos anos. Foi-se o tempo em que a carne de frango era uma raridade e seu consumo era reservado para o domingo ou os momentos

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especiais, quando eram recebidas visitas ilustres. Com o desenvolvimento pela genética de linhagens com maior capacidade de crescimento, em poucos dias, o animal está pronto para o abate. Na comparação com o suíno, o frango também tem melhor conversão alimentar, ou seja, obtém-se um maior peso animal por unidade de ração. Ao longo dos anos, também foram resolvidos graves problemas sanitários que afetavam as aves e que poderiam dizimar o lote em poucos dias. Entretanto, a organização da cadeia, por meio da integração do setor produtivo com o industrial, permitiu o desenvolvimento extraordinário desse setor. O crescimento da produção de frangos de corte atende ao aumento crescente do consumo dessa carne, interna e externamente. No Brasil, o consumo de carne de frango triplicou nos últimos vinte anos, passando de 12 para 38 kg/per capita/ano. A exportação também tem batido recordes a cada ano que passa, pois o consumo de carne de frangos é o que mais cresce no mundo. Em várias regiões do mundo, por questões culturais, religiosas ou econômicas, a carne de frango é a mais consumida. A tendência futura não é diferente. As projeções da FAO (Organização Mundial para Alimentação, órgão da ONU) mostram o crescimento do consumo de todas as carnes. No entanto, a carne de frango, que, em 1990, era a terceira mais consumida, perdendo


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para a suína e bovina, já no ano 2000 passou para o primeiro lugar. A tendência futura também mostra um crescimento anual maior de consumo do que as demais. Por isso, o Planejamento Estratégico elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, no ano 2005, mostra que, até o ano 2016, o crescimento da produção de frangos no Brasil deverá aumentar 64% para atender à demanda interna e ao crescente mercado externo. No mesmo período, o Ministério prevê um crescimento de 33,3% da produção de carne bovina e de 24,1% na produção suína. A grande região de Passo Fundo é uma das mais importantes produtoras de frangos. Se considerarmos um raio de 150 km ao redor de Passo Fundo, nela concentra-se a maior produção de frangos no estado do Rio Grande do Sul. Aqui em Passo Fundo está a Doux, antiga Frangosul, desde 2012 controlada pela JBS, que é um dos maiores abatedouros do mundo. É, também, a empresa passo-fundense que mais emprega trabalhadores. Infelizmente, o câmbio desfavorável está tirando renda do setor, o que reflete diretamente na renda do produtor. Na região, milhares de pessoas dependem de forma direta ou indireta da renda gerada pela cadeia do frango, seja produtores, transportadores, indústria e distribuição da carne de frango. Trata-se de uma excelente alternativa econômica, na

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viabilização da pequena propriedade familiar. A viabilização do setor requer a adoção de tecnologias, espírito empreendedor, capacidade de trabalho e gestão da propriedade.


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O desafio de aumentar a produtividade com rentabilidade Aumento de rendimentos, um desafio! Os grandes cenários do Agronegócio acenam para a necessidade do aumento permanente da produtividade ((total de biomassa seca produzida por unidade de área) ou rendimento (quantidade de produto econômico colhido por unidade de área, por exemplo, grãos), da melhoria da qualidade (nutritiva e industrial) do produto colhido, da rentabilidade, da competitividade num mundo globalizado e da sustentabilidade (econômica, social e ambiental). O aumento do rendimento das culturas está na dependência de mais de cinquenta fatores. Cada fator influi, individualmente, com uma pequena parcela, que, somada ao conjunto, faz com que os rendimentos continuem aumentando para gerar o necessário aumento na rentabilidade da propriedade. Essa capacidade produtiva das culturas,

de forma eficiente, é o resultado da interação de fatores relacionados às características genéticas dos cultivares, das condições ambientais (clima e solo) para expressão desse potencial, do manejo ou tratos culturais utilizados pelos produtores e de fatores internos ou fisiológicos, como o controle hormonal de todos os processos fisiológicos envolvidos com o desenvolvimento e a produção vegetal. De nada adiantam os avanços da biotecnologia e da agricultura de precisão, o uso de bioativadores e de outras modernas tecnologias hoje disponíveis se o produtor descuidar de práticas simples. Para que efetivamente haja aumento no rendimento das culturas e da rentabilidade, há a necessidade da adoção de um sistema de produção. Esse conjunto de fatores deve ser visto como um tabuleiro de xadrez. Todas as peças são importantes. Os fatores promotores do rendimento são os mais importantes e envolvem a adoção de tecnologias, como a escolha do cultivar com maior potencial de


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rendimento e melhor adaptado à cada região edafo-climática, da adequada implantação da cultura (época, profundidade, espaçamento e densidade de semeadura), da adubação e da correção do solo, da irrigação, da rotação de culturas, da utilização do sistema de semeadura direta, dentre outras práticas. O desenvolvimento de novos cultivares expressa o progresso genético obtido pelo melhoramento. Cada novo cultivar desenvolvido deve apresentar características diferenciais, como maior potencial de rendimento, uma melhor qualidade do grão, adaptabilidade a cada região, resistência/tolerância à moléstias e pragas, além da tolerância a fatores abióticos, como acidez, alumínio tóxico, frio, déficit hídrico, salinidade etc. Nesse sentido, mudanças significativas têm sido observados nos cultivares modernos, como menor ciclo, menor estatura de plantas, folhas mais curtas e eretas, resistência ao acamamento, dentre outras. A genética chega à lavoura por meio das sementes, razão da importância da busca permanente de sementes dos novos cultivares que tenham efetivamente características diferenciais. Para conhecer melhor o potencial de rendimento e a adaptabilidade dos mesmos às condições de clima e de solo de cada microrregião, são de fundamental importância participar de dias de campo e observar as áreas demonstrativas dos novos cultivares. Os fatores mantenedores da produção têm a função de evitar as

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perdas do potencial de rendimento determinado pelos “fatores promotores” (cultivares, adubação, tratos culturais), como o controle adequado das moléstias, das pragas e das plantas daninhas. Em resumo, a expressão de altos rendimentos somente ocorre quando as plantas apresentam equilíbrio nutricional, equilíbrio hormonal e sanidade. Dessa forma, o tamanho da área foliar será maior (“tamanho de fábrica”), a duração da área foliar será mais longa na fase de enchimento de grãos (“jornada de trabalho”); ocorrerão uma maior eficiência produtiva (enzimática, teor de clorofila, arquitetura e estrutura foliar), melhor distribuição das substâncias (açúcares e aminoácidos) produzidas na folha até os grãos e do tamanho da capacidade de armazenamento (número de grãos formados).

Fatores que influem no rendimento das culturas O aumento da produtividade (total de biomassa seca produzida por unidade de área) ou do rendimento (quantidade de produto econômico colhido por unidade de área, por exemplo, grãos), também conhecido como fotossíntese líquida ou fotossíntese aparente, é a diferença entre a taxa de fotossíntese e a taxa de respiração mais a fotorrespiração que ocorrem


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nas culturas. A fotossíntese é o 2 processo pelo qual o gás carbônico (CO2) do ar é transformado em compostos orgânicos pelas partes verdes ou clorofiladas (principalmente as folhas) da planta em compostos orgânicos (amido, proteínas, óleo etc), usando como fonte de energia a luz solar. Por isso, “agricultura, é arte de colher a luz solar!” O aumento do rendimento das culturas, portanto, está na dependência de muitos fatores que devem ser considerados. Cada fator influi individualmente com uma pequena parcela, que somado ao conjunto, faz com que os rendimentos continuem aumentando para gerar o necessário aumento na rentabilidade da propriedade. Essa capacidade produtiva das culturas de forma eficiente é o resultado da interação de mais de cinquenta fatores, relacionados às características genéticas dos cultivares, à s condições ambientais (clima e solo) para expressão desse potencial, ao manejo ou tratos culturais utilizados pelos produtores e aos fatores internos, como o controle hormonal de todos os processos fisiológicos envolvidos com o desenvolvimento e a produção vegetal.

Influência genética O desenvolvimento de novos cultivares expressa o progresso genético obtido pelo melhoramento genético. Cada novo cultivar

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desenvolvido deve apresentar características diferenciais, como maior potencial de rendimento, uma melhor qualidade do grão, adaptabilidade a cada região, resistência/tolerância às moléstias e pragas, além da tolerância a fatores abióticos, como acidez, alumínio tóxico, frio, déficit hídrico, salinidade etc. Nesse sentido, mudanças significativas têm sido observadas nos cultivares modernos, como menor ciclo, menor estatura de plantas, folhas mais curtas e eretas, resistência ao acamamento, dentre outras. A genética chega à lavoura por meio das sementes, razão da importância da busca permanente de sementes dos novos cultivares que tenham efetivamente características diferenciais. Para conhecer melhor o s e u potencial de rendimento e a sua adaptabilidade às condições de clima e solo de cada microrregião, são de fundamental importância participar de dias de campo e observar as áreas demonstrativas de novos cultivares. Certamente, com o uso da biotecnologia, haverá o desenvolvimento de cultivares com características superiores, não apenas relacionadas ao potencial de rendimento e à qualidade dos grãos (qualidade industrial e nutritiva), haverá outras, inclusive nutricêuticas (valor nutritivo e medicinal).


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Influência ambiental O potencial genético somente se expressa caso haja condições ambientais adequadas, como luminosidade, disponibilidade de água, temperatura, aeração e permeabilidade do solo, pH em torno de 6 e disponibilidade de nutrientes. Estima-se que 65% do potencial de rendimento estão na dependência dos fatores climáticos. As condições climáticas não estão sob controle, sendo extremamente variáveis nas condições da região do Brasil, principalmente influenciadas pelos efeitos de La Niña em determinados anos, do El Niño em outros, e das condições intermediárias. Diante de condições climáticas instáveis, há a necessidade da adoção de estratégias que procuram minimizar esse risco, como a diversificação de culturas, a diversificação de cultivares com diferentes ciclos em cada cultura e a diversificação em épocas de semeadura. Já as condições de solo dependem das técnicas de manejo utilizados, o que melhora suas condições físicas, químicas e biológicas. Um solo bem manejado é aquele em que há aumento progressivo do teor de matéria orgânica (sequestro de carbono e nitrogênio). Essa matéria orgânica é o principal fator responsável pela melhoria das condições físicas (permeabilidade, aeração) e químicas (aumento da capacidade de troca de cátions, reciclagem de nutrientes) do

solo. A principal é a maior retenção de água no solo, fundamental para minimizar os efeitos de estiagens de curta duração.

Influência do manejo ou tratos culturais Ao contrário das condições ambientais, as técnicas de manejo utilizadas dependem somente da decisão do produtor. Incluem-se a adoção do conjunto de tecnologias de um sistema de semeadura direta, a adubação baseada no monitoramento periódico pela análise de solo e foliar, a implantação correta das culturas (época, densidade, espaçamento e profundidade), a rotação de culturas, e o controle adequado de plantas daninhas, das moléstias e das pragas. A semeadura direta é um sistema que somente se sustenta ao se trazerem todas as vantagens, como controle da erosão, aumento da infiltração de água, redução da variação da temperatura e da evaporação, reciclagem de nutrientes, dentre outros, com o planejamento também da produção de palha, da ordem de 9 a 12 t por ha/ano. Portanto, há de se escolher, dentre os cultivares de maior potencial de rendimento em cada cultura, aqueles que também deixem uma resteva maior. Com a utilização de cultivares de soja e milho cada vez mais precoces, a semeadura cada vez mais tarde do trigo, devido à


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sensibilidade a geadas, está aumentando na região esse vazio outonal, que pode variar de sessenta a cento e vinte dias. A solução é a implantação de culturas intercalares, como aveia-preta, nabo-forrageiro ou centeio, que r e t e r ã o o gás carbônico e o nitrogênio liberado na decomposição da palhada das culturas de verão.

Influência hormonal O desenvolvimento pleno de uma planta depende do equilíbrio nutricional e do equilíbrio hormonal. Os fatores ambientais são os principais responsáveis pela mudança hormonal, os quais, por sua vez, determinam a expressão genética. Os hormônios vegetais são classificados em promotores e inibidores. Os hormônios promotores são as auxinas, as giberelinas e as citocininas, responsáveis pelo crescimento das plantas, pela divisão celular e pelo aumento da elongação das células, tanto das raízes quanto da parte aérea. Especialmente, as citocininas são responsáveis pelo crescimento das raízes (aumentam o número de raízes e o seu crescimento), e esse maior volume de raízes em contato com o volume do solo aumenta a eficiência de absorção de água e nutrientes pelas plantas. As citocininas também são responsáveis pela ramificação lateral da soja, fator importante no aumento do número de vagens por planta. Esses hormônios promotores

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são responsáveis pelo crescimento, pois multiplicam as células (divisão celular) e o aumento do tamanho das células (elongação celular). Como consequência, há um aumento da área foliar, da duração da área foliar verde e do teor de clorofila e proteínas. No entanto, por qualquer estresse, biótico (incidência de pragas e moléstias) ou abiótico (déficit hídrico, geadas, calor excessivo, salinidade, raios ultravioleta, geadas, deficiência de aeração no solo devido à compactação ou à saturação de água etc), promove-se a síntese de hormônios inibidores do desenvolvimento, como o etileno, ácido abscísico e outros inibidores. Como consequência, ocorrem a degradação de clorofila, o abortamento de flores e de vagens e a queda de folhas, reduzindo-se a taxa fotossintética e a área e duração da área foliar verde. O principal inibidor do desenvolvimento das plantas é o etileno, produzido quase imediatamente como resposta ao estresse. Um dos sintomas típicos da incidência de moléstias ou pragas ou do déficit hídrico nas culturas é a senescência (envelhecimento antecipado das folhas), caracterizada pelo amarelecimento e pela queda prematura das folhas. Os patógenos causam o aumento da síntese de substâncias inibidoras, especialmente o etileno. A alta concentração de etileno promove a expressão de genes responsáveis


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pela síntese da enzima clorofilase, que catalisa a degradação antecipada da clorofila. Isso determina uma redução da duração da área foliar verde e, por consequência, a redução da taxa fotossintética e a consequente redução da taxa de enchimento de grãos. O etileno também promove a expressão de genes responsáveis pela síntese das enzimas poligalacturonase e celulase, p r o m o t o r a s d a degradação da parede celular, provocando a queda de folhas, flores e frutos. Portanto, toda e qualquer substância química aplicada na planta que inibe a síntese de etileno está contribuindo decisivamente para o aumento da produção vegetal.

Plantas também têm estresses O termo “estresse” tornou-se cada vez mais frequente entre as pessoas e denota problemas de saúde, geralmente derivadas do cansaço físico e mental. E as plantas também sofrem de estresses que reduzem a sua capacidade de desenvolvimento e a sua produção de grãos, frutos, flores etc. Esses estresses em plantas são causados por fatores biológicos (bióticos) ou não biológicos (abióticos). Os fatores bióticos mais importantes são aqueles causados pelo ataque de fungos, bactérias, vírus e pragas. Os fatores não

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biológicos são as estiagens, o excesso de chuva que causa a falta de oxigênio no solo, temperaturas excessivamente altas ou excessivamente baixas, deficiência de nutrientes, salinidade ou acidez do solo, presença de metais pesados ou tóxicos no solo, gases poluentes, radiação ultravioleta, entre outros. Portanto, ao se considerarem as condições de solo e de clima da região, é muito difícil que nenhum desses fatores esteja afetando negativamente o desenvolvimento de nossas principais culturas. E, muito raramente, que seja apenas um fator a causar estresses na mesma cultura e na mesma época. O efeito do estresse manifestase por meio de desequilíbrios nutricionais e hormonais nas plantas e gera uma sintomatologia muitas vezes complexa. São exemplos a floração e a frutificação fora de época, a queda prematura de folhas, flores e frutos, a descontinuidade da produção de frutos de um ano para outro, a deformação de ramos e frutos, dentre outros. Os nutrientes cumprem funções específicas na fisiologia da planta, como constituintes dos tecidos vegetais e como cofatores enzimáticos, indispensáveis para que as transformações ocorram. Portanto, a deficiência ou o excesso de um ou de outro nutriente, ou as relações inadequadas entre os mesmos, causa perdas irreversíveis. As plantas também são constituídas de hormônios, assim como os animais. A diferença é que,


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nos seres humanos e outros animais, os hormônios são quimicamente proteínas, enquanto que, nas plantas, esses hormônios são ácidos ou outros compostos de menor peso molecular. Os hormônios são compostos orgânicos que, em quantidades muito pequenas, controlam todos os processos fisiológicos que governam o desenvolvimento e a produção. Esses hormônios são divididos em dois grandes grupos: os promotores do desenvolvimento e os inibidores do desenvolvimento. Sempre que as condições de ambiente (solo e clima) são favoráveis e há a ausência de patógenos ou de pragas, predominam nas plantas os hormônios promotores do desenvolvimento. Quando a planta é afetada por qualquer agente de estresse, biológico ou não biológico, diminui-se a produção de hormônios promotores e aumenta-se a síntese dos hormônios inibidores do desenvolvimento. O equivalente à adrenalina no homem, a planta produz rapidamente o gás etileno, que é o principal causador do amarelecimento e da queda precoce de folhas, flores e frutos como resposta ao estresse biótico ou abiótico. Ao lado de outros inibidores, constitui o principal hormônio do estresse vegetal. Conhecendo-se as causas do estresse, é possível, por meio de tratos culturais, minimizar os efeitos e evitar as perdas na colheita.

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Reposição hormonal também em plantas Quando se olha a história da evolução das Ciências no mundo, percebe-se que sempre a prioridade número um foi conhecer o funcionamento do corpo humano (fisiologia). Num segundo momento, a investigação científica volta-se para o estudo dos animais domésticos. E, somente a partir do século XVX, começam os estudos sobre a fisiologia vegetal. Entretanto, os maiores avanços acontecem a partir de meados dos anos 1950, especialmente com a descoberta da radioatividade e dos mais modernos equipamentos de análise de tecidos vegetais. Há muitos anos, a medicina conhece a ação fisiológica dos hormônios no ser humano. Sabe-se que o nosso crescimento (hormônios somatotróficos), a capacidade reprodutiva e sexual (hormônios gonadotróficos, testosterona e progesterona), o funcionamento de órgãos e até mesmo o nosso humor dependem de hormônios. Uma pessoa estressada produz grandes quantidades de adrenalina, enquanto o bem-estar depende da produção endógena de endorfinas, dopaminas e serotonina. De maneira geral, pode-se considerar que uma pessoa saudável tem equilíbrio nutricional e equilíbrio hormonal. Por isso, toda a orientação de alimentação e de exercícios físicos para produção normal desses hormônios. Nos


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últimos anos, essa área evoluiu extraordinariamente, com métodos de avaliação do estado hormonal. E, quando há desequilíbrios, os especialistas já indicam a reposição hormonal, que é uma estratégia para aumentar a longevidade das pessoas com melhor qualidade de vida. Nas plantas, todo o desenvolvimento também é regulado por hormônios, desde o nascimento da planta (germinação de sementes ou brotação de estacas, tubérculos etc), o crescimento, a reprodução, a produção (frutos, sementes, tubérculos, raízes etc) até o envelhecimento e a morte. Quando comemos um vegetal, como raízes, folhas, frutos ou grãos, na verdade, estamos ingerindo, além de glicídios, proteínas, sais minerais, vitaminas e uma infinidade de outros compostos orgânicos, também esses hormônios. Os hormônios promotores do desenvolvimento são os compostos denominados auxinas, citocininas e giberelinas, que atuam de forma conjunta ou isolada em todos os processos fisiológicos envolvidos com o desenvolvimento vegetal. A síntese desses hormônios é controlada pelos fatores ambientais (luz, temperatura, nutrição, disponibilidade de água etc). Os grandes avanços da biotecnologia, como o desenvolvimento de modernos cultivares transgênicos, somente ocorreram a partir do momento em que foram conhecidos os hormônios promotores do crescimento vegetal e suas concentrações adequadas. Entretanto, mais do que nos

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seres humanos e animais, as plantas são muito mais sujeitas aos estresses bióticos causados por pragas e patógenos ou por fatores abióticos, como calor, frio, deficiência hídrica, raios ultravioleta, falta de oxigênio nas raízes (compactação ou encharcamento), deficiências nutricionais, dentre outros, em que a síntese de hormônios promotores é inibida. Então, há a produção de hormônios de estresses, como o etileno e o ácido abscísico (as “adrenalinas” vegetais). Isso causa os desequilíbrios hormonais e afeta o desenvolvimento vegetal. Há tanto uma redução do crescimento de raízes e parte área, como a degradação da clorofila e proteínas, bem como a queda de folhas, flores e frutos. Dessa maneira, ocorre uma redução significativa do rendimento das culturas. Nos últimos 30 anos, a utilização de hormônios vegetais no manejo das culturas iniciou-se na Europa, especialmente, na produção de hortaliças, frutos e flores. A partir dos anos 2000, essas tecnologias passaram a serem utilizadas também nas culturas produtoras de grãos, inclusive no Brasil. Seu uso no tratamento de sementes ou na parte aérea, em estádios chaves do desenvolvimento, com grande frequência tem estimulado o crescimento e o aumento do rendimento das culturas quando utilizados os cultivares de maior potencial de rendimento e as


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demais práticas agrícolas atualmente disponíveis. Especialmente quando ocorrem estresses nas culturas. Como os estresses praticamente são incontroláveis pelos produtores, pode-se fazer uma “reposição hormonal” para evitar os efeitos inibidores do etileno e ácido abscísico. É a chegada da nanotecnologia biológica na agricultura brasileira.

A nanotecnologia biológica! O desenvolvimento pleno de uma planta, com vistas à obtenção de altos rendimentos, depende do equilíbrio nutricional e equilíbrio hormonal. À medida que se aumenta o potencial de rendimento das culturas, há maior extração e exportação de nutrientes. Além dos tradicionais macronutrientes principais, como nitrogênio (N), fósforo (P) e potássio (K), torna-se importante considerar também os macronutrientes secundários, como cálcio (Ca), magnésio (Mg) e enxofre (S). Além de uma maior disponibilidade desses nutrientes no solo, há a necessidade de se considerar as relações adequadas entre esses nutrientes, especialmente relações como Ca/Mg/K e N/S. Entretanto, a nanotecnologia está mais propriamente relacionada aos micronutrientes. São elementos

químicos exigidos em plantas em quantidades extremamente pequenas. Por isso, muitas vezes há um descuido no diagnóstico do estado nutricional das culturas, pois temos a cultura de não se considerar aquilo que é exigido em quantidades pequenas. Seria como imaginar sem importância as vitaminas e os hormônios em nosso organismo, só por que as quantidades necessárias para uma vida saudável são pequenas. Os fatores ambientais são os principais responsáveis pela mudança hormonal, que, por sua vez, determinam a expressão genética.

Faltam raízes para altos rendimentos Para obtenção de altos rendimentos de nossas principais culturas, há necessidade de um maior volume de raízes (número e comprimento) em contato com o volume de solo para aumentar a eficiência de absorção de água e nutrientes. À medida que o rendimento é obtido pela melhoria do potencial genético dos cultivares e do uso mais adequado das tecnologias disponíveis, a necessidade de nutrientes, extraídos e exportados pelas culturas, é proporcionalmente crescente. E esse maior rendimento das culturas está sendo obtido em menos tempo, pois o ciclo de desenvolvimento é cada


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vez mais curto. Portanto, a eficiência de absorção precisa ser maior. A redução da estatura dos cultivares modernos é vantajosa sob vários aspectos, como a redução do acamamento, por serem mais responsivas a aplicação de fertilizantes e a maior eficiência na produção. A planta, ao invés de produzir mais palha, produz maior quantidade de produto econômico, os grãos. Mas, essa redução na biomassa da parte aérea das plantas também ocorre com o sistema radicular, que é mais superficial. O sistema radicular mais superficial reduz o contato das raízes com os nutrientes dissolvidos no solo. Por vezes, mesmo com alta disponibilidade de nutrientes no solo, observado na análise, a nutrição da planta não é adequada, pois faltou raiz para a sua absorção. Esse problema agrava-se em anos de estiagens ou mesmo em pequenos veranicos. Além da ineficiente absorção de nutrientes, diminui-se o acesso das raízes à água. O solo vai secando uniformemente de cima para baixo e, com um sistema radicular superficial, em poucos dias, as raízes não alcançam mais a água. Assim, ajudar as culturas a formar mais raízes é uma espécie de seguro contra estiagens. No caso da soja, a formação de raízes ocorre preferencialmente até a quinta folha. Depois, a prioridade da planta passa a ser o crescimento da parte aérea (ramificações) até a floração e, a partir desse estádio, a formação de flores, vagens e grãos. Existem vários fatores a serem

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considerados para o aumento do crescimento das raízes, como melhor estrutura física e química do solo, maior vigor das sementes, alta disponibilidade de nutrientes (especialmente, nitrogênio, cálcio, fósforo, enxofre e boro), ausência de alumínio tóxico, bioreguladores vegetais, tratamento de sementes com inseticidas e fungicidas. Solos com boa estrutura física do solo têm maior permeabilidade que facilita o desenvolvimento de raízes, especialmente, em profundidade. A compactação superficial do solo é principalmente observada em áreas de pastejo no período de inverno ou por ação da chuva, por ficarem descobertas no período de inverno. Nesse caso, a semeadura utilizando-se botinha já melhora significativamente o crescimento de raízes. Esses solos melhores estruturados também retêm mais água quando chove, a qual fica disponível para períodos de falta de chuva. Quando cobertos por palha, também haverá menor perda da água do solo por evaporação. Também a acidez, a presença de alumínio tóxico e a falta de cálcio em profundidade limitam o crescimento de raízes. Geralmente, observa-se um pH alto nos primeiros 5 cm de profundidade e ainda acidez em profundidade. Isso leva naturalmente à formação de um sistema radicular mais superficial. E o calcário aplicado na superfície desce lentamente no solo. Esse processo pode ser acelerado pelo cultivo de aveia-preta no


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inverno e a aplicação superficial de gesso. Quanto maior o vigor da semente, mais rápida e uniformemente ocorre a emergência, formando uma plântula mais vigorosa que tem maior capacidade de enraizamento. Entretanto, até a quinta folha da soja, não pode ocorrer a deficiência de nitrogênio, fósforo, enxofre, cálcio e boro no solo, para que o crescimento radicular ocorra. A formação de raízes também requer os bioreguladores, como a citocinina (aumenta o número de raízes), auxinas (aumenta o comprimento de raízes), aminoácidos metionina, glutâmico e triptofânio, e da vitamina Bi (tiamina). Esses produtos enraizadores devem ser aplicados, preferencialmente, via tratamento de sementes. Finalmente, há necessidade de se realizar o tratamento das sementes com inseticidas e fungicidas para evitar a destruição de raízes pelas pragas e patógenos presentes no solo. Além da escolha daquele inseticida ou fungicida mais eficiente para o problema existente, deve-se dar preferência àqueles que também promovem o crescimento de raízes.

Semeadura ou sepultamento de sementes? Com frequência cada vez maior, são observados problemas relacionados com semeadura profunda demais. Esse problema é maior nos cereais de inverno, pois são sementes pequenas, cuja profundidade ideal de semeadura é 2 a 3 cm de profundidade. As novas semeadoras hoje disponíveis têm recursos técnicos mais avançados do que as mais antigas, os quais permitem uma regulagem mais adequada e especialmente uma semeadura mais uniforme no solo. Uma semeadura adequada propicia a melhor germinação das sementes e a obtenção de plântulas mais vigorosas. Uma plântula vigorosa se estabelece mais rapidamente na lavoura, concorre melhor com as plantas daninhas e é mais resistente à incidência de pragas e moléstias. No caso dos cereais de inverno, o vigor da plântula, logo após a emergência, está relacionado à maior capacidade de afilhamento. Quanto mais profunda é a semeadura, mais tempo demora a germinação, sendo necessária maior quantidade de energia obtida da degradação das reservas das sementes. Essa desuniformidade de semeadura observada em algumas lavouras da região é atribuída ao


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fato de ser realizada a regulagem da semeadora somente nas bordas da lavoura. As bordas das lavouras são geralmente mais compactadas, pois há maior movimentação de máquinas. A regulagem, acertadamente é realizada para garantir uma semeadura mais adequada, ou seja, suficientemente profunda para que não fiquem sementes descobertas e também não muito profundas, onde a germinação pode nem ocorrer. Mas, quando a semeadura avança para o interior da lavoura, são encontrados solos menos compactados devido à melhoria da estrutura física do solo resultante do manejo adequado do sistema plantio direto. Então, há um maior aprofundamento dos equipamentos de semeadura e adubação, o que ocasiona os problemas relatados acima. Apesar de ser uma operação mais trabalhosa, recomenda-se que haja uma regulagem da semeadora na borda e a respectiva semeadura, A seguir, fazer uma nova regulagem e realizar a semeadura da área menos compactada. Sementes de cereais de inverno em profundidades superiores a 5 cm já podem comprometer o desenvolvimento e o rendimento das culturas. Nesse caso, não se trata mais de semeadura, mas do “sepultamento de sementes”.

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Moléstias no final de ciclo da soja Até alguns anos atrás, a principal preocupação dos produtores de soja era o controle das pragas, como lagartas e percevejos. Os conhecimentos gerados e difundidos pelos técnicos e as evidências observadas na prática mostraram o quanto a rentabilidade pode ser aumentada com o controle corretor dessas pragas. Entretanto, se o desfolhamento provocado por lagartas, especialmente na fase reprodutiva, a partir de determinados níveis causava perdas econômicas, por que o desfolhamento causado por moléstias não causava perdas também? Quando examinamos a fisiologia da planta, como ela vive e produz, verifica-se que as perdas causadas por um determinado desfolhamento são as mesmas, independente de terem sido causadas por pragas, fungos ou um desfolhamento artificial. Por isso, tornou-se uma prática tão importante o monitoramento permanente da lavoura também quanto à incidência e à severidade das moléstias. Isso por que, nas condições normais de clima, especialmente úmido e quente, é muito pouco provável que não ocorram moléstias na cultura da soja. Mas, há uma questão que me é formulada frequentemente pelos produtores: por que a incidência de


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moléstias é maior no final de ciclo da cultura do que na fase vegetativa? Excetuando-se aquelas moléstias que ocorrem na fase vegetativa, como, por exemplo, o oídio, realmente a incidência e a severidade são maiores a partir do início da floração. Esse fenômeno deve-se, de maneira geral, à capacidade que a planta tem de produzir substância de defesa contra os patógenos, denominados genericamente de fitoalexinas. A planta desvia parte dos açúcares produzidos para sintetizar essas substâncias de defesa. Entretanto, quando a planta entra em reprodução, a prioridade passa a ser a garantia da formação dos órgãos reprodutivos (flores e grãos), os quais, sob o ponto de vista da planta, têm a função de perpetuar a espécie. Os açúcares produzidos são, então, prioritariamente, utilizados na formação desses órgãos reprodutivos e não na síntese das fitoalexinas. Dessa forma, a planta torna-se mais suscetível a fungos, bactérias e vírus. È como no ser humano: quanto mais debilitada estiver a pessoa, mais provável ela terá problemas de doença, mesmo que seja uma simples gripe. Outros aspectos que contribuem para essa maior incidência ou severidade das moléstias no final de ciclo são as mudanças hormonais que ocorrem na planta. Os hormônios reprodutivos promovem também um envelhecimento mais rápido das folhas e o encurtamento do ciclo.

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Vários agentes que causam moléstias na soja também provocam uma aceleração da produção desses hormônios inibidores do desenvolvimento, especialmente se a planta já sofre também de estresse ambientais, como, por exemplo, a deficiência hídrica ou os desequilíbrios nutritivos. De maneira geral, o excesso de nitrogênio na planta associadas à deficiência de potássio, cálcio, magnésio ou manganês, predispõe a planta à incidência de moléstias. Na prática, os estresses bióticos ou não bióticos causam uma redução da área foliar, uma menor duração da área foliar verde, e, portanto, da capacidade de síntese. O resultado é uma menor formação de grãos e/ou menor peso individual dos grãos, causando perdas no rendimento e na rentabilidade da lavoura. Portanto, nas lavouras conduzidas com a utilização de modernas tecnologias, como cultivares de alto potencial de rendimento, associado às adequadas práticas de manejo, são de fundamental importância o monitoramento das moléstias e o seu controle, visando à maximização da renda. Uma máxima muito antiga torna-se cada vez mais atual: é melhor prevenir do que remediar!


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O Agronegócio, do local ao internacional O desafio inadiável do desenvolvimento regional A grande região denominada Planalto sul-rio-grandense estendese desde Bom Jesus até São Borja e tem Passo Fundo como principal cidade interligada pela BR 285. A principal atividade econômica é o agronegócio, pois se trata de uma das poucas regiões do mundo onde é possível fazer duas e até três culturas por ano, dependendo do sistema de produção. Nos Estados Unidos da América, Canadá e Europa, não há possibilidade de cultivo no inverno devido à neve. Na Ásia e África, a maioria das regiões tem uma estação de chuva e outra de estiagem, e o mesmo ocorre no Brasil Central. Nessa região, mais de 6 milhões de hectares são cultivados no verão com culturas como soja, milho, feijão, sorgo e outras pequenas culturas de subsistência. Aliás, a soja, pelo seu alto valor nos mercados interno e internacional, pela liquidez e potencial de rendimento nas condições de solo e clima da região, foi a grande

responsável pelo desenvolvimento dessa região. Qual teria sido a fonte financeira (dólares) que teria financiado o desenvolvimento de todos esses municípios nos últimos cinquenta anos? Comparem-se o desenvolvimento urbano, a melhoria das condições habitacionais no interior, as estradas (com algumas exceções de municípios), a eletrificação rural, o conforto nas residências, os meios de locomoção e de comunicação, os serviços médicos, as universidades e as escolas, a melhoria do lazer, entre outros benefícios, se não fossem as divisas trazidas com a soja. No inverno, é a principal região produtora de trigo, aveia-branca, cevada-cervejeira, canola, triticale, centeio, girassol e linho oleaginoso. Mas a área soma apenas a quarta parte da área ocupada economicamente no verão. E isso não se deve a limitações tecnológicas, solo, clima, máquinas e equipamentos. Meramente, por questões de ordem política, pois o Brasil decidiu, a partir de 1986, trocar produtos industrializados, especialmente produzidos em São Paulo, por trinta e sete produtos


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agrícolas. E apenas produtos de clima temperado, que concorrem com aqueles produzidos na região Sul do Brasil. Grande parte dos solos que ficavam ociosos no período de inverno está sendo utilizado na alimentação do gado leiteiro e n a terminação de gado de corte, na forma de pastejo, feno, silagem e grãos. Por essa razão, o Planalto sulrio-grandense transformou-se na principal região produtora de leite do Rio Grande do Sul e uma das mais importantes do país. Mas, sem dúvida alguma, o desenvolvimento pleno da região passa pela ocupação integral dos solos também no inverno, com alternativas economicamente viáveis. Entretanto, é conhecida a expressão cada vez mais atual de que “o sucesso do passado não garante o sucesso do futuro”. O grande desafio futuro, sem dúvida, é impedir a redução da renda do setor do agronegócio observada nos últimos anos. Isso se deve à baixa produtividade de algumas culturas e de muitas propriedades, ao não atendimento da qualidade de produto exigida pelo mercado, aos altos custos de juros, aos tributos, aos serviços de transporte e portuários, bem como à concorrência dos produtos altamente subsidiados em seus países de origem e cuja importação está liberada. Enquanto, os principais países importadores do Brasil impõem barreiras tributárias e sanitárias aos produtos brasileiros, nossos produtores sofrem com a concorrência desleal de produtos

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subsidiados e, por isso, colocados aqui com menores preços. É inegável a necessidade de adoção de tecnologias que promovam aumentos na produtividade, na melhoria da qualidade dos produtos, seja de origem animal seja de origem vegetal. Certamente, os vários programas criados, como facilidades tributárias e de juros, como o programa Mais Alimentos, subsídios à agricultura familiar e outros programas governamentais, divorciados da obrigatoriedade da utilização de tecnologias adequadas, não contribuem com os objetivos acima. E, de quebra, as frequentes perdas de safras por problemas climáticos, estiagens num período, chuvas excessivas em outro ou geadas fora de época. Por isso, há a necessidade da implementação de políticas, de forma harmônica e independente do tamanho da propriedade. Estímulos à irrigação, mediante o armazenamento de água na época de excesso; a redução do custo Brasil, que é o maior sócio dos produtores rurais, sem precisar comprar terra, acordar cedo, trabalhar domingos e feriados, e, mais do que oito horas por dia, sem precisar olhar permanentemente para céu para ver as condições climáticas. Onde está o seguro agrícola? Onde está a flexibilização da legislação ambiental para armazenamento de água nas propriedades? Quanto à logística, a implementação da Ferrosul certamente será uma passo


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gigantesco para aumentar nossa competitividade no mercado internacional.

Agricultura em Passo Fundo O município de Passo Fundo comemorou, em 2007, o seu sesquicentenário, momento oportuno para refletir um pouco sobre a influência que a agricultura teve no seu desenvolvimento socioeconômico. Foi um dos maiores municípios do estado do Rio Grande do Sul, contudo, com as sucessivas emancipações, tornou-se um dos menores municípios em área territorial, especialmente, as últimas emancipações de Coxilha, Pontão, Ernestina e Mato Castelhano transformaram Passo Fundo em um município constituído de pequenas propriedades. As maiores propriedades ficaram nos novos municípios vizinhos. Portanto, a importância da agricultura de Passo Fundo não pode ser dissociada de sua região. Passo Fundo foi um dos berços da agricultura na região norte do estado do Rio Grande do Sul a partir da década de 1950. Mediante financiamentos do Banco do Brasil, os agricultores importavam tratores, colhedoras e equipamentos em troca de trigo. Era a transformação de uma pecuária extensiva e improdutiva numa lavoura tritícola. Naquela época, também foram criadas as cooperativas (cooperativas

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tritícolas), que desempenhavam o importante papel de recebimento, de beneficiamento e de armazenagem do trigo produzido. Áreas crescentes de trigo eram cultivadas no inverno, com aumentos crescentes no valor produzido e com geração de mudanças significativas na matriz econômica da região. Mas não havia uma ocupação econômica dessas áreas de lavoura no verão, pois o milho era uma cultura praticamente só de subsistência. A partir de meados da década de 1960, essas lavouras foram paulatinamente ocupadas com a cultura da soja. O crescimento da área cultivada com soja foi um dos fenômenos mais significativos observados ao longo da história da agricultura. Pela sua adaptabilidade às condições de solo e de clima da região e sua liquidez na comercialização, ela rapidamente tornou-se a principal cultura em Passo Fundo e região. Em 1977, a área cultivada de trigo atingia seu clímax devido ao aumento da importância econômica da soja e às frequentes frustrações com a cultura do trigo. Nesse ano, o estado do Rio Grande do Sul cultivou mais de 2 milhões e 129 mil hectares de trigo, um recorde. Desde aquele ano, as áreas cultivadas com trigo tornaram-se significativamente menores. Assim, novas alternativas de cultivo de inverno foram sendo implantadas, como a cevada-cervejeira, aveiabranca, triticale, centeio, e, mais recentemente, a canola e o girassol.


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Entretanto, como em toda a região, o cultivo que mais cresceu foi o de forrageiras de inverno, especialmente, a aveia-preta, o azevém e outras. A partir de meados de década de 1980, o milho começou a ser cultivado em lavouras extensivas com a utilização de modernas tecnologias disponíveis e hoje representa a segunda alternativa econômica mais importante da lavoura regional. O crescimento das lavouras impulsionou a implantação de indústrias de máquinas e equipamentos agrícolas e o comércio de insumos e de cereais. Essas atividades fortaleceram as cadeias produtivas e geraram empregos, renda e tributos ao município, com participação muito expressiva no PIB. Uma das mais extraordinárias contribuições de Passo Fundo à agricultura regional são as indústrias de máquinas e equipamentos agrícolas, destacando-se a Semeato, a antiga Menegás, hoje Kuhn/Metasa, Bandeirante, dentre outras. Sem dúvida, a Semeato é a empresa que mais leva o nome de Passo Fundo a outros estados e países. Começou com a capacidade empreendedora de Paulo Rossatto, seguiu com o presidente Roberto Rossatto, o vicepresidente o neto Marcelo Rossatto, como diretora comercial a neta Carolina Rossatto, como gerente jurídica a neta Roberta Rossatto. Milhares de pessoas, nas mais diferentes localidades do Brasil,

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América latina e do Norte, Europa, Ásia e África, conhecem Passo Fundo devido à Semeato. Graças à qualidade das suas semeadoras de plantio direto, essa empresa se impôs nos mercados nacional e internacional, tão disputados pelas grandes organizações transacionai. A Menegás, também uma indústria familiar, dentre os vários equipamentos agrícolas que produzia, tornou-se uma referência nacional em enfardadeiras e muito contribuiu para o desenvolvimento da pecuária. Por questões econômico-financeiras, entrou em falência e foi assumida pela Metasa de Marau, também indústria de natureza familiar e dirigida pelo competente Antônio Roso. Recentemente, a indústria foi adquirida pelo Grupo Kuhn, dando um novo impulso no desenvolvimento de máquinas agrícolas, pois é uma das líderes mundiais do setor. Várias outras empresas metalúrgicas de Passo Fundo contribuíram para o desenvolvimento tecnológico da agricultura com os mais diferentes equipamentos. Mas, certamente, para Passo Fundo, além do valor econômico dos empreendimentos e dos tributos gerados, deve-se destacar a contribuição social dessas indústrias. Ao longo dos anos, milhares de famílias foram sustentadas com renda dos empregos gerados por essas indústrias.


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Cooperativismo O cooperativismo é um dos mais importantes instrumentos de associativismo de produtores rurais e tem como principal objetivo a busca de melhores preços na aquisição de insumos e máquinas agrícolas e na comercialização de seus produtos, especialmente, os grãos. Até a década de 1980, Passo Fundo possuía uma das maiores cooperativas do estado do Rio Grande do Sul, a Coopasso, com cerca de 10.000 associados. Abrangia uma grande região, desde o Tio Hugo, Pontão, Tapejara, Água Santa, Coxilha, Mato Castelhano, Nicolau Vergueiro e outras localidades. Além do grande número de associados, a Coopasso se destacava pelo departamento técnico qualificado que tinha, dando uma sólida assistência técnica aos associados, e pelo grande volume de grãos que recebia. Seus dirigentes visionários e empreendedores construíram, inaugurado em 1970, o que era na época o maior armazém subterrâneo de grãos de América Latina. Um acontecimento tão importante para Passo Fundo e região que sua inauguração foi presidida pelo então Presidente da República, Emílio Garrastazu Médici. Lembro-me bem desse momento. Eu servia ao Exército no 17º Regimento de Infantaria em Cruz Alta. Viemos a Passo Fundo para fazer as honras militares ao P residente da República no Aeroporto Lauro Kourtz, na sua chegada e na sua

despedida, num avião Búfalo da FAB. A Coopasso também teve investimentos no setor industrial, com a instalação de moinho, fábrica de ração e planta industrial de processamento de soja, produzindo óleo com marca própria. Infelizmente, a Coopasso foi à falência e deixou um rastro de prejuízos aos associados e uma lacuna no agronegócio local e regional. Em vários municípios da região, novas cooperativas foram criadas ou assumidas por outras de municípios vizinhos, preenchendo essa lacuna. Depois de uma curta experiência com a Cotrel de Erechim, o cooperativismo de produção em Passo Fundo ganha força com a vinda a Passo Fundo, desde 2005, da bem-sucedida Cotrijal de Não-Me-Toque.

Pecuária de corte A região de Passo Fundo foi até a década de 1950 uma tradicional criadora de gado de corte. O sistema de manejo era extensivo e pouco produtivo, a exemplo do que ainda acontece nas principais regiões de pecuária do Rio Grande do Sul. Portanto, Passo Fundo não era apenas um local de passagem de tropas que vinham de outras regiões e cujo destino final era São Paulo. A partir de 1950, a pecuária de corte foi perdendo importância com o crescimento das culturas de lavoura. Atualmente, trata-se de uma atividade econômica de menor


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importância em nossa região apesar das amplas possibilidades de expansão.

Pecuária de leite O município de Passo Fundo sempre foi um tradicional produtor de leite. A característica da exploração era muito diferente da que é praticada atualmente. Existiam os chamados “tambos de leite”, ao redor da cidade, em que os animais eram praticamente alimentados com ração. Havia em Passo Fundo uma grande disponibilidade de resíduos de cevada (malte) da cervejaria Brahma aqui existente, os quais se tornaram a principal fonte de alimentação. Além da disponibilidade, os resíduos da cervejaria tinham um custo relativamente baixo, viabilizando a produção de leite nos tambos. A maior parte desse leite era entregue de casa em casa. Mas, considerando a produção e a crescente demanda, alguns empresários locais criaram uma indústria de laticínios em Passo Fundo, denominada Lapasa. Essa indústria foi adquirida na década de 1980 pela Central das Cooperativas Gaúchas de Leite – CCGL. Entretanto, nunca mais processou leite, transformando-se numa simples unidade de recebimento de leite, que era processado em Ijuí ou Languiru. Com o fechamento da cervejaria Brahma em Passo Fundo, também desapareceu a matériaprima barata para alimentação das

vacas leiteiras. Com isso, praticamente desapareceram os tambos de leite na periferia da cidade. A produção de leite passou a ser realizada no interior, cujo destino são as diversas indústrias de laticínios. E, apesar de toda a legislação proibitiva existente, ainda há em nossa cidade a entrega de leite não pasteurizado, de casa em casa ou na Feira do Produtor. Com a instalação da indústria de laticínios Italac em Passo fundo, a partir de 2008, certamente haverá um aumento significativo de produtores e de produção de leite em nosso município e região.

Frangos de corte Por iniciativa da família Mognon, foi instalado, em Passo Fundo, ainda na década de 1970, o primeiro abatedor de frangos. Posteriormente, esse abatedouro foi adquirido pela Frangosul. Também havia, em Passo Fundo, o frigorífico de frangos Minuano, instalações hoje utilizadas pela Frangosul. Esses abatedouros incrementaram a produção de frangos em toda a região, criando uma nova alternativa técnica e economicamente viável de diversificação nas propriedades agrícolas. E no final da década de 1990, a Frangosul foi adquirida pelo grupo francês Doux, com altos investimentos em nossa cidade. Atualmente, a Frangosul de Passo Fundo lidera o abate de frangos no Rio Grande do Sul, sendo a principal exportadora. Representa,


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para Passo Fundo, a principal empresa geradora de empregos, atualmente superior a 2.800, entre diretos e terceirizados. Mas, uma empresa ainda em processo de expansão, com a possibilidade de novos produtores rurais entrarem na produção de frangos ou ovos, portanto, contribuindo cada vez mais com a geração de empregos, renda, impostos e divisas para o Brasil. Em 2012, esse abatedouro foi adquirido pelo Grupo JBS.

PIB do agronegócio de Passo Fundo O PIB (Produto I nterno B ruto) é um dos principais indicativos de avaliação do crescimento econômico de um país, estados e municípios. O seu resultado é numérico, mas as interpretações são as mais diversas. Depois de medidas restritivas à industrialização de Passo Fundo (“a industrialização atrairia a marginalidade da região para Passo Fundo” ou “todos sabem que Passo Fundo é uma cidade de serviços e não de indústrias”), inicia-se um lento, porém gradual processo de industrialização aqui. Com uma invejada localização geográfica (entroncamento rodo/ferroviário), com aeroporto, com disponibilidade de energia e água (Passo Fundo é rica em fontes de água), como polo de saúde, como polo de educação privada (fundamental, média e superior), como polo de pesquisa, com instituições de formação de mão

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de obra, dentre outros pontos positivos, atrai novas indústrias. Quando se observam as maiores indústrias existentes em Passo Fundo, quanto à geração de empregos, impostos, renda e divisas por exportação, vemos que a maioria é do agronegócio: Semeato, Kuhn, Bandeirante, Bünge, Italac, BS - Bios, Doux Frangosul/JBS, futura Maltaria da Ambev, dentre outras. A primeira grande indústria fora do agronegócio que se instalou em Passo Fundo é a Manitowok. Portanto, sem produção de matérias-primas pela agricultura (grãos) e pecuária (carne e leite) e sem produtores rurais para comprar máquinas e equipamentos agrícolas, como ficaria o setor industrial de Passo Fundo? Portanto, o PIB do agronegócio, considerando o valor agregado, é muito superior a 2%. Aliás, se o agronegócio representa apenas 2% da economia de Passo Fundo, as periódicas estiagens não afetariam nossa economia.

Vacaria, exemplo de desenvolvimento Uma das mais importantes transformações ocorridas na região norte do Rio Grande do Sul, nos últimos anos, foi na região de Vacaria. Em menos de 40 anos, passou de uma pecuária extensiva e improdutiva, semelhante à pecuária da fronteira, para uma das mais importantes regiões mundiais de


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produção de grãos alimentícios, frutas e queijos. Acompanho essa transformação desde 1978, quando começamos a pesquisa de avaliação do potencial de rendimento e adaptabilidade de cultivares de aveia-branca naquela região. Iniciamos em parceria com o então Centro Nacional de Pesquisa de Trigo - Embrapa, hoje Embrapa Trigo, que já realizava pesquisas de trigo na região. Em 1980, fui convidado a proferir uma palestra sobre a potencialidade da região para produção de cereais de inverno para lideranças do município de Vacaria. Ao se considerar as condições de solo e do clima, Vacaria tinha condições de gerar mais riquezas daquela pecuária extensiva. Contudo, a maior limitação dos solos era a acidez, mas facilmente corrigida com a calagem, cuja tecnologia o Rio Grande do Sul adotou a partir de meados da década de1960. Esses campos foram paulatinamente transformados em uma das mais importantes regiões produtoras de grãos alimentícios do mundo. Como a condição climática permite a realização de dois cultivos por ano, a produção por unidade de área é uma das mais altas do mundo. Nas melhores propriedades, que utilizam os melhores cultivares e as mais modernas tecnologias disponíveis, colhem-se de 3 a 5 toneladas/ha de grãos de trigo, cevada–cervejeira, aveia-branca e soja. Esse alto rendimento devese, principalmente, à condição de

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dias mais longos e noites mais frias que ocorrem na fase de formação de grãos. Nessa mesma área, em sucessão, no verão, é realizado o cultivo de milho ou soja. Sem dúvida, é a região gaúcha de maior potencial de rendimento de milho. É comum o rendimento de milho superior a 12 t/ha nos anos de clima favorável. Somando os rendimentos das culturas de inverno e de verão, pode-se chegar a 17 t/ha de grãos alimentícios. Não existe nenhuma região do mundo com essa produção por unidade de área/ano. Por exemplo, nos países da Escandinávia, que apresentam os maiores rendimentos de cereais de inverno, o rendimento recorde chega a 1012 t/ha, mas é apenas uma safra por ano. Outra atividade da maior importância econômica e social foi a implantação de modernos pomares de macieiras, a partir da década de 1970. Graças a uma portaria do Ministério da Fazenda, comandado pelo então Ministro Delfim Neto, foi permitido o uso de incentivos para reflorestamento, pelos madeireiros, também para implantação de macieiras. Atualmente, Vacaria é responsável por 30% da produção nacional de maçãs. Graças à qualidade, essas maçãs conquistaram os mercados interno e externo. Atualmente, milhares de toneladas são exportadas a cada safra. Seguiram-se a implantação de projetos de produção de queijos


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finos (tipo Gran Padano), a produção de uvas viníferas, dando origem a vinhos diferenciados, como na propriedade do empresário Raul Anselmo Randon (vinhos RAR). Para também contemplar os pequenos produtores, a Prefeitura Municipal, Emater e Embrapa fomentaram um projeto de produção de “pequenas frutas”, como amorapreta, morangos, framboesa e mirtilo (blue berry). Atualmente, a associação já conta com 117 produtores. Somente, de mirtilo, “a fruta da longevidade”, já são cultivados 17 hectares. Por isso, Vacaria foi a cidade gaúcha que mais se destacou na geração de empregos em 2010.

Gaúchos na terra prometida Cada vez que visito as principais regiões agrícolas do Brasil, em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, Tocantins ou Bahia, fico mais admirado pela coragem, capacidade empreendedora e de trabalho desses migrantes do Sul do Brasil. Encontramos muitos gaúchos, mas também catarinenses e paranaenses. Muitos desses catarinenses e paranaenses são descendentes de gaúchos já na terceira geração. Já não se identificam como gaúchos e, sim, paranaenses. A maioria absoluta das famílias encontradas é descendentes de

alemães, italianos e poloneses que saíram do Rio Grande do Sul na busca de novas terras, da mesma forma que seus avós ou bisavós fizeram a partir de meados dos anos de 1800, quando deixaram suas famílias na Europa e migraram para o Sul do Brasil em busca de terras. São regiões cujas fronteiras agrícolas começaram a ser desbravadas a partir dos anos de 1970, por meio de programas de assentamento estimulados pelo Governo federal com o objetivo de s e promoverem a ocupação de terras e o desenvolvimento do Brasil Central. De outro lado, tratava-se de um programa social, pois procurava resolver o grave problema dos minifúndios no Rio Grande do Sul. Com famílias grandes, a propriedade familiar passava a ser dividida entre os descendentes, o que reduzia drasticamente o tamanho, e, com tamanho tão pequeno, não dá condições de vida digna pela baixa renda gerada. A região de Lucas do Rio Verde começou a ser colonizada a partir de meados dos anos 1970. Foram assentadas 380 famílias do primeiro acampamento de agricultores sem terra do Natalino. As condições eram muito difíceis, pois as estradas eram precárias e não havia urbanização (energia, escolas, igrejas, lazer, mercados etc). Tudo precisava ser feito. Estima-se que, daquelas 380 famílias, apenas oito permanecerem. As demais venderam suas terras. Hoje, praticamente há somente grandes produtores. São aqueles que


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trabalharam muito e transformaram o município no maior produtor brasileiro de milho safrinha e um dos maiores produtores de soja. O gaúcho migrante é homenageado na entrada da cidade com uma grande estátua, lembrando o cantor tradicionalista Leonardo. Agora entra firme na agroindustrialização com o grande abatedouro de aves e suínos da Sadia (hoje BRFoods). O mesmo acontece ali próximo, em Sorriso (Opuka, na linguagem indígena). Esse município se intitula a Capital Nacional da Soja, pela quantidade produzida. De Cuiabá a Canarana, são aproximadamente 880 km. Até Barra do Garças, junto ao rio Araguaia, divisa com Goiás, as estradas estão boas, mas depois, até Canarana, cerca de 360 kilômetros, é de estradas muito esburacadas e completamente abandonadas. Essa região começou a ser colonizada por uma cooperativa de Tenente Portela, a Coopercol, nos anos de 1970. Foi iniciativa do pastor evangélico Norberto Schwantes. Foi dele a sugestão de nome, pois Canarana deriva de “Canaã”, a terra prometida. Houve conflitos com índios xavantes, os quais, ao contrário dos índios xingu, são guerreiros até hoje e não se misturam muito com os brancos. A cooperativa também não cumpriu as suas obrigações, sobrando apenas tristes histórias de desvios e fraudes. Aliás, talvez devido às mazelas e incompetências administrativas no passado, não há cooperativismo de produção no

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Mato Grosso. Mas não são apenas agricultores que migraram dessa região de Tenente Portela, Três Passos, Ijui e arredores. São também os donos de hotéis, restaurantes, lojas, postos de gasolina, cerealistas, agropecuárias etc. O interessante é que esses descendentes de alemães e italianos constroem CTGs. Um alemão de Tenente Portela falou-me que, aqui no Sul, não participavam de CTGs. Mas, na distância, a cultura às tradições se torna muito forte. E, lá em Canarana, existem festas conjuntas com os indígenas Xingu no CTG da cultura gaúcha, com a música, vestimenta e gastronomia típicas. Ao contrário dos xavantes, esses índios são muito sociáveis com os brancos. E a torcida é principalmente pelo Inter e pelo Grêmio, razão das principais emissoras de rádio da região ficarem em rede com a Rádio Gaúcha ou Rádio Guaíba nas transmissões esportivas. Somente o município de Canarana planta atualmente 100 mil hectares de soja e grande parte dessa área é ocupada na safrinha com milho. Em uma região, onde não chove entre os meses de maio a setembro, possivelmente, seja a principal fronteira agrícola brasileira ainda por ser explorada.


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Querência - MT – Tchê! O município de Querência-MT, tem um milhão e oitocentos mil hectares, sendo a maior parte a reserva indígena do Xingu, já próximo do Pará. Nessa próxima safra de verão, serão cultivados mais de 300 mil hectares de soja nesse município. Trata-se de uma região de colonização que se iniciou há aproximadamente quarenta anos e onde muitos gaúchos diretos ou paranaenses, mas, muitos oriundos do Rio Grande do Sul, se estabeleceram. Então, não poderia faltar um grande e lindo CTG, o Pousada do Sul. A região é de transição entre o ecossistema cerrado e o ecossistema amazônico, uma região de muito calor e chuva no verão. Uma estufa a “céu aberto”, como me definiu um produtor gaúcho, vindo de Crissiumal. O município fica aproximadamente a 1.000 km distante da capital do estado do Mato Grosso, Cuiabá. Por isso há grande expectativa com o início de operação do aeroporto de Água Boa, que aproximará a região do Sul do Brasil. Para terem uma ideia, os principais centros médicos e de saúde buscados são os de Ribeirão Preto e de Barretos, em São Paulo.

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Novas fronteiras agrícolas Com os preços recordes da soja no mercado, a área a ser cultivada no próximo verão será aproximadamente 27% superior à área cultivado no último ano. O Brasil ainda tem muitas áreas que podem ser incorporadas à agricultura: somente no Mato Grosso, estima-se que podem ser incorporados mais 7 milhões de hectares em curto período de tempo. Isso tudo dentro das rígidas leis ambientais, previstas no novo Código Florestal. As áreas a serem incorporadas são principalmente de pastagens degradadas. São áreas extensivas, inicialmente desmatadas para a implantação de pastos e a criação de bovinos de corte. Mas, devido ao mau manejo, essas pastagens estão degradadas, com baixa produção animal, e não conseguem competir com a moderna e rentável produção de grãos. Mas não significa que haverá redução significativa da criação bovina. As fazendas que continuarão são aquelas que usam melhor tecnologia de manejo de pastagens; inclusive, grandes confinamentos, altamente rentáveis, existem em pleno Mato Grosso.


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O Brasil precisa de ferrovias Quanto mais se conhece o Brasil Central e suas enormes potencialidades de produção de alimentos para os mercados interno e externo, vemos a fragilidade da logística. Praticamente todos os insumos e o transporte de grãos são feitos por caminhões a grandes distâncias, com elevados custos de transporte que reduzem nossa competitividade. Em todos os países desenvolvidos, o transporte a grandes distâncias é feito por trem. No Brasil, infelizmente, os investimentos são realizados somente no transporte rodoviário. Nos anos de 2009 e 2010, houve um grande movimento a favor de investimentos em ferrovias. No Rio Grande do Sul, a luta era pela extensão da Ferrovia Norte-Sul, que uniria os portos de São Luiz, no Maranhão, ou de Belém, no Pará, aos portos de Rio Grande, Santos e Paranaguá. A grande obra ferroviária que está sendo gestada no Governo federal é o Trem Bala, unindo-se São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo especialistas da área, esse custo pode chegar a R$ 68 bilhões. Isso para levar, no máximo, 1.500 paulistas de SP ao Rio de Janeiro e 1.500 cariocas a SP, por dia. Essa passagem será subsidiada em 50% de seu custo. Portanto, todos os brasileiros pagarão mais impostos para ajudar não mais de 3.000 viajantes por dia. E o pior, nossos filhos, netos, bisnetos e demais

gerações pagarão impostos para custear esse subsídio. Seria muito mais viável ampliar os aeroportos de Guarulhos e do Galeão, e o assunto estará resolvido. Somente mais seis voos diários a mais por dia garantem o deslocamento dessa população. E, sem subsídios. Com 25% desse valor, poderiam ser concluídas as grande ferrovias, reclamadas há tantos anos, unindo Sul e Norte e Leste e Oeste. Essas ferrovias aumentariam a competitividade da agricultura brasileira e poderiam ampliar enormemente as exportações. Também, sem subsídio. Ao contrário do Trem Bala, nossos descendentes teriam vantagens com o desenvolvimento do país.

A conquista do cerrado O grande Cerrado brasileiro, característico do Brasil Central, tornou-se uma das principais regiões produtoras de alimentos, fato hoje reconhecido mundialmente. Uma região com solos originalmente extremamente ácidos, com elevados teores de alumínio tóxico, de baixíssimos teores de zinco e fósforo, e onde não chove durante o inverno. No tempo do Império, já havia um projeto de levar a capital brasileira do Rio de Janeiro ao Centro-Oeste. Certamente, os portugueses já tinham vislumbrado o enorme potencial lá existente e a


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necessidade de incorporação daquela região à produção de gado, grãos e outros alimentos. Graças ao Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK, foi construído Brasília, inaugurada em 21 de abril de 1961. Começava, verdadeiramente, a conquista do Cerrado brasileiro. No próprio governo JK, foram criados os primeiros projetos de assentamento de produtores rurais, o Padf (Projeto de Assentamento do Distrito Federal). A grande intenção era atrair os agricultores gaúchos, que já haviam iniciado a emigração para Santa Catarina e Paraná. Aqui, a divisão das propriedades pelo grande número de filhos inviabilizava o seu sustento digno. Mas o assentamento inicial, mesmo com a doação das terras pelo Governo federal aos interessados, foi pouco estimulante. Afinal, o Cerrado era um ecossistema absolutamente diferente quanto ao solo e ao clima quando comparado à região Sul. Lembro que todo o período da construção de Brasília era motivo de comentários, a partir das poucas notícias que vinham (especialmente por meio do Correspondente Esso da Rádio Farroupilha). A descrição, à distância, das festividades de inauguração era motivo para as mais diferentes interpretações; afinal, não havia ainda as imagens da televisão. Mais tarde vieram algumas imagens no cinema, com o Canal 100, que antecedia o filme. Lembro também que o padre Franz Hümmler (o Padre Chico),

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muito visionário, fez uma viagem de carro de Ibirubá a Brasília para conhecer a nova capital da República. Creio que isso o c o r r e u em 1962 ou 1963. Praticamente não havia estradas naquela época. Uma verdadeira aventura. Quando voltou, Brasília era um dos temas dos sermões nas missas, nas quais eu ajudava como coroinha. Ele voltou decepcionado com o que viu, certamente, comparava também as condições de solo e clima do Cerrado com as da sua Alemanha, de onde veio em 1938. Não esqueço as suas recomendações aos agricultores do interior de Ibirubá, nas missas mensais na capela, às 16h de domingos: “não vendam um hectare de terra boa aqui para ir morar no Cerrado. Nem barba-de-bode bonita eu vi lá”. De fato, olhando aquela vegetação do Cerrado, absolutamente estranha aos sulistas, mal desenvolvida devido às frequentes e milenares queimadas, um solo pobre em nutrientes e chuva escassa, não era animador. E, quando começava a chover, não havia estrada transitável. Por isso, efetivamente, a colonização do cerrado começou somente nos anos de 1970 e 1980. Os pioneiros começam a desbraválo, muitos ainda malsucedidos. O manejo dos solos tinha que ser muito diferente daquele costumeiramente feito no Sul. Mas os bem-sucedidos, que buscaram uma tecnologia nova já desenvolvida


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pelas universidades do centro do Brasil e posteriormente pela Embrapa, estimularam a migração da gauchada. De forma direta, do Rio Grande do Sul ao Centro, ou indiretamente, aqueles que primeiro haviam migrado para o Paraná e Santa Catarina. A grande vantagem do cerrado eram seus enormes chapadões, com uma altitude próxima a mil metros. Grande luminosidade e altas temperaturas de dia e baixas temperaturas à noite, condição ideal para o desenvolvimento das culturas. A acidez do solo era facilmente corrigida pela calagem, experiência que havia já se iniciado no Rio Grande do Sul nos anos de 1960 e que transformou os campos pobres de barba-de-bode da região em umas das principais regiões agrícolas. A fertilidade era corrigida com os fertilizantes já disponíveis. Lentamente, a pesquisa foi desenvolvendo geneticamente cultivares adaptados àquelas condições de solo e clima, com maiores potenciais de rendimento. Mas somente era possível o cultivo no período das águas. No período das secas, não havia cultivos, apesar da enorme riqueza de água no subsolo. Durante o Governo do Presidente José Sarney, foi criado o Profir (Programa Nacional de Irrigação). Uma das poucas grandes obras desse Presidente, de quem não temos nenhuma saudade. Foram construídos barragens (ou cisternas) para represar a água das chuvas de uma época a fim de

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usá-la nos cultivos no período das secas. Hoje, existem milhares de pivôs de irrigação, que garantem duas a três safras por ano. Municípios como Cristalina e Acreúna (Goiás) e Paracatu e Unai (Minas Gerais) são as verdadeiras capitais nacionais da irrigação. Para exemplificar, conheci a propriedade da família de Dirceu Gatto e Danilo Gatto, naturais de Tapera - RS, que plantam de 10 a 12 mil hectares de feijão por ano. É o “rei mundial do feijão”, graças a mais de cinquenta pivôs de irrigação. Sem dúvida, irrigação e armazenamento de grãos são a base da segurança alimentar!

Espanha: da miséria para a riqueza Alicante é uma cidade com aproximadamente 400 mil habitantes, junto ao Mar Mediterrâneo. Durante sete dias, em 2010, visitei diferentes regiões da Espanha, desde Alicante e Novelda, Valência até Almeria, na região da Andaluzia, terminando com dois dias de visita a Madrid. Praticamente toda essa região visitada é um verdadeiro deserto. Os solos são pedregosos e arenosos, extremamente pobres em nutrientes e salinos, ou seja, um pH superior a 8 e a precipitação média anual varia de 100 a 300 mm apenas. Para comparar, na região de Passo Fundo chove, por ano, em média de 1.500 a 1.800


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mm. A maior parte da água usada no abastecimento urbano ou nas irrigações vem dos tratamentos de dessalinização das águas do Mar Mediterrâneo. Mesmo a água de poço é bastante salgada, não fazendo nem espuma com shampoo e sabonete. Pois, nessa região árida, ergueu-se uma das mais importantes civilizações da humanidade. Ao conhecer essa realidade, compreende-se a razão da busca por novas terras empreendida pelos navegadores espanhóis, como Cristóvão Colombo. Da janela de meu apartamento no Hotel em Madrid, via o enorme monumento em homenagem ao grande navegador junto à Praça Colon. A mais impressionante constatação da viagem, sem dúvida, foi conhecer a região de Almeria, próxima a Serra Nevada, também junto ao Mar Mediterrâneo. Até a década de 1960, essa região era conhecida como a “região da miséria, da fome e do choro”. Então, começaram a implantar estufas para produção de hortaliças. De um lado, serras e uma vegetação desértica, e, de outro, na planície, próxima ao Mar Mediterrâneo, “um mar de estufas”. Atualmente, há mais de 40 mil hectares com estufas, produzindo tomates, pimentões, berinjela, melão, abobrinha, melancia e outras espécies de menor importância. Toda essa produção é exportada para toda a Europa. Parte dos tomates é

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industrializado, na forma de massa de tomate, e exportado, inclusive, para o Brasil. A partir da década de 198090, iniciam-se as fortes restrições do mercado consumidor europeu, a começar por Alemanha e França, aos alimentos com resíduos de agrotóxicos e metais pesados. O mercado espanhol ficou restrito. Tipicamente de acordo com a expressão que “a dor ensina a gemer”, transformaram toda essa produção de hortaliças em alimentos orgânicos e hoje dominam o mercado europeu. Da Cooperativa de Almeria, saem todos os dias, três carretas frigoríficas levando hortaliças, in natura, aos mais diferentes centros de distribuição da Europa. Um hectare de terra nessa região custa em torno de 60€ mil (sessenta mil euros). A instalação de uma estufa, toda automatizada, custa outros 100€ mil (cem mil euros). O solo serve meramente como um substrato para sustentação das plantas, pois todos os nutrientes são fornecidos por meio da irrigação e via foliar. Como a maior parte da água é desalinizada (em grandes usinas), seu custo é mais elevado, mesmo com os subsídios governamentais. As moléstias e pragas são controladas de forma preventiva com a utilização de compostos orgânicos naturais, que promovem a expressão de genes de autodefesas das plantas. Entretanto, o rendimento obtido nessas condições é muito alto. Para


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exemplificar, um hectare de tomates (em rama, pera, graúdo ou cereja) tem um rendimento de 120 a 180 toneladas por hectare. Como os alimentos orgânicos têm um valor mais elevado, a receita bruta de um hectare de estufa pode chegar a 200€ (duzentos mil euros) por ano. Essa verdadeira “fábrica” de hortaliças fez com essa região seja hoje uma das mais ricas da Espanha. Isso pode ser visto no luxo das casas e nas modernas revendas de automóveis, como BMW, Mercedes, Toyota e outros. E pessoas muito alegres e hospitaleiras.

Agricultura brasileira no Paraguai Os agricultores gaúchos ficaram notabilizados pelo seu espírito desbravador, alargando-se as fronteiras agrícolas brasileiras. Há cinquenta anos, na região do Planalto Sul-rio-grandense, já havia a necessidade da busca de novas áreas, pois a subdivisão das propriedades não permitia mais o sustento digno das famílias. Primeiramente, emigraram para Santa Catarina e Paraná, de um lado, para buscar novas terras para agricultura e, de outro, para explorar as enormes matas de araucárias. Nas décadas de 1960 e 70, o destino da emigração passou a ser o Mato Grosso, depois Goiás. Tocantins, Minas Gerais e Bahia. A partir dos anos 1990, o avanço

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ocorreu em terras agriculturáveis dos estados do Piauí, Maranhão, Pará, Rondônia e outros. Em todas essas regiões, é marcante o trabalho dos gaúchos, com a promoção do desenvolvimento dessas regiões com a geração de progresso não apenas no agronegócio, mas também nos demais setores econômicos da sociedade. Isso ocorre, porque toda a riqueza gerada pelo setor primário da economia obrigatoriamente circula pelos setores secundários e terciários da economia. Graças aos agricultores, foram sendo gerados outros empregos para os demais profissionais, como médicos, odontólogos, enfermeiros, advogados, economistas, administradores, entre outros. Essas colônias gaúchas levaram também a nossa cultura gaúcha a “plagas distantes”, como a música, a gastronomia e as danças, espalhando os centros de tradição gaúcha (CTG) em todo o Brasil. As grandes festas tradicionalistas atraem milhares de turistas de outras regiões. Em 2006, durante a Semana Farroupilha, tive o prazer de proferir uma palestra em Formosa, onde tem uma grande colônia gaúcha, oriunda especialmente dessa grande região de Não-Me-Toque. Havia 226 produtores presentes em um grande churrasco, com direito ao Hino Riograndense, ao hino do Grêmio, ao hino do Inter e à satisfação, como professor, de reencontrar mais de duas dezenas de ex-alunos, trabalhando na região e muito bemsucedidos.


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Além do progresso e da riqueza gerada, também muitas dificuldades foram e são enfrentadas. Recentemente, todos acompanharam a discussão sobre demarcação de uma enorme reserva indígena, a Raposa-Serra do Sol, proposta pelo Presidente Lula e aprovada pelo Supremo Tribunal Federal. Os produtores expulsos são na sua maioria gaúchos, que não invadiram terras indígenas, mas as adquiriram legalmente. O líder dos produtores de arroz era o passo-fundense Paulo César Quartiero, engenheiroagrônomo formado na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. Depois das emigrações para outros Estados brasileiros, a gauchada começa a promover o desenvolvimento da agricultura no Paraguai e Bolívia. Em setembro de 2007, estive fazendo uma palestra no Congresso Boliviano de Soja, em Santa Cruz de La Sierra. Estavam presentes aproximadamente 650 produtores e técnicos presentes, dos quais aproximadamente 90% eram brasileiros, especialmente gaúchos. Geralmente, um tradicional produtor e com espírito empreendedor, uma vez bem-sucedido, acaba estimulando o mesmo caminho para outros parentes, amigos, vizinhos etc. Esses gaúchos já cultivam aproximadamente um milhão de hectares de soja naquela região boliviana. Atualmente, estão sofrendo toda sorte de dificuldades de ordem política, impostas pelo Presidente Evo Morales, que pretende devolver essas áreas aos índios

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bolivianos para plantarem coca. Em 15 de maio de 2007, estive palestrando em um CTG em Santa Rita, no Paraguai. Foi parte da programação da Expoagro, a maior feira do agronegócio paraguaio, e promovida pelo CTG em sua belíssima sede. Também há a preocupação desses brasileiros com os cada vez mais frequentes movimentos de invasão de suas terras pelos índios. Foram estimulados pelo então candidato Bispo Lugo, cujo lema era “devolver a terra aos seus verdadeiros donos: os paraguaios”.

A pujante agricultura chilena Visitei o Chile em duas oportunidades, em 1987 e em 2007, durante uma semana, e especialmente conheci a principal região produtora de grãos alimentícios, de Santiago a Temuco. O Chile foi considerado por muitos anos o país de maior prosperidade na América Latina, traduzido pelo alto nível de ensino, a expressão cultural e a qualidade de vida da população. A riqueza material provinha principalmente da exportação de cobre e de nitrato de sódio, o conhecido salitre do Chile. O cobre era o metal mais utilizado no mundo inteiro na fiação das ligações de energia e de telefonia. O Chile tinha uma das


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maiores reservas internacionais de cobre, o que lhe dava, além das divisas, um alto poder de barganha. No entanto, com o advento da fibra ótica, o cobre perdeu importância. Com isso, a economia chilena sofreu um duro golpe, pois essas divisas, advindas da exportação do cobre, garantiam o emprego e a renda à população e os tributos aos governos. Esses tributos representavam os investimentos em educação, saúde, segurança e infraestrutura, que revertiam na melhoria da qualidade de vida da população. Outra importante riqueza do Chile era a enorme reserva natural do salitre. Até o término da Segunda Guerra Mundial, o salitre do Chile era o principal fertilizante nitrogenado utilizado na agricultura, em todos os países, especialmente, naquela época, os da Europa e América do Norte. A exportação desse fertilizante pelo Chile era a segunda maior fonte de divisas, contribuindo também para o desenvolvimento do país. Esse salitre do Chile era também o principal ingrediente para a confecção de bombas de TNT (trinitro-tolueno). Portanto, durante a Segunda Guerra Mundial, representava mais uma forte demanda para o comércio exterior do Chile. Foi por isso que os países aliados utilizaram a estratégia de impedir que a Alemanha, a Itália e o Japão continuassem buscando essa matéria-prima no Chile. Talvez por essa razão o Brasil tenha sido envolvido nessa guerra contra os

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desejos de seus governantes e da população a partir do afundamento de um de seus navios, sem certeza de que tenha sido realmente pelos alemães. Os americanos e os ingleses não tinham interesse no nossos pobres Exército, Marinha e Aeronáutica, mas, e m que o Brasil, entrando na guerra, impedisse que, em suas águas territoriais, circulassem os navios alemães e italianos que buscavam o salitre no Chile. Foi quando o químico alemão Harber desenvolveu a tecnologia de utilização do nitrogênio do ar atmosférico, transformando-o em amônia, a qual, então, era utilizada na fabricação de bombas, o q u e garantiu a continuidade da guerra por mais alguns anos. Quando a guerra terminou, havia sido descoberto um dos processos mais econômicos e hoje universalmente utilizado na fabricação dos maiores diferentes fertilizantes nitrogenados. A consequência foi que o Chile perdia mais uma de suas principais riquezas. Os países não importavam mais o salitre do Chile. Aliás, para o próprio Chile, era mais barato importar ureia de outros países do que continuar explorando suas minas de salitre. Foi o segundo grande golpe na economia c h i l e n a no pós-guerra. A crise do cobre e a do salitre foram as principais causas do empobrecimento da população do Chile, gerando o desemprego, a redução da renda e os conflitos sociais vividos no final da década


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de 1960. Era o terreno mais fértil para a eleição de Salvador Allende, com um discurso populista, que prometia o paraíso ao povo, muito semelhante, em conteúdo, ao discurso atual de Hugo Chávez. Atribuíam-se os problemas econômicos e sociais do país à incompetência das “elites” que haviam governado o Chile. O governo do Presidente Salvador Allende não conseguiu resolver os problemas econômicos e sociais do Chile, pois não encontrou uma nova alternativa para o crescimento da economia e o desenvolvimento almejado pelos chilenos, razão da perda do crédito junto ao seu eleitor. Para manter-se no poder, o seu projeto era a estatização de todos os bens de produção, a exemplo dos regimes comunistas que o apoiavam, especialmente Cuba. Ao invés de um novo projeto de desenvolvimento para a geração de emprego e renda, a política desejada era distribuir simplesmente a riqueza privada já existente. Como democratas, não podemos concordar com a forma como Allende foi tirado do poder e o propósito também não é fazer juízo de valor sobre a questão ideológica e política. Também não podemos defender ditadores, não importando ser Pinochet, Stroessner, Fidel Castro, Mao Tse Tung, Stalin, Saddam Hussein, ou outro qualquer, mas devemos interpretar as causas que levaram ao desenvolvimento do Chile, especialmente da agricultura, e tirar algumas lições.

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A partir do momento em que o Chile não tinha mais a riqueza do cobre e do salitre do Chile, o Governo procurou novas alternativas para o desenvolvimento. Os investimentos foram direcionados basicamente para a agricultura e turismo. Graças aos recursos naturais como cordilheiras, neve, vulcões, lagos e praias do Pacífico, o Chile recebe uma enorme quantidade de turistas a cada ano. Na agricultura, além da produção de grãos, foi agregada a produção de frutas e de hortaliças. Como a produção chilena ocorre no período de inverno no hemisfério norte, foi encontrado um enorme mercado potencial. Os europeus tinham alto consumo de sucos industrializados e conservas de frutas, pois não tinham produção no período das neves. A fruta in natura sempre será mais apreciada do que um suco ou uma fruta conservada. Para promover o desenvolvimento do agronegócio e sem recursos governamentais para investimentos, o Governo chileno abriu mão de 7% dos impostos. Assim, quando um produtor rural comercializava seus produtos, podia abater 7% desse imposto caso comprovasse novos investimentos, como aumento de área de cultivo, compra de máquinas e equipamentos, construção de silos e armazéns etc. Na prática, isso representou um crescimento do agronegócio da ordem de 7% ao ano. Essa política foi repetida por quase 15 anos, ensejando-se o estado de desenvolvimento atual.


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Hoje o Chile é um dos maiores países exportadores de frutas e hortaliças. Grandes navios frigoríficos saem dos portos chilenos, especialmente, o de Antofogasta, levando produtos para a Europa. A porta de entrada é Amsterdam (Holanda), de onde são distribuídos por todo o continente europeu. Enquanto o desenvolvimento não veio, foram criadas as grandes frentes de trabalho em todo o país, integrando ações de Governo federal, das províncias (departamentos) e municípios, para minimizar a questão do desemprego. Os desempregados, dentro de sua profissão, eram utilizados na construção e conservação de estradas, escolas, hospitais, praças, pontes, construção de casas populares etc. Cada trabalhador recebia três refeições durante a jornada de trabalho e levava à noite para casa uma diária equivalente ao salário mínimo, visando à alimentação da família. Nas cidades, as frentes de trabalho faziam, por exemplo, limpeza de ruas. Os moradores da quadra tinham que fornecer a alimentação desses trabalhadores, enquanto o governo pagava a diária no final do dia. Certamente, essa é uma forma muito mais digna de políticas sociais do que o mero assistencialismo (ou clientelismo político). E, em acordo a um princípio bíblico: “ganharás o pão de cada dia com o suor do seu rosto”!

O agronegócio argentino A Argentina transformou-se, nos últimos 25 anos, em um dos maiores países produtores e exportadores de produtos agrícolas, como grãos, frutas, vinhos, carnes e derivados de leite. A principal região produtora de grãos e de carne apresenta solos extremamente férteis (“a la Pampa ou Mesopotâmia Argentina “), o que representa a produção com custos significativamente inferiores em relação ao Sul do Brasil. Além da privilegiada condição natural, os governos argentinos, desde a década de 1960, sempre implantaram políticas que promovessem o desenvolvimento do setor, mas, principalmente, que propiciassem maior competitividade no mercado internacional. No entanto, há uma crise no setor do agronegócio argentino. Desde setembro de 2006, o Governo decretou o contingenciamento de 20% na exportação de produtos agrícolas. Recentemente, esse percentual de retenção aumentou para 24%. Na prática, é como se o produtor tivesse que pagar mais 24% de imposto sobre tudo o que exporta, o que representa, praticamente, a perda do valor líquido que ele obtinha com a produção nos últimos anos. A referida ação governamental promoveu uma queda dos preços no mercado interno de aproximadamente 30% e beneficiou os consumidores. Além disso, os


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recursos do contingenciamento constituem um fundo, utilizado pelo Governo federal para o fornecimento de auxílio semelhante ao saláriofamília no Brasil. Os produtores argentinos estão mobilizados em todo o país tentando que a medida governamental seja suspensa. No final do ano, suspenderam por três dias a comercialização de produtos agrícolas. No entanto, não obtiveram sucesso com o protesto. Lá, como no Brasil, a população rural é cada vez menor e, portanto, com uma barganha política também cada vez menor. Trata-se de uma característica de governos populistas utilizarem o trabalho e o suor dos produtores para garantir dividendos eleitoreiros com a principal massa de eleitores. São situações que ocorrem periodicamente nos países sulamericanos. Para os brasileiros, num típico sentido latino, poder-se-ia dizer que, quanto pior para agricultura argentina, é melhor para o Brasil, pois são nossos principais concorrentes no mercado internacional, além da expressiva exportação argentina de produtos agrícolas para nosso país. No entanto, a longo prazo, isso também é ruim para o agronegócio brasileiro em nível internacional. O melhor para todos seria uma política única entre Brasil e Argentina de fortalecimento do mercado interno, sem detrimento do mercado externo, tão arduamente conquistado ao longo de décadas.

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A união do Brasil com a Argentina daria um poder de barganha muito maior aos dois países, diante de um competitivo e subsidiado mercado internacional. Por exemplo, com a criação de uma Opep (Organização dos Países Exportadores de Proteína), o Brasil e a Argentina, juntos, seriam os maiores exportadores da melhor proteína vegetal (soja) e da proteína animal (carne bovina, suína e de aves).

Impressões sobre agricultura na Finlândia Em julho de 2004, tive a oportunidade de conhecer um pouco da Finlândia ao participar, em Helsinque, da Conferência Internacional da Aveia. A Finlândia é um país com aproximadamente 686 mil km2 , com aproximadamente 315 ilhas, junto ao Mar Báltico. A agricultura ocupa somente dois milhões de hectares e a maior parte do território é ocupada por florestas e lagos. Por isso, a agricultura representa apenas 3,45 do PIB, sendo a maior renda proveniente do turismo. A Finlândia tem 5,2 milhões de habitantes e recebe cerca de 1,4 milhões de turistas por ano. Segundo a ONU, é o país de melhor qualidade de vida do mundo, tem o município de maior longevidade e o menor índice de corrupção no serviço público. Está localizada a


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aproximadamente 60o de latitude norte. Nessa época do ano (verão), o sol põe-se às 10h15, e amanhece às 3h30. No inverno, observa-se o contrário, havendo muito pouco sol e muito frio. A principal cultura c u l t i v a d a é a cevada (523 mil hectares), seguida da aveia-branca (451 mil hectares), trigo (174 mil hectares), oleaginosas como canola e linho (68 mil hectares), beterrabaaçucareira (31 mil hectares), batata (30 mil hectares) e outras culturas, totalizando-se 1.196 mil hectares. O rendimento de aveia, nos melhores anos, varia de 6 a 9 t/ha e, nos anos ruins, de 3 a 4 t/ha. Além dos altos rendimentos, os grãos de aveia produzidos na Finlândia têm excelente qualidade, razão pela qual a maioria dos grãos é exportada inclusive para os Estados Unidos da America. Pela grande importância da aveia, a Finlândia organizou entre 17 e 22 de julho 2004 a XV Conferência Internacional de Aveia, realizado de quatro em quatro anos. Neste ano, estiveram presentes 176 pesquisadores e industriários da aveia, originários de t r int a e t r ês países. A maior delegação era da própria Finlândia (sessenta e um participantes). O tema principal de conferência foi o uso da aveia como alimento funcional e de suas qualidades nutritivas devido à presença da fibra betaglicano e dos flavonoides. Durante o Congresso, as principais indústrias de processamento de aveia apresentaram seus alimentos

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para degustação. Um mercado crescente na Europa é o consumo de aveia na forma solúvel, com alta concentração de fibras, misturada ao leite ou sucos. Considerando-se a alta percentagem de pessoas com problemas de intolerância ao leite (60% nos países asiáticos), há inúmeros produtos derivados de aveia (“leite de aveia”). Há inclusive iogurtes de aveia extrato, com os mais diferentes sabores. Um dos produtos apresentados tem a mistura de extrato de aveia e soja, unindo as principais características nutritivas destes dois grãos. Outra questão já muito explorada na Europa é o uso de aveia pelas pessoas intolerantes ao glúten. A aveia, seguramente, não tem glúten, sendo, portanto, um alimento indicado para essas pessoas. O único problema é a possibilidade de mistura de aveia com grãos de trigo ou cevada, seja no campo, na colhedora, no transporte, na armazenagem ou na própria indústria quando se processam grãos de aveia e outros cereais. Na Finlândia, há um programa que envolve produtores, indústrias e governo visando à purificação de aveia em todas as fases da produção, de transporte e de industrialização com o objetivo de se alcançar a distribuição de um alimento seguro aos celíacos. Uma viagem como essa mostra uma triste realidade: o pouco conhecimento dos europeus sobre o Brasil. O fato mais importante é o futebol. Não se vê uma só loja de


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material esportivo na qual o manequim não esteja com fardamento da seleção brasileira. O café produzido no Brasil e exportado para Itália e Alemanha é relacionado apenas àqueles países pelos consumidores e não ao país produtor. Exportamos matériaprima e todo o valor agregado ao produto é feito pelos países que o industrializam e distribuem-no. E quem exporta matéria-prima, na verdade, exporta empregos, renda e impostos.

Churrasco em Paris Assistimos pela televisão a um grande churrasco realizado no dia 14 de julho de 2003, em Paris, patrocinado pelo G overno brasileiro. O churrasco ainda precedido da caipirinha, tipicamente brasileira. Como o dia 14 de julho é uma data significativa na história da França, a presença do Ppresidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e comitiva revestiu-se de grande importância e deu visibilidade ao Brasil na mídia internacional. Foi uma iniciativa louvável, pois, no fundo, não se tratava meramente do oferecimento de uma comida típica da região Sul do Brasil, mas de marketing da carne brasileira com vistas ao aumento de sua exportação. Como a principal vocação exportadora brasileira é de alimentos, é de fundamental importância que as embaixadas se transformem em unidades efetivas

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de negócio e de divulgação de nossos produtos. Evidentemente, somente conseguiremos efetuar exportações de produtos que sejam conhecidos e apreciados pelos demais povos. Isso resgata uma reivindicação antiga dos empresários e exportadores brasileiros, pois historicamente os principais banquetes oferecidos no Brasil e nas embaixadas não incluíam os produtos da cozinha típica do Brasil. São jantares à francesa, geralmente regados com vinhos e champanhes importadas, precedidos de whisky escocês como aperitivo. Graças às políticas implantadas, principalmente, pelos ex-Ministros gaúchos Francisco Sérgio Turra e Pratini de Moraes e seguidas pelo Ministro Roberto Rodrigues, há uma maior divulgação de produtos brasileiros no exterior. Essas políticas são algumas das responsáveis pelas crescentes exportações, especialmente, de alguns produtos que não eram da tradição exportadora brasileira, como a carne bovina, frutas, cachaça, dentre outras. Em relação à cachaça, as exportações eram mínimas até poucos anos atrás. Depois de ter sido criado um programa de fomento de exportação específico, houve um aumento extraordinário nesse comércio nos últimos anos. Em 2004, conheci um quiosque de uma brasileira, com quatorze empregados também brasileiros,


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que vende caipirinha no centro de Frankfurt. Ela me contou que foi para a Alemanha para trabalhar como garçonete em bares e restaurantes. E como ficou sendo conhecida pelas deliciosas caipiras que preparava, resolveu, então, abrir seu próprio negócio e gerou emprego para mais treze pessoas do Brasil. O impressionante é o preço que ela vende uma caipirinha na Alemanha: 5€ (conco euros) ou o equivalente a R$ 15,00. Mas voltemos ao churrasco, que é um prato tipicamente da culinária gaúcha. A sua importância é tão grande que a Assembleia Legislativa, por proposição do Deputado Giovane Cherini, fez uma lei sobre como ele deve ser preparado tipicamente. E o que vimos em Paris não tem nada a ver com churrasco típico gaúcho. Em primeiro lugar, os 600 kilos de carne eram somente picanha de São Paulo e não do Rio Grande do Sul. Em segundo lugar, o preparo também não tem nada a ver com o “código do churrasco gaúcho”. Na verdade, foi preparada “uma picanha fatiada”, prato tipicamente da cultura paulista. E ainda vimos algumas pessoas trabalhando com roupas típicas de gaúchos, mas preparando um prato tipicamente paulista. É difícil compreender que, com tantos gaúchos no Governo federal em cargos próximos ao Presidente Lula, eles não aproveitaram a ocasião para preparar para os franceses um churrasco tipicamente gaúcho, regado com os bons vinhos do Rio

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Grande do Sul e precedido de uma caipirinha preparada com cachaça de São Paulo ou Minas Gerais. Esse poderia ser um caso meramente casual. Entretanto, o problema é mais profundo. Dos recordes de exportação de carne bovina que ocorreram nos últimos anos, há pouca participação da carne gaúcha. O nosso sistema de produção de carne está desestruturado, a maioria dos grandes abatedouros fechados e o abate clandestino e os altos impostos fechando outros.

Brasil na Alemanha com futebol e café Com a realização da Copa do Mundo na Alemanha, todas as atenções mundiais se voltam para aquele país. E o Brasil é a principal atenção pelo que nosso futebol representa para o resto do mundo. Enquanto os jogos são assistidos por milhões de pessoas, o primeiro jogo brasileiro na Copa teria sido assistido por mais de um bilhão de telespectadores. Quem viaja ao exterior sabe o quanto o futebol brasileiro representa. Qualquer vitrine de lojas de material esportivo é enfeitada com o uniforme da seleção brasileira e os manequins geralmente são de jogadores brasileiros, como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Kaká e Roberto Carlos.


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O Brasil é, sem dúvida alguma, o maior celeiro mundial de jogadores de futebol. E é pouco provável que haja um só país no mundo onde se joga futebol no qual não exista pelo menos um jogador brasileiro. A exportação de jogadores representa o ingresso anual de milhões de dólares ou euros em divisas ao nosso Brasil. Por isso vale a pena pensar sobre qual seria a imagem brasileira no exterior caso não fôssemos o que somos no futebol. Alguém diria que também temos o carnaval e o samba, mas o futebol é nosso principal atrativo no exterior, causa admiração e faz simpatizantes. É hora de usar o futebol para melhorar a renda da exportação de outros produtos, como os agropecuários. Durante a Copa do Mundo, os jornalistas que estão cobrindo o evento relatam com entusiasmo os grandes e belíssimos cafés lá existentes. Além da Alemanha, o café também é muito importante na Itália e França. Mesmo que seja possível encontrar na Alemanha café oriundo de todas as regiões do mundo, ele é principalmente importado do Brasil. Aliás, há uma preferência pelo café brasileiro, pois é do tipo arábica, muito mais saboroso do que o tipo robusta. Entretanto, poucos dos que visitam um café na Alemanha sabem que o saboroso café que estão tomando é importado do Brasil. Ao contrário, quando se pede um café brasileiro num restaurante na Europa, é comum receber a resposta de que não há café brasileiro, mas o finíssimo café alemão ou italiano. E

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na Alemanha ou na Itália, só tem café plantado como curiosidade em jardins botânicos. Tanto na Alemanha como na Itália, há programas de marketing para se não vincular o café ao Brasil. Dessa forma, na exportação brasileira de café é crescente a comercialização de café não beneficiado. Os estrangeiros vêm ao Brasil e compram o café na colheita (café em côco), que é levado de navio aos portos de Gênova na Itália ou Hamburgo na Alemanha e lá ocorre a sua torrefação. Dessa forma, todo o valor agregado ao produto fica com o importador e o distribuidor. Os produtores brasileiros ganham cada vez menos, ao ponto de muitos estarem eliminando as plantas de café e trocando-as por outras culturas como cana-de-açúcar e seringueira. Um país que exporta produtos não beneficiados e industrializados exporta empregos, renda e tributos. A riqueza é gerada principalmente quando se agrega valor ao produto. No caso do café, estima-se que haja uma agregação de oitenta vezes no seu valor quando s e c o m p a r a o preço do cafezinho em qualquer café da Europa ao valor que recebe o nosso produtor. Mas o mercado de exportação de café industrializado é cada vez menor. Como consequência, cresce cada vez mais a exportação do produto in natura. Por isso, é incompreensível o fato de o Brasil não fazer campanhas publicitárias nas principais cidades da Europa para mostrar aos consumidores que o gostoso café


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que tomam é produzido aqui. E o pior, por que não usamos o futebol e Copa do Mundo para mostrar ao mundo que, além do melhor futebol, também produzimos o melhor café do mundo?.

Alemanha, cerveja e também vinho A Alemanha é conhecida como o país da cerveja. De fato, a cerveja, assim como nós a conhecemos hoje, foi criada pelos monges. Ela é muito diferente da “cerveja” que existia no Egito antigo, uma bebida alcoólica elaborada de cereais, que era principalmente consumida nas festas dos plebeus. As famílias nobres consumiam vinho. Talvez por isso a Bíblia só relate o consumo de vinho nas festas relacionadas à vida de Jesus Cristo, pois ele era descendente de uma família nobre, a de José. Somente em Munique, há mais de dois mil diferentes tipos de cervejas. Também aqui se realiza a famosa Oktoberfest, que atrai milhões de turistas em cada edição, que começa no último sábado de setembro e dura duas semanas. Os alemães também são os maiores consumidores mundiais per capita de cerveja. Entretanto, a Alemanha também é um dos maiores produtores mundiais de vinhos. E vinhos de muita qualidade, especialmente, os vinhos brancos, destacando-se o Riesling. Uma

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tradição muito antiga: em Deidesheim, há a tradição vinícola desde o ano de 1395. Nas regiões dos dois principais rios da Alemanha, o Reno e o Neckar, existem milhares de hectares cultivados com videiras, destinadas à elaboração dos mais diferentes tipos de vinhos. Em janeiro de 2011, conheci parte dessa região, a região dos vales. Existe uma Rota do Vinho (Winestrasse), com oitenta e seis kilômetros de extensão. Praticamente, há somente o cultivo de videiras e centenas de pequenas e grandes vinícolas nesses povoados bucólicos. Daí, uma característica de os vinhos alemães terem marcas familiares. Mas o mercado é praticamente interno e para alguns países da Europa, América e, agora, o promissor mercado asiático. Em 1985, tive oportunidade de realizar um tour pelo rio Reno, entre Mainz e Koplenz. Além de visualizar a maioria dos grandes e lindos castelos nas montanhas à beira do Rio Reno, pode-se ver as grandes plantações de videiras nas encostas. Ali são pequenas áreas por família, de menos de um hectare, elaborando-se um vinho diferenciado em cada família. Cada família faz entre mil a duas mil garrafas por ano, que são vendidas aos turistas. No Brasil, não se associa o vinho aos alemães, porque toda a indústria vinícola foi desenvolvida pelos descendentes italianos. As famílias italianas trouxeram mudas de videiras e as cultivaram em suas


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propriedades. Primeiro, para satisfazer o consumo próprio, pois os italianos têm um consumo per capita maior de vinho. Era o chamado vinho colonial, até hoje muito apreciados pelos italianos, mas que não têm a qualidade hoje exigida pelo grande mercado consumidor. Entretanto, essa caminhada foi muito difícil. As videiras trazidas pelos imigrantes alemães foram logo dizimadas por uma praga de solo. Então, a princesa Izabel, certamente compadecida dos imigrantes, trouxe dos Estados Unidos mudas de uma videira resistente a essa praga de solo. A variedade ficou conhecida como uva Izabel, cujo plantio predominou até poucos anos atrás. Esse é o berço da grande indústria vinícola da região da Serra gaúcha, como Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi e arredores. Com a criação do Mercosul, que permitiu a livre entrada dos bons vinhos varietais argentinos, temia-se pela sobrevivência das vinícolas gaúchas. Como “a dor ensina a gemer”, com o auxilio da pesquisa, especialmente, da Embrapa Uva e Vinho, foram sendo introduzidas as melhores variedades viníferas, conhecidas no mundo. Hoje, a cada ano, os vinhos gaúchos, especialmente tintos e espumantes, conquistam prêmios internacionais de qualidade e já competem com os melhores vinhos argentinos. Mas por que os imigrantes alemães não se dedicaram ao cultivo de videiras no Brasil e à elaboração

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de vinhos? Há controvérsias. Para alguns, os colonos vindos da Alemanha eram de regiões sem tradição no cultivo de videiras e, sim, de cereais. Para outros, segundo registros históricos, os portugueses não permitiram que os descendentes alemães cultivassem as mudas de videiras que traziam da Alemanha. No porto, essas mudas eram destruídas. Isso porque, naquela época, entre 835 a 1870, os vinhos alemães competiam com os vinhos portugueses na conquista do rico mercado inglês. Na época, o vinho fabricado na Itália não era competitivo; portanto, os portugueses temiam que os imigrantes alemães tornassem o Brasil um competidor no comércio internacional de vinhos e fornecedor direto aos ingleses.

Tulipas holandesas no Canadá Ao assistir aos Jogos de Inverno de Vancouver, no Canadá, recordo-me de uma visita de uma semana a Ottawa, a capital do Canadá, em 1998, a convite do Ministério da Agricultura daquele país. Existe uma interessante e histórica relação das tulipas holandesas com Ottawa. Durante a Segunda Guerra Mundial e a ocupação alemã dos Países Baixos, o príncipe (o alemão e naturalizado


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holandês Bernhard de LippeBiesterfeld) e a princesa Juliana (Juliana Emma Louise Wilhelmina van Oranje-Nassau) decidiram deixar a Holanda com suas duas filhas (Beatriz Guilhermina e Ema Isabel) e rumar para o Reino Unido. Juliana permaneceu no Reino Unido por um mês antes de levar as crianças para Ottawa. O príncipe permaneceu no exílio, em Londres com a rainha Guilhermina e os membros do Governo holandês. Algumas pessoas consideram uma atitude covarde o fato de o governo e de toda a Família Real terem abandonado o país e seu povo nas mãos dos invasores nazistas, provavelmente tendo por base a atitude da Família Real Britânica que permaneceu em Londres durante os bombardeios alemães. Todavia, a Grã-Bretanha foi invadida e é de se supor que, se a rainha Guilhermina e sua corte houvessem decidido permanecer na Holanda, teriam sido forçosamente aprisionados. Quando do nascimento de sua terceira filha, Margriet (Margarida Francisca), o Parlamento do Canadá aprovou e o Primeiro-Ministro do Canadá decretou uma lei especial declarando os aposentos da princesa Juliana, no Ottawa Civic Hospital, como extraterritoriais. Se tal não tivesse sido feito e a princesa Margriet recebesse dupla cidadania, ela não poderia entrar para a linha sucessória ao trono holandês. Assim, a princesa pôde nascer holandesa, apesar de estar

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no Canadá. Juliana foi a Rainha-mãe da Holanda de 1948 a 1980 e faleceu em 2004. Sua filha mais velha, Beatriz Guilhermina, é a atual rainha da Holanda. Como a Holanda é uma monarquia e o sistema de governo é parlamentarista, cabe a ela, como chefe de Estado, indicar ao Parlamento o nome do novo primeiro-ministro. O PrimeiroMinistro holandês, Jan Peter Balkenende, apresentou a renúncia do gabinete de seu governo à rainha Beatriz devido a divergências internas sobre a prorrogação da missão holandesa no Afeganistão, solicitado pela Otan. Os laços da princesa Juliana com o Canadá viram-se ainda mais reforçados quando milhares de soldados canadenses lutaram e morreram pela libertação dos Países Baixos do nazismo, entre 1944 e 1945. Em 2 de maio de 1945, ela voltou com a rainha Guilhermina para a parte reconquistada dos Países Baixos. Como prova de sua gratidão ao Canadá, ela enviou 100 mil bulbos de tulipa a Ottawa, e mais 20.500 no ano seguinte, com a recomendação de que parte deles deveria ser plantada no terreno do Ottawa Civic Hospital, onde havia dado à luz Margriet, e também em frente ao Parlamento. Ela prometeu fazer uma doação anual de tulipas a Ottawa pelo resto de sua vida, e anualmente (em maio) Ottawa organiza um Festival de Tulipas, em reconhecimento a essa dádiva.


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As tulipas são originárias da Ásia Central. Foram levadas para os Países Baixos em 1560 pelo botânico Conrad von Gesner. O nome da flor foi inspirado na palavra turcootomana (tülbend), posteriormente para tulipe, que originalmente significa turbante, considerando-se a forma da flor invertida. Outras referências defendem que as tulipas seriam originárias da China, de onde foram levadas para as montanhas do Cáucaso e para a Pérsia. Chinesas ou turcas, o fato é que elas se transformaram numa paixão para os holandeses e essa paixão foi tanta que gerou até uma especulação financeira envolvendo os bulbos dessa planta, chegando a ser a quarta maior fonte de renda do país, no que ficou conhecido como a tulipamania. Até hoje, a Holanda é conhecida como o “jardim europeu”. Felizmente, as lindas tulipas estão disponíveis em nossas floriculturas especialmente devido aos trabalhos de introdução e de cultivo, realizado na Cooperativa Holambra (Jaguariuna – São Paulo), formada por imigrantes holandeses, desde meados da década de 1990. Um dos locais de Ottawa embelezados com o cultivo de tulipas das mais diferentes cores está às margens do canal Rideiau. Um passeio imperdível para quem a visita durante a primavera do hemisfério norte. Esse canal foi construído pelos britânicos como defesa da capital após a Guerra de 1812, pois se temia outra invasão dos Estados Unidos da América. Hoje, o canal Rideiau é utilizado pelos habitantes de Ottawa para

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passeios náuticos. É um hobby ter seu barco e passear com a família durante os finais de semana, aproveitando-se os lagos existentes na região. No inverno, as águas do canal Rideiau congelam e, então, ele é transformado numa enorme pista de esqui. O recorde foi no final de semana em que mais de 400 mil pessoas esquiaram no canal Rideiau. Vale a pena visitar Ottawa!

Mercosul: livre comércio ou livre contrabando? Os acordos comerciais entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai foram celebrados em 1986, iniciando-se a constituição da integração do Mercosul. Infelizmente, nesses últimos 20 anos de vigência dos referidos acordos, muito pouco se evoluiu: praticamente, a integração relaciona-se tão somente ao comércio entre esses países. Esse setor comercial também tem muitos problemas, uma das razões dos contrabandos desbaratados pela polícia em diversos produtos existentes. O Brasil exporta muitos produtos para esses países, como cigarros com alíquotas de impostos muito baixos ou inexistentes. Consequentemente, naqueles países, seus preços são significativamente mais baixos do que em nosso país, fabricante dos produtos. No caso do cigarro, a


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sociedade brasileira perde ao renunciar a milhões de reais em impostos e gasta no serviço público para manter um permanente aparato policial de controle do contrabando. Outro fator responsável pela diferença nos preços dos produtos são as alíquotas internas de tributos e de encargos sociais praticadas em cada país. Essas alíquotas já deveriam ter sido equalizadas ao longo dos vinte anos de vigência do Mercosul. A exemplo da Comunidade Europeia, a circulação de produtos entre os países do Mercosul já deveria ter evoluído para ser efetivamente livre. A agricultura brasileira é um dos setores mais afetados pelos problemas tributários e alfandegários. Durante o mês de janeiro de 2006, mais de 600 mil toneladas de trigo foram importadas da Argentina pelo Brasil, e muitos agricultores ainda não tinham conseguido comercializar a sua safra por falta de mercado. E os que comercializaram o trigo fizeram-no a preços muito baixos quando considerados nossos custos de produção e os rendimentos baixos obtidos em função dos problemas climáticos ocorridos durante a safra. A incompreensível importação de trigo argentino quando ainda há grandes estoques internos é justificada pelos moageiros pelo fato de os grãos desse cereal serem o de preço menor do que já foi praticado no Brasil. É mais que evidente que o industrial moageiro opte pelo trigo argentino em detrimento do trigo nacional. E na importação,

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aproveita-se uma série de vantagens previstas nos acordos comerciais Brasil - Argentina. Não se pode ignorar que a principal região produtora de trigo da Argentina ocorre sob um clima mais favorável aos cereais de inverno do que a do Brasil. Os solos dessa região também são altamente férteis, razão de ser denominada a região cerealeira de “la Mesopotâmia argentina”. Trata-se de uma alusão aos solos fertilíssimos da antiga Mesopotâmia, responsável pela agricultura sedentária lá existente ao contrário da nômade de outras regiões do Oriente Médio. Mas uma das razões do menor custo de produção na Argentina são os tributos não equalizados. Quando um agricultor brasileiro compra produtos como máquinas, equipamentos, fertilizantes e defensivos agrícolas, ele paga uma das tributações mais altas do mundo. Na contratação de empregados, também paga uma das taxas de encargos sociais mais altas do mundo. Quando recorre aos bancos para financiar investimentos ou custeio, também paga um dos juros mais altos praticados no mundo. Imaginemos um produtor de Uruguaiana ou de São Borja, desse lado do rio Uruguai, sofrendo com todos esses fatores que encarecem a produção. E, do outro lado do rio, um produtor argentino, adquirindo tratores e máquinas agrícolas do Brasil e pagando aproximadamente 30% menos. O produtor brasileiro vê o produtor argentino adquirir os mesmos fertilizantes, fungicidas,


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inseticidas e herbicidas a preços significativamente menores do que no Brasil, pois lá são menos tributados do que aqui. Trata-se, no mínimo, de uma concorrência absolutamente desigual entre os produtores brasileiros e argentinos. E o Mercosul, ao invés de gerar uma salutar competitividade e se transformar em uma zona de livre comércio, acaba estimulando o contrabando.

Aveia na “bucólica” Aberystwith Os principais meios de comunicação, no final de semana, noticiam as comemorações do aniversário da Rainha Elizabeth II, a chefe de Estado do Reino Unido. A monarquia inglesa se mantém apesar dos inúmeros escândalos e, a partir da Inglaterra, estende seu poder sobre muitos outros países, como Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. Mas como resquícios do grande Império Britânico, ainda exerce forte influência política e cultural sobre Canadá, Índia, Áustrália e Nova Zelândia. Em 1985, tive a feliz e inesquecível oportunidade de conhecer um pouco do País de Gales ao participar da II Conferência Internacional de Aveia, na cidade galesa de Aberystwith. A primeira Conferência Internacional de Aveia havia sido realizada em 1982, nos Estados Unidos da América, com o objetivo de congregar a comunidade científica internacional envolvida

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com a pesquisa da aveia. Tive oportunidade de participar das Conferências Internacionais de Aveia em Saskatoon - Canadá (1996), Helsinque - Finlândia (2004) e St. Paul - Estados Unidos da América (2008). Em 2012, foi realizada em Pequim - China, nos dias 20 a 23 de junho. Já estava em andamento, desde 1977, um Programa de Pesquisa de Aveia na Universidade de Passo Fundo, com a criação de cultivares e o desenvolvimento de tecnologias de manejo e uso desse cereal. Em 1985, nas estatísticas de produção mundial da produção agrícola, o Brasil já começava a aparecer na produção de grãos de aveia. Por essa razão, a partir da indicação do professor Dr. Hazel Lee Shands, professor emérito da Universidade de Wisconsin - EUA e “patrono internacional da aveia”, fomos convidados a participar do evento e apresentar, de forma oral, o trabalho Melhoramento genético de aveia na Universidade de Passo Fundo, 1976-1984. A felicidade de conhecer os principais pesquisadores de aveia dos mais diferentes países e aprender muito. Ver lavouras de aveia-branca, trigo e cevadacervejeira com potenciais de rendimento acima de 8 t/ha. Na época, nossos rendimentos médios estavam próximos de 1.800 kg/ha. O inesquecível foi ter a oportunidade de conhecer um país absolutamente invulgar. A lembrança que eu tinha do País de Gales era do sofrido jogo pelas quartas-de-final da Copa do Mundo


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de 1958, com apenas oito anos de idade, numa difícil vitória do Brasil por 1 x 0. E, somente, quando já estava na Alemanha para embarcar para a Londres, procurei algo parecido com País de Gales e não achei. Aprendi que o país, na verdade, em inglês, chama-se Wales. Todos os participantes chegaram a Londres no Aeroporto de Heathrow. Um ônibus da University College of Wales (hoje University of Aberystwith) nos levou até a cidade de Aberystwith, na região do Ceredigion, no longínquo País de Gales. Uma cidade de aproximadamente dezesseis mil habitantes, mas com mais de oito mil alunos na universidade. O evento ocorreu em julho, durantes as férias da universidade e, por isso, o movimento na cidade era muito pequeno. Ainda se falam oficialmente duas línguas: o inglês e o galês. Uma cidade “bucólica” quanto às construções e hábitos culturais. Todas as casas construídas de madeira na horizontal e pintadas de cor cinza. As casas não tinham número de identificação e, sim, o sobrenome da família que ali mora. A praia, constituída de um pedrisco e não areia. Não fazia calor durante o evento, ficando a temperatura média do dia entre 14º C - 20º C. Mesmo assim, à tarde, a praia estava lotada, pois a população tentava aproveitar os poucos dias de sol durante o ano. E, com essa temperatura, para nós, baixa para ir à praia, lá estavam as mulheres tomando banho de sol e muitas de

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“topless”. Outra característica marcante são os prédios em ruínas, especialmente próximo ao porto, resultado de muitas batalhas pelo domínio daquela região. Alguns reconstruídos e outros mantidos deliberadamente em ruínas, como motivo de atração turística. A alimentação básica era carne de cordeiro, pois a região é grande produtora de ovinos. Também, em todas as refeições, havia para salada “brotos” de alfafa. Todos os participantes, aproximadamente cem pessoas, foram hospedados em belíssimos apartamentos individuais na própria universidade. A Conferência foi organizada em conjunto pela Universidade de Aberystwith e pela Welsh Plant Breeding Station (Estação Galesa de Melhoramento de Plantas). Iniciou-se no domingo à noite e encerrou-se com um almoço na sexta-feira. Depois, todos voltaram a Londres. Foi uma das poucas vezes em que a Rússia liberava seus pesquisadores para participar de eventos internacionais. Apesar da proximidade com a Perestroika, ainda vivíamos no tempo da Guerra Fria. A falta de liberdade era marcante. Antes da apresentação de um trabalho por um pesquisador russo, ele, formalmente, pediu licença a um chefe que o acompanhava. Na hora das perguntas, ele repetia a pergunta ao chefe em russo e somente respondia quando era autorizado. Várias perguntas não foram respondidas.


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Para conhecer um pouco mais sobre o interior do País de Gales e a Inglaterra, viajamos de Aberystwith a Londres de carro alugado, juntamente com o professor Marshall Brinkman, da Universidade de Wisconsin. Passei o sábado em Londres e, no domingo, fui de trem ao porto de Hartwich e lá tomei um navio para Holanda para visitar a famosa Universidade de Wageningen. Outra visita inesquecível, pois a Holanda é verdadeiramente um jardim.

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Agronegócio e Desenvolvimento - pontos de vista

A desobediência ao dicionário Precipitação pluviométrica, que perigo! A enorme importância do agronegócio brasileiro, estadual e regional, seja pelo número de empregos gerados, produção crescente de alimentos e outras matérias-primas industriais, seja pelas divisas geradas pela exportação, está gerando espaços cada vez maiores na mídia escrita, falada ou televisionada Atrai a curiosidade até mesmo de pessoas que nada têm a ver com o agronegócio, a não ser, talvez, sua origem no meio rural, as de seus pais ou dos avós. Durante a Expodireto de 2005, ouvi inúmeras vezes a expressão “precipitação pluviométrica”. Para os organizadores, expositores e visitantes, havia uma torcida de que não chovesse durante a semana. Entretanto, a maioria dos produtores de soja estava torcendo desesperadamente por uma chuva, já que, na região, não chovia há mais de trinta dias. A soja, semeada depois de 15 de dezembro com o atraso provocado pelo excesso de chuva nas semanas anteriores, estava em plena fase de formação de

grãos, ou seja, a fase de formação do produto econômico. Uma estiagem nessa fase representa perdas significativas no rendimento da soja e, portanto, perda de rentabilidade Entretanto, o que a soja precisa é de precipitação pluvial (de chuva) e não de “precipitação pluviométrica”, que é a queda de pluviômetros, que são os medidores de chuva. Que perigo!

A soja e não “o soja” A soja tornou-se a cultura mais importante do Brasil e, por isso, merecedora da atenção de todos. Infelizmente, ainda é muito comum ouvirmos nos meios de comunicação ou nos discursos a expressão “o soja” para aquela que é nossa cultura mais importante, seja pela área cultivada e produção, seja pelas divisas obtidas com a exportação de seus grãos ou o número de empregos gerados. Na verdade, o termo adequado é a soja e não o soja. É no mínimo deselegante masculinizar uma fêmea por meio do nome. Esse erro vem desde a introdução da cultura em nosso


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Estado. Quando da introdução da soja, em 1914, por Mr. Craig, na Faculdade de Agronomia da UFRGS, a cultura foi inicialmente denominada de “o feijão soja”. Tratava-se da tradução do inglês soybean, entendendo-se bean como feijão (blackbean = feijão-preto). Na verdade, o sufixo bean é utilizado de forma genérica na língua inglesa, com o principal sentido de grão e não apenas como feijão. O exemplo ilustrativo é o nome comum da mamona, uma oleaginosa, denominada de caster-bean. Todo feijão é um grão, mas nem todo grão é um feijão! O feijão, preto ou de cor, é do gênero phaseolus, enquanto a soja é do gênero glycines. Portanto, a soja não é feijão, sendo feminina, com todo o respeito, como a aveia, cevada, ervilha, lentilha, canola etc. Já as culturas masculinas são o feijão, milho, sorgo, trigo, triticale, girassol, arroz, dentre outras.

Graus centígrados ou Célsius? Infelizmente, ainda há os que falam em “graus centígrados”. O Brasil, como a maioria dos países, adotou em 1948, a escala Célsius (criada por Anders Célsius, 17011744) para medir a temperatura (quantidade de calor contido no ambiente). Os Estados Unidos da América e alguns outros países de língua inglesa ainda adotam a escala Farhenheit, que não é centígrada.

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A escala Célsius é uma escala centígrada, pois da temperatura de congelamento até a temperatura de ebulição da água há 100 graus. Mas existem outras escalas também centígradas, como a escala Kelvin. Portanto, o correto é falar o nome da escala, pois há quem ainda fale em graus centígrados. Poderíamos perguntar: qual escala?

Cereais É um erro maior ainda denominar a soja de cereal. O termo “cereal” identifica apenas os grãos daquelas culturas pertencentes à família das Poáceas ou gramíneas, que predominantemente produzem amido. E o amido é a farinha, matéria-prima da panificação. Portanto, os cereais são o trigo, cevada, centeio, aveia, triticale, arroz, milho, sorgo etc. Trata-se de uma homenagem à deusa da agricultura chamada “Ceres”. Na Antiguidade, as atividades agrícolas eram desempenhadas basicamente pelas mulheres e não pelos homens. Isso também ocorria no Brasil e n t r e o s índios quando os espanhóis e portugueses aqui chegaram. Os atos de plantar, de cuidar e de colher eram atividades das mulheres, enquanto os homens faziam o preparo da área, pescavam e caçavam. Como somente a mulher tem o dom da fertilidade, acreditava-se também que as plantas somente produziam por


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Agronegócio e Desenvolvimento - pontos de vista

meio da “mão” da mulher. Como uma das características da agricultura antiga era a associação com ritos religiosos, começaram a adorar uma deusa, Ceres. Os cereais de clima temperado, especialmente o trigo, eram a base da alimentação humana, hábito desenvolvido no Oriente Médio, especialmente no Egito antigo. Daí, o pão nosso de cada dia tão difundido pela Bíblia. Praticamente não há povo no mundo que não tenha como hábito alimentar-se de pão. O que muda é a forma de elaboração do pão. Como a colheita de trigo era considerada uma dádiva de Deus, começou-se a denominá-lo de cereal, em homenagem à deusa Ceres, extensivo a todos os grãos de gramíneas que também podiam ser moídos para a mistura com o trigo e para a elaboração do pão. A soja é uma aleuro-oleaginosa, pois apresenta aproximadamente 40% de proteínas (grãos de aleurona) e a metade (20%) de óleo. Pertence à família das Fabáceas ou leguminosas, e, portanto, não é cereal. Já tivemos um governador que, em todos os seus discursos de fomento ao cultivo da soja, denominava-a de “cereal ouro”. Entre nós, é muito comum falar de cerealista que adquire somente soja, que não é cereal. Ou, os preços de cereais, incluindo, de forma errônea, a soja e o feijão.

Legume O fruto das leguminosas, como soja, feijão, feijão-de-vagem, ervilha, lentilha, fava, tremoço, entre outras, denomina-se comumente de vagem, cuja denominação técnica é legume. Entretanto, o termo “legume” é genericamente utilizado, inclusive nos melhores supermercados e receitas, de forma errônea. Como legumes, estão indicados abobrinha, cenoura, beterraba, rabanete e outras. Na verdade, os únicos legumes são as vagens.

Bushel, Fahrenheit, jardas e outras americanas Mesmo considerando-se a crise financeira por que ainda passam os Estados Unidos da América, esse país continua sendo a grande potência econômica e técnico/científica do mundo. Por isso, milhares de estudantes dos mais diferentes países sonham em fazer pós-graduação, em nível de mestrado ou doutorado, em universidades americanas. Aliás, enviar estudantes para fazer pósgraduação nos Estados Unidos da América é uma das formas mais baratas de se introduzirem novas tecnologias ou os mais novos processos. Independente da origem do estudante, mesmo nos anos de grande tensão entre os Estados


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Unidos da América e a URSS, há transferência livre de conhecimentos dos professores/orientadores das universidades americanas aos estudantes. Às vezes, queixamo-nos dessa mania americana de serem os “xerifes” do mundo. Parece que sempre estão envolvidos em alguma guerra, mas, também, é preciso reconhecer que qualquer presidente, quando tem alguma dificuldade, recorre aos americanos. Até mesmo o ex-Presidente Lula. Ao ser eleito no domingo, viajou aos Estados Unidos para uma audiência com o então Presidente Bush. Praticamente, durante trinta anos, Lula fazia coro com a esquerda brasileira em protestos contra os Estados Unidos da América. Uma vez eleito presidente, saudava o Presidente americano de “companheiro” Bush. Entretanto, existem alguns costumes da cultura americana difíceis de entender. Como a soja é a principal cultura produtora de grãos da região, do Rio Grande do Sul e do Brasil, todos os produtores, cerealistas e outros envolvidos com o agronegócio acompanham diariamente a variação de preços do grão na Bolsa de Chicago. E os preços da soja são dados em dólares por bushel. O bushel era uma cesta que os indígenas americanos usavam antigamente para realizar trocas de produtos. O peso de um bushel de grãos varia conforme a espécie. Por exemplo, um bushel de soja são 27,215 kg; de trigo são 22,215 kg; de aveia-branca são 14,515 kg; de milho são 25,401

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kg e do arroz em casca são 20,411 kg. Em todos os países, o preços de grãos são dados por saca ou por tonelada. É difícil entender por que um país tão moderno utilize uma unidade de medida tão primitiva. O mesmo pode-se dizer em relação à medida da temperatura. Praticamente todos os países do mundo adotaram o Sistema Internacional de Pesos e Medidas, no qual a temperatura é medida em graus Célsius. Somente os Estados Unidos e Belize continuam usando os graus Fahrenheit, e os demais países, a escala Célsius. Para converter graus Fahrenheit (oF) em graus Célsius (oC), temos de usar a fórmula: oC = (oF – 32)/1,8. Também é incompreensível que o mundo meça a chuva em termos da altura da água em milímetro, mas, nos Estados Unidos, a quantidade de chuva é medida em polegadas, outra unidade de medida que não faz parte do Sistema Internacional de Pesos e Medidas. A polegada (inch em inglês) é uma unidade de comprimento usada no sistema imperial de medidas britânico e equivele 2,54 centímetros ou 25,4 milímetros, com origem na medida realizada com o próprio polegar. É a largura de um polegar humano regular, medido na base da unha, a qual, num ser humano adulto, é de aproximadamente 2,5 cm. Finalmente, o hectare (ha), que equivale a uma quadra de 100 m por 100m (10.000 metros quadrados), é unidade universalmente usada para medida de terras. Nos Estados


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Unidos, é utilizado o acre, que representa, 0,4 hectare ou 4 mil metros quadrados. E esse acre não tem nada a ver com o alqueire paulista, usado na linguagem coloquial no interior de algumas regiões brasileiras. Um alqueire representa 2,4 ha ou 24 mil metros quadrados. São situações realmente paradoxais de um país tão moderno e desenvolvido. Infelizmente, são situações no mínimo entendidas como empáfia e antipáticas.

Gatorros, câncer em morangos e outras pérolas Um assunto surrealista tomou conta do espaço de muitos jornais, emissoras de rádio e televisão: a divulgação de uma notícia de que uma gata, em Passo Fundo, deu à luz três cachorros. De forma impressionante, a notícia se espalhou pelo mundo e a nossa cidade foi divulgada. Como era de se esperar, a análise genética realizada no Instituto de Ciências Biológicas demonstrou que efetivamente eram gatos e não cachorros. Mas o que impressiona é o desconhecimento reinante na população. Em poucos dias, uma mera suposição passou a ser aceita quase como verdade. Nós, efetivamente, não precisamos de provas ou exames para detectar a baixa qualidade do ensino, pois o conhecimento de Ciências recebido

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no ensino fundamental deveria dar as condições mínimas para as pessoas entenderem que é impossível o cruzamento entre gatos e cachorros. Quem deve ter se divertido muito foi o Jô Soares, que, no início da década de 1980, mantinha um quadro humorístico no qual o “professor” fazia os mais estranhos cruzamentos. Ao longo de minha carreira, como professor na UPF, já vivenciei outras pérolas semelhantes. Ainda na década de 1970, apareceram pela primeira vez os morangos de cultivares japoneses, com uma forma diferente da tradicional do morango: eram muito maiores e achatados. Isso coincidiu com a época de divulgação do uso de reguladores vegetais (hormônios) em plantas, com vistas a aumentar o tamanho e qualidade das frutas. Foi o suficiente para que, de forma deliberada ou por ignorância, fosse espalhada a notícia de que os morangos estavam com câncer. As pessoas andavam na Rua da Praia em Porto Alegre, tradicional local de comercialização de morangos na rua, e os achatados frutos de morangos eram rejeitados. O sintoma típico de uma hipertrofia e hiperplasia celular é observado nas plantas, mas de forma muito rara quando atacada por uma bactéria, denominada Agrobacterium tumefaciens. Aliás, essa bactéria hoje é largamente utilizada na biotecnologia vegetal para transferir determinados genes de uma espécie para outra,


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conhecido como processo de transgenia. Num programa de rádio, uma ouvinte apresentou-se para manifestar-se contra o plantio de soja transgênica na região. Identificou-se como professora e logo justificou sua posição contrária. Ela estava preocupada com “as graves mudanças genéticas que poderiam vir com essa soja transgênica, especialmente, com a descaracterização dos primatas”. O gaúcho diria “assim os butiás me caíram do bolso”. Se a premissa fosse verdadeira, de que nossas características genéticas são mudadas com o tipo de alimento que ingerimos, por certo a carteira de identidade deveria ser extinta, pois nossa fisionomia teria mudado. Imaginem a influência sobre nós do DNA da carne da vaca, ou do frango ou do camarão. Mais uma vez, o mínimo de conhecimento que deveria ser transmitido aos alunos de Ciências no ensino fundamental é que nossa constituição genética é única por indivíduo e não é alterada, felizmente, pelos tipos de alimento que consumimos. E, não importa se esse alimento é natural, convencional ou transgênico. Por essa razão, proibir o plantio de soja transgênica próximo a reservas florestais, com a alegação de se evitar a contaminação de animais, não tem fundamento científico.

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Ipê em flor: acabou o frio? Está na cultura popular uma expressão usada seguidamente de que, quando as árvores de ipê entram em floração, é sinal de que o frio acabou. Trata-se de uma observação empírica, que não serve como verdade. Em alguns anos, em nossas ruas, praças e matas, observam-se plantas de ipê roxo e também de ipê amarelo em plena floração quando o inverno ainda não terminou. Mas qual a explicação para o fenômeno? As plantas, como os animais, têm seu crescimento, desenvolvimento e reprodução controlados por hormônios. As plantas decíduas, como o ipê, o pessegueiro, a ameixeira, a macieira, a pereira, os plátanos e outras, perdem totalmente as folhas a cada outono. A queda das folhas tem como principal objetivo a defesa das plantas em relação ao frio. Essa dormência hibernal é causada pelo encurtamento dos dias (menos luz) ou pelo aumento da duração da noite (escuro). A redução da luminosidade promove a síntese dos hormônios causadores da dormência de inverno, que começa com a queda total das folhas. Com o acúmulo de frio, há a síntese dos hormônios antídotos daqueles causadores de dormência, promotores do rebrote. Quanto maior o número de horas de frio, maior é a concentração dos


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hormônios do rebrote. Em algumas culturas, a necessidade de frio para garantir o rebrote é pequena, como nos pessegueiros. Em outras culturas, como as macieiras, a necessidade de frio é bem maior. Quando o número de horas de frio ideal, o que varia entre espécies e cultivares na mesma espécie, é atingido, observam-se um rebrote, a floração e a formação de frutos uniforme. No entanto, o rebrote somente acontece caso a planta apresente altos teores de hormônios do rebrote e ocorra também uma elevação da temperatura, responsável pelo aumento do metabolismo no vegetal. Dessa forma, vão ocorrer as mudanças que levam ao rebrote, iniciando pela formação de folhas em algumas espécies ou de flores em outras. Assim, quando nossa região está sob a influência de “La Niña”, normalmente o inverno começa cedo e o frio prolonga-se até meados de setembro, de forma quase contínua. Nesses anos, as plantas ficam em dormência por mais tempo, até que o aumento de temperatura ative o metabolismo e o rebrote ocorra. Nesse caso, de fato, quando as plantas decíduas entram em floração, a possibilidade de geadas é praticamente inexistente. Nos anos de “El Niño”, ou em anos de transição, temos alternância de dias frios e dias de temperaturas mais elevadas. Em 2005, tivemos desde o final do outono, alternância de dias com frio e dias com temperaturas mais elevadas. Dessa

forma, o rebrote aconteceu mais cedo nas plantas como ipê, pessegueiros, ameixeiras e macieiras.

Ligustro e a indústria da doença Uma adequada arborização das cidades é de fundamental importância não somente do ponto de vista paisagístico e da melhoria do ambiente, bem como do bemestar das pessoas. Mas o planejamento da arborização é uma questão complexa que deve levar em consideração muitos aspectos, como o sombreamento no verão, a insolação no inverno, o tipo de enraizamento, a estatura da planta em áreas de fiação, a capacidade de retenção de gases e outras substâncias poluentes, e a saúde pública. Nada é mais importante do que cuidar da saúde pública. Não se pode falar em qualidade de vida enquanto não formos eliminando, de forma gradativa e permanente, os fatores causadores de doenças. Como as alergias. Existem muitas causas para alergias, dependendo da sensibilidade das pessoas. Inclusive a alimentos de uso geral, como feijão, glúten, leite, limão, tomate, pêssego, manga, somente para citar alguns, e as pessoas sensíveis evitam preventivamente a sua ingestão. O problema são as alergias causadas por pólen, as polinoses, chamadas, equivocadamente, de “doenças de primavera”. No hemisfério norte, a floração realmente só começa na


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primavera, devido ao intenso frio de inverno. Mas aqui o azevém e a aveia, grandes causadoras de alergias, florescem em junho, julho e agosto, quando, ainda é inverno. Nessa época, o ligustro não floresce! Há casos em que temos que substituir árvores existentes, que não atendem às necessidades. Esse é o caso do ligustro (Ligustrum lucidum). Trata-se de uma planta exótica, trazida pelos imigrantes europeus e plantada em ruas, avenidas, praças e outros logradouros públicos. A planta produz boa sombra, suas raízes não levantam calçadas e “não suja as calçadas” com suas folhas no outono, pois é perene. Por isso, foi plantada em praticamente todas as cidades do sul do Brasil. Quando os ligustros florescem, abundantemente, em novembro e meados de dezembro (portanto ainda na primavera!), seu pólen causa crises de alergia em muitas pessoas na região. Em pesquisa realizada no Brasil para verificar a importância do pólen de ligustro, pacientes com alergia estacional atribuída às gramíneas foram analisados por meio de testes intradérmicos com extrato alergênico diluído a 1:5.000 p/v. A frequência de positividade ao teste foi de 13,3%, comparável à frequência de positividade em um grupo de pacientes com alergia perene. No Canadá, um dos países mais avançados na prevenção de alergias, o pólen de ligustro é considerado alergênico em grau severo. Em viagem a Espanha em 2010, verifiquei a substituição realizada de todos os ligustros de

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áreas públicas por outras espécies, não alergênicas. Na Alemanha, não se encontram ligustros nas áreas públicas pela mesma razão. Por isso, em cidades que buscam a qualidade de vida de sua população, substituíram ou estão substituindo o ligustro por outras espécies, como em Gramado, Canela, Caxias do Sul, Tapejara, entre outras. Como uma cidade quer atrair turistas, se as pessoas que a visitam ficam doentes? O pólen do ligustro é pesado (úmido), e o vento arrasta-o a curtas distâncias, ao contrário do pólen de gramíneas, que é leve e levado a grandes distâncias. Mas ele fica justamente nas calçadas, o mais próximo das casas, onde está plantado o ligustro. Na época da florada, as pessoas abrem as janelas durante o dia para arejar a casa e, na verdade, estão enchendo-a de pólen. À noite, quando dormem, vem a crise alérgica naquelas pessoas sensíveis a ele. Isso custa desconforto, altos gastos com médicos e medicamentos, falta ao trabalho e até mesmo hospitalizações, com custos expressivos de recursos públicos. A substituição desses ligustros por outras espécies é uma questão de saúde pública, e preservar a saúde humana, especialmente a de crianças e idosos, significa melhorar a qualidade de vida da população. É preciso enfrentar com vigor a indústria da doença e fortalecer a saúde pública! Como? Colocando a razão acima da paixão, a informação e não a


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desinformação e sem fanatismos e interesses corporativos.

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Minhas homenagens Cinquentenário da Faculdade de Agronomia No dia 26 de maio de 2011, a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária completou cinquenta anos de existência. Trata-se de um dos mais antigos cursos superiores de Passo Fundo, tendo contribuído de forma decisiva para o desenvolvimento do agronegócio regional por meio da formação de recursos humanos e da geração e difusão te tecnologias. A ideia da criação de uma Faculdade de Agronomia nasceu da necessidade sentida pelos produtores da região de Passo Fundo de enfrentar o desafio de transformação dos campos de pecuária extensiva em lavoura intensiva, mecanizada e tecnificada, cujo processo começou no início da década de 1950. Para atender a esse anseio da comunidade, a Sociedade PróUniversidade de Passo Fundo iniciou estudos e, no dia 19 de setembro de 1960, a nova Faculdade de Agronomia era fundada. Alguns professores que assinaram a ata de fundação ainda

estão entre nós, como Luiz Eurico Spalding, Armênio Fontoura e Ivo Nunes, o atual presidente da Associação de EngenheirosAgrônomos de Passo Fundo. A Faculdade de Agronomia de Passo Fundo recebeu autorização de funcionamento pelo Decreto federal nº. 50.665, de 24 de maio de 1961. As atividades escolares foram iniciadas em 26 de maio de 1961, com a aula magna inaugural proferida pelo então Governador do estado do Rio Grande do Sul, engenheiro Leonel de Moura Brizola. Além de prestigiar a instalação da nova Faculdade de Agronomia em Passo Fundo, a primeira particular, o Governador Brizola fez uma doação de Cr$ 50.000 (cinquenta mil cruzeiros) para auxiliar na construção do primeiro prédio e de duzentos hectares da Fazenda da Brigada Militar, para utilização no ensino. Essa doação da área foi anulada depois pelo coronel da Brigada Militar Walter Peachi de Barcelos, como Governador (interventor) do Rio Grande do Sul. Pela sua participação importante na criação de nossa Faculdade de Agronomia, Brizola foi homenageado como paraninfo da turma de formandos em Agronomia


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de julho de 1985. Aliás, o exGovernador Brizola tinha um carinho especial pela Faculdade de Agronomia de Passo Fundo. Em 1985, estive com ele no Rio de Janeiro, quando do primeiro mandato como governador daquele Estado, e ele me apresentava como o “diretor de minha Faculdade de Agronomia”. Entretanto, a história da Faculdade de Agronomia iniciou-se com muitas dificuldades. Possivelmente, algumas decorrentes da ligação partidária dos gestores da Sociedade Pró-universidade de Passo Fundo ao antigo PTB e as consequências da Revolução de 1964. A Faculdade foi fechada duas vezes e os alunos (chamados de Teixeirinha), transferidos para Porto Alegre e Santa Maria. A normalidade de funcionamento somente ocorre a partir do vestibular realizado em 1967, com trinta e cinco vagas, graças à participação decisiva do exMinistro da Educação, o palmeirense Tarso Dutra. Em 4 de dezembro de 1971, colava grau a primeira turma de trinta e oito engenheiros agrônomos da Universidade de Passo Fundo, sendo seu Paraninfo o então Ministro da Agricultura, o engenheiro agrônomo Luiz Fernando Cirne Lima. Por essa razão, mas também em reconhecimento à enorme contribuição profissional e política de Cirne Lima ao agronegócio brasileiro, a Congregação da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária,

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aprovou a concessão ao mesmo do titulo de Doutor Honoris Causa, concedido pelo egrégio Conselho Universitário da Universidade de Passo Fundo, em maio de 2011. No dia 2 de fevereiro de 1972, o curso de Agronomia foi reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura. E foi justamente, em janeiro de 1972, que prestei vestibular para o curso de Agronomia da UPF. Portanto, quando realizei o vestibular, já havia se formado a primeira turma, mas o curso ainda não estava reconhecido, o que causava ainda grande preocupação entre alunos e pais, tendo em vista o histórico da Faculdade. Por mais de trinta e sete anos, como aluno, professor, pesquisador e dirigente, testemunhei parte dessa bem sucedida caminhada de nossa Faculdade de Agronomia, que teve muito a comemorar em 2011, o ano do seu cinquentenário.

Cepa - UPF: um centro que deu certo Por iniciativa das Faculdades de Agronomia e Medicina Veterinária, de Educação, do Instituto de Ciências Exatas e Geociências e do Instituto de Ciências Biológicas, foi implantado, em 1984, o Centro de Pesquisas em Alimentação - Cepa. A ideia inicial foi do padre Eli Benincá, então diretor da Faculdade de Educação, que procurou a Faculdade de


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Agronomia e propôs a criação de um centro interdisciplinar ligado às questões da alimentação e nutrição humana. Foram convidados a participar da discussão o professor Luiz Eurico Spalding, diretor do Instituto de Ciências Exatas e Geociências, pois havia o interesse do curso de Química, e o professor José Carlos Moraes, diretor do Instituto de Ciências Biológicas. A ideia da criação de um centro interdisciplinar de ensino, pesquisa e extensão em alimentação foi apresentada ao vice-Reitor acadêmico Agostinho Both e ao Reitor Elydo Alcides Guareschi. Como foi aceita, formou-se uma comissão para a elaboração do projeto do novo Centro. Além de representantes das três unidades, foi também convidado a participar da comissão a Embrapa - CNPT, que indicou os pesquisadores Augusto Carlos Baier e Vanderlei Caetano. A grande região de influência da UPF já era importante produtora de grãos alimentícios, mas com pouca pesquisa nas áreas de processamento e d e controle de qualidade. A região também despontava na produção animal com os sistemas integrados de produção de suínos, aves e leite. A Universidade já vinha conduzindo um Programa de Pesquisa em Aveia desde 1977 e havia necessidade de fomentar seu maior uso na alimentação humana. Apesar da abundante produção de alimentos na região, havia problemas de subnutrição, inclusive na alimentação de escolares, cujo

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programa na época era federal. Definido o regimento do centro e aprovado nos colegiados internos de cada unidade e pelo Cepe (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão), fomos indicados pelo conselho deste como seu primeiro coordenador, cujo mandato foi concluído, em agosto de 1986. A finalidade maior do Cepa era “dinamizar o ensino, a pesquisa e a difusão de conhecimentos e técnicas de alimentação, integrando os diferentes departamentos da Universidade de Passo Fundo”. Os objetivos iniciais estabelecidos para o Cepa foram: a) oportunizar o preparo técnico/científico e pedagógico de docentes da UPF vinculados à área de alimentação e nutrição humana; b) oportunizar o aprofundamento das técnicas e/ou metodologias de pesquisa em alimentos; c) obter conhecimentos específicos acerca da organização, instalação e uso de laboratórios para realização de atividades de ensino, pesquisa e extensão; d) incentivar a integração dos docentes da UPF com entidades ligadas à produção, industrialização e comercialização de alimentos; e) propiciar a articulação do Cepa com programas governamentais de alimentação e nutrição humana; f) difundir experiências e resultados de estudos e pesquisas na área de alimentação; g) conscientizar a população da importância da formação de hábitos alimentares adequados; h) realizar análises químicas, físicas e biológicas de controle da qualidade de alimentos.


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O financiamento foi obtido junto à Subin, órgão da Secretaria Especial de Ciência e Tecnologia, por meio de convênio com a Universidade Federal de Viçosa, cujo signatário foi o Reitor Geraldo Chaves, sendo designado como coordenador do projeto, pela UFV, o Professor Dr. Renato Cruz, então chefe do Departamento de Tecnologia de Alimentos. O projeto elaborado previa, num prazo de dois anos (1985 a 1987), a implementação do Cepa, com financiamento da Subin, da ordem de Cz$ 210.000,00 (duzentos e dez mil cruzados) em 1985 e Cz$ 400.000,00 (quatrocentos mil cruzados) em 1986. Os recursos financeiros destinavam-se à realização de um curso de especialização lato sensu em Ciência e Tecnologia de Alimentos para dezenove docentes da UPF, ministrado por docentes da UFV e com apoio da Capes; à montagem de um laboratório de Ciência e Tecnologia de Alimentos; e à contratação de dois professores/ pesquisadores com mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Foi contratado o professor Ernesto H. Kubota no primeiro ano e o professor Jorge Schulz no segundo. Também foi instalada uma unidade experimental de panificação com o objetivo de desenvolver linhas de pesquisa visando ao aproveitamento de diferentes farinhas produzidas na região, em substituição à farinha de trigo. Ao final da vigência do convênio

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UPF/UFV/Subin, havia um grupo de professores titulados, mestres contratados, laboratórios e equipamentos básicos instalados, que deram início às atividades de ensino, pesquisa e extensão na área de alimentos. Essa infraestrutura permitiu que novos projetos fossem elaborados e financiados por diversas agências, como Fapergs, CNPQ, FAE, Fundação Banco do Brasil e Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, por meio do Polo de Modernização Tecnológica em Alimentos. Já em 1986, foi executado um projeto de ampliação do Cepa, com recursos financeiros do FAE (Fundo de Apoio ao Estudante), da ordem de Cr$ 230.000.000,00 (duzentos e trinta milhões de cruzeiros). Já no primeiro ano, o Cepa foi convidado a participar das discussões do Projeto da Municipalização da Merenda Escolar, hoje em vigor. Ao longo de seus vinte anos, o Centro de Pesquisa em Alimentação cumpriu as finalidades para as quais foi criado. Promoveu o ensino, melhorando a parte prática nos cursos já existentes; criou a infraestrutura básica de apoio aos novos cursos criados, como o de Engenharia de Alimentos, e recentemente o curso de Nutrição Humana. Desenvolveu inúmeras pesquisas que foram difundidas por intermédio de cursos, publicações, palestras e treinamentos ministrados. Realizou milhares de análises de alimentos das mais diferentes origens. Proporcionou treinamento a muitos estudantes


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que hoje atuam nas mais diferentes atividades do setor. Portanto, o Cepa é um centro que deu certo e está preparado para novos desafios, como os cursos de mestrado e depois de doutorado na área.

Curso de Veterinária UPF completou 15 anos Dentro do cinquentenário da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, da Universidade de Passo Fundo, comemorado no ano de 2011, na verdade, comemoramse os 50 anos de atividades do curso de Agronomia. O curso de Medicina Veterinária comemora apenas 15 anos de atividades. A sua criação iniciou com os estudos elaborados por uma comissão de professores da Faculdade de Agronomia, sob a coordenação do médico-veterinário e professor Edison Armando de Franco Nunes, em 1986. Com muita honra, fiz parte daquela comissão, além dos professores Lizete Augustin, Ana Lúcia Véras e Elci Dickel. Na época, iniciava-se fortemente a produção animal como atividade econômica da maior importância para as propriedades da região, ao lado da já consagrada produção de grãos. Primeiramente, os sistemas integrados de produção de suínos e de aves e depois a produção leiteira. Na época, somente

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eram oferecidos cursos de medicina veterinária em Porto Alegre, Santa Maria, Canoas e Pelotas. Portanto, havia demanda crescente por médicos-veterinários e por serviços na área na região do Planalto sulriograndense. Em 1989, o professor Edison Nunes coordenou um seminário para discussão das propostas de criação do curso de Medicina Veterinária, envolvendo não só professores da Agronomia e profissionais médicos-veterinários da região, bem como o setor produtivo. Novas sugestões foram recebidas e incorporadas ao texto; entretanto, somente em 1995, o Conselho Universitário da Universidade Passo Fundo aprovou a criação do curso. Em janeiro de 1996, era realizado o primeiro vestibular, com grande procura, e as aulas iniciaram em março daquele ano. De forma pioneira, na UPF, antes do início das aulas, todos os professores indicados para as séries iniciais do curso, juntamente com funcionários e alguns convidados da comunidade, reuniram-se em um seminário de planejamento estratégico durante três dias. Tive a honra de ser o moderador do referido planejamento, que foi balizador das atividades nesses quinze anos. Conversando com os professores Edison Armando de Franco Nunes e Elci Lothar Dickel, os quais, por mais tempo, coordenaram o referido curso, chegamos à conclusão de que os únicos objetivos a longo prazo estabelecidos no


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planejamento e não atendidos foram a criação do mestrado em Medicina Veterinária, até 2008, e, o curso de doutorado, até 2010. O primeiro curso de mestrado foi aprovado em 2012. Outros objetivos estabelecidos foram a contratação de docentes na área profissionalizante ser preferencialmente a de doutores, a conclusão do Hospital Veterinário e a implantação de projetos de pesquisa e extensão, para se fortalecer um ensino qualificado. Poucos anos depois, era inaugurado o Hospital Veterinário, com uma invejável estrutura para atender grandes e pequenos animais. Mas, certamente, muitas importantes atividades poderiam ser destacadas como resultado desses quinze anos de atividades do curso de Medicina Veterinária. Em todos os vestibulares desde 1996, são dois por ano, o número de candidatos foi grande. No período de 1996 a 2011, foram diplomados 555 médicos-veterinários, que hoje atuam nos mais diferentes setores, em vários Estados brasileiros. Em 2011, 564 alunos estavam matriculados no curso, nos diversos níveis. Graças ao qualificado corpo docente, vários programas de pesquisa e extensão estão em andamento. Essa produção científica, continuada e qualificada, é fundamental para a criação do curso de mestrado em Medicina Veterinária, cujo projeto foi aprovado pela Capes/MEC. O Hospital Veterinário atende

não só a uma grande região do norte do estado do Rio Grande do Sul, bem como aos animais vindos de estados vizinhos. Antes, muitos desses animais tinham que ser levados para hospitais de outras regiões. A formação de recursos humanos ensejou a instalação de muitas clínicas veterinárias, em Passo Fundo e região. Isso qualifica sobremaneira a produção animal na região, com produtividade, qualidade sanitária e, o mais importante, no aumento da rentabilidade da cadeia animal. Além dos cada vez mais procurados serviços pet.

Embrapa Trigo A Embrapa Trigo, antes denominada Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, foi implantada em Passo Fundo em 1974 e, no dia 29 de outubro de 2004, comemorou os trinta anos de atividades. Antes da Embrapa, já funcionava em Passo Fundo um centro de pesquisa do Ministério da Agricultura, que havia sido transferido de Estação Engler para cá. A criação do modelo Embrapa visava dar uma maior eficiência à pesquisa agropecuária brasileira, tornando o setor mais ágil e atendendo às necessidades das diferentes regiões edafo-climáticas. Para Passo Fundo, esse centro de pesquisa representa a inclusão de nosso município e região no mapa da ciência e tecnologia brasileira, na área agropecuária, considerando os


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qualificados recursos humanos, a infraestrutura (biblioteca, laboratórios e campo experimental) e as inúmeras tecnologias desenvolvidas ao longo desses tr int a anos. Na verdade, a pesquisa em Passo Fundo é anterior à pesquisa da própria universidade, cujo objetivo fundamental no seu início era o ensino. Quanto às tecnologias desenvolvidas, genericamente, os técnicos e os produtores lembram-se dos muitos cultivares gerados nas mais diferentes espécies, das tecnologias de manejo de culturas (adubação, controle de pragas, moléstias e plantas daninhas), da biotecnologia, da meteorologia, da tecnologia de produção e do beneficiamento de sementes, dentre outras. Graças à liderança de Embrapa Trigo, Passo Fundo tornou-se a capital nacional do melhoramento genético vegetal, considerando-se a diversidade de espécies vegetais melhoradas. Além da Embrapa e da FAMV/UPF, várias instituições de pesquisa hoje realizam o melhoramento genético de plantas em nossa cidade, como a OR Melhoramento de Sementes, Biotrigo, Grupo Floss-Seeds, Ambev, Pionner, Semilha e Fundação Prósementes de Apoio à Pesquisa. A Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo tem uma relação muito estreita com a Embrapa Trigo. Antes da criação da Embrapa, já vários pesquisadores da antiga Estação Experimental eram docentes na recém-criada Faculdade

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de Agronomia. Logo no início da criação da Embrapa, até 1982, por determinação superior, os pesquisadores eram proibidos de lecionar, o que representou uma perda para o quadro docente da UPF. No entanto, a partir de 1982, essa situação começou a ser resolvida e hoje vários pesquisadores são docentes em diversos cursos de graduação da UPF. A partir de 1996, foi implantado o primeiro curso de mestrado, hoje também doutorado, na UPF, por meio de uma parceria entre a FAMV/UPF e a Embrapa Trigo. O centro também representa uma oportunidade ímpar para que um grande número de acadêmicos de diversos cursos da UPF, especialmente os da Agronomia e Biologia, realizar estágios em pesquisa como bolsistas ou na realização de trabalhos de final de curso. A minha primeira experiência na pesquisa foi exatamente por um estágio voluntário realizado no então Centro Nacional de Pesquisa de Trigo. De outro lado, muitos pesquisadores e colaboradores da Embrapa Trigo tiveram a oportunidade de cursar um curso superior na UPF. Certamente, muitos pesquisadores deveriam ser lembrados nessa comemoração. Mas eu gostaria, em nome de Werner Wünsche (in memoriam) e Augusto Carlos Baier, de homenagear a todos aqueles que desenvolvem pesquisas, com competência e dedicação, naquele centro. Foi Werner Wünsche


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quem liderou a revolução na questão da conservação de solos em nossa região e transformou um enorme problema (erosão) na implantação da prática da semeadura direta, que representa hoje a maior e mais importante transformação da agricultura da região sofrida nos últimos trinta anos. E, ao Dr. Augusto Carlos Baier, pela inestimável contribuição que deu ao Programa de Pesquisa de Aveia da FAMV/UPF, quando aquele projeto de pesquisa foi transferido da Embrapa para a UPF, em 1977.

Expodireto Cotrijal: origem, evolução e importância A Expodireto Cotrijal, realizada desde 2000, em Não-Me-Toque – Rio Grande do Sul, tornou-se uma das maiores exposições/feiras do agronegócio realizadas no Brasil, ao lado do Show Rural Coopavel (Cascavel - Paraná) e da Agrishow (Ribeirão Preto – São Paulo). A denominação Expo (exposição) + direto (plantio direto) não é por acaso. Para entender seu significado, precisamos examinar o contexto na qual ela é projetada, ainda na década de 1990, e os objetivos buscados no evento, plenamente alcançados durante as treze edições já realizadas até 2012. Com certeza, a Expodireto Cotrijal contribuiu enormemente com a evolução do agronegócio regional, não apenas com a

consolidação do sistema plantio direto – SPD, pelo aumento do rendimento das culturas, da integração da lavoura-pecuária, da melhoria do ambiente, mas, especialmente, no aumento da rentabilidade da propriedade.

Origem Certamente, a maior revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos trinta anos foi passar do plantio convencional para o sistema de plantio direto - SPD. O preparo convencional do solo, com cultivos de inverno e verão, realizado na década de 1970, provocava perdas de solo, por erosão, absolutamente inaceitáveis. Diante dessa grave situação, instituições como a Faculdade de Agronomia/UPF, Embrapa Trigo, Ministério da Agricultura, Secretaria da Agricultura - RS e Fecotrigo, com o apoio da ICI (Companhia Imperial de Indústrias Químicas), realizaram, entre os dias 14 e 19 de agosto de 1978, o 1º Simpósio de Conservação de Solos do Planalto em Passo Fundo. O objetivo era avaliar as causas da erosão, seus efeitos e a busca de soluções. E a implantação do plantio direto era preconizada. Como resultado do evento, foi criada a Comissão Estadual Coordenadora do Programa Nacional de Conservação de Solos do Estado do Rio Grande do Sul – Cessolo/RS. Em 1980, foi realizada a segunda edição desse simpósio e a terceira edição ocorreu em 1984, juntamente com o I Simpósio de Manejo do Solo e


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Plantio Direto no Sul do Brasil. Nesses eventos, a programação privilegiava a difusão de tecnologias que viabilizassem a adoção do SPD. Os principais gargalos eram a falta de semeadoras adequadas, a compactação do solo e o controle das plantas daninhas. Para que o sistema se viabilizasse, era necessário que, além do controle da erosão, também fosse mantido (ou elevado) o rendimento das culturas. De forma pioneira, a Semeato de Passo Fundo, a Metalúrgica de Ibirubá e a Imasa de Ijui desenvolveram as primeiras semeadoras de plantio direto no Brasil. Ao mesmo tempo, foram disponibilizados novos e eficientes herbicidas para controle de plantas daninhas. Essas duas tecnologias, aliadas à compreensão da necessidade da produção de palha (especialmente o cultivo de aveiapreta), viabilizaram o SPD. Inúmeros foram os eventos realizados no Sul do Brasil no final da década de 1980 e meados dos anos 1990, difundindo-se tecnologias do SPD aos produtores rurais. Com esse objetivo, surge o Jornal Plantio Direto, criado pela Aldeia Norte Editora, sob a responsabilidade do engenheiroagrônomo Gilberto Borges. Em 1995, esse jornal foi transformado na Revista Plantio Direto, hoje de responsabilidade de Juliana Borges. A Aldeia Norte Editora, juntamente com a Embrapa Trigo (coordenadora do projeto Metas), realizou o I Seminário Internacional de Sistema Plantio Direto, em Passo Fundo, nos

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dias 7 a 10 de agosto de 1995.

A Agropasso Na década de 1990, faltavam na região eventos com demonstração de métodos e especialmente da dinâmica de máquinas e equipamentos agrícolas. Apesar de a Expointer ser uma grande exposição/feira de máquinas e equipamentos, não havia dinâmica. Em Cascavel, já era realizado com esses objetivos o Show Rural Coopavel, criado em 1989. Também, em São Paulo, era realizado o Agrishow desde 1993. Dessa forma, o engenheiroagrônomo e produtor rural Ronald Bertagnoli coordenou a Agropasso, durante a realização da 6ª Efrica, em 1997, com a participação da Faculdade de Agronomia/UPF, Embrapa Trigo, Ministério da Agricultura e Emater. Foram demonstrados vinte e seis implementos agrícolas das indústrias Semeato, Metasa, Imasa, Max, Nogueira, Fitarelli, Mafrense, Fankhauser, Vence Tudo, Sfill, Produmaq, Valmet, Ursus, SLC/John Deere e da indústria química Monsanto. Infelizmente, o excesso de chuva atrapalhou a realização de todas as dinâmicas previstas. No final do evento, Ronald Bertagnoli destacou que “a Agropasso deverá tornar-se uma das maiores feiras dinâmicas do extremo Sul, pois Passo Fundo caracteriza-se por ser um polo difusor de tecnologia agrícola”. Infelizmente, a ideia foi


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abandonada pelos promotores das edições seguintes da Efrica.

Início da Expodireto A Expodireto foi idealizada pelo saudoso engenheiro-agrônomo Gilberto Borges, com a primeira edição ocorrida no Centro Rural de Ensino Supletivo – Cres, em Carazinho, em 1999, por meio da Revista Plantio Direto e Emater - RS e da participação da Embrapa Trigo, Faculdade de Agronomia/UPF e empresas. Na impossibilidade da realização da segunda edição naquele colégio, por razões políticas, Gilberto Borges procurou a UPF, mas não obteve apoio para a sua realização em Passo Fundo. Mas a ideia foi imediatamente aceita pela Cotrijal, graças ao espírito empreendedor de sua diretoria, que fez os investimentos necessários e criou a primeira edição da Expodireto Cotrijal, nos dias 21 a 24 de março de 2000. O evento deu ênfase à difusão de tecnologias nas áreas de novos cultivares/sementes, agroquímicos, fertilizantes, máquinas e equipamentos agrícolas, pecuária de leite, suinocultura e serviços.

Evolução Cotrijal

da

Expodireto

Nas treze edições realizadas, de 2000 a 2012, a Expodireto Cotrijal transformou-se em um dos principais

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eventos do agronegócio brasileiro e, com certeza, o mais bem organizado. Evoluiu de uma feira regional para abrangência estadual, depois nacional e, desde a edição 2009, de abrangência internacional, contando com a participação de trinta e seis países naquele ano. O investimento realizado pela Cotrijal, a grandeza do projeto e as parcerias formadas fizeram com que esse evento já nascesse grande. A cada nova edição, o evento se supera sob os mais diferentes pontos de vista, como número de expositores, visitantes, qualidade dos estandes, difusão de tecnologias; decisões políticas, dinâmicas de máquinas e equipamentos; integração regional e a importância crescente manifestada pelas autoridades nacionais e internacionais que a visitam, graças à organização e à inovação implementadas em cada nova edição. Conforme a Tabela 1, nas treze edições realizadas, passaram um milhão, seiscentos e sessenta e nove mil e quatrocentos e noventa pessoas pelas roletas da feira. O número de expositores evoluiu de cento e quatorze em 2000 para q ua t r o ce nt o s e se s s e n t a e nove no ano de 2012, representando um aumento de 311%. Outro aspecto importante da Expodireto é o econômico, pois um significativo volume de negócios é realizado durante o evento ou então realizado posteriormente. As intenções de negócios divulgadas chegou a 4.146.800.000,00. A


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área de exposições também aumentou de 24 para 84 hectares, muito bem ajardinada e com adequada infraestrutura.

Importância A Expodireto retrata o nível tecnológico atual da agricultura regional e nacional e difunde as tecnologias adequadas ao momento atual e a o futuro. Os

milhares de produtores que anualmente visitam a Expodireto têm a oportunidade de aprender vendo não só as dinâmicas de máquinas e as mais diferentes parcelas demonstrativas instaladas pelas cooperativas, universidades, Embrapa, Emater e empresas industriais do setor de insumos, máquinas e equipamentos agrícolas, bem como por meio de palestras técnicas programadas.

Tabela 1 – Evolução do número de visitantes,expositores e valor das intenções de negócios, na Expodireto Cotrijal, de 2000 a 2012 Ano

Número de visitantes

Número de expositores

Intenções de negócios (milhões)

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012* Total

41.000 71.000 96.500 122.850 140.000 117.200 120.800 131.700 153.560 162.470 168.000 161.110 183.300 1.669.490

114 172 227 – 264 278 292 – 313 326 329 330 469 -

21 31,6 80 200 230 105 50 145 268 357 512.326 1.040.000 1.106.930 4. 146,8

Fonte: www. expodireto.cotrijal. com.br . *Estimativa

O crescente número de visitantes da Expodireto de outros setores da economia é de fundamental importância na formulação de projetos de desenvolvimento integrado e sustentável. Também é de grande importância o aumento, a cada ano, de visitantes internacionais, que aqui vêm conhecer o que temos. São oportunidades de negócios que se

abrem, propiciando o ingresso de divisas tão importantes para o desenvolvimento de nosso país. Além dos empregos diretos gerados no campo, outros empregos indiretos são gerados nas indústrias e nos serviços ligados ao agronegócio.


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Importância social Um aspecto importante da Expodireto é o social. Considerando-se a predominância de pequenas propriedades na região, é de enorme importância a busca de alternativas técnica e economicamente viáveis com o objetivo de se alcançar a sua sustentabilidade. Durante as décadas de 1970 e 80, o êxodo rural foi maior do que a absorção dessa mão de obra na cidade, gerando uma enorme população de desempregados, que é a principal causa dos graves problemas sociais hoje observados, como a desnutrição, o alcoolismo e a violência. Isso representa um elevado custo para o setor público, especialmente em relação aos custos de saúde e segurança. A manutenção das famílias no meio rural, em condições dignas, propicia a produção dos alimentos de subsistência pela própria família, o que permite uma nutrição melhor do que os favelados na área urbana. A comercialização do excedente produzido representa uma renda complementar para a família para satisfação de outras necessidades. Não há a menor dúvida de que a produção diversificada, seja de produtos vegetais seja de produtos animais, requer projetos integrados de produção. E, nesse sentido, é da maior importância o fortalecimento do cooperativismo. As cooperativas de produção têm condições de buscar coletivamente o mercado e de reduzir os custos dos insumos,

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assim, aumenta-se a rentabilidade da propriedade. Por isso, é altamente louvável a iniciativa da Emater em inaugurar uma casa definitiva que será utilizada o ano inteiro para eventos, como cursos, treinamentos e encontros. Assim, paulatinamente, Não-Me-Toque torna-se um centro de difusão de tecnologias para a produção vegetal e animal para os produtores da região, atraindo as instituições de pesquisa, de extensão rural, de assistência técnica, de indústria, de serviços, e agências financiadoras. Também merece destaque a criação do pavilhão da agroindústria familiar, que promove a diversificação das atividades da pequena propriedade e agrega valor aos produtos de origem vegetal e animal.

Busca de uma política agrícola À medida que a população do meio rural diminui, pois, com a tecnificação, há a necessidade de cada vez menos pessoas para realizar o mesmo trabalho, o setor perde força política. O poder político concentra-se cada vez mais na população urbana, que praticamente desconhece as dificuldades no setor rural. Mesmo ao considerarem-se os expressivos negócios realizados ao longo das treze edições, a Expodireto já tem como marca entre as lideranças do agronegócio a de ser o principal fórum de discussão dos principais problemas do setor. Da interação entre os agentes


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públicos, empresários e produtores rurais, estabelece-se a condição indispensável para a discussão dos problemas e a busca das melhores soluções. A longo desses treze anos, foram discutidos os mais diferentes problemas do setor rural, não importando o tamanho da propriedade ou forma de exploração. Para lembrar, foram buscados soluções para problemas como a estiagem de 2004 e 2005, a renegociação de dívidas, a liberação do cultivo da soja transgênica, a redução das taxas de juros, a abertura de novas linhas de crédito para aquisição de máquinas e equipamentos agrícolas, irrigação e seguro agrícola, entre outros. Tornou-se uma feira de discussão política dos mais importantes temas relacionados ao agronegócio. São tradicionais os eventos paralelos como o Fórum da Soja, Fórum Estadual do Leite, Seminário Nacional de Suinocultura, Conferência Mercosul sobre Agronegócio, Fórum Nacional do Milho, Fórum Florestal, dentre outros. Quanto à importância política da Expodireto, deve ser salientada a participação de Ministros ou exMinistros da Agricultura, como Francisco Sérgio Turra, Marcos Pratini Vinicius de Moraes, Roberto Rodrigues e Reinold Stephanes. Também a de Governadores, como Olívio Dutra, Germano Rigoto e Yeda Crusius. Em 2009, houve pela primeira vez a interiorização da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, além da

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presença federais.

de

vários

deputados

Influência regional A feira é tão importante que todas as cidades vizinhas de NãoMe-Toque se beneficiam com o evento, que, na verdade, é um turismo de eventos. A comunidade de Victor Graef, por exemplo, não se conformou em ser uma cidade de passagem dos milhares de participantes da Expodireto. Promove, anualmente, a Festa da Cuca e da Linguiça, retendo, no final da tarde, parte desses “turistas”. Trata-se de um exemplar trabalho de voluntários, que, dessa forma, divulgam os produtos tradicionais da colonização alemã e obtêm recursos financeiros importantes para manutenção de programas sociais no município. Passo Fundo também se beneficia muito com a Expodireto. O aeroporto facilita a chegada dos expositores, empresários e autoridades. Os hotéis têm suas acomodações totalmente ocupadas durante o evento. Os restaurantes, à noite, também ficam lotados. Há centenas de pessoas de Passo Fundo trabalhando no evento, como expositores, recepcionistas, imprensa, transportes, serviços de bar e alimentação, montagem de estandes, floricultura, gráficas, dentre outras atividades.


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O legado de Norman Borlaug Faleceu, na cidade de Dallas Texas - Estados Unidos da America, aos 95 anos, no dia 12 de setembro de 2011, o engenheiroagrônomo, doutor em genética e fitopatologia e Prêmio Nobel da Paz de 1970, Norman Ernest Borlaug. O mundo perdeu um dos mais renomados cientistas da Agronomia e da Biologia, um visionário e um humanista, que contribuiu decisivamente na alimentação de milhões de pessoas no mundo. Norman Borlaug era filho de imigrantes noruegueses, nascido em Crespo, no estado de Iowa (EUA), no dia 25 de março de 1914. Diplomouse engenheiro-agrônomo pela Universidade de Minnesota, e conquistou PhD em Fitopatologia e Genética em 1942. Durante seus estudos, alternava períodos de afastamento para trabalhar. De 1942 a 1944, trabalhou como microbiologista na Dupont. Em julho de 1944, foi contratado pela Fundação Rockfeller e pelo governo do México para dirigir o Programa Cooperativo de Pesquisa de Trigo, que deu origem ao Centro Internacional de Mejoramiento de Maiz y Trigo (CIMMYT). Borlaug dirigiu esse programa durante 16 anos e criou muitos cultivares diferenciados de trigo, os quais transformaram o México de grande importador para exportador. As principais características dos cultivares foram a baixa estatura

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(resistentes ao acamamento), a resistência genética às principais moléstias e o alto potencial de rendimento. De 1944 a 1963, com o uso predominante de cultivares desenvolvidos pela equipe de Borlaug, o rendimento de trigo no México foi multiplicado por seis. Em 1963, a Fundação Rockfeller e o Governo do México cederam Borlaug para organizar um Programa de Pesquisa de Trigo no Instituto de Pesquisa Agrícola da Índia, em Nova Delhi. Alguns dos inovadores cultivares de trigo desenvolvidos no México mostraram ampla adaptabilidade nessa região asiática. Graças aos trabalhos liderados por Borlaug, o Paquistão tornou-se autossuficiente em trigo em 1968 e a Índia, em 1974. Na Ásia, além do trigo, a produção de outro alimento importante foi incrementado: o arroz. A pesquisa de Borlaug estimulou a criação dos cultivares semianões de arroz no IRRI (International Rice Research Institute), na Índia, e no China’s Human Rice Institute, mantidos pelas Fundações Ford e Rockfeller. Esses novos cultivares de trigo e arroz fizeram com que a área cultivada desses cereais na Ásia passasse de 1.980 hectares em 1965 para 16 milhões de hectares em 1970. Representava saciar a fome de milhões de pessoas, especialmente crianças, condenadas à morte por falta de comida. Desde 1984, era professor/ pesquisador convidado da Texas A & M University, em College Station. Frequentemente, viajava pelo


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mundo para proferir palestras e receber homenagens. Além do desenvolvimento de cultivares com maiores potenciais de rendimento, seguindo os postulados da genética de Mendel, o visionário Norman Borlaug também pesquisou novas técnicas de manejo do trigo e do arroz com vistas à expressão dos potenciais genéticos desses cultivares. A primeira constatação era a de que as culturas precisavam receber mais nutrientes. Como os cultivares antigos apresentavam alta estatura, predominando a palha e não a produção de grãos, a adubação, especialmente a nitrogenada, não era realizada, pois as plantas acamavam. Os novos cultivares de baixa estatura permitiam um fornecimento de maiores quantidades de nutrientes. Outras tecnologias de manejo foram disseminadas, como o controle de plantas daninhas, pragas e moléstias, que representavam perdas enormes de grãos alimentícios, tão necessários aos seres humanos. Essa interação de fatores genéticos e de manejo das culturas, que resultaram em aumentos recordes da produção de grãos alimentícios, conferiram a Norman Borlaug o título de Pai da Revolução Verde. Graças à sua extraordinária contribuição ao suprimento mundial de alimentos, Borlaug recebeu, em 10 de dezembro de 1970, o Prêmio Nobel da Paz. “Esse prêmio simboliza o papel vital da agricultura e da produção de alimentos num mundo que tem fome, para ter pão e

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paz”, disse Borlaug em seu discurso. Seu último trabalho foi publicado no dia 30 de julho de 2009, no Wall Street Journal: “os produtores podem alimentar o mundo: melhores sementes e fertilizantes, não mitos românticos, permitirão que assim o façam!”

Agronomia perde seu professor Honoris Causa A ciência agronômica brasileira e os amigos lamentam a perda de um de seus grandes expoentes com o falecimento, em 30 de dezembro de 2009, do engenheiro-agrônomo Kurt Gottfried Kissmann, único professor Honoris Causa da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. Kurt Gottfried Kissmann era filho de agricultores, nascido no interior de Não-Me-Toque, em 1933. Formou-se engenheiroagrônomo pela Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Paraná (hoje Universidade Federal do Paraná) em Curitiba, em 1956, especializando-se na área de fitossanidade. Praticamente exerceu toda a sua vida profissional na pesquisa e no desenvolvimento da Basf, na área de proteção de cultivos, empresa sediada em São Paulo e onde ingressou em 1970. Mesmo depois da aposentadoria, com trinta anos de atividades nessa empresa, continuou trabalhando como consultor.


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No exercício de suas atividades profissionais, Kurt Kissmann viajava muito pelo Brasil e exterior, de maneira especial, pela Alemanha. Talvez infuenciado pela sua prória família, que, em sua propriedade rural, mantinha uma grande coleção de cactos, sempre se interessou pela Botânica. Sua fiel escudeira sempre era uma máquina fotográfica, com a qual registrava detalhes de plantas e sementes. Foi nessa área que me aproximei de Kissmann ainda no final da década de 1970 por meio de um amigo comum, o médico Paulo Fragomeni, um dos maiores estudiosos de Botánica de nosso Estado e ex-professor de Fisiologia Vegetal na Faculadde de Agronomia/UPF. Além da troca de informações sobre a vida das plantas, Kurt era um entusiasta da aveia e, sempre que vinha me visitar, trazia recortes de jornais ou outras publicações sobre a aveia que encontrava em suas viagens, especialmente a Alemanha. A partir da riqueza das informações coletadas ao longo dos anos, com o auxílio da Dra. Doris Groth, professora da Unicamp – São Paulo, escreveu a obra Plantas infestantes e nocivas, em três volumes, totalizando 2.527 páginas. Doris Groth nasceu em Kiehl - Alemanha, engenheiraagrônoma formada pela Universidade Rural do Rio de Janeiro, mestre em Plantas Forrageiras pela UFRGS e Doutora em Biologia Vegetal pela Unicamp. Trabalhou muitos anos no Rio

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Grande do Sul, na Secretaria Estadual da Agricultura, Setor de Sementes, onde a conheci em 1977, quando era responsável substituto pelo Laboratório de Análise de Sementes da Faculdade de Agronomia/UPF. Esse verdadeiro compêndio, editado pela Seaward Corporation (West Orange-EUA) e patrocinado pela Basf, tornou-se uma das maiores obras do gênero na literatura científica brasileira e internacional. Além da minuciosa descrição das espécies, apresenta fotos coloridas e desenhos de detalhes da descrição morfológica das plantas e de suas sementes. Em razão de sua extraordinária contribuição à Agronomia, o egrégio Conselho Universitário da Universidade de Passo Fundo, a partir da indicação unânime da Congregação da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, concedeu-lhe o título de Professor Honoris Causa em 1996. Foi o único profissional da Agronomia a receber tal honraria pela Faculdade de Agronomia até o momento. Lembrome, ainda, de sua “primeira aula” como professor da UPF, proferida naquela sessão solene. A partir da segunda edição de sua obra, distribuída em nível mundial, na descrição do autor, está registrado que é Professor Honoris Causa da Universidade de Passo Fundo. Como gesto de gratidão, ao aposentar-se, doou parte de sua biblioteca particular à Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária. Certamente, ainda merecerá um local adequado


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na Biblioteca Central e identificado com uma breve biografia, para conhecimento dos futuros estudantes. Por ser natural de Nâo-MeToque, tinha um enorme orgulho pelo fato de sua terra natal promover a Expodireto. Sua última participação foi em 2004. Ainda o acompanhei, em passos vigorosos, subindo e descendo as ruas da feira, observando tudo e confraternizando com os muitos colegas e amigos. Ainda me disse, na ocasião, que ele gostaria de se aposentar e voltar a morar em Não-Me-Toque. No entanto, por ter um filho com necessidades especiais internado em clínica em São Paulo, ficou morando próximo do mesmo. Mas, logo em seguida, foi acometido do Mal de Alzeimer. Em função da rápida evolução da doença, em janeiro de 2005, foi organizada uma festa de despedida, no restaurante Rubayat, São Paulo. Fui honrosamente incluído, juntamente com o falecido Dr. Erivelton Scherer Roman, como um de seus amigos, indicados por ele, que lá estiveram para homenageá-lo. Foi-se um grande profissional e amigo. Ficou sua obra, ainda contribuindo para o desenvolvimento da agricultura brasileira.

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Cirne Lima, Doutor Honoris Causa da UPF Dentro das comemorações do Jubileu de Ouro da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, a Universidade de Passo Fundo concedeu, no dia 26 de abril de 2011, o titulo de Doutor Honoris Causa ao ilustre engenheiroagrônomo, ex-professor de zootecnia da UFRGS, pecuarista em Dom Pedrito, empresário e exMinistro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima. Luiz Fernando nasceu em Porto Alegre, em 1933, filho de um dos mais renomados professores de Direito da UFRGS, Rui Cirne Lima. Formou-se engenheiro-agrônomo e foi contratado como professor de zootecnia na Faculdade de Agronomia da UFRGS, onde lecionou até 1969. Tornou-se um dos maiores especialistas em bovinos de corte, tendo julgado nas mais importantes feiras animais do mundo. Foi Ministro da Agricultura do Governo do General Emilio Garrastazu Médici, época em que realizou um grande trabalho de reformulação do ministério. Foi no seu mandato que se iniciaram os primeiros estudos para a criação da Embrapa. Entretanto, quando teve dificuldades com o Ministério da Fazenda para levar adiante seus projetos, corajosamente, pediu demissão do cargo. Em 1993, assumiu a superintendência da Copesul,


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controladora do Polo Petroquímico do Rio Grande do Sul. Por suas ações de incentivo à cultura por meio da Copesul, conquistou o Prêmio Joaquim Felizardo em 2007. Entre os projetos culturais patrocinados pela Copesul durante a gestão de Cirne Lima, estão a Feira do Livro de Porto Alegre, a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo e dezenas de livros e filmes. O ex-Ministro Cirne Lima também é apaixonado por cavalos crioulos. Essa resenha biográfica já seria suficiente para que Cirne Lima receba o maior titulo honorífico que uma universidade pode conceder. Mas a ligação de Cirne Lima com a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária é muito mais forte. Ainda como Ministro da Agricultura, Luiz Fernando Cirne Lima foi o paraninfo da primeira turma de engenheiros-agrônomos graduados em 1971, que, em 2011, completou 40 anos. Um dos formandos dessa turma era o engenheiro-agrônomo João Carlos Sandri Pires, que faleceu nesse ano. O colega Pires estava empenhado em encontrar seus colegas de turma para se fazerem presentes nessa solenidade do dia 26 de abril. Infelizmente, nos deixou cedo demais. Uma bela iniciativa da Congregação da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária pela decisão da concessão da honraria a Cirne Lima. Tenho boas lembranças desse grande colega, produtor, professor, empresário e ex-ministro. Em 1979, a Faculdade

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de Economia e Administração, por iniciativa de seu Diretório Acadêmico e Direção, realizou um dos eventos mais marcantes na UPF, o II Seminário Nacional de Ciências Políticas, Econômicas e Sociais. Certo dia, recebi em minha sala na Faculdade de Agronomia a visita de uma comissão, sob a liderança do então presidente do Dauceca, Décio Hartman, e do diretor da Faculdade de Economia e Administração, Bruno Steidl. Décio Hartman, na época, era sargento da Brigada Militar aqui em Passo Fundo e foi um dos grandes líderes do movimento estudantil na UPF. Após a graduação, mudou-se para Porto Alegre, onde é um bemsucedido empresário na área da construção civil. Atuou por muitos anos, com muita competência, na Vice-Presidência de Administração do Sport Club Internacional. Estavam felizes, pois haviam obtido a confirmação da palestra de Luiz Fernando Cirne Lima no evento. E me convidaram para fazer a saudação ao ex-Ministro, honra que já tinha tido no ano anterior ao saudar o então Secretário da Agricultura do Rio Grande do Sul, Edgar Irio Simm. Foi um dos primeiros discursos que proferi, pois era um jovem professor na UPF, e com a enorme responsabilidade de saudar o grande ex-Ministro, até hoje, uma das grandes reservas morais de nosso Estado. Em março de 1986, como diretor da Faculdade de Agronomia, convidei-o para proferir a aula magna inaugural daquele início de semestre. Foi um


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momento importante para nossa Faculdade. Tudo isso legítima o título que recebeu, pois não é apenas a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária que deve homenageálo, como também a Faculdade de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis, a Jornada Nacional de Literatura e o Núcleo de Criadores de Cavalo Crioulo.

Brizola e a Faculdade de Agronomia - UPF No dia 21 de junho de 2004, todos os brasileiros foram surpreendidos com a morte repentina do ex-Governador dos estados do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, engenheiro Leonel de Moura Brizola. Independentemente de ideologias ou simpatias partidárias, todos os brasileiros, especialmente, os gaúchos, reconhecem as múltiplas ações desenvolvidas por Brizola como homem público nos vários campos do saber, especialmente, na educação e na agricultura. Dentre as grandes obras deixadas por Leonel Brizola, está sua decisiva contribuição para a criação da nossa hoje Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária durante seu mandato de governador do estado do Rio Grande do Sul, no período de 1958 a 1962. Certamente, esse gesto deveu-se às fortes raízes que mantinha com Passo Fundo.

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Nasceu num distrito de Passo Fundo, hoje distrito de Carazinho, viveu, estudou e trabalhou em nosso município quando menino. De outro lado, mantinha uma forte relação de amizade com o companheiro de seu partido (PTB), Dr. César Santos, ex-Prefeito de Passo Fundo e então presidente da Sociedade PróUniversidade de Passo Fundo, que, em 1956, havia criado o primeiro curso superior em Passo Fundo: a tradicional Faculdade de Direito. De outro lado, talvez pela sua origem do meio rural e p e l o fato de ter cursado a Escola Técnica Agrícola (ETA) de Viamão e, posteriormente, ser um criador rural, Brizola sempre teve uma grande sensibilidade com as coisas relacionadas ao setor agrícola. A Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo realizou os primeiros estudos nos anos de 1959 e 1960 com vistas a criar uma Faculdade de Agronomia. Já no início desses estudos, houve o apoio do então Governador Leonel Brizola ao destinar uma verba de Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros) por meio do Decreto nº 11.181, de 29 de fevereiro de 1960, visando à implementação das instalações e à aquisição dos primeiros equipamentos para a futura Faculdade de Agronomia. Em 19 de setembro de 1960, a nova Faculdade de Agronomia foi oficialmente criada. Na mesma oportunidade, era eleita a lista tríplice do primeiro Diretor


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(engenheiro-agrônomo Flávio Coutinho Annes, d e 1961 a 1964, in memorian) e vice-Diretor da escola e encaminhou-se a solicitação da autorização de seu funcionamento ao Governo federal, especificamente ao Seab do Ministério da Agricultura, ao qual, pela legislação vigente da época, eram subordinadas as escolas de Agronomia do Brasil. A Faculdade de Agronomia de Passo Fundo recebeu autorização de funcionamento pelo Decreto federal n0 50.665, de 24 de maio de 1961. No primeiro vestibular realizado, foram aprovados dezenove candidatos. As atividades escolares foram iniciadas em 26 de maio de 1961, com a solene aula inaugural proferida pelo então Governador do estado do Rio Grande do Sul, engenheiro Leonel de Moura Brizola. Antes de deixar o Governo do estado, em 1962, o Governador Brizola doou para a nova Faculdade de Agronomia de Passo Fundo uma gleba de 200 hectares da área da Fazenda da Brigada Militar, com a finalidade de instalação de uma Fazenda Modelo Agro-pastoril, destinada para a realização de pesquisas e aulas práticas pelos professores e alunos da Faculdade. Em contrapartida, a Faculdade deveria dar apoio técnico à fazenda da Brigada Militar nas atividades pecuárias lá desenvolvidas e bolsas de estudo a brigadianos. A área foi devidamente demarcada e cercada por funcionários da Sociedade PróUniversidade de Passo Fundo a fim

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de se dar início à implementação da Fazenda Modelo. Mas, após a Revolução de 1964, quando Brizola foi cassado e se exilou no Uruguai, o ex-Governador (indicado) Walter Peracchi de Barcelos, excomandante Geral da Brigada Militar, contestou a referida doação. Alegou-se que a referida área não era patrimônio do Governo do estado e, sim, pertencia à Associação dos Brigadianos, pois teria sido adquirida por eles. Num encontro que tive com Brizola, então Governador do Estado do Rio de Janeiro, em 1985, na qualidade de diretor da Faculdade de Agronomia, ele falou com muito entusiasmo da Faculdade de Agronomia, que denominava de “minha Faculdade de Agronomia”. Lembro-me da expressão de orgulho que ele tinha, pois a Faculdade de Agronomia tinha um programa de pesquisa de aveia e ele tinha grande consideração sobre seu uso como forrageira e a utilizava no inverno na sua fazenda no Uruguai para engorde de bois quando as pastagens nativas são crestadas pelas geadas. Os formandos da turma de julho de 1985 prestaram uma justa homenagem ao exGovernador Leonel de Moura Brizola, escolhendo-o como paraninfo da referida turma. Infelizmente, pela coincidência do aniversário do jornal O Globo e a presença do então Presidente José Sarney no Rio de Janeiro, no mesmo dia, foi representado na formatura pelo vice-Governador, professor Darci Ribeiro. A partir da visita do


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professor Darci Ribeiro à nossa Faculdade, surgiu o projeto de criação de uma Faculdade de Agronomia na cidade de Campos no Rio de Janeiro. Segundo esse professor, o Governador Brizola queria criar uma Faculdade de Agronomia numa região de agricultura pouco desenvolvida, como fator de desenvolvimento regional, e tendo como modelo a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo. Esse fato, por si, já deve orgulhar a todos, especialmente, aqueles que estudaram em nossa Faculdade.

Alysson Paulineli, um exemplo Estive, com muita honra, em 24 de maio de 2012, palestrando a técnicos e produtores rurais durante o ENTEC$ (Encontro Nacional de Tecnologias), promovido pela Fundação Lucas do Rio Verde, Mato Grosso, e abordei o tema Limites fisiológicos para o rendimentos das culturas. Era a comemoração dos dez anos de realização do ENTEC$ (Encontro Nacional de Tecnologias de Safras), buscando a integração da produção ao consumo. A Fundação Rio Verde é uma instituição de pesquisa e difusão de tecnologias agrícolas, mantida pelos produtores rurais e com trabalho executado em parceria

com instituições públicas e privadas. Como é uma forte “colônia gaúcha”, o chimarão corria solto no auditório. Foi um feliz momento de reencontrar o ex-Ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, que palestrou antes de mim sobre A evolução da produção e a organização da cadeia do milho. Um tema oportuno no município de Lucas do Rio Verde, a Capital Nacional do Milho, em função de a área cultivada e da produção obtida. Não é por acaso que a antiga Sadia, hoje BRFood, construiu nesse município o maior abatedouro mundial de aves e suínos, o que gerou mais de seis mil empregos. Alysson Paulinelli nasceu em Bambui – Minas Gerais, em 10 de julho de 1936, filho do engenheiro- agrônomo e produtor de café Antônio Paulinelli de Carvalho e Adalgisa Lucchesi Paulinelli. Diplomou-se engenheiro-agrônomo na Escola Superior de Agricultura de Lavras - MG, hoje a Universidade Federal de Lavras - Ufla, em 1959. Seguiu a carreira docente na mesma faculdade, lecionando a disciplina de Hidráulica, irrigação e drenagem até 1971. Foi diretor da referida faculdade de 1966 a 1971, período no qual também presidiu a Associação Brasileira de Ensino Agrícola Superior - Abeas, de 1968 a 1969. De 1971 a 1974, foi Secretário de Estado da Agricultura de Minas Gerais. Uma das suas marcas deixadas foi a implementação da


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Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – Epamig. De 1974 a 1979, foi Ministro da Agricultura, no Governo do Presidente Ernesto Geisel. Foi um momento difícil da economia do Brasil, pois, desde 1972, o Brasil sofria com o aumento expressivo do preço do petróleo: o valor passou de Cr$ 3,00 (três cruzeiros) o barril para Cr$ 11,00 (onze cruzeiros) em poucos dias. Nessa época, o Brasil importava 80% do petróleo consumido e era um importador crescente de alimentos. Foi o ministro que implementou a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa. Era um projeto apresentado alguns anos atrás pelo gaúcho Luiz Fernando Cirne Lima, como Ministro da Agricultura, ao Presidente Garrastazu Médici. Entretanto, poucas semanas depois, renunciou ao cargo. O primeiro centro de pesquisas inaugurado, com a presença do Presidente Ernesto Geisel e também do Ministro Paulinelli, foi o Centro Nacional de Pesquisa de Trigo - CNPT em Passo Fundo, hoje Embrapa Trigo, em 1975. Também, foi em seu governo que foi criado no Brasil o Próalcool, que, de forma pioneira no mundo, implementou um modelo tão bem sucedido de produção de etanol combustível a partir da cana-deaçúcar, que hoje abastece milhões de automóveis. Voltando a Minas Gerais, assumiu a presidência do Banco do

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Estado de Minas Gerais, de 1979 a 1986. Então, elegeu-se deputado federal constituinte pelo PFL, hoje DEM, e e x e r c e u o mandato de 1987 a 1991. Voltou ao cargo de Secretário da Agricultura e Abastecimento de Minas Gerais (1991 a 1994). De 1992 a 1993, presidiu o Fórum Nacional da Agricultura, cujo objetivo era a elaboração de uma política agrícola para o Brasil. O projeto teve continuidade a partir de 1996, presidido pelo engenheiro-agrônomo Roberto Rodrigues, já no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Também foi presidente da Confederação Nacional de Agricultura - CNA. Desde 2011, é o presidente da Associação Brasileira do Milho - Abramilho, sucedendo ao gaúcho de Getúlio Vargas, o exMinistro e Deputado Odacir Klein. Conheci o sempre Ministro Paulinelli em 1974 quando veio a Passo Fundo para a inauguração do CNPT. A convite do então diretor da Faculdade de Agronomia Rodoaldo Damin, participei do encontro dos professores com ele. Ao longo dos anos, encontramo-nos inúmeras vezes em eventos pelo Brasil, como palestrantes ou participantes. Fez uma palestra extraordinária sobre a evolução da agricultura no Brasil, especialmente, a evolução da cultura do milho no Brasil Central. Pelo seu trabalho e exemplo, tem autoridade para cobrar o que ainda não está sendo feito pelo Governo e enaltecer o trabalho realizado pelos produtores. Especialmente, a falta de investimentos na logística e no


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exagero da legislação ambiental aplicada aos produtores rurais. Alysson Paulinelli é um engenheiro-agrônomo, produtor rural e homem público que orgulha a todos os envolvidos com o desenvolvimento do agronegócio, pelo seu trabalho, como homem público e na iniciativa privada.

Amigo Ronald Bertagnoli Fomos surpreendidos com a partida precoce desse colega e amigo durante o Natal de 2004, e sepultado na Fazenda Sementes e Cabanha Butiá. Mas nos confortamos pelo legado de ações desenvolvidas pelo Ronald em favor do Agronegócio, nas mais diferentes instâncias em que atuou em sua vida. O melhor que podemos fazer é lutar por aquilo que o Ronald tanto lutou nos últimos anos. Ronald Bertagnoli era formado em Agronomia e Economia pela Universidade de Passo Fundo. Atuou sempre na propriedade da famíla Bertagnoli, com plantas de lavoura, cabanha, produção de leite da raça Jersey, cabanha de ovinos Suffolk e cavalos crioulo, talvez sua maior paixão. Iniciou uma forte parceria com a OR Sementes, dirigida pelo pesquisador Ottoni Souza Rosa, visando ao desenvolvimento de novos cultivares de trigo.

Com um espírito inovador, envolveu-se em vários projetos de desenvolvimento do agronegócio, como presidente do Sindicato Rural e na diretoria da Acisa. Foi o criador da Agropasso, a primeira feira dinâmica de máquinas e equipamentos realizada em Passo Fundo, durante a 6ª Efrica, realizada em 1997. Graças ao seu profundo conhecimento, foi jurado de inúmeras feiras de animais no Brasil e no exterior. Teve também uma participação muito efetiva no crescimento e na melhoria da Expointer. Em 2001, foi escolhido pela primeira turma de formandos da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, ao ensejo dos trinta anos de formatura, como um dos sete alunos mais ilustres da Faculdade, categoria Produtor Rural. Foi durante seu mandato no Sindicato Rural que foi retomada a área da Cedic, onde hoje está instalado o Parque Wolmar Salton.

A agricultura brasileira perdeu Moacir Micheletto Infelizmente, no dia 31 de janeiro de 2012, fomos surpreendidos com a morte trágica do Deputado federal Moacir Micheletto em um acidente de


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automóvel próximo a Toledo Paraná. Moacir Micheletto era engenheiro-agrônomo formado na Faculdade de Agronomia da Universidade de Passo Fundo, em 1972. Foi o ano em que ingressei como aluno na mesma faculdade e, portanto, tive uma convivência curta com o colega Micheletto. Conheci-o melhor, posteriormente, já no exercício da Agronomia, no estado do Paraná, atuando na região de Assis Chateubriand, e pela sua destacada atividade parlamentar em Brasília. Sua veia política já se expressava durante o período de estudante, tendo sido o presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Agronomia, gestão 1970/1971. Moacir Micheletto era natural de Xanxerê – Santa Catarina, nascido em 1942. Após diplomar–se na UPF, atuou com extensionista da antiga Acarpa, hoje Emater - Paraná, durante dezoito anos em Toledo Paraná e mais precisamente em Assis Chateubriand. Especializou-se na produção animal, com diversos cursos de aperfeiçoamento e viagens internacionais. Como profissional da Agronomia, durante 26 anos, exerceu cargos importantes, como diretor do Conselho de Administração das Cooperativas Coopervale (Palotina, 1984-1986), Cotriguaçu (Cascavel, 1984-1986), Cotia (1988) e da Cooperativa Central Regional de Assis Chateubriand. Foi presidente do Núcleo Regional da Associação de Engenheiros Agrônomos do estado do

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Paraná (Assis Chateubriand); diretor superintendente da Campo – Companhia de Promoção Agrícola, em Brasília – Distrito Federal; presidente da Comissão Nacional de Grãos e Fibras na CNA – Confederação Nacional da Agricultura, 1993-1996, 1999; presidente do Lions Club de Assis Chateaubriand, 1979-1980; presidente do Sindicato Rural de Assis Chateaubriand,1983-1992 e no mandato desde 2010; vicepresidente da Faep – Federação da Agricultura do Estado do Paraná, 1993-1999, entre muitas outras atividades profissionais. Filiado ao PMDB - Paraná desde 1982, Moacir Micheletto foi eleito deputado federal por 6 mandatos consecutivos: 1991-1995, 19951999, 1999-2003, 2003-2007, 2007-2011 e 2011 até sua morte. Desempenhou suas atividades parlamentares em defesa da agricultura brasileira nas funções de presidente da subcomissão permanente para tratar da política agropecuária na Câmara dos Deputados. Ocupou as funções de membro titular da Comissão de Agricultura e Política Rural; de suplente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática; de titular da Frente Parlamentar de Agricultura e do Cooperativismo; de representante da Câmara dos Deputados no Parlamentarians for Global Action, Caracas – Venezuela; de convidado


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especial da posse do Presidente da ACI – Associação Internacional do Cooperativismo, como membro da Câmara dos Deputados, em Genebra – Suíça; de coordenador da subcomissão para a elaboração da emenda do Orçamento Geral da União, tendo priorizado R$ 191 milhões para a agricultura; de relator da Proposta de Fiscalização e Controle n.º 84/97 – relativa à inspeção sanitária e industrial do leite e seus derivados e importados 1997/1998. Como deputado federal, recebeu inúmeras missões oficiais: representante do setor privado organizado no grupo permanente do subgrupo Oito do Mercosul, em viagem oficial ao Paraguai, Uruguai e Argentina, 1991-1992; representante da Câmara dos Deputados no Parlamentarians for Global Action, em Caracas Venezuela, 1993; viagem ao Japão, como diretor-superintendente da Campo, para desenvolvimento e acompanhamento de projetos técnicos agrícolas entre Brasil/Japão, 1996; participante da Reunião de Audiência Pública, realizada sob a coordenação da Comissão de Agricultura e Política Rural, Chapecó – Santa Catarina, 1997. O colega e Deputado Micheletto teve um papel destacado em 2003 durante a discussão e a aprovação da Lei de Biossegurança, que tive

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oportunidade de acompanhar como representante da Sociedade Brasileira de Melhoramento Vegetal. A palavra com conhecimento técnico e larga experiência na gestão do agronegócio. Também atuou de forma competente na discussão na Câmara dos Deputados da nova Lei Ambiental ou do Código Florestal. Sempre uma palavra equilibrada entre a necessidade de inibição do desmatamento indiscriminado de grupos radicais de um lado e de outro lado os ecologistas extremados, tentando inibir a produção de alimentos. Há algum tempo, encontrei-o no Bourbon em Passo Fundo, pois estava de visita a familiares e revelou-me a sua frustração com a não aprovação de uma lei nacional sobre regras para desmatamento. Na verdade, uma lei para disciplinar a “colheita de árvores” na Amazônia, um assunto proibido em Brasília. Dizia que não era possível condenar à pobreza, por imposição dos países ricos, milhões de brasileiros que vivem na rica Amazônia. Eles teriam o direito de colher a riqueza, de forma sustentável. Entretanto, sem leis claras sobre o tema, o desmatamento indiscriminado bate recordes, especialmente nos últimos anos. Tipicamente, “o exagero do argumento está pondo a perder a questão”. E, certamente, a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária UPF perdeu seu ex-aluno de melhor


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desempenho político.

Ceres, a deusa da agricultura A agricultura é a arte de transformar o meio natural em um meio capaz de produzir alimentos, a sua função mais nobre, e matériasprimas industriais. Ela difere da indústria extrativa, na qual que o homem apenas explora aquilo que a natureza espontaneamente produz, como raízes, folhas, flores, frutos, sementes e os animas da terra e das águas. Foi na China antiga, com a construção do arado, que o homem começa o cultivo da terra, plantando espécies vegetais que eram preferidas na alimentação dos povos. Assim, a agricultura deixava de ser nômade para se tornar sedentária. A maior prosperidade veio com o cultivo das terras do Egito antigo, à beira do rio Nilo, pois, quando se inundavam as terras durante o período das chuvas, trazia-se a matéria orgânica que fertilizava, naturalmente, suas terras. Também merece destaque a Mesopotâmia antiga (hoje Irã e Iraque), com suas terras fertilíssimas, entre os rios Tigre e Eufrates. Sem se esquecer da contribuição da Grécia antiga. Uma das características dessa agricultura antiga era sua relação com os ritos religiosos e o trabalho da mulher. O início do plantio e da

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colheita sempre era realizado pelos reis ou imperadores, a autoridade maior. Como somente a mulher tem o dom de gerar outro ser, esse trabalho de manejo das culturas era realizado por elas. Aos homens, cabiam o desmatamento, as queimadas, a caça, a pesca e o cuidado dos filhos. A mulher realizava o trabalho de plantio e colheita. O interessante é que, nas tribos indígenas brasileiras mais primitivas, ainda é a mulher que realiza os trabalhos, exatamente como no Oriente Médio antes de Cristo. Por essa razão a agricultura tem uma deusa, Ceres. É na verdade o nome romano dado à deusa grega Deméter, a Mãe da Terra. Ceres, na mitologia romana, era filha de Saturno e Cibele, amante e irmã de Júpiter; irmã de Juno, Vesta, Netuno e Plutão e mãe de Proderpina (Persephone), com Júpiter (Zeus). Segundo os mais diferentes relatos existentes, a deusa Mãe da Terra tem a função de proteger, de abençoar e de garantir a fertilidade; a arte de semear, de colher e de fabricar o pão; o potencial de nutrição; o não pertencimento a ninguém; o arquétipo materno; a descoberta da razão para viver; aa posse e obstinação; aa necessidade de acompanhar os ciclos da vida; e as características taurinas. Ceres também era a deusa siciliana (região que, naquela época, pertencia à Grécia e não à Itália), das sementes, especialmente, dos grãos alimentícios cultivados na


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época, principalmente, o trigo. Daí, originou-se a denominação de cereais para as culturas produtoras de farinhas (ricas em amido), como o trigo, aveia, centeio, arroz, milho, triticale, sorgo e outras de menor importância. A introdução do culto a Ceres em Roma data de 496 a.C. e parece provir do cerco da cidade pelos etruscos, enquanto Roma era ameaçada pela fome. E atribuí-se a Ceres a volta da produção de alimentos. Segundo a lenda, Ceres foi seduzida por Júbiter e teve uma filha dele, Prosérpina (Persephone). Prosérpina cresceu alegremente entre as outras filhas de Júbiter, mas, sendo extremamente atraente e bela, seu tio Plutão (Hades) se apaixonou por ela e arrastou-a para o inferno. Quando Ceres chegou ao local, não havia mais sinal de Prosérpina. Por nove dias e nove noites, Ceres vagou pelo mundo com uma tocha acesa no vulcão Etna, em ambas as mãos, procurando a sua filha. Ceres, então, decidiu abandonar a sua condição divina até que sua filha retornasse para ela, que se tornou estéril. Infelizmente a jovem, por ter comido sementes de romã, ficou ligada para sempre aos infernos. Como consolo a Ceres, ficou estabelecido, no Monte Olimpus, que Prosérpina desceria anualmente ao reino do seu esposo, durante o outono e o inverno, quando a terra repousa. Na primavera e no verão,

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ficaria em companhia de sua mãe. Essa é a razão pela qual, quando Prosérpina deixa o inferno para estar com a sua mãe, a terra floresce, trazendo a primavera e o verão aos mortais como um sinal da alegria de ambas as divindades. Quando chega o momento de Prosérpina deixar sua mãe para ir ao inferno, o outono e o inverno cobrem a terra em sinal de profunda tristeza! Ceres, contente, voltou a trabalhar pela alimentação dos mortais. Viajou muito com Baco, o deus do vinho, a bebida dos nobres. Diz a lenda que Ceres também ensinava a elaborar cerveja, a bebida dos plebeus. Como o início da primavera, no Hemisfério Norte, ocorre no dia 20 de março, nesse dia comemora-se no mundo inteiro o Dia da Agricultura. Por falar em plantio direto... Lembrei-me da Semeato! Nenhuma outra tecnologia teve um impacto tão revolucionário na agricultura da região do que a implantação do sistema plantio direto - SPD pelos produtores rurais. A produção de grãos na região se intensificou a partir da década de sessenta, por intermédio da dupla monocultura trigo no inverno e a de soja no verão. Essas culturas eram implantadas totalmente pelo sistema convencional, com arações, gradagens de destorroamento e


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nivelamento, incorporação de herbicidas no pré-plantio, semeadura e uso frequente de capinadeiras. Esse manejo era totalmente inadequado para as condições topográficas e o clima da região. O resultado era uma intensa erosão do solo, com perdas de até 150 t por hectare/ano, o que causava, de um lado, o empobrecimento do solo e, de outro, o assoreamento de rios e barragens. Por isso, a partir de 1971, iniciou-se uma experiência no Rio Grande do Sul de semeadura direta de trigo e soja. Os resultados iniciais foram muito ruins, pois se tratava de uma técnica desconhecida. Não havia semeadoras nacionais para semeadura direta, os solos eram erodidos e compactados, faltavam herbicidas, havia um desconhecimento da importância da palhada para o sistema, entre outros fatores limitantes. Foi nesse contexto que surgiu, em Passo Fundo, uma das mais importantes indústrias de semeadoras para semeadura direta, a Semeato. A empresa já era fabricante de semeadoras convencionais para cereais de inverno e soja, tendo sido adaptada uma semeadora (a PS 8) para uso em semeadura direta. Tornou-se não somente uma das empresas mais importantes para o mercado brasileiro, bem como exportadora de semeadoras para muitos países e locais, como Argentina, Uruguai, Chile, Estados Unidos da América,

Comunidade Comum Europea, leste Europeu, Rússia, países da África, entre outros. Em seu portifólio, constam mil modelos de semeadoras e mais de 6 mil semeadoras já foram exportadas de Passo Fundo para diferentes países. A marca Semeato confunde-se com o próprio nome de Passo Fundo em muitas regiões brasileiras e de outros países. Tem para Passo Fundo uma importância extraordinária, como geradora de empregos, tributos e divisas. Lembrei-me Scherer Roman!

de

Erivelton

No dia 26 de outubro de 2006, fomos surpreendidos com a notícia do falecimento do colega engenheiroagrônomo Erivelton Scherer Roman, vitimado por complicações renais. Erivelton era graduado em agronomia pela UPF e atualmente era pesquisador da Embrapa Trigo, tendo sido chefe-geral daquela instituição. Conheci o colega Erivelton como técnico da empresa inglesa ICI (Imperial Chemical Industry), que se instalou no Brasil em meados da década de 1970 para fomentar o plantio direto. A ICI trouxe ao Brasil os herbicidas dessecantes como Gramoxone (paraquat) e Reglone (diquat) e auxiliava os produtores a importar as máquinas semeadoras Rotacaster, da Inglaterra. Era uma semeadora tipo rotativa, muito passada que exigia tratores com pelos menos 85 HPs para o trabalho em nossas áreas declivosas.


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Naquela época, a maioria dos produtores tinha tratores com apenas 35, 50 ou 65 HPs. O primeiro experimento sobre plantio diretos no Rio Grande do Sul foi instalado pelo colega Erivelton, na Faculdade de Agronomia da UPF. Mas, devido á pressão do Diretório Acadêmico, o referido convênio foi rompido e o experimento eliminado, com a utilização de uma rançosa justificativa ideológica de que “uma Universidade não poderia ter um convênio com uma multinacional fabricante de agrotóxicos!”. Na época, como professor que eu era de Manejo e Conservação do Solo, na Faculdade de Agronomia UPF, tive um trabalho muito integrado com o Dr. Erivelton e o pesquisador Werner Wünsche da Embrapa Trigo, também já falecido. Realizamos, em um trabalho conjunto que envolveu a Faculdade de Agronomia, a Embrapa, o ICI e o Coopasso, mais de 20 palestras para produtores rurais da região de Passo Fundo sobre técnicas de manejo do sistema plantio direto nos anos de 1978 e 1979. Realizamos também, em 1978. o I Simpósio sobre Conservação de Solos do Planalto na UPF, em que eu era o C oordenador-Geral, com a participação muito dedicada de Erivelton Scherer Roman e de outros professores e técnicos das mais diferentes instituições. A segunda edição do referido simpósio foi realizada em 1980.

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Com a morte prematura de Werner Wünsche e agora de Erivelton Scherer Roman, perdem-se algumas das principais memórias da história do plantio direto no Sul do Brasil. Mas eles deixaram um legado, que poucos alcançam na sua passagem pela Terra.

Sicredi comemora 25 anos Quando a cada trimestre vemos os grandes ganhos dos bancos em nosso país devido à política de juros altos praticada pelo Banco Central, os produtores rurais podem ganhar parte disso ao associarem-se ao Sicredi. Criado em nosso Estado como Caixa Rural, foi por muito tempo a forma encontrada pelos produtores rurais para fazer poupança. Os imigrantes alemães, italianos, poloneses e outros quando aqui chegaram na metade do século XIX, trouxeram a cultura da necessidade de poupança. Em cada família, as pessoas eram educadas para sempre guardar uma parte do que ganham para poderem fazer investimentos futuros. Na maioria dos países desenvolvidos, isso ainda é assim. A cultura da poupança é um patrimônio nacional. Infelizmente, no Brasil, ficou muito difícil estimular uma maior poupança desde seu confisco realizado pela equipe econômica do


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Presidente Fernando Collor no início do seu governo, em 1990. De outro lado, nos anos de alta inflação, o rendimento da poupança muitas vezes não cobria as perdas da inflação e, quando as pessoas iam sacar o dinheiro, o seu valor era muito menor. Isso explica um pouco essa cultura dos brasileiros de investir tão pouco em poupança ou outras aplicações financeiras. Preferem comprar antecipadamente, desde que haja longos prazos e prestação compatível, e às vezes até incompatível, com a renda. No entanto, nesse facilitário do crédito a longos prazos, acaba pagando altos juros, cujos valores são muito superiores ao próprio valor do bem adquirido. Nos países mais desenvolvidos, onde a inflação está sob controle há mais tempo, a lógica é diferente. As pessoas primeiro buscam fazer uma poupança e, então, compram o bem à vista. Dessa forma, além do ganho de rendimento da aplicação, podem barganhar preço e comprar mais, com menos comprometimento da renda. Significa a quebra do paradigma do imediatismo. Portanto, a origem do Sicredi está relacionada a essas Caixas Rurais. Isso era tão importante há cem anos que os rapazes, filhos de agricultores, quando voltavam do quartel, tinham aulas à noite sobre pequenas noções de livro caixa e de contabilidade a fim de, principalmente, aprender a calcular os juros sobre o dinheiro aplicado. Inclusive, aprendiam a calcular juro

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composto, que hoje é um conhecimento praticamente ignorado até mesmo por alunos de cursos superiores. Tudo isso como prevenção para “não ser logrado” pelo administrador da Caixa Rural nos municípios. Se no Brasil, nos dias atuais, ter um banco é um dos melhores investimentos, as pessoas podem facilmente se tornarem donos de bancos, associando-se ao Banco Sicredi. Quanto mais lucro o banco auferir durante o ano, maiores serão os dividendos para seus associados.

Bruno Edmundo Markus, grande legado No dia 6 de novembro de 2010, ocorreu o falecimento de Bruno Edmundo Markus, odontólogo, exprofessor universitário, ex-reitor da Universidade de Passo Fundo e empresário, diretor da rádio Uirapuru. Conheci Bruno Markus logo após o ingresso no curso de Agronomia da UPF, em 1972, pois seu filho Artur foi meu colega de Faculdade. O Dr. Markus, como era conhecido na UPF, era uma das pessoas mais respeitadas na Faculdade de Odontologia e na UPF pela seriedade e dedicação ao projeto UPF. Por isso, em 1974, foi eleito reitor da Universidade de Passo Fundo, gestão 1974-1978, tendo como vice-reitores Elydo Alcides Guareschi (Acadêmica) e Murilo Coutinho Annes (Administrativa),


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justamente no período em que o Brasil era governado pelo General Ernesto Geisel, casado com dona Lucy, irmã de Bruno Markus. Esse fato trouxe alguns dissabores ao reitor Markus, pois os movimentos ideológicos, que lutavam contra a ditadura dentro da Universidade de Passo Fundo (estudantes e professores), na verdade, queriam atingir o Presidente Geisel e os militares. Desde a notícia de seu passamento, depois de uma longa enfermidade, como se fosse um filme, me vêm à lembrança muitos fatos que acompanhei e envolviam essa figura tão querida que foi Bruno Markus. Em 1974, a diretoria do DCE da UPF havia sido destituída pelo colégio dos DAs por irregularidades. Assumiu como presidente prótempore o então presidente do DA do Direito, Nei Jorge. Seu compromisso era convocar novas eleições. De forma condizente com o momento que o Brasil vivia e considerando a natureza dos jovens, os diretórios acadêmicos se preocupavam muito mais com a política do que com a política estudantil. Foi montada uma chapa para presidência do DCE, que tinha como presidente o hoje médico Milton Roos e eu como vicepresidente, organizada por lideranças estudantis que queriam lutar pela melhoria da qualidade de ensino na instituição. Eu e o Milton já éramos, de longa data, monitores de Bioquímica, em vários cursos, indicados pelo grande mestre Romeo

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Ernesto Riegel, da UFSM. Esse fato também nos impunha audiências com o então reitor Bruno Markus. Ganhamos da outra chapa a eleição e assumimos o DCE. Qual nossa surpresa: o DCE não tinha estatuto, livro de atas, controle financeiro, sede etc. O Milton, muito ativo e inconformado com a situação, convidou-me a ir acompanhá-lo à Reitoria, que ainda funcionava numa casa ao lado do antigo curso de Direito. Fomos recebidos e expusemos a situação encontrada no DCE ao reitor Markus. Ele nos aproximou do professor Euripedes Fachini, renomado professor da Faculdade de Direito e juiz do Fórum de Passo Fundo, para ajudar na elaboração do Estatuto do DCE. Esse estatuto foi aprovado no Colegiado dos DAs. O reitor Bruno Markus ainda cedeu uma sala do antigo Direito para sede do DCE, colocou um ramal telefônico e se comprometeu a convocar o presidente do DCE (como titular) e o vice como suplente para as reuniões do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CEPE e do Conselho Universitário como representantes do corpo discente. Esses dois conselhos eram presididos pelo reitor Markus. Foi a oportunidade para conhecer melhor a seriedade, a dedicação e as ideias do reitor e seu interesse único pelo crescimento da jovem Universidade de Passo Fundo. No dia de minha formatura do curso de Agronomia, em 13 de dezembro de 1975, juntamente com o Artur Markus, durante a cerimônia de descerramento de placa, ele me


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perguntou o que eu iria fazer depois da formatura. Ele insistiu que eu deveria aceitar o convite do então diretor da Faculdade de Agronomia, Rodoaldo Damin, para professor professor. Foi o que acabei fazendo a partir de 8 de março de 1976 até 19 de fevereiro de 2009. Como reitor, foi decisivo em 1977 em incentivar a criação do Programa de Pesquisa da Aveia na Universidade de Passo Fundo, que foi um marco na pesquisa. Ao longo desse tempo, além de ser um grande admirador desse sempre reitor e professor, fomos amigos. Em cada encontro, a rememoração de atividades desenvolvidas e a sempre preocupação com os destinos da UPF, pela qual tanto trabalhou. O legado que deixa é um conforto para sua família e amigos, e a certeza de que, pelo seu trabalho e exemplo, continuará muito vivo entre nós.

Um tributo a Murilo Coutinho Annes Conheci parte da longa atividade, como professor e gestor, do advogado Murilo Coutinho Annes, pois ingressei na UPF em 1972. Ainda como estudante e vice-presidente do DCE, tive o privilégio de participar das reuniões do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - Cepe e as do Conselho Universitário como representante discente. Testemunhei a dedicação, o

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trabalho, a competência e a seriedade com que os destinos da UPF eram traçados por pessoas como Murilo Annes, Alcides Guareschi, Bruno Markus, Catarino Ferreira, Carlos Galves, entre outros. Portanto, lembrar-me de Murilo Annes é recordar de uma importante fase da história da UPF. A partir da década de 1980, convivi mais proximamente com o professor Murilo e um seleto grupo de amigos e professores da UPF, como Alcides Guareschi, Niveo Belotti, Alberi F. Ribeiro, Catarino Ferreira e Rui Donadussi, no tradicional chimarrão de domingos de manhã, em seu escritório. Muitas importantes ideias daquelas manhãs de domingo transformaram-se em ações na UPF, que orgulham a todos que por lá passaram. Murilo Annes foi um dos primeiros professores da Faculdade de Direito, criada em 1956 pela então Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo - SPU. Era uma sociedade leiga, que também criou os cursos de Economia, Odontologia, Agronomia, dentre outros, sob a liderança de César Santos. Paralelamente, uma outra instituição de ensino superior crescia em Passo Fundo, o Consórcio Universitário Católico, sob a liderança de Dom Claudio Kolling. Por várias razões, a Sociedade Pró-Universidade de Passo Fundo, passou por inúmeras dificuldades durante a década de 1960. Foi quando, em 1964, o Ministério da Educação indicou o professor Murilo como interventor na SPU. Começa


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então a trajetória de Murilo Coutinho Annes como um dos grandes líderes do ensino universitário em Passo Fundo. No livro sobre a história da Universidade de Passo Fundo, o exreitor Elydo Alcides Guareschi bem descreve as enormes dificuldades enfrentadas por aqueles pioneiros em interiorizar o ensino superior no Brasil. Graças ao desprendimento e à visão de futuro de Dom Claudio Kolling, de Murilo Coutinho Annes e de Alcides Guareschi, trabalhou-se pela fusão das duas instituições e pela criação da Fundação Universidade de Passo Fundo, que efetivamente aconteceu em junho de 1968. Murilo Annes foi eleito o primeiro reitor da Universidade de Passo Fundo, tendo como vicereitor Acadêmico o padre Elydo Alcides Guareschi e vice-reitor Administrativo Bruno Edmundo Markus. Ao longo de quase 40 anos de dedicação ao ensino universitário, o professor Murilo Annes, além de ter sido o primeiro reitor da UPF, também exerceu por dois mandatos o cargo de vice-reitor Administrativo. Presidiu o Conselho Diretor da Fundação Universidade de Passo Fundo, o Conselho Universitário e o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão. Mas, a “menina dos olhos” do professor Murilo era o Campus. O modelo teve como referência os campi de universidades norteamericanas, visitadas pelos professores Murilo e Guareschi em

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1967. Seu sonho era um campus amplo, com grandes áreas verdes e arborizadas. Pessoalmente, com colaboradores como Paulo Fragomeni, seu Guga, Antônio Scheaffer e Antônio Preto, ele se envolveu em plantio de árvores, o que lhe deu a generosa titulação de “rábula da Agronomia” pelos seus amigos mais próximos. Criou o Mini-zoológico da UPF, onde poderia ser visto cedo, nos domingos pela manhã, levando comida aos animais. Por essa razão, em 2007, sugeri ao Conselho Universitário e ao Conselho Diretor que fosse dado o nome Campus Professor Murilo Coutinho Annes e feito um memorial na entrada, ao invés de simplesmente Campus I da UPF. Homens, com um tão importante legado de trabalho na vida, não morrem.

Alcides Guareschi, um amigo da Agronomia O padre e professor Elydo Alcides Guareschi, educador e administrador, teve uma participação decisiva na criação de cursos superiores em Passo Fundo, desde o antigo Consórcio Universitário Católica, mas, especialmente, na implantação e na consolidação da Universidade de Passo Fundo, desde 1968. Além de emérito educador, Alcides Guareschi exerceu os mais altos cargos da administração da


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UPF, como diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, hoje Faculdade de Educação, vice-reitor Acadêmico (1968 a 1982), reitor por 16 anos (1982 a 1998) e presidente do Conselho Diretor da Fundação Universidade de Passo Fundo. Dentre as muitas condecorações recebidas, também recebeu da Câmara Municipal de Vereadores de Passo Fundo o título de “Professor Emérito”. Merecidamente recebeu da Universidade de Passo Fundo o título honorífico máximo conferido pelo Conselho Universitário, o de “Doutor Honoris Causa”. Tendo como característica pessoal uma enorme capacidade de trabalho, aliada a um notável espírito empreendedor e capacidade de diálogo, deixou uma marca indelével em todas as unidades de ensino e setores da UPF. Seu trabalho é reconhecido não apenas internamente, mas entre as instituições de ensino superior do Brasil pela sua destacada participação no Conselho dos Reitores das Universidades Brasileiras (Crube). Seu prestigio junto ao Ministério da Educação foi fundamental para a resolução de inúmeros problemas de cursos e unidades da UPF. Lembro-me de, como diretor da Faculdade de Agronomia (1982 /1986) e vice-reitor Administrativo pró-tempore (1987), ter ido inúmeras vezes ao MEC. Quando me apresentava, servidores diziam da “Universidade do Padre Gurareschi”. Seu nome era mais conhecido do que a própria

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Universidade de Passo Fundo Possivelmente, devido à sua origem de meio rural, pois nasceu e se criou no interior de Esperança, hoje município de Colorado, sempre teve um grande interesse pela agricultura. E isso ficou materializado nas inúmeras ações por ter participação importante na implantação de projetos de ensino, pesquisa e de extensão na Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária da UPF. Muitas dessas ações poderiam ser lembradas para exemplificar a importância de seu trabalho em prol do crescimento, da melhoria da qualidade de ensino, da extensão rural no curso de Agronomia, e posteriormente na Medicina Veterinária. Acompanhou pari e passu todas as dificuldades de estabelecimento do curso de Agronomia em Passo Fundo. Participou da busca de convênios para a implantação dos primeiros laboratórios de ensino e prestação de serviços, como o Laboratório de Solos e Adubos e o Laboratório de Análise de Sementes. Apoiou a execução de um programa de capacitação docente na FAMV, que permitiu a ampliação do quadro docente com tempo integral e o treinamento de professores em nível de mestrado, no início da década de 1980, fator decisivo para o desenvolvimento da pesquisa e a criação, posteriormente, dos cursos de Mestrado e Doutorado em Agronomia. Estímulou o desenvolvimento


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de um Programa de Pesquisa na Agronomia, especialmente facilitando na cooperação da UPF com a Embrapa Trigo para a implantação do Programa de Pesquisa em Aveia, em 1977, cujos resultados obtidos ao longo dos anos destacaram a Instituição como fator de desenvolvimento regional, além dos reconhecimentos nacional e internacional. Foi por meio do programa de Pesquisa de Aveia que, pela primeira vez, a UPF teve uma cooperação efetiva com as universidades americanas de Wisconsin e Texas A & M University. A sua colaboração foi decisiva na busca de aprovação dos primeiros projetos de pesquisa pela Agronomia, de forma pioneira na UPF, junto à Fapergs (1979), CNPq (1980) e Finep (1982), cujos recursos financeiros permitiram não somente a implantação de uma infraestrutura mínima para a execução de atividades de pesquisa, bem como a obtenção de bolsas para estudantes. Foi iniciativa do reitor Guareschi a realização de uma primeira reunião entre as Direções da Faculdade de Agronomia, Faculdade de Educação (Curso de Economia Rural) e do Instituto de Ciências Biológicas (Curso de Química), com a participação de representantes da Embrapa com vistas à criação do Centro de Pesquisa em Alimentos, hoje o principal centro interdisciplinar de ensino, pesquisa e extensão da UPF.

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Destaque-se sua participação decisiva na busca de recursos financeiros junto à Subin em Brasília e na celebração do Convênio com a Universidade Federal de Viçosa, referência na época na área de ciência e tecnologia de alimentos, permitindose o apoio técnico na implantação de laboratórios e o treinamento de docentes por curso de especialização. Lembraria o permanente estímulo para a implantação de curso de mestrado na área de Agronomia desde 1986, com a vinda à UPF do professor Claudio Moura Castro (Capes) para uma consultoria. O curso de mestrado foi implantado somente em 1996 (área de Fitopatologia), o primeiro institucional criado na UPF. Em 2000, foi criada a área de Produção Vegetal, e o curso de doutorado, em 2004. Atualmente, já oferece Programa de “Pós-Doutorado” em Agronomia. Colaborou decisivamente para a aquisição da primeira área de terras (134 hectares), a partir de 1984, para a instalação de projetos nas mais diferentes áreas, visando à melhoria da qualidade de ensino e à difusão de tecnologias. Especialmente, atuou nos bastidores para que a aquisição fosse aprovada pela Assembléia da Fundação Universidade de Passo Fundo, em 1985. Imediatamente, foi criado o Centro de Extensão e Pesquisa Agronômica – Cepagro, que atualmente desenvolve inúmeros projetos de pesquisa e de extensão.


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Ainda na sua gestão como reitor, foi adquirida outra área de 136 hectares, consolidando-se a implantação de um amplo Campo Experimental e a área para expansão do Campus. Pela sua visão da necessidade do desenvolvimento regional, foi um dos gestores da implantação do Conselho de Desenvolvimento da Região da Produção, o Condepro, e exerceu o mandato de seu presidente por vários anos, além de outros cargos. Pelo Condepro, foi implantado o Polo de Inovação Tecnológica junto à FAMV, com diversos projetos que contribuem com o desenvolvimento do setor rural na região. Finalmente, a Agronomia teve no professor Guareschi um permanente colaborador em diversos eventos de extensão, como seminários, simpósios e reuniões técnicas que projetaram a Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária na Região, no estado e no Brasil. Sem dúvida, um amigo da Agronomia.

Lições da caserna O papel constitucional do Exército, da Aeronáutica e da Marinha é a defesa nacional. E um país tão grande como o Brasil, com milhares de kilômetros de fronteiras, deveria ter um Exército maior. Com certeza, com mais quartéis em nossas fronteiras, o

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tráfico de drogas e o contrabando seriam menores. E ainda temos muitas riquezas minerais, biodiversidade e água, que são muito cobiçadas por outras nações. Há pouco tempo, um pai procurou-me muito preocupado com o fato de que seu filho teria sido selecionado para o serviço militar. Mostrei que, além do cumprimento cívico (é um dever), seu filho teria também um bom aprendizado. E nada melhor do que dar um testemunho pessoal. Em 1968, completei 18 anos e estava no segundo ano do curso Científico, no Colégio Estadual Antonio Sepp, em Cruz Alta. Sim, atrasado nos estudos, pois ingressei no ensino primário com quase nove anos. Morávamos longe da escola e eu tive que esperar meu irmão completar 7 anos para irmos juntos. Naquela época, nenhuma criança com menos de 7 anos poderia iniciar o ensino primário em escola pública. Quando me alistei no serviço militar, imaginei ter prejuízos nos estudos para cumprir o dever. Fui aconselhado a requerer o adiamento de incorporação no serviço militar para fins de ingresso no CPOR (Centro de Preparação de Oficiais do Exército). O aluno terminava o segundo grau e, caso não fosse aprovado no vestibular, poderia ingressar no CPOR. E, naquela época havia muitas vagas para esses aspirantes a oficial, por um período de até 5 anos. E o salário na época era muito bom. Por isso, fiz o requerimento e fui chamado a


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fazer a inspeção no Regimento Malet em Santa Maria. No entanto, em 1969, o Presidente Emilio Garrastazu Médici tornou nula a possibilidade de alunos de cidades que não tinham CPOR poderem ter direito ao adiamento. Fui chamado ao Quartel General em Cruz Alta e comunicado de que eu deveria servir no 17º Regimento de Infantaria, em Cruz Alta, a partir de janeiro de 1970. O Brasil vivia o pleno período das guerrilhas (onde atuava a Presidenta Dilma e outros que hoje comandam o nosso país), a exemplo do Uruguai com os Tupamaros (do Presidente Mujica), na Argentina com os Montoneros (do ex-Presidente Nestor Kirchner e da Presidente Cristina Kirchner) e do Sendero Luminoso, no Peru. Então, praticamente todos os jovens brasileiros foram recrutados. Em janeiro de 1970, iniciei o serviço militar em Cruz Alta, um dos poucos que cursavam o segundo grau, colocado na Companhia de Serviços. Graças ao Tenente Watterloo, na época namorado da minha professora de inglês, a Avani, fui chamado para o pelotão de Comunicações. Ele me incentivou, apesar do serviço quase 24 por 24 horas (muitos momentos de prontidão, em função do momento que o Brasil vivia), a continuar estudando. Foi com muito sacrifício que terminei o terceiro ano do Científico. Quando podia, eu trocava de serviço e ficava de plantão nos finais de semana. Para não dormir em aula, pedia aos

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professores para ficar de pé, no fundo da sala. Tive 168 faltas durante o ano, sempre justificadas, por estar em serviço. Só fui aprovado porque tive média acima de 7 em todas as matérias. Esse período de serviço militar teve grande influência na formação da minha personalidade, como o respeito à hierarquia, à defesa da organização e à disciplina; a valorização dos símbolos nacionais (Hino e Bandeira), a inconformidade com a impunidade reinante, a melhoria de meus hábitos alimentares e a importância do exercício físico. Tive a honra de participar da Guarda de Honra do Presidente Médici na inauguração da Hidroelétrica do Passo Real e do grande Silo do Coopasso (hoje da Cotrijal), aqui em Passo Fundo. Graças ao Exército, virei rádiooperador. Perdi parte da enorme timidez, o que me ajudou muito a ser professor, e descobri o gosto pelas comunicações. Daí, a razão de ser colaborador, desde 1984, da Rádio Planalto e, atualmente, também apresentando programas na RBS e na TV Passo Fundo. Boas lições da caserna. Seria melhor que a maioria dos jovens brasileiros cumprisse o serviço militar obrigatório. Aprenderiam cidadania e uma profissão, o que os afastariam das drogas e das bebidas, desmanchando-se inclusive algumas gangues de jovens. Um investimento melhor do que aquele feito em presídios.



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