Catálogo Abdias Nascimento - Exposição Invidual MAC Niterói (RJ)

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abdias Abdias Nascimento nascimento

um espĂ­rito libertador


Abdias Nascimento um espĂ­rito libertador

NiterĂłi | 2019


Abdias Nascimento um espírito libertador exposição de 14 de abril a 18 de agosto de 2019


Abdias Nascimento um espírito libertador

Nossa arte negra é aquela comprometida na luta pela humanização da existência humana, pois assumimos com Paulo Freire ser esta ‘a grande tarefa humanística e histórica do oprimido – libertar a si mesmo e aos opressores’.1

E

m 1976, Abdias Nascimento (1914-2011) foi convidado a escrever

a respeito da participação do Brasil na segunda edição do Festival

Mundial de Arte e Cultura Negra e Africana, realizado em Lagos, na Nigéria. A citação acima e o título desta exposição vêm de um desses textos, “Arte afro-brasileira: um espírito libertador”. O autor discorre sobre o constante apagamento de artistas negros nas narrativas so-

PABLO LEON DE LA BARRA RAPHAEL FONSECA

bre uma “arte brasileira”. Abdias a todo momento reafirma sua filiação ao candomblé e traz diversos nomes de artistas afro-brasileiros que mereciam ser conhecidos também enquanto agentes das artes visuais. Desde um artista do século XVIII como Aleijadinho à artista baiana Yêdamaria (falecida em 2016), o autor nos ensina não apenas sobre racismo estrutural, mas também sobre a importância de proposições construtivas – algo comum a todo o seu percurso como ativista. 1. NASCIMENTO, Abdias. “Arte afro-brasileira: um espírito libertador” in O genocídio do negro brasileiro - processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978, p. 180.

5


Esta exposição partilha da perspectiva proposta por Abdias

Institucional n. 5 fechou o Congresso e intensificou a repressão

Nascimento e traz ao público do MAC Niterói um aspecto de seu

política. Vários inquéritos policiais-militares contra Abdias tornaram

próprio “espírito libertador”. Professor, político, ator e teatrólogo,

inviável sua volta ao país. Sua produção pictórica, portanto, se con-

Abdias é um dos nomes mais importantes para o estabelecimento

funde tanto com o estranhamento de uma cultura diferente da sua,

do movimento negro no Brasil e no mundo. Como uma das diversas

quanto também com a guinada repressiva do governo militar no

atividades que compunham sua personalidade inquieta, esta mostra

Brasil. Desse período de exílio surgem pinturas que se comunicam

chama a atenção para a sua produção como pintor e designer. Ocu-

com sua vivência em um país estrangeiro e se relacionam com as

pando as cinco paredes do salão central, são visíveis tanto os inte-

causas dos movimentos negros, anti-guerra e da contracultura nos

resses variados do artista no que diz respeito aos temas pintados,

Estados Unidos. O uso de bandeiras como ícones das nações, os

quanto também uma constância relativa às suas opções formais.

três punhos cerrados característicos do movimento dos panteras

As pinturas de Abdias se caracterizam, majoritariamente, pelas suas relações com as narrativas religiosas afro-brasileiras. Como

negras e o símbolo de paz e amor chamam a atenção e conferem outra camada interessante à sua produção. Por fim, uma outra série de pinturas – em sua maioria posteriores

afirmado por ele no texto supracitado, “os Orixás são a fundação da minha pintura”. Na exposição vemos, portanto, diversos quadros

a 1980 – traz a experimentação do artista com símbolos, grafismos

dedicados à representação de Exu, Iemanjá, Ogum, Oxossi e Xangô

e aquilo que a tradição moderna ocidental chamou por abstração.

e outros. Orixás tão diferentes são apresentados ao espectador a

Formas geométricas, linhas pretas e cores variadas sugerem com-

partir do uso da forma humana e, cada um à sua maneira, trazem

posições que bebem de diferentes fontes africanas. Os pontos

suas singularidades. Oxumaré, por exemplo, surge diversas vezes

riscados tradicionalmente com giz (as pembas) na umbanda e no

como uma sereia, mas cada uma delas terá um cromatismo e ico-

candomblé aqui são transformados em tinta acrílica e a óleo sobre

nografia distintas – uma delas chega mesmo a ser dedicada a Léa

tela e se misturam com elementos dos hieróglifos egípcios antigos,

Garcia, grande atriz e também uma das pioneiras do teatro negro no

com os veve do vodu haitiano e com os adinkras dos povos Akan, da

Brasil. É interessante notar, então, que para Abdias as divindades,

África Ocidental. Essas imagens convidam o público a uma fruição

assim como a vida, estão em constante transformação.

que está entre a contemplação do caráter plástico e comunicacional

As pinturas aqui mostradas estão em um arco temporal que

de elementos que advém de culturas ancestrais e a experimentação

vai de 1968 – ano de sua primeira obra – a 1998. Perseguido pe-

da linguagem abstrata na pintura conforme visto na cultura ocidental

lo seu ativismo negro, o artista conseguiu uma bolsa da Fairfield

nesse mesmo período.

Foundation para pesquisa e intercâmbio nos Estados Unidos nesse

Esta exposição pode ser encarada como uma introdução da

mesmo ano de 1968. Findado o período da bolsa, no Brasil o Ato

produção pictórica de Abdias Nascimento para as gerações mais

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jovens e sua primeira exposição individual dentro de um museu de arte contemporânea no Brasil. Os pouco mais de trinta trabalhos mostrados são apenas parte de um acervo de obras que ultrapassa uma centena e meia e que está sob salvaguarda do IPEAFRO (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), criado em 1981. Esse conjunto de obras garante que sua pesquisa como artista visual – junto a outros artistas negros, como desejado em seu texto – esteja inserida nas narrativas acerca da história da arte contemporânea no Brasil.

Oxunmaré Ascende, 1972 Acrílica sobre tela | 152 × 102 cm | Búfalo, EUA

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A Negra Arte da Luta de Abdias legado ao povo brasileiro

A

tuar em parceria com o MAC Niterói na realização da exposição de pinturas de Abdias Nascimento tem sido um

empreendimento gratificante para nós do IPEAFRO. Ao criar o

instituto em 1981, nosso objetivo era disponibilizar informações e conteúdos que possibilitassem uma melhor compreensão da riqueza, complexidade, profundidade e potencial das referências epistemológicas da cultura e história africana e da Diáspora no Brasil. A obra artística de Abdias Nascimento mergulha nesse universo de heróis, divindades, linguagens e símbolos vivos, em íntima conexão com a luta pela justiça e pelos direitos humanos. O trabalho de Abdias, nas artes e na política, afirma o combate ao racismo como matriz indispensável a esses dois princípios da convivência entre seres hu-

ELISA LARKIN NASCIMENTO

manos. O IPEAFRO continua trilhando o caminho legado por Abdias, seu fundador, e a parceria com o MAC Niterói nos traz uma oportunidade ímpar de compartilhar essa caminhada com o público maior das artes no Brasil. A obra pictórica de Abdias é pouco conhecida por esse público, apesar das inciativas do IPEAFRO. Realizamos exposições em diversos espaços, como a Galeria Sérgio Milliet, no Museu de Belas Artes (1982); o Palácio Gustavo Capanema, sede do Ministério da Educação e Cultura (1988); o Salão Negro do Congresso Nacional (1997); a Galeria Debret em Paris 10

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(1998); o Solar Grandjean de Montigny da PUC-Rio (2004). Ocu-

ao trabalhar com elementos de matriz africana. No seu “Mani-

pamos todos os espaços expositivos da antiga Casa da Moe-

festo ainda que tardio”, ele transcreve Mário Pedrosa1:

da, restaurada como sede do Arquivo Nacional (2004), e levamos a retrospectiva à Galeria Athos Bulcão (Teatro Nacional)

Ao transmudar fetiches em imagens e signos litúrgicos em signos

em Brasília e à Caixa Cultural Salvador em 2006. Ocupamos o

abstratos plásticos, Valentim os desenraiza de seu terreiro e carre-

segundo andar do Centro Cultural Justiça Federal do Rio de

gando-os de mais a mais de uma semântica própria, os leva ao campo

Janeiro em 2011, ano em que Abdias passou do Aiyê (terreno

da representação por assim dizer emblemática, ou numa heráldica (…)

da vida material) para o Orum (plano espiritual, dimensão das

Nessa representação, os signos ganham em universalidade signifi-

divindades, dos ancestrais e dos não nascidos).

cativa o que perdem em carga original mágico-mística.

Todas essas exposições receberam visitação maciça e sediaram atividades dinâmicas com escolas e comunidades. Mas até onde conseguimos vislumbrar, o olhar da crítica de arte praticamente as desconheceu, fato coerente com a pouca atenção que a arte negra merecia nesse meio. Apenas nos últimos anos a expressão artística do chamado Atlântico Negro vem ganhando visibilidade, graças à ação de uma nova geração de curadores em que a presença africana e negra se faz sentir mundialmente. O convite do MAC Niterói ao IPEAFRO se insere nessa nova tendência, o que muito distingue

a presente iniciativa.

A elevação à categoria de arte erudita parece resultar, então, do ato de desvincular os valores culturais do seu contexto original, assim emprestando-lhes uma universalidade significativa que, naquele contexto, eles não poderiam reivindicar. O discurso da erudição invariavelmente mistura a expressão cultural de origem africana (“popular” ou “folclórica”) com inúmeras outras influências, para chegar a uma “brasilidade” compulsoriamente mestiça e homogeneizada. Aceita a europeia, porém, como fundo legítimo da arte brasileira, sem submetê-la a tal compulsão. Para artistas como Abdias Nascimento, ao contrário, o valor

Quando Abdias retornou ao Brasil no início dos anos 1980,

universal dos elementos africanos não depende de extraí-los

trazendo a sua produção artística – grande parte da qual foi

de seu terreno específico. Buscando exatamente aquela “car-

realizada no exílio –, prevalecia nas artes uma discussão sobre

ga original mágico-mística”, esses artistas captam na tradição

a diferenciação entre a cultura chamada “erudita” e a outra,

afro-brasileira a mesma universalidade significativa que muitos

“popular”. Tornou-se relevante a questão do lugar, nesse contexto, de artistas e valores de origem africana. Um exemplo é a forma que Rubem Valentim, um dos mais destacados artistas contemporâneos do Brasil, caracteriza seu processo criativo 12

1. VALENTIM, Rubem. “Manifesto ainda que tardio”. In: ARAÚJO, Emanoel (org.). A MãoAfro-Brasileira: Significado da Contribuição Artística e Histórica. São Paulo: Tenenge, 1988. p. 295.

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críticos identificam apenas nos referenciais ocidentais. Afrocentrados ao orientar-se pela sua própria tradição, esses artistas não deixam de ser genuinamente brasileiros. Abdias Nascimento mergulha fundo nas raízes africanas, trabalhando referências como os hieróglifos egípcios, os ideogramas adinkra da África ocidental e os veve do vodu haitiano. Alusões a antigos estados africanos, com seus sistemas de escrita e com sua filosofia, organização política e sistemas de conhecimento altamente desenvolvidos, nos lembram que a cultura afro-brasileira tem seu lugar próprio dentro de uma longa história de civilização africana erudita e sua influência mundial. De acordo com Abdias, o Brasil conseguirá se aproximar à tão esquiva, porém tão intensamente perseguida identidade nacional apenas quando aceitar por inteiro a sua tradição africana. Até esse momento, tal identidade permanecerá mutilada por conceituações de sincretismo que, de forma equivocada, incorporam uma hierarquia que vai da base negra “popular” ou “folclórica” até o alto “erudito” branco e europeu. A pintura de Abdias Nascimento representa e revive plasticamente o papel desempenhado por ele na sociedade brasileira: o de agregar ao protesto cívico negro e ao combate ao racismo, e desenvolver neles, a valorização do legado cultural africano. Este constitui um passo vital à recuperação da identidade, dignidade e humanidade plena do preto brasileiro, o que significa: do povo brasileiro. IPEAFRO | Julho 2019

Ideograma Adinkra, 1992 Acrílica sobre tela | 150 × 100 cm | Rio de Janeiro

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ARTE AFRO-BRASILEIRA: um espírito libertador1

S

Arte Afro-Brasileira um espírito libertador *

endo a Arte um ato de amor, ela implicitamente significa um ato de integração humana e cultural. Um ato praticado rumo

a uma civilização continuamente reavaliada, recriada e compar-

tilhada por toda a humanidade. O amor é mais do que a mera simpatia, decorrência da subjetividade; ele é a solidariedade num compromisso ativo. Amor significa um valor dinâmico. Consequentemente, o artista tem o dever compulsório, nesse transe amoroso, de exprimir sua relação concreta com a vida e a cultura do seu povo. Em todos os níveis, formas, significações, implicações e conotações. O exercício da pura abstração, o jogo formal incontaminado, reduz-se ao parâmetro do nada: ao artifício da “arte pela arte”. O que tem sido e o que é no presente a arte negra no Brasil?

ABDIAS NASCIMENTO

Devo dizer inicialmente que o processo da arte afro-brasileira tem sido, na essência, o mesmo observado em outros países do novo mundo onde existiu a escravização dos africanos. Há pequenas diferenças nos detalhes, influenciadas pela história * Primeira versão publicada na revista Black Art: an International Quarterly, Nova York, outono 1976. A presente versão foi escrita especialmente para a revista Chindaba (ex-Transição), número especial sobre o 2º Festival Mundial de Artes e Culturas Negras e Africanas (FESTAC ‘77), e publicada nos livros: Racial Democracy in Brazil: Myth or Reality? Ibadan/Nigéria: Sketch Publishers, 1977.;

NASCIMENTO, Abdias. O Genocídio Negro Brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978./ São Paulo: Perspectiva, 2016.

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de cada país, variações de nuanças, porém a violência inerente

cas; os modelos mais destacados foram os museus de Berlim,

ao sistema escravagista iguala a experiência histórica de todos

Roma, Londres, Dresden, Paris, Leipzig – todos agentes de estu-

os negros no continente das três Américas. Nestas, os poderes

dos africanos a serviço do colonialismo e suas teorias racistas.

coloniais articulam a proscrição do poder criativo do africano

Essas instituições se mancomunaram aos cientistas, teóricos de

através da desumanização semelhante àquela por eles aplicada

toda espécie, e scholars na manipulação cabalística de teoremas

no próprio continente africano.

baseados no suposto exoticismo e pitoresquismo dos povos sel-

Recordemos rapidamente os fatos históricos: com a invasão da

vagens, primitivos e inferiores que habitavam a África.

terra africana, o saque, a violação, a escravização, e o assassínio

Com a ligeireza dos que se sabem impunes, rotularam de

de cem milhões de africanos; com a pilhagem das riquezas natu-

documentos etnográficos ou folclóricos a produção artística

rais assim como dos tesouros artísticos da África; e com a domi-

africana, e na opinião dos julgadores da época, aquelas másca-

nação cultural, atingiu-se à negação do espírito africano, para na

ras, esculturas e outros objetos estavam aquém do nível da arte.

etapa seguinte o homem e a mulher africanos serem degradados

Aqueles representantes do eurocentrismo autoproclamaram

à condição de animal. A ideologia da brancura se arvora em valor

sua incapacidade de entender a verdadeira natureza do traba-

absoluto. Tudo o mais é a sombra do inexistente. De acordo com

lho africano como um fenômeno artístico. Assim predispostos,

tal ideologia, o negro-africano não tem história, nunca teve cultura;

como poderiam chegar à compreensão do sistema intrínseco de

sua existência “natural” sempre careceu de arte, religião e sutileza.

valores e às formas plenas de significação da criatividade afri-

A “superioridade” do branco e a “inferioridade inata” do ne-

cana? Como descer às suas raízes, perceber a complexidade, a

gro-africano são louvadas em todos os tons, e a ciência não

sutileza e a funcionalidade daqueles produtos no mundo socio-

negligencia esta tarefa: a antropologia, a etnologia, a história e

cultural africano? Como penetrar essa realidade mito-poética?

a medicina contribuíram para a edificação da ideologia e para a

Foi, entretanto, no coração mesmo dessa arte orgulhosa e

institucionalização do racismo com fundamentos “científicos”.

onipotente que a arte africana iria exercer sua influência mais

O ano de 1843 marca o lançamento da ideia de P. F. von Siebald

espetacular. Em Paris, entre os anos de 1905-1907, Vlaminck,

de fundar museus etnográficos nos países europeus coloniza-

Derain, Picasso, e outros pintores “descobriram” as máscaras e

dores, porque, entre outras razões invocadas, seria um “negócio

esculturas africanas. Pouco antes dessa reviravolta na história

Iucrativo”.1 Daí em diante, proliferaram as instituições etnográfi-

das artes, enquanto Leo Frobenius iniciava seus estudos sobre a arte e as civilizações africanas, o médico psiquiatra Nina

1. GOLDWATER, Robert. Primitivism in Modern Art. Nova York: Vintage Books, 1967. p. 4.

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Rodrigues também principiava na Bahia o que veio a ser denominado de “estudos científicos” sobre o africano e o negro no 19


Brasil. Ele mesmo descendente africano, Nina Rodrigues foi, no

mo negro-africano; entretanto, se ele soubesse quem assinava

entanto, um resultado da ciência europeia, a qual ele assumiu

a obra, seu julgamento, afetado pela colonização branco-euro-

devotamente. No livro que escreveu, Os africanos no Brasil, há

peia, teria sido compulsivamente de natureza oposta.

certa passagem onde o autor examina “cientificamente” uma es-

O sociólogo negro Guerreiro Ramos, também da Bahia, fundou

cultura representando Xangô, a divindade-símbolo do trovão, do

uma sociologia legítima para o Brasil. Atualmente professor na

fogo, da tempestade e da justiça na tradição iorubá. Como bom

Universidade da Califórnia do Sul, em Los Angeles, ele é, por con-

discípulo dos europeus, Rodrigues faz uso de teorias do cien-

traste a Nina Rodrigues, um cientista verdadeiro. Guerreiro Ramos

tista Lang que caracterizam o negro-africano como selvagem,

nos dá uma sentença definitiva a respeito do “mestre” baiano:4

possuidor de uma “consciência obscura”. Nina Rodrigues afirma: “Para a ciência não é esta inferioridade [da raça negra] mais do

Nina Rodrigues é, no plano da ciência social, uma nulidade, mesmo

que um fenômeno de ordem perfeitamente natural.” Seguindo

considerando-se a época em que viveu. (…) Sua obra, neste parti-

a lógica “científica” dessa conclusão, Nina Rodrigues continua

cular, é um monumento é um monumento de asneiras.

2

para negar ao autor da peça de Xangô qualquer habilidade técnica, primariamente porque não soube usar as proporções fisio-

Entretanto, Nina Rodrigues chefiou toda uma tendência “cien-

lógicas “corretas”. Diz ele: “A desproporção entre o comprimento

tífica”, a chamada Escola da Bahia, e tem vários discípulos ativos

dos braços e o das pernas, peculiar à raça negra, é levada, pela

ainda hoje. Sua obra constitui um diagnóstico dessa espécie de

imperícia do artista, quase ao extremo da caricatura.” Uma peça

doença que afeta a sociedade brasileira ao se defrontar com a

tão lamentavelmente deformada não satisfazia os requisitos bá-

presença irreversível do africano e seus descendentes no país.

3

Desde o início, coincidente com a colonização europeia do

sicos para merecer a classificação de obra artística. Nina Rodrigues faleceu em 1906, não leu os livros do alemão

país, os africanos produziam obras de arte de grande valor.

Frobenius e não teve oportunidade de contemplar uma obra de

Escravos procedentes do golfo da Guiné se mostraram alta-

Modigliani ou Les demoiselles d’Avignon, de Picasso. Caso ele

mente desenvolvidos em sua cultura, fato testemunhado pelos

tivesse visto uma dessas obras ignorando sua autoria, certa-

famosos bronzes de Benin (Nigéria) e de Ifé; aqueles do Daomé

mente a teria menosprezado como outro exemplar de barbaris-

(Benin) e outras partes nigerianas exibiam trabalhos de cobre de alto valor, e os Asantes, de Gana, se revelavam por meio da

2. RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945. p. 24. 3. RODRIGUES, Nina. Os africanos no Brasil, 4a ed. São Paulo: Instituto Nacional do Livro, 1976. p. 165.

20

4. RAMOS, Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editora Andes,1957. p. 144,145.

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qualidade e beleza dos seus tecidos. Da Costa do Marfim, Dao-

rituais e de imagens sagradas do candomblé, nome brasileiro

mé (Benin) e Nigéria, saíram especialistas em escultura em ma-

para a religião iorubá dos orixás. Sistematicamente perseguido pela religião oficial, o catoli-

deira e trabalhos em metais, enquanto de Moçambique vieram

cismo, e pela polícia, o candomblé perseverou com energia e

artesãos de ferro e de Angola chegou a capoeira. Esses africanos não puderam praticar sua arte no Brasil, não

vitalidade, tornando-se a fonte da resistência cultural e o berço

só por causa das limitações coercitivas inerentes ao sistema

da arte afro-brasileira. Fora das leis sociais e católicas, viu-se

escravista, mas também por motivo de proibições oficiais, como

obrigado a procurar refúgio em lugares escondidos, de acesso

testemunha, por exemplo, o decreto de 20 de outubro de 1621

difícil. O que não impediu que os terreiros sofressem e sofram a

proibindo os negros de trabalhar o ouro.

arbitrariedade policial que se registra através de toda sua longa

Outro fator grave no sentido das limitações criativas do africano foi a Igreja Católica, cujas ordens e irmandades o exploraram em suas lucrativas propriedades rurais, como escravo nos afazeres domésticos e nas tarefas agrícolas. Isto contraria o conceito amplamente divulgado e aceito do papel suavizador que a Igreja Católica teria exercido sobre a dureza implacável do regime escravagista. Não podemos fugir do fato histórico: a estrutura inteira da sociedade colonial constituía uma quadrilha de exploradores tirando o máximo proveito da força trabalhadora do africano. E para assegurar a estabilidade do sistema, o africano foi mantido sob permanente estado de terror, brutalidade e ignorância, como um objeto, uma besta de carga.

história. São assiduamente varejados e pilhados pelas autoridades policiais, que confiscam as esculturas rituais, os objetos do culto, vestimentas litúrgicas, prendem sacerdotes e sacerdotisas e crentes. Ou então se tornam mercadorias do turismo. Os objetos do culto sequestrados nunca perderam seu caráter de genuínas obras de arte. Desafortunadamente, várias dessas obras foram malignamente recolhidas em instituições tais como o Museu de Polícia do Rio de Janeiro, o Instituto Nina Rodrigues da Bahia, o Instituto Histórico de Alagoas, e são exibidas como provas etnográficas, bem como da suposta criminalidade nata do africano e de sua mente patologicamente pervertida. Mais recentemente, tal violência se perpetua, protagonizada por seitas neopentecostais cristãs.

Apesar de tudo isto, notemos que nenhuma forma de violên-

Durante os séculos XVI e XVII os africanos, com seus ver-

cia física ou espiritual conseguiu impedir a manifestação das

dadeiros talentos artísticos reprimidos, só puderam encontrar

inclinações artísticas do escravo. Os africanos souberam apro-

meios de expressão no trabalho coletivo das igrejas católicas,

veitar as melhores oportunidades para evitar a própria e total

sob a direção de sacerdotes brancos. Alguns realizaram obras

desumanização. A escultura em madeira continuou a desenvol-

importantes, como por exemplo Francisco Chagas, tão elogiado

ver sua riqueza expressiva, principalmente através de símbolos

por seus trabalhos na Igreja do Carmo, no século XVIII. Outro ar-

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tista modelar foi o gênio Antônio Francisco Lisboa – alcunhado

do verdadeiro genocídio que se perpetra contra o povo negro

o Aleijadinho; ele criou um corpo extraordinário de escultura, ar-

do país; 3) aliviar a consciência de culpa da própria sociedade

quitetura e pintura em várias cidades do estado de Minas Gerais.

brasileira que agora, mais do que nunca, está exposta à crítica

Filho de mãe negra e pai português, é com justiça considerado o

das nações africanas independentes e soberanas, das quais o

mais importante artista das Américas do século XVIII.

Brasil oficial pretende auferir vantagens econômicas. Mas não

No decorrer desses séculos, ocorreu a transmissão da pin-

importa esse ou qualquer outro tipo de masturbação ideológica;

tura de origem africana nos símbolos rituais dos terreiros, assim

a história registra os fatos, e os fatos são estes: durante todo

como na decoração dos pegis e das paredes residenciais. Cons-

o processo da descolonização da África, o Brasil sempre agiu

tituía uma produção oculta, quase secreta. Com a abolição jurídi-

como serviçal do colonialismo português e das potências impe-

ca da escravidão, em 1888, e a chegada subsequente das levas

rialistas. Jamais pôs em prática sua filosofia puramente verbal e

imigratórias vindas da Europa em grande escala, a situação não

retórica de anticolonialismo. Não é, por todas essas razões, de

se modificou na substância. Teoricamente livres, mas pratica-

causar surpresa que do ponto de vista da arte plástica, o negro

mente impedidos de trabalho, já que o imigrante europeu tinha

seja quase inexistente no rol da produção elitista de uma arte

a preferência dos empregadores, o negro continuou o escravo

chamada erudita. Representamos mais de cinquenta por cento

do desemprego, do subemprego, do crime, da prostituição, e

da população brasileira de cento e dez milhões de habitantes, o

principalmente, o escravo da fome: escravo de todas as for-

que significa pelo menos sessenta milhões de afro-brasileiros.

mas de desintegração familiar e da personalidade. A sociedade

Mas onde estão os artistas negros representativos, desde uma

brasileira, e isso já se tornou proverbial, herdou todo o legado

perspectiva cultural afro-brasileira? São apenas uns poucos.

retrógrado e anti-histórico do colonizador português; com a

Mesmo assim, Roger Bastide pôde testemunhar a emergência

abolição e a República, ela manteve inalterado os fundamentos

de uma estética afro-brasileira: “…a arte afro-brasileira é uma

das relações raciais, conservando sempre o exclusivo benefício

arte viva, não estereotipada. Mas na sua evolução até as últimas

para a camada branca da sociedade.

transformações, ela vem preservando as estruturas tanto men-

O preconceito de cor, a discriminação racial e a ideologia

tais como puramente estéticas da África’”.5 Como norma geral,

racista permaneceram disfarçados sob a máscara da chamada

os críticos de arte operam dentro de uma definição elitista de

“democracia racial”, ideologia com três principais objetivos: 1) impedir qualquer reivindicação baseada na origem racial daqueles que são discriminados por descenderem do negro africano; 2) assegurar que todo o resto do mundo jamais tome consciência

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5. BASTIDE, Roger. The Function and significance of Negro art in the life of the Brazilian people. In: Colloquium on Negro Art. Paris: Présence Africaine, 1968. p. 397-413. p. 404.

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“belas-artes” que envolve exclusivamente a arte branco-ociden-

A mentalidade primitiva difere da civilizada principalmente porque

tal. Esta manifestação parcial da ideologia da brancura se torna

sua mente consciente é muito menos desenvolvida em extensão e

de vez em quando paternalística, através de expoentes Ilustres

intensidade. As funções como pensar, exercer vontade, etc. ainda

como um Clarival do Prado Valladares, que fala da arte negra

não estão diferenciadas… [o primitivo] é incapaz de qualquer esfor-

como reflexo do “comportamento arcaico”: “o oposto da lógica

ço consciente da vontade… devido ao estado crônico de penumbra

racional, premissa inevitável do comportamento clássico”.6 Esse

do seu consciente, frequentemente é quase impossível saber se ele

crítico observa no “arcaico” brasileiro um “imaginário sincréti-

somente sonhou algo ou se realmente teve experiência.

co” dos cultos africanos que inclui objetos litúrgicos, oferendas votivas esculpidas em madeira ou modeladas em barro, e assim por diante. Mais frequentemente, os críticos classificam a nós e às nossas criações como primitivos, e não concedem à arte africana nem mesmo aquela função hipoteticamente religiosa. José Ortega y Gasset tipifica esta atitude no seu livro La deshumanización del arte: “O homem primitivo é, por assim dizer, o homem táctil. Ainda não possui o órgão intelectual, mercê do qual o terror e a confusão dos fenômenos se reduzem às leis e às relações fixas.” Assim como numa criança, diz Ortega, “A emoção básica do homem primitivo é o medo, o terror da realidade.”7 Outro exemplar dessa fauna ideológica racista é o famoso psicanalista C. G. Jung:8

Eis o tipo de raciocínio etnocentrista da mentalidade europeia, que força o artista negro a combater a opressão que ainda carimba nossa cultura de folclore, de pitoresco; que nos primitiviza; que nos analisa porque somos “curiosidades”, algo exóticas. E, nos últimos tempos, até nos arcaíza o comportamento! Foi a exata direção desse raciocínio que forneceu o critério ordenador da representação brasileira no FESTAC ‘77. Fato que demonstra a ausência de qualquer mudança na repetição do critério usado por ocasião do 1o Festival em Dacar, 1966. Decisões sobre que artistas e quais obras seriam enviadas a Dacar foram feitas por uma comissão nomeada pelo Ministério das Relações Exteriores, órgão cujo racismo é secular e ostensivo. Órgão riobrancamente composto, rigorosamente, só de brancos. O mesmo aconteceu agora com este segundo Festival a ser breve realizado em Lagos: os artistas e intelectuais negros não

6. VALLADARES, Clarival do Prado. Sobre o comportamento Arcaico Brasileiro

exerceram nenhum papel quando as decisões foram tomadas.

nas Artes Populares. Brasileiros e Seu Universo. Artes, Ofícios, Origens, Permanências. Rio de Janeiro: Editora MEC, 1974. p. 63. 7. GASSET, José Ortega y. La Deshumanización del Arte. Madrid: Revista del Occidente, 1956. p. 115. 8. JUNG, C. G., KERENYI, C. Essays on a Science of Mythology: the myth of the divine child and the mysteries of Eleusis. Princeton University Press, 1969. p. 101.

(Negro de alma branca, marionete do grupo branco dominante,

26

não conta.) Numa repetição tediosa, os afro-brasileiros foram submetidos à condição de objetos, e as regras, as normas, e as seleções, as definições, estiveram a cargo de outros. Exatamente quem seriam esses outros? 27


Citemos o “outro” principal: o coordenador da delegação bra-

ascender ao entendimento de que, concretizando nossos mitos

sileira ao FESTAC ‘77 em Lagos9, e membro do júri do 1o Festival

e legendas em manifestação artística, em lugar de submeter

em Dacar: o crítico e aristocrata “branco da Bahia”, Clarival do

nossa arte ao ditado dos críticos e aos parâmetros da cultura

Prado Valladares, citado anteriormente. Enfatizemos nesta altura

euro-ocidental, estamos historicizando um potencial mítico que

que não o apontamos pessoalmente, nem como “branco” nem

não se reduz à imobilidade arcaica; estamos tornando as fun-

como indivíduo baiano: apenas como a personificação, o iminente

dações prístinas em contemporâneas forças de transformação

símbolo do eminente comportamento branco-brasileiro diante da

social. Pois arte africana é precisamente a prática da libertação

população de descendência africana. Em seu regresso de Da-

negra – reflexão e ação/ação e reflexão – em todos os níveis e

car, em 1966, Valladares afirmou, em artigo publicado na revista

instantes da existência humana.

Cadernos Brasileiros que os brancos “não caçavam os negros

Mantendo nossa razão-lógica específica a salvo da aliena-

na África, mas os compravam pacificamente dos tiranos negros”

ção, nossa integridade criativa, manifesta em arte negra, pro-

(grifos meus). Acrescenta, ainda, a seguinte declaração: “No que

duz o exorcismo da brancura, reduzindo progressivamente seus

se refere à dimensão histórica, parece existir um certo sentimento

efeitos de séculos de negação, perversão e distorção de nossos

de inferioridade que é africano. Assim que não é possível apre-

valores de forma e essência. A arte dos povos negros na diás-

sentar um texto histórico paralelo àquele dos países ocidentais.”10

pora objetifica o mundo que os rodeia, fornecendo-lhes uma

Minha indignação não tem limites diante de tamanho abuso

imagem crítica desse mundo. E assim essa arte preenche uma

da verdade histórica. Estamos tratando aqui com um ato de pura

necessidade de total relevância: a de criticamente historicizar as

e simples agressão à África, e aos seus povos, pois ninguém

estruturas de dominação, violência e opressão, características

pode acusar este crítico de ignorância. Sua posição de poder

da civilização ocidental-capitalista. Nossa arte negra é aquela

no FESTAC ‘77 constitui nada menos do que um escárnio monu-

comprometida na luta pela humanização da existência huma-

mental atirado à face da cultura negro-africana.

na, pois assumimos com Paulo Freire ser esta “a grande tarefa

Esse critério ou crítica, referida a padrões estranhos à criação negro-africana, tem um sentido manipulador; não consegue

humanística e histórica do oprimido – libertar-se a si mesmo e aos opressores.”11 Não é suficiente que a arte negra seja a “arte viva preser-

9. PONTUAL, Roberto. Festival de Arte Negra. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 de Abril de 1976. 10. VALLADARES, Clarival do Prado. A defasagem africana ou Crônica do 1º Festival Mundial de Artes Negras. Cadernos Brasileiros, nº 36, Rio de Janeiro, 1966. p. 4.

28

vando as estruturas da África” da concepção Bastideana. Pois se impõe a necessidade de incorporar à expressão tradicional 11. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Porto: Afrontamento, 1975. p. 41.

29


africana novas formas, novos espaços e volumes, e outras aqui-

por sua africanidade de origem. E o que dizer de uma artista

sições técnicas e culturais válidas ao desenvolvimento de arte

como a Iara Rosa, pintora e tapeceira de recursos tamanhos

africana no seu atual ritmo de contemporaneidade. Todas essas

em riqueza expressiva e na beleza insondável de sua herança

recentes integrações devem refletir exigências concretas das

étnica! Ou Cléo, a quem Guerreiro Ramos chamou certa vez a

transformações que se verificam na estrutura da sociedade afri-

negra “Rosa dos ventos”, aberta a todas as vozes da imagina-

cana recém-liberada do colonialismo.

ção criativa? Raquel Trindade traça com o pincel as cores e as

Os povos negros e africanos estão vivendo um momento

formas da herança poética de seu pai, o falecido poeta Solano

de plenitude histórica radicalmente oposto ao contexto das

Trindade; Yêda Maria, com amor e técnica, transfere para as telas

sociedades branco-ocidentais. Nessa experiência de criar uma

as paisagens humanas e geográficas da africana Bahia. Agenor

cultura dinâmica de libertação espiritual origina-se uma estética

realiza na madeira todos os milagres da forma, dos espaços,

específica, cujas implicações para o fenômeno artístico comum

volumes e proporções. Celestino ativamente elabora a própria

a todas as culturas não invalidam sua identidade inalienável. Arte

criatividade, mas se preocupa com os problemas coletivos do

negro-africana na diáspora, enquanto marginal em relação à arte

artista negro e da arte negro-africana. Deoscóredes dos Santos

santificada pelas sociedades locais, simultaneamente mantém

– o Mestre Didi – recentemente instalado na Bahia como Alapini,

as características ditadas pela história, pelo ambiente e pelas

supremo sacerdote do culto dos Eguns, realiza, em vários tipos

culturas dos respectivos países escravocratas. Nunca deixa,

de material, objetos rituais de grande significação artística. É

porém, de conservar temas, formas, símbolos, técnicas e con-

um mago completo.

teúdos africanos em sua função revolucionária de instrumento

Será que esses artistas, e outros de semelhante mérito na

de conscientização. Sua essência é uma parte vital da criativi-

afirmação da cultura afro-brasileira, receberam alguma demons-

dade africana.

tração de respeito de parte da Comissão do Ministério das Rela-

Nesta perspectiva é que começamos a penetrar e a entender

ções Exteriores, inteiramente branca? Eles, os próprios artistas

o trabalho de um pintor tão sensível como Sebastião Januá-

afro-brasileiros, deviam ser os únicos responsáveis pela seleção

rio, nascido nas Dores de Guanhães, estado de Minas Gerais.

dos trabalhos e dos artistas da representação brasileira ao Fes-

Começou a pintar inspirado por modelos e motivos católicos.

tival. É oportuno lembrar o exemplo dos Estados Unidos, fre-

A experiência e a intuição se uniram e o guiaram para a elabo-

quentemente comparado pelas classes dominantes brasileiras

ração de uma obra amadurecida, de cunho inteiramente afro-

no aspecto das relações de raça, como a terra do pior racismo,

-brasileiro. Num escultor em madeira como José Heitor da Silva,

enquanto o Brasil seria o oposto, um paraíso para negros e mu-

força e técnica explodem em peças profundamente marcadas

latos. Sem dúvida a sociedade norte-americana está permeada

30

31


pelo racismo tanto em sua vida doméstica quanto em sua ação

alidade fatual árida”.12 A definição exata é a de Wole Soyinka: os

política em relação aos povos e países do mundo. Entretanto,

orixás são nossas “fontes de força”, realidade do nosso próprio

são os negros dos Estados Unidos os responsáveis exclusivos

ser; eles são “os deuses que fabricam as energias do Continente

pela escolha da representação norte-americana ao Festival de

Negro.”13 Com uma tal iluminada cosmovisão, o que importa ser

Arte Negra. Será necessário perguntar qual dos dois racismos

rotulado de “pintor instintivo”, “artista ínsito”, “neoprimitivo” ou

comete, neste caso específico, a mais radical discriminação

qualquer outra das muitas codificações da crítica convencional?

contra o negro? Nenhum sofisma, nenhum véu ou mentira con-

Pinto Ogum e me comunico com a divindade do ferro, da guerra,

seguirá de agora em diante ocultar impunemente a realidade

da vingança, companheiro de armas dos seres humanos, irmãos

genocida em que se decompõe o negro brasileiro. Para mim, o mistério ontológico e as vicissitudes da raça negra no Brasil se encontram e se fundem na religião dos orixás: o candomblé. Experiência e ciência, revelação e profecia, comunhão entre os homens e as divindades, diálogo entre os vivos, os mortos e os não nascidos, o candomblé marca o ponto onde a continuidade existencial africana tem sido resgatada. Onde o homem pode olhar para si mesmo sem ver refletida a cara branca do violador físico e espiritual de sua raça. No candomblé, o paradigma opressivo do poder branco, que há quatro séculos vem se alimentando e se enriquecendo de um país que os africanos sozinhos construíram, não tem lugar tem validez.

que lutam por liberdade e dignidade. E quando evoco na tela a Yemanjá, mãe de todas as águas do Universo e de todos os Orixás, celebro aquela que vigia maternalmente sobre a fertilidade da raça negra, alerta contra a agressão implícita em determinados controles de natalidade de interesse do branco. E depois Xangô – tempestade, fogo e raio – praticando a justiça, militante de todos os movimentos pela restauração dos nossos direitos fundamentais. Quando menciono Ossaim, convoco o reino da natureza, das matérias-primas. Inimiga da poluição e cultivadora das plantas e ervas da medicina e farmacologia tradicional da Mãe África, Ossaim protege a saúde da nossa gente e a pureza do nosso ambiente. lfá condensa a sabedoria tradicional em seu corpo literário e, através deste, expõe o passado, examina o pre-

É por isso que os orixás são a fundação da minha pintura.

sente, revela o futuro; fornece o conhecimento que nos capacita

Para mim, a imagem e a significação que eles incorporam ul-

planejar o nosso rumo. Seu corpo literário, dos mais extensos e

trapassam a simples percepção visual-estética – são a base de um processo de luta libertária dinamizado por seu amor e sua comunhão e engajamento. Muito longe estão os orixás de um suposto “arcaísmo”, como distante se acham das “imagens remissivas dum passado harmonioso” compensando “uma re32

12. FROTA, Lelia Coelho. Criação individual e coletividade. In: 7 Brasileiros e Seu Universo. Artes, Ofícios, Origens, Permanências. Rio de Janeiro: Editora MEC, 1974. p. 55. 13. SOYINKA, Wole. Interview with Louis S. Gates, Black World. Chicago, August 1975. p. 48.

33


complexos, contém inigualável beleza poética. Oxunmaré resume a alegria colorida e vital da nossa raça, expande sua natureza lúdica. Oxum, patronesse das artes, doadora generosa de amor, enriquece nossas vidas com sua doçura dourada. Exu é o gênio trocista dos caminhos e encruzilhadas do Universo; mensageiro, intérprete das línguas humanas e divinas, Exu incorpora a contradição, dialetiza a existência humana, ritualiza o movimento perpétuo do cosmos, da história dos homens e das mulheres. Obatalá (Oxalá) em sua dualidade masculino-feminina estrutura o ovo primal da criação e procriação da espécie. E do além, muito além das nuvens que flutuam no horizonte, Olorum, o deus supremo, nos observa… – Oxossi: Okê! okê! okê! – lansã: Eparrei! – Omolu: Átoto! Saravá! Abdias Nascimento Universidade de Ifé (Obafemi Awolowo) Ilé-Ifé, Nigéria | Setembro 1976

A Tentação no Paraíso, 1968 Acrílica sobre tela | 52 × 71 cm | Rio de Janeiro

34

35


36

37


Yemanjá Enluarada, 1968 Guache com veículo plástico sobre tela | 54 × 73 cm | Rio de Janeiro

Yemanjá n.1, 1968 Guache com veículo plástico sobre papel | 50 × 70 cm | Rio de Janeiro


Orixá Hermafrodita, 1969 Acrílica sobre tela | 73 × 54 cm | Nova Iorque, EUA

Santa Maria Egipcíaca n.2, 1968 Acrílica sobre tela | 71 × 52 cm | Rio de Janeiro


Germinal n.2 – Ankh, 1969 Acrílica sobre tela | 122 × 71 cm | Nova Iorque, EUA

Yemanjá, Mãe das águas e de Todos os Orixás, 1968 Acrílica sobre tela | 52 × 70 cm | Rio de Janeiro


Exu Black Power n. 2 (Homenagem a Rubens Gerchman), 1969 Acrílica sobre tela | 76 × 60 cm | Nova Iorque, EUA

Liberdade para Huey: Omolu Azul n. 3, 1969 Colagem | 75 × 60 cm | Nova Iorque, EUA


Paz e Poder, 1970 Acrílica sobre linho | 153 × 107 cm | Middletown, EUA

Xangô Sobre, 1970 Acrílica sobre tela | 91 × 61 cm | Búfalo, EUA


O Vale de Exu, 1969 Acrílica sobre tela | 80 × 127 cm | Nova Iorque, EUA

Senhora dos Mortos e dos Cemitérios: Iansã, 1972 Acrílica sobre tela | 152 × 101 cm | Búfalo, EUA


Máscara Ancestral, 1988 Acrílica sobre tela | 80 × 100 cm | Rio de Janeiro

Baía de Sangue (Luanda), 1996 Acrílica sobre tela | 80 × 100 cm | Rio de Janeiro


Tema para Léa Garcia: Oxunmaré, 1969 Acrílica sobre linho | 153 × 107 cm | Nova Iorque, EUA

A Dupla Personalidade de Oxunmaré n. 2, 1971 Acrílica sobre tela | 102 × 152 cm | Búfalo, EUA


O Santo Guerreiro Contra o Dragão da Maldade: Ogum, 1971 Acrílica sobre tela | 152 × 102 cm | Búfalo, EUA

Abebê de Oxum com Olho de Ifá, 1969 Acrílica sobre tela | 140 × 93 cm | Nova Iorque, EUA


Padê de Exu, 1988 Acrílica sobre tela | 150 × 100 cm | Rio de Janeiro

Xangô Rei, 1998 Acrílica sobre tela | 150 × 100 cm | Rio de Janeiro


Efraín Bocabalístico: Oxossi-Xangô-Ogum, 1969 Acrílica sobre linho | 153 × 102 cm | Nova Iorque, EUA

Os Doadores da Tecnologia: Ogum e Xangô, 1975 Acrílica sobre tela | 152 × 102 cm | Búfalo, EUA


Afro Estandarte n. 2, 1996 Acrílica sobre tela | 150 × 100 cm | Rio de Janeiro

Quarteto Ritual n. 5, 1971 Acrílica sobre tela | 152 × 102 cm | Búfalo, EUA


Quarteto Ritual n. 2, 1971 Acrílica sobre tela | 61 × 91 cm | Búfalo, EUA

Quarteto Ritual n. 1, 1971 Acrílica sobre tela | 91 × 61 cm | Búfalo, EUA


Formas Asante (Adinkra), 1992 Acrílica sobre tela | 80 × 50 cm | Rio de Janeiro

Escada da Morte: Adinkra Asante, 1992 Acrílica sobre tela | 50 × 25 cm | Rio de Janeiro


Onipotente e Imortal, n. 4: Adinkra Asante, 1992 Acrílica sobre tela | 100 × 150 cm | Rio de Janeiro

Onipotente e Imortal n. 3: Adinkra Asante, 1992 Acrílica sobre tela | 84 × 100 cm | Rio de Janeiro


Quilombismo (Exu e Ogum), 1980 Óleo sobre tela | 71 × 56 cm | Búfalo, EUA


ENGLISH VERSION

Abdias Nascimento A Liberating Spirit PABLO LEON DE LA BARRA RAPHAEL FONSECA

Our black art is one that is committed to

scimento reasserts his connection with

the fight for humanization of human exis-

candomblé, and he also refers to sev-

tence, for we presume with Paulo Freire

eral Afro-Brazilian artists who deserved

that this is ‘the great humanistic and

recognition as agents in the visual arts.

historic task of the oppressed – to free

From an 18th century artist like Alei-

oneself and the oppressors’.1

jadinho to the Bahian artist Yêdamaria

(deceased in 2016), the author teaches

In 1976 Abdias Nascimento (1914-

us not only about structural racism, but

2011) was invited to write about Bra-

also about the importance of construc-

zil’s participation in the Second World

tive propositions – which are part of his

Festival of Black and African Arts and

entire life’s work as an activist.

Culture, held in Lagos, Nigeria. The

This exhibition shares the perspec-

quote above and the title of this exhi-

tive proposed by Abdias Nascimento

bition comes from one of these texts,

and brings to MAC Niterói an aspect

“Afro-Brazilian Art: A Liberating Spirit”.

of his own “liberating spirit”. Professor,

The author discusses the constant era-

politician, actor and playwright, Abdias

sure of black artists from the narratives

Nascimento was one of the most im-

about a “Brazilian art”. At every turn, Na-

portant figures in the establishment of

71


the black movement in Brazil and in the

The paintings displayed here span

artist’s experimentation with symbols,

This exhibition can be viewed as an

world. As one of the several activities

an arc in time from 1968 – the year of

graphics and what modern Western

introduction to Abdias Nascimento’s

that composed his restless personali-

his first work – to 1998. Persecuted for

tradition called abstraction. Geometric

pictorial work for the younger gener-

ty, this exhibition directs our attention to

his black activism, the artist obtained a

shapes, black lines and diverse colours

ations and his first solo exhibition in

his work as a painter and designer. On

fellowship grant from the Fairfield Foun-

suggest compositions that drink from

a contemporary art museum in Brazil.

the five walls of the central hall, we wit-

dation for research and exchange in the

different African springs. The pontos

The thirty-odd works shown here are

ness both the artist’s varied interests in

United States in that same year of 1968.

riscados traditionally used in Umban-

only a fraction of a collection of over

the themes he painted, as well as a con-

At the end of his grant period, in Brazil the

da and Candomblé rituals to invoke

150 works that is housed at IPEAFRO,

sistent approach to his formal options.

Congress was shut down by Institutional

the Orixás, drawn with pieces of chalk

the institution Nascimento founded in

Nascimento’s paintings are, in the

Act number 5, which ramped up political

called pembas, are here transformed

1981. This collection ensures that his

main, characterized by his relations

repression. Several Military Police In-

into acrylic and oil paint on canvas and

work as a visual artist – together with

with Afro-Brazilian religious narratives.

vestigations against Nascimento made

are mixed with elements from ancient

that of other black artists, as he strived

As he states in the text cited above, “the

his return to the country unfeasible. His

Egyptian hieroglyphics, with the veves

for in his text – is placed within the nar-

Orixás are the foundation of my paint-

pictorial work, therefore, is melded both

from Haitian vodou and the adinkras

ratives about the history of contempo-

ing.” In the exhibition we can therefore

with the estrangement of a culture differ-

of the Akan people, of Western Afri-

rary art in Brazil. ■

see various paintings dedicated to the

ent from his own, and with the repressive

ca. These images invite the viewer to

representation of Exu, Iemanjá, Ogum,

lurch of the military government in Brazil.

a delight that is somewhere between

Oxossi and Xangô. Such different Orixás

This period of exile generated paintings

contemplation of the plastic and com-

are presented to the spectator through

that speak to the experience of living in a

municational character of elements that

use of the human form and, each in their

foreign country and relate to the causes

come from ancestral culture and the

own way, they express their singulari-

of black liberation and the anti-war and

experimentation of abstract language

ties. Oxunmaré, for example, appears

counterculture movements in the Unit-

in painting as seen in Western culture

several times as a mermaid, but each

ed States. The use of flags as national

in this same period.

one of them has a distinct chromaticism

icons, the characteristic three clenched

and iconography – one of them is even

fists of the Black Panthers movement,

dedicated to Léa Garcia, the great ac-

and the peace and love symbol, all stand

tress who was also a pioneer of Black

out, conferring another intriguing layer to

theatre in Brazil. It is interesting to note

his artwork.

that for Nascimento the divinities, like life, are in constant transformation.

Finally, another series of paintings – mainly post-1980 – showcases the

72

73

NOTE

1. Nascimento, Abdias. “Arte afro-brasileira: um espírito libertador” in O genocídio do negro brasileiro - processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1978, pág. 180.


The Black Art of Nascimento’s Struggle a legacy to the brazilian people ELISA LARKIN NASCIMENTO

Education and Culture (1988); the Black

invitation to IPEAFRO fits into this new

Hall of the National Congress (1997); De-

tendency, a fact that especially distin-

bret Gallery in Paris (1998); Solar Grand-

guishes this exhibit.

jean de Montigny at PUC-Rio (2004). Our

When Nascimento returned to Brazil,

retrospective of Nascimento’s life and

in the early 1980s, bringing his artistic

work filled the entire exhibition area of

production – a great part of which had

the former National Mint, restored as

been done in exile –, there prevailed in

the seat of the National Archive (2004);

the arts a discussion about the differ-

we took this retrospective to the National

entiation between so-called “erudite”

Theater Athos Bulcão Gallery in Brasília

and “folk” or “popular” cultures. The role

and the Salvador Caixa Cultural in 2006.

of Black artists and African aesthetic

We filled the second floor of the Federal

references became a relevant issue in

Justice Cultural Center (Rio de Janei-

this context. One example is the way

ro) in 2011 , the year that Nascimento

in which Rubem Valentim, one of Bra-

passed from Aiyê (terrain of material life)

zil’s outstanding contemporary artists,

Working in partnership with MAC Niterói

social activism, his artwork asserts that

to Orum (spiritual dimension of deities,

characterized his creative process as

on this exhibit of Abdias do Nascimen-

the fight against racism is an indispens-

ancestors, and those yet unborn).

he works with visual elements of African

to’s paintings has been gratifying for

able foundation of these two princi-

All these exhibitions received massive

us at IPEAFRO . When we created the

ples of human coexistence. IPEAFRO

visitation and activities with schools and

Institute in 1981, our goal was to make

continues walking the path forged by its

community groups. But as far as we can

available information and content to

founder, and this partnership with MAC

discern, they went unseen by the world

Transmuting fetishes into images and li-

enhance understanding of the richness,

Niterói brings us an incomparable op-

of the arts and arts critics, a fact that is

turgical signs into abstract formal signs,

complexity., depth, and potential of the

portunity to share that journey with the

coherent with the sparse attention that

Valentim uproots them from their tem-

epistemological references of African

larger audience of the arts in Brazil.

black art has merited in that world. Only

ple-terrain and, giving them more and more a semantics of their own, carries

origin. In his “Albeit Late Manifesto,” he quotes Brazilian critic Mário Pedrosa:1

and Diaspora culture and history in Brazil.

Nascimento’s artwork is little known

in the last few years has the artistic ex-

Abdias do Nascimento’s art delves into

by that audience, despite IPEAFRO’s ef-

pression of the so-called Black Atlantic

them over to, shall we say, emblematic

this universe of living heroes, deities,

forts. We have held exhibitions in places

gained visibility, thanks to the activity of

or heraldic representation. (...) In this

languages, and symbols, in their intimate

like the FUNARTE Sérgio Milliet Gallery in

a new generation of curators in which

representation, the signs gain in uni-

connection with the struggle for justice

the National Fine Arts Museum (1982);

an African and Diaspora presence has

versality of meaning what they lose in

and human rights. Like his political and

Gustavo Capanema Palace, Ministry of

made itself felt worldwide. MAC Niterói’s

original magical-mystical content.

74

75


Elevation to the category of erudite

tifs such as the Egyptian hieroglyph-

art seems, then, to result from dissoci-

ics, the Adinkra ideograms of West

ating the cultural signs from their original

Africa, and the veve of Haitian vodou.

matrix, thus lending them a universality

Allusion to ancient African states and

of meaning that, apparently, they cannot

civilizations, with their writing systems

claim in their own cultural context.

and their highly developed political or-

The discourse of erudition invariably

ganization, philosophy and knowledge

blends cultural expression of African

systems, remind us that Afro-Brazilian

origin with countless other influences to

culture takes its place in the long history

arrive at a compulsorily mixed and homogenized “Brazilianness.” It accepts European tradition as a legitimate matrix of Brazilian art, however, without submitting it to that compulsion. For artists like Abdias do Nascimento, on the contrary, the universality of

Afro-Brazilian Art: A Liberating Spirit * ABDIAS NASCIMENTO

of African world civilization. Abdias do Nascimento’s painting expresses and relives artistically his role

Being an event of love, Art implicitly

the development of Brazilian Black art

of adding to Afro-Brazilian human rights

signifies an act of human and cultural

has been essentially the same as that

demands, and developing in their con-

integration. An act whose aim is toward

observed in other countries of the New

text, the dimension of African cultural

a continually reevaluated civilization cre-

World where African slavery existed. Mi-

heritage vital to rescuing and recover-

ated for and shared by all of humanity.

nor differences in detail arise from the

ing African Brazilian identity and human

Love is more than just empathy, a

history of each country, variations in

dignity, which means that of the Brazil-

consequence of subjectivity; it is sol-

nuance, but the intrinsic violence of the

ian people. ■

idarity in active commitment. Love is a

slave system equalizes the historical

dynamic value. So, artists have an obli-

experience for all African descendants

gation, in this trance of love, to express

in this continent of three Americas. In

content,” these artists find the same

their real, palpable relations with the life

all of them, colonial powers dictate the

universality of meaning in Afro-Brazil-

and culture of their people. Relations on

prohibition of Africans’ creative force by

ian tradition that many critics tend to

all levels, in all forms, with all their mean-

way of dehumanization processes like

ings, implications, and connotations. The

those they applied in the African Con-

exercise of pure abstraction, the untaint-

tinent itself.

African-Brazilian cultural values does not depend on abstracting them out of their specific context. Reaching

for their “original magical-mystical

identify only in Western references.

IPEAFRO | July 2019

NOTE

Afrocentric in that they are guided by their own tradition, these artists remain genuinely Brazilian. Nascimento delves into the African roots of his tradition, working with mo-

1. Valentim, Rubem. “Manifesto ainda que tardio”. In: Emanoel Araújo (org.), A Mão Afro-Brasileira. Significado da Contribuição Artística e Histórica (São Paulo: Tenenge,

ed formal game, reduces itself to nothing What has Black art been in Brazil, and

lage, rape, enslavement, and murder of a

1988), p. 295.

what is it now? I should say initially that

hundred million Africans; the plundering

76

– to the artifice of “art for art’s sake.”

77

Let us recall here the historical facts: with the invasion of African land; the pil-


of the natural riches as well as the artis-

the service of colonialism and its racist

that African ar t would exercise its

Following the “scientific” logic of this

tic treasures of Africa; and with cultural

theories. These institutions allied with

most spectacular influence. In Paris,

postulate, Rodrigues goes on to deny

domination, came denial of the African

scientists, scholars, and theorists of all

between the years of 1905 and 1907,

the author of the Xangô piece any tech-

soul, and debasement of African men

kinds to conjure up theorems based on

Vlaminck, Derain, Picasso, and other

nical ability, primarily because he did not

and women to the status of chattel. The

the supposedly exotic and picturesque

painters “discovered” African masks

use the “proper” proportions between

ideology of whiteness rears itself up as

savagery of primitive and inferior peo-

and sculptures. A little before this turn-

arms and legs. “The disproportion be-

an absolute value; everything else is a

ples who inhabited Africa.

around in the history of the arts, when

tween the length of the arms and the

shadow of the nonexistent. According

With the lightness and speed of those

Leo Frobenius began his studies on art

legs, peculiar to the negro race, is taken,

to this ideology, Black Africans have no

who are certain of their impunity, they la-

and African civilizations, Brazilian psy-

by the incompetence of the artist, al-

history, have never had any culture; their

beled African artworks as ethnographic

chiatrist and physician Nina Rodrigues

most to the extreme of caricature.”3

“natural” existence was always destitute

and folkloric records, and in the opinion of

initiated in Bahia what would come to

A piece so sorely deformed could

of art, religion, and subtlety.

the judges of the day, those masks, sculp-

be known as “scientific studies” of Af-

not satisfy the most basic requisites for

The “superiority” of whites and the

tures, and other objects did not approach

ricans and Blacks in Brazil. Himself an

classification as a work of art.

“innate inferiority” of Black Africans

the level of “Art.” The Western standard

African descendant, Nina Rodrigues

Nina Rodrigues died in 1906, and so

are acclaimed in all tones, and science

set up as the all-time culmination of hu-

sanctimoniously assumed the postu-

never read the books of the German

does not neglect this task: Anthropology,

man creativity excluded that of most of

lates of European science. In the book

researcher Leo Frobenius and had no

Ethnology, History, and Medicine all con-

the world’s people. Those representatives

that he wrote, Os Africanos no Brasil

opportunity to contemplate the work of

tributed to constructing the ideology and

of Eurocentrism self-proclaimed their

(The Africans in Brazil), he “scientifical-

Modigliani or Picasso’s Les Mademoi-

institutionalization of racism with “scien-

incapacity to understand the nature of

ly” examines a sculpture representing

selles d’Avignon. If he had seen such a

tific” cornerstones and building blocks.

African work as an artistic phenomenon.

Xangô, the deity-symbol of thunder,

work unsigned, he most certainly would

The year 1843 heralds the launching

Thus predisposed, how could they ever

lightning, storm, and justice in Yoruba

have dismissed it as another example of

of P. F. von Siebald’s idea of founding

apprehend the intrinsic system of values

religious tradition. As a fine follower of

black African barbarism; however, if he

ethnographic museums in European

and forms full of meaning in African cre-

the Europeans, Rodrigues cites theo-

knew who signed the piece, the judg-

colonizing countries, among other rea-

ativity? How could they reach down to its

ries of the scientist Lang characterizing

ment of his colonized mentality would

sons, because it was a “lucrative trade.”1

roots, perceive the complexity, subtlety,

Black Africans as savages who possess

be compulsively the contrary.

From then on, ethnographic institutions

and functionality of its products in the

a “dark consciousness”, to support his

The black sociologist Guerreiro Ra-

proliferated, the outstanding models

African sociocultural world? How could

statement that “as far as science is

mos, who was also from Bahia, founded

being the museums of Berlin, Rome,

they enter this mythopoetic reality?

concerned, this inferiority [of the black

a legitimate sociology for Brazil. Now a

race] is nothing but a phenomenon of

professor at the University of Southern

perfectly natural order.”2

California in Los Angeles, he is, unlike

London, Dresden, Paris, Leipzig – all

It was, however, in the very heart

of them agencies of African studies at

of this arrogant and omnipotent art

78

79


Nina Rodrigues, a true scientist. Guer-

sculpture and metalworking, while Mo-

system’s stability, Africans were held

robes, as well as imprisoning priests,

reiro Ramos gave a definitive evaluation

zambique brought us ironwrights. From

under a reign of terror, brutality, and

priestesses, and practitioners. Or else

of the “Bahian master” when he stated

Angola came the martial art called ca-

ignorance as chattel – beasts of cargo.

the houses become tourist attractions.

that “Nina Rodrigues is, for the social sci-

poeira, an attack and self-defense tech-

Despite all this, we note that no form

The stolen ceremonial objects have nev-

ences, a nullity, even considering the pe-

nique that was violently repressed by the

of physical or spiritual violence managed

er lost their character as genuine works

riod in which he lived. (…) His work, in this

Portuguese. Over time it was stylized

to prevent slaves from manifesting their

of art. Unfortunately, many of them were

particular, is monumental foolishness.”4

into a dance form, accompanied by sin-

artistic proclivities. Nor did it succeed

collected into institutions like the Police

gle-chord instrument called berimbau.

in hampering the development of liv-

Museum of Rio de Janeiro, the Nina Ro-

Nevertheless, Nina Rodrigues captained a whole “scientific” tendency,

These Africans could not practice

ing African culture. Africans knew how

drigues Institute of Bahia, the Historical

called the School of Bahia, which has

their art in Brazil, not only because of the

to take and make every opportunity to

Institute of Alagoas, and so on, and are

several disciples active still today. His

coercive limitations inherent in the slave

avoid their own dehumanization. Wood

exhibited as ethnographic specimens,

work constitutes a diagnosis of the pre-

system, but also by reason of official

sculpture continued to develop its rich

proof of the supposed innate criminality

vailing illness that afflicts Brazilian soci-

prohibitions such as the Portuguese de-

expressiveness, principally through ritual

and pathologically perverted minds of

ety as it confronts the irreversible pres-

cree of October 20, 1621, which banned

symbols and sacred images of the Can-

Africans. More recently, such violence

ence of Africans and their descendants

Blacks from working in gold crafting.

domblé, as the Yoruba Orisha tradition is

has been perpetrated by new-wave

named in Brazil.

Pentecostal Christian sects.

in the country.

Another serious factor limiting Afri-

From the outset of African presence

can creativity was the Catholic Church,

Systematically persecuted by Cathol-

During the 16th and 17th centuries,

in Brazil, which coincides with Euro-

whose religious orders and brother-

icism, the official religion, and by the po-

Africans and their descendants, whose

pean colonization of the country, Afri-

hoods exploited enslaved Africans

lice, Candomblé persisted in its energy

true artistic talents were repressed,

cans produced artworks of great value.

on profitable rural properties, doing

and vitality, becoming the main source of

could find ways to exercise that talent

Slaves coming from the Gulf of Guinea

domestic and agricultural work. This

Black cultural resistance and the cradle

only in the collective work carried out in

revealed their highly developed culture,

fact runs contrary to the widely dis-

of Afro-Brazilian art. Outlawed by Church

Catholic churches under the direction of

witnessed in the famous bronzes of Be-

seminated and accepted notion that

and State, Orisha tradition had to seek

white priests. Some of these artists pro-

nin (Nigeria) and Ife; those from Dahomey

the Catholic Church played a softening

refuge in hidden, hard-to-reach places,

duced important works, such as Francis-

(Benin) and from other parts of Nigeria

role against the implacable harshness

but this did not protect it from police

co Chagas, who is highly praised for his

exhibited works in copper of high artistic

of the slave regime. One cannot escape

brutality throughout its long history. Af-

work in the Carmo Church of Bahia in the

value; the Ashanti, of Ghana, stood out

historical fact: the entire structure of

ro-Brazilian religious houses are assidu-

18th century. Another exemplary artist,

for the quality and beauty of their textiles.

colonial society constituted a mob of

ously ransacked and pillaged by police

indeed a genius, was Antonio Francis-

From the Ivory Coast, Dahomey (Benin),

exploiters taking full advantage of the

authorities, who confiscate ritual sculp-

co Lisboa, nicknamed “Aleijadinho” (the

and Nigeria, came specialists in wood

African labor force; and to ensure the

tures, ceremonial objects, and liturgical

little cripple). He created an extraordi-

80

81


nary body of sculpture, architecture, and

Brazilian State and society maintained

anti-colonialist philosophy. For all these

“archaic” a “syncretic imaginary” of Afri-

painting in several cities of the State of

the basis of race relations unchanged,

reasons, it should not be surprising, then,

can religious practice that includes litur-

Minas Gerais. Child of a Black woman

preserving the exclusive distribution of

that black people have been almost non-

gical objects, votive offerings sculpted in

with a Portuguese father, he is justly

benefits to whites.

existent in the halls of elitist production

wood or modelled in clay, and so forth.

Color prejudice, race discrimination,

of the arts called erudite. We represent

More frequently, critics classify us and

and white supremacism were disguised

more than half the Brazilian population of

our creations as primitive, and do not

During these centuries, painting of

under the mask of so-called “racial de-

110 million, or at least 60 million African

concede to African art even the hypo-

African origin was passed on to new

mocracy,” an ideology that had three

Brazilians. But where are the black art-

thetical religious function. José Ortega

generations in the form of ceremonial

main objectives: 1 ) to hinder any de-

ists, representative of an Afro-Brazilian

y Gasset typifies this attitude in his book

symbols used in Candomblé communi-

mands based on the racial origin of

cultural perspective? They are very few.

The Dehumanization of Art, when he as-

ties, called terreiros, as well as the dec-

those who suffer discrimination because

Even so, the eminent French sociologist

serts: “Primitive man is, so to say, tactile

oration of pegis (chapels) and residential

they are descendants of black Africans:

Roger Bastide could witness the emer-

man. He does not yet have the intellec-

walls. It was a hidden, almost secret form

2 ) to insure that the rest of the world

gence of an Afro-Brazilian aesthetic: “…

tual organ, thanks to which the terror and

of artistic production. With the formal ab-

never becomes aware of the real geno-

Afro-Brazilian art is a living, non-stereo-

confusion of phenomena are reduced

olition of slavery, in 1888, and the sub-

cide perpetrated against the country’s

typed art. But in its evolution up until its

to laws and fixed relationships.” As in a

sequent arrival of waves of immigrants

black people; 3) to alleviate the guilty

latest transformations, it has preserved

child, says Ortega, “The basic emotion

coming in droves from Europe, this

conscience of Brazilian white society,

the mental and purely aesthetic struc-

of primitive man is fear, terror of reality.”7

situation did not change in substance.

which, now more than ever, is exposed

tures of Africa.”

Theoretically free, but in practice unable

to the criticism of independent and

As a general rule, art critics operate

to work, since employers preferred Eu-

sovereign African nations, from whom

within an elitist definition of “Fine Arts”

ropean immigrants, Blacks remained the

official Brazil intends to reap economic

that exclusively involves white Western

slaves of unemployment, underemploy-

advantage. But notwithstanding this or

art. This partial manifestation of the

The primitive mentality differs from

ment, crime, prostitution, and principally

any other kind of ideological mastur-

ideology of whiteness becomes pater-

the civilized one, principally because

the slaves of hunger and all kinds of fam-

bation, history records the facts and

nalistic at times, in the voice of illustri-

the conscious mind is much less de-

ily and personal disintegration. Brazilian

the facts are these: that throughout the

ous exponents like Clarival do Prado

veloped in extension and intensity.

society, and this has become proverbial,

entire process of Africa’s decoloniza-

Valladares, who speaks of black art as

Functions like thinking, exercising the

inherited the entirely retrograde and an-

tion, Brazil always acted as the servant

a reflection of “archaic behavior,” which

will, and so on are not yet differentiat-

ti-historical legacy of the Portuguese

of Portuguese colonialism and the im-

he describes as “the opposite of rational

ed. (…) Primitive man is incapable of

colonizer. With the abolition of slavery

perialist powers. Never did Brazil put in

logic, the inevitable premise of Classic

any conscious effort of the will (…) due

and the institution of the Republic, the

practice its purely verbal and rhetorical

behavior.”6 This critic sees in the Brazilian

to the chronic state of penumbra of

considered the most important artist of the Americas in the 18th century.

82

5

83

Another example of this racist ideological fauna is the famous psychoanalyst C. G. Jung:8


his consciousness, frequently it is al-

Lagos: black artists and intellectuals

African. Thus, it is not possible to present

tegrity, manifest in black art, exorcizes

most impossible to know if he has just

had no role when decisions were being

a historical text running parallel to that of

whiteness, progressively reducing its

dreamed something or if he really had

made (blacks with white souls, puppets

Western countries.”10

effects over centuries of denial, per-

the experience.

of the ruling white group, do not count). In

Faced with such an abuse of histor-

version, and distortion of our values

a tedious repetition, Afro-Brazilians were

ical truth, my indignation has no limits.

of form and essence. The art of black

This is the kind of ethnocentric rea-

subjected to the status of objects, and

We are dealing here with an act of pure

peoples in the Diaspora materializ-

soning by the European mentality that

the norms, rules, selections, definitions,

and simple attack on Africa and her peo-

es the world around them, offering a

forces black artists to fight back against

were all in the hands of others. Exactly

ples, since no one can accuse this critic

critical image of that world. And this

the oppression that continues to label

who are these others?

of ignorance. His position of power in

is how art fulfills an entirely relevant

our culture as folklore, as picturesque;

The principal “other” is coordinator of

FESTAC ’77 constitutes nothing less than

need: that of critically historicizing the

that primitivizes us; that analyzes us

the Brazilian delegation to FESTAC ’77

a monumental vilification of Black African

structures of domination, violence, and

because we are “curiosities,” something

in Lagos9 and was a member of the jury

culture.

oppression characteristic of Western

exotic. And lately, they have taken to ar-

of the 1st Festival in Dakar: the “Bahian

This criterion or criticism, referencing

capitalist civilization. Our black art is

chaicizing our behavior!

white” critic and aristocrat Clarival do

standards foreign to black African cre-

committed to the struggle for human-

It was precisely this kind of reasoning

Prado Valladares, whom we cited above.

ation and creativity, is meant to manip-

ization of human existence, since we

that furnished the organizing criterion of

It must be emphasized at this point that

ulate but fails to reach the understand-

agree with Paulo Freire that this is “the

Brazilian representation at the 2nd World

he is not mentioned personally, neither

ing that, by materializing our myths and

great humanistic and historical task of

Festival of Black and African Arts and

as a “white” man nor as a Bahian indi-

legends in artistic creations, instead of

the oppressed – to liberate themselves

Culture, FESTAC (Nigeria, 1977). A fact

vidual, but only as a personification, the

submitting our art to the dictates of crit-

and the oppressors”.11

that demonstrates the absence of any

imminent symbol of the eminent white

ics and the parameters of Euro-Western

It is not enough for black art be the

change in repeating the criterion used in

Brazilian behavior toward the population

culture, we are historicizing a mythical

“living art preserving the structures of

the 1st World Festival of Black Arts, held

of African descent. Returning from Dakar,

potential that cannot be reduced to ar-

Africa” observed by Bastide. We need

in Dakar in 1966. Decisions about which

in 1966, Valladares asserted in an article

chaic immobility; we are turning pristine

to incorporate into traditional African

artists and works would be sent to Dakar

published in the journal Cadernos Brasile-

foundations into contemporary forces of

expression new forms, new spaces and

were made by a committee appointed

iros that whites “did not hunt down blacks

social change. For African art is precisely

volumes, and other technical and cultural

by the Ministry of Foreign Relations, a

in Africa but bought them peacefully from

the practice of black liberation – reflection

acquisitions relevant to the development

state agency whose racism is secular

black tyrants” (my emphasis). He adds, as

and action/action and reflection – at all the

of African art in its current rhythm of

and ostentatious. A rigorously all-white

well, the following statement: “Concerning

levels and instances of human existence.

contemporaneous expression. All these

institution. The same is happening with

the historical dimension, there seems to

By keeping our specific reason-log-

recent additions should reflect the ob-

the second Festival soon to be held in

exist a certain feeling of inferiority that is

ic safe from alienation, our creative in-

jective needs of the changes made in

84

85


the structure of African societies recent-

mature work that is fully Afro-Brazilian.

Can it be that these artists, and others

come together and are fused in the Ori-

ly freed from colonialism.

In a wood sculptor like José Heitor da

of like merit in the assertion of Afro-Bra-

sha tradition: Candomblé. Experience and

Black and African peoples are living a

Silva, technique and strength explode

zilian culture, received any demonstration

science; revelation and prophecy; com-

moment of historical plenitude radically

into pieces profoundly marked by his Af-

of respect from the Ministry of Foreign

munion of humans and deities; dialogue

opposed to the context of white Western

rican origin. And what to say of an artist

Relation’s all-white committee? They,

among the living, the dead, and those un-

societies. A specific aesthetic is born in

like Iara Rosa, painter and weaver with

the Afro-Brazilian artists themselves,

born, Candomblé marks the point where

this experience of creating a dynamic

creative resources so full of the expres-

should have been the sole body of cu-

African existential continuity has been

culture of spiritual liberation, and its im-

sive richness and inscrutable beauty

rators selecting the works and artists for

recovered. Where human beings can look

plications for the artistic phenomenon

of her ethnic heritage! Or Cléoo, whom

Brazilian representation at the Festival. It

at themselves without seeing a reflection

common to all cultures do not invalidate

Guerreiro Ramos once called the Black

is relevant to note here the example of

of the white face of the physical and spir-

its inalienable identity. Black African art

“Rose of the Winds,” open to all voices

the United States, often compared by

itual rapist of their race. In Candomblé,

in the Diaspora, while marginal with rela-

of creative imagination? Raquel Trindade

the Brazilian ruling classes with respect

the oppressive paradigms of white pow-

tion to the art that is sanctified by local

traces with her brush the colors and

to race relations, as the land of the worst

er, which over four centuries fed upon

societies, at the same time maintains the

forms of her father Solano Trindade’s

possible racism, while Brazil is held up as

and profited from a country that Africans

characteristics dictated by the history,

poetic legacy; Yedda Maia, with love and

the opposite, a paradise for people of

alone had built, have no place or validity.

environment, and culture of the respec-

technique, transfers to her canvases the

color. Undoubtedly, United States soci-

This is why the Orishas are the basis

tive slave-owning countries. It never fails,

human and geographic landscapes of

ety is permeated by racism as much in

of my artwork. For me, the image and

however, to incorporate African themes,

African Bahia. Agenor shapes in wood

its domestic life as in its political relations

meaning that they embody surpass

forms, symbols, techniques, and content

all kinds of miracles of form, space,

with the world’s peoples and countries.

mere visual-aesthetic perception – they

in its revolutionary role as a tool of con-

volume, and proportions. Celestino

However, U.S. black people are the sole

are the foundation of a process of free-

sciousness raising. Its essence is a vital

actively elaborates his own creativity

actors responsible for choosing who

dom fighting whose dynamics arise out

part of African creativity.

while concerning himself with collective

and what will represent the country in the

of their love and their communion and

In this perspective, we can begin to

issues affecting black artists and black

Black Arts Festival. Need we ask which

commitment. The Orishas are as far

penetrate and understand the work

African art. Deoscóredes Maximiliano

racism commits, in this specific case,

from a supposed “archaicism” as they

of a painter as sensitive as Sebastião

dos Santos – Mestre Didi –, recently in-

the most radical discrimination against

are distant from the “images remitting

Januário, born in Dores de Guanhães,

stalled in Bahia as Alapini, high priest of

Blacks? No sophistry, no veil or untruth

to a harmonious past” that compensate

Minas Gerais State. He began to paint

the Egungun ancestral rites, works with

can hide with impunity the genocidal re-

“an arid factual reality” imagined by an-

inspired by Catholic models and motifs.

various kinds of material to make highly

ality in which Black Brazilians fester.

other Brazilian critic.12 Wole Soyinka’s

Experience and intuition came together

artistically significant ritual objects. He

and guided him to the elaboration of a

is a complete magician.

86

For me, the ontological mystery and

definition is the most exact: the Orishas

the vicissitudes of black people in Brazil

are our “sources of strength,” the reali-

87


ty of our own being; they are “the gods

ines the present, reveals the future; he

that fabricate the energies of the Black

gives us the knowledge that enables us

Continent.”13 With such an enlightened

to plan our path. His literary corpus, one

worldview, what does it matter to be

of the most extensive and complex of all

labelled “instinctive painter,” “localized

humanity, contains unequalled poetic

artist,” “neo-primitive,” or any other of

beauty. Oxunmaré sums up the colorful

the many codifications of conventional

and vital joy of our race, expanding its

criticism? I paint Ogum and commu-

playful nature. Oxum, patronesse of the

nicate with the deity of ironmaking, of

arts, generous donator of love, enrich-

war, of just revenge, comrade in arms

es our lives with her golden sweetness.

to human beings, our brothers who fight

Exu is the trickster genius, master of the

for our freedom and dignity. And when

roads and crossroads of the Universe;

I evoke on canvas Yemanjá, mother of

messenger, interpreter of human and

all the waters of the Universe and of all

divine languages, Exu embodies contra-

the Orishas, I celebrate the one who ma-

diction, makes human existence dialec-

ternally watches over the fertility of the

tic, ritualizes the perpetual movement of

black race, alert against the aggression

the cosmos, of the history of men and

implicit in certain birth controls of inter-

women. Obatalá (Oxalá), in his/her mas-

est to whites. And then Xangô – storm,

culine-feminine duality, molds the primal

fire, and lightning – who practices justice,

egg of creation and procreation of the

a militant of all movements to restore our

species. And from beyond, far beyond

basic rights. When I mention Ossaim, I

the clouds that float on the horizon, Ol-

invoke the reign of nature, of raw materials. Enemy of pollution and cultivator of plants and herbs for Mother Africa’s traditional medicine and pharmacology, Ossaim protects the health of our people and our environment. Ifá condenses traditional wisdom in his literary corpus and through it exposes the past, exam-

orum, the Supreme, observes us…

NOTES

* First version published in Black Art: An International Quarterly, New York, Fall 1976. Present version written especially for Ch’Indaba (formerly Transition) special issue on the 2nd World Festival of Black and African Arts and Culture (FESTAC ‘77), and published in the author’s books “Racial Democracy” in Brazil: Myth or Reality (Ibadan, Nigeria: Sketch Publishing, 1977) and O Genocídio do Negro Brasileiro (Paz e Terra, 1978/ Perspectiva, 2016). Translations to English: Elisa Larkin Nascimento. 1. Goldwater, Robert. Primitivism in Modern Art (Nova York: Vintage Books, 1967), p. 4. 2. Rodrigues, Nina. Os africanos no Brasil (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1945), p. 24. 3. Rodrigues, Nina. Os africanos no Brasil, 4ª ed. (São Paulo: Instituto Nacional do Livro, 1976), p. 165. 4. Ramos, Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira (Rio de Janeiro: Editora Andes, 1957), p. 144, 145. 5. Bastide, Roger, contribution. In: Colloquium on Negro Art (Paris: Présence Africaine, 1968), p. 404.

Oxossi: Okê! Okê! Okê! Iansã: Eparrei! Omolu / Obaluaiê: Átoto! Saravá! ■ University of Ife (Obafemi Awolowo) September 1976

88

6. Valladares, Clarival do Prado. “Sobre o Comportamento Arcaico Brasileiro nas Artes Populares.” In: 7 Brasileiros e seu Universo (Brasilia: Ministry of Foreign Relations, 1974), p. 63.

89

7. Gasset, José Ortega y. La Deshumanización del Arte (Madrid: Revista del Occidente, 1956), p. 115. 8. C. G. Jung; C. Kerenyi. Essays on a Science of Mythology; the myth of the divine child and the mysteries of Eleusis (Bollingen Series 22, 1963; Princeton University Press, 1969), p. 101. Cf. Wole Soyinka, Myth, Literature and the African World (Londres: Cambridge University Press, 1976), p. 35. 9. Pontual, Roberto. “Festival de Arte Negra”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 April 1976. 10. Valladores, Clarival do Prado. “A defasagem africana ou Crônica do 1º Festival Mundial de Artes Negras, Cadernos Brasileiros, n. 36 (Rio de Janeiro, 1966), p. 4. 11. Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido (Porto: Afrontamento, 1975), p. 41. 12. Frota, Lelia Coelho. “Criação individual e coletividade.” In: 7 Brasileiros e seu Universo (Brasilia: Ministry of Foreign Relations, 1974), p. 55. 13. Soyinka, Wole. Interview with Louis S. Gates, Black World (Chicago, August 1975), p. 48.

Xangô e Suas Três Mulheres, 1968 Acrílica sobre tela | 54 x 73 cm | Rio de Janeiro


90


PREFEITURA DE NITERÓI

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE NITERÓI

PREFEITO

Rodrigo Neves

DIRETOR GERAL

Marcelo Velloso SECRETÁRIO MUNICIPAL DAS CULTURAS

Victor de Wolf SUBSECRETÁRIA DE PLANEJAMENTO CULTURAL

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Lia Baron PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE ARTE DE NITERÓI

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Clara Leite Andrezza Moura (Estágio)

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Jhonathan Soares Jéssica Cony (Estágio)

Alexandre Paiva Anezion Soares Eduardo Peres Igor Dias Igor Soares Jonas Aguiar Jonathan Felicissimo Jonathan Vieira João Edson Leandro Marins Luan Aragão Severino Romulo Ubirajara Cordeiro Washington Luis

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Thiago Côrtes TRADUÇÃO

Ben Kohn Elisa Larkin TIRAGEM

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MONTAGEM

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COORDENAÇÃO

AGRADECIMENTOS

Campus Avançado

96 p. : il. ; 18 cm. “Catálogo da exposição realizada de 14 de abril a 18 de agosto de 2019, no Museu de Arte Contemporânea (MAC), Niterói - RJ.” ISBN 978-85-85896-56-0 1. Arte - Brasil - Exposições. 2. Artes plásticas. 3. Arte contemporânea. 4. Artes visuais. I. Nascimento, Abdias, 19142011. II. Museu de Arte Contemporânea (MAC). III. Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros (IPEAFRO). IV. Título. CDD 709.81

Leo Zulluh Manuela Marini

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GERENCIAMENTO

A135 Abdias Nascimento : um espírito libertador / [realização MAC Niterói e IPEAFRO]. – 1. ed. – Niterói : Niterói Livros, 2019.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Agência Brasileira do ISBN

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Bibl. Priscila Pena Machado CRB-7/6971 Museu de Arte Contemporânea de Niterói Mirante da Boa Viagem, s/n 24210-390, Niterói, RJ, Brasil [55 21] 2620 2400 mac@macniteroi.com.br www.macniteroi.com.br de terça a domingo, das 10h às 18h

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O presente catálogo se refere à exposição “Abdias Nascimento: um espírito libertador”, realizada no MAC Niterói de 13 de abril a 18 de agosto de 2019, em parceria com o IPEAFRO.   Como parte dos programas públicos da exposição, realizou-se o seminário “Negra presença: arte, política, estética e curadoria” entre os dias 15 e 17 de agosto. Com curadoria da historiadora Raquel Barreto, o seminário foi realizado no salão principal do museu, em ocupação histórica do espaço expositivo que, na ocasião, abrigava a pintura do artista Abdias Nascimento.   Entre conferências, aulas, performances e mesas de debate, participaram do seminário: Carmen Luz, Coletivo Rato Preto, Coletivo Trovoa, Dom Filó, Haroldo Costa, Hélio Menezes, Julio Cesar Tavares, Kabengele Munanga, Keyna Eleison, Marcelo Campos, Mariah Rafaela, Mariana Maia, Milena Lizia, Milsoul Santos, Muniz Sodré, Raquel Barreto, Reginald Adams, Roberta Alleixo e Thais Rocha.

This catalog refers to the exhibit “Abdias Nascimento: a Liberating Spirit”, held at the Niteroi Contemporary Art Museum from 13 April to 18 August 2019, in partnership with IPEAFRO.   As part of the exhibition’s public programme, the Seminar “Black Presence: Art, Politics, Aesthetics, and Curatorship” was held from 15 to 17 August. With historian Raquel Barreto as curator, the seminar took place in the main hall of the museum, in an historic occupation of the exhibition space, which, at the time, reverberated the energy of Abdias Nascimento’s painting.   Amidst lectures, classes, performances, and roundtable debates, the Seminar welcomed as participants: Carmen Luz, Coletivo Rato Preto, Coletivo Trovoa, Dom Filó, Haroldo Costa, Hélio Menezes, Julio Cesar Tavares, Kabengele Munanga, Keyna Eleison, Marcelo Campos, Mariah Rafaela, Mariana Maia, Milena Lizia, Milsoul Santos, Muniz Sodré, Raquel Barreto, Reginald Adams, Roberta Alleixo e Thais Rocha.



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