Edição 24: dezembro de 2014 e janeiro de 2015

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JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO

ISSN 2178 - 9096 - Maringá

DEZEMBRO DE 2014 E JANEIRO DE 2015 - Nº 24

psicologia do cotidiano

PÁG. 03

Os muros de Berlim, as cataratas do Iguaçu e as fronteiras de todos nós .............................................................................

conexões

PÁG. 06

Fechando ciclos e se abrindo para o novo: os ritos de passagem

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retrospectiva 2014

PÁG. 08 e 09

Os eventos realizados pela Oficina do Saber .............................................................................

Sessão especial

PÁG. 10

Feliz ano novo

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entrevista

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JPF entrevista a psicanalista Débora Nemer Pinheiro

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JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO

EXPEDIENTE

EDITORIAL

A ORIGEM ESTÁ DIANTE DE NÓS Coordenação Vinicius Romagnolli R. Gomes | CRP 08/16521 Edição Fernanda Ferdinandi Redação Eduardo Chierrito, Luiz Antonio Trentinalha, Mayara Coutinho, Raquel Abeche, Rodrigo Corrêa, Roseane Pracz, Renan Miguel Albezi, Ieda Marinho Capa Vermelho Panda Estúdio de Design Divulgação Maria Renata Borin, Cicero Félix, Thaís de Paiva Vidal, Gabriela Cristófoli, Luana Ramos Impressão GRÁFICA O DIÁRIO Design Gráfico

VINÍCIUS ROMAGNOLLI R. GOMES é psicólogo (CRP 08/16521) e coordenador do Jornal Psicologia em Foco

Caros leitores, Nos encaminhamos para mais um final de ano e para um novo começo. Na história da humanidade sempre aconteceram inumeráveis começos e a cada nova etapa há um fim que, ao mesmo tempo, é um começo. Nessa época é comum assistirmos ou fazermos as retrospectivas do ano que se vai e as projeções para o ano vindouro. No entanto, em meio a nossa era de problematizações generalizadas, o futuro parece estar em crise, levando qualquer predição ao campo de mera hipótese e cenário. O sociólogo francês Edgar Morin nos diz que um novo começo implica que as forças de geração e regeneração contidas no ser humano despertem e se desenvolvam. Essas potencialidades criadoras estariam, segundo o autor, inibidas e enrijecidas diante da crescente especialização e burocratização do nosso tempo. Para despertar essas potencialidades criadoras novamente, são necessárias condições de crise, que trazem consigo uma possibilidade criadora. Assim como o organismo possui células-tronco

indiferenciadas capazes de criar diversos órgãos, a humanidade possui virtudes genéricas que permitem novas criações. Marx já apontava isso ao falar do homem genérico, ou seja, da capacidade criadora inerente ao humano. Precisamos apostar nela. Além disso, é preciso apostar no improvável e isso envolve um ato de confiança e esperança, afinal, o futuro sempre comportará riscos, imprevistos, incertezas, mas também poderá comportar capacidades criadoras, desenvolvimento de compreensão e nova consciência humana. O filósofo Heidegger tem uma frase paradoxal na qual diz “a origem não se encontra atrás de nós, ela está diante de nós”. Diante disso, podemos pensar que é a partir de um retorno à origem que a ultrapassamos em uma nova origem. Esse enunciado não deve ser encarado como uma profecia ou uma certeza, mas sim como uma possibilidade que nos dá alguma esperança de um ano novo melhor. Um ótimo final de ano a todos e uma boa leitura.

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Quem somos nós? Tiragem 3.000 exemplares

..................................................................................... Quer publicar um artigo, com a possibilidade de ampliação de seu currículo ou realizar a divulgação de sua clínica, empresa ou evento? ENTRE EM CONTATO CONOSCO! ipfoficinadosaber@gmail.com www.institutopsicologiaemfoco.com.br [44] 9985-9839 - Vinicius

Jornal Psicologia em Foco (ISSN 2178-9096) surgiu no ano de 2010, idealizado pelos então acadêmicos do 5 ano de Psicologia do Cesumar Vinicius Romagnolli, Diogo A. Valim e Roberto M. Prado. O projeto tem como proposta viabilizar em espaço para a produção cientifica de acadêmicos e profissionais de Psicologia, bem como a promoção e divulgação dos importantes acontecimentos e eventos relacionados à Psicologia, tais como palestras, cursos, debates, grupos de

estudos, entre outros. Em 2011, na comemoração de 1 ano do JPF foi criada a Oficina do Saber. O jornal se sustenta com o apoio dos coolaboradores e patrocinadores e tem sua distribuição gratuita, alcançando o público acadêmico de diversas instituições de ensino, cursos de pós-graduação e profissionais da área. Atualmente o Jornal Psicologia em Foco tem uma tiragem de 3 mil exemplares e periodicidade bimestral. Já as oficinas acontecem mensalmente.

MISSÃO: Promover a troca de saberes em um espaço inovador. VALORES: Comprometimento Brilho nos olhos Espírito de equipe Qualidade Pró-atividade Foco no cliente


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PSICOLOGIA DO COTIDIANO

OS MUROS DE BERLIM, AS CATARATAS DO IGUAÇU E AS FRONTEIRAS DE TODOS NÓS

LÍVIA BATISTA PEREIRA LARRANHAGA é psicóloga CRP: 08/13426

Há dor na vida. Há dores que são mais fortes, outras menos, porém todas incomodam e nos mobilizam. Existe um lado da dor que impede a vida. A dor é egoísta, narcisista. Ela atrai todas as atenções para si mesma. Uma dor no estômago nos faz sentir que nosso corpo é formado apenas de estômago. Assim como numa dor de cabeça, o corpo parece se resumir à cabeça. A dor nos leva a suspender outras áreas da vida de modo que a nossa atenção fica totalmente voltada para ela. Winnicott, em seu livro chamado “Tudo começa em casa”, constrói uma bela metáfora ao dizer que existem muros de Berlim dentro de cada um de nós. Esses muros seriam as zonas de conflito, as fronteiras que separam um território do outro. As áreas fronteiriças de um país normalmente são conflituosas, pois delimitam onde um espaço começa e o outro termina. E quando o assunto é respeito aos limites, o ser humano parece enterrar anos de evolução de sua espécie. No nosso mundo interno existem áreas que vivem em guerra com territórios vizinhos. Nesses momentos é preciso reconhecer e olhar para o conflito sem esquecer que existem outras áreas que não estão em guerra. Winnicott pontua que nos espaços que se distanciam das fronteiras reside a potencialidade para a criatividade, para o lúdico e para a elaboração. Arrisco-me a dizer que nessas áreas longínquas encontraremos inspiração para vencer a dor que a guerra nos impõe. São espaços de paz, tranquilidade e de transformação da nossa visão. O mesmo olhar que antes

estava focado na dor do conflito, poderá se tornar panorâmico. Enxergaremos mais, não por utilizar lentes melhores, pois os olhos são os mesmos, mas por estarmos a uma certa distância da zona de conflito. Fenômeno parecido pode ser observado por um turista que visite as cataratas do Iguaçu sob dois pontos de vista: o lado argentino e o lado brasileiro. As cataratas estão localizadas na fronteira entre Brasil e Argentina. No lado argentino, é possível ver as cataratas bem de perto, contemplá-las de cima e quase tocálas. Já no lado brasileiro, a visão é panorâmica, mas as quedas são as mesmas. Nos dois lados é possível ver as cataratas, o que muda é a nossa distância em relação a elas. Enxergar o mesmo fenômeno com uma certa distância nos dá a sensação de participarmos dele, sem nos confundirmos com ele. O lado argentino das cataratas nos coloca tão próximos a elas que não conseguimos calcular a sua grandeza. Já o lado brasileiro, ao proporcionar uma experiência mais ampla das cataratas nos coloca em contato com a sua imensidão, imponência e onipotência. Sendo que, ao mesmo tempo que somos participantes desse espetáculo natural, é possível, por causa da distância, estar no lugar de espectador e fotografar toda a dimensão das cachoeiras gigantes. Sendo assim, é preciso se distanciar da área de conflito, no entanto, é necessário também que permaneçamos com os olhos sobre ela. Isso equivale a dizer que

precisamos olhar para dor, porém com uma certa distância para que não nos confundamos com ela e assim possamos ocupar o espaço que se afasta da zona de conflito, pois é nessa terra distante que poderemos desfrutar de momentos de paz e criatividade. E quem sabe, assim como um turista que visita o lado brasileiro das cataratas,

também é possível fazer belas fotografias da nossa área de guerra. Pois, ocupar o espaço da paz e do lúdico não é negar a dor, mas se afastar dela a fim de que ela seja fonte de inspiração. Afinal, é bem verdade que há dor na vida, mas não podemos negar que também existe vida na dor.


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crp responde Qual o limiar ético / profissional ao psicólogo quando convidado a um depoimento na mídia?” Juliano Del Gobo (CRP-08/13756) É cada vez mais frequente a presença de Psicólogas e de Psicólogos em veículos de comunicação, contribuindo para o debate com a sociedade acerca de variados temas. Mesmo não se configurando propriamente como uma atividade de prestação de serviços psicológicos, o profissional que vem a público em função da sua profissão deve estar atento a algumas disposições presentes no código de ética profissional. “O Psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão” e “ao participar de atividade em veículos de comunicação, zelará para que as informações prestadas disseminem o conhecimento a respeito das atribuições, da base científica e do papel social da profissão”. É importante ressaltar o que diz o artigo 2, alíneas b e i do Código de Ética Profissional do Psicólogo: “Art. 2o - Ao Psicólogo é vedado: b) induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais; i) induzir qualquer pessoa ou organização a recorrer a seus serviços.” Neste sentido, é fundamental que o profissional que participe de atividades nos meios de comunicação se comprometa a discutir temas para os quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente, uma vez que, a partir de sua fala, de seu texto e também da forma com que aborda as questões, produzem-se impactos na representação social das pessoas que têm acesso aos conteúdos vinculados pelos meios de comunicação. Sendo que sua formação e titulação lhe dão o direito de falar sobre tais assuntos, a(o) Psicóloga(o) possui o discurso capaz de provocar impactos sociais, que, nos termos usados por Marilena Chauí, o discurso competente. E a isso deve estar atento! Nesse sentido, vale destacar que sua ação também produz efeitos sociais para a categoria de pessoas de que se fala: crianças, adolescentes, homossexuais, negros, mulheres, jogadores de futebol, presidiários, políticos, etc. Por fim, este movimento em direção a uma comunicação ampliada com a sociedade demanda ao menos dois cuidados do profissional vem a realizar esta importante ação de promoção da Psicologia na sociedade: o cuidado com o que se fala e como se fala.

penso assim RAFAEL PINTO DONADIO Acadêmico do 1º ano de Jornalismo da UNICESUMAR

Tentativas... Rio de Janeiro. Terra já muito letrada e cantada. Terra de Tom Jobim, o grande Maestro Brasileiro, terra de Chico Buarque, terra de Cartola, Vinicius de Moraes, Tim Maia, Erasmo Carlos, Milan Alram, Toquinho, Arpoador, Gávea e Copacabana. Terra da Belle Époque brasileira. Terra inspiradora de muitas e últimas crônicas. Terra imortalizada em Garota de Ipanema. Terra que em dias aleatórios foi fonte inspiradora de poetas, compositores e artistas de todos os gêneros. Terra de quem viveu sua época sem se preocupar com o que veio antes e o que viria depois. Terra de quem, como todos, acordava diariamente em um mesmo horário e reclamava de ter que aguentar mais um dia. De quem, possivelmente, com certa tristeza ou desânimo, respondia “Vai indo, do jeito que dá” a todo conhecido que no reencontro perguntava, “E ai,

errata

como anda a vida?”. Terra de quem em algum momento resolveu viver do jeito que dava, sem deixar de pensar que isto poderia ser o melhor a ser feito. De quem passou a viver ao invés de sobreviver. De quem percebeu que buscar o pouco aqui perto é infinitamente melhor do que buscar o impossível lá longe. Terra de quem viveu sua época sem se preocupar com o que veio antes e o que viria depois. Terra de quem algum dia se sentou ao trono e vislumbrou todos aqueles azulejos, talvez colocados ali aleatoriamente, talvez escolhidos a dedo. De quem, assim como eu, tomou seu café após um almoço com a família e resolveu que o agora deveria ser eternizado. De quem algum dia sonhou que simples azulejos, poderiam em um momento de completo vazio, ser fonte de uma simples e singela crônica. Não sua última, mas a primeira de muitas.

contato@jornalpsicologiaemfoco.com.br

A equipe do JPF se retrata com os leitores e a Psicóloga Kyka Karla Furtado por um erro cometido na edição nº 22, referente à formação profissional de psicólogo que foi mencionada na página 12 na coluna “conexões”. Psicóloga Kyka Karla Furtado CRP 08/18722 Quanto aos erros da edição nº23: Troca de título das sessões entre as páginas 05 e 10, Comportamental em pauta e Psicanálise em pauta; Troca de títulos página 11 e 7, uma vez que a página 7 se refere a coluna “conexões”. Gratos pela compreensão Equipe JPF

Não uma obra prima, mas a que se tornou possível no momento. Não a perfeita crônica de um Nelson Rodrigues ou Fernando Sabino, mas a de quem resolveu fazer. Fazer e ponto final. Saiu do papel e de seus sonhos e materializou-se. Materializou-se como a vida, que se materializa a cada tentativa. Que diferente de um trabalho escolar, onde rascunhamos e reescrevemos quantas vezes for possível, deve ser construída a cada dia. Vivida do jeito que dá. Vivida para que possa algum dia ser imortalizada. Deve ser tentada e tentada, esperando que nunca chegue ao sucesso. Pois foi tentando que muitos se imortalizaram. E será tentando que um dia farei da minha terra e dos azulejos do meu pequeno banheiro, uma terra a ser lembrada e invejada por muitos. Ou não, mas continuarei tentando.

ENTRE ASPAS


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COMPORTAMENTO em FOCO

“Vítima” das contingências: isso tira a responsabilidade do organismo? RENAN MIGUEL ALBANEZI, acadêmico do 5º ano de Psicologia (UniCesumar), pósgraduando em Análise do Comportamento (NECPAR) e colunista do site Comporte-se: Psicologia Científica.

Abib, J. A. D. (2004) O que é comportamentalismo? In: Brandão, M. Z. S; Conte, F. C. S; Brandão, F. S.; Ingberman, Y. K; Silva, V. L. M.; Oliane, S. M. (Orgs.). Sobre comportamento e cognição. Santo André: ESTEc. v. 13, cap. 6, p. 52-61. Botomé, S. P. (2014) A Definição de Comportamento. Campinas: Insituto de Terapia Por Contingências de Reforçamento. Skinner, B. F. (1938) The Behavior of Organisms. Cambridge: Copley Publishing Groups. Skinner, B. F. (1953) Science and Human Behavior. New York: Free Press. Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Groups. Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: AppletonCentury-Crofts. Skinner, B. F. (1971) Beyond Freedom and Dignity. Cambridge: Hackett Publishing Company. Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books. Skinner, B. F. (1990) Questões Recentes na Análise Comportamental. 5 ed. Campinas: Papirus Editora.

Desde a década de 1910, o comportamento tem a definição, por mais ampla que possa parecer, de ser “a relação entre aquilo que um organismo faz (sua ação, “resposta” ou atividade”) e o ambiente no qual ele realiza (ou apresenta) esse fazer (...)” (Botomé, 2014, p. 3) e Skinner (1953; 1957; 1974) define uma nova classe de comportamento: o comportamento operante. Tal conceito implica que, por ser operante, o organismo produz consequências no meio e é reforçado pelas consequências que produziu (Abib, 2004). A causalidade do comportamento reside, portanto, nas contingências de reforçamento. Em toda obra de Skinner tal pressuposto é inferido e corroborado por meio de dados de pesquisa (Skinner, 1938; 1953; 1957; 1969; etc) e, por isso, para analistas do comportamento tal pressuposto é um fato. Entretanto, isso dá vazão a uma crítica um tanto quanto ingênua: para o behaviorismo skinneriano, o ser humano é apenas uma vítima do meio em que está. Nunca é responsabilizado por nada do que faz e por nada que acontece consigo e com outrem com quem se relaciona, afinal, o que determina é o meio e não o indivíduo. Concordamos com isso. O que “determina” é o meio e não o indivíduo. Entretanto, a noção de comportamento operante que Skinner (1953; 1957; 1969; 1974; 1990) implica que o organismo que se comporta tem a capacidade de alterar o meio em que está para que consequências reforçadoras se sigam ao seu comportamento. Dessa forma, seria possível dizer que, para os behavioristas skinnerianos, o organismo é totalmente isento de responsabilidade? A própria definição de comportamento operante já deveria ser suficiente para que essa crítica já não fosse mais feita. Mas, para responder tal questão, talvez seja necessário apelarmos para

a concepção skinneriana de liberdade. De forma superficial, para Skinner (1971) o organismo é livre apenas para escolher entre consequências. Diante de uma dada contingência o organismo pode avaliar quais são as consequências que ele obtém se comportando de uma determinada forma ou não. Ante a regra se beber, não dirija, o organismo não é obrigado, de forma alguma, a não beber antes de dirigir. No entanto, escolher beber e dirigir implicará em consequências que podem ser desastrosas e irreversíveis. Uma vez que o organismo pode deixar de beber para dirigir mesmo estando inserido numa comunidade verbal que valorizará imensamente seu comportamento de beber, como numa festa com amigos que estão bebendo, já conseguimos restituir responsabilidade naquele que se comporta. A diferença aqui é que vemos outro conceito: o autocontrole (Skinner, 1953; 1974), o qual implica que o organismo pode arranjar contingências para não se comportar de determinada forma ou de atrasar uma consequência e obtê-la com maior magnitude posteriormente. Grosso modo, a diferença, aqui, reside no estar sob controle de consequências

imediatas versus estar sob controle de consequências atrasadas. Todos os conceitos apresentados até agora (apenas três: comportamento operante, liberdade e autocontrole) evidenciam que o organismo tem a capacidade de atuar sobre o meio em que está, obviamente que em função das contingências de reforçamento, uma vez que para se comportar dessa forma e até mesmo para tomar uma decisão, a tríplice relação de contingência precisa ser respeitada, ou seja, o organismo depende de um antecedente, de uma resposta funcionalmente válida e da consequência que se segue a esse comportamento. De forma muito sucinta e breve, argumentos de que temos nosso comportamento determinado pelas contingências de reforçamento não nos torna realmente vítimas do meio e que também não nos tira a responsabilidade sobre nossos atos foram apresentados no presente texto. Sendo assim, o Behaviorismo Radical não entende os organismos como meros fantoches do meio, muito além disso, entende organismos que se constroem e têm a capacidade de tomar as rédeas de suas próprias vidas e ações.


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psicologia e psiquiatria

conexões

Neuroplasticidade e a habilidade cerebral

TONI TRENTINALHA é graduado em Letras e pós-graduado em Artes, membro do Instituto Psicologia em Foco e acadêmico de Psicologia da Unicesumar.

O termo Neuroplasticidade pode ser definido como a aptidão do próprio sistema nervoso para se organizar diante da aprendizagem ou lesão, essa organização se associa com a modificação de algumas sinapses (área de contato entre dois neurônios). Assim, o cérebro pode vir a ser considerado um órgão plástico devido às inúmeras alterações que sofre ao longo da vida. O próprio Freud propôs ainda no final do século XIX que o cérebro tem a capacidade de modificar a sua própria estrutura. As interações entre organismo-ambiente diferenciam e moldam os circuitos neurais, e assim caracterizam a estrutura plástica e o individualismo neural de cada organismo. Inevitavelmente toda a experiência remete a aquisição de algum novo conhecimento e informações a serem processadas pelo sistema nervoso, causando mudanças anatômicas em diversos locais do cérebro, essas modificações alteram a intensidade com que as células se conectam formando novas estruturas. As modificações estruturais que ocorrem no cérebro incluem processos como aprendizagem, memória, recuperação de lesão e habituação; que pode ser considerada a forma mais direta de Neuroplasticidade. Charles Sherrington atentou através de severa observação que alguns comportamentos reflexos como retirar um membro de um estímulo aversivo doloroso, como retirar o braço quando este se aproximar de uma chama incandescente, deixava de ser produzido depois de algumas repetições da mesma estimulação. Sherrington pode então propor que a habituação a essa repetição prolongada resulta na criação de estruturas neurais permanentes diminuindo drasticamente o número de respostas neurais ao estímulo. Diferente dos efeitos reversíveis da habituação, a aprendizagem e a memória dependem de modificações persistentes e contínuas das sinapses. Com repetições sinápticas ocorrendo em um largo período de tempo, se reduzem as áreas que vem a ser ativadas no cérebro, assim quando o comportamento é assimilado, apenas algumas pequenas regiões cerebrais mostram atividade acelerada quando esse comportamento é realizado. Já a lesão provoca alterações degenerativas que podem, mas não obrigatoriamente ocasionam o definhamento celular. Quando os neurônios de um organismo adulto morrem, eles não vem a ser substituídos, apesar disso, as alterações nas conexões sinápticas da reestruturação operacional do SNC (Sistema Nervoso Central) e as modificações estruturais relacionadas com a atividade, promovem a recuperação de algumas áreas lesionadas. O universo da Neuroplasticidade ainda é pouco explorado, mas muito já se pode compreender, estudos recentes concluíram que o cérebro adulto geralmente ajusta o modo como organiza e aciona as informações, desenvolve a capacidade de desempenhar novas funções e de aperfeiçoar as existentes. Assim a Plasticidade Neural implica em um universo dinâmico, prático e responsável.

Fechando ciclos e se abrindo para o novo: os ritos de passagem CARMEN L. CUENCA CRP. 08/06541-2 Formação em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá Pós-graduação Lato Senso: MBA – Executivo pela Universidade Estadual de Maringá Pós-graduação Stricto Senso: Ergonomia pela Universidade Federal de Santa Catarina no Programa de Pós Graduação em Engenharia de Produção. Formação clínica: Formação em Terapia Sistêmica (Casal) pelo INTERCEF – Curitiba.

Se você parasse para pensar na fase da vida em que se encontra, poderia perceber quantos ciclos de vida já se encerraram e quantos se iniciaram em sua vida. Quando foi para a escola pela primeira vez, quando seu corpo de criança desapareceu dando lugar ao corpo adolescente, quando entrou para o ensino médio e muitos colegas deixaram de fazer parte da sua vida e tantos outros chegaram. Não vamos esquecer do vestibular, do casamento, do primeiro emprego, do primeiro amor e de tantas primeiras vezes. Para que as primeiras vezes existissem, as últimas precisaram acontecer. Num processo de despedida, de dor de luto ou simplesmente de comemoração, nossa vida sempre foi e será marcada pelo início e pelo fim de um ciclo - tenha ele um rito de passagem ou não. Encerrar ciclos, fechar portas, terminar um capítulo, não importa o nome dado, o que contribui para o nosso crescimento é deixar no passado os momentos da vida que encerraram. “As pessoas percebem que ou podem ficar paradas, estacionadas em determinado momento da vida, e isso provoca dor, sintomas em uma pessoa ou disfuncionalidade em toda a família. Ou então podem viver as mudanças como coisas previsíveis, aceitáveis, e então se tranquilizar” (Nahas,1995, p.265). É importante detectar quando uma etapa da nossa vida chega ao final. Insistir em continuar nela mais do que o tempo necessário, para as aprendizagens importantes, faz com que se perca a alegria e o sentido das próximas etapas que estão chegando. É impossível estar ao mesmo tempo no presente e no passado. O que passou não tem como voltar. Os ciclos, especialmente os solares (dia e ano), servem para transformar, ilusoriamente, um processo linear, infinito e irreversível num processo circular. Eles criam uma outra oportunidade para resolver problemas da vida, e poder refazer o que ficou para trás. E ainda colocam a ideia de renascimento, o que torna até mais fácil lidar com a morte. Os ciclos são imprescindíveis para compensar a vivência da irreversibilidade. As escalas de tempo estão relacionadas com uma estrutura de continuidade. (Rosset, 2000) Com a aproximação do final do nosso ano solar é comum ou tradicional que se espere e se prepare para o ano novo. Há quem diga que o primeiro dia do ano é como se fosse uma segunda-feira, um domingo ou um dia qualquer, onde a percepção do novo ciclo é apenas uma subjetividade. Porém, a sensação de um novo ano, nos traz a percepção de renovação, recomeço, de novas oportunidades. Sem essa percepção seguiríamos num contínuo, correndo o risco de perder a esperança. Os ritos de passagem para o ano solar que se inicia, para o início de uma nova amizade, uma nova moradia, um novo relacionamento, uma nova atuação profissional, um novo momento sem aquela pessoa querida requerem um ritual. E ele pode ter o formato que você quiser. Deve apenas cumprir duas funções: encerrar um ciclo e começar outro com esperança e alegria.


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humanista existencial em foco

O processo de formação e costrução de um gestalt-terapeuta HELEN MESSIAS GUZMÁN, CRP 08/04499, psicóloga, gestaltterapeuta e professora do Unicesumar

A Gestalt-terapia foi oficialmente criada em 1951, nos Estados Unidos e chega ao Brasil, recentemente, na década de 70. É uma proposta de psicoterapia que vem sendo continuamente desenvolvida por autores contemporâneos. Faz parte da terceira força em psicologia, ou corrente humanista, emergindo como reação às visões psicanalíticas e comportamentalistas do ser humano. Temos um amplo e complexo corpo teórico, epistemológicamente falando. Sofremos influências de diversas teorias, como: Teoria do Campo, Psicologia da Gestalt, Teoria Holistica, entre outras. Do ponto de vista filosófico, recebemos influências do Humanismo, do Existencialismo e da Fenomenologia. A Gestalt é também uma postura diante da vida. Costumo dizer aos meus alunos de Psicologia do UNICESUMAR e aos alunos de pós- graduação que para tornar-se um gestalt-terapeuta, é preciso viver como essa abordagem compreende a vida, o mundo e as pessoas, ou seja; em minhas ações, na minha filosofia de vida, a GT precisa estar presente. Essa vivência implica um contato vivo com o mundo, com a pessoa do outro na sua singularidade, sem pré-concepção de qualquer ordem. Segundo Jean Clark Juliano, em minha opinião, uma das mais respeitadas gestalt-terapeutas do Brasil, viver de maneira gestáltica implica em apoiar-se na vivência, na experiência em primeira mão, no aqui agora, o que estimula uma presença constante e atenta, com ênfase na percepção sensorial, focalizando o fluxo e a direção da energia corporal. O processo de formação de um gestaltterapeuta não se concretiza apenas com um curso de 2 a 3 anos sobre a abordagem, é preciso mais que isso. A GT é um modelo de psicoterapia relacional e vivencial, onde os sentimentos e sensações do terapeuta devem ser utilizados como um dos instrumentos centrais do processo de psicoterapia,

dada a importância da relação terapêutica. É imprescindível ao futuro gestalt-terapeuta percorrer um longo trabalho consigo mesmo de auto-conhecimento. O ideal é que este aluno já inicie seu processo de psicoterapia na linha teórica desejada, antes mesmo de iniciar seus atendimentos clínicos no quinto ano. Como supervisora do estágio de Psicologia Clínica na abordagem referida acima, venho observando o quanto aqueles alunos que

chegam ao último ano do curso de Psicologia, já terapeutizados, podem beneficiar-se em seus atendimentos, imprimindo maior qualidade à seus trabalhos junto a seus pacientes no estágio em Psicologia clínica. O auto-conhecimento o ajuda a diferenciarse de seu paciente, promovendo uma relação terapêutica mais saudável e eficaz. Os recursos técnicos e metodológicos da GT são experienciados por esses alunos, que além de conhecer a teoria e a técnica, possuem a experiência como paciente. Isso faz uma enorme diferença, pois é muito difícil

Rua Néo Alves Martins, 2999 - Edifício Marquezini Trade Center - Andar 13 - Sala 134

oferecer ao outro aquilo que nunca recebi. Penso em uma analogia bem simples para ilustrar a ideia anterior: é como convidar o outro a andar por caminhos que desconheço por nunca ter percorrido. Porém, o caminho do auto-conhecimento e da psicoterapia pessoal é apenas um dos aspectos na construção de um gestalt-terapeuta. A abordagem é complexa e sua metodologia fenomenológica requer quebra de paradigmas e um novo olhar para nosso objeto de estudo e possibilidades de ajuda. Tudo isso é possível se estudarmos e treinarmos muito as habilidades necessárias que envolvem uma escuta e ação terapêutica calçada na Fenomenologia. A graduação nos dará a formação básica para nosso ofício, porém sabemos, que para realmente exercermos o papel de profissionais da GT, precisamos passar por um longo processo de estudo na abordagem. Com certa frequência meus alunos me perguntam: por que o curso de formação em GT é longo, exigindo de 2 a 3 anos de estudo? Eu respondo de forma simples e direta: porque temos muito a estudar e treinar. Há algum tempo venho trabalhando na formação de gestalt-terapeutas e posso afirmar que a cada aula dada pelos renomados professores que passaram por Maringá, descubro e aprendo coisas fantásticas na GT, no que diz respeito às possibilidades de ajuda que podemos dar a um ser humano que se encontra em sofrimento. Sendo assim, o outro elemento essencial no processo de formação que estou discutindo é a atualização e estudo contínuo e a certeza que você sempre tem muito a aprender. Portanto, àqueles que têm interesse em estudar a abordagem, fica o convite: Venha tornar-se um gestalt-terapeuta! A GT é uma abordagem, que se, devidamente utilizada, pode produzir uma enorme ajuda no que diz respeito à promoção, prevenção e manutenção da saúde humana, podendo ser aplicada a diversos campos de atuação.


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JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO

Retrospectiva 2014: Oficina do Saber Com a missão de promover a troca de saberes em um espaço inovador a Oficina do Saber realizou 16 eventos em sua programação de 2014. Os temas abrangeram assuntos do comportamento e da mente, bem como temas organizacionais e viagens culturais.

Segredos em Família fevereiro

A psicanálise e o parricídio março

Etiqueta pessoal e profissional março

Artetetapia: Arte ou terapia? abril

Projeção nos relacionamentos amorosos abril

Diagnosticar é preciso? Junho

Especial Copa do Mundo junho

Liderança estratégica com coaching julho


JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO

O jeito google e facebook de trabalhar agosto

Os quatro discursos de Lacan agosto

Essas nossas desconhecidas emoções novembro

Prazer e Felicidade novembro

Sabores e Saberes Os jantares especiais Sabores e Saberes funcionam como viagens culturais organizadas para que os convidados conheçam um país a partir de sua cultura e, claro, da sua gastronomia. O evento contempla um cardápio com diferentes pratos típicos e uma aula descontraída sobre a história e a cultura do país. Viaje sem sair de casa!

Especial Austrália fevereiro

Especial Índia abril

Especial Espanha julho

Especial Argentina setembro

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conexões

Sessão especial

Jano, o deus dos Portões CRISTINA ALBUQUERQUE; Psicóloga Clínica - Presidente do Prometheus Instituto Junguiano crp 08 – 04349

Jano, deus tutelar de todos os começos, rege tudo o que regressa e tudo o que fecha. Regente de Lácio, região da Itália Central, trouxe prosperidade e agricultura para essa região. É atribuído a ele a invenção das guirlandas, dos botes e do navios e a ser o primeiro a cunhar moedas de bronze. Por ocasião do destronamento e exílio de Saturno, o deus do Tempo, Jano foi seu anfitrião. Ao partir, Saturno profundamente agradecido pela acolhida, o abençoa com o dom da mais alta prudência, conferindo-lhe o poder de ver o passado e o futuro ao mesmo tempo. Representado com duas faces, de onde vem seu nome: o deus bifronte, uma das faces é voltada para frente, visualizando o futuro e a outra para trás, visualizando o passado. Sua face média era desconhecida, a verdadeira, pois que era tida como nexo, o momento exato da passagem do que foi para o que virá. Simbolizando o conhecimento do passado e do futuro. Conhecido também como Porteiro Celestial. Nesta circunstância portava dois símbolos: a chave e o báculo e era acompanhado pela deusa Horas que presidia as estações do ano. Horas era tida como a deusa do ano, das estações e da ordem natural necessária à prosperidade do campo. Considerando toda a simbólica de Jano podemos refletir sobre questões relevantes: o que faz um povo, profundamente em conexão com a vida, personificar um poder na forma de deus para expressar questões de natureza humana, como por exemplo, o iniciar de um novo ciclo como possibilidade de recomeço ou renascimento? Tendo em mente essa questão, podemos entender que começar um novo ciclo em janeiro pressupõe entrar no reinado de Jano. E isso implica, necessariamente, fazer acontecer, de fato, o germinar de nossa terra psíquica, emocional e espiritual. Não é por acaso que ele cria recursos de travessia (botes, navios) e guirlandas para coroar os que realizam a travessia. E quanto a sua face média, o nexo? O momento exato da passagem daquilo que foi para aquilo que está se gestando? Isso me faz pensar naquele momento especial chamado presente e que, curiosamente é desconhecido para a maior parte das pessoas. Creio que precisamos cair nas graças do deus Jano para que possamos, em algum momento, conhecer esta face oculta chamada presente, momento precioso onde todas as alquimias existenciais são possíveis. Permanecer com os olhos no passado é ficar aprisionado nas glórias ou nos infortúnios, por outro lado, fitar permanentemente o futuro é permanecer na esfera das possibilidades. Existir de fato, em tempo real, no presente, é materializar a própria prosperidade.

Feliz Ano Novo CRISTINA ALBUQUERQUE; Psicóloga Clínica - Presidente do Prometheus Instituto Junguiano crp 08 – 04349

É a frase mais pronunciada na passagem de um ano que se finda dando lugar ao novo ano que se inicia. Não só renovamos votos de esperança, alegria, amor, desejos de um novo ano cheio de prosperidade e realizações, mas, também, materializamos alguns rituais como: pular sete ondas, servir-se de lentilha, uva e romã, usamos roupas brancas, amarelas... De onde vem esta dimensão quase mágica da passagem de ano? Nossa compreensão acerca desta celebração só se torna possível se estendermos um vasto olhar para trás, para a experiência de nossos ancestrais. Quanto mais adentrarmos no espaço tempo dos seres que nos precederam, mais sentiremos as forças poderosas que os governavam. Nesta dimensão, a Mãe Natura é a Regente por excelência. Tudo dela nasce e tudo para ela, a seu tempo, retorna. Homem e natureza estão intrinsecamente unificados. O Grande Arquétipo Homem-Natureza tem raízes profundas. Estudos antropológicos atestam que a primeira comemoração de um novo ano, de um novo ciclo, ocorreu na Mesopotâmia por volta de 2.000 a.C. na Babilônia. Festejavam o recomeço do ciclo anual, época que coincidia com o início da primavera no hemisfério norte e a plantação de novas safras. Esta festividade estava diretamente ligada à natureza, aos ciclos celestes e lunares e a agricultura. Iniciava-se por ocasião da lua nova indicando o equinócio da primavera, ou seja, um dos momentos em que o sol se aproxima da linha do equador, onde os dias e as noites têm a mesma duração. Esta mesma experiência de vinculação Homem-Natureza, celebrando a renovação da vida através do início de um novo ciclo proporcionado pela Mãe Natura, também está presente em outros povos. Para anunciar o Novo Ano que se iniciava os Gregos utilizavam um bebê como tradição simbólica, desfilando com ele em homenagem a Dionisius, o deus do vinho. O ritual representava o espírito da felicidade pelo renascimento anual deste deus. Os espiritualistas também comemoram o seu novo ano esotérico por ocasião do equinócio da primavera. O que faz com que o equinócio da primavera seja um momento tão extraordinariamente celebrado? Imaginem um mundo totalmente sob o gelo, onde nada germina, onde todos os seres correm risco à integridade física, onde sabiamente a Mãe Natureza dotou alguns de seus filhos da habilidade de hibernar para sobreviver. Imaginem agora se este estado de coisas não tivesse fim. Seria a extinção de muitas formas de vida. Sentem agora o gelo derretendo vagarosamente, dando lugar a uma vegetação nascente. O que concretamente isto significava para os nossos ancestrais? VIDA. Experencialmente sabiam que este momento era a possibilidade real de renovação da existência, portanto, de fato, um novo ano de existência e de realizações materializadas e não, tão somente, filosoficamente desejado. Curiosamente a palavra Réveillon vem do francês e significa “despertar” e a palavra janeiro decorre de Jano, o deus dos portões (dos portais). Também nominado de Porteiro Celestial, este deus é o protetor das portas das casas, do começo do dia, da semana, do mês, do ano. Sabemos que toda porta se volta para dois lados diferentes. Tudo isto é muito sugestivo. De alguma forma, as ressonâncias da sabedoria ancestral assopram em nossos ouvidos que se faz necessário renovar para continuar existindo, que se faz necessário “despertar” para poder concretizar, materializar o que, de fato, somos como seres. O processo é tão grandioso que precisamos ser assistidos pelas poderosas forças numinosas de nosso inconsciente. E então, ficaremos sob o gelo ou construiremos uma primavera doadora de vida? Feliz Ano Novo!


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foco analítico

Psicologia infantil sob a ótica junguiana

RAUL CAMPOS ROMAGNOLI, acadêmico do 5º ano de psicologia da UNICESUMAR

Carl Gustav Jung não se deteve ao estudo de fases do desenvolvimento do psiquismo na infância, em contrapartida – a maior parte do tempo – Jung esteve dedicado aos fenômenos desencadeados a partir da segunda metade da vida (metanóia), entre os 35 e 40 anos de idade. Obviamente, pouco se falava de uma psicologia do adulto naquele momento, enquanto a maior parte dos estudiosos contemporâneos a Jung estavam focados em determinar as fases do desenvolvimento do psiquismo na infância. Embora Jung não tenha dedicado muito espaço à psicologia infantil em sua obra, o pouco que ele fala acerca do psiquismo infantil é suficiente e vasto para lastrearmos um bom trabalho clínico com crianças. Para Jung (2011), a criança ainda não tem nenhum problema pessoal, mas sua complexa psique constitui um problema de primeira grandeza para os seus pais, educadores e médicos. A partir dos estudos de Jung acerca da constituição do psiquismo infantil podemos concluir que na mais tenra infância, não existe o complexo do eu (ego) ou consciência sendo que tudo está contido no inconsciente. De acordo com Edinger (1995), neste período o ego latente encontra-se completamente identificado ao Si-mesmo (Self). O Si-mesmo nasce, mas o ego é construído; e, no principio, tudo é Simesmo. Neste caso, Edinger faz menção ao estado descrito por Neumann como a uroborus (representada por uma serpente mordendo a própria cauda). Em outras palavras, pode-se compreender que no estágio infantil da consciência nada depende do sujeito; a criança não tem consciência, ainda não sabe o que é problema, logo, não os têm. Neste período a criança ainda depende inteiramente dos pais, ela existe fisicamente – teve seu nascimento material –

porém seu psiquismo ainda encontra-se em processo de gestação e, o nascimento psíquico, juntamente com a diferenciação consciente em relação aos pais ocorre apenas na puberdade, como descrito por Jung. Até que a criança atinja a puberdade, sua vida psicológica é governada basicamente pelos instintos e, por esta razão, ela não conhece nenhum problema. Partindo desta perspectiva, é imprescindível que se trabalhe com a criança, fornecendo a ela a possibilidade de concretizar sua existência psíquica experimentando a possibilidade de se “esculturar”, para mostrar-se através dos símbolos graças a sua criatividade, e alquimizar o seu complexo do eu (ego), ainda latente, transformando-o por meio de experiências diretas e, desenvolvendo concomitantemente, um trabalho de escuta e orientação com os pais, uma vez que estes apresentam problemas e dificuldades relacionadas à natureza instintiva do filho. As sessões de psicoterapia infantil apresentam a finalidade máxima de possibilitar à criança a manifestação de seu potencial criativo. Jung se utilizou da linguagem artística como parte do tratamento psicoterápico por entender que a criatividade manifestada por intermédio da arte, auxiliava a compreensão intelectual e emocional, possibilitando ao analisando a organização de seu caos interior. Vale lembrar que, todo processo de criação representa, originalmente, tentativas de estruturação viabilizadas por um processo de transferências simbólicas do homem à materialidade das coisas. A criação de algo novo parte da soma e da organização de diferentes materiais, não existe criação sem que se tenha a matéria prima. O mesmo se dá com relação ao complexo do eu; se faz necessário que o individuo disponha de experiências e, em seguida, que ele possa

organizar o material resultante de suas experiências. O uso de brinquedos e materiais que permitam a expressão artística na psicoterapia proporciona à criança, ou mesmo ao individuo adulto, a possibilidade de externar e tornar material sua realidade interna e, não obstante, permite a este individuo, olhar diante de si seu próprio mundo interior tendo então, a oportunidade de conhecê-lo e construí-lo dentro de suas possibilidades individuais, desenvolvendo sua subjetividade e buscando formas de ajustar-se ao meio abstendo-se de negligenciar sua vida psíquica em prol do coletivo, uma vez que a criação é algo único, exclusivo, e personalizado. Em contrapartida ao que observamos em analisandos adultos que, acabam por estabelecer uma ruptura com o Si-mesmo devido à racionalização, perdendo o elemento simbólico, a criança apresenta poucas barreiras defensivas, que resulta numa expressão mais livre e espontânea, o que nos possibilita perceber o material simbólico, arquetípico, concretizar-se, uma vez que a criança mantém contato direto com o inconsciente, o que facilita o seu transitar no universo simbólico. Os arquétipos podem ser apreendidos apenas por intermédio de aspectos presentes em estruturas configuradas, deste modo eles acabam por se organizarem em representações interiorizadas chamadas de imagens arquetípicas que, em outras palavras, são simples apresentações de determinados ângulos de um padrão em foco, como aspectos representativos do material individual, por estarem interligados a uma determinada situação especial. Deste modo, as imagens intermedeiam a ligação entre os elementos concretos e os atributos essenciais do ser.


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roda de psicanálise

“A espinhosa relação entre indivíduo e Cultura” SAMARA MEGUME RODRIGUES é psicóloga clínica (CRP 08/18324), idealizadora e colaboradora da Roda de Psicanálise

Num dia de frio de inverno um grupo de porcos-espinhos se aconchegou bastante, para se esquentarem mutuamente e não morrerem de frio. Contudo, logo sentiram os espinhos uns dos outros, o que os fez novamente se afastarem. E quando a necessidade de aquecimento os aproximava de novo, repetia-se o segundo mal, de modo que eram impelidos de um sofrimento para o outro, até acharem uma distância média que lhes permitisse suportar o fato da melhor maneira. (Freud, 1921, p.56) Essa parábola foi escrita originalmente por Schopenhauer e citada na íntegra em nota de rodapé por Freud em Psicologia de Massas e análise do Eu (1921). Em Freud ela é usada como alegoria para afirmar que toda relação sentimental íntima e prolongada entre pessoas contém afetos de aversão e hostilidade, que apenas devido ao recalque não podem ser percebidos. Entendendo essa passagem como metáfora da relação indivíduo-cultura, temos de início dois impossíveis: o frio e o espinho. Pois o frio aparece como impossibilidade de sobreviver sozinho (uniam-se para não morrer), o espinho representa as dificuldades de se viver junto (separam-se para não furar uns aos outros). Tal como os porcos espinhos, existiria para o sujeito em sociedade um meio-termo, em que ele possa viver em harmonia com a cultura? Seguindo o pensamento freudiano, podemos encontrar as duas respostas: sim e não. A compreensão do vínculo incompatível entre sujeito e cultura não é linear e homogênea e a maneira como cada analista lê e responde a essa inicial incompatibilidade leva a diferentes posicionamentos clínicos, que se desdobram em determinada ética, estética e política da sua prática. Freud(1930) define a cultura como a somas das realizações que distingue homens e animais, cuja finalidade seria proteger o homem da natureza e regular as relações deles entre si. Assim, ela compreende tanto o desenvolvimento material (instrumentos), quanto o simbólico: normas, leis, moral. O sujeito necessita da cultura, para se constituir como humano. Somos seres sociais, porém não sem dor e sacrifícios. Nossa civilização repousa, falando de modo geral sobre a supressão dos instintos” (Freud, 1908, p.173). Para conseguir viver em sociedade cada indivíduo precisa renunciar uma parte da sua onipotência e da agressividade, sendo que dessa renuncia surgem tanto os sintomas/patologias psíquicas, quanto o acervo cultural de bens materiais e simbólicos. Primeiramente, Freud revela em “Moral Sexual Civilizada” (1908) que a neurose não é apenas uma formação do inconsciente, mas produto da intersecção deste com a modernidade. O processo civilizatório doma as pulsões em impulsos de meta

inibida, ou seja, eles são “anestesiados”, incorporados às grades do decoro social. Mas a repressão não ocorre sem um preço alto - o empobrecimento subjetivo/ erótico/de prazer. A neurose acaba sendo a moeda paga para sair da barbárie. Portanto, [..] “se o neurótico possui sintomas, ele é também o sintoma vivo da cultura” (Assoun, 2012, p.15). Neste período de seu desenvolvimento teórico Freud(1908) ainda se encontra dentro do pensamento iluminista, no paradigma da ciência moderna. Nesse contexto, ele irá enunciar a hipótese de que a psicanálise pode oferecer uma resposta resolutiva para o conflito indivíduo-cultura, podendo assim, aplacar os males gerados pela moral sexual civilizada (Freud, 1908). Essa hipótese será questionada na segunda tópica, sendo quebrada junto com o abandono da crença na racionalidade moderna e no iluminismo. Totem e Tabu (1913), Psicologia de Massas e análise do eu (1921), O Futuro de uma ilusão (1927), são trabalhos que problematizam as origens da cultura e da moralidade, a metapsicologia das instâncias ideais (normas, leis), o sentimento de culpa resultante dos laços de aculturamento, bem como o original desamparo do ser humano – Freud aprofundará a compreensão de que o ser humano não concebe a própria história isoladamente, necessitando sempre do vínculo afetivo do outro para viver e se desenvolver. Em o Mal-estar na Cultura (1930), o impasse maior para a constituição de uma ordem social não será mais a oposição simplista entre exigências de trabalho pulsional que afligem o sujeito e as limitações impostas pela cultura, mas o próprio trabalho silencioso da pulsão de morte manifesta na agressividade, na força destrutivo-disjuntiva que existe em todo indivíduo. Inicialmente a vida é dispersão, o aparelho precisa realizar um intenso trabalho para capturar os processos psíquicos, ligando-os (pulsão de vida/princípio de prazer). A vida precisa ser conquistada, pois inicialmente ela tenderia ao inorgânico, exigindo do sujeito grande esforço para se manter e se desenvolver. Desta forma, a crença na cura do sofrimento em sociedade se mostrará insustentável. Pois dentro do sujeito existe uma força originária que o impele a destruição. Freud (1930) então quebra com as pretensões de uma harmonia possível entre indivíduo e sociedade, pois nada nos curará do desamparo e de nossa agressividade. Não existem fórmulas para aplacar os conflitos humanos. A ciência não pode curá-los. Cada um precisa construir as próprias saídas, cuidar dos espinhos, pois o ser humano é singular: “Não há conselhos que sirva a todos, cada um precisa experimentar a maneira particular pela qual pode se tornar feliz” (Freud, 1930).

Em Considerações atuais sobre a Guerra e a Morte (1915) Freud abandona a pretensão de colocar a psicanálise como salvadora dos conflitos da humanidade. Aliás, ele faz críticas ao próprio saber científico, entendido como promessa ilusória. Todo saber é falho. É justamente nesse ponto que subjaz a verdade do sujeito: onde ele se perde, tropeça na linguagem, onde o sujeito não pensa, ele é. O campo dos lapsos é o espaço da verdade do inconsciente, para além da razão. Se existe estabilidade na situação dos porcosespinhos ela é provisória e instável. Onde há vida, há conflito. Viver é se movimentar, insistir e resistir no e diante do desamparo. A morte e a doença, ao contrário, são paralisia. Nessa compreensão, o objetivo da psicanálise não seria de adaptar o sujeito, resolver suas desordens, abafando seus desejos. Entre indivíduo e cultura não há distância intermediária pré-fixada que sirva de modelo. Na alegoria de Schopenhauer a existência dos espinhos pode ser vista como uma barreira contra a simbiose - a fusão completa com o outro - mas ela também diz fundamentalmente do mais áspero que há em nós: a sexualidade e agressividade, bem como os caminhos pelos quais foram construídos seus destinos. Daí a complicação: como propor um modelo de harmonia sendo que tudo irá depender dos espinhos e do seu poder de incomodar os outros? A psicanálise não pode ser um código para aplacar as incertezas humanas. Mas sim, um instrumento de crítica aos códigos. Guiado por essa compreensão, o ofício da interpretação é mover o sujeito, no sintoma ou na transferência, do lugar daquele que repete para o lugar daquele que cria. Para isso, o sujeito tem que renunciar à tendência, demasiada humana, de buscar amparo em substitutos do pai (moralidade), movimento que gera vínculos espinhosos, calcados em um supereu de culpa e mortificações. Freud iniciou seu percurso com um Projeto e terminou com um Esboço. A Psicanálise para ele não foi uma teoria dogmática, pois a todo o momento problematizava-a. Sabia-a falha, incompleta. Ela não dá a receita para cada sujeito. Ela precisa ser criada e redescoberta a cada sessão. Nessa aventura, só não nos tornamos temerários, se a prática estiver bem fundamentada em uma teoria. O inconsciente permanece como eterna pergunta, onde sobra sempre um impossível de dizer. Esse vazio, pode ser uma ameaça de encontro com o nada, mas também é potência. Ele pode vir a ser (e é) o índice de criação, o que nos move. Do caos pulsional à palavra, do adverso narram-se os versos, ampliamos os lados: con-versamos! A análise abre caminhos, erotiza a vida, movimenta o circuito pulsional. Psicanalisar é inacabar.


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entrevista JPF: Quais seriam as diferenças mais relevantes entre a Psicanálise de Lacan e Freud?

Débora Patricia Nemer Pinheiro. Psicanalista. Professora da Universidade Positivo. Psicologa do Hospital de Clinicas/ UFPR Crp: 08/4635

Freud em seu último texto de 1938- Esboço de Psicanálise resume o trabalho analítico às seguintes fontes: as informações dadas pelo paciente e por suas associações livres; daquilo que ele mostra na transferência; daquilo que se chega pelas interpretações dos sonhos e daquilo que se revela pelos lapsos e parapraxias. Diante deste material o analista fará construções acerca do que aconteceu ao paciente e foi esquecido, sem deixar de considerar o tempo propício para comunicar ao paciente, caso contrário acentuará as resistências do analisante. Já em Lacan, especialmente com o acento dado ao conceito de real indica uma direção de tratamento diferente. Em meus estudos tenho percebido que inicialmente Lacan realiza aquilo que ele próprio determinou como Retorno à Freud. Identifico em Lacan um leitor e intérprete da enunciação presente na produção freudiana que ultrapassa os enunciados conceituais e técnicos. Dito de outro modo, Lacan trouxe à tona o conteúdo latente da obra freudiana, afirmando que tudo aquilo que ele disse estava em Freud e atribui a si mesmo como conceito inédito e não presente na obra freudiana, o conceito de “objeto a”. Este conceito me parece demarcar um divisor diferente para o tratamento psicanalítico porque o “objeto a”, tal como Quinet esclarece, não é um objeto do mundo sensível, empírico. No entanto, qualquer objeto deste mundo que satisfaça a pulsão e cause o desejo ou provoque a angústia pode fazer função de objeto a. Este objeto não tem a materialidade das palavras nem a forma dos objetos físicos. Assim, não é nem simbólico e nem imaginário, sendo da ordem do real, portanto um objeto que condensa o gozo. Por isso entendo que uma análise entendida e conduzida pelo Real, ou seja, pelo reconhecimento de que sempre há uma parte da experiência do sujeito que

escapa na análise produzindo um limite para a experiência, impõe uma escuta e interpretação na direção da falta ao invés do material advindo das fontes anunciadas por Freud, ainda que passe por elas também em uma análise lacaniana. JPF: Como se sabe o tempo da sessão com o psicólogo lacaniano funciona diferente das outras abordagens. Como funciona o tempo lógico trabalhado na clínica? Primeiramente destaco que desde Freud o tempo necessário para um trabalho psicanalítico é indeterminado e não pode ser definido a priori ou prometido ao analisante qual será o tempo total de duração de um tratamento analítico. Lacan, acrescenta a indeterminação temporal também para a duração de cada sessão. Esta concepção surgiu do conceito de Tempo Lógico que essencialmente propõe um momento de subjetivação que pode ser forçado a acontecer através de uma combinação propicia de condições que incluem o raciocínio lógico e analítico. Para maior compreensão desta questão, sugiro a leitura do artigo lacaniano: O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada (livro: Escritos. Editora Zahar). Nesse texto Lacan assinala a emergência do sujeito em uma situação muito precisa diante de uma série de limitações. Os momentos elaborados nesse trabalho: o instante de ver; o tempo de compreender e o momento de concluir foram relacionados aos momentos do processo analítico. É neste contexto que a figura do corte em um determinado momento da análise ficou conhecida como sessões curtas. No entanto, é muito importante ressaltar que o corte somente produz efeitos quando atinge a posição subjetiva em sua relação com o gozo, caso contrário ficará descontextualizado perdendo o efeito de antecipação esperada e o corte no gozo presente na fala dos analisantes quando por exemplo insistem em relatar e justificar os motivos do seu sofrimento e normalmente

responsabilizando o outro pelo mal estar que o acomete. JPF: Qual o caminho para a formação de orientação lacaniana? A formação de um analista continua perpassando pelo tripé constituído pela realização da análise pessoal; a supervisão do atendimento realizado pelo analista e o estudo da teoria psicanalítica. Através da participação em grupos de estudos, seminários, e principalmente da modalidade de trabalho denominada cartel. O cartel designa um pequeno grupo composto por no mínimo três pessoas, no máximo cinco, mais uma encarregada da seleção, da discussão e do encaminhamento a ser dado ao trabalho de cada um dos participantes. O cartel também tem entre as suas condições de funcionamento ter de se dissolver após um tempo que não pode ser muito longo apresentando-se um texto escrito sobre o tema trabalhado. O objetivo de um cartel é menos de acumular um saber e mais de resolver um enigma, uma questão analítica que interroga os participantes. JPF: E qual obra literária você indica pra quem deseja conhecer melhor Lacan? Sugiro alguns títulos e autores que colaboram para o início da formação ainda que nenhum estudioso da psicanálise, tampouco um analista deve recuar diante da sua formação de fazer a leitura e o estudo direto de toda a obra produzida pelos grandes mentores da psicanálise, especialmente Freud e Lacan. Dai advém a máxima de que a formação de um analista é contínua tal qual nos alertou Freud de que a análise tem sua faceta terminável e interminável. Algumas sugestões de leitura: Elisabete Roudinesco, e Jacques Lacan. Esboço de uma vida, história de um sistema de pensamento; comentadores da obra lacaniana que aprecio: Antônio Quinet; Antônio Godino Cabas; Marco Antônio Coutinho Jorge; Jacques Alain Miller.


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dica de filme

Amor: pacote completo É engraçado – e também revoltante, depende do humor – a imagem que os romances açucarados e as comédias românticas pastelões vendem do que é estar em um relacionamento amoroso. Não estou aqui em posição de crítica a esses títulos, pois todo mundo precisa de um feel good movie, já que cinema também é escapismo e entretenimento. No entanto, o que é preocupante é a assimilação da ficção com a realidade e a provável frustração da pessoa que projeta a real relação a dois em um conto de fadas cor-de-rosa que assistiu no Telecine Touch. Claro que o amor é causador de momentos inesquecíveis de felicidade, mas se fosse somente isso, seria motivo

ELTON TELLES é jornalista, proprietário da Vila Ópera - Agência de Conteúdo e editor do blog Pós-Première, hospedado no portal Jornal de Londrina

para desconfiança. Em resposta a tantos filmes unidimensionais que posicionam o amor como a salvação de um problema, cito aqui outros roteiros que retratam esse sentimento com uma dose a mais de compromisso com a realidade e que, para além de encará-lo como a resposta, muitas vezes é a origem da dúvida. Realista e sem concessões, “Namorados Para Sempre” talvez seja o mais devastador. Narrado em flashbacks, o filme mostra como até o mais belo namoro entre dois jovens pode, em pouco tempo, se transformar em um casamento imerso em angústias. O mais curioso da obra é a difícil tarefa de se posicionar do lado de um dos personagens, porque ambos são

imperfeitos e oscilam entre a razão e a imaturidade. O mesmo pode se aplicar aos jovens de “Totalmente Apaixonados”: dois adolescentes que se amam, mas cuja distância não os permitem ficar juntos. Assim, eles tentam se esquecer nos braços de outras pessoas. Bobagem, até porque o colo do outro nunca é corretivo para o passado. Mas, ao término da sessão, fica uma sensação estranha de que, estando juntos, o amor que os acompanharia dali em diante não será o mesmo que dividiram quando se conheceram. A distância os tornaram diferentes, rumou cada um a caminhos distintos e, embora o amor “prevaleça”, talvez a separação fosse a solução.

E para finalizar, o cineasta austríaco Michael Haneke faz um delicado retrato sobre a morte, o tempo e lança a pergunta “vale tudo por amor?”. Em “Amor”, um idoso tenta lidar com a doença terminal da esposa e, conforma a história avança, o amor (ou a falta dele, depende do referencial) vai levar o personagens a ações imprevisíveis. Quer estar em um namoro/casamento? Legal! Mas não se iluda: junto aos bons momentos, prepare-se para o inesperado. E não quero soar pessimista, só acho mais sábio as pessoas estarem prontas a enfrentarem todos os cenários: seja de “Uma Linda Mulher” ou de qualquer um dos filmes citados acima.

dica de LIVRO

Maus – A história de um sobrevivente

GEISI MARA RODRIGUES é Psicóloga (CRP 08/15152), formada pela UniCesumar, Mestre em Psicologia pela UEM. Docente do curso de Psicologia da UniCesumar e psicóloga da Prefeitura Municipal de Maringá.

Em meu mundo das descobertas literárias, 2013 vai ficar marcado pelo início da leitura de quadrinhos, ou graphic novels. Poxa! Existia um universo incrível e eu desconhecia, como tantos outros. Baseada em leituras da infância, fui pensando: “Vou ler só para relaxar e me divertir. Afinal, quadrinho é para isso, não é? Chega de leituras pesadas sobre guerra e trauma. Au revoir, universidade!”. Ledo engano. Como disse nosso velho conhecido judeu infiel, Freud (1907, p.46), “a fuga é o instrumento mais seguro para se cair prisioneiro daquilo que se deseja evitar”. E eis que minha leitura de HQs começou, precisamente, sobre a guerra com Joe Sacco e a guerra na

Bósnia Oriental. Leitura recomendada. Mas ainda não se comparava com a leitura que eu faria a seguir de Art Spiegelman: Maus – A história de um sobrevivente. Foi o que chamamos de soco no estômago. judeus, de origem polonesa, sobreviventes de Auschwitz. Vivendo nos Estados Unidos, já adulto, Art começa a ouvir e retratar a história de seu velho pai Vladek Spiegelman, pois, como é intitulado o primeiro capítulo do livro, seu pai sangra história. A narrativa da perseguição pelos nazistas, as vivências no campo de concentração, os meios de sobrevivência e todas as consequentes e terríveis perdas são entrelaçadas com as vivências atuais do pai e filho

- na época de criação do livro a mãe de Art já estava morta, cometera suicídio anos antes. Os conflitos entre pai e filho e o jeito ranzinza do pai não são escondidos. Mas toda a sorte afetos entre ambos torna a narrativa mais emocionante porque marca a humanidade daqueles dos quais o nazismo tentou retirá-la. A grande particularidade de Maus está em que todos os envolvidos nessa catástrofe que foi a Shoah – terminologia que substitui o tão religioso “Holocausto” – são representados como animais. Para começar, judeus são desenhados como ratos (Maus significa rato em alemão) alemães são gatos e poloneses nãojudeus são porcos. Uma fina ironia presente no livro todo. Não entrarei na discussão da possibilidade de representar Auschwitz. Para mim, Art Spiegelman fez a faz historia. História de si. História do pai. E história nos quadrinhos, foi o primeiro quadrinista a ganhar o prêmio Pulitzer, em 1992. Se a leitura não fosse uma experiencia particular, eu diria que Maus é leitura obrigatória.


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ACONTECEU

MAYARA M. C. DOS SANTOS é Doula e Psicóloga CRP 08/18729.

Entre os dias 16, 17 e 18 de Outubro houve em Curitiba II Colóquio Internacional de Psicanálise, que teve como tema proposto: “Qual ética para o nosso tempo? A questão da ética na prática e na formação do psicanalista”. Foram dias com escuta de produções dignas, contando com a participação de juristas que puderam, de um outro lugar, contribuir com o Colóquio quanto a questões que permeiam a ética, em especial ao situar e retratar a realidade Brasileira, ao lugar que tem sido dado à função paterna, a questionamentos quanto a limites, regras e lei. Interessante se fez o percurso em que as falas, as produções de várias regiões do Brasil: Paraná, Bahia, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul e também da França instigaram questionamentos no que condiz à prática da psicanálise lacaniana, escutando e percebendo o sujeito a se reinventar (Sandra Pereira), reconhecendo a ética da psicanálise como subversiva, pela liberdade que beira a loucura (Carlos Remoir), gozo no funcionamento de perda para surgir o novo, a invenção, tomada de posição

(Maria Clara de Assis Brasil), inferência do ato de se drogar (Gledson Brugnolo dos Santos), ética na função estética (Alberto May), inconsciente ético e não ôntico (Letícia Fonseca), indivíduo e seus rótulos (Fernando Hartmann), sujeito como artesão de seu desejo (Aurélio de Souza), busca dos jovens de uma conduta correta (Marcus do Rio Teixeira), analista retomar análise quando “parece tudo escurecer” Angela Valore, o lugar do analista, como bem colocado por Dulce Duque Estrada “Cabe ao analista escutar o sujeito, até que ele se coloque a escutá-lo”. Então foi possível compreender, como colocou Roland Chemama em seu texto “O engajamento do analista, da clínica à ética” sobre a angústia que deveria sufocar o analista, reconhecendo que este sofre junto ao paciente, mas ao evitar respostas prontas, com engajamento ético singular, é possível a partir do desejo do analista reinventar a psicanálise. Fica aqui o convite àqueles que se veem atravessados pela psicanálise a participar dos próximos Colóquios, Seminários, Jornadas dentre outros espaços de transmissão psicanalíticos.

Reflexões sobre felicidade, prazer e ética No dia 26 de novembro, a Oficina do Saber encerrou sua programação de 2014 com a palestra “Felicidade, prazer e ética: reflexões filosóficas” conduzida pelos doutores em Filosofia Carlos Eduardo Lopes e Carolina Laurenti. A oficina analisou a busca desenfreada do prazer na sociedade atual que tem sido uma das principais responsáveis pela manutenção do consumismo. Os palestrantes apontaram a relação entre prazer e felicidade tanto na filosofia dos plantonistas como na filosofia marginalizada de Epicuro e baseando-se na obra deste, em especial em sua carta sobre a felicidade, defenderam uma “dietética dos prazeres”, ou seja, o uso dos prazeres como uma possibilidade de reverter o consumismo.

ACONTECEU

Ciclo de palestras “Falando de psicanálise” na UEM No dia 12 de novembro a Universidade Estadual de Maringá deu início ao ciclo de palestras “Falando de Psicanálise” e contou com o apoio do Laboratório de Estudos e Pesquisa em Psicanálise – LEPPSIC; Programa de PósGraduação em Psicologia – PPI; e da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Maringá – EPPM. A primeira palestra foi ministrada pela Psicóloga Juana Ester Kogan, a qual apresentou o resultado da sua dissertação de Mestrado de Buenos Aires, intitulado “Uma história com um final feliz: Um estudo psicanalítico de casais

inférteis que engravidam após a adoção de uma criança”. Para o seu trabalho, Juana contou com a participação de 5 casais que em algum momento de sua relação conjugal adotaram um filho, os quais foram tema de estudo para sua pesquisa. Ela falou também sobre os indivíduos em geral e as relações que ocorrem entre o intrasubjetivo, intersubjetivo e a cultura. Chamou de final feliz o fato de que todos os casais que adotaram filhos, um tempo após a adoção, tiveram filhos biológicos.

As nossas (des)conhecidas emoções A Oficina do Saber recebeu nos dia 5 de novembro o professor Dr. Eduardo A. Tomanik que abordou o tema “As nossas (des) conhecidas emoções”. Segundo Tomanik todos nós reconhecemos a existência e a importância das emoções, no entanto, sabemos muito pouco sobre elas. Partindo da concepção de que as emoções são processos complexos e dinâmicos, Tomanik lançou uma compreensão mais ampla sobre os fenômenos afetivos, através de reflexões sobre alguns dos elementos que compõe os nossos afetos.


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JORNAL PSICOLOGIA EM FOCO

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