Pessoas, A Prioridade

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PESSOAS, A PRIORIDADE

Foi no cenário das Caves do Vinho do Porto que as pessoas reclamaram o seu papel no centro das cidades inteligentes. A 24 de Outubro, especialistas de vários cantos do mundo estiveram em Vila Nova de Gaia para a conferência Smart Cities: It’s all about people e deixaram claro que smart não tem apenas a ver com o uso da tecnologia, mas, acima de tudo, com uma estratégia virada para o cidadão. FILIPA CARDOSO De Curitiba a Londres, de Milão a Vila Nova de Gaia, passando por Lisboa e espreitando o Porto, vários projectos fazem a prova de que, no que toca às cidades inteligentes, as pessoas vêm sempre primeiro. O local foi intencionalmente escolhido: não haveria melhor maneira de afirmar que as cidades inteligentes só fazem sentido se estiverem integradas com a identidade e o património existentes do que debater o conceito nas Caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia. Foi desta forma que Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, deu as boas-vindas aos participantes da conferência Smart Cities: It’s all about people. “Fico feliz de que a abordagem smart city se compatibilize com o respeito pelos territórios consolidados. Este é o local perfeito para a iniciativa, unimos a modernidade e inovação 42 SC

com o que é o nosso património cultural, físico e histórico”, declarou. Ao anfitrião, juntaram-se, ao longo do dia, o autarca de Viseu, António Almeida Henriques, e o alcaide de Santander, Iñigo de la Serna. Não foi tanto pelas suas cidades que os dois governantes marcaram presença, mas, sim, em representação das redes de cidades inteligentes portuguesa a RENER Living Lab, e espanhola, a RECI. O debate resultou num reforço do compromisso de colaboração entre as duas redes, que contam com 91 cidades – 51 espanholas e 40 portuguesas. Para o futuro, ficou a perspectiva de alargar esta colaboração ao Brasil e outros países de língua portuguesa e ainda à América Latina. No desafio lançado por Iñigo de la Serna, ficou prometida a criação de uma rede ibérica de cidades inteligentes, com vista à troca e partilha de experiências e conhecimentos, facilitando eventuais candidaturas a fundos europeus.

O novo quadro comunitário foi um dos temas recorrentes nos discursos dos representantes das cidades portuguesas. Almeida Henriques mostrou-se preocupado com a possibilidade de as regras do Portugal 2020 “continuarem a focar-se na construção de estradas e não na sustentabilidade das cidades”. Já para Eduardo Vítor Rodrigues, o maior receio está no “centralismo de recursos”, que pode promover a desigualdade territorial (ver pág. 46).

DUAS ABORDAGENS Actualmente, a temática das smart cities é dominada por duas ideologias extremadas. Segundo Catarina Selada, da INTELI, a uma visão neo-liberal, determinada pela tecnologia e numa lógica comercial, opõe-se uma abordagem impulsionada pelas pessoas e pelas comunidades. “Não há cidades inteligentes que não sejam inclusivas”, referiu. “Uma smart city não se constrói

de forma radical, é um processo que nunca acaba”, sublinhou. Longe de ser uma matéria unânime, a definição de smart city vai encontrando vários caminhos. Para a organização internacional Smart Cities Council (SCC), será uma cidade que utiliza as tecnologias de informação e comunicação (TIC) para valorizar os seus bens, investe no capital social e humano para impulsionar o envolvimento do cidadão, valoriza a colaboração e a parceria para a concretização de objectivos. A visão, apresentada em Gaia por Sandra Baer, directora do SCC, refere ainda que, nestas cidades, os líderes tomam “boas decisões” e devem ser inovadores, receptivos à mudança, com visão, e sabem onde ir buscar dinheiro. As cidades não são apenas edifícios e infra-estruturas físicas, por isso “está na hora de fazer smart cities como deve ser!”, apelou Dan Hill, director executivo

A Rede Portuguesa de Cidades Inteligentes (RENER) é gerida pela INTELI e integra 40 municípios do país.

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“Ser uma smart city é um processo, não um fim em si” CATARINA SELADA, INTELI

“Podemos caminhar em diferentes estádios, a diferentes velocidades, mas com uma estratégia clara que junte municípios, a indústria e a investigação” ANTÓNIO ALMEIDA HENRIQUES, RENER LL e CM Viseu

“Se queremos que seja tudo sobre as pessoas, temos de começar pelas suas necessidades. Os governos devem responder a essas necessidades e melhorar a qualidade de vida” CATERINA SARFATTI, cidade de Milão

“Uma smart city sem a dimensão das pessoas seria apenas uma clever city” EDUARDO VÍTOR RODRIGUES, CM Vila Nova de Gaia 44 SC

do Future Cities Catapult. O britânico apontou três passos fundamentais nesse sentido: deixar de pensar em estratégias para uma smart city e adoptar apenas a “estratégia para a cidade”; utilizar um novo interface de sensores, já que os cidadãos têm hoje melhores ferramentas para isso do que os governos; e a introdução de um novo contrato social. No que toca à tecnologia, é preciso cuidado, alertou, já que esta nos pode levar pelo caminho errado. Hill recorreu às palavras de Cédric Price e deixou a interrogação: “a tecnologia é a resposta, mas qual é a pergunta?”. Responsável pelas áreas de inovação e ambiente no Porto, Filipe Araújo acredita que “o avanço das cidades será feito por políticas impulsionadas pela informação [dados]”. A Invicta tem sido bastante activa no que toca à utilização de dados abertos, o que se traduziu num caso de sucesso no sector do turismo. “A Câmara Municipal apenas disponibilizou os dados, o resto foi feito por empresas privadas”, contou. A chave para este sucesso, de acordo com o responsável, foi também o respeito pela herança cultural. A Sul, Lisboa quer ser uma das cidades mais competitivas, inovadoras e criativas da Europa. O empreendedorismo alfacinha reflecte-se hoje na multiplicação de espaços de incubação de empresas e start-ups na capital, que deverão chegar aos cinco em 2015, referiu Paulo Soeiro de Carvalho. O director de inovação da cidade de Lisboa apontou ainda uma nova tendência: “makers”, a fabricação personalizada

urbana. Numa lógica de ecossistema empreendedor, uma cidade como Lisboa deve ser criativa, em particular no que respeita à reabilitação urbana – “Lisboa não tem capacidade para criar projectos greenfield, tem de integrar novos projectos naquilo que a cidade já é”, afirmou.

EXEMPLOS PELO MUNDO Em 2030, Londres espera ter 9,8 milhões de habitantes. Para fazer face a cenário, a cidade está a levar a cabo um plano para se tornar mais inteligente, contou Daniel Barret, da Greater London Authority. Identificados os principais desafios – edifícios e mobilidade -, a estratégia passa por usar o poder criativo das novas tecnologias para servir a cidade e os seus habitantes, explicou Barret. Foi debaixo da iniciativa europeia Smart Cities and Communities, lançada em 2011, que Milão decidiu mudar. “Foi uma boa desculpa para envolver os stakeholders da cidade”, contou Caterina Sarfatti. Seguindo as indicações de Bruxelas, energia e mobilidade foram as prioridades, mas rapidamente a cidade italiana se apercebeu de que era preciso actuar na integração de outros sectores. Apontando a economia de partilha e os serviços colaborativos como os novos modelos de desenvolvimento local, Sarfatti defende o “confronto” com outras cidades europeias como uma boa forma de encontrar soluções comuns e caminhar para cidades inteligentes.

Determinante para o funcionamento das cidades, a mobilidade é um dos pontos centrais do trabalho do Ceiia – Centro de Excelência para a Inovação na Indústria Automóvel. Tendo o projecto Curitiba Ecoeléctrico, no Brasil, como pano de fundo, André Dias deu a conhecer uma nova forma de ver a mobilidade: como um serviço, uma utility. A esta ideia, junta-se também a definição de mobilidade “plena”. De Curitiba passamos para a “cidade maravilhosa”, onde o Ceiia está também a desenvolver um projecto com base num “Sistema de Mobilidade Inteligente, de forma criativa, colaborativa e inclusa que reforce a ligação entre a Maré e o Rio”, contou Miguel Pinto. Para lá dos casos de estudo, as Caves Ferreira ouviram ainda falar de como utilizar a inteligência colectiva para promover cidades melhores. A apresentação esteve a cargo de José Carlos Mota, docente na Universidade de Aveiro, num painel moderado pelo vice-reitor da Universidade do Minho, José Mendes. Ao longo do dia, o debate contou com nomes como Andreea Strachinescu, da Direcção-Geral de Energia da Comissão Europeia, Murilo Farah (Benfeitoria, Brasil), Carlos Oliveira (Invest Braga), João Caetano (INTELI) e, no encerramento, Daniel Couto, da GaiaUrb. Smart Cities: It’s all about people foi o tema escolhido para aquela que foi a segunda conferência neste âmbito realizada pela INTELI, em colaboração com a Rede Smart Cities Portugal e o Ceiia. Fotografia © CM Vila Nova de Gaia SC 45


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