V.5, N.1, FEV.2012 - ISSN 1984-3577
ISSN 1984-3577
S達o Paulo, v. 5, n. 1, fev. 2012
2012 Intertox Periódico científico de acesso aberto, quadrimestral e arbitrado meses: (2) fevereiro, (6) junho e (10) outubro. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte. As opiniões e informações veiculadas nos artigos são de inteira e exclusiva responsabilidade dos respectivos autores, não representando posturas oficiais da empresa Intertox Ltda. Seções Artigo Original; Artigo de Atualização; Comunicação Breve; Ensaio; Nota de Atualização e Revisão Idiomas de Publicação Português e Inglês Contribuições devem ser enviadas para <m.flynn@intertox.com.br>. Disponível em: <http:// revinter.intertox.com.br>. Normalização e Produção Website Henry Douglas Capa Henry Douglas Projeto Gráfico Henry Douglas RevInter – Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade. / InterTox uma empresa do conhecimento. – v. 5, n. 1, (fev. 2012).- São Paulo: Intertox. 2012. Quadrimestral ISSN: 1984-3577 1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento. Biblioteca InterTox II. Título.
1. Ciências Toxicológicas. 2. Risco Químico. 3. Sustentabilidade Socioambiental. I. InterTox uma empresa do conhecimento. Biblioteca InterTox II. Título. Rua Turiassú, 390 - cj. 95 - Perdizes - 05005-000 - São Paulo - SP – Brasil Tel.: 55 11 3872-8970
http://www.intertox.com.br / intertox@intertox.com.br _______________________________________________________________________________________________________ RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 07-169, fev. 2012
Expediente Editor(a) Maurea Nicoletti Flynn Doutora em Oceanografia (USP) Com Especialização Ecologia Comitê Científico (2011-2013) Irene Videira Lima Doutora em Toxicologia (USP), Perita Criminal Toxicologista do IML-SP por 22 anos. Marcus E. M. da Matta Doutor em Ciência pela Faculdade de Medicina USP. Especialista em Gestão Ambiental (USP). Engenheiro Ambiental e Turismólogo. Moysés Chasin Farmacêutico-bioquímico pela UNESP-SP especializado em Laboratório de Análises Clínicas e Toxicológicas e de Saúde Pública. Ex-Perito Criminal Toxicologista de classe especial e Diretor no Serviço Técnico de Toxicologia Forense do Instituto Médico Legal da SSP/São Paulo. Diretor executivo da InterTox desde 1999. Ricardo Baroud Farmacêutico-Bioquímico Toxicólogo, Editor Científico da PLURAIS Revista Multidisciplinar da UNEB e da TECBAHIA Revista Baiana de Tecnologia.
Conselho Editorial Científico (2011-2013) Alice A. da Matta Chasin Doutora em Toxicologia (USP) Eduardo Athayde Coordenador no Brasil do WWI - World Watch Institute Eustáquio Linhares Borges Mestre em Toxicologia (USP), ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia, exProfessor Adjunto de Toxicologia da UFBA. Fausto Antonio de Azevedo Mestre em Toxicologia USP, ex-Diretor Geral do Centro de Recursos Ambientais do CRA-BA, ex-Presidente do CEPED-BA, ex-Subsecretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia. Isarita Martins Doutora e Mestre em Toxicologia e Análises Toxicológicas (USP), Pós-doutorado em Química Analítica (UNICAMP), FarmacêuticaBioquímica Universidade Federal de Alfenas MG. João S. Furtado Doutor em Ciências (USP), Pós-doutorado (Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill, NC, EUA). José Armando-Jr Doutor em Ciências (Biologia Vegetal) (USP), Mestre (UNICAMP), Biólogo (USF). Sylvio de Queiroz Mattoso Doutor em Engenharia (USP), ex-Presidente do CEPED-BA.
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Sumário TOXICOLOGIA Armas Químicas de Guerra – Parte II. Aspectos Toxicológicos
7
Abordagem integrada de testes em Toxicologia baseada em evidências
48
Risco Ecotoxicológicos do Metamidofós
62
Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador 77 Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico
62
ECOLOGIA DO ESTRESSE / ECOTOXICOLOGIA Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo
103
Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. 115 Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio JaguariMirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. 128 Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica 140 SOCIEDADE O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II
154
SUSTENTABILIDADE Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando)
162
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Editorial Atualmente, convivemos com uma crise ambiental de tal maneira evidente que desperta o interesse de toda a sociedade. Historicamente, o agravamento da situação ambiental iniciou-se no final do século XVIII, com a Revolução Industrial. A melhoria das condições de vida na sociedade, então verificada contribuiu para o crescimento populacional, gerando a necessidade de investimento em novas técnicas de produção, voltadas ao atendimento da demanda, cada vez maior, por bens e serviços. Tal fato resultou na intensificação da exploração dos recursos naturais e, conseqüentemente, no aumento da produção de resíduos poluentes. Os sinais de crise mais evidentes aparecem em problemas como: desertificação e perda da qualidade do solo causando a redução da produtividade de vastas áreas de terra; mau uso e poluição das águas, oceânicas e continentais; mudança gradual dos climas regionais como resultado das atividades urbanas e das técnicas agrícolas; extinção de espécies da fauna e flora silvestres e alteração dos sistemas naturais; e proliferação de organismos transmissores de doenças e epidemias. No contexto do agravamento da crise ambiental, a Ecologia, tradicionalmente definida como o ramo da Biologia que estuda as interações entre os organismos e seu ambiente natural, torna-se a "ciência do estresse”. A Revinter tem investido no debate amplo da crise ambiental, abordando temas pertinentes à toxicologia e ecologia. Neste número (que inaugura o volume 5, conduzindo a Revista ao importante marco de meia década de publicações) trazemos artigos de atualização relacionados ao peso da evidência em toxicologia e a estratégia integrada de testes, aos aspectos toxicológicos de armas químicas de guerra, e aos riscos ecotoxicológicos do metamidofós; ensaio sobre o encontro da Ecologia, Economia e Sociologia; e artigos originais que abordam o uso de biocritérios na avaliação de impactos causados por danos ambientais. Desejamos a todos uma boa leitura e convidamos a publicar e debater conosco encaminhando contribuições para m.flynn@intertox.com.br Maurea Nicoletti Flynn Editora
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Revisão Armas Químicas de Guerra – Parte II. Aspectos Toxicológicos. Camilla Gomes Colasso Farmacêutica e bioquímica, formada pela Universidade Paulista, Mestre em Análises Toxicológicas pela Universidade de São Paulo (USP/FCF). Cursos de Análises Toxicológicas de fármacos/drogas de abuso pela Universidade de São Paulo – (USP/FCF); Curso de Avaliação Qualitativa de Riscos Químicos – International Chemical Control Toolkit, Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho). Conhecimentos de técnicas analíticas como HPLV/UV; GC/NPD; CG/MS, em técnicas de preparo de amostras toxicológicas; monitorização biológica de exposição aos BTX. Analista de Risco Toxicológico da Intertox Ltda. E-mail: c.colasso@intertox.com.br
Fausto Antonio de Azevedo Farmacêutico-Bioquímico, USP; Especialista em Saúde Pública, USP; Mestre em Análises Toxicológicas USP; ex-Coordenador de Toxicologia da CETESB-SP; ex-Professor Titular de Toxicologia da PUC-Campinas;
ex-Diretor
Geral
do
Centro
de
Recursos
Ambientais CRA-BA; ex-Gerente de Vigilância Sanitária da Secretaria da Saúde-BA; ex-Presidente do CEPED-BA, exSubsecretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia do Estado da Bahia, ex-Superintendente de Planejamento Estratégico do Estado da Bahia. Professor e co-Coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Toxicológicas das Faculdades Oswaldo Cruz, São Paulo. Diretor da Intertox Ltda. E-mail: f.azevedo@intertox.com.br
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II – Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão Resumo Armas de guerra química são definidas como qualquer substância química cujas propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar, ferir ou incapacitar algum inimigo na guerra ou em operações militares. Diversos países possuem arsenal de agentes químicos, a despeito do esforço do mundo na tentativa de bani-los, sob a Convenção de Armas Químicas que entrou em vigor no ano de 1997. No entanto, a fabricação desses agentes não pode ser totalmente proibida, pois alguns têm potencial uso industrial. Além disso, apesar de medidas de correção tomadas até o momento e da condenação de sua utilização, há uma grande facilidade na fabricação dos mesmos. Os agentes químicos de guerra são classificados de acordo com o mecanismo de ação tóxica nos seres humanos, como (i) agentes neurotóxicos (ex. sarin, tabun, agente VX), (ii) agentes vesicantes e levisita (ex. gás mostarda, fosgênio oxima) (iii) agentes sanguíneos (ex. cloreto de cianogênio, cianeto de hidrogênio), (iv) agentes sufocantes (ex. fosgênio, cloro) e (v) toxinas (ex. ricina, saxitoxina). Neste artigo aspectos da toxicidade desses diferentes agentes são enfocados. Palavras-chave: Guerra Química. Agentes Químicos. Abstract War chemical weapons are defined as any chemical whose toxic properties are used in order to kill, injure or incapacitate an enemy in war or military operations. Several countries have an arsenal of chemical agents, despite the efforts of the world in an attempt to ban them, under the Chemical Weapons Convention entered into force in 1997. However, the manufacture of these agents cannot be forbidden totally, some of them are used in chemical industries. The chemical warfare agents are classified according to the mechanism of toxic action in humans, such as (i) nerve agents (eg. sarin, tabun, VX agent); (ii) vesicant agents and lewisite (eg. mustard gas, phosgene oxime); (iii) blood agents (eg.
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II – Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão cyanogens chlorine, hydrogen cyanide); (iv) choking agents (eg. phosgene, chlorine) and (v) toxins (eg. ricin, saxitoxin). In this paper different aspects of the toxicity of these agents are focused. Key-words: Chemical War. Warfare Agents. Introdução Os agentes químicos de guerra são definidos como qualquer substância química cujas propriedades tóxicas são utilizadas com a finalidade de matar, ferir ou incapacitar algum inimigo na guerra ou associado a operações militares (SMART, 1997). Conforme visto em publicação anterior estas substâncias têm sido utilizadas nas guerras desde tempos remotos, por exemplo, em 600 a.C. os atenienses envenenavam as águas de um rio com raiz de Heléboro, os inimigos consumiam a água e apresentavam intensa diarréia. Mas foi a partir da Primeira Guerra Mundial que estas armas ganharam a conotação de armas de destruição em massa, pois foram amplamente utilizadas com a finalidade de provocar injúrias e/ou mortes (COLASSO e AZEVEDO, 2011). Na Segunda Guerra Mundial algumas substâncias foram empregadas pelos alemães nas câmaras de gás com a finalidade de exterminar civis e militares. Na Guerra do Vietnã empregou-se o desfolhante conhecido como Agente Laranja, que devastou a floresta vietnamita, além do emprego do Napalm – uma mistura de ácido naftênico e ácido palmítico com característica incendiária, diversas foram as vítimas deste agente. Na Guerra Irã-Iraque foi amplamente empregado o agente mostarda e os agentes neurotóxicos, provocando mais de 45.000 vítimas. Em 1994 ocorreram ataques com gás sarin no metrô de Tóquio, e em 2002 uma substância conhecida como BZ (3-quinonuclidinil-benzilato) foi empregada
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II – Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão pelas forças russas para libertar reféns, o que provocou a morte de mais de 100 pessoas. Diversos países possuem arsenal de agentes químicos, a despeito do esforço legislativo do mundo para seu banimento, sob a Convenção de Armas Químicas, que entrou em vigor no ano de 1997. No entanto, a fabricação desses agentes não pode ser totalmente proibida, pois alguns têm potencial uso industrial. Além disso, apesar de medidas de correção tomadas até o momento e a condenação de sua utilização no mundo, há uma grande facilidade na sua fabricação (COLASSO e AZEVEDO, 2011). Os agentes químicos de guerra são classificados de acordo com o mecanismo de ação tóxica nos seres humanos, como (i) agentes neurotóxicos (ex. sarin, tabun, agente VX), (ii) agentes vesicantes e levisita (ex. gás mostarda, fosgênio oxima) (iii) agentes sanguíneos (ex. cloreto de cianogênio, cianeto de hidrogênio), (iv) agentes sufocantes (ex. fosgênio, cloro) e (v) toxinas (ex. ricina, saxitoxina). Os agentes químicos devem apresentar algumas características para que sejam considerados agentes químicos de guerra, dentre essas características, as principais são: •
serem efetivos em baixas concentrações;
•
possuírem volatilidade;
•
terem estado de agregação apropriado;
•
terem estabilidade à estocagem;
•
penetrarem no organismo por várias vias: respiratória, dérmica e
ocular. Agentes neurotóxicos Os agentes neurotóxicos são os compostos organofosforados, que atuam inibindo a enzima acetilcolinesterase, têm sido utilizados no controle de pragas,
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Revisão retardantes de chama, plastificantes, e mais notoriamente como potenciais agentes químicos de guerra e armas de terrorismo. São conhecidos como os agentes mais mortais das armas químicas de guerra (MARTIN e LOBERT, 2003; SIDELL et al, 2008). O primeiro registro de uso de inibidores da colinesterase foi em tribos nativas da África, que utilizavam feijão-de-Calabar, cujo princípio ativo é a fisostigmina (CHAUHAN et al, 2008). Em 1854, foi sintetizado o primeiro composto organofosforado – conhecido como TEPP, tetratilpirofosfato. Em 1937, foi desenvolvida a fórmula geral dos organofosforados e sintetizado GB e GA, bem como houve o desenvolvimento de outros agentes neurotóxicos (SIDELL et al, 2008; CHAUHAN et al, 2008). Estima-se que a Alemanha tenha fabricado cerca de 12 mil toneladas destes agentes na II Guerra Mundial. Apresentam o nome químico, e duas letras do código OTAN – agentes da série G (Germany) e série V (“venomous” – venenosos) (SMART, 1997). Os principais representantes desta classe são: Tabun (GA); Sarin (GB); Soman (GD) e o agente XV. As propriedades físico-químicas dos agentes neurotóxicos (GA, GB, GD e XV) estão descritos na Tabela 1. Em 1937, Gerhard Schard desenvolveu a fórmula geral dos compostos organofosforados, ocorreu neste período à fabricação do GA (Tabun) e GB (Sarin). Estes compostos foram empregados primeiramente durante a Guerra do Golfo Pérsico pelo Iraque contra os rebeldes curtos. Os compostos organofosforados, além, de serem sido empregados como agentes químicos de guerra, atualmente alguns
organofosforados
são
amplamente
utilizados
como
praguicidas
(inseticidas) (SZINICZ, 2005).
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Revisão Tabela 1. Propriedades físico-químicas dos agentes neurotóxicos. Fonte: SIDELL et al, 2008. PROPRIEDADES
TABUN (GA)
SARIN (GB)
SOMAN (GD)
VX
Químicas e físicas Ponto de ebulição
230° C
158°C
198°C
298°C
Pressão de vapor
0,037 mmHg 20°C
2,1 mmHg 20°C
0,40 mmHg 20°C
0,0007 mmHg 20°C
Densidade Vapor (ar = 1)
5,6
4,86
6,3
9,2
Líquido
1,08 g/mL 25°C
1,10 g/mL 20°C
1,02 g/mL 25°C
1,008 g/mL 20°C
Volatilidade
610 mg/m3 25°C
22.000 mg/m3 25°C
3.900 mg/m3 25°C
10,5 mg/m3 25°C
Aparência
Líquido incolor a marrom
Líquido incolor
Líquido incolor
Líquido incolor a cor de palha
Odor
Fruta
inodoro
Fruta; óleo de cânfora
inodoro
Solubilidade Em água
9,8g/100g a 25°C
Miscível
2,1g/100g a 20°C
Miscível <9,4°C
Em outros solventes
Solúvel na maioria dos solventes
Solúvel em todos os solventes
Solúvel em alguns solventes
Solúvel em todos os solventes
Relativamente persistente
2-6 dias
Persistência No solo
Meia-vida 1-1,5 dias
2-24 horas a 5°C – 25°C
A acetilcolina (ACh) é o mediador químico necessário para a transmissão do impulso nervoso em todas as fibras pré-ganglionares do sistema nervoso autônomo, em todas as fibras simpáticas pós-ganglionares parassimpáticas e em algumas
fibras
simpáticas
pós-ganglionares,
que
inervam
as
glândulas
sudoríparas e os vasos sanguíneos musculares (KANDEL et al, 1995). Além disso, a ACh é o transmissor neuro-humoral do nervo motor do músculo estriado (placa mioneural) e de algumas sinapses interneuronais no sistema nervoso central (LOTTI, 1995; WILSON, 2001).
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Revisão A transmissão do impulso nervoso requer que a ACh seja liberada no espaço intersináptico ou entre a fibra nervosa e a célula efetora. Depois, a ACh se liga a um receptor colinérgico nicotínico ou muscarínico, gerando um potencial pós-sináptico e a propagação do impulso nervoso. A seguir, a ACh é imediatamente liberada e hidrolisada pela AChE (BOSGRA et al, 2009). A ACh une-se aos sítios aniônico e esterásico da acetilcolinesterase (AChE) através de forças como a de van der Waals, dando lugar ao complexo enzima-substrato; em seguida, é liberada a colina, e a enzima fica acetilada. A enzima acetilada reage com água para regenerar a enzima, liberando ácido acético. Os compostos organofosforados se ligam de forma bastante estável ao centro esterásico da enzima acetilcolinesterase inibindo sua ação. Desta forma, a acetilcolinesterase não consegue se ligar a acetilcolina, que por sua vez acumulase nas fendas sinápticas, promovendo os vários sinais característicos da intoxicação (LARINI,
1999).
Os efeitos anticolinesterásicos dos
agentes
neurotóxicos podem ser caracterizados como sendo efeitos muscarínicos, nicotínicos, e no sistema nervoso central (SNC) (LARINI, 1999). Os efeitos muscarínicos ocorrem no sistema parassimpático (brônquios, coração, pupilas dos olhos, glândulas salivares, lacrimais e sudoríparas) e podem resultar em sinais de edema pulmonar, bradicardia, miose, lacrimejamento e sudorese (SIDELL et al, 2008). Os efeitos nicotínicos ocorrem no sistema somático (esquelético e motor), e no sistema simpático, resultando em fasciculações musculares, fraqueza muscular, taquicardia e diarréia (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003) . Os efeitos sobre o SNC se manifestam como ansiedade, tontura, labilidade emocional, ataxia, confusão e depressão. Embora a inibição da colinesterase dentro junções neuro-efetora ou efetora em si é pensado ser responsável pelos
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Revisão principais efeitos tóxicos de agentes organofosforados, estes compostos podem, aparentemente, afetar a transmissão de impulsos nervosos, por processos mais direto também. Efeito direto pode ocorrer em tecidos excitáveis, receptores e canais iônicos (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003). A Tabela 2 demonstra os principais efeitos provocados pelos agentes neurotóxicos em humanos. Tabela 2. Efeitos dos agentes neurotóxicos em humanos. Fonte: SIDELL et al, 2008. ÓRGÃO OU SISTEMA
EFEITOS
Olhos
Miose (unilateral ou bilateral); hiperemia da conjuntiva; dor ou ardor; visão escura ou turva
Nariz
Rinorréia
Boca
Salivação
Trato pulmonar
Broncoconstrição e secreção, tosse, queixas de aperto no peito, falta de ar, sibilo, estertores
Trato gastrointestinal
Náusea, vômito, diarréia, aumento de secreções e motilidade; câimbras abdominais e dor
Pele e glândulas sudoríparas
Sudorese
Muscular
Fasciculações locais ou generalizada; espasmos musculares; fraqueza muscular
Cardiovascular
Diminuição ou aumento da frequência cardíaca; normalmente aumento da pressão arterial
Sistema nervoso central
Efeitos aguda da exposição severa: perda de consciência, convulsão, depressão do centro respiratório; Efeitos agudos da exposição leve ou moderada ou efeitos prolongados de qualquer exposição: esquecimento, irritabilidade, dificuldade de raciocínio, tensão ou malestar; depressão, insônia, dificuldade de expressão, compreensão diminuída
Para
casos
de
intoxicação
aguda
por
agentes
neurotóxicos
são
administrados dois antídotos específicos, a atropina e a prolidoxima (SZINICK, 2005; SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003). A atropina é um antagonista competitivo das ações da acetilcolina e atua bloqueando os efeitos
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Revisão muscarínicos da estimulação colinérgica. A atropina compete com a acetilcolina por um local de ligação comum no receptor muscarínico, assim, diminuindo a crise colinérgica provocada pelos compostos neurotóxicos (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003). A prolidoxima promove a reativação da enzima acetilcolinesterase através da remoção do grupo fosforil ligado ao grupo éster da enzima, assim restaurando a função normal da acetilcolinesterase. Nesta reação agentes neurotóxicos e a pralidoxima são mutuamente inativados. Estes produtos são submetidos a um rápido metabolismo, levando à remoção dos organofosforados (SIDELL et al, 2008; MARTIN e LOBERT, 2003).
B
A
Figura 5. A – Antídoto para ser administrado em casos de intoxicação dos soldados em campos de batalha (2,1 mg de atropina e 600 mg de prolidoxima). Os medicamentos estão em compartimentos separados no interior do dispositivo, e são administradas a partir de uma única agulha. A tampa cinzenta no lado direito do injetor é a tampa de segurança. B – Kit Mark I, contendo dois auto-injetores, um injetor contendo 2 mg de atropina e o outro contendo 600 mg de prolidoxima). O número indica qual medicamento deve ser administrado primeiramente. O clipe de plástico mantém os injetores unidos e serve como dispositivo de segurança (SIDELL et al., 2008)
Agentes vesicantes e levisita Os agentes vesicantes são um grupo de princípios químicos que em contato com a pele induzem a formação de bolhas, e podem também ser absorvidos pela via respiratória, produzindo efeitos sistêmicos (PITA e VIDAL-ASENSI, 2010). Estes compostos não são extremamente letais, porém, incapacitam o inimigo nos combates. Os principais representantes desta classe são: mostarda de enxofre, levisita e fosgênio oxima (SALADI et al, 2005). As propriedades físicoquímicas dos agentes vesicantes e da levisita encontram-se na Tabela 3.
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Revisão Tabela 3. Propriedades físico-químicas dos agentes vesicantes e levisita. Fonte: HURST et al., 2008; SALADI et al., 2005; GHABILI, 2011).
PROPRIEDADES
MOSTARDA DE ENXOFRE (IMPURA) (H)
MOSTARDA DE ENXOFRE DESTILADA (HD)
FOSGÊNIO OXIMA (CX)
LEVISITA (L)
Ponto ebulição
Vários
227°C
128°C
190°C
Pressão vapor
Depende da pureza
0,072 mm Hg 20°C
11,2 mm Hg 25°C sólido 13 mm Hg 40°C Líquido
0,39 mm Hg 20°C
Densidade Vapor
~ 5,5
5,4
<3,9
7,1
Líquido
~ 1,24 g/mL 25°C
1,27 g/mL 20°C
ND
1,89 g/mL 20°C
Sólido
NA
Cristal 1,37 g/mL°C
NA
NA
Volatilidade
~ 920 mg/m3 25°C
610 mg/m3 20°C
1.800 mg/m3 20°C
4.480 mg/m3 20°C
Aparência
Líquido amarelo pálido-castanho escuro
Líquido amarelo pálido-castanho escuro
Incolor, sólido cristalino ou líquido
Puro: incolor, líquido oleoso; Como agente: líquido âmbar a castanho escuro
Odor
Alho ou mostarda
Alho ou mostarda
Intenso, irritante
Gerânio
Solubilidade Em água
0,092 g/100 g 22°C
0,092 g/100 g 22°C
70%
Levemente solúvel
Em outros solventes
Completamente solúvel em CCl4, acetona, outros solventes orgânicos
Completamente solúvel em CCl4, acetona, outros solventes orgânicos
Muito solúvel na maioria dos solventes orgânicos
Solúvel nos mais comuns solventes orgânicos
Persistência No solo
Persistente
2 semanas – 3 anos
2 horas
Dias
Em material
Depende da temperatura; horas a dias
Depende da temperatura; horas a dias
Não persistente
Depende da temperatura; horas a dias
Quantidade biologicamente eficaz
Vapor (mg min/m3)
CL50 – 1.500
CL50 – 1.500 (inalado) CL50 – 10.000 (máscara)
Líquido
DL 50 – ~100 mg/kg
DL 50 – ~100 mg/kg
CL50 – 3.200 (estimado)
Olhos: <30 Pele: ~200 CL50 – 1.200 – 1.500 (inalado) CL50 – 100.000 (máscara)
Não estimado
DL 50 – 40 – 50 mg/kg
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II – Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão O agente mostarda recebeu esse nome devido supostamente ao cheiro ou gosto (cebola, alho ou mostarda) e coloração (SZINICZ, 2005). A primeira utilização ocorreu em 12 de junho de 1917, em um ataque alemão contra as tropas britânicas nas trincheiras de Ypres, Bélgica, e assim, a mostarda também ficou conhecida como Iperita. Alguns meses após o primeiro ataque, ambos os lados estavam utilizando o agente mostarda. Sua introdução ocorreu no último ano da I Guerra e provocou 70% da vitimização por armas químicas, os outros 30% foram causadas por cloro e fosgênio (SZINICZ, 2005). Foram 180.983 os soldados britânicos vítimas da guerra química, dos quais 160.970 (88,5%) devido à exposição ao agente mostarda e, destes, 4.167 (2,65%) morreram. Entre os soldados americanos, 36.765 foram vitimados devido à exposição aos agentes químicos de guerra, 27.771 (75%) o foram devido à exposição ao agente mostarda (SZINICZ, 2005; CHAUHAN et al, 2008). Durante a II Guerra Mundial não ocorreu o emprego do agente mostarda, no entanto, em dezembro 1943, ocorreu um ataque alemão a um navio americano carregado de agente mostarda, produzindo 617 vítimas. Durante a Guerra IrãIraque, estima-se que o agente mostarda tenha ocasionado em torno de 45.000 vítimas (SZINICZ, 2005; CHAUHAN et al, 2008). O agente mostarda foi amplamente empregado como arma química de guerra, porém, atualmente não tem emprego industrial (SZINICZ, 2005). O exato mecanismo de ação tóxica do agente mostarda não está completamente elucidado, porém, propõem-se algumas hipóteses, conforme elucida a Figura 7.
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Revisão
Figura 7. Possível toxicodinâmica do agente mostarda (Adaptado: HURST, et al, 2008).
Os principais efeitos clínicos provocados pelo agente mostarda estão descritos na Tabela 4. Tabela 4. Efeitos clínicos da exposição ao agente mostarda. Fonte: HURST et al, 2008; SALADI et al, 2005; GHABILI, K. 2011. ÓRGÃO
SEVERIDADE
EFEITOS
INÍCIO DOS EFEITOS
Olhos
Suave Moderado Severo
Dilaceração , prurido , queimadura, sensação arenosa Efeitos acima, mais: Vermelhidão , edema nas pálpebras , dor moderada Edema acentuado pálpebra, possível dano na córnea, dor severa
4 – 12h 3 – 6h 1 – 2h
Vias aéreas
Suave Severo
Rinorréia, espirros, epistaxe, rouquidão, tosse seca Efeitos acima, mais: tosse produtiva, dispnéia de leve a grave
6 – 24 2 – 6h
Pele
Suave Severo
Eritema Vesicação
2 – 24h 4 – 12h
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Revisão A levisita foi primeiramente sintetizada no início do século 20, porém, nunca foi empregada no campo de batalha. Supõe-se que o Japão a possa ter utilizado na guerra contra a China (GOLISZEK, 2004). Tem ação sobre a pele (forma bolhas), olhos, vias aéreas respiratórias. Difere-se das mostardas, pois os efeitos clínicos aparecem dentro de segundos após a exposição. A toxicidade da levisita é muito semelhante à das mostardas (HURST et al, 2008). A levisita é mais volátil e persistente em climas mais frios do que as mostardas. O gás tóxico permanece mais fluido a temperaturas mais baixas, o que o torna perfeito para a dispersão no inverno (SZINICZ, 2005). Foi inicialmente empregada como agente anti-congelante para o gás mostarda ou em situações especiais nos EUA, devido a sua capacidade de penetrar em vestimentas de proteção. Entretanto seu uso foi considerado obsoleto após 1950 e não tem emprego industrial atualmente (SZINICZ, 2005). O possível mecanismo de ação da levisita está ilustrado na Figura 9.
Figura 9. Possível toxicodinâmica do agente levisita (Adaptado: HURST et al, 2008).
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Revisão O tratamento para casos de exposição aguda à levisita consiste na administração
de
2,3-dimercaptopropanol
(BAL)
ou
2,3-dimercapto-1-
propanosulfaonato por via oral ou intravenosa (HURST et al, 2008). O fosgênio oxima não é um composto vesicante verdadeiro, porém, é considerado um agente urticante, ou seja, provoca eritema, pápulas e urticária (HURST et al, 2008). O fosgênio oxima foi sintetizado pela primeira vez em 1929. O fosgênio oxima afeta a pele, olhos e pulmões e provoca dor ou irritação imediata nestes locais. Os efeitos são quase instantâneos, seguido por necrose tecidual, e faz com que este dano tecidual seja mais grave que o de outros vesicantes (HURST et al, 2008). O fosgênio oxima foi empregado como agente químico de guerra e para uso militar. O fosgênio oxima foi desenvolvido como potencial agente químico de guerra, porém, nunca foi empregado em batalhas ou em guerras (SZINICZ, 2005). O mecanismo de ação do fosgênio oxima está elucidado na Figura 11, o agente apresenta mecanismo de ação direto e indireto.
Figura 11. Possível toxicodinâmica do agente fosgênio oxima (Adaptado: HURST et al., 2008).
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Revisão Agentes sanguíneos Os agentes sanguíneos são substâncias que, absorvidas, danificam células sanguíneas, impedindo o transporte de oxigênio e produzindo sufocação. São classificados como simples ou químicos (SCHECTER et al, 2005). Os asfixiantes simples são metano e nitrogênio, entre outros, e agem deslocando fisicamente o oxigênio do ar. Os asfixiantes químicos (cianetos) interferem no transporte de oxigênio a nível celular, causando hipóxia tecidual (BASKIN et al, 2008). Os asfixiantes mais importantes empregados como agentes de guerra incluem: cloreto de cianogênio e cianeto de hidrogênio. As civilizações antigas utilizavam plantas que continham cianeto com a finalidade de matar, dentre elas, as amêndoas amargas e folhas de louro cereja. Porém, foi a partir da I Guerra Mundial, no final de 1915 e início de 1916, que a substância foi produzida expressamente para ferir e/ou matar (BASKIN et al, 2008). A França começou o uso em larga escala do cianeto como arma química, produzindo cerca de 8 milhões de quilos de HCN, mesmo o cianeto sendo mais leve que o ar e ficando poucos minutos ao ar livre (SZINICZ, 2005). Entretanto, as concentrações suficientes para matar ou incapacitar o inimigo não foram atingidas, e os alemães conseguiram máscara capazes de filtrar o gás. Em setembro de 1916, a França produziu o cloreto de cianogênio (CK), mais pesado e menos volátil que o HCN. O CK tem toxicidade semelhante ao HCN, porém, provocava, em concentrações baixas, irritação dos olhos e pulmões. A França também produziu o brometo de cianogênio que tem forte efeito irritante sobre a conjuntiva e mucosa do pulmão, porém, corroía metais e era instável ao armazenamento, então não foi empregado como agente químico de guerra (BASKIN et al, 2008; SCHECTER et al, 2005; RILEY, 2003).
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Revisão Durante a II Guerra Mundial, os nazistas empregaram o cianeto de hidrogênio (Zyklon B) para exterminar milhões de civis e militares nas câmaras de gás. Há rumores de que tenha sido empregado pelo Japão contra a China antes e durante a guerra. Também há relatos de que tenha sido utilizado durante a Guerra Irã-Iraque (BASKIN et al, 2008; SCHECTER et al, 2005; RILEY, 2003). Além de ações militares, os compostos a base de cianeto têm sido empregados em atos terroristas. Entre os agentes químicos de guerra, estes compostos são os menos tóxicos. O cloreto de cianogênio é empregado na indústria para a síntese de herbicidas, refino de minério e como limpador de metal. O cianeto de hidrogênio é empregado como precursor em síntese de muitos compostos químicos, o que varia de polímeros a plásticos. Também é empregado na indústria farmacêutica e para fumigação em navios e edifícios (CHAUHAN et al., 2008; SZINICZ, 2005). A Tabela 5 indica as propriedades físico-químicas do cianeto de hidrogênio e cloreto de cianogênio. O cianeto interfere com a respiração aeróbica em um nível celular formando um complexo reversível com enzimas do sistema citocromoxidase. Estas enzimas são responsáveis pela utilização do oxigênio na respiração celular. A inibição resultante da interação do cianeto com as enzimas incapacita a utilização do oxigênio e acúmulo de ácido láctico promovendo uma anóxia tecidual e conseqüentemente morte celular.
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Revisão Tabela 5. Propriedades físico-químicas dos agentes sanguíneos. Fonte: BASKIN et al, 2008; SCHECTER et al, 2005; RILEY, 2003. PROPRIEDADES
CIANETO DE HIDROGÊNIO (AC)
CLORETO DE CIANOGÊNIO (CK)
Químicas e Físicas Ponto ebulição
25,7°C
12,9°C
Pressão Vapor
740 mm Hg
1.000 mg Hg
Densidade Vapor Líquido Sólido
0,99 a 20°C 0,68 g/mL a 25°C NA
2,1 1,18 g/mL a 20°C Cristal: 0,93 g/mL a -40°C
Volatilidade
1,1 x 106 mg/m3 a 25°C
2,6 x 106 mg/m3 a 12,9°C
Aparência e odor
Gás: odor de amêndoas amargas ou pêssego
Cheio de amêndoas amargas; gás incolor ou líquido; irritante para vias áreas, olhos
Solubilidade Em água Em outros solventes
Completa a 25°C Completamente miscível em quase todos os solventes orgânicos
6,9 g/100 mL a 20°C Na maioria dos solventes orgânicos (misturas são instáveis)
Persistência No solo Em materiais
<1h Baixo
Não persistente Não persistente
Quantidade biologicamente eficaz Vapor (mg min/m3)
CL50: 2.500 – 5.000 (depende tempo)
CL50: 11.000
Líquido (mg/kg)
DL50 (dérmica): 100
DL50 (dérmica):100
. A Figura 14 ilustra a ação do cianeto com diversos órgãos (BASKIN, et al., 2008).
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Revisão
Figura 14. O cianeto por afetar a função vascular, visual, pulmonar, sistema nervoso central, sistema cardíaco, sistema endócrino, sistema autônomo e metabolismo. O efeito da toxicodinâmica do cianeto pode variar dependendo da dose, via e velocidade de administração, forma química (gás, líquido ou sólido), e outros como sexo, idade peso corporal, nível de estresse, condições físicas do indivíduo (Adaptado: BASKIN et al, 2008).
Em casos de intoxicação aguda ao cloreto de cianogênio, administram-se nitrato de sódio ou tiossulfato de sódio (nitratos), edetato de dicobalto e hidroxicobalamina (BASKIN et al., 2008).
Agentes sufocantes Os agentes sufocantes são substâncias que, absorvidas pelos pulmões, induzem a alta secreção de fluidos pelos alvéolos, impedindo, assim, a respiração, por mecanismo de afogamento. Os principais agentes sufocantes são: fosgênio; dloro; dloropicrina.
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Revisão O cloro foi descoberto em 1774 pelo químico sueco Scheele Carl Wilhelm, e o nome atual foi dado em 1810 (SMITH, 1997). A Alemanha foi a primeira a empregar o cloro durante a I Guerra Mundial, devido à falta de munição. O emprego de tal agente abriu caminhos para a fabricação em grande escala de agentes químicos de guerra, tanto pela Alemanha como pelos países aliados (SMITH, 1997). O gás cloro é pressurizado e resfriado de modo a ser armazenado na forma líquida. Quando liberado, rapidamente se transforma em gás verde-amarelo com odor irritante (TUORINSKY e SCIUTO, 2008). Imediatamente após a exposição ao gás, ocorre a sensação de aperto no peito, de ardor no nariz, garganta e olhos, vermelhidão e bolhas na pele semelhante a congelamento, falta de ar; lesão pulmonar aguda ocorre dentro de 2 horas após a exposição; também provoca edema pulmonar (TUORINSKY, SCIUTO, 2008; BJARNASON, 2004). Atualmente o cloro tem uso considerável na indústria. É comumente empregado como agente de branqueamento na indústria de papel e tecidos. Também é empregado na produção de praguicidas, borracha e solventes. Utilizado para tratamento de água potável como agente desinfetante, além do uso residencial para tratamento de água em piscinas. O cloro também tem emprego para o tratamento de resíduos industriais e esgotos (SZINICZ, 2005; TUORINSKY e SCIUTO, 2008). A cloropicrina foi empregada na I Guerra Mundial como agente de guerra com diferentes nomes, os britânicos os chamavam de PS; os franceses de Aquinite, os alemães de Klop (cruz-verde). É um vapor altamente tóxico quando inalado (SZINICZ, 2005). É um líquido oleoso, incolor ou amarelo fraco, que se decompõe a 112°C produzindo fosgênio e cloreto de nitrosilo, sendo mais tóxico que o cloro e menos
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Revisão que o fosgênio. Provoca irritação (entre 2 – 5h) e desenvolvimento de edema pulmonar (TUORINSKY, SCIUTO, 2008; BJARNASON, 2004). A clorpicrina é emprega em indústrias, em síntese orgânica, na produção de fumigantes e inseticidas, e para extermínio de ratos. Também é empregada na fumigação e esterilização de solos e sementes (SZINICZ, 2005). O fosgênio foi sintetizado pela primeira vez em 1812, pelo químico alemão Haber, como agente químico de guerra. É mais letal que o cloro, foi utilizado pela Alemanha na I Guerra Mundial resultando em 1.069 feridos e 120 mortes. É armazenado como um líquido incolor sob baixas temperaturas e pressão, com ponto de ebulição de 8,2°C. Em temperatura ambiente é um gás tóxico, forma uma nuvem branca a amarelo pálido com odor agradável de feno; em concentrações elevadas tem odor ofensivo. Após a exposição, provoca tosse, sensação de ardor na garganta e olhos, provoca falta de ar e sensação de sufocamento,
provoca
lesão
pulmonar
(TUORINSKY
e
SCIUTO,
2008;
BJARNASON, 2004). Estes compostos (cloro, fosgênio e cloropicrina) podem produzir efeitos a longo prazo, tais como: fibrose, bronquiolite, doença pulmonar obstrutiva, alveolite, anormalidades na função pulmonar (TUORINSKY, SCIUTO, 2008; BJARNASON, 2004). O fosgênio é amplamente utilizado em indústrias químicas, em produtos farmacêuticos, corantes, praguicidas e na fabricação de poliuretano (SZINICZ, 2005). Na Tabela 6 estão apontadas as propriedades físico-químicas do agente cloro, fosgênio e cloropicrina.
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Revisão Tabela 6. Propriedades físico-químicas dos agentes sufocantes. Fontes: TUORINSKY e SCIUTO, 2008; BJARNASON, 2004; HSDB; CHEMIPLUS. Propriedades
CLORO
FOSGÊNIO
CLORPICRINA
Ponto de ebulição
- 34,04°C
8,2°C a 760 mmHg
112°C a 757 mmHg
Pressão de vapor
5,83 x 10³ mmHg a 25°C
1420 mmHg a 25°C
3,2 kPa (24 mmHg) a 25°C
Densidade
2,898 g/L
Vapor = 3,4 (ar = 1) água = 1,3719 a 25°C
1,6448
Aparência
Gás amareloesverdeado
Gás incolor
Gás amarelo fraco ou incolor
Odor
Irritante
Sufocante
Intensamente irritante
Solubilidade em água
0,7 g/100 mL a 20°C
Ligeiramente solúvel em água
0,19 g/100 mL água a 20°C
Em outros solventes
-
Solúvel em benzeno, tolueno, ácido acético glacial e outros
Miscível na maioria dos solventes orgânicos (ex. acetona, benzeno, etanol, metanol e outros)
Toxinas Toxinas são definidas como material tóxico produzido por plantas, animais, microrganismos,
vírus,
fungos
ou
substância
infecciosa
ou
molécula
recombinante, qualquer que seja sua origem ou método de produção, incluindo: (a) qualquer substância venenosa ou produto biológico produzido que podem ser projetados como resultado da biotecnologia produzida por um organismo vivo; ou (b) qualquer isômero venenoso ou produto biológico homólogo ou derivado de uma substância (WHO, 2004) As duas principais toxinas empregadas como armas de guerra são a saxitoxina e a ricina.
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Revisão A saxitoxina tornou-se conhecida após casos de intoxicação devido ao consumo de mariscos contaminados. Provoca envenenamento paralisante, o que era conhecido desde o século XIX (BISMUTH, 2004). Foi primeiramente isolada durante a II Guerra mundial pelos EUA, no âmbito do programa americano de Guerra Biológica (BISMUTH, 2004). A saxitoxina é produzida por cianofíceas (algas), como a Gonyaulax catanella, e provoca envenenamento paralítico ou diarréico. A saxitoxina é uma potente neurotoxina que tem alta afinidade com os canais de sódio nas membranas celulares e atua bloqueando o fluxo de sódio através dos canais de sódio presentes nas células nervosas, estimulando as células musculares. Os impulsos inibitórios dos axônios podem levar a paralisia muscular, podendo ocorrer a morte por insuficiência respiratória. A saxitoxina é solúvel em água e é estável, a dispersão na forma de aerossol é viável. Mortes em adultos foram relatadas após a ingestão de 0,5 a 12,4 mg. Doses letais mínimas em crianças foram estimadas em 25 µg/kg. Em ratos a DL50
reo, intraperitoneal, e de 263 µg/kg
por via oral (BISMUTH, 2004; WHO, 2004). Após ingestão de saxitoxina, o início dos sintomas geralmente ocorre entre 10 a 60 minutos, com aparecimento de dormência ou formigamento dos lábios e língua, que se espalha para o rosto e pescoço, seguido por uma sensação de formigamento nos dedos das mãos e dos pés. Exposição moderada ou severa – a parestesia, se espalha para os braços e pernas, a atividade motora é reduzida, o discurso torna-se incoerente e a respiração torna-se difícil. O estágio terminal pode ocorrer dentro de 2 a 12 horas após a exposição (WHO, 2004). Nenhum caso de exposição por inalação foi relatado na literatura, mas experiências com animais demonstram aparecimento de síndrome respiratória e morte em poucos minutos (WHO, 2004).
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Revisão Não existem antídotos específicos para a intoxicação por saxitoxina, o tratamento é sintomático. A toxina normalmente é eliminada do organismo rapidamente, através da urina, e os indivíduos se recuperam dentro de 24 horas. A saxitoxina mantém sua atividade em água aquecida a 120°C (WHO, 2004). A ricina foi identificada como um sub-produto perigoso na produção do óleo de rícino desde o século XIX. Durante a I Guerra Mundial foi intensamente testada pelos EUA, Canadá, Grã-Bretanha e França. Na II Guerra Mundial os EUA realizaram testes de campo com a ricina (SZINICZ, 2005). A ricina é uma glicoproteína altamente tóxica, de aproximadamente 65 kDa, que ocorre naturalmente na semente da mamona, Ricinus communis. É composta por duas cadeias de proteínas, a cadeia maior, cadeia B (34 kDa), facilita a entrada de receptores de superfície celular e a entrada da cadeia menor A (32 kDa), afeta a atividade ribossomal celular. A ricina inibe a síntese de proteínas em células eucarióticas, é tóxica por todas as vias, incluindo a inalação (WHO, 2004). Os cavalos são os animais mais suscetíveis à ricina, bovinos e suínos menos suscetíveis, assim como patos e galinhas. Em camundongos, a DL50 é estimada em 2,7 µg/kg. A ricina pode ser fatal para humanos em doses de 5 mg/Kg via oral (WHO, 2004). A ricina pode ser extraída com relativa facilidade a partir do óleo de mamona. Cerca de 1 milhão de toneladas são utilizadas por ano para produzir o óleo de rícino (WHO, 2004). As manifestações tóxicas apresentam um período de latência de horas, às vezes dias, após a exposição (WHO, 2004). A inalação da ricina provoca significativa patologia pulmonar, com aumento de concentração de citocinas, inflamação acentuada e edema pulmonar (WHO, 2004).
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Revisão A ingestão de ricina provoca grave gastrenterite, frequentemente hemorrágica. Pode ocorrer o desenvolvimento de convulsões, choque e insuficiência renal. A ricina afeta o coração, células nervosas e o baço. A exposição ao pó de ricina provoca irritação dos olhos, nariz e garganta (WHO, 2004). Não há antídotos específicos para o tratamento de intoxicação por ricina. A ricina é solúvel em água, a solução é menos estável do que a ricina em pó. Na forma de pó é estável em temperatura ambiente, mas é desnaturada a temperaturas elevadas e a sua estabilidade diminui com o aumento do teor de umidade (WHO, 2004). Outros agentes Os gases lacrimogêneos não são considerados como agentes químicos de guerra, mas empregados para alegados fins de segurança pública, para conter tumultos internos (SALEM et al, 2008). Estes compostos foram desenvolvidos para apresentarem alta margem de segurança, porém, podem provocar ferimentos e até a morte quando empregados em espaços sem ventilação adequada e por períodos prolongados. Os principais gases lacrimogêneos são: 1-cloroacetofenona (CN) e Oclorobenzilideno malononitrila (CS). As propriedades físico-químicas dos gases lacrimogêneos estão apontadas na Tabela 7.
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Revisão Tabela 7. Propriedades físico-químicas dos gases lacrimogêneos. Fonte: SALEM et al., 2008. PROPRIEDADES
CN
CS
Fórmula molecular
C8H7ClO
C10H5ClN2
Forma/uso
Gás guerra/ Ag. Segurança Pública
Agente Segurança Pública
Estado físico
Incolor a cinza, sólido cristalino
Sólido branco cristalino
Odor
Perfumado. Fragrância de maçã
Similar a pimenta
Ponto fusão
57°C
95°C – 96°C
Pressão vapor
0,0041 – 0,005 mm Hg a 0°C
0,00034 mm Hg a 20°C
Densidade Vapor (relativo ar) Líquido Sólido
5,3 mais pesado que ar 1,187 g/mL a ~ 20°C 1,318 g/cm3 a ~ 20°C
6,5 mais pesado que ar (calculado) Massa: 0,24 – 0,26 g/cm3 Cristal: 1,04 g/cm³
Solubilidade Em água Em outros solventes
Relativamente insolúvel; hidrólise lenta; 1,64 g/100mL a 25°C Solúvel em dissulfeto carbono, éter e benzeno
Insolúvel em água Moderado em álcool, solúvel em acetona, clorofórmio, etil acetato, benzeno
Persistência No solo Em materiais
Curta Curta
Variável Variável
Os efeitos provocados pela exposição aos gases lacrimogêneos estão elucidados na Tabela 8. Tabela 8. Efeitos provocados pelos gases lacrimogêneos. Fonte: SALEM et al., 2008. EFEITOS
CN
CS
Pele e olhos
Principalmente eritema cutâneo mediado pela bradicinina e agudo. Pode desenvolver bolhas e queimadura em tecidos úmidos devido formação HCl. Lacrimejamento forte com conjuntivite, dor nos olhos, e blefaroespasmo (contração involuntária das pálpebras) . Altas doses pode produzir queimadura química nos olhos
Irritante da pele, ardor e eritema; pode causar dermatite de contato alérgico e bolhas. Queimação e irritação nos olhos com lacrimejamento acompanhado de blefaroespasmo
Respiratório
Irritação das vias respiratórias superiores, tosse, dispnéia. Também pode produzir queimaduras dos tecidos das vias respiratórias e lesões pulmonares se a dose for significante
Secreção, tosse, engasgo, aperto no peito. Pode causar síndrome de doença das vias áreas que quererem intervenção médica
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II – Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão Em 600 a.C., os soldados do Rei grego Solon, envenenaram córregos com raiz de Heléboro, visando provocar diarréia nos soldados inimigos e os incapacitando para o combate. Atualmente, os pesquisadores buscam novas armas não-letais, conhecidas como substâncias incapacitantes, com o objetivo de enfraquecer/incapacitar o inimigo sem provocar a morte (SZINICZ, 2005; KETCHM et al., 2008). O termo agente incapacitante tornou-se aceito para designar armas militares não convencionais. Segundo o Departamento de Defesa dos EUA, agentes químicos incapacitantes são consideradas como armas não letais explicitamente concebidas e empregadas para incapacitar pessoas ou materiais, minimizar mortes e provocar lesões a pessoas, e, danos indesejáveis a propriedades e meio ambiente. Ao contrário das armas letais que destroem seus alvos principalmente através de explosões e penetração de fragmentos, as armas não-letais empregam outros meios que não a destruição física e bruta (KETCHM et al., 2008). As armas não-letais devem apresentar as seguintes características: (i) ter efeito relativamente reversível em pessoas ou materiais e (ii) afetar de forma diferente os objetos dentro da sua área de influência (KETCHM et al., 2008). Algumas substâncias estudadas para determinar ação incapacitante. Dentre as drogas estudadas o LSD, conhecido como droga psicodélica, termo proposto por Humphry Osmond em 1957, e significa “manifestação mente”, e refere-se à expansão alegada da consciência que os primeiros usuários de LSD relataram. A capacidade do LSD de trazer memórias reprimidas, medos e fantasias fizeram com que fosse ensaiado como um complemento à tradicional psicanálise, embora poucosespecialistas se sentissem confortáveis em empregálas na prática. O uso de LSD provocava uma inundação incontrolável de idéias, imagens e emoções, e a pessoa sob influência de doses de LSD tornava-se
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Revisão impossibilitada de realizar tarefas complexas (KETCHM et al., 2008; CHAUHAN et al., 2008). Outra droga estudada foi a mescalina, uma substância derivada do cactus peyote. Empregada em cerimônias de tribos indígenas americanos por conta de suas propriedades psicodélicas, porém, sem muita relevância para empregar-se como agente incapacitante (KETCHM et al., 2008). Os canabinóides, durante um curto período de tempo, tornaram-se interessantes para que o Corpo Químico dos EUA estudasse o óleo vermelho extraído da maconha. Porém, não se chegou a nenhum agente incapacitante eficaz (KETCHM et al., 2008). As
drogas
estimulantes,
tais
como,
cocaína,
cafeína,
nicotina
e
anfetaminas, foram pesquisadas na tentativa de se descobrir um agente incapacitante, mas sem grande sucesso. Outras drogas analisadas foram a estricnina e o metrazol (KETCHM et al., 2008). Os opióides, originalmente substâncias derivadas da papoula, a morfina sendo o protótipo das demais drogas, passaram, recentemente, a interessar pesquisadores
em
sua
avaliação
como
possíveis
agentes
incapacitantes
(KETCHM et al., 2008). Medicamentos antipsicóticos mais potentes foram previamente chamados de tranqüilizantes maiores ou neurolépticos. Essas drogas foram avaliadas pelo efeito sedativo e pela capacidade de reduzirem a hiperatividade psicótica (KETCHM et al., 2008). As drogas conhecidas como delirantes anticolinérgicos foram e continuam a ser a categoria mais susceptível de ser considerada como agente incapacitante. Anticolinérgico é o termo comumente empregado para se referir às drogas que tem como principal ação o bloqueio dos receptores muscarínicos (CHAUHAN et al., 2008).
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Revisão Dentre os compostos estudados, o único considerado como agente químico incapacitante foi o 3-quinonuclidinil-benzilato, um composto anticolinérgico, conhecido como BZ. Relatos informam que há grandes quantidades armazenadas pelo Iraque com o codinome de Agente 15 (CHAUHAN et al., 2008). O BZ é um gás inodoro, pode persistir por 3 a 4 semanas no ar úmido, é extremamente persistente em solo e água. Atua como um inibidor competitivo do neurotransmissor acetilcolina. Os órgãos afetados pelo BZ são principalmente os de inervação parassimpática, incluindo Sistema Nervoso Central (SNC), coração, sistema respiratório, trato gastrintestinal (CHAUHAN et al., 2008). Os efeitos provocados ao ser humano incluem: agitação, alucinações, confusão, tremor, ataxia, dilatação da pupila e fotofobia, náuseas, vômitos, rubor, secura da boca, retenção urinária, hipertermia, delírios e paranóia (CHAUHAN et al., 2008). Proibição das armas químicas de guerra Atualmente, em escala mundial, há um intenso esforço de dezenas de países para produção de armas químicas, a despeito dos protocolos formais de combate a tal. Segundo a CIA, mais de 20 países estão desenvolvendo ou já possuem armas químicas de guerra (ADLER, 2006). Entre os países que possuem arsenal de armas químicas, tem-se: China, Coréia do Norte, Japão, Rússia, França, Inglaterra, Cuba, Estados Unidos, Índia, Irã, Iraque, Paquistão, Síria, Egito, entre outros (OPAQ, 2011). Os agentes químicos de guerra não exigem uma infra-estrutura de produção muito sofisticada, os agentes químicos e biológicos letais, são meios bélicos acessíveis aos países em desenvolvimento. Sua periculosidade, efeitos generalizados sobre o meio ambiente e a facilidade de fabricação fazem com que mereçam tratamento específico nas políticas de controle internacional de armas.
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Revisão Entre 6 e 23 de maio de 1997, durante a Primeira Conferência dos Estados Partes da Convenção para a Proibição de armas químicas (CPAQ), realizada em Haia, Holanda, com 167 países signatários, inclusive o Brasil, foi criada a Organização para a Proibição de armas químicas (CPAQ, 2011). A organização para a Proibição de Armas Químicas tem sede em Haia e seu objetivo é proibir o desenvolvimento, produção, estocagem e emprego de armas químicas, bem como o uso de gases tóxicos e métodos biológicos em guerra. A exceção é a utilização de gás lacrimogêneo para conter revoltas e tumultos, medida considerada pacificadora (CPAQ, 2011). Atualmente, 188 estados são signatários da CPAQ; 5 estados não signatários (Angola, Egito, Coréia do Norte, Somália e Síria) e 2 estados não ratificaram a Convenção (Israel e Mianmar) (OPAQ, 2010). Existem 71.194 toneladas de agentes químicos de guerra em estoques declarados no mundo, e apenas 44.131 toneladas (61,99%) foram destruídas. Em 29 de abril de 2012 expira-se o prazo dado pela Convenção para a destruição dos arsenais químicos mundiais. A Tabela 9 elucida os agentes químicos e as quantidades a serem destruídas (OPAQ, 2010). O Congresso Nacional aprovou o texto da CPAQ, através do Decreto Legislativo nº 9, de 29 de fevereiro de 1996. O presidente da república, através do decreto nº 2.977, de 01 de março de 1999, promulgou a CPAQ, assinada em Paris, em 13 de janeiro de 1993. O Brasil não possui armas químicas em estoque e nem fábricas das mesmas (CPAQ, 2011).
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Revisão Tabela 9. Armas Químicas declaradas e destruídas a 31 de dezembro de 2009. Fonte: OPAQ, 2010. Nome comum da substância
Quantidade em toneladas
Quantidade em toneladas
química
métricas declaradas
métricas destruídas
Categoria 1 GB (SARIN)
15.047,039
8.556,331
GD (SOMAN)
9.057,203
0,016
GA (TABUN)
2,283
0,3797
AGENTE VX
19.586,722
13.354,301
MOSTARDA DE ENXOFRE (GÁS MOSTARDA)
17.418,515
9.288,658
MISTURA DE GÁS MOSTARDA E LEVISITA
344.679
214.527
LEVISITA
6.746,876
6.605,852
EA 1699
0,002
0
DF
443,965
443,637
QL
46,174
45,779
OPA
730,545
730,545
DESCONHECIDO
3,125
2,898
RESÍDUOS TÓXICOS
1,705
1,705
Total categoria 1
69.428,833
39.244,629
Categoria 2 ADAMSITA
0,350
0,350
CN
0,989
0,989
CNS
0,010
0,010
CLOROETANOL
319,535
301,300
TIOGLICOL
50,960
50,960
FOSGÊNIO
10,616
10,616
ISOPROPANOL
114,103
0
TRICLORETO DE FÓSFORO
166,331
0
ÁLCOOL PINACOLYL
19,257
0
CLORETO DE TIONILA
292,570
0
CLORETO DE SÓDIO
246,625
246,625
FLUORETO DE SÓDIO
304,725
304,725
TRIBUTILAMINA
240,012
0
Total categoria 2
1.766,083
915,575
Total geral
71.194,916
40.160,204
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Revisão Destruição das armas químicas Segundo a Convenção, todas as armas químicas devem ser destruídas, porém isto representa um grande desafio, além de elevado custo, segurança das pessoas envolvidas, da população ao redor, e há também fatores ambientais, jurídicos e políticos arrolados (CHAUHAN et al., 2005). Anteriormente, os métodos de eliminação eram enterro, descarregamento em mares e queima a céu aberto, todos ameaçando o meio ambiente e a saúde da população residente nas proximidades (CHAUHAN et al., 2005; RABER, 2001). Apesar de proibida, a utilização destes agentes continua sendo uma ameaça. Esses agentes são produzidos facilmente e são capazes de causar morbidades e mortalidades significativas (CHAUHAN et al., 2005). Foram amplamente utilizados em guerras e atualmente continuam sendo utilizados em atos terroristas e de defesa. O conhecimento destes agentes é fundamental para: planejar resposta em casos de ataques; executar medidas necessárias para retirada das pessoas expostas, e redução de mortalidade e morbidade; controlar de maneira segura os já existentes. Conclusões 1. As substâncias químicas por suas toxicidades intrínsecas têm sido empregadas com propósitos bélicos ou de morticínio desde os mais remotos tempos. 2. Tal prática, ainda que condenável sob qualquer aspecto filosófico, religioso, político, humano, moral ou ético, prossegue sendo mantida, ainda em nossos dias, em maior ou menor escala, assim como seguem sendo feitas pesquisas e testes nesse campo.
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Revisão 3. Esforços mundiais de países e seus organismos coletivos, em tempos de paz, não têm sido suficientes para banir por definitivo esta prática. 4. O alerta para o banimento real e por completo, seja dos estoques de armas químicas,
seja
da
sua
filosofia
de
uso,
precisa
ser
mantido
contundentemente e estar em destaque nas políticas nacionais e transnacionais. 5. A Toxicologia, como ciência de produção de conhecimento ético e para fins humanitários, não pode ser confundida com uma alternativa menor de causação de dor e sofrimento, posto que nada, em tempo algum, justificará tal fato.
REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ADLER, A. Relatório da CIA: como será o mundo em 2020? Tradução de Marly Netto Peres e Cláudio Blanc. São Paulo: Ediouro, 2006. BISMUTH, C. et al. Chemical weapons documented use and compounds on the horizon. Toxicology Letters. n. 149, p. 11-18, 2004. BJARNASON, S.G. Long-term sequelae from acute exposure to chlorine gas: a review. Defence Research and Development Canada. 2004. BOSGRA S. et al.Toxicodynamic analysis of the inhibition of isolated human acetylcholinesterase by combinations of methamidophos and methomyl in vitro. Toxicology and Applied Pharmacology, v. 236, n. 1, p.1-8, 2009. CHAUHAN, S. et al. Chemical warfare agents. Environmental Toxicology and Pharmacology. n. 26, p. 113-122, 2008. COLASSO, C. G.; AZEVEDO, F. A. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte I - Histórico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 3, p. 137- 172, out. 2011. CPAQ – Convenção para a Proibição de Armas Químicas. 8º Seminário de C,T& Ido MD, CTI Renato Archer, Campinas-SP, 4-7 Out 2011. Disponível em:
COLASSO, Camilla; AZEVEDO, Fausto Antônio de. Riscos da utilização de Armas Químicas. Parte II – Aspectos Toxicológicos.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 7-47, fev. 2012.
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Revisão <https://www.defesa.gov.br/arquivos/pdf/ciencia_tecnologia/8_seminario_cti/05_ou t/1_cpaq.pdf>. Acesso em: dez. 2011. GHABILI, K. Sulfur mustard toxicity: history, chemistry, pharmacokinetics and pharmacodynamics, Critical Reviews in Toxicology, v.41, n.5, p. 384 – 403, 2011. GOLISZEK, A. Cobaias Humanas: a história secreta do sofrimento provocado em nome da ciência. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Nerve Agents. In.SIDELL, F.R., NEWMARK, J., MCDONOUGH, J.H. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 5. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Vesicants. In.HURST, C. at al. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 8. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Toxic inhalational injury and toxic industrial chemicals. In. TUORINSKY, S.D. and SCIUTO, A.M. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 10. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Cyanide Poisoning. In. BASKIN, S. et al. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 11. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Incapacitating Agents. In. KETCHM, J. and SALEM, H. et al. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 12. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Riot Control Agents. In. SALEM, H. et al. S.D. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 13. HILMAS, C.J.; SMART, J.K.; HILL, B. Toxins: established and emergent threats. In. WILLIAMS, P. et al. Medical Aspects of Chemical Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 2008. Capter 19. HSDB - HAZARDOUS SUBSTANCES DATA BANK. Disponível em: <http://toxnet.nlm.nih.gov/cgi-bin/sis/htmlgen?HSDB>. Acesso em: jan. 2012.
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Revisão KANDEL, E.R.; SCHWARTZ,J.H.; JESSEL, T.M. Transmission at the nervemuscle synapse. In: CALABRESE, R. et al. Essentials of neural science and behavior. Connecticut: Appleton & Lange, 1995a. cap. 12. LARINI, L. Toxicologia dos praguicidas. Editora Manole, São Paulo, 1999. LOTTI, M. et al. Cholinesterase inhibition: complexities in interpretation. Clinical Chemistry, v. 41, n. 12, p. 1814-1818, 1995. MARTIN, T., LOBERT, S. Chemical warfare: toxicity of nerve agents. American Association of Critical-Care Nurses, v.23, n.5, p. 15 – 22, 2003. OPAQ - ORGANIZACIÓN PARA LA PROHIBICIÓN DE LAS ARMAS QUÍMICAS - Conferencia de los estados partes. Relativo a la aplicación de la convención sobre la prohibición del desarrollo, la producción, el almacenamiento y el empleo de armas químicas y sobre su destrucción em 2009. Disponível em: < http://www.opcw.org/index.php?eID=dam_frontend_push&docID=14299>. Acesso em dez. 2011. PITA, R. VIDAL-ASENSI, S. Toxicología y sistêmica de los agentes vesicantes de guerra. ACTAS Dermo-Sifiliográficas. v. 1, n. 101, p. 07-18, 2010. RABER, E. et al. Decontamination issues for chemical and biological warfare agents: How clean is clean enough? International Journal of Environmental Health Research, n. 11, p. 128-148, 2001. RILEY, B. The toxicology and treatment of injuries from chemical warfare agents. Current Anaesthesia & Critical Care, n.14, p.149 – 154, 2003. SALADI, R.N., SMITH, E., PERSAUD, A.N. Mustard:a potential agent of chemical warfare and terrorism. Clinical and Experimental Dermatology, n.31, p.1 – 5, 2005. SCHECTER, W. et al. Chemical Agents in Civilian Terrorism. Journal of the American College of Surgeons, v. 200, n.1, p. 125 – 138, 2005. SMART, J.M.A History of Chemical and Biological Warfare: An American Perspective. In. SIDELL, F.R.; TAKAFUJI, E.T.; FRANZ, D.R. Medical Aspects
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Revisão of Chemical and Biological Warfare. Washington, DC, Borden Institute, 1997. Capter 2. SZINICZ, L. History of chemical and biological warfare agents. Toxicology. n. 214, p. 167-181, 2005. TOXNET - TOXICOLOGY DATA NETWORKING. ChemIDplus Lite. Disponível em: < http://toxnet.nlm.nih.gov/ >. Acesso em: jan. 2012. WHO – World Health Organization. Public health response to biological and chemical weapons. WHO guidance. Geneva, 2004, 2ª edição. Disponível em: <http://www.who.int/csr/delibepidemics/biochemguide/en/>. Acesso em: dez. 2011. WILSON, B.W. Cholinesterases. In: KRIEGER, R. I. Handbook of Pesticides Toxicology Agents. 2 ed. California: Academic Press, 2001. cap. 48, p. 967-985.
ANEXOS
TABUN – GA
Fórmula estrutural do Tabun Fórmula molecular: C5H11N2O2P Peso molecular: 162,13 Nome químico: Dimethylphosphoramidocyanidic acid, ethyl ester Sinonímia: Dimethylamidoethoxyphosphoryl cyanide; dimethylphosphoramidocyanidate; GA; Tabun. No. CAS: 77-81-6 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
Ethyl
N,N-
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Revisão SARIN – GB
Fórmula estrutural do Sarin Fórmula molecular: C4H10FO2P Peso molecular: 140,09 Nome químico: Phosphonofluoridic acid, P-methyl-, 1-methylethyl ester Sinonímia: Isopropoxymethylphoshoryl fluoride; Phosphine oxide, fluoroisopropoxymethyl; sarin No. CAS: 107-44-8 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
SOMAN – GD
Fórmula estrutural do Soman Fórmula molecular: C7H16FO2P Peso molecular: 182,17 Nome químico: Phosphonofluoridic acid, methyl-, 1,2,2-trimethylpropyl ester Sinonímia: 1,2,2-Trimethylpropyl methylphosphonofluoridate 1,2,2-Trimethylpropylester kyseliny methylfluorfosfonove 1,2,2-Trimethylpropylester kyseliny methylfluorfosfonove; GD; Soman. No. CAS: 96-64-0 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
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Revisão AGENTE VX
Fórmula estrutural do Agente VX Fórmula molecular: C11H26NO2PS Peso molecular: 267,37 Nome químico: Phosphonothioic acid, methyl-, S-(2-(bis(1methylethyl)amino)ethyl) O-ethyl ester Sinonímia: Ethyl S-2-diisopropylaminoethyl methylphosphonothiolate Ethyl S-dimethylaminoethyl methylphosphonothiolate; VX No. CAS: 50782-69-9 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
MOSTARDA DE ENXOFRE
Fórmula estrutural do agente mostarda Fórmula molecular: C4H8Cl2S Peso molecular: 159,08 Nome químico: Bis(2-chloroethyl)sulfide Sinonímia: Agent HD; 2,2'-Dichlorodiethyl sulfide; Mustard HD; Mustard gas ; Mustard vapor ; Mustard, sulfur; S-Yperite No. CAS: 505-60-2 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
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Revisão LEVISITA
Fórmula estrutural do agente químico levisita Fórmula molecular: C2H2AsCl3 Peso molecular: 207,32 Nome químico: Dichloro(2-chlorovinyl)arsine Sinonímia: Arsine, (2-chlorovinyl) dichloro; Chlorovinyl dichloroarsine; Chlorovinylarsine dichloride; Lewisite; No. CAS: 541-25-3 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
FOSGÊNIO OXIMA
Fórmula estrutural do agente químico Fosgênio oxima Fórmula molecular: CHCl2NO Peso molecular: 113,9 Nome químico: Dichloroformoxine Sinonímia: CX; Dichloroformaldehyde oxime; Dichloroformaldoxime; Dichloroformossina; Phosgene oxime No. CAS: 1794-86-1 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CLORETO DE CIANOGÊNIO
Fórmula estrutural do Cloreto de cianogênio Fórmula molecular: C-Cl-N Peso molecular: 61,47
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Revisão Nome químico: Cyanogen chloride Sinonímia: Chlorocyan; Chlorocyanide; Chlorocyanogen; CK No. CAS: 506-77-4 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CIANETO DE HIDROGÊNIO
Fórmula estrutural do Cianeto de hidrogênio Fórmula molecular: CH-N Peso molecular: 27,03 Nome químico: Hydrogen cyanide Sinonímia: Cyclon; Cyclone B; Hydrocyanic acid; Zyklon B No. CAS: 74-90-8 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CLORO
Fórmula estrutural do Cloro Fórmula molecular: Cl2 Peso molecular: 70,905 Nome químico: Chlorine Sinonímia: Chlor, Bertholite /warfare gás; Bertholite No. CAS: 7782-50-5 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
CLORPICRINA
Fórmula estrutural da Clorpicrina Fórmula molecular: CCl3NO2
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Revisão Peso molecular: 164,38 Nome químico: Chloropicrin Sinonímia: Acquinite; KLOP; Nitrochloroform; PS; Picride; Profume A; Trichloronitromethane No. CAS: 76-06-2 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
FOSGÊNIO
Fórmula estrutural do Fosgênio Fórmula molecular: CCl2O Peso molecular: 98,92 Nome químico: Carbonic dichloride Sinonímia: CG; Carbon dichloride oxide; Carbon oxychloride; Phosgene No. CAS: 75-44-5 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
SAXITOXINA
Fórmula estrutural da Saxitoxina
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Revisão 1-CLOROACETOFENONA (CN)
Fórmula estrutural do 1-cloroacetofenona Fórmula molecular: C8H7ClO Peso molecular: 154,60 Nome químico: 1-cloroacetofenona Sinonímia: 2-Chloro-1-phenylethanone; 2-Chloroacetophenone; omega-Chloroacetophenone N° CAS: 532-27-4 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
o-CLOROBENZILIDENO MALONONITRILA (CS)
Fórmula estrutural do o-clorobenzilideno malononitrila Fórmula molecular: C10H5ClN2 Peso molecular: 188,62 Nome químico: O-clorobenzilideno malononitrila Sinonímia: (2-Chloro-phenyl)methylene)propanenitrile; (o-Chlorobenzal)malononitrile N° CAS: 2698-41-1 (CHEMIDPLUS, 2012; HSDB, 2012)
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Ensaio Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes
Carlos E. Matos dos Santos Farmacêutico e Toxicólogo. Analista de gerenciamento de risco toxicológico
da
Intertox.
Experiência
em
Toxicologia
Computacional & In Silico, Toxicologia Ambiental, e assuntos regulatórios. E-mail: c.eduardo@intertox.com.br
André L. T. Ribeiro Farmacêutico-Bioquímico,
Universidade
Paulista,
Mestre
em
Toxicologia e Análises Toxicológicas, FCF/USP, Doutorando em Toxicologia
e
Análises
Toxicológicas
FCF/USP,
estudos
de
marcadores moleculares de oxidação de DNA e avaliação de mutagenicidade e carcinogenicidade. E-mail: altribeiro@gmail.com
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Resumo O presente artigo tem como objetivo a discussão sobre o julgamento do peso da evidência em Toxicologia, e, por conseguinte, apresentar as mais recentes discussões sobre a Estratégia Integrada de Testes (EIT), como componente essencial do processo de construção da evidência de toxicidade. Nesse contexto, dá-se ênfase à importância do correto julgamento de informações toxicológicas para fins de classificação de perigo de acordo com guias nacionais e internacionais, incluindo a opinião de autores quanto à sistematização do processo de julgamento como objeto da Toxicologia Baseada em Evidências (TBE). Faz-se uma discussão sobre a importância de se notar as mudanças de paradigma na Toxicologia, já que se constituem novos avanços e novas visões que a tornam uma ciência cada vez mais madura, tecnológica, custo-efetiva e conclusiva. Palavras – chave: Estratégias Integradas de Testes. Peso de Evidências. Toxicologia Baseada em Evidências. Abstract This paper aims to discuss the judgment of the weight of evidence in toxicology, therefore, to present the latest discussions on the Integrated Testing Strategies (ITS), as an essential component of the process of building the evidence of toxicity. In this context, giving emphasis on the importance of correct judgment of toxicological information for the purpose of hazard classification according to national and international guidelines, including the opinion of different authors on the systematization of the judgment process as an object of Evidence-based Toxicology (EBT). A discussion on the importance of noting the paradigm shifts in toxicology, since they constitute new advances and new visions that make it a science increasingly mature, technological, cost-effective and conclusive. Key-words: Evidence-based Toxicology. Integrated Testing Strategies. Weight of evidence.
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Introdução A utilização das evidências na tomada de decisão é essencial para a efetividade de intervenções/ações, seja no contexto diagnóstico, terapêutico ou toxicológico. Em Toxicologia, o julgamento especializado das evidências (“expert judgement”) depende de profundo conhecimento técnico, perícia e criteriosa busca/avaliação de informações, sendo que tal abordagem já é citada em guias e normas internacionais e nacionais. A evidência, caracterizada como a última (e máxima) essência passível de ser extraída de resultados toxicológicos, exige investigação com busca de dados disponíveis; e na ausência de dados, demanda a realização de testes e outros estudos (epidemiológicos, relatos de caso etc.), todavia, sem contrariar a atual perspectiva mundial de racionalização da utilização animal. Assim, a construção da evidência exige a definição de abordagens de investigação, através das quais seja possível obter o máximo de informação para atribuição ao peso das evidências (“weight of evidence”) sobre determinado perigo, sem utilização indiscriminada de animais. A integração de diferentes metodologias, incluindo os mais recentes avanços em testes (in silico e in vitro), é objeto de discussão das chamadas Estratégias Integradas de Testes (BENFENATI, 2010; NETZEVA, 2007). A capacidade de se obter e interpretar informações toxicológicas quanto à confiabilidade, consistência, relevância e a sua contribuição relativa (em peso de evidência) para a resposta de uma determinada questão, é elementar para a tomada de decisões efetivas, já que são necessárias decisões corretas em um contexto considerado crítico, que envolve riscos de conseqüências que podem ser graves e ou prevalecer por gerações. O presente trabalho tem como objetivo, discutir a importância dos aspectos relacionados à construção e julgamento do peso das evidências em Toxicologia, suas perspectivas de aplicação, e os atuais desafios dos paradigmas de investigação e tomada de decisão no contexto dos riscos toxicológicos. SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Julgamento especializado e o peso de evidências na classificação de perigos pelo GHS Um exemplo da importância do julgamento do peso de evidências em Toxicologia é o sistema GHS (Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals), uma iniciativa da Organização da Ações Unidas (ONU) para a harmonização da comunicação de perigos no mundo. No Brasil, o GHS foi adotado como sistema de classificação, pela norma ABNT NBR 14725-Parte 2, contemplando os perigos físico-químicos, à saúde humana e ao meio-ambiente (ABNT, 2009; NAÇÕES UNIDAS, 2011). Para determinadas classes de perigo do GHS, alguns dados toxicológicos servem automaticamente para a classificação pelo sistema, quando estes satisfazem seus critérios. No entanto, para certos efeitos, a classificação demanda uma avaliação mais extensiva das informações existentes, com julgamento de especialistas (ABNT, 2009). O Livro Púrpura estabelece que a avaliação das informações sobre os perigos à saúde humana deve ser feita com base no julgamento especializado do peso
das
evidências.
Para
efeitos
críticos,
tais
quais: mutagenicidade,
carcinogenicidade, toxicidade reprodutiva, entre outros; os resultados de estudos com animais e humanos são freqüentemente conflitantes, o que justifica a grande ênfase dada nos guias quanto à necessidade do julgamento especializado do peso total de evidências, ou seja, de toda informação disponível, incluindo dados de estudos in vitro; dados de estudos com animais; estudos epidemiológicos, relatos de caso e observações clínicas com humanos; entre outros (NAÇÕES UNIDAS, 2011). No julgamento especializado das evidências, a avaliação crítica de aspectos metodológicos (ex: Boas Práticas de Laboratório, incertezas do método, validação estatística, espécie utilizada nos testes, etc) e dos resultados (confiança, relevância, contribuição relativa para o peso total das evidências), bem como a SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio correta interpretação de resultados conflitantes em relação a uma determinada substância; demanda profundo conhecimento em Toxicologia. Não é surpresa a obtenção/utilização indiscriminada de dados aleatórios no julgamento de questões (sem critério ou julgamento) complexas na elaboração de documentos de segurança, o que pode resultar em riscos desconhecidos e/ou descontrolados em muitas organizações. Toxicologia Baseada em Evidências A sistematização do processo de avaliação de evidências já é discutida no mundo em alguns contextos, como ponto de vista de alguns autores. Sabe-se que o volume da produção científica pode impulsionar a busca de novas práticas em uma ciência. Na área médica, a Medicina Baseada em Evidências (MBE) surgiu da necessidade de um método para lidar com o grande número de informações na medicina, para a avaliação das evidências de maneira objetiva e sistemática, visando a melhor decisão clínica entre o imenso número de alternativas. Nas ciências toxicológicas não o é diferente e alguns autores consideram a adequada a abordagem da Toxicologia Baseada em Evidências (TBE). Diferente do julgamento especializado do peso das evidências (mais subjetivo), a TBE propõe abordagens mais sistemáticas (como a metanálise) e utilização de recursos matemáticos para a conclusão de determinadas questões toxicológicas, assunto que sob nosso conhecimento é pouquíssimo discutido no Brasil. Muitos profissionais toxicólogos enfrentam o desafio de encontrar a melhor evidência para uma determinada questão no imenso número de informações existentes. Como exemplo, a avaliação de resultados de avaliação de carcinogenicidade é bastante laboriosa, já que há geralmente estudos com resultados conflitantes (positivos, negativos e/ou ambíguos), com vieses, com diferentes níveis de detalhamento/qualidade, e/ou com diferentes interpretações por parte dos autores. SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Embora não tenha sido estabelecida uma definição formal da Toxicologia Baseada em Evidências, entre os componentes definidores da TBE selecionados no primeiro Fórum Internacional sobre Toxicologia Baseada em Evidências EBTOX, realizado em 2007, destacam-se: a característica da TBE em promover o uso consistente de processos sistemáticos e transparentes para alcançar o julgamento sensato e conclusões robustas; promove a integração do julgamento especializado com a melhor evidência possível; Abrange todos aspectos da prática toxicológica, e todos os tipos de evidência usadas na identificação do perigo, avaliação de risco, e análise retrospectiva da causalidade; inclui todos os ramos das ciências toxicológicas (Modificado de HARTUNG, 2009) A aplicação da TBE ainda não possui campo de aplicação bem definido. A utilidade parece ser transversal, mas com campos específicos mais adequados, já que os autores destacam que a sistemática da busca evidência pode ter ênfase na área clínica e diagnóstica (diagnóstico de intoxicações e avaliação das melhores opções terapêuticas baseada em evidências); na Avaliação do Risco Toxicológico (combinação quantitativa na avaliação de informações existentes
etapa de
identificação de perigo de substâncias); na investigação da causalidade (investigações causa-efeito, ex: fumo vs. câncer de pulmão) (HARTUNG, 2009). Além da sistemática de busca de dados e tratamento matemático dos resultados, a abordagem enfatiza o julgamento especializado de revisões com informações de alta qualidade, ao invés de se utilizar opiniões de individuais de autores e se fazer buscas de pequena extensão, as quais podem estar afetadas por vieses, conflitos de interesse e opiniões pessoais, como resultado da avaliação pessoal de muitos autores (HARTUNG, 2009). SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Estratégias Integradas de Testes (Integrated Testing Strategies) e a construção da evidência A produção extensiva de novos produtos químicos foi força motriz para a mudança no modelo de avaliação de substâncias, já que experimentação animal isolada não é um modelo capaz de acompanhar o ritmo de produção da indústria, com inadequações econômicas (longo tempo para análise e altos custos) e mesmo filosóficas (Filosofia 3R) (SANTOS, 2011a; 2011b). Já há disponível uma base de dados nos Estados Unidos (United States National Library of Medicine), que reúne bibliografia especial sobre métodos alternativos ao uso de animais, tais quais modelagens computacionais, testes in vivo, e outras abordagens. A ALTBIB (Bibliography on Alternatives to Animal Testing)1. A combinação de diferentes métodos de avaliação (in silico, in vitro e in vivo) tem sido considerada o modelo mais adequado no atual contexto de produção. A chamada Estratégia Integrada de Testes (Integrated Testing Strategies - ITS) proporciona a utilização de métodos de fronteira (modelos computacionais e in vitro) agregada à utilização racional de animais. Alguns autores têm sugerido a avaliação preliminar com modelos in silico como primeira etapa, devido à rapidez e baixo custo, e, por conseguinte, a realização de estudos in vitro e in vivo, conforme seja necessário (BENFENATI, 2010; NETZEVA, 2007; SANTOS, 2011a; 2011b). No Brasil, ainda existe a necessidade de elaborar guias com Estratégias Integrada de Testes para perigos à saúde e ao meio ambiente, considerando a capacidade preditiva de cada modelo (in silico, in vitro e in vivo) em relação à um
United States National Library of Medicine. Base de dados ALTBIB. Disponível em: <http://toxnet.nlm.nih.gov/altbib.html> acesso em 12 de fev. 2012. 1
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio determinado efeito, visando facilitar a avaliação de produtos de maneira custoefetiva, tendo a vista a segurança da saúde humana e do meio ambiente. Existem muitos produtos com fichas de informação toxicológica com ausência de dados devido ao fato de que muitos produtos produzidos no território brasileiro não foram devidamente avaliados. Em países desenvolvidos há programas de segurança que organizam inventários locais com a lista das substâncias existentes no território, com requisitos mínimos de informação de acordo com o perfil dos produtos (de produção ou perfil toxicológico mediante triagem), e definição de substâncias prioritárias para avaliação. Como exemplo a lista DSL (Domestic Substance List), programa dos Ministérios da Saúde e Meio Ambiente do Canadá2, previamente avaliada com modelos in silico; e, o programa HPV (High Production Volume)3, nos Estados Unidos. Fatos sobre o Bisphenol-A e a importância da aplicação da Toxicologia Baseada em Evidências nas investigações toxicológicas O julgamento especializado das evidências traz uma nova visão sobre a avaliação de informações na avaliação de risco, possibilitando ao toxicólogo uma visão mais crítica em relação à avaliação do risco. Trata-se do hábito de avaliar criteriosamente e sistematicamente a divergência de dados da literatura. Foi notável a problemática da avaliação do Bisfenol A (BPA), um agente químico sintetizado pela primeira vez em 1891, tornando-se, em 1957, largamente utilizado para fins comerciais, com produção estimada de cerca de 700 a 865 toneladas por ano, tendo como a principal empregabilidade industrial a produção de plásticos. (EDMONDS et al., 2004; DOERGE et al., 2010; LOGANATHAN & KANNAN, 2011). Environment Canada. Domestic Substances List Categorization and Screening Program. Disponível em: <http://www.hc-sc.gc.ca/ewhsemt/contaminants/existsub/categor/approach-approche-eng.php> acesso em 12 de fev. 2012. 3 USEPA - United States Environmental Protection Agency. High Production Volume (HPV) Challenge. Disponível em: <http://www.epa.gov/hpv/> acesso em 12 de fev. 2012. 2
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Devido às varias aplicações do BPA o ser humano e o meio ambiente estão expostos constantemente, através de exposição ocupacional, ou por meio do consumo de alimentos que possam estar contaminados, ou ainda através meio do ambiente, devido à liberação do BPA em rios, solo e ar. Dentre as vias de exposição apresentadas, a alimentar é a que gera maior preocupação, pois esta exposição atinge uma gama muito grande de indivíduos que variam em faixa etária, atividade laboral, estilo de vida, raça e sexo, dificultando a determinação de um padrão de exposição, consequentemente dificultando um estudo aprofundado de limites de exposição. Além disso, o problema se agrava, pois a exposição ao BPA por via alimentar, somado as outras vias, leva a crer que o tempo de exposição seja muito longo, possivelmente por toda a vida. Agências regulamentadoras de exposição a agentes químicos como a Environmental Protection Agency (EPA) e a European Food Safety Authority (EFSA) preconizaram que a quantidade de ingestão diária tolerável (TDI) para o BPA é de 50 e 25 µg/kg/dia, respectivamente, bem como o NOAEL (No Observed Effect Level) 50 mg/kg, contudo estes valores já são contestados por pesquisadores forçando a Food and Drug Administration (FDA) a retomar o estudos, para a obtenção de novos limites de exposição. Os níveis de exposição estimados pela literatura mostram que um indivíduo pode ingerir de 1,7 a 2,7 µg de BPA por dia, procedente de alimentos contaminados por acondicionamento ou cultivo, sem levar em consideração os valores de BPA presente na poeira, que o indivíduo pode deglutir juntamente com os alimentos, apresentando concentrações que variam de 0,008 a 0,014 µg por dia. A estes valores, ainda, podem ser somados os valores de BPA contido em refrigerantes enlatados e em garrafas de água, que apresentam valores de 0,0045 a 4,5 µg por litro e 0,1 a 0,7 g por litro respectivamente. (DEKANT & VOLKEL, 2008; EHLERT et al., 2008; CAO et al., 2009; LOGANATHAN & KANNAN, 2011). SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio Estes valores estão nitidamente abaixo dos valores estimados pela EPA e pela EFSA, contudo o ser humano está exposto às concentrações citadas anteriormente de forma crônica, e que pode provocar efeitos tóxicos em longo prazo. A controvérsia dos níveis permitidos de BPA para o ser humano geraram muitas discussões e levaram a FDA promover novos estudos com relação a ação deletéria do BPA, pois vários estudos mostraram a atividade estrogênica deste composto, com concentrações muito inferiores as atualmente preconizadas como seguras pelas agências regulamentadoras (LOGANATHAN & KANNAN, 2011). Devido ao conhecimento da atividade estrogênica do BPA, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) através da RDC 41 de 16 de setembro de 2011, proibiu a produção e comercialização de mamadeiras com BPA na sua composição. Atualmente, com o conhecimento de outras fontes de exposição ao BPA, comunidade científica tem conduzido pesquisas com foco nas evidências de que pequenas concentrações de BPA no organismo poderiam alterar frações moleculares, estas evidências direcionam as investigações para a avaliação da capacidade genotóxica e mutagênica devido à exposição crônica. Discussão A
mudança
de
paradigmas
de
uma
ciência
faz
parte
de
seu
amadurecimento, frente aos desafios das evoluções humana, científica e tecnológica. Em se tratando da Toxicologia, quando segmentamos dessa forma, apontamos que (i) o modelo de vida humano e suas respectivas demandas, (ii) os avanços nas diferentes ciências e a expansão das possibilidades nas suas interfaces (ex: ciências computacionais vs. Toxicologia), e os (iii) avanços tecnológicos
(surgimento
de
softwares
de
Toxicologia
Computacional,
desenvolvimento de sistemas de avaliação da toxicidade in vitro usando-se a SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio robótica4, etc.); impulsionaram novos paradigmas para a Toxicologia, inclusive a possibilidade de se obter antecipadamente (na fase de planejamento) informações sobre uma determinada molécula, campo da Toxicologia Preditiva (Predictive Toxicology). A
transição
de
paradigma
em
uma
Ciência
faz
parte
de
seu
desenvolvimento, sendo que para a nossa amadurecida Toxicologia, não o é diferente. As ciências interagem entre si, numa dinâmica de mútua troca de avanços e quebra de paradigmas, desde mudanças em metodologias consideradas mais adequadas para avaliar-se conhecer alvos moleculares e celulares, como na forma com que podem ser tratadas informações sobre toxicidade, e ainda, nas diferentes interpretações que podemos ter diante de um resultado toxicológico. Chegamos ao nível de atribuir “peso às evidências”, tornamos importante a atualização e informatização dos dados toxicológicos, e a robustez das bases de dados toxicológicos tornou-se essencial para a Toxicologia que conhecemos hoje. THOMAS KUHN (1990) em sua obra chamada “A estrutura das revoluções científicas”, segmenta a ciência em dois diferentes momentos, a ciência normal e a ciência em crise. A ciência normal tem um paradigma estabelecido, a partir do qual acredita-se encontrar a resposta e solução dos problemas, mas que geralmente a deixa limitada a não descobrir fatos novos ou aumentar seu espectro. Trata-se de uma promessa fantasiosa de que todos os problemas são passíveis de serem resolvidos com o paradigma proposto, muitas vezes tentandose até forçar a realidade a encaixar-se dentro dos limites do paradigma, mazela a qual sofrem muitas áreas científicas. Quando um paradigma perde sustentação em uma ciência, surge então a ciência em crise, ponto-chave para a mudança de paradigma. Kuhn afirma no capítulo VI de sua obra que: “o significado das crises consiste exatamente no fato USEPA - United States Environmental Protection Agency. Programa Tox21- Colaboração entre o National Institutes of Environmental Health Sciences (NIEHS), National Toxicology Program(NTP), National Institutes of Health/National Human Genome Research Institute , NIH Chemical Genomics Center (NCGC) and the Food and Drug Administration (FDA) e EPA (Environmental Protection Agency). Disponível em: <http://epa.gov/ncct/Tox21/> 4
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos”. Para Kuhn, a crise e as conseqüentes mudanças de paradigmas por meio de revoluções científicas são sinais de uma ciência amadurecida. Conforme visto, sob nosso ponto de vista, a crise paradigmática da Toxicologia para avaliação de substâncias se deu devido a um conjunto de fatores intra e extra ciência. No cenário atual, são notáveis algumas “forças motrizes” que têm incitado a transformação da Toxicologia Moderna:
(i)
Avanços
nas
subáreas
da
Toxicologia
(Toxicologia
Molecular,
Experimental, Computacional, entre outras) e ciências correlacionadas (as –ômicas, química computacional, bioinformática, Inteligência artificial, robótica aplicada em ensaios automatizados, entre outras); (ii)
O conhecimento de que uma substância-alvo pode dar origens a metabólitos e produtos de degradação com toxicidade distinta, o que multiplica a lacuna de conhecimento sobre a toxicidade de uma dada entidade química, e portanto, exige uma abordagem racional e mais abrangente de testes (também chamada de abordagem integrada);
(iii)
O atual modelo regulatório no mercado internacional de produtos químicos, que pressiona a indústria para avaliação dos riscos e que exige a entrada no mercado de produtos com perfil cada vez menos preocupante para a saúde e para o meio ambiente, o que demanda a existência
de
abordagens
preditivas
no
Planejamento
e
Desenvolvimento (P&D) de substâncias, considerando metodologias praticáveis, custo-efetivas e que tenham em vista a redução de animais em testes; (iv) O atual modelo de mercado, em que a preocupação com a saúde humana e com o meio ambiente exigem políticas responsáveis (que tornam-se vantagens competitivas), entre as quais, a possibilidade de se prever antecipadamente
a
toxicidade
e
comportamento
ambiental
de
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio moléculas, escolhendo-se aquelas que forem consideradas de menor preocupação. (v) A frágil capacidade da sociedade de apoderar-se politicamente e de perceber os riscos químicos na dimensão em que se estendem. Conclusão As políticas de segurança de segurança toxicológica do país devem estar alinhadas aos avanços e mudanças de paradigma da Toxicologia, que consideram a construção e o julgamento das evidências como pontos-chave para a saúde humana e meio ambiente. Se fazem necessárias novas discussões quanto (i) à aplicação das Estratégias Integradas de Testes para avaliação de efeitos (eco)toxicológicos de maneira custo-efetiva; (ii) ao criterioso julgamento especializado do peso das evidências; (iii) à criação de programas de avaliação de substâncias produzidas no território brasileiro, com a construção de inventários locais (municipais, estaduais e federais) e plano de avaliação com estratégias apropriadas; (iv) a disponibilização de informações em sistemas de informações de segurança e emergências toxicológicas.
REFERÊNCIAS: ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14725: Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos (FISPQ). Rio de Janeiro, 2009. BENFENATI, EMILIO [et al]. Comparing in vivo, in vitro and in silico Methods and Integrated Strategies for Chemical Assessment: Problems and Prospects. Atla, Milão, p. 153-166. 19 mar. 2010. SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio CAO, X. L.; CORRIVEAU, J.; POPOVIC, S. Levels of bisphenol A in canned soft drink products in Canadian markets. J Agric Food Chem, v. 57, n. 4, p. 130711, 2009. DEKANT, W.; VOLKEL, W. Human exposure to bisphenol A by biomonitoring: methods, results and assessment of environmental exposures. Toxicol Appl Pharmacol, v. 228, n. 1, p. 114-34, 2008. DOERGE, D. R. et al. Pharmacokinetics of bisphenol A in neonatal and adult Sprague-Dawley rats. Toxicol Appl Pharmacol, v. 247, n. 2, p. 158-65, 2010. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&dopt =Citation&list_uids=20600215> acesso em 09 de fev. 2011. EDMONDS, J. S. et al. The reaction of bisphenol A 3,4-quinone with DNA. Biochem Biophys Res Commun, v. 319, n. 2, p. 556-61, 2004. 0006-291X (Linking). Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&dopt =Citation&list_uids=15178442> acesso em 09 de fev. 2011. EHLERT, K. A.;BEUMER, C. W. E.; GROOT, M. C. E. Migration of bisphenol A into water from polycarbonate baby bottles during microwave heating. Food Additives and Contaminants, v. 25, n. 7, p. 904-910, 2008. HARTUNG, THOMAS. Food for Thought … on Evidence-Based Toxicology. Altex, Baltimore, p. 75-82, 08 abr. 2009. LOGANATHAN, S.N.; KANNAN, K. Occurrence of Bisphenol A in Indoor Dust from Two Locations in the Eastern United States and Implications for Human Exposures. Arch Environ Contam Toxicol, 2011. Disponível em: < http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/query.fcgi?cmd=Retrieve&db=PubMed&dopt =Citation&list_uids=21221962> acesso em 01 de fev. 2011. NETZEVA, TATIANA [et al]. Review of Data Sources, QSARs and Integrated Testing Strategies for Aquatic Toxicity. EUR 22943 EN Luxemburgo: Luxembourg: Office For Official Publications Of The European Communities, 2007. 98 p. (JRC- Scientific and Technical Reports). SANTOS, C. E. M.; RODRIGUES, A. S. Toxicologia in silico: contexto de aplicação e o modelo de custo-efetividade nos testes alternativos. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 3, p. 92-113, out. 2011a. SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Ensaio SANTOS, C. E. M. Toxicologia in silico: uma nova abordagem para análise do risco químico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 1, p. 47-63, fev. 2011b. UNITED NATIONS. Globally Harmonized System of Classification And Labelling Of Chemicals (GHS). 4. ed. New York And Geneva: UNECE, 2011.
SANTOS, Carlos E. Matos dos; RIBEIRO, André L. T. Julgamento de evidências em Toxicologia e Estratégias Integradas de Testes.RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 48-61, fev. 2012.
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Revisão RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. Michelle Broglia Diaz Farmacêutica com Habilitação na área industrial pelo Centro Universitário São Camilo em 2003 (Campus Ipiranga em São Paulo/SP). Especializada em Homeopatia pela FACIS-IBEHE em 2009 (São Paulo/SP). Técnica em Química pelo Colégio Benjamin Constant em 1998. (São Paulo/SP). Experiência profissional através de estágios e trabalhos efetivos em hospitais, clínicas, drogarias, farmácias com manipulação, consultoria em toxicologia. Estágio em produção industrial e assistência farmacêutica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. E-mail: m.diaz@intertox.com.br
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão Resumo O metamidofós é amplamente utilizado em vários países e a quantidade de resíduos gerados pelo seu uso excede frequentemente a capacidade de autodepuração dos solos. Apesar de diferentes processos de degradação que pode sofrer, o uso intenso do produto é capaz de impactar o solo, impossibilitando sua autopurificação e detoxicação, uma vez que a toxicidade e a biodisponibilidade do inseticida são elevadas. A adsorção de praguicidas em solos pode destruir a composição e a estrutura originais das comunidades de microrganismos naturais em diferentes níveis, resultando em declínio da atividade ecológica e diversidades funcionais e metabólicas naturais do sistema. O metamidofós, por sua atuação como inibidor da AChE, causa efeitos significativos a biota que não constitui alvo intencional do praguicida, incluindo seres humanos, outros vertebrados e invertebrados, resultando em sérios impactos. Palavras-chave: Metamidofós. Risco Ecotoxicológico. Risco a Biota. Abstract Metamidofós is still widely used in some countries and the amount of residues generated by its use exceeds frequently the soil natural depuration capacity. Although the product may undergo different processes of degradation, its intense use is capable of disturbing the soil system and disabling its depuration and detoxication ability. Due to the insecticide high bioavailability, the biota is ready affected. The product adsorption by the soil can destroy the original composition and structure of natural microorganisms communities, resulting in a decline of the ecological activity and natural functional, as well as the system metabolic diversity. Metamidofós, as an AChE inhibitor, significantly affects unintentional targets, a wide variety of life forms including human beings, other vertebrates and invertebrates, thus resulting in serious damage. Key-words; Metamidofós. Ecotoxicological Risk. Biota Risk.
DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão Introdução: Processos de degradação do metamidofós, impactos e risco ecotoxicológico causados ao solo O metamidofós é amplamente utilizado em vários países e a quantidade de resíduos gerados pelo seu uso excede frequentemente a capacidade de autodepuração dos solos (GARCÍA DE LA PARRA et al, 2006). O uso intenso do praguicida, resultando na presença deste em altas concentrações no ambiente, está relacionado a efeitos adversos diretos e potenciais em sistemas naturais (LI et al, 2005; WANG et al, 2008). Como exemplo, pode-se citar a presença de altas em altas concentrações de metamidofós em plantas (LI et al, 2005). A degradação de praguicidas no solo está relacionada a várias interações complexas que envolvem processos químicos, físicos e biológicos. Exemplos dos diferentes processos de degradação do metamidofós no solo incluem:
Sob condições aeróbicas, no escuro e em solo arenosos apresenta meia vida de 14 horas; sob condições semelhantes, porém em ausência de oxigênio, apresenta meia vida de 4 dias. Sua rápida hidrólise no meio ambiente sugere que tem baixa tendência a sofrer lixiviação (EPA, 2005);
Sorção aumenta com o aumento do pH, podendo atingir seu máximo (100%) em solos com o pH em torno de 11,5 e com baixas concentrações de minerais tais óxidos de alumínio e ferro (KOLELI et al, 2006). Esse comportamento se deve, provavelmente, a presença de grupos funcionais reativos que faz com que o praguicida se ligue à matéria orgânica e/ou às superfícies minerais dos solos (SINGH et al, 1998);
Adsorção aumenta com o aumento da temperatura em solos tropicais: quantidades de 20, 40, 60, e 100 µg ml-1 do produto em 5 g de solo a 30°C apresentaram alta adsorção, cerca de 70% (YEN et al, 2000);
Dissipação rápida já foi atribuída a macropóros, à umidade elevada (CHAI et al, 2009) e a microrganismos presentes no solo. Uma linhagem de microrganismos (Hyphomicrobium sp.) foi capaz de utilizar o metamidofós como única fonte de carbono, nitrogênio e fósforo, contribuindo para a completa eliminação do inseticida no local (WANG et al, 2010). A secreção
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Revisão da minhoca (Eisenia fetida) também parece contribuir com a sua degradação (ZHOU et al, 2008). Apesar dos processos de degradação mencionados, não se pode descartar que o uso intenso deste produto é capaz de impactar o solo, impossibilitando sua autopurificação e detoxicação (ZHOU, 2006), uma vez que a toxicidade e a biodisponibilidade desse inseticida são elevadas (WOREK et al, 2007). O solo assim degradado pode prejudicar a diversidade e a atividade das comunidades de microrganismos colonizadores, indicadores da qualidade deste sistema (WANG et al, 2008). Os microrganismos são componentes importantes dos solos, uma vez que participam da ciclagem natural de vários nutrientes, desempenhando papel importante na manutenção da qualidade do sistema (WANG et al, 2008). A adsorção de praguicidas em solos pode destruir a composição e a estrutura originais das comunidades de microrganismos naturais em diferentes níveis, resultando em declínio da atividade ecológica e diversidades funcionais e metabólicas dos solos (IBEKWE et al, 2001). Estudos demonstram que algumas espécies, como por exemplo, o ácaro (Tetranychus urticae), possuem mutações em genes que codificam a enzima AChE, o que conferem resistência a praguicidas organofosforados (KHAJEHALI et al, 2010; KWON et al, 2010). Por outro lado, outros habitantes do solo parecem mais suscetíveis. A Tabela 1 lista alguns dos estudos que mostram impactos causados pelo metamidofós em organismos do solo. Tabela 1. Estudos sobre o impacto do metamidofós em organismos do solo . Organismo
Concentração
Efeito
Referência
Minhoca (Capitella sp Y)
0,008 e 0,26 mg/g-1
Afetou na alimentação de uma espécie
MÉNDEZ et al., 2008
Fungo
250 mg/kg-1
Aumento da população de fungos e fungos patogênicos
LI et al., 2008
Microrganismos
2,38 e 23,8 mg/kg-1
Reduziu a biomassa, aumentou as atividades catabólicas e diminuiu a diversidade genética
WANG et al., 2008
Microrganismos no solo
150 e 250 mg/kg-1
Afetou o conjunto de genes funcionais
ZHEN-CHENG et al., 2007
O risco ecotoxicológico conceitual do uso do metamidofós em campos agrícolas, mostrando as vias de contaminação, as fontes de exposição, os DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão organismos receptores e os efeitos que esse inseticida pode causar no solo esta esquematizado na Figura 1. A avaliação do volume de resíduos de metamidofós no ambiente pode ser feita através da quantidade de anticorpos (expressos pelo gene scFv) produzidos pela levedura Pichia pastoris (LI et al, 2008), o que pode dar suporte para a caracterização dos danos que o metamidofós possa causar aos microrganismos do solo.
Figura 1 - Risco ecológico conceitual para metamidofós (adaptado de EPA, 2008).
Riscos a biota O metamidofós, por sua atuação como inibidor da AChE, causa efeitos significativos a biota que não constitui alvo intencional do praguicida, incluindo DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão seres humanos, outros vertebrados e invertebrados, resultando em sérios impactos ao meio ambiente (WHO, 1986). Os ambientes aquáticos cobrem dois terços do planeta e são habitados pela maioria das espécies existentes nos diferentes nichos ecológicos (JHA, 2004). A água é frequentemente usada para transportar produtos residuais para longe do local de produção e descarga. Esses produtos residuais transportados são geralmente tóxicos e sua presença pode degradar seriamente o ambiente de rios, lagos ou riachos receptores (WHITE; RASMUSSEN, 1998), contribuindo para a redução da qualidade ambiental e comprometendo a saúde dos seres que vivem nesses ecossistemas (CAJARAVILLE et al, 2000). Desta maneira o metamidofós, amplamente utilizado em áreas agrícolas em todo o mundo, atinge os corpos d’água (ZHANG et al, 2002), e ai se dilui, por possui alta solubilidade em água (> 2000 g L-1 a 25°C) (YEN, 2000). Para peixes estuarinos e marinhos o metamidofós é moderadamente tóxico em exposição aguda; e para invertebrados aquáticos estuarinos e marinhos, este inseticida é moderado a altamente tóxico (EPA, 2006). Estudos sobre a toxicidade aguda do metamidofós em invertebrados aquáticos estão listados na Tabela 2, e a outros animais aquáticos, na Tabela 3. Tabela 2 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós para invertebrados aquáticos. DL, dose letal para 50% da população estudada Espécie DL50 (mg/kg) Categoria de toxicidade Oral Aguda (Dose única via gavagem) Pato Real
8,48
Codorna do norte
8
Pássaro preto (Common Grackle)
6,7
Pássaro de olhos pretos (Junco)
8
Altamente tóxico
Dieta Subaguda (Cinco dias de tratamento com ração) Pato real
847,7
Moderadamente tóxico
Codorna do norte
42
Altamente tóxico
Fonte: Adaptada EPA, 2006
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Revisão Tabela 3 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós para vertebrados aquáticos. Legenda: CE,concentração efetiva para 50% da população estudada; ppb, partes por bilhão; a.i., ingrediente ativo. Espécie
CE50 (ppb ai) 48 h
96 h
Categoria de Toxicidade
Animal de Água Doce Pulga d'água
0,026
/
Altamente tóxico
Animal Marinho/Estuarino Ostra
/
39
Levemente tóxico
Camarão azul
/
0,00016
Altamente tóxico
5,6
Moderadamente tóxico
Camarão mysid / Fonte: Adaptado do EPA, 2006
Estudos de toxicidade aguda mostram que o metamidofós é ligeiramente tóxico para peixe de água doce e é altamente tóxico para invertebrados de água doce. Por exemplo, as larvas de crustáceos são extremamente sensíveis ao produto, uma dose de aproximadamente 2,2 x 10-7 mg L-1 é letal (LIMA et al, 2001). Para a estrela do mar Tetrapygus niger, a CI50 (Concentração Inibitória) de 1 h para metamidofós é 1423 e 608 mg a.i. L-1 respectivamente (IANNACOONE et al, 2007). Uma listagem de estudos relevantes sobre concentrações inibitórias do metamidofós para invertebrados aquáticos e insetos está na Tabela 4. Vários inseticidas usados extensivamente em diferentes tipos de cultura mostram-se extremamente tóxicos para aves, ocasionando, na maioria das vezes, a morte desses animais. Para aves expostas a 2200 g ia/há (ingrediente ativo por hectare) de metamidofós, a DH5 (dose de risco para 5% das espécies da distribuição da dose letal) é de 129 kg de ave por m2 e expostas a 150 g ia/ha a DH5 é de 8,83 kg de ave por m2 (PARSONS et al, 2010).
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Revisão Tabela 4 - Estudos sobre concentrações inibitórias do metamidofós para organismos aquáticos e insetos. Legenda: i.a., ingediente ativo; µg/frasco, micrograma por frasco; CL, concentração letal para 50% da população estudada. Espécie Nome Popular CL50 Referência Paracheirodon Peixe Neon innesi Verdadeiro Oncorhynchus Peixe truta mykis arco-íris Cyprinodon Peixe Vairão variegatus Oreochromis Peixe Tilápia do niloticus Nilo Hypophthalmich Peixe Carpa thys molitrix Prateada Lepomis Peixe Brânquia macrochirus Azul Litopenaeus vannamei
Camarão branco
Oncorhynchus mykis Oncorhynchus mykis Litopenaeus vannamei Poecilia reticulata Cyprinus Carpio Penaeus stylirostris Carassius auratus
Peixe truta arco-íris Peixe truta arco-íris Juvenis de camarão cinza
Lygus lineolaris
Capitella sp. Y Chironomus calligraphus Tisbe monozota
Animais Aquáticos 10,13 - 20,56 mg/ia/L-1 (96 h)
IANNACONE et al., 2007
19,12 mg/ia/L-1 (96 h) 5,6 mg L-1 (96 h) 29,20 mg L-1 (96 h) 158,5 mg L-1 (48 h) 31 mg L-1 (96 h) 2,34 mg/L-1 (72 h) 1,46
mg/L-1
(96 h)
DILEANIS et al., 1996 apud IANNACONE et al, 2007 WU et al., 1984 apud IANNACONE et al, 2007 USEPA, 1998 apud IANNACONE et al, 2007 GARCÍA-DE LA PARRA et al., 2006
25-51 mg/L-1 (96 h)
TOMIN, 1994 apud HUNG et al., 2002
25-51 mg/L-1 (96 h)
apud HUNG et al, 2002
1,67 mg/L-1 (96 h)
BAUTISTA, 2001
Barrigudinho
46 mg/l-1
Carpa
100 mg/L-1
Camarão azul
0,16 mg/L-1 (24 h)
JUÁREZ E SÁNCHEZ, 1989
Gold fish
100 mg/L-1 (96 h)
WHO, 1993
Palisot de Beauvois
ALLEN et al, 2009
Poliqueta
Insetos 2,11 µg/frasco (3 h) primeiro estágio larval 5,15 µg/frasco (3 h) segundo estágio larval 6,54 µg/frasco (3 h) terceiro estágio larval 10,16 µg/frasco (3 h) quarto estágio larval 15,69 µg/frasco (3 h) quinto estágio larval 6,85 µg/frasco (3 h) adulto 0,54 mg/g (16 d)
MÉNDES et al, 2008
Díptero
1,32 - 4,5 mg/ia/L-1 (48 h)
IANNACONE et al, 2007
Copépode
0,0069 mg/g (24 h)
LEYVA-COTA, 2004
apud LIMA et al., 2001
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Revisão A Tabela 5 apresenta uma revisão de dados da literatura sobre a toxicidade em aves, mostrando que o metamidofós é extremamente tóxico na exposição aguda oral e ligeiramente a altamente tóxico na exposição alimentar subaguda (EPA, 2005). Tabela 5 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós em aves. DL, dose letal para 50% da população Espécie
DL50 (mg/kg)
Categoria de toxicidade
Oral Aguda (Dose única via gavagem) Pato Real
8,48
Codorna do norte
8
Pássaro preto (Common Grackle)
6,7
Pássaro de olhos pretos (Junco)
8
Altamente tóxico
Dieta Subaguda (Cinco dias de tratamento com ração) Pato real Codorna do norte Fonte: Adaptada EPA, 2006
847,7
Moderadamente tóxico
42
Altamente tóxico
Segundo o EPA (2006), não são necessários testes com mamíferos silvestres para avaliação do risco do metamidofós. Os dados de toxicidade aguda e crônica com ratos são relevantes para demonstrar os efeitos ecológicos, e demostram a alta toxicidade do produto para mamíferos de pequeno porte, em teste de toxicidade aguda oral e dérmica. Apesar de não ser uma exigência a realização de testes com animais silvestres, um estudo verificou a toxicidade de metamidofós em búfalos e concluiu que 10 ppm do inseticida, após 72 h de exposição, aumentam a produção de progesterona nas células do corpo lúteo e que 10, 50 e 100 ppm resultam em vacuolização citoplasmática, degeneração hidrópica, tumefação, ruptura e encolhimento da membrana citoplasmática, além alterações nucleares, tais como condensação, necrose e vacuolização (GILL et al, 2011). O metamidofós é utilizado para combater lagartas da soja, besouros e percevejos em várias áreas produtoras de soja e arroz, entre outras culturas (LI et al, 2008; SÓSA-GOMES e SILVA, 2010). Esse inseticida, além de atuar na inibição da acetilcolinesterase, interfere também nos canais iônicos da membrana DIAZ, Michelle Broglia. RISCO ECOTOXICOLÓGICO DO METAMIDOFÓS. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 62-76, fev. 2012.
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Revisão celular desses organismos (NAHRASHI et al, 2000). A Tabela 6 apresenta alguns estudos de insetos expostos ao metamidofós. Tabela 6 - Estudos sobre o risco ecotoxicológico do metamidofós para insetos Nome Espécie Concentração Efeito Popular Lipaphis Inibiu a formação de casulo e a Pulgão 204 mg/L-1 erysimi emergência de adultos Monochamus alternatus
Larvas de nematóide
64,6 mg/L-1
Diminuição da taxa de resistência desta população e letalidade
Monochamus alternatus
Larvas de nematóide
100 µmol/L-1
Inibiu a fosforilação de proteínas
Referência WU et al., 2009 LIU et al., 2008
As abelhas são bons indicadores biológicos porque mostram os prejuízos que um produto químico pode causar. No caso dos praguicidas, esse fato pode ser percebido através de dois sinais: a alta mortalidade desses animais e a presença de resíduos em seu corpo (CELLI, 1994 apud PORRINI et al, 2003). Estudos apontaram o metamidofós como altamente tóxico para abelhas, Apis mellifera (SANFORD, 2003), sendo nelas encontrado resíduos (29 μg kg-1 de metamidofós) quando coletadas em campos agrícolas (ORANTES-BERMEJO et al, 2010).
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Artigo Original Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. Renata de Souza Guerreiro Graduanda em Farmácia, UNIME - Salvador; Analista do Laboratório de Físico-Química de
Alimentos, SENAI-CETIND.
Endereço: Cabula VI, Bloco 45, Ap 201, 41181045 - Salvador- BA. E-mail: renatasg@gmail.com
Matheus Santos de Sá Farmacêutico, UFBA; Doutor em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa, FIOCRUZ; Docente das disciplinas de Toxicologia e Farmacologia, UNIME, EBMSP e ESTÁCIO.
Letícia de Alencar Pereira Rodrigues Engenheira de Alimentos, UNICAMP; Mestre em Ciência de Alimentos, UFBA; Coordenadora do Laboratório de Físico-Química e Microbiologia de Alimentos, SENAI-CETIND.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original Resumo Os sais de nitrito e nitrato são substâncias adicionadas intencionalmente aos alimentos cárneos com a finalidade de inibir o crescimento de microrganismos e conferir características sensoriais específicas destes produtos. No entanto, o excesso destes aditivos preocupa a comunidade científica em função dos riscos toxicológicos à saúde humana, como indução à metahemoglobinemia e formação de compostos cancerígenos. Visando o controlar os níveis destes sais, a legislação brasileira estabeleceu limites máximos de concentrações permitidas nestes produtos. Com o objetivo de avaliar o teor desses aditivos em alimentos cárneos comercializados na cidade de Salvador, foram analisadas 18 amostras por meio da técnica espectrofotométrica. No presente estudo, apenas uma amostra apresentou resultado superior ao preconizado pela legislação. Para garantir a confiabilidade dos resultados gerados neste trabalho, o método analítico utilizado foi validado através dos parâmetros de limite de detecção e quantificação, linearidade, exatidão e precisão. A faixa linear de trabalho do método foi de 0.000008 a 1.300 µg/g, o limite de quantificação para o nitrito e nitrato foi de 0,080 mg/kg e 0,30 mg/kg, respectivamente. A recuperação média foi de 90,5 e 104 % para o nitrito e nitrato, respectivamente. O método proposto mostrou-se adequado para análise de nitrito e nitrato em alimentos cárneos. Palavras-chave: Nitrito. Nitrato. Cárneos. Toxicidade. Espectrofotometria. Abstract The salts of nitrite and nitrate are substances added to food meat in order to inhibit the growth of microorganisms and give their specific sensory characteristics. However, these additives concern over the scientific community on the basis of toxicological risks to human health, such as induction of methemoglobinemia and formation of carcinogenic compounds. In order to control the levels of these salts, the Brazilian legislation has established maximum concentrations allowed in these products. In order to evaluate the content of these food additives in meat sold in the city of Salvador, 18 samples were GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original analyzed by spectrophotometric method. In this study, only one sample showed better result than recommended by law. To ensure reliability of results generated in this work, the analytical method used was validated through the parameters of the limit of detection and quantification, linearity, accuracy and precision. The linear working range of the method was 0.000008 to 1.300 µg / g, the limit of quantification of nitrite and nitrate was 0.080 mg/kg and 0.30 mg/kg, respectively. The average recovery was 90.5 and 104% for nitrite and nitrate, respectively. The proposed method was suitable for analysis of nitrite and nitrate in meat foods. Key-words: Nitrite. Nitrate. Meat. Toxicities. Spectrophotometry. Introdução Os compostos nitrogenados são encontrados em grande quantidade na natureza e participam da maioria dos processos biológicos. Em vegetais, o nitrato se encontra naturalmente presente, visto que a planta o absorve como fonte de nitrogênio para seu crescimento (MOREAL e SIQUEIRA, 2008). A sua presença em alimentos cárneos se deve a adição intencional dos sais de nitrito/nitrato de sódio ou potássio durante o seu processamento (MARTINS e GRANER, 2011). A principal justificativa do uso desses aditivos, além dos aspectos de sabor e cor, é a sua ação preventiva na germinação e proliferação de esporos de algumas bactérias (ORDÓNEZ, 2005), especialmente Clostridium botulinum, responsáveis pela produção de neurotoxinas causadora do quadro de botulismo (PÉREZ et al., 1996). Apesar dos benefícios que esses aditivos trazem para a tecnologia de alimentos, o uso de xenobiótiocos em alimentos, é motivo de preocupação para a comunidade científica, devido às possibilidades de reações tóxicas ao organismo, que estão relacionadas à quantidade ingerida. O mais importante efeito tóxico agudo decorrente da ingestão de nitrito e/ou nitrato é a metahemoglobinemia (DUARTE, 2010). Essa síndrome clínica é causada pelo aumento da concentração de metahemoglobina no sangue (UDEH et GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original al., 2001), que ocorre tanto por alterações congênitas na síntese ou no metabolismo da hemoglobina, como em situações agudas de desequilíbrio nas reações
de
redução
e
oxidação
induzidas
pela
exposição
a
agentes
metemoglobinizantes, como por exemplo, os nitritos e nitratos. (YANG et al., 2005 apud NASCIMENTO et al., 2008). O Nitrito interage com a Hemoglobina (Hb) oxidando-a a metahemoglobina (MeHb). Nessa reação, o átomo de ferro (II) do grupo heme é oxidado a ferro (III). Como a MeHb não se liga de forma reversível ao oxigênio, como acontece com Hb, ocorre uma redução no transporte de oxigênio dos alvéolos pulmonares para os tecidos. (MOREAL; SIQUERA, 2008). A toxicidade do nitrato é atribuível à sua redução enzimática e/ou microbiana a nitrito (DUARTE, 2010). Níveis altos MeHb resultam em pigmentação acinzentada, tontura, cefaléia, dispnéia, sintomas de baixo débito cardíaco e sonolência (NASCIMENTO et al., 2008). Lactentes, são mais susceptíveis a metahemoglobinemia do que adultos, por apresentarem deficiência fisiológica transitória da MeHb redutase ou de seu co-fator NADH (MOREAL e SIQUERA, 2008) e por possuírem baixa acidez estomacal, o que os tornam mais susceptíveis a ação das bactérias redutoras de nitrato (MCKNIGHAT et al., 1999). O excesso destes íons também pode levar a um aumento da incidência de câncer de estômago em seres humanos. O problema reside no fato de que os nitritos podem reagir com aminas para formar N-nitrosaminas, compostos conhecidos pelo seu potencial carcinogênico e por sua ação teratogênica em animais (WHO, 1995). Em resposta a esse problema, a legislação brasileira, de acordo com a Portaria nº. 1004/1998, atribuiu um limite máximo do teor desses conservantes nos produtos acabados a serem consumidos de 150 mg/kg (de nitrito de sódio ou potássio) e 300 mg/kg (de nitrato de sódio ou de potássio). A referida portaria permite a mescla de nitrito e nitrato, desde que a soma das suas concentrações não seja superior a 150 mg/kg. (BRASIL, 1998). GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original Avaliando a importância industrial e os possíveis aspectos toxicológicos causados por esses aditivos, é essencial que seja executado o monitoramento do seu teor, evitando dessa forma, riscos a saúde da população. A principal ferramenta para assegurar que esses produtos estejam enquadrados nas determinações legais é através da determinação quantitativa desses compostos. A técnica analítica mais amplamente utilizada para a determinação de nitrito e nitrato, pela sua simplicidade, é a espectrofotometria, (XIMENES et al., 2000). Porém várias outras têm sido empregadas, entre as quais, a cromatografia líquida de alta eficiência com detectores UV-Vis, fluorescência, cromatografia de íons, quimiluminescência e potenciometria (MOORCROFT e DAVIS, 2001). Antes da aplicação de qualquer metodologia analítica é importante definir se o método de ensaio está adequado à aplicação que se propõe, e para isso é necessário realizar a sua validação. A validação de métodos é um dos requisitos técnicos para a garantia da qualidade de resultados analíticos (EURACHEM, 2009; ABNT, 2005). Segundo o INMETRO (2011), o laboratório ao empregar métodos normalizados não precisa validá-los por completo, entretanto, necessita demonstrar que tem condições de operá-los de maneira adequada. A validação de um método normalizado pode incluir parâmetros como, a linearidade, precisão, exatidão, limite de detecção e limite de quantificação. Considerando que a quantificação destes compostos é de fundamental importância na preservação da saúde pública, o objetivo deste trabalho foi avaliar o teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador, através da comparação dos teores encontrados com os valores permitidos pela legislação, bem como validar o método analítico utilizado a fim de garantir a confiabilidade dos resultados encontrados. Material e métodos Foram analisadas 18 amostras aleatórias de três produtos cárneos adquiridas em supermercados na cidade Salvador. Dessas amostras, seis foram de
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original mortadela, seis de presunto e seis de salsicha de diferentes marcas comerciais cadastradas no Serviço de Inspeção Federal (SIF). Para a realização deste experimento, utilizou-se o espectrofotômetro UV-Vis (Varian Cary 50, Austrália), balança analítica (Ohaus Adventure, USA), banho maria com agitador magnético (Fisatom, Brasil), micropipetas de volume variável de 1000 µL e 5000 µL (Brand, Alemanha), processador (Walita master, Brasil). Todos os reagentes e padrões empregados foram de pureza analítica e a água foi obtida a partir de um deionizador (Permution, Brasil). O método foi validado conforme descrito pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO). Uma vez que o método utilizado neste artigo é clássico e derivado do método normalizado descrito na AOAC (2005), os parâmetros avaliados foram: Precisão (através da repetitividade), exatidão (através da recuperação), linearidade, e os Limites de Detecção e Quantificação do Método - LDM e LQM. Para avaliar a exatidão e precisão, foram preparadas e analisadas dez replicatas de uma amostra de salsicha contendo adição de padrão em concentrações conhecidas de nitrito e nitrato de sódio - 40 mg/kg de amostra. As soluções padrões foram adicionadas à amostra após a pesagem, antes de ser iniciado o processo de extração. Todas as replicatas foram analisadas por um mesmo analista, em um curto espaço de tempo e utilizando os mesmos equipamentos. Avaliou-se a linearidade através da construção de uma curva analítica no espectrofotômetro UV-Vis, com padrões de nitrito de sódio em sete níveis de concentração, na faixa de 0,00 g/mL a 1,28 g/mL. Utilizou-se o método de regressão linear para obter a equação da reta no formato y = ax + b e o coeficiente de correlação. A determinação do LDM e do LQM foi realizada através da análise de dez replicatas de ensaios em branco, utilizando-se água deionizada isenta de nitrito e nitrato. GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original Os dados relativos à exatidão, precisão, linearidade, LDM e LQM foram lançados no software LABWIN-LIMS para cálculo e obtenção dos resultados apresentados neste trabalho. O software em questão utiliza as equações e métodos de cálculo descritos pelo INMETRO. Para a realização do ensaio, executou-se o método descrito nas normas analíticas do Instituto Adolf Lutz (BRASIL, 2005), cujo principio consiste na reação do nitrito com uma amina primária aromática em meio ácido para formar um sal diazônio, que por sua vez reage com um composto aromático formando um azo-composto de coloração rósea - Reação de Griess- Ilosvay. Este composto absorve na região do visível do espectro eletromagnético a 540 nm. O íon Nitrato é determinado como íon nitrito após redução em coluna de cádmio esponjoso. A técnica da análise envolve duas fases: A primeira visando extrair os analitos da amostra e a segunda quantificar, conforme esquematizado na FIGURA 1.
GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original FIGURA I: Fluxograma esquematizado do processo de extração e quantificação de nitrito/nitrato em alimentos cárneos.
Resultados e discussão Na quantificação de xenobiótiocos em amostras de alimentos, é relevante a aplicação de métodos adequados, de modo que neste trabalho a validação do método tornou-se necessária. Os resultados referentes à validação do método estão apresentados na TABELA I.
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Artigo Original TABELA I - Resultados da Validação Parâmetros
Nitrito (NaNO2)
Nitrato (NaNO3)
4,2 %
7,0%
Repetitividade (%CV) Recuperação
90,5 %
104,0 %
LDM
0,033 mg/kg
0,11 mg/kg
LQM
0,080 mg/kg
0,30 mg/kg
Linearidade
Até=1.3 µg/g
Sensibilidade
0.8906 (Abs./ µg/g) 0,9997
Coeficiente de correlação “r”
0,000008 a 1,300(µg/g)
Faixa de trabalho
O método avaliado apresentou limites de detecção de 0,033 mg/kg e 0,11 mg/kg e limites de quantificação de 0,080 mg/kg e 0,30 mg/kg de nitrito e nitrato respectivamente. Estes valores foram bem inferiores aos limites máximos permitidos pela legislação, demonstrando assim, a eficiência do método em detectar e quantificar esses compostos. O Instituto Adolf Lutz (BRASIL, 2005) apresenta o LDM para nitrito de 0,032 mg/kg, o que demonstra concordância entre os resultados. De acordo com Diretiva 657 das Comunidades Européias (2002), o coeficiente de variação para a precisão em condições de repetitividade deve ser inferior a 10,7%. Para a exatidão, a recuperação deve está na faixa de 80 a 110%. Esses limites estabelecidos pela diretiva estão relacionados com o nível de concentração do analito na amostra. Os resultados encontrados da repetitividade e recuperação, demonstrados na TABELA 1, ficaram dentro dos padrões estabelecidos pela diretiva 657 das Comunidades Européias (2002), evidenciando que o método pode ser considerado preciso e exato. Os
resultados
encontrados
para
a
avaliação
da
linearidade
estão
demonstrados no GRÁFICO 1.
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Artigo Original GRÁFICO 1 - Curva analítica para Nitrito de sódio e os respectivos parâmetros analíticos
Curva Analítica de Nitrito de sódio 1,4 1,2
Abs.
1 0,8 0,6 y = 0,8906x + 0,0099 r = 0,9997
0,4 0,2 0 0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
Nitrito de sódio µg/mL
O coeficiente de correlação linear foi igual a 0, 9997, superior ao usualmente requerido, proposto por CHASIN et al., 1988, onde preconiza como satisfatório o coeficiente de determinação > 0,98.
O que demonstra que o método possui a
capacidade de produzir resultados diretamente proporcionais à concentração dos analitos na amostra. Após a comprovação da confiabilidade do método através da sua validação, as amostras de mortadela, presunto e salsicha comercializadas em Salvador foram analisadas pela metodologia proposta. A TABELA II apresenta os resultados obtidos.
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Artigo Original TABELA II - Resultados das análises de nitrito e nitrato de sódio em produtos cárneos
Produto cárneo
Mortadela
Amostra nº. * m1 m2 m3 m4 m5 m6 Média ± s*** Variação
Presunto
p1 p2 p3 p4 p5 p6 Média ± s Variação
Salsicha
s1 s2 s3 s4 s5 s6 Média ± s Variação
NaNO2 (mg/kg) ** NaNO3 (mg/kg) **
NaNO2 + NaNO3 (mg/kg) **
60,0 55,0 39,0 74,0 58,0 63,8
12,2 47,9 46,3 12,2 38,2 61,2
72,2 102,9 85,3 86,2 96,2 124,9
58,0 ± 11,5 39,0 – 74,0
36,3 ± 20,1 12,2– 61,2
94,6 ± 18,2 72,2–124,9
26,3 4,00 10,01 30,04 12,14 31,12
30,5 8,1 32,5 32,5 17,9 32,7
56,8 12,1 42,5 62,5 30,1 63,9
18,94 ± 11,5 4,00–31,12
25,7± 10,3 8,1–32,7
44,6 ± 20,6 12,1–63,9
60,0 38,0 80,0 51,1 74,0 64,2
71,5 44,7 117,8 61,9 51,8 52,4
131,5 82,7 197,8 113,0 125,8 116,6
61,22 ± 15,3 38,0–80,0
66,7 ± 26,7 44,7–117,8
128 ± 38,2 82,7–197,8
* Cada número de amostra representa uma determinada marca comercial. ** Limite máximo permitido: Portaria nº. 1004 (BRASIL, 1998): - NaNO2: 150 mg/ kg - NaNO3 (Expresso em NaNO2): 300 mg/ kg. - NaNO2 + NaNO3 (Expresso em NaNO2): 150 mg/kg *** s: Desvio padrão.
Neste estudo foram quantificados nitrito e nitrato de sódio (NaNO2 e NaNO3) em todas as amostras analisadas. Por conta disso, além de avaliar a concentração individual desses compostos, foi considerado também a soma das suas concentrações.
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Artigo Original Para as amostras de mortadela, observou-se que as concentrações variaram entre 39,0 a 74,0 mg/kg e 12,2 a 61,2 mg/kg de NaNO 2 e NaNO3 respectivamente, e 72,2 a 124,9 mg/kg na soma dos dois compostos. Verificou-se que o presunto foi o produto que apresentou um menor teor dos analitos avaliados, estando entre 4,00 a 31,12 mg/kg de NaNO2, 8,1 a 32,7 mg/kg de NaNO3, e 12,1 a 63,9 mg/kg na soma de NaNO2 e NaNO3. Em contrapartida, as amostras de salsicha foram as que apresentaram um maior teor dos analitos estudados. A concentração variou entre 38,0 a 80 mg/kg e 44,7 a 117,8 mg/kg de NaNO2 e NaNO3 respectivamente. A soma das suas concentrações teve uma variação entre 82,7 a 197,8 mg/kg. Com base nos dados avaliados, foi possível constatar que dentre as amostras analisadas, apenas a marca nº 3 de salsicha (s3) não está em conformidade com legislação brasileira (BRASIL, 2008), visto que a soma das concentrações de NaNO2 e NaNO3 -197,8 mg/kg, ultrapassa o limite máximo de 150 mg/kg, caracterizando risco a saúde pública. As demais amostras apresentaram teores inferiores aos limites máximos estabelecidos pela legislação brasileira o que assegura o atendimento às recomendações legais. Estes resultados apresentam uma evolução positiva quanto às boas práticas de fabricação dos produtos comercializados em Salvador quando comparados aos resultados obtidos por ANDRADE e TRIGUEIRO (2008).
Os autores ao
analisarem 27 amostras de salsichas de ave comercializadas em Salvador concluíram que 44,44% destas continham teor de nitrito acima do permitido pela legislação. Em outras regiões do Brasil, também é possível observar a preocupação das indústrias de alimentos nestes aspectos com base nos estudos de PETRUCI (2009). O autor, para comprovar a aplicação de um novo método por eletroforese capilar, analisou o teor de NaNO2 e NaNO3 em amostras de diferentes produtos cárneos comercializados em Araraquara-São Paulo, constatando que todos os produtos analisados atendiam à legislação. GUERREIRO, Renata de Souza; SÁ, Matheus Santos de; RODRIGUES, Letícia de Alencar Pereira. Avaliação do teor de nitrito e nitrato em alimentos cárneos comercializados em Salvador. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 77-91, fev. 2012.
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Artigo Original Do mesmo modo que LIRA, et al. (2003), ao avaliar os teores de NaNO2 em produtos cárneos comercializados em Maceió-AL, demonstrou que 100% dos produtos cárneos estavam abaixo do limite máximo residual permitido pela legislação brasileira.
Conclusão Com base nos resultados obtidos nesta pesquisa, o método avaliado apresentou-se adequado à análise de nitrito e nitrato em produtos cárneos, pois apresenta
exatidão,
precisão,
linearidade
e
capacidade
de
detecção
e
quantificação satisfatórias. Dessa forma, é possível afirmar que apenas uma amostra apresentou teor de nitrito e nitrato superior ao limite estabelecido pela legislação brasileira. Estudos como este, reforçam a importância da fiscalização quanto ao uso destes aditivos e o monitoramento das suas concentrações, como um meio de garantir a disponibilidade de alimentos seguros à população.
Agradecimentos Ao SENAI-CETIND, pela excelente estrutura disponibilizada e pelo apoio de toda a equipe. Em especial, ao engenheiro químico Antonio Luís S. Costa e a farmacêutica bioquímica de alimentos Gisele V. T. A. Monteiro. REFERÊNCIAS AOAC Official Methods of Analysis of the Association of Official Analytical Chemists, Methods 973.31 (18th ed), Gaithesburg, 2005. ANDRADE, L. L; TRIGUEIRO, I.N.S. Nitrito residual em salsichas de ave comercializadas em Salvador-BA / Residual nitrite in sausages bird marketed in Salvador-BA; Higiene Alimentar. 22(166/167):185-188, nov.-dez. 2008.
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ENSAIO Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico Talita Chinellato dos Santos Farmacêutica formada pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Experiência em indústria farmacêutica na área de controle de qualidade microbiológico, desenvolvimento analítico e equivalência farmacêutica. Elaboração de projetos de pesquisa na área de toxicologia social. Experiência na classificação de perigo de produtos químicos (sistemas GHS, Comunidade Européia, Diagrama de Hommel, transporte, etc) e elaboração de documentos de Segurança (Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos -FISPQ, Ficha de Emergência, e rótulo). Email: t.chinellato@intertox.com.br
Vitória Profito Olivato Cursando Farmácia e Bioquímica pelas Faculdades Oswaldo Cruz. Experiência na classificação de perigo de produtos químicos (sistemas GHS, Comunidade Européia, Diagrama de Hommel, transporte, etc) e elaboração de documentos de Segurança (Ficha de Informações de Segurança de Produtos Químicos-FISPQ-, Ficha de Emergência e rótulo). Email: v.olivato@intertox.com.br
SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO Resumo O abuso de drogas é um problema mundial e, mais recentemente, passou a ser relacionado também com efeitos nocivos sobre o sistema imune. Algumas drogas de abuso possuem comprovadamente a capacidade de causar alterações no sistema imune. A 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) é uma droga ‘recreativa’ amplamente utilizada pelos seus efeitos estimulantes e comportamentais semelhantes aos das anfetaminas e alucinógenos, e seu uso é muitas vezes associado a outras drogas. As alterações no sistema imune podem resultar em imunossupressão, aumentando a susceptibilidade a infecções, ou também em imunoestimulação, causando hipersensibilidade e ou doenças auto-imunes. Além disso, esta droga pode causar efeitos em curto prazo e longo prazo. O MDMA demonstrou ter potencial para interagir com o sistema imunológico em estudos, tanto na imunidade inata como na adaptativa.
Portanto,
fazem-se
necessários
mais
estudos
para
a
comprovação desses efeitos e a conscientização da população usuária da droga quanto a sua repercussão imunotoxicológica. Palavras-chave:
Abuso de Drogas. Sistema Imune.
Abstract Drug abuse is a global problem and recently has been associated with harmfull effects on the immune system. Some abusive drugs have demonstrated the ability to cause immune system changes. The 3,4methylenedioxymethamphetamine (MDMA) is a recreational drug widely used,
because
of
its
stimulant and behavioral
effects
similar
to
amphetamines and hallucinogens and their use is often associated with other drugs. The changes that may occur in the immune system can result in immunosuppression; increasing susceptibility to infections, or also in immunostimulation, causing hypersensitivity and autoimmune diseases, SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO besides, this drug may cause short-term and long-term effects. MDMA demonstrated to have the potential to interact with the immune system in some studies, in the innate or adaptive immunity. Therefore, it is necessary a greater number of studies to prove these effects and possible conscientization to the users of the drug about its immunotoxicological repercussion. Key-words: Drug Abuse. Immune System.
Introdução O abuso de drogas é um problema mundial que afeta os países social e economicamente, trazendo diversos efeitos nocivos à saúde da população usuária. Nos últimos anos, o uso de drogas tem sido relacionado com efeitos no sistema imune. Algumas drogas, como cocaína, canabinóides, opióides e anfetaminas, demonstraram a capacidade de causar alterações no sistema imune tanto direta como indiretamente (CONNOR, 2004). O sistema imune é altamente regulado por moduladores que podem ocasionar sua supressão ou estimulação (HOUSE et al, 1995). As drogas são capazes de causar imunossupressão e, conseqüentemente, aumentam o número de doenças e infecções nos usuários, podendo estar associadas à maior susceptibilidade a diversos tipos de vírus como, por exemplo, o HIV (CONNOR, 2004). O conhecida
4-metilenodioximetanfetamina, como
Ecstasy,
é
uma
ou
droga
MDMA, derivada
popularmente da
anfetamina.
Foi sintetizada em 1914, porém sua utilização para fins terapêuticos só teve início nos anos 80. Apesar do MDMA ser amplamente utilizado (legal e ilegalmente) ao longo dos anos, não existe estudos suficientemente conclusivos sobre os efeitos tóxicos da droga no sistema imune em humanos (HOUSE et al, 1995). SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO A droga e o sistema imune A 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) é uma droga recreativa amplamente utilizada pelos seus efeitos estimulantes e comportamentais semelhantes aos efeitos de anfetaminas e alucinógenos (PACIFICI et al., 2000). O Ecstasy foi primeiramente sintetizado em 1914, pelo laboratório alemão Merck, com o intuito de ser um supressor alimentar (COSTA, 2004), só passando a ser utilizado terapeuticamente e abusivamente a partir de 1980 (HOUSE et al, 1995).
A ingestão de MDMA pode provocar vários
sintomas, como euforia, aumento da auto-estima, empatia, mas também efeitos indesejados tais quais, bruxismo, dor de cabeça, náuseas, sudorese, dores musculares, fadiga e insônia. Complicações hipertensão,
médicas
arritmias,
agudas
convulsões,
incluem
hipertermia
hemorragia
cerebral,
maligna, hepatite,
rabdomiólise, coagulação intravascular e falência renal aguda. A grande preocupação sobre essa droga recreacional é que há casos de intoxicações graves, e até mesmo o óbito, após abuso (PACIFICI et al, 2000). Estudos sobre padrões de consumo do MDMA pelos usuários demonstram que o uso recreativo inclui a administração por compulsão, ou seja, são administrados vários comprimidos de uma só vez, ou a droga pode ser utilizada também durante longos períodos. Além disso, o uso do MDMA é muitas vezes associado a outras drogas, como álcool, maconha, etc. (PACIFICI et al, 2002). O MDMA tem
capacidade de causar alterações no sistema
imunológico dos usuários de forma direta, interferindo nas próprias células do sistema imune, como também indiretamente, levando as alterações imunológicas através da modulação do sistema nervoso central (CONNOR, 2004). SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO A
farmacodinâmica
do
MDMA
consiste
na
liberação
do
neurotransmissor serotonina (5-HT) na fenda sináptica, aumentando a atividade cerebral, principalmente através de uma interação com o local de absorção de serotonina. A droga também causa a liberação de dopamina e norepinefrina
(PACIFICI
et
al,
2004).
A
serotonina
é
um
dos
neurotransmissores mais estudados do sistema nervoso central, no entanto ela está presente em diversos tecidos periféricos, inclusive no sistema imune (MÖSSNER e LESCH, 1998). A ligação da serotonina com o sistema imune e os receptores presentes em suas células, como linfócitos, macrófagos, entre outras, só começou a ser estudada a partir do ano de 1980. Os receptores e canais de 5HT são amplamente distribuídos em células do sistema imunológico. Em concentrações fisiológicas ou em processos patológicos a serotonina possui papéis funcionais importantes no sistema imune. É necessária para melhorar a função de células do sistema, como macrófagos, células natural killer e células T; e para início do processo de hipersensibilidade tardia, como hipersensibilidade de contato, resistência a tumores e auto-imunidade; também induz a produção de vários mediadores da resposta imune, como interleucinas, sendo para a função de imunidade inata, realizada pelos macrófagos (MÖSSNER e LESCH, 1998). Em estudos com voluntários foi possível observar que a taxa de eliminação do MDMA da circulação diminui com o aumento da dose. Estudos in vitro sugerem que os produtos de biotransformação da droga são capazes de se ligar e provocar a inativação da enzima CYP2D6, além de saturar rapidamente enzimas envolvidas neste processo. Como resultado desta ligação enzimática, doses maiores de MDMA resultam em uma maior inativação/saturação de enzimas, diminuindo a quantidade disponível para biotransformar
a
droga,
resultando
em
farmacocinética
não-linear.
Conseqüentemente, quando a dose é aumentada, ocorre um aumento SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO desproporcional das concentrações sanguíneas e cerebrais do MDMA. Por esta razão, um pequeno aumento na dose oral de MDMA pode produzir dramática elevação nos níveis plasmáticos do agente circulante (COSTA, 2004). Em animais, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), tais como a fluoxetina e o citalopram, podem ser utilizados para bloquear a liberação de serotonina induzida pelo MDMA (Pacifici et al, 2004). A fluoxetina é capaz de impedir os efeitos neurotóxicos do MDMA, em longo prazo, sobre os neurônios de serotonina. O citalopram demonstrou reduzir efeitos psicológicos e cardiovasculares do MDMA em voluntários saudáveis.
Outro agente bloqueador do MDMA é a paroxetina, que
consegue inibir quase por completo a ação do MDMA sobre a serotonina (PACIFICI et al, 2004). O sistema imune é um sistema de órgãos altamente regulado e, como tal, apresenta uma variedade de alvos potenciais para a modulação (HOUSE et al, 1995). Esta modulação pode resultar em imunossupressão, causando uma maior susceptibilidade a infecções, porém pode também resultar em imunoestimulação, causando hipersensibilidade (alergia) ou doenças autoimunes (PACIFICI et al, 2000). O MDMA tem sido associado com alterações do sistema imune e neurotoxicidade em indivíduos após uso agudo e uso crônico (PACIFICI et al., 2002). A neurotoxicidade é relacionada aos danos causados aos neurônios ligados à serotonina, ocasionando cronicamente distúrbios neurofisiológicos como paranóia e psicose (HOUSE et al., 1995). O abuso de MDMA causa alterações permanentes na homeostase imunológica
que
pode
resultar
em
comprometimento
da
saúde
e
subsequente aumento da susceptibilidade às infecções relacionadas aos transtornos do sistema imunológico. O seu uso pode causar alterações SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO neurológicas, comportamentais e endócrinas, semelhantes às produzidas por exposição ao estresse agudo, o que sugere que a droga age através de um estresse químico no organismo (PACIFICI et al, 2000). Os estímulos causados pelo estresse no organismo podem produzir depressão da função imune e alteração na distribuição das células imunes (PACIFICI et al, 2000). Os efeitos agudos do MDMA sobre o sistema imunológico baseiam-se principalmente na sua interação com o transporte de serotonina e posterior liberação de serotonina e uma possível participação de outros sistemas reguladores neuroendócrinos (PACIFICI et al, 2004). O MDMA tem efeito tanto na imunidade inata como na adaptativa. A imunidade inata consiste na ação dos neutrófilos, células fagocíticas, que desempenham
um
papel chave
nesse
tipo
de
resposta
do
organismo. Após o processo de fagocitose ocorre ativação dos neutrófilos através de uma explosão oxidativa que é capaz de produzir espécies reativas de oxigênio, e com isso, destruir patógenos (CONNOR, 2004). Na imunidade inata o MDMA inibe o processo de fagocitose realizada pelos neutrófilos. Outras células da imunidade inata, como macrófagos e células dendríticas, também são afetadas pela droga. Essas células produzem
citocinas
inflamatórias
em
resposta
a
lipopolissacarídeos
provenientes de bactérias, porém a administração de MDMA suprime a produção dessas citocinas como, por exemplo, IL-1β e TNF-α. O efeito na citocina TNF-α pode persistir por longos períodos. Além disso, a droga aumenta a produção da interleucina IL-10 que age como imunossupressor, aumentando o efeito relacionado com as outras citocinas (CONNOR, 2004). A resposta imune adaptativa é mediada pelos linfócitos, que podem agir diretamente ou na produção de anticorpos (CONNOR, 2004). A administração de MDMA demonstrou diminuir a produção dos anticorpos pelos linfócitos, ocasionando simultaneamente uma diminuição significativa de células T CD4 (T-helper: Th1 e Th2) com aumento das células Natural SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO Killers (NK) e diminuição na capacidade de resposta funcional de linfócitos à estimulação mitogênica (PACIFICI et al, 2002). Em indivíduos que têm metabolização mais lenta da droga, ocorre a acumulação de MDMA no corpo, induzindo maior efeito imunomodulador, ocasionando diferenças significativas na função das células NK, em comparação com indivíduos que metabolizam mais rapidamente a droga (PACIFICI et al, 2002). O MDMA não demonstrou produzir alterações na função ou concentração de linfócitos B, porém demonstra efeitos significativos em outras células do sistema imune (HOUSE et al., 1995). O MDMA demonstrou efeitos nos linfócitos T, estimulando ou diminuindo a produção de interleucinas, mediadoras da resposta imunológica. Os linfócitos Th1, que produzem a interleucina 2 (IL-2), são modulados pelo MDMA e em concentrações baixas da droga ocorre uma estimulação das células Th1, aumentando a produção de IL-2; porém, em altas concentrações, a droga inibe a produção de IL-2 pelas células Th1, causando baixas concentrações dessa interleucina. Os linfócitos Th2, que produzem a interleucina 4 (IL-4), não sofrem alteração pela ação do MDMA (HOUSE et al, 1995). Estudos sugerem que há uma alteração no sistema monoaminérgico com a liberação de corticotropina e posterior ativação do eixo composto pelas glândulas hipotálamo, hipófise e adrenal. Há uma recuperação do sistema imunológico em até 24 horas da administração aguda de MDMA, porém com o uso crônico há uma tendência de redução no número de linfócitos, assim como o número de células NK (PACIFICI et al, 2004).
Considerações finais O MDMA é uma droga ilícita, amplamente abusada pela população jovem mundial e que causa muitos problemas, tanto no âmbito social como SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO no econômico, além de resultar em efeitos que degradam a saúde dos usuários, provocando problemas que, em curto prazo e em longo prazo, podem comprometer o funcionamento do organismo. É demonstrado que o MDMA pode causar alterações imunológicas pela ação direta ou indireta. Portanto, podemos observar que a administração aguda de MDMA produz
uma
variedade
de
alterações
endócrinas,
neuroquímicas
e
imunológicas, atuando como um agente causador de estresse químico. Os resultados de estudos evidenciam que em adição aos efeitos tóxicos neurológicos, uma única administração de MDMA induz uma rápida supressão imunológica. Essas descobertas resultam em uma nova dimensão dos efeitos tóxicos do agente, implicando que os usuários podem ter uma imunocompetência reduzida e uma maior suscetibilidade para infecções, doenças auto-imunes e neoplasias. É possível também que o ambiente em que o MDMA é utilizado, e/ou os efeitos psicoativos induzidos por ele, possam contribuir com os efeitos imunossupressores da droga, resultando em aumento da susceptibilidade a doenças infecciosas. Por exemplo, o MDMA é tradicionalmente associado à raves e ambientes populosos, e esses ambientes são propícios à transmissão de doenças infecciosas pelo ar entre os indivíduos. Além disso, estudos recentes indicam que o abuso do MDMA está fortemente associado a comportamento sexual de alto risco (relações sexuais sem o uso de proteção). Portanto, combinando-se
esses
fatores
ambientais
e
sociais com o
efeito imunossupressor do MDMA, é possível sugerir que os usuários de MDMA
tenham
um
maior
risco de
desenvolver
doenças infecciosas
(CONNOR, 2004). No entanto, não existem estudos clínicos disponíveis que comparem os parâmetros imunológicos em usuários de MDMA e, consequentemente, não é possível concluir que doses de MDMA administradas para fins recreativos possuam a capacidade de produzir toxicidade no sistema imune (CONNOR SANTOS, Talita Chinellato dos; OLIVATO, Vitória Profito. Abuso de Ecstasy (MDMA) e Efeitos no Sistema Imunológico. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 92-102, fev. 2012.
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ENSAIO et al, 1998), o que demonstra a necessidade de maiores estudos e comprovações sobre esse efeito, para que se possa realizar a conscientização dos usuários da droga. REFERÊNCIAS CONNOR, T.J. Methylenedioxymethamphetamine (MDMA, “Ecstasy”): a stressor on the immune system. Immunology, v. 111, p 357–367, 2004. CONNOR, T.J. et al. Acute 3,4-methylenedioxymethamphetamine (MDMA)administration produces a rapid and sustained suppression of immune function in the rat. Imunopharmacology, v. 38, p. 253–260, 1998. CONNOR, T.J., et al. 3,4-Methylenedioxymethamphetamine (MDMA; Ecstasy) Administration Produces Dose-Dependent Neurochemical, Endocrine and Immune Changes in the Rat. Human Psychopharmacology: Clinical and Experimental, v. 14, p.95–104, 1999. COSTA, J.L. Determinação de 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA Ecstasy), 3,4-metilenodioxietilanfetamina (MDEA - Eve) e 3,4metilenodioxianfetamina (MDA) em fluidos biológicos por cromatografia líquida em alta eficiência: aspecto forense. São Paulo, 2004 [Tese - Mestrado - Universidade de São Paulo - Faculdade de Ciências Farmacêuticas]. GORDON, J., BARNES, N.M. Lymphocytes transport serotonin and dopamine: agony or ecstasy?. Trends in immunology, v. 24, n. 8, 438–443, 2003. HOUSE, R.V., THOMAS, P.T., BHARGAVA, H.N. Selective modulation of immune function resulting from in vitro exposure to methylenedioxymethamphetamine (Ecstasy). Toxicology, v. 96, p. 59–69, 1995. MÖSSNER, R., LESCH, K.P. Role of Serotonin in the Immune System and in Neuroimmune Interactions. Brain, Behavior, and Immunity, v. 12, p. 249–271, 1998.
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Artigo Original Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. Maurea Nicoletti Flynn Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental, Dinâmica Populacional e Biodiversidade. E-mail: m.flynn@intertox.com.br
Maria Teresa Valério-Berardo Possui graduação no Instituto de Biociências pela Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado em Oceanografia (Oceanografia Biológica) pela Universidade de São Paulo. Foi Professor Titular da Universidade
Presbiteriana
Mackenzie.
Revisor
de
vários
periódicos como a Nauplius, Iheringia, Revista Biota Neotropical, Journal of the Marine Biological Association of the United Kingdom. Tem experiência na área de Taxionomia e Ecologia de Amphipoda. E-mail: mariateresa_berardo@yahoo.com.br FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original Resumo O presente estudo, usando placas de substrato artificial, funciona como ensaio de toxicidade in situ com abordagem a nível de comunidade. As placas fundeadas a três níveis de profundidade diferentes (superfície, meia-água e fundo) e avaliadas bimestralmente, totalizando 17 meses de imersão, servem para verificar se em decorrência do emissário instalado há variações na taxa e no padrão temporal de recrutamento larval e no subseqüente desenvolvimento das associações biológicas. As mudanças na composição específica com o tempo de imersão do substrato artificial são acompanhadas por um aumento na diversidade e diminuição da dominância de espécies. Poluição cria grandes modificações na estrutura de comunidades incrustantes de maneira que os organismos são usados para monitorar e medir seu efeito. A rápida colonização das placas experimentais expostas refletiu o rápido recrutamento e exploração do espaço disponível típico de espécies oportunistas como os hidrozoários Ectopleura ralphi, Obelia dichotoma, Clytia gracilis e Bougainvillia sp e os anfípodes Photis longicaudata, Ampithoe ramondi, Jassa sleutery, Ericthonius brasiliensis e Podocerus fissipes. As larvas aportaram e se desenvolveram igualmente nas placas colocadas no píer do TEBAR. Após 10 a 12 meses de imersão prolongada pode-se já notar nas placas investigadas uma diminuição nas alterações dos valores de diversidade, se mantendo estes oscilando em tornos de valores mais elevados devido à estabilização das populações as placas o que acarreta um equilíbrio das espécies competitivamente mais fortes. Palavras-chave: Placas de Incrustação. Ensaio de Toxicidade in situ. Recrutamento Larval.
Abstract This study, with plates of artificial substrate, acts as a community approach test
of
toxicity
levels (surface,
in
situ. The
half-water
plates, anchored at
and bottom)
and
three different depth
evaluated
bimonthly
for
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original total immersion period of 17 months, are used to assess variations, due to outfall effect, in larval recruitment rate and temporal pattern. Changes in species
composition along
increase in
diversity and
immersion time a
are
decreased in
accompanied by species
an
dominance.
Pollution creates major changes in fouling community structure so that incrusting organisms are used to assess its effects. The rapid colonization of experimental plates reflected the
rapid recruitment
and space
exploitation
typical of opportunistic species such as the hydrozoans Ectopleura ralphi, Obelia dichotoma, Clytia gracillis and the amphipods Bouganvillia sp, Photis longicaudata, Ampithoe ramondi, Jassa sleutery, Ericthonius brasiliensis and Podocerus fissiparous. After 10 to 12 months of prolonged immersion, an increase in diversity occurs in the investigated plates communities due to the incrusting
populations’
stabilization which
brings
a balance among
competitively stronger species. Key-words: Incrustation Panels. Toxicity in situ. Larval Recruitment.
Introdução Todos os materiais artificiais imersos no ambiente marinho estão expostos à colonização por organismos bentônicos. Este processo se denomina incrustação, ele é complexo e depende da habilidade das larvas de escolher um substrato, invadirem um substrato já ocupado, dispersar na coluna de água e obter alimento. Organismos incrustantes primários incluem grupos sésseis como hidróides e anfipodes. A presença de formas vágeis secundárias faz com que a comunidade se torne mais complexa. As mudanças de composição específica com o tempo de imersão do substrato artificial são acompanhadas por um aumento na diversidade e diminuição da dominância de espécies. Poluição também cria grandes alterações na estrutura das comunidades incrustantes de maneira que os organismos estabelecidos são usados para monitorar e medir seu efeito. FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original O Projeto “Análise dos Aspectos Biológicos e de Oceanografia Física e Corpo Receptor do Canal de São Sebastião do DTCS/GEBAST, FUNDESPA” tem por objetivo monitorar o controle da qualidade ambiental considerando os aspectos biológicos e de oceanografia física do Canal de São Sebastião, corpo receptor e área de influência do Emissário Submarino. O presente estudo, usando placas de substrato artificial, funciona como ensaio de toxicidade in situ com abordagem a nível de comunidade, e considera as associações de hidróides e anfípodes. As placas fundeadas em três níveis de profundidade diferentes (superfície, meia-água e fundo) e avaliadas a cada 2 meses de imersão, servem para verificar se há variações na taxa e no padrão temporal de recrutamento larval e no subseqüente desenvolvimento das associações instaladas, em decorrência do emissário instalado. Material e Métodos Foram estabelecidas três estações de coleta: Estação Sul, localizada entre o dolfim D e a margem do canal, a cerca de 500 m do orifício mais ao sul do difusor 1 do emissário submarino, coordenadas 2348,7’S e 4523,3’W; Estação Centro, localizada próxima ao emissário submarino, em frente aos difusores 1 e 2 do emissário submarino, coordenadas 2348,35’S e 4523,1’W; e, Estação Norte, localizada entre o dolfim D e o centro do canal, a cerca de 500 m do orifício mais ao norte do difusor 2 do emissário submarino, coordenadas 2348,1’S e 4522,9’W. Em cada uma das três estações estabelecidas foram fundeadas linhas de placas experimentais. Cada linha foi composta por uma placa experimental de superfície (1 metro abaixo do nível do mar), placa de meia água, placa de fundo (1 metro acima do fundo), e um pedaço de corrente unindo o cabo de poliamida a um conjunto de poita e âncora (com aproximadamente 35 kg). Cada placa é de plástico branco, com dimensão 30 X 30 cm, sendo presa a um tubo plástico com braçadeiras também plásticas. O cabo de poliamida passa através de cada tubo
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original fazendo com que cada placa estivesse livre no cabo principal, orientando-se com a corrente local (Figura 1).
A
tl an t
ic
O
ce an
São Sebastião Island
23°48’S
o
Is
la n d
Oil terminal
S
ão
S
eb as
tiã
S ão Sebastião Channel
23°54’S 45°30’W
45°22’W
Figura 1 – Local de estudo no Canal São Sebastião, São Paulo. Após dezessete meses de imersão (de outubro de 2000 a março de 2002), cada uma das placas das três linhas fundeadas foi içada e colocada bimestralmente em caixas plásticas com água do mar. As três placas de cada linha tiveram então seus dois lados fotografados; e, em seguida uma sub-amostra de 150 cm2 foi retirada de um dos lados da placa, sendo as placas fundeadas novamente. Todo o material foi colocado em recipientes com solução de formol a 4 % para transporte ao laboratório, sendo então transferido para álcool 70% neutralizados. Os organismos incrustantes e a fauna vágil acompanhante foram triados quantitativamente em categorias de grandes grupos taxonômicos. Aqui serão apresentados os resultados relativos à identificação dos anfípodes e hidrozoários. A estrutura das comunidades biológicas instaladas em cada placa foi avaliada
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original pelo número total de indivíduos (N), riqueza por grupo (S), o índice de diversidade de Shannon (H´) e o índice de equitatividade de Pielou (J).
Resultados Em relação às espécies de hidrozoários, Ectopleura ralphi foi o principal hidrozoário incrustante em outubro/2000, e novamente no período de agosto e novembro de 2001. Os hidrozoários dominantes nos períodos de novembro de 2000 a maio de 2001, ou seja, que permaneceram imersos nos meses de novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março, abril e maio foram Obelia dichotoma, Clytia gracilis e Bougainvillia sp. No período de maio de 2001 a agosto 2001 Ectopleura ralphi volta a dominar acompanhado de Obelia dichotoma e Clytia gracilis. No período de novembro 2001 a março 2002, houve novamente um aumento do número das espécies Obelia dichotoma, Clytia gracilis e Bougainvillia sp. Em relação aos anfípodes, os tubículas foram os mais freqüentes no período inicial de recrutamento (de outubro a dezembro) quando perfizeram quase que 100% da fauna de gamarídeos representados por Photis longicaudata, Ampithoe ramondi, Jassa sleutery, Ericthonius brasiliensis e Podocerus fissipes. Já no período subseqüente de ocupação de janeiro a março, o número de espécies colonizadoras incluiu as de vida livre como Dulichiella appendiculatta, Elasmopus pectinicrus e Stenothoe valida, além de caprelídios, não identificados a nível específico. No período de março em diante a riqueza específica de anfípode continuou constante. Pode-se perceber que os valores de diversidade por grupo das placas da estação sul (Figura 2) sofrem um decréscimo em janeiro nas placas de meia-água e fundo voltando a crescer em março. A placa superficial mantém um aumento de diversidade até o período de janeiro, com leve decréscimo deste índice em março. No período de março a abril os valores de diversidade voltam a cair FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original principalmente nas associações de placas de meia-água e fundo. No período de maio a agosto a diversidade aumenta em todas as placas. No período de agosto a novembro e daí a março, manteve-se a tendência de um aumento nos valores de diversidade com exceção da placa de superfície que mostrou uma ligeira queda. diversidade est.5
1,6
1,4
1,2
1
diver
S
0,8
M
F
0,6
0,4
0,2
0 out
jan
mar
mai
ago
nov
mar
meses
Figura 2. Variação temporal dos valores de diversidades das placas da estação sul (S-placa superficial; M-placa de meia-água e F-placa de fundo). Na estação centro (Figura 3), placas de superfície e meia-água apresentam um aumento marcante nos valores de diversidade de outubro a janeiro, mantendo um aumento mais discreto até março, já a placa de fundo se comporta como a placa de fundo da estação Sul, apresentando um decréscimo acentuado na diversidade de outubro a janeiro e aumento de janeiro a março. De março a maio há queda dos valores de diversidade nas associações das três placas. De maio a agosto os valores de diversidade se mantêm quase constantes nas placas de superfície e meia-água e sofrem um aumento na placa de fundo. No período de agosto a novembro manteve-se a tendência de aumento de valores de diversidade para todas as placas. Deste período a março, a tendência de aumento continuou com exceção de um declínio na placa de superfície. FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original diversidade est.7
1,8
1,6
1,4
1,2
diver.
S
1 M
0,8 F
0,6
0,4
0,2
0 out
jan
mar
mai
ago
nov
mar
meses
Figura 3. Variação temporal dos valores de diversidades das placas da estação centro (S-placa superficial; M-placa de meia-água e F-placa de fundo). Na estação norte (figura 4) os valores de diversidade caem no período de outubro a janeiro nas três placas, voltando a crescer nas placas de superfície e meia-água e continuando a decrescer na de profundidade. No período de março a maio, os valores de diversidade aumentam nas associações das placas de superfície e fundo e continuam a cair na de meia-água. No período de maio a agosto os valores de diversidade aumentam nas placas de superfície e meia-água e apresentam uma leve queda na placa de fundo. A mesma tendência das outras estações é mantida para o período de agosto a novembro com um aumento de diversidade em quase todas as placas com exceção da placa de fundo. Do período de novembro a março, a mesma tendência verificada nas outras estações é mantida, ou seja, um declínio pequeno nos valores de diversidade da placa
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original superficial. diversidade est.9
2,5
2
1,5 diver.
S
M
F
1
0,5
0 out
jan
mar
mai
ago
nov
mar
meses
Figura 4. Variação temporal dos valores de diversidades das placas da estação norte (S-placa superficial; M-placa de meia-água e F-placa de fundo).
Discussão As espécies identificadas de hidrozoários são residentes comuns do Canal de São Sebastião (MIGOTTO, 1996). Estas espécies são cosmopolitas ou apresentam ampla distribuição. E. ralphi, o principal hidrozoário incrustante em outubro/2000, e novamente no período de agosto e novembro de 2001, parece se encontrar no limite norte de sua distribuição, já que aparece somente em substratos artificiais (MIGOTTO et al, 2001). Os hidrozoários dominantes nos períodos de novembro a abril, O. dichotoma, C. gracilis e Bougainvillia sp são consideradas por Calder (1990) e Migotto et al (2001) como espécies de águas quentes que se reproduzem nos meses mais quentes do ano. No período de maio a FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original agosto E. ralphi volta a dominar as placas acompanhado de O. dichotoma e C. gracilis. A comunidade de hidrozoários na área averiguada seguiu o padrão normal de recrutamento e estabelecimento para a região já anteriormente investigado (MIGOTTO et al, 2001) Em relação aos anfípodes, as construções de tubos foram as mais freqüentes no período inicial de recrutamento (de outubro a dezembro) quando perfizeram quase que 100% da fauna de gamarídeos. Estes organismos parecem ser constantes e comuns em placas de recrutamento da região. Após o período inicial o número de espécies colonizadoras aumentou bastante passando de 9 no período inicial para 17, pois além de encontrarmos espécies tubículas mais abundantes como P. longicaudata, A. ramondi, J. sleutery, E. brasiliensis e P. fissipes, há um aumento gradual de espécies de vida livre como D. appendiculatta, E. pectinicrus e S. valida, além dos caprelídios. Também para a comunidade de anfípodes pode-se constatar um padrão normal de recrutamento e assentamento, com a diversidade aumentando inicialmente e se mantendo mais alta e constante a partir dos 10 meses de colocação das placas (FLYNN e VALÉRIO-BERARDO, 2009). O assentamento e crescimento dos hidrozoários coletados nas placas artificiais são típicos de espécies oportunistas e é comum em muitas espécies de hidrozoários (HUGHES, 1987). Este comportamento se reflete no estabelecimento rápido, na baixa persistência de colônias estabelecidas, e no declínio abrupto da maioria das colônias no período seguinte de observação.
Com os anfípodes,
principalmente espécies tubículas, verifica-se flutuações abruptas em suas densidades populacionais (FRANZ, 1989), assim as flutuações irregulares nos índices de diversidade evidenciadas podem ser parcialmente explicadas pela instabilidade nas populações de espécies oportunísticas que se instalam e são substituídas por competidores mais eficientes ao longo do tempo. A rápida colonização das placas experimentais expostas refletiu o rápido recrutamento e exploração do espaço disponível típico de espécies oportunistas. FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original As larvas aportaram e se desenvolveram igualmente nas placas colocadas no píer do TEBAR. Após 10 a 12 meses de imersão prolongada pode-se já notar nas placas investigadas uma diminuição nas alterações dos valores de diversidade, se mantendo estes oscilando em tornos de valores mais elevados devido à estabilização das populações das placas o que acarreta um equilíbrio das espécies competitivamente mais fortes. A partir deste ponto grandes blocos de organismos começam a se despregar das placas devido à morte por sobreposição de organismos
incrustantes
primários,
tornando
difícil
uma
investigação
quantitativa.
REFERÊNCIAS CALDER, D.R. Seasonal cycles of activity and inactivity in some hydroids from Virginia and South Carolina. U.S.A. Can. J. Zool., 68(3):442-450. 1990. FRANZ, D.R. Population density and demography of a fouling community amphipod. J. Exp. Mar. Ecol., 125:117-136. 1989. HUGHES, T. Succession of sessile organisms on experimental plates immersed in Nabeta Bay, Izu Penisula, Japan.II. Succession of invertebrates. Mar. Ecol. Prog. Ser.38:25-35. 1987. MIGOTTO, A.E. Benthic shallow-water hydroids (Cnidaria, Hydrozoa) of the coast of São Sebastião, SP, Brazil, including a checklist of Brazilian hydroids. Zool. Verh., 306:1-125. 1996. MIGOTTO, A.E.; MARQUES, A .C. & FLYNN, M.N. Seasonal recruitment of hydroid
(Cnidaria)
on
experimental
panels
at
São
Sebastião
channel,
southeastern Brazil. Bull. Mar. Biol., 68 (2):287-298. 2001.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
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Artigo Original FLYNN, M.N & VALÉRIO-BERARDO, M.T. Depth-associated patterns in the development of Amphipoda (Crustacea) assemblages on artificial substrata in the São Sebastião Channel, Southeastern Brazil. Nauplius 17(2): 127-134. 2009.
FLYNN, Maurea Nicoletti; VALÈRIO-BERARDO, Maria Teresa. Avaliação da toxicidade in situ através do recrutamento de comunidade incrustante em painéis artificiais em terminal da Petrobrás, Canal de São Sebastião, São Paulo. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 103-114, fev. 2012.
114
Artigo Original Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. Lucas Alegretti Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor técnico do Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando
principalmente nos temas: Pequenas Centrais Hidrelétricas, Ictiofauna, Herpetofauna, Monitoramento Biológico em ambientes aquáticos. E-mail: lucasalegretti@gmail.com
Guilherme Lessa Ferreira Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos temas: Biocritérios na Avaliação da Integridade Ambiental, Fauna Silvestre. E-mail: lessamack@yahoo.com.br
Bruno Assanuma Burstin Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos seguintes temas: Pequenas Centrais Hidrelétricas, Plâncton, Monitoramento Biológico. E-mail: brunoburstin@gmail.com ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
115
Artigo Original William Roberto Luiz Pereira Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Biomatemática. Tem interesse na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia Teórica, Dinâmica Populacional e Índices Biológicos, tendo preferência aos seguintes temas: Alometria, Modelos Matemáticos Aplicados a Ecologia, Ecotoxicologia. Consultor do Instituto Inteligência para Sustentabilidade – I2S. E-mail: william_roberto_luiz@hotmail.com
Maurea Nicoletti Flynn Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental, Dinâmica Populacional e Biodiversidade. E-mail: m.flynn@intertox.com.br
Resumo O presente artigo se refere à análise da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande, região sudeste, em termos da composição específica, comportamento ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original migratório e capacidade natatória das espécies. O cálculo de capacidade natatória e tempo de resistência de nado são importantes, pois a partir dos seus valores é possível estimar se peixes conseguem ou não ultrapassar barreiras nos rios, tanto naturais como artificiais, e fornecer subsídios para a construção de mecanismos de transposição em reservatórios. Os peixes, coletados em setembro de 2011 em ribeirões da Bacia do Rio Grande, foram separados em grupos por família/gênero e para cada exemplar, foram obtidos o comprimento total e furcal e a massa corpórea total. Dentre as três ordens coletadas, a de maior importância foi Characiformes, representada por seis diferentes espécies: Astyanax fasciatus, Astyanax bimaculatus, Hoplias malabaricus, Leporinus obtusidens, Leporinus sp e Salminus hilarii. A segunda mais importante foi Siluriformes, representada por duas espécies Hypostomus sp e Rhamdia quelen, seguida de Perciformes, representada por uma única espécie coletada Geophagus brasiliensis. Para as espécies de piracema, Salminus hilarii e Liporinus sp, foi calculada a capacidade natatória, sendo estimados as velocidades prolongadas críticas e o tempo de resistência. Para temperaturas de 18°C, a velocidade crítica e o tempo de resistência variaram para Leporinus sp entre 2,46 a 4,94 m/s e 1,11 a 23,29 s, dependendo do tamanho do exemplar e para Salminus hilarii, entre 3,31 a 6,24m/s e 4 a 68,73 s. Palavras-chave: Ictiofauna. Peixes Migradores. Capacidade Natatória.
Abstract The article refers to the analysis of the ictiofauna sampled in Rio Grande Basin, Southeastern Brazil, taking in account species composition, migratory behavior and swimming performance of migratory species. The calculation of swimming performance and endurance time are important, because from their values it is possible to estimate whether or not fish can overcome barriers in rivers, both natural and artificial, and provide subsidies for the construction of fish ways in reservoirs. Fish were collected in September 2011 in various streams of Rio ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
117
Artigo Original Grande Basin. The fish were separated into groups by morfotype and for each specimen fork length and total body mass were obtained. Among the three orders collected,
the most
by six different
important was Characiformes,
species: Astyanax fasciatus,
represented
Astyanax bimaculatus,
Hoplias
malabaricus, Leporinus obtusidens, Leporinus sp and Salminus hilarii. The second most important was Siluriformes, represented by two species Hypostomus quelen and Rhamdia sp, followed by Perciformes, represented by a single species Geophagus
brasiliensis. For the
Liporinus sp, swimming
migratory
performance was
the critical speed and extended endurance of 18 °C, the
critical
time
speed and endurance
species
Salminus hilarii and calculated
estimated. At time for
and
temperatures
Leporinus
sp
ranged between 2.46 to 4.94 m / s and from 1.11 to 23.29 s, depending on the size of the specimen, and for Salminus hilarii between 3 , 31 to 6.24 m / s and from 4 to 68.73 s. Key-words: Ictiofauna. Migratory Fish. Swimming Capacity.
Introdução A ictiofauna neotropical de água doce é considerada uma das mais diversificadas e ricas do mundo, já contando com mais de 2400 espécies descritas (LOWE-MCCONNELL, 1999). Makrakis e colegas (2007) descreveram o padrão apresentado pela América do Sul como o de predominância de peixes das Ordens Characiformes e Siluriformes. Com relação à estratégia de vida, a maioria das espécies que compõem a ictiofauna das bacias hidrográficas das regiões Sul e Sudeste do Brasil é considerada sedentária e de pequeno porte. Entretanto, as espécies migradoras, de médio e de grande porte, historicamente vêm sustentando as modalidades de pescarias de subsistência, comerciais e recreativas (AGOSTINHO et al, 2007) Há fatores naturais ou resultantes de ações antrópicas que acarretam na progressiva diminuição das populações de peixes fluviais no Brasil. As ações ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original antrópicas se referem principalmente ao represamento de rios, desmatamento ciliar, destruição de lagoas e alagados marginais, poluição, introdução de espécies exóticas, e sobrepesca. Os impactos negativos decorrentes da construção de barragens são resultantes da construção de uma barreira transversal que retém água, sendo na maioria das vezes intransponível pela fauna aquática, em particular pelos peixes. Constituem por isso obstáculo à livre circulação da ictiofauna e podem até comprometer a continuidade de certas espécies, uma vez que impedem o acesso dos peixes a locais essenciais para o desempenho de determinadas funções biológicas, como por exemplo, a reprodução (SANTO, 2005). Para este fim é mais usual o emprego da velocidade prolongada (SANTOS, 2007; KATOPODIS, 2005), definida como a velocidade mantida por um período que varia de 20 segundos a 200 minutos, podendo acarretar em fadiga muscular. Esse modo permite medir, mais precisamente, a habilidade do peixe em nadar durante um determinado tempo numa dada velocidade. Sua principal subcategoria é a velocidade prolongada crítica, correspondendo à velocidade máxima que o peixe pode manter em escoamento com velocidade aumentada em certo período de tempo. A velocidade crítica é uma poderosa ferramenta para comparação da capacidade natatória entre as espécies (HAMMER, 1995). A capacidade natatória é expressa em termos de velocidade de natação e resistência, o período de tempo durante o qual o peixe consegue manter uma determinada velocidade. Está relacionada ao comprimento, peso, sexo, e às condições de saúde do indivíduo (condicionantes do próprio peixe), bem como a fatores externos como temperatura, principalmente (BEAMISH, 1978). Esse cálculo é muito importante, pois a partir dos valores da capacidade, é possível calcular se os peixes conseguem ou não passar barreiras, tanto naturais como artificiais, nos rios, bem como a vazão necessária na construção de mecanismos de transposição em aproveitamentos hidrelétricos.
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Artigo Original O presente artigo se refere à análise da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande, região sudeste, em termos da composição específica, comportamento migratório das espécies e capacidade natatória.
Métodos Os peixes foram coletados em setembro de 2011 em ribeirões da Bacia do Rio Grande, na região sudeste. Para tanto, foram invariavelmente realizados cinco lances de tarrafa em cada local de coleta, adotando-se esse padrão como esforço de pesca uniformizado. O petrecho utilizado foi uma tarrafa padrão, que tem como malhagem 30 mm entrenós. Em complementação à operação das tarrafas, foram também utilizadas redes de espera, medindo 3m de largura e 1,5m de altura, e malhagens de 30 mm e 50 mm entre nós. A colocação das redes de espera foi feita sempre no final da tarde, sendo estas retiradas no dia seguinte, aproximadamente entre as 07h e 11h. Retirados do aparelho de pesca, os peixes, ainda vivos, foram triados e fotografados. Durante a triagem biológica, os animais foram inicialmente separados em grupos por família/gênero e para cada um, foram obtidos o comprimento total e furcal, com o uso de uma fita métrica (com escala em mm) e a massa corpórea total (g), com a utilização de uma balança eletrônica semianalítica com precisão de 0,1g. Após este procedimento, os exemplares foram devolvidos, ainda vivos, ao rio. A identificação taxonômica de cada exemplar foi realizada através da utilização de bibliografia especializada, chaves de identificação específicas e levantamentos de fauna de regiões adjacentes, além de consultas ao Fishbase (www.fishbase.org). A velocidade máxima de nado foi calculada com base no comprimento do peixe e da temperatura da água, segundo a fórmula de Wardle (YINGQI, 1982), que considera a distância viajada por um peixe em cada ondulação de corpo como sendo de aproximadamente 0,7 de seu comprimento. ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original Onde: L – comprimento do peixe t – tempo entre duas ondulações O comprimento máximo e médio de cada espécie foi obtido no banco de dados Fishbase, que disponibiliza uma série de informações morfométrica, comportamentais e reprodutivas. O comprimento mínimo foi definido como o comprimento da malha de pesca usada na captura. O cálculo do tempo de contração muscular (função do comprimento e da temperatura) foi feito através da fórmula descrita em Yingqi (1982). Os intervalos de comprimentos definidos alimentam essa equação. As temperaturas de contração foram simuladas postulando que a temperatura ambiente mínima e máxima seja diretamente ligada à temperatura muscular. As temperaturas ambientais, mínima e máxima, foram estimadas pela localização georreferencial do ponto. Para cada comprimento L foi encontrado o valor de t pela fórmula,
Os valores então foram inseridos na fórmula de Wardle, em função de uma mesma temperatura. O mesmo processo é feito novamente para outras temperaturas, abrangendo a variação da temperatura da água local. As curvas foram plotadas para cada espécie migradora analisada. O algoritmo para o cálculo das curvas de velocidade máxima de nado foi implementado em Excel.
Resultados Foram coletados peixes de três diferentes ordens, Characiformes, Siluriformes e Perciformes perfazendo um total de sete diferentes espécies além de exemplares identificados até o nível de gênero (tabela 1). Dentre as três ordens ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original a de maior importância foi Characiformes, representada por seis diferentes espécies: Astyanax fasciatus, Astyanax bimaculatus, Hoplias malabaricus, Leporinus obtusidens, Leporinus sp e Salminus hilarii. A segunda mais importante foi Siluriformes, representada por duas espécies Hypostomus sp e Rhamdia quelen, seguida de Perciformes, representada por uma única espécie coletada Geophagus brasiliensis. Os grupos taxonômicos identificados na coleta são grupos de espécies popularmente conhecidas como: piaparas ou piaus, tabaranas, traíras, lambaris ou tambiú, acará, cascudos e bagres, e reconhecidamente comuns aos padrões de fauna de estreitos e rios da Bacia do Rio Grande. Tabela 1 – Lista das espécies de peixes coletados ORDEM
FAMÍLIA
Characiformes
Anostomidae
Characiformes
Anostomidae
GÊNERO/ESPÉCIE Leporinus obtusidens (Valenciennes, 1836) Leporinus sp
Characiformes
Characidae
Astyanax fasciatus
Characiformes Characiformes Characiformes Siluriformes Siluriformes Perciformes
Characidae Characidae Erythrinidae Loricariidae Heptaptridae Cichlidae
Astyanax bimaculatus Salminus hilarii Hoplias malabaricus Hypostomus sp Rhamdia quelen Geophagus brasiliensis
NOME POP. Piapara Rajadinha Lambari-derabo-vermelho Tambiú Tubarana Traíra Cascudo Bagre Acará
Considerando o total de capturas, a figura 1 mostra o número de morfotipos taxonômicos por ordem, representado por frequência relativa.
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Artigo Original
Figura 1 – Frequência relativa de morfotipos taxonômicos por ordens
Quando relacionados os totais de exemplares capturados por ordem taxonômica (Figura 2), novamente a ordem Characiformes é a mais importante, representada por 69 exemplares de peixes, seguida dos Siluriformes com cinco exemplares e apenas três indivíduos pertencentes à ordem Perciformes.
Figura 2 – Frequência relativa em porcentagem do número de exemplares de peixes capturados por espécies.
Para as espécies de piracema, Salminus hilarii, Liporinus sp e Leporinus obtudens, foi calculada a capacidade natatória, necessária para adequação de ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original sistemas de transposição, sendo estimados as velocidades prolongadas críticas e o tempo de resistência. Na tabela 2 estão apresentados os valores referentes às velocidades prolongadas críticas referentes aos dados médios de comprimento de espécimes coletados (Vc campo), aos dados de comprimento médio bibliográfico (Vc média) e comprimento máximo bibliográfico (Vc máxima) tendo como fonte o Fishbase. Tabela 2 – Valores estimados de velocidade (m/s) prolongada crítica para temperaturas da água entre 16 e 20 °C das espécies Salminus hilarii das duas espécies do gênero Leporinus considerando a média de comprimento dos indivíduos coletados em campo (Vc campo), o comprimento médio (Vc média) e máximo (Vc máximo) reportado para a espécie. Espécies T °C 16 17 18 19 20
Leporinus sp Vc Vc campo média 2,26 3,68 2,36 3,85 2,46 4,02 2,57 4,2 2,60 4,39
Vc máxima 4,3 4,72 4,94 5,17 5,4
Salminus hilarii Vc campo Vc média 3,03 3,97 3,17 4,11 3,31 4,34 3,46 4,54 3,61 4,75
Vc máxima 5,68 5,96 6,24 6,53 6,83
Na tabela 3 estão apresentados os valores referentes ao tempo de resistência em segundos para a velocidade máxima de nado em função da temperatura e comprimento. Tabela 3 – Valores estimados do tempo de resistência (s) para temperaturas da água entre 16 e 20 °C na manutenção da velocidade prolongada crítica das espécies Salminus hilarii e das duas espécies do gênero Leporinus considerando a média de comprimento dos indivíduos coletados em campo (Tr campo), o comprimento médio (Tr média) e máximo (Tr máximo) reportado para a espécie. Leporinus sp Salminus hilarii Tr T °C Tr campo médio Tr máximo Tr campo Tr médio Tr máximo 16 1,40 11,94 30,08 5,07 16,82 91,04 17 1,25 10,55 26,44 4,50 14,84 78,94 18 1,11 9,34 23,29 4,00 13,12 68,73 19 1,00 8,29 20,56 3,56 11,62 60,03 20 0,89 7,36 18,18 3,17 10,31 52,57
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Artigo Original Discussão Na América do Sul, a geração hidráulica é a principal fonte de energia elétrica, sendo que no Brasil, a oferta corresponde a 77,1% da produção de energia elétrica (BRASIL, 2006). Uma característica em comum de boa parte dessas usinas é a necessidade de obstrução do escoamento natural dos rios, causando a interrupção da rota migratória das espécies de peixes migradores (SANTOS et al, 2007). Para atenuar o efeito dessa interrupção sobre as populações das espécies migradoras, iniciou-se nos Brasil a construção das passagens para peixes. Portanto, o conhecimento do comportamento migratório e da capacidade natatória dos peixes neotropicais constitui um aspecto primordial para estabelecer diretrizes no dimensionamento de mecanismos de transposição. Quanto à estratégia de vida, a maioria das espécies que compõem a ictiofauna do sudeste brasileiro é de pequeno porte e não migratória. A ictiofauna dos diversos ribeirões que compõem o sistema analisado é similar apresentando predominância do gênero Astyanax, peixes potamódromos, que não são considerados peixes de piracema já que não realizam migrações de longas distâncias. Entretanto, as espécies encontradas Salminus hilarii, Leporinus sp e Leporinus obtudens, são de piracema, ou seja, realizam entre outubro e fevereiro migração reprodutiva. Verificou-se que as espécies Pimelodus maculatus (mandi-amarelo), Leporinus octofasciatus (piau-flamengo) e Prochilodus lineatus (curimba) são as espécies que mais utilizam mecanismo de transposição na UHE Igarapava (VONO et al, 2004). O estabelecimento das velocidades sustentáveis, que são aquelas desenvolvidas entre 20 segundos e 200 minutos, parece o mais aconselhável e corresponde aos valores geralmente verificados para a travessia de um mecanismo de transposição, (SANTOS et al, 2007). A partir das curvas de velocidade crítica chega-se que, neste modo de natação e para a primeira maturação, o piau nada 1,32 m/s, o mandi nada 1,47 m/s e a curimba, 1,23 m/s.
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Artigo Original As fórmulas aqui usadas para cálculo da velocidade máxima de nado e tempo necessário para executá-lo, supõem uma relação existente entre a velocidade máxima de nado e tempo de resistência com os diferentes tamanhos de peixes submetidos a diferentes temperaturas. Assume-se, portanto, que peixe de qualquer espécie desenvolverá velocidade máxima e terá tempo de resistência unicamente em função do seu comprimento e temperatura muscular, sem levar em conta as particularidades fisiológicas de cada espécie. O cálculo de todos os parâmetros e variáveis envolvidas nesse fenômeno, apesar de partirem de premissas gerais, carece de particularidades características da espécie (relação peso-comprimento e capacidade de retirada de 02), o que acarretaria em erro na estimativa da capacidade natatória e tempo de resistência. Portanto, ensaios laboratoriais para obtenção das velocidades de nado de espécies neotropicais, ainda escassos no Brasil, seriam essenciais para refinamento destes modelos.
REFERÊNCIAS AGOSTINHO, A.A., GOMES, L.C. & PELICICE, F.M. Ecologia e manejo de recursos pesqueiros em reservatórios do Brasil. Eduem, Maringá, 501p. 2007. BEAMISH, F. W. H. Swimming capacity. In: HOAR, W. S.; RANDALL D. J. Fish Physiology, 1. ed. Londres: Academic Press, v.7, cap.2, p. 101-187. 1978. FISHBASE, www.fishbase.org. 2010. HAMMER, C. Fatigue and exercise tests with fish. Comparative Biochemistry and Physiology, v.112, n.1, 1-20. 1995. KATOPODIS, C. Developing a toolkit for fish passage, ecological flow management and fish habitat Works. Journal of Hydraulic Research, v.43, n.5, 451-467. 2005.
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Artigo Original LOWE MCCONNELL, R. H. Estudos ecológicos de comunidades de peixes tropicais. Editora da Universidade de São Paulo, 535 pp. 1999. MAKRAKIS, M. C.; MIRANDA, L. E.; MAKRAKIS, S.; FERNANDEZ, D. R.; GARCIA, J. O. & DIAS, J. H. P. 2007. Movement patterns of armado, Pterodoras granulosus, in the Paraná River Basin. Ecology of Fresh water Fish16:410416. SANTO, M. 2005. Dispositivos de passagem para peixes em Portugal. Direção-Geral dos Recursos Florestais. Lisboa, Setembro de 2005. SANTOS, H. A. A influencia da capacidade natatória de peixes neotropicais no projeto hidráulico de mecanismos de transposição. Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais. 2007. SANTOS, H.A; POMPEU, P.S; MATINEZ, C.B. A Importância do Estudo da Capacidade Natatória de Peixes para a Conservação de Ambientes Aquáticos Neotropicais. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, v 12 (3), 141-149. 2007. VONO, V.; P.M. BIZZOTTO; H.P. GODINHO; A.L. GODINHO & B. KYNARD. Fish passage at the Igarapava Fish Ladder, River Grande, Brazil, p. 15. In: Annals of the International Congress on the Biology of Fish Tropical Hotel Resort. Manaus, American Fisheries Society. 2004. YINGQI, Z. The swimming behavior of fish in towed gears: a reexamination of the principles. Working Paper n.4/82. Department of Agriculture and Fisheries for Scotland. Marine Laboratory. Aberdeen
ALEGRETTI, Lucas; FERREIRA, Guilherme Lessa; BURSTIN, Bruno Assanuma; PEREIRA, William Roberto Luiz; FLYNN, Maurea Nicoletti. Composição específica, comportamento migratório e capacidade natatória da ictiofauna coletada na Bacia do Rio Grande. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 115-127, fev. 2012.
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Artigo Original Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. Guilherme Lessa Ferreira Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos temas: Biocritérios na Avaliação da Integridade Ambiental, Fauna Silvestre. E-mail: lessamack@yahoo.com.br
Maurea Nicoletti Flynn Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental, Dinâmica Populacional e Biodiversidade. E-mail: m.flynn@intertox.com.br
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
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Artigo Original Resumo Os índices bióticos são importantes ferramentas para o monitoramento de corpos hídricos continentais. Os organismos utilizados para o cálculo desses índices, os indicadores biológicos, constituem importante ferramenta para a avaliação da qualidade da água, pois respondem a diferentes alterações e impactos no meio em que vivem. Os macroinvertebrados bentônicos são amplamente utilizados com essa finalidade através de índices bióticos como o BMWP’ (Biological Monitoring Working Party), o mais utilizado no Brasil. Sete pontos de amostragem no Rio Jaguari-Mirim foram estabelecidos, no entorno das PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) de São Joaquim e São José, e o substrato coletado nos meses de setembro de 2008 e março de 2009. A comunidade bentônica existente em cada uma das amostras foi triada e identificada até o nível taxonômico de família, quando possível. No total foram identificados 2.341 indivíduos, sendo 1.262 no período de estiagem (setembro) e 1.079 no período de chuvas (março). A qualidade da água de cada ponto amostral foi classificada em boa, aceitável, duvidosa, crítica ou muito crítica pelos resultados da aplicação do índice BMWP’. A maioria dos pontos obteve a classificação duvidosa para qualidade da água. Conclui-se, portanto, que a comunidade bentônica local se encontra impactada. Palavras-chave: Critério biológico. Bentos. Rio Jaguari-Mirim. Abstract Biotic indexes are important tools for the assessment of continental water. Organisms used for index calculation, the so called biological indicators, constitute important tool for the evaluation of continental water quality, because they respond for alterations and impacts occurring in their environment. Benthic macro invertebrates are widely used for this purpose, including assessment by the BMWP' index (Biological Monitoring Working Party), the most used in Brazil. Seven sampling sites in Jaguari-Mirim River were established, around the São Joaquim and São Jose PCHs (Small Power Plants). At each sampling site FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
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Artigo Original sediment was collected in September, 2008 and March, 2009. The local benthic community at each site was sieved and identified to family level, when possible. A total of 2,341 individuals, 1,262 in the dry period (September) and 1,079 in the wet period (March) were counted and identified. Water quality for each sampling point was classified as good, acceptable, doubtful, critical or very critical in accordance to BMWP' index values. The majority of the sites attained the classification doubtful for water quality. It was concluded that the local benthic community was considered disturbed. Key-words: Biological criteria. Benthos. Jaguari-Mirim River. Introdução O termo integridade biótica de um sistema hídrico se refere à capacidade deste de manter uma comunidade com riqueza de espécies, composição e organização funcional comparáveis à de sistemas não perturbados por atividades humanas. Atividades antrópicas têm exercido uma profunda e, frequentemente, negativa influência na qualidade ambiental de sistemas continentais, desde os menores córregos aos maiores rios. Alguns efeitos negativos são devidos à introdução de poluentes, enquanto outros estão associados às mudanças na hidrologia da bacia, modificações no hábitat e alterações das fontes de energia, das quais depende a biota aquática (ARAÚJO, 1998). Um ponto-chave para a gestão integrada dos recursos hídricos é a adoção de critérios adequados e rigorosos de monitoramento da qualidade da água para diagnosticar a integridade ou saúde destes. A partir desta avaliação, quando necessário, é possível delinear as intervenções necessárias, a fim de recuperar o equilíbrio original do ambiente. Com o argumento de que a capacidade de sustentar uma biota balanceada é um dos melhores indicadores de “saúde” e, portanto, de potencialidade de uso da água pelo ser humano, surgiram esforços para mensurar a integridade biótica dos corpos hídricos através de critérios biológicos. A lógica desta abordagem, FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
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Artigo Original chamada de monitoramento biológico ou biomonitoramento, baseia-se nas respostas dos organismos ao meio onde vivem, pois a biota aquática é capaz de responder a uma série de distúrbios (naturais ou antropogênicos), sintetizando a história recente das condições locais. A comunidade bentônica presente nos sistemas lóticos é fortemente afetada pela alteração na qualidade do habitat, principalmente perda da vegetação marginal e da qualidade física e química de água e sedimento (GALDEAN et al, 2000). Estas alterações provocam mudanças na composição, abundância e riqueza da fauna bêntica, o que traz prejuízo para todo o ecossistema aquático (REICE & WOHLENBERG, 1993). Para se utilizar mais eficientemente o macrobentos de um rio como bioindicador da qualidade da água é necessário a formulação de critérios biológicos, sendo um dos mais utilizados o BMWP (Biological Monitoring Working Party). O índice BMWP baseia-se no somatório de valores de tolerância (sensibilidade a poluentes orgânicos) atribuídos a cada grupo de macro invertebrado de acordo com sua capacidade de sobreviver em diferentes situações de qualidade de água. Este é um índice qualitativo e leva em conta a presença ou ausência de famílias (BISPO et al, 2006; FERNANDES, 2007). O presente trabalho tem por objetivos analisar a estrutura das comunidades bênticas e monitorar suas variações, através da aplicação do Índice Biótico BMWP’, ao longo do rio Jaguari-Mirim, município de São João da Boa Vista, São Paulo, com o intuito de oferecer ferramentas para o monitoramento de funcionamento de duas centrais hidrelétricas, ora em processo de reativação. Metodologia As coletas foram realizadas em setembro de 2008 e março de 2009 em sete pontos amostrais ao longo do trecho do Rio Jaguari-Mirim entre duas Pequenas Centrais Hidrelétricas, as PCHs de São José e São Joaquim. Os pontos amostrais 1, 2 e 3 (Figura 1) são referentes à montante, à área da PCH e à jusante da PCH São José, respectivamente. Os pontos amostrais 5, 6 e 7 (Figura 2) são pontos FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
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Artigo Original referentes à montante, à área da PCH e a jusante da PCH São Joaquim. O ponto 4 é o ponto entre as duas Centrais Hidrelétricas.
Figura 1 – Ponto 1, à montante da PCH São José; ponto 2, na área da PCH de São José; e ponto 3, à jusante da PCH de São José.
Figura 2 – Ponto 5, à montante da PCH de São Joaquim; ponto 6, na área do barramento e da escadaria da PCH de São Joaquim; e ponto 7, à jusante da PCH de São Joaquim.
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
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Artigo Original A metodologia adotada na coleta, identificação e contagem da comunidade bentônica na Área de Influência das PCHs São Joaquim e São José tem como base a Normatização Técnica - CETESB L5. 309 - Determinações de Bentos de Água
Doce - Macro invertebrados Bentônicos
- Método
Qualitativo e
Quantitativo, (CETESB, 2003). Em cada ponto de amostragem foram feitas coletas de organismos do sedimento (zoobentos) com pegador. Após a coleta, o sedimento foi acondicionado em sacos plásticos apropriados e preservado com formalina neutra a 4%. No laboratório da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o material foi conservado em álcool 70º GL e corado com rosa de Bengala. As comunidades zoobentônicas foram analisadas em termos de Composição Taxonômica, Densidade Numérica e pelo índice biótico BMWP’. O índice biótico BMWP’ é uma adaptação feita por ALBA-TERCEDOR (1996) do índice original BMWP. As pontuações para os organismos bentônicos deste índice adaptado, que foram utilizadas para este trabalho, estão apresentadas na tabela 1. Tabela 1 – Valores de tolerância a poluentes atribuídos aos taxa, proposto por ALBA-TERCEDOR (1996). FAMÍLIAS Siphlonuridae, Heptageniidae, Leptophlebiidae, Potamanthidae, Ephemeridae, Taeniopterygidae, Leuctridae, Capniidae, Perlodidae, Perlidae, Chloroperlidae, Aphelocheiridae, Phryganeidae, Molannidae, Beraeidae, Odontoceridae, Leptoceridae, Goeridae, Lepidostomatidae, Brachycentridae, Sericostomatidae, Calamoceratidae, Helicopsychidae, Megapodagrionidae, Athericidae, Blephariceridae. Astacidae, Lestidae, Calopterygidae, Gomphidae, Cordulegastridae, Aeshnidae, Corduliidae, Libellulidae, Psychomyiidae, Philopotamidae, Glossosomatidae. Ephemerellidae , Prosopistomatidae, Nemouridae, Gripopterygidae, Rhyacophilidae, Polycentropodidae, Limnephelidae, Ecnomidae, Hydrobiosidae, Pyralidae, Psephenidae. Neritidae, Viviparidae, Ancylidae, Thiaridae, Hydroptilidae, Unionidae, Mycetopodidae , Hyriidae, Corophilidae, Gammaridae, Hyalellidae, Atyidae, Palaemonidae, Trichodactylidae, Platycnemididae, Coenagrionidae, Leptohyphidae. Oligoneuridae, Polymitarcyidae, Dryopidae, Elmidae, Helophoridae, Hydrochidae, Hydraenidae, Clambidae, Hydropsychidae, Tipulidae, Simuliidae, Planariidae, Dendrocoelidae, Dugesiidae. Aeglidae, Baetidae, Caenidae, Haliplidae, Curculionidae, Chrysomelidae, Tabanidae, Stratyiomyidae, Empididae, Dolichopodidae, Dixidae, Ceratopogonidae, Anthomyidae, Limoniidae, Psychodidae, Sciomyzidae, Rhagionidae, Sialidae, Corydalidae, Piscicolidae, Hydracarina. Mesoveliidae, Hydrometridae, Gerridae, Nepidae, Naucoridae (Limnocoridae), Pleidae, Notonectidae, Corixidae, Veliidae, Helodidae, Hydrophilidae, Hygrobiidae, Dytiscidae, Gyrinidae, Valvatidae, Hydrobiidae, Lymnaeidae, Physidae, Planorbidae, Bithyniidae, Bythinellidae, Sphaeridae, Glossiphonidae, Hirudidae, Erpobdellidae, Asellidae, Ostracoda. Chironomidae, Culicidae, Ephydridae, Thaumaleidae. Oligochaeta (toda a classe), Syrphidae.
PONTUAÇÃO 10
8 7 6
5 4
3 2 1
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
133
Artigo Original Foi realizada a atribuição dos valores da tabela acima aos organismos encontrados nos sete pontos de amostragem do rio Jaguari – Mirim, nos dois períodos de coletas (setembro/2008 e março/2009), sendo estes posteriormente somados. Para a interpretação das pontuações totais do índice BMWP’, foi utilizada a tabela de valores, propostos por ALBA-TERCEDOR (1996), correlacionando estes valores a cinco graus diferenciados de contaminação da água e respectivas cores estipulada (Tabela 2). Tabela 2 – Interpretação das pontuações totais dos organismos encontrados em um determinado ponto de coleta e as cores correspondentes à qualidade da água, proposto por ALBA-TERCEDOR (1996). Classe
Qualidade
Valor
Significado
Cor
I
BOA
101 – 120 e >120
AZUL
II
ACEITÁVEL
61 - 100
III
DUVIDOSA
36 - 60
IV
CRÍTICA
16 - 35
V
MUITO CRÍTICA
< 16
• Águas muito limpas (águas prístinas) • Águas não poluídas ou sistema perceptivelmente não alterado • São evidentes efeitos moderados de poluição • Águas poluídas (sistema alterado) • Águas muito poluídas (sistema muito alterado) • Águas fortemente poluídas (sistema fortemente alterado)
VERDE AMARELO LARANJA VERMELHO
Como não se chegou ao nível de família em todos os grupos taxonômicos considerados, foi aplicada uma constante de ajuste de valor, ou seja, as pontuações do BMWP’ totais de cada ponto amostral foram multiplicadas por 2. Este procedimento foi adotado para contabilizar mais realisticamente os níveis taxonômicos de ordem e classe. Resultados Nos dois períodos de amostragem, em setembro de 2008 (fim da época de estiagem) e março de 2009 (fim da época de chuva), foram coletados organismos pertencentes a 30 taxa, divididos nas seguintes classes: Oligochaeta, Hirudinea, Bivalvia, Gastropoda, Insecta, Crustacea e Aracnoidea. Os grupos mais abundantes foram Oligochaeta, os insetos da ordem Díptera (especialmente a FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
134
Artigo Original família Chironomidae), e a Classe Bivalvia. Foram coletados aproximadamente 2.341 exemplares no total, sendo que 1.262 indivíduos na campanha de setembro e 1.079 na campanha de março. A maior parte dos indivíduos foi identificada no nível de ordem, seguidos por família e classe. A Tabela 3 apresenta a lista dos taxa coletados nos pontos de amostragem em setembro e em março e o número de indivíduos coletados por táxon e por ponto amostral. Tabela 3 - Lista dos grupos de indivíduos coletados em setembro/ 2008 e em março/2009 e número de indivíduos por ponto amostrado. Pt 1
Pt 2
Pt 3
Pt 4
Pt 5
Pt 6
Pt 7
Totais
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Classe OLIGOCHAETA Classe HIRUDÍNEA Glossiphoniidae Classe BIVALVIA
40
154
59
3
0
135
3
9
42
96
27
111
41
11
212
519
0
9
1
2
0
2
0
0
1
0
0
1
0
0
2
14
79
26
212
22
100
325
2
17
84
3
7
13
3
2
487
408
Classe GASTROPODA
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
Ordem Collembola
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
Ordem Ephemeroptera
0
2
0
1
1
3
0
1
0
0
1
0
0
0
2
7
Baetidae
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
1
1
Ordem Odonata
2
0
3
0
0
3
0
1
0
0
1
0
0
0
6
4
Gomphidae
0
4
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
1
4
2
8
Ordem Coleoptera
0
0
1
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
2
0
CLASSE INSECTA
Ordem Diptera
2
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
2
3
3
Chironomidae
71
17
34
12
1
33
13
9
21
4
14
2
5
12
159
89
Ceratopogonidae
0
2
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
Ordem Hemíptera
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
8
0
9
Ordem Trichoptera
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
1
0
0
0
2
Ordem Plecoptera
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
1
Ostracoda
0
2
3
0
0
0
0
0
6
0
0
1
0
0
9
3
Tanaidacea
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
Amphipoda
0
0
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
1
Copepoda
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
1
0
2
0
Cumacea/Nebaliacea Classe ARACNOIDE Hidrocarina
2
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
0
0
174
0
0
0
0
0
0
0
0
0
174
0
TOTAIS
232
218
461
41
277
503
19
38
155
103
51
135
67
41
1262
1079
Classe CRUSTACEA
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
135
Artigo Original No mês de setembro os principais taxa coletados foram Bivalvia, Oligochaeta, Díptera (Chironomidae), Cladocera e Hidrocarina. O Ponto 2 apresentou maior abundância de indivíduos nas coletas dessa época, seguido dos pontos 3, 5 e 1. Os pontos com menor abundância de indivíduos foram os pontos 6, 7 e 4 em ordem decrescente. Os principais táxons coletados em março de 2009 foram Oligochaeta, Bivalvia e Díptera (Chironomidade). O ponto 3 apresentou maior abundância de indivíduos. Os Pontos 5, 6, 1, 7, 4 e 2 estão listados em ordem decrescente de abundância de indivíduos. A Tabela 4 apresenta a somatória das pontuações atribuídas aos indivíduos coletados, de acordo com o índice biológico BMWP’, por ponto amostral, dos meses de setembro e março, e também apresenta a cor que representa a qualidade da água em cada ponto e sua interpretação, segundo o índice proposto por ALBATERCEDOR (1996). Tabela 4 – Soma dos valores do índice BMWP’ atribuídos aos organismos coletados por ponto amostral na campanha de setembro de 2008 e março de 2009 e a interpretação da qualidade da água segundo ALBA-TERCEDOR (1996). Duv: Duvidosa; Ace: Aceitável; Cri: Critica. Pt 1 Pontuação BMWP’ Qualidade da Água
Pt 2
Pt 3
Pt 4
Pt 5
Pt 6
Pt 7
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
Set
Mar
48
66
52
44
38
68
36
58
46
18
58
48
62
64
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Duv
Ace
Ace
Duv
Ace
Ace
Cri
Discussão Os macroinvertebrados bentônicos apresentam diferentes respostas frente a poluentes e impactos, por isso mesmo são usados como indicadores de qualidade ambiental. Entretanto, segundo autores (TUNDISI & MATSUMURA, 2008), diferentes variáveis podem estar envolvidas na resposta dos macrobentos, além dos poluentes. Dessa forma, a diversidade da fauna pode estar relacionada a múltiplos fatores, tanto bióticos (predação, competição) como abióticos (oxigênio FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
136
Artigo Original dissolvido, pH, velocidade de corrente), entre outros (ANDRADE, 2009), sendo importantes métricas na avaliação da integridade do sistema. O índice biótico BMWP’, amplamente empregado no Brasil, atribui valores aos diferentes grupos de macrobentos, levando em consideração apenas a presença/ausência de famílias e sua sensibilidade ou tolerância aos impactos no ambiente limnológico. Dessa forma é possível mensurar a qualidade da água em um determinado ponto de um corpo hídrico com a utilização destes indivíduos. Aparentemente a diferença no número de exemplares coletados entre o período chuvoso e de estiagem (menor na época chuvosa), se deve justamente pelo aumento
da
pluviosidade.
Segundo
alguns
autores,
o
ciclo
hidrológico
desempenha forte influência sobre a fauna bentônica, principalmente em ambientes lóticos, resultando em uma redução da comunidade bentônica nos períodos de chuva (TUNDISI & MATSUMURA-TUNDISI, 2008). Isso acontece porque, nestas épocas, há um grande aumento na velocidade de corrente, resultando em uma maior lixiviação do solo, dificultando a permanência e a movimentação dos indivíduos bentônicos no substrato, sendo estes assim, desprendidos de seu habitat. Na análise da comunidade macrobentônica de setembro de 2008, podemos observar a predominância de indivíduos da Classe Bivalvia e em março de 2009, organismos da Classe Oligocheta. Ambas as classes, em suas respectivas épocas de dominância, encontradas em todos os pontos amostrais. A classe Oligocheta é classificada como altamente tolerante a poluentes, enquanto os bivalves apresentam uma tolerância intermediária (ANDRADE, 2009). Este fato, somado com a ausência de indivíduos muito sensíveis a poluentes (Ephemeroptera, Plecoptera, Tricoptera, por exemplo), tanto na época de estiagem como na das chuvas, nos leva a inferir uma qualidade da água do Rio Jaguari-Mirim mais baixa no período de chuvas, apesar das chuvas representarem um impacto natural, não relacionado às ações antrópicas das PCH’s.
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
137
Artigo Original Entretanto, segundo análise do índice biótico BMWP’ o mês de março (fim das chuvas) apresenta três pontos com qualidade aceitável da água, enquanto o mês de setembro (fim de estiagem) apresenta apenas um ponto com qualidade aceitável da água e todos os outros com qualidade duvidosa. Esta análise contraria o que afirmam os autores da literatura especializada, que nos períodos chuvosos a qualidade da água deveria ser mais baixa, considerando o fato de que a fauna bêntica encontra dificuldades em se manter fixada no substrato e é levada pela força da corrente da água, que é maios no período chuvoso (TUNDISI & MATSUMURA-TUNDIDI, 2008). Entretanto, justamente pelo fato de, na época das coletas, estarem sendo realizadas obras para a reativação das duas PCHs com intensa atividade de máquinas nas margens do rio e a constante efusão de conteúdos oriundos das obras na água, de certo o impacto causado sobrepuja o naturalmente previsto. REFERÊNCIAS ALBA-TERCEDOR, J. Macroinvertebrados acuáticos y calidad de las aguas de los ríos. In: IV SIMPOSIO SOBRE EL AGUA EN ANDALUCÍA (SIAGA), II: 203213, Almeria, 1996. ARAÚJO, F. G. Adaptação do índice de integridade biótica usando a comunidade de peixes para o rio Paraíba do sul. Revista Brasileira de Biologia, v. 58, n. 4, p. 547-558, 1998. ANDRADE, C. C. Macroinvertebrados bentônicos e fatores físicos e químicos como indicadores de qualidade da água da Bacia do Alto Jacaré-Guaçu (SP). Dissertação (Mestrado em Ecologia e Recursos Naturais)Universidade Federal de São Carlos, 2009. BISPO, P. C. Distribuição espacial de insetos aquáticos (Ephemeroptera, Plecoptera e Trichoptera) em córregos de cerrado do Parque Ecológico de Goiânia, Estado de Goiás. In: NESSIMIAN, J. L.; CARVALHO, A. L. E. (Ed.). Ecologia de insetos aquáticos. Rio de Janeiro: PPGE-UFRJ, 1998. cap. 13. (Series Oecologia Brasiliensis, 5). 2006.
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
138
Artigo Original CETESB, L5.309: Determinação de bentos de água doce: Macroinvertebrados – métodos qualitativo e quantitativo. São Paulo, 14p. (Norma Técnica). 2003. FERNANDES, A. C. M. Macroinvertebrados Bentônicos como Indicadores Biológicos de Qualidade de Água: Proposta para Elaboração de um Índice de Integridade Biológica. Tese (Doutorado em Ecologia)-Universidade de Brasília. Brasília-DF, 2007. GALDEAN, N. Lotic ecosystems of Serra do Cipó, Southeast Brazil: water quality and a tentative classification based on the benthic macroinvertebrate community. Journal of Aquatic Ecosystem Health & Restoration, 3, p. 545552. 2000. TUNDISI, J.G & MATSUMURA-TUNDISI, T. Limnologia. São Paulo: Oficina de Textos, 631p. 2008. REICE, S. R & WOHLENBERG. M. Monitoring freshwater benthic macroinvertebrates and benthic processes: measures for assessment of ecosystem health. In: RESH, V.H.; ROSENBER, G.D.M. (Eds.) Freshwater biomonitoring and benthic macroinvertebrates. Chapman & Hall, p. 287305, New York. 1993.
FERREIRA, Guilherme Lessa; FLYNN, Maurea Nicoletti. Índice biótico BMWP’ na avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Centrais Hidrelétricas de São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, SP. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 128-139, fev. 2012.
139
Artigo Original Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. Bruno Assanuma Burstin Possui Licenciatura e Bacharelado em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente é assessor técnico
do
Instituto
Inteligência
para
Sustentabilidade-I2S,
atuando principalmente nos seguintes temas: Pequenas Centrais Hidrelétricas, Plâncton, Monitoramento Biológico. E-mail: brunoburstin@gmail.com
Maurea Nicoletti Flynn Possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Oceanografia Biológica pela Universidade de São Paulo e pós-doutorado em ecologia aplicada e experimental pelo programa recém doutor do CNPq, Universidade de São Paulo. Foi coordenador do Curso de Engenharia
Ambiental
das
Faculdades
Oswaldo
Cruz
e
Coordenadora de Pesquisas na Escola Superior de Química das Faculdades Oswaldo
Cruz. Professor
adjunto
do
curso
de
graduação em Ciências Biológicas e de pós-graduação em Biodiversidade da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Tem
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
140
Artigo Original experiência nas áreas de Ecologia Bêntica, Ecologia Experimental, Dinâmica Populacional e Biodiversidade da Ambientes Aquáticos. E-mail: m.flynn@intertox.com.br
Resumo Ecossistemas aquáticos, inclusive os brasileiros, vêm apresentando uma expressiva
queda
de
qualidade
da
água
e
biodiversidade,
ligadas
à
desestruturação do ambiente físico-químico e alteração da dinâmica natural das comunidades biológicas, consequência de impactos ambientais oriundos de atividades antrópicas como: construção de barragens e represas, retificação e desvio do curso natural de rios. O presente trabalho tem por objetivos analisar a estrutura da comunidade fitoplanctônica e parâmetros físico-químicos da água para estabelecer as bases de referência que serão utilizadas para monitorar o impacto causado pelas obras de reativação de duas centrais hidrelétricas instaladas ao longo do Rio Jaguari-Mirim, entorno do município de São João da Boa Vista, São Paulo. Amostras de água foram coletas para análise dos parâmetros físico-químicos e comunidade fitoplanctônica em 7 pontos distribuídos no entorno das PCHs de São José e São Joaquim. As coletas foram realizadas durante a estação de seca, setembro 2008. De acordo com a quantidade de fósforo total encontrada, o Rio Jaguari-Mirim apresenta nível hipereutrófico em todos os pontos amostrais. A comunidade fitoplanctônica apresentou maior contribuição, em relação à riqueza especifica, por Bacillariophyceae, organismos unicelulares ou coloniais que dependem da sílica para sua sobrevivência e para o seu crescimento e favorecidos por processos de ressuspensão do sedimento nos ambientes lóticos.
Foram
observadas
células
soltas
de Microcystis
sp.
(Cianobacteria) que apesar de apresentar baixa frequência de ocorrência pode ser considerada como potencialmente tóxica. A presença de Euglenophyceae indica que o ambiente continental é rico em matéria orgânica.
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
141
Artigo Original Palavras-chave:
Qualidade
da
água,
Fitoplâncton,
Pequenas
Centrais
Hidrelétricas, Rio Jaguari-Mirim Abstract Aquatic ecosystems worldwide, including the Brazilians, have demonstrated an expressive decrease in water quality and loss of biodiversity, linked to disruption of the physical and chemical environment and alteration of the natural dynamics of biological communities. These impacts arise from human activities such as: construction of dams and reservoirs and other modifications made along the natural river beds. Characterization of the environment through physical and chemical variables linked to biological criteria offer an instant evaluation of the water quality. The present work proposes to analyze the structure of the phytoplankton community and water physical and chemical parameters in order to establish reference basis which will be used to assess the impact caused by the reactivation of two small hydroelectric power plants installed at Jaguari-Mirim River, São João da Boa Vista. With this purpose water samples were sampled for physical and chemical as well as the phytoplankton parameters analysis on 7 stations distributed along São José and São Joaquim power plants region, realized in September 2008, dry season. According to total phosphorous concentration obtained, the Jaguari-Mirim River is hypertrophic in all sampled locations. Bacillariophyceae, unicellular or colonial organisms that depends on silica in order to grow and survive, is favored by the suspension process in lotic environments. Some loose cells of Microcystis sp. (Cianobacteria) were also observed, which despite the low frequency of occurrence may be considered potentially toxic. The presence of Euglenophyceae indicates a continental environment rich in organic matter. Key-words: Water quality, Phytoplankton, Small Hydroelectric Plants, JaguariMirim River BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original Introdução Ecossistemas aquáticos têm demonstrado uma expressiva queda de qualidade da água e perda de biodiversidade, ligadas à desestruturação do ambiente físico-químico e alteração da dinâmica natural das comunidades biológicas (GOULART e CALLISTO, 2003). As atividades humanas podem alterar o meio físico, químico ou processo biológico associados aos recursos hídricos, modificando assim a comunidade biológica residente (KARR, 1991). Os seres vivos que habitam ambientes lóticos respondem rapidamente a qualquer alteração abiótica ou biótica no meio aquático (TUNDISI et al, 2010), sendo que as atividades ou distúrbios que ocorrem em uma localidade afetarão os processos e organismos rio abaixo (TUNIDISI e MATSUMURA-TUNDISI, 2008). Técnicas para o uso de comunidades bióticas como indicadoras de qualidade da água têm evoluído assim como como a compreensão sobre as interações entre a integridade biológica e a qualidade da água (HILL et al, 2000). Critérios biológicos suplementam, em vez de excluir, as analises químicas e toxicológicas. Esses critérios são baseados nas premissas de que a estrutura e função da comunidade aquática, dentro de um habitat específico, provêm informações importantes sobre a qualidade destas, aumentando a probabilidade de detecção da degradação por ação antrópica (KARR, 1991; LAZORCHAK et al, 2002). No Brasil, agências ambientais públicas classificam as comunidades fitoplanctônicas, especialmente as diatomáceas, como sendo indicadoras valiosas das condições ambientais dos ecossistemas aquáticos devido a diversos fatores (WETZEL, 2002). Hill e colaboradores (2001) destacam suas vantagens: 1) coleta de amostras relativamente simples; 2) os organismos respondem rápida e previsivelmente a mudanças na química dos seus habitats; 3) apresentam grande diversidade taxonômica; 4) curto tempo de regeneração; 5) estão presentes em todos os habitats, permitindo comparação entre diferentes regiões. BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original Este trabalho tem como objetivo analisar a estrutura da comunidade fitoplanctônica assim como parâmetros físico-químicos da água para estabelecer as bases de referência que serão utilizadas para monitorar o impacto causado pelas obras de reativação de duas pequenas centrais hidrelétricas instaladas ao longo do Rio Jaguari-Mirim no entorno do Município de São João da Boa Vista, São Paulo. Metodologia A campanha de coleta foi realizada durante a estação seca, mês de setembro, 2008. Foram estabelecidos sete pontos amostrais de coleta (Figura 1). Em cada ponto anotou-se as coordenadas geográficas, com auxílio de um aparelho de GPS. Os pontos 1, 2 e 3 são referentes à área a montante da PCH, reservatório, e a jusante da PCH São José, respectivamente. Os pontos 5, 6 e 7 referentes à área a montante, reservatório, e a jusante da PCH São Joaquim, respectivamente. O ponto 4 foi estabelecido na área curto-circuítada do rio entre as duas PCHs, a jusante de São José e a montante de São Joaquim.
Figura 1: Fotos da localização das PCHs São José e São Joaquim e pontos amostrais: P1) 21°56'17.75"S, 46°48'56.1"W - P2) 21°56'1.71"S, 46°48'58.0"W - P3) 21°56'15.36"S, 46°48'77"W - P4) 21°53'18.57"S, 46°51'42.8"W - P5) 21°52'38.48"S, 46°52'58.64"W - P6) 21°52'30.95"S, 46°53'5.93"W - P7) 21°52'28.30"S, 46°53'37.97"W.
As amostras de água coletadas para análise dos parâmetros físico-químicos (pH, cor, turbidez, sólidos totais, sólidos totais dissolvidos, óleos e graxas, coliformes, nitrogênio total Kjedahl, anions, DBO, DQO e fósforo total) foram BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original enviadas para o laboratório da BIOAGRI AMBIENTAL.
Os resultados
apresentados serão comparados aos padrões estabelecidos pela Resolução CONAMA 357/05 quanto à classificação dos corpos de águas continentais e diretrizes ambientais para o seu enquadramento. Em todos os pontos amostrais, também foram coletados, através da filtragem de 10 litros de água por rede de abertura de malha 20μm, amostras para análise taxonômica da comunidade fitoplanctônica.
A metodologia para
contagem e identificação do fitoplâncton foi realizada utilizando microscópio invertido Zeiss, modelo Axiovert 25, em aumento de 400 vezes. A contagem foi realizada em campos distribuídos em transectos horizontais e verticais e o limite da contagem, número mínimo de campos contados da câmara de sedimentação, foi determinado através dos critérios: a) o critério de gráfico de espécies, obtido a partir de espécies novas adicionadas com o número de campos contados e b) o de espécies mais abundantes, obtido pela contagem de até 100 indivíduos da espécie mais comum. Cada célula, colônia, cenóbio e filamento foram considerados como um indivíduo. A partir dos resultados de densidade (org.mL-1) do fitoplâncton, os seguintes índices foram calculados: Riqueza (R), Diversidade (H’) (bits.ind-1) de Shannon & Weaver (1963), Uniformidade (U’) de acordo com Lloyd & Ghelardi (1964), Dominância (DS) de Simpson (1949), Frequência de ocorrência (F). Em função
de
F,
distinguiram-se
as
seguintes
categorias
para
os
táxons
fitoplanctônicos: Constantes: F > 50%, Comuns: 21% < F < 50% e Raros: F < 20%. Utilizou-se bibliografia especializada, incluindo floras, revisões e teses, para a identificação da comunidade fitoplanctônica. Resultados Os dados referentes aos parâmetros físico-químicos estão demonstrados na tabela 1. Os resultados analíticos apresentados foram comparados com os limites máximos previstos de acordo com a Resolução 357/05 CONAMA, quanto à classificação de águas continentais. A variação do pH do Rio Jaguari-Mirim está BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original dentro da normalidade (valores entre 6 e 9, para rios de Classe 2) em seis pontos amostrais, sendo a exceção o ponto 4 que apresentou-se mais alcalino. A cor ultrapassou o limite máximo estabelecido (75 Pt/Co) em todos os pontos amostrais. Turbidez, sólidos totais dissolvidos e coliformes fecais apresentaram valores abaixo do limite estabelecido. Óleos e graxas tiveram valor superior ao limite estabelecido nos pontos 1, 2 e 7 sendo a concentração maior no ponto 2. Nitrito e nitrato tiveram valores abaixo do limite em todos os pontos. Porem, nitrogênio total Kjeldahl apresentou valores abaixo do limite (de 2,18 mg/L) em todos os pontos com exceção do ponto 6 com concentrações altas. O fósforo total ficou com valores acima do limite (0,10 mg/L) em todos os pontos amostrais sendo a maior concentração encontrada no ponto 4. Os valores para DBO apresentaram dois padrões: os pontos 1, 2, 3, 4, e 7 ficaram acima do limite máximo estabelecido (5 mg/L) e os pontos 5 e 6 (área da PCH de São Joaquim) apresentaram valor inferior a 2mg/L, abaixo do limite estabelecido. Tabela 1: Dados analíticos referentes aos parâmetros físico-químicos da água relativos aos pontos amostrais. Pontos de coleta Parâmetros
Unidades
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
pH ( a 20°C)
---
8,20
8,10
8,17
9,30
8,30
8,00
7,90
Cor
Pt/ Co
85
93
85
82
80
76
89
Turbidez
NTU
6,6
6,8
6,6
6,1
5,8
5,8
6,2
Sólidos Totais Dissolvidos
mg/L
124
101
118
176
140
143
90
Óleos e Graxas
mg/L
2
4
<1
<1
<1
<1
2
Coliformes Fecais
NMP/100mL
2
2
138
980
82
135
148
Nitrogênio Total Kjeldahl
mg/L
0,79
1,3
1,1
1,1
0,69
6,2
1,2
Fósforo Total
mg/L
0,25
0,21
0,29
0,49
0,30
0,16
0,22
Nitrato
mg/L
0,7
0,7
0,8
1,4
1,2
1,3
1,4
Nitrito
mg/L
< 0,02
< 0,02
0,02
0,10
0,06
0,10
0,08
DBO
mg/L
6,8
6,8
6,8
6,8
<2
<2
6,8
Na comunidade fitoplanctônica foram identificados um total de 51 táxons (Tabela 2), distribuídos em sete classes (Figura 1): Bacillariophyceae com 16 BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original táxons, Chlorophyceae com 13, Cianobacteria com 11, Euglenophyceae com 7, Zygnemaphyceae com 2, Chrysophyceae com 1 e Cryptophyceae com 1. Tabela 2: Lista de ocorrência dos táxons fitoplanctônicos coletados em Setembro de 2008.
Táxons
P1
P2
P3
P4
P5
P6
P7
Frequência de ocorrência
X
X
Comum
Bacillariophyceae Acanthes sp.
X
Achnanthidium sp.
X
Rara
Amphipleura sp.
X
Amphora sp.
X
Aulacoseira sp.
X
X
Encyonema sp.
X
X
Eunotia sp.
X
X
X
X X
X
X
X
X X
Melosira sp. Navicula sp.1
X
X
X
Constante Rara
X
X
X
X
X
Constante
X
X
X
X
X
Constante
X
X
Navicula sp.2
Comum X
Navicula sp.3
X X
Nitzchia sp.
X
Pinnularia sp.
X
Surirella sp.
X
Constante Comum
X X
Comum Comum
X
Fragilaria sp. Gyrosigma sp.
X
X
Rara
X
Comum
X
X X
Comum
X
X
X
Comum X
Constante
Chlorophyceae Chlorella minutissima
X
X
X
Comum
Chlorella vulgaris
X
X
X
Comum
Coeslastrum astroideum
X
Rara
Crucigenia tetrapedia
X
Didimocystis fina
X
X
Rara Comum
Monoraphidium contortum
X
Rara
Monoraphidium griffithi
X
Rara
Pandorina sp. Pediastrum duplex
X
Rara X
Rara
Pediastrum simplex
X
Rara
Scenedesmus bicaudatus
X
Rara
Scenedesmus opoliensis
X
Rara
Treubaria sp.
X
X
X
Comum
X
X
Comum
X
Comum
Cryptophyceae Cryptomonas erosa Chrysophyceae Ochromonas sp.
X
BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original Cianobacteria Aphanocapsa delicatissima
X
Chroococcus minor
X
Chroococcus minutus
X
X
Comum
X
Constante
X X
Microcystis sp.
Comum
X X
Rara
Merismopedia punctata
X
Pseudanabaena mucicola
X
Pseudoanabaena catenata
X
X
X
Rara Comum
X
Comum
Phormidium sp.
X
X
Comum
Rhabdoderma lineare
X
X
Comum
X
Constante
X
Comum
X
Constante
Synechocystis aquatilis
X
X
Synechococcus elongatus
X
X
X
X
X
Euglenophyceae Euglena sp.1
X
Euglena sp.2
X
X
X
X
Rara
Euglena velata
X
Lepocinclis acus
X
Rara
X
Phacus curvicauda
Comum X
Trachelomonas volvicina
X
Trachelomonas volvocinopsis
X
Rara
X
Comum Rara
Zygnemaphyceae Mougeotia sp.
X
Rara
Spirogyra sp.
X
4% 14%
Bacillariophyceae 31%
22%
Chlorophyceae Cryptophyceae Chrysophyceae
25% 2% 2%
Rara
Cyanobacteria Euglenophyceae
Figura 1: Frequência relativa das famílias de fitoplâncton, setembro 2008.
Os valores para densidade total, riqueza, diversidade, uniformidade e dominância estão dispostos na tabela 3. A densidade total variou de 499 org.mL -1, em P5, a 23.795 org.mL-1, em P3; a riqueza obteve o seu menor valor em P1, com 13 táxons, e o maior em P7 com 24 táxons. A diversidade registrou o menor valor BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original em P3 com 1,22 bits.ind-1 e o maior, 2,82 bits.ind-1, em P7. A uniformidade obteve seu menor valor também em P3 e o maior em P5. Enquanto a dominância variou entre 0,18 em P7 e 0,62 em P3. Os valores mais altos de diversidade (acima de 2,6 bits.ind-1) refletiram em altos valores de uniformidade (entre 0,7 e 0,8) e em baixos valores de dominância (entre 0,1 e 0,2). Tabela 3 - Valores da Densidade Total (org.mL-1), da Riqueza, da Diversidade (bit.ind-1), da Uniformidade e da Dominância de Simpson da comunidade fitoplanctônica.
P1
P2
P3
P5
P6
P7
Densidade Total
2.527
2.543
23.795
499
2.575
1.502
Riqueza
13
21
18
18
15
24
Diversidade
2,70
2,63
1,22
2,77
1,57
2,82
Uniformidade
0,76
0,73
0,47
0,80
0,61
0,76
Dominância
0,20
0,22
0,62
0,22
0,45
0,18
Discussão A influência antrópica em ambientes lóticos pode e tem levado a perda da sustentabilidade da biota, com a completa eliminação dos organismos aquáticos em ambientes severamente perturbados. Ao longo do trecho estudado do JaguariMirim na área de influência das PCHs da São José e São Joaquim, Flynn et al (2011) verificaram a diminuição da qualidade da água e a colonização de poucas espécies dominantes resistentes à poluição. Os valores dos parâmetros físicoquímicos aqui analisados evidenciam alteração da qualidade da água no mesmo trecho do rio. O pH pode exercer influencia direta sobre a fauna e flora dos ecossistemas aquáticos, devido a seus efeitos sobre a fisiologia de diversas espécies. Indiretamente, contribui para a precipitação de elementos tóxicos. Portanto, o meio alcalino caracterizado no trecho entre as PCHs de São José e São Joaquim pode constituir um fator limitante aos residentes naturais. Os BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original parâmetros de turbidez e sólidos totais dissolvidos apresentaram valores satisfatórios quanto à integridade ecológica. Porém, a significante concentração de óleos e graxas nos pontos 1, 2 e 7 pode ser prejudicial ao ambiente aquático. Substancias como ácidos graxos, gorduras animais, sabões, graxas, óleos vegetais, ceras e óleos minerais, quando em águas naturais, acumulam-se na superfície e podem dificultar as trocas gasosas que ocorrem entre a fase líquida e a atmosfera, podendo trazer sérios problemas ecológicos. Em relação aos componentes químicos, o fósforo total e nitrogênio total Kjeldahl são dois nutrientes que quando em altas concentrações conduzem a processos de eutrofização e consequente depleção do oxigênio do meio. O nitrogênio total foi encontrado em grandes concentrações, bem acima do limite estabelecido, no ponto 6, área da PCH São Joaquim podendo ser consequência direta do canteiro de obras montado para a reforma da casa de maquinas da PCH. O fósforo total esteve acima do limite estabelecido em todos os pontos amostrais de coleta. Este parâmetro é base para o calculo do Índice de Estado Trófico (IET), que permite a classificação dos corpos d’água em diferentes graus de trofia, neste caso todos os pontos apresentaram um nível hipereutrófico. O efeito de eutrofização por enriquecimento desses nutrientes tem relação com o crescimento excessivo das algas. Através dos dados de concentrações dos analitos, Moraes e Rossi (2011) estabeleceram, Para o Rio Jaguari-Mirim, uma relação entre a precipitação e as concentrações dos íons, com os ânions fósforo apresentando valores fora dos limites estabelecidos principalmente no período de seca. Outro parâmetro fundamental para o controle da qualidade de água é a DBO. Este representa a demanda biológica de oxigênio dissolvido que poderá ocorrer devido à estabilização dos compostos orgânicos biodegradáveis e que pode trazer os níveis de oxigênio abaixo dos exigido por peixes, levando-os à morte. Portanto, os trechos do rio correspondente aos pontos 1, 2, 3, 4 e 7, que ficaram acima do limite estabelecido, demonstram uma baixa qualidade na água. BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Artigo Original Comparando-se as amostras qualitativas de fitoplâncton, uma maior riqueza de organismos da classe Bacillariophyceae, organismos típicos de ambientes lóticos, foi observada. Estes organismos são favorecidos por processos de ressuspensão de material sedimentar, pois dependem da sílica para crescer e sobreviver. Depois de Bacillariophyceae, Chlorophyceae foi a classe com maior número médio de táxons por campanha. Os organismos desta classe apresentam uma grande diversidade morfométrica, desenvolvendo-se em diversos habitats e em sistemas aquáticos com diferentes graus de trofia. Dessa forma, têm uma ampla distribuição, variando em composição e densidade de espécies. Foram observadas células soltas de Microcystis sp., que apesar de apresentar frequência de ocorrência rara segundo Sant’Anna et. al (2007) pode ser considerada como potencialmente tóxica, como também as espécies M. aeruginosa, M. botrys, M. panniformis, M. protocystis e M. wesenbergii. Todas as Cianobacteria são tóxicas quando apresentam lipopolissacarídeos, componentes da parede celular, que podem causar irritações na pele e alergias e, se ingeridas, desencadear uma série de efeitos, que incluem níveis anormais de glicose, trombocitopenia e neuropenia. Muitas espécies em determinadas condições ambientais, sintetizam também outros metabólitos tóxicos, as cianotoxinas, que podem ser bioacumuladas ao longo da cadeia trófica, ou ainda permanecer na água. Em ambientes eutróficos este grupo de organismos é favorecido podendo formar as florações, crescimento acelerado de uma ou mais espécies. Dessa forma as analises sobre a identificação e a densidade destes organismos assume maior relevância, já que as cianotoxinas representam riscos à saúde pública. O presente estudo detectou a partir das analises da qualidade da água e da caracterização da comunidade fitoplanctônica uma condição já deteriorada do trecho do Rio Jaguari-Mirim no entorno das PCHs de São João e São Joaquim que poderá ser piorada com as obras para a reativação das duas PCHs instaladas no Rio Jaguari-Mirim. BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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BURSTIN, Bruno Assanuma; FLYNN, Maurea Nicoletti. Avaliação da integridade ambiental do Rio Jaguari-Mirim, no entorno das Pequenas Hidrelétricas Centrais São Joaquim e São José, município de São João da Boa Vista, São Paulo usando como critério a qualidade da água e a comunidade fitoplanctônica. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 140-153, fev. 2012.
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Ensaio O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. Ulisses Caballi Filho Psicólogo
pela
FMU
-
Faculdades
Metropolitanas
Unidas.
Psicanalista em formação pelo CEP - Centro de Estudos Psicanalíticos de São Paulo.
Resumo No artigo anterior (CABALLI Fo., 2011) foi possível introduzir conceitos psicanalíticos para com a formação do sujeito, a partir de uma cena vivenciada numa maternidade após o nascimento dos primogênitos, Neto e Júnior, cujos pais Reduf e Gunj nessa ordem, torcedores fanáticos pelos respectivos times Sport Clube Pégaso e Sociedade Esportiva Quimera, quase se atacaram fisicamente depois de uma série de ofensas verbais. Todavia, foram acalmados por suas esposas Lenik e Nana, e rumaram em caminhos distintos para suas residências. Neste artigo será focalizado como temática a rivalidade a partir do Complexo de Édipo, desenvolvido pelos filhos dos torcedores fanáticos. Palavras – chave: Complexo de Édipo. Torcedores. Rivalidade.
Abstract In the previous chapter it was possible to introduce concepts of psychoanalytic approaches to formation of the subject, from an experience that happened on a maternity leave after the birth of their offspring, Neto and Junior, whose parents Reduf and Gunj in that order, were fanatical supporters of two local football teams: Sport Clube Pegasus and Sporting Association Chimera,that almost attack one another physically, after a series of verbal offenses. However, they were calm down by their wives Lenik and Nana, and then , each one of them took FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio different paths back to their homes. In this edition will be focused how thematic rivalry from the Oedipus complex angle, is developed by the children of the fanatical fans. Key-words: Oedipus Complex. Fans. Rivalry. Introdução Por ensejo a proposta inicial sobre o nascimento dos torcedores, insere-se agora, senão for o principal, deve ser considerado um dos pilares para a formação do sujeito, ou seja, o complexo de Édipo mencionado por Freud na teoria inicialmente em 1910. Imagina-se que a rivalidade vivida no Édipo ultrapasse as relações primarias afetuosas para com os pais de tal modo que originem as manifestações de violência entre os torcedores na ótica futebolística. Isso poderá ser identificado na seqüência com a continuação da saga dos torcedores em formação, Neto e Junior, que tiveram inconscientemente seus próprios pais como os primeiros rivais na vida. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores Se o inimigo avança rápido, devo estar pronto para a defesa. Se eu esperar na defensiva, os planos desse homem se triunfarão, e eu serei derrotado (SOFOCLES, Édipo, pg. 47).
A temporada do torneio nacional estava chegando ao fim, Neto e Júnior completariam cinco anos uma semana logo após a grande final daquele ano. Muitos torcedores esperavam que a decisão fosse entre Pégaso e Quimera, que disputavam ponto a ponto a liderança; quem ficasse em primeiro lugar teria vantagem no jogo que estava sendo considerado o clássico do século, pois estávamos entrando no terceiro milênio. Neto, prestes a fazer seu quinto aniversario, já sabia todos os nomes dos jogadores de seu time, aprendidos com seu pai Reduf que era um herói para ele. Apesar disso nos dias de jogos, Neto se esbaldava porque tinha a sua mãe só para ele, uma vez que seu pai investia todo seu tempo na frente da televisão vendo os FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio jogos e não contente assistia todos os programas esportivos depois das rodadas, mas esse ritual só era executado nas vitorias de seu time Pégaso. Por outro lado, quando a derrota ocorria Reduf sequer tinha vontade de ir trabalhar no dia seguinte. Nos momentos de ausência do pai, Neto sentia-se como um substituto, imaginava-se como um jogador titular, ainda mais que seu pai não queria saber de nada. Neto deixava a casa de ponta cabeça enquanto sua mãe corria atrás dele numa brincadeira que eles costumavam fazer, ela contava até dez enquanto ele tentava se esconder, mas em muitas vezes as brincadeiras eram interrompidas pelo pai, que solicitava a atenção da mãe, mostrando a quem realmente ela pertencia. É nessa visão que (GETTS, 1977) menciona que na pressão destas experiências sentidas, cruelmente, a criança acaba por modificar a imago materna que, outrora gratificante, tende a assumir, nesse momento, um papel castrador. É ela, tanto quanto o pai, quem, como castradora no plano oral e anal, inspira grande temor como castradora no plano genital. (MELANIE KLEIN, Contribuições à Psicanálise pg. 167).
Júnior apesar de muito novo começou a freqüentar os jogos nos estádios com seu pai, talvez antes de completar um ano. Aos três anos cantarolava o hino do Quimera, foi quando começou a pedir para o pai levá-lo ao jogo. Ritualisticamente, Gunj sempre fez isso, desde o primeiro aniversário de seu filho em quase todos os finais de semana assistia aos jogos do Quimera no estádio com sua esposa Nana, que também admirava futebol, mas não tanto quanto ele. Júnior parecia até a mascote do clube quando vestia aquele mini uniforme. Nessa época, ele exaltava o pai, apesar de ficar sempre nos braços de Nana, enquanto seu pai se enaltecia com os gritos de gols nas arquibancadas. Ele não sabia, mas seu pai era mais que um torcedor, era um torcedor fanático que não aceitava ser contrariado quando o assunto era futebol. Como pôde ser notado na discussão com aquele outro torcedor na maternidade quando seu filho nascera.
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Ensaio Nessas idas e vindas dos jogos Júnior aprendeu discriminar as emoções por meio de seu pai. Tinham dias de glórias, bastava uma vitoria simples que tudo era motivo de festa, depois dos jogos sempre havia tempo para um sorvete ou um brinquedo novo para Júnior, enquanto Gunj celebrava mais uma vitoria do Quimera. Noutras situações, quando a derrota acontecia, era tudo tenebroso, Júnior sentia-se num pesadelo, não via a hora de acordar e ter a mãe por perto para o proteger. Gunj sempre estava metido numa confusão advinda do futebol. Numa determinada viagem com a família, ao longo da estrada passara por alguns andarilhos que vestiam camisas de outros times, quase os atropelou mesmo com Júnior no carro, o pai comentara em voz alta: Não foi engraçado! Nana sempre questionou essa sua postura quando provocava as pessoas em circunstancias esporádicas, ainda mais quando Júnior estava presente, ela achava que isso poderia influenciá-lo de alguma maneira futuramente. Depois desse episódio Nana começou a notar que as brincadeiras de Júnior estavam mais agressivas e foi conversar com Gunj sobre o que estava percebendo, ele disse para ela não se preocupar, porque o filho estava apenas brincando. Segundo (GETTS, 1977), Junior estaria apresentando um traço de caráter criminoso cujos instintos se exteriorizam de imediato, por meio das brincadeiras agressivas mesmo sendo reprimido por sua mãe. Até que na ultima rodada de classificação em seus respectivos jogos Quimera e Pégaso empataram. Foi um resultado inesperado para ambos, pois com esse placar nenhum time teria vantagem no jogo final, sendo que os dois dividiam a liderança uma vez que, estavam empatados até nos critérios de desempate. Esse resultado afligia cada vez mais seus torcedores, inclusive Reduf e Gunj. As mídias esportivas intitulavam que o jogo dá próxima semana seria o jogo do século, nunca em quase cem anos de história dos clubes acontecera algo parecido. A decisão estava marcada para o dia 3 de dezembro, Quimera e Pégaso decidiriam o torneio nacional depois de quase 30 anos. E dessa vez, não poderia
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Ensaio ser diferente, naquele ano os dois times da capital tinham os melhores elencos e tudo remetia para um acontecimento histórico. A TRAGÉDIA estava por vir. Nesse meio tempo, Reduf lembrou que no seu oitavo aniversário tinha ganhado de seu pai uma partida de futebol de botão e como premiação ele seria levado ao estádio pela primeira vez, isso aconteceu em meados da década de 60. Seu time Pégaso na época tentava quebrar um tabu de alguns anos sem títulos expressivos. Essa talvez seja a lembrança mais marcante de sua infância. Reduf se emocionou ao rememorar a cena enquanto a contava ao filho Neto. O silêncio percorria as arquibancadas naquela tarde, até que Édipo saiu do banco de reservas para marcar o gol do título depois de cinco minutos de sua entrada, na ocasião ninguém acreditava que ele iria jogar, pois estava se recuperando de uma lesão no calcanhar direito, mesmo com o pé inchado conseguiu correr mais que o zagueiro adversário para marcar o gol que deu fim ao tabu. E Reduf com oito anos presenciou um delírio coletivo, o êxtase em massa pelo lado de sua torcida, que gritava EI! EI! EI! Édipo é nosso Rei! Já do outro lado, um sentimento totalmente oposto, ou seja, era uma derrota desprezível, todos se sentiam inferiorizados pela derrota. Reduf não pensou duas vezes, quando seu time conseguiu a classificação para a final contra seu maior rival disse a Lenik que iria levar Neto ao estádio pela primeira vez, e ela acabou concordando apesar da irritação inicial por não querer que ele fosse e, principalmente, por querer levar o filho. Após uma moderada discussão do casal, Neto se aproximou da mãe dizendo “Eu quero ir com o papai”. Isso mobilizou Lenik que acabara cedendo a pedido do filho. Depois da autorização, Lenik disse que haveria algumas condições, que eles não poderiam usar os uniformes do Pegaso e iriam de numerada cativa, Reduf concordara. O fato de Neto ter insistido em ir com o pai para o jogo, apresenta uma característica sádica, ou seja, de controle sobre os seus impulsos. Esta cena pode ser interpretada como uma típica situação de sujeição e dominação para com os instintos, em psicanálise esta fase é conhecida como sádica (GETTS, 1977). E FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio Neto faz isso, porque imagina que pode ser igual ou melhor que o pai, assim poderia mostrar para a mãe como ele também é bom. As funções anais e uretrais são vividas pela criança, na realidade, não só como prazer de controlar, mas também como meio, muitas vezes eficaz, de exercer certa pressão sobre os familiares. (CLAUDE GETTS, Melanie Klein, pg. 48).
E naquela tarde de domingo, após o almoço Reduf partira com Neto, segurando em sua mão, para o estádio. Tudo estava em perfeitas condições, o clima era estável, nem frio nem calor, o ingresso na carteira, Neto não pagava entrada devido à sua idade. O trajeto estava traçado, assim evitariam a torcida adversária, tudo como havia sido planejado. Porém, nem sempre as coisas acontecem como se espera, a uns 500 metros do estádio havia um grupo de torcedores do Quimera e, inocentemente, Neto gritou: Olha pai são eles, os nossos inimigos!!! Reduf pediu ao filho para ficar quieto, enquanto observava o momento dos torcedores, quando percebeu que eles estavam vindo para cima, tentou voltar o mais rápido possível para o carro, só teve tempo de colocar Neto para dentro e fechar a porta, quando um torcedor se aproximou e fez a seguinte pergunta: Não se lembra de mim? Esperei todos esses anos para acertar as contas contigo! Reduf não tinha boa memória para fisionomias, mas aquele torcedor não tinha como esquecê-lo: era aquele pai que havia discutido na maternidade quando Neto nasceu. Naquele momento, Gunj foi direto ao assunto, não via a hora de encontrálo, desde daquele ano eu freqüento esse clássico a sua procura, nunca tive tanta sorte como hoje, porque sempre trazia minha família, mas agora está dando tudo certo, eles não vieram e pude encontrá-lo e depois vou comemorar mais um título em cima do seu time. Reduf tentou amenizar a situação dizendo que estava com o filho que não pretendia discutir naquele momento, mas Gunj sequer deixou Reduf se manifestar, num instante de segundos estavam eles brigando. Reduf estava se saindo bem, apesar não querer aquilo, ainda mais que seu filho estava indefeso dentro do carro, foi quando os demais torcedores, num ato de covardia partiram para cima de Reduf, corroborando com uma cena brutal. Reduf foi espancado por FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio aproximadamente cinco minutos, o tempo que a ronda policial levou para passar na rua em que a agressão acontecia. Alguns policiais atiraram para o ar, assustando os agressores que conseguiram fugir. Neto, em estado de choque, mal se movia quando Reduf ainda teve força para apontar para o carro e dizer que seu filho estava lá. Na sequência chegara uma ambulância que levou Reduf ao hospital mais próximo, mas devido à quantidade de hematomas adquiridos das pancadas recebidas, principalmente na parte da cabeça, foi dado o óbito pelos médicos 15 minutos depois da entrada ao hospital. Neto estava órfão aos cinco anos, devido à cena que ficaria marcada pelo resto de sua vida. Continua... Breves considerações Este ensaio propicia uma reflexão sobre o complexo de Édipo, diante da ótica futebolística, partindo do pressuposto que este seja a gênese dos sentimentos de rivalidade entre os torcedores. E como principais características desses sentimentos ocorrem as manifestações violentas entre os torcedores como pôde ser notado ao longo do ensaio. Essa rivalidade é precedente às relações secundárias, partindo-se do pressuposto que Neto e Júnior são filhos de torcedores fanáticos que apresentaram referenciais simbólicos de grande valia para os filhos, tendo em vista a identificação com os pais, que cultuavam misticamente seus clubes Sport Clube Pégaso e Sociedade Esportiva Quimera. Mais uma vez surge o convite, caros leitores, para acompanharem as novas edições desta saga, pois este é trabalho imprescindível para o movimento psicanalítico na atualidade, que tem como papel, observar, interpretar e intervir sobre o fenômeno da violência que atinge os torcedores.
FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. A Dissolução do Complexo de Édipo. Vol. XIX, Rio de Janeiro, Imago, 1996. GEETS, Claude. Melanie Klein. São Paulo, Melhoramentos, 1977. KLEIN, Melanie. Contribuições à Psicanálise. São Paulo, Editora Mestre Jou. SÓFOCLES. Édipo. São Paulo, Martin Claret, 2007. CABALLI FILHO, Ulisses. A Formação do Sujeito: o Nascimento dos Torcedores. Parte I. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 4, n. 3, p. 267-273, out. 2011.
FILHO, Ulisses Caballi. O Complexo de Édipo a Primeira Rivalidade dos Torcedores - Parte II. RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p. 154-161, fev. 2012.
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Ensaio Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). William Roberto Luiz Silva Pereira Consultor
técnico
do
Instituto
I2S
–
Inteligência
para
Sustentabilidade
Essas três
ciências estão convergindo para
um mesmo enfoque.
Naturalmente elas surgiram em campos bem distintos, com perguntas específicas e respostas difíceis, e ao longo do tempo desenvolveram epistemologias próprias, conhecidas por aqueles que as dominam. Por outro lado físicos e matemáticos desenvolveram maneiras para “acessar” os sistemas físicos e, naturalmente, essas mesmas ferramentas puderam ser aplicadas para permitir o acesso aos sistemas ecológicos, econômicos e sociais. Como? Essas três ciências possuem semelhanças. As partes interagentes que regulam cada um dos sistemas concorrem entre si de tal maneira que fica impossível antecipar através de um único modelo ou de uma única teoria o que poderá ocorrer no tempo seguinte. Assistimos a noticiários e percebemos facilmente que os fatos que ocorrem na economia e na sociedade são extremamente dinâmicos. Instabilidade econômica global, onde um país pede socorro para outro, sendo que alguns se posicionam e outros preferem não interferir; conflitos sociais disparados por eventos que às vezes são impossíveis antecipar; e catástrofes naturais, como no caso do Tsunami que colocou o Japão em pânico, são alguns pouquíssimos eventos que ocorrem e concorrem ao mesmo tempo e tem conseqüências muitas vezes inesperadas. Tomamos o caso recente da morte do ditador da Coréia do Norte. Vimos imagens de vários civis chorando a sua morte e a imagem do póstumo ditador PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio sendo apresentada durante o funeral. A despeito do regime duro que as pessoas daquela sociedade estão submetidas e das possíveis críticas que poderiam ser feitas em torno desse fato, se encaramos isso do ponto de vista sistêmico, um nãoespecialista não ousaria dar qualquer palpite no impacto econômico e social que esse evento causaria naquele país e conseqüentemente na economia global. E os especialistas seriam bem cautelosos ao predizer qual seria o impacto desse evento dentro das áreas que possuem competência. E também assistimos a grande instabilidade econômica que os países do Euro estão passando. O Brasil participou desse cenário, quando a presidente Dilma foi à cúpula do G20 para negociar ajuda à Europa. A União Européia decidiu cortar a ajuda ao desenvolvimento de 19 países emergentes, entre eles Brasil, China e Argentina, repassando a ajuda para os países mais pobres (Veja, 2012). Um evento inesperado que ocorreu nesses países junto ao cenário econômico nacional favorável colocou o Brasil nas discussões da solução desse problema. Podemos perceber que fatos isolados, às vezes interconectados, às vezes desconexos, interagem de forma muito dinâmica e as relações de causa e efeito ficam cada vez menos palpáveis quando as possíveis influências que um evento pode exercer sobre outro são aumentadas, e ficaria ainda mais impossível saber como a soma desses eventos acarretaria em alterações no sistema. Porém depois do fato ocorrido, o especialista consegue montar o “quebra-cabeça” e explicar as causas e efeitos que armaram aquele cenário. E onde fica a ecologia? Simplesmente os problemas de ordem social e econômicos influenciam também os sistemas naturais, tornando os problemas ecológicos tão ou muito mais complexos que os demais. Os sistemas naturais “absorvem” de uma maneira ou de outra os impactos de um comportamento social ou econômico. Facilmente podemos entender que o desenvolvimento de um país, medido pela Produção Interna Bruta (PIB) tem conseqüências diretas nos sistemas ecológicos. Um parâmetro sensível que nos permite “medir” a influencia dos impactos socioeconômicos nos sistemas naturais pode ser o trabalho dos PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio ambientalistas, que na outra ponta do tripé conseguem entender (algumas vezes parcialmente) como o sistema socioeconômico afeta o natural. Tomemos o caso de Belo Monte. O crescimento econômico pelo qual o Brasil está passando faz a necessidade energética aumentar constantemente e chegou o momento em que é necessário produzir mais energia para garantir tal crescimento. As previsões dizem que o consumo do país poderá aumentar em 4,8% até 2020 (EPE, 2011). A construção da usina está sendo um assunto muito polêmico, com imensa divergência de interesses em torno da sua construção. Está em pauta também a possível inundação de várias comunidades tradicionais da bacia
do
Xingu,
com
impactos
socioambientais
irreversíveis,
causando
deslocamento de milhares de pessoas e podendo ameaçar um das regiões de maior valor de biodiversidade na Amazônia (Observatório Eco, 2011). Porém físicos e matemáticos encaram tudo isso de uma maneira muito particular. Primeiramente é preciso definir se o sistema em estudo é aberto ou fechado. Num sistema fechado o cientista facilmente controla as variáveis determinantes do sistema e, controlando uma variável é fácil entender o comportamento da outra, e conseqüentemente, o comportamento do sistema. Tomemos uma molécula de gás num ambiente fechado. Temos em mãos as variáveis controladoras do sistema, como temperatura, pressão, etc. (somente um físico, engenheiro ou químico com conhecimentos em termodinâmica definiria exatamente essas variáveis). Se colocássemos uma única molécula nesse ambiente e acompanhássemos sua trajetória e a colocássemos num gráfico, o histórico desse gráfico facilmente permitiria que antecipássemos o movimento no instante seguinte. Bastaria definir os parâmetros do sistema e utilizar as equações da termodinâmica para prever a posição da molécula no tempo que quiséssemos. Porém, ao aumentar a quantidades de moléculas nesse ambiente as coisas se complicariam, ao ponto de ficar impossível prever a posição da moléculaalvo, pois essa estaria sofrendo choques constantes e intensos com outras. Ela manteria o seu movimento retilíneo uniforme (ou outro que desconheço, pois não PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio sou físico), mas seu movimento “natural” logo é interrompido ao se chocar com outra molécula. Uma bola de sinuca pode ser entendida de maneira análoga, porém agora estamos diante de um sistema aberto. A bola irá respeitar as leis da mecânica e as variáveis em jogo seriam as forças envolvidas, a aceleração inicial, o atrito, as imperfeições da mesa, o humor do jogador, etc. Facilmente conseguiríamos prever (intuitivamente) a trajetória de uma bola branca depois da tacada inicial e um físico nos diria exatamente onde a bola estaria localizada, no instante que quiséssemos, com sua velocidade instantânea. Porém numa mesa com várias bolas, a bola branca iria sofrer desvios constantes e mesmo que carregando a informação que ela deve manter seu movimento retilíneo, os constantes impactos que iria sofrer com as demais bolas fariam a nossa bola-alvo se movimentar caoticamente, se tornando muito difícil prever sua posição e velocidade Robert Brown observou o movimento do pólen numa placa de Petri. Brown já havia descrito o núcleo das células e identificou no seu microscópio várias formas celulares diferentes e numa de suas observações achou que as partículas de pólen estavam vivas. Ficou tão maravilhado que publicou um artigo demonstrando a essência da vida, mas Einstein demonstrou que na verdade o choque das moléculas da água é que faziam o grão de pólen se movimentar e o movimento aleatório de um corpo qualquer foi chamado de Movimento Browniano. Então a “vivacidade” do movimento do pólen era causada pelo choque das moléculas que compunham a água, levando a um movimento dito Browniano. Será que se pudéssemos controlar o número de choques no grão de pólen o movimento seria “menos browniano”? Nossa molécula de gás ou nossa bola de sinuca teria um movimento mais browniano ou menos browniano à medida que colocássemos mais ou menos bolas ou moléculas no sistema? E se levássemos esse conceito para o mundo real? Será que os inúmeros eventos que estão concorrendo em torno de um mesmo fato poderiam estar influenciando brownianamente a nossa variável-alvo? PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio Podemos consultar os dados fornecidos por ativos financeiros. Todos gostariam de obter lucros investindo na Bolsa de Valores (e eu também), e se descobrissem uma fórmula que pudesse prever se a ação aumentaria ou diminuiria no dia seguinte, teríamos uma legião de pessoas milionárias. Mas não é isso o que acontece. Milhares de pessoas estão comprando e vendendo ações ao mesmo tempo e os valores dessas ações também sobem e descem em função de diversas variáveis internas ao sistema somado aos diferentes cenários econômicos que as empresas detentoras dessas ações estão envolvidas. As decisões que ocorrem internamente nessas empresas, através dos CEOs e dos sócio-investidores, cujas atitudes acarretam no aumento/diminuição dos seus lucros também ajudam a regular o preço dessa mesma ação. Portanto há inúmeras variáveis concorrendo dentro de um mesmo sistema. Os investidores alertam que o retorno esperado ao investir no mercado de ações, de renda variável, só é possível ser obtido no médio e no longo prazo. Uma maneira de medir a “intensidade” do movimento Browniano foi fornecida pelo engenheiro hidráulico Harold Edwin Hurst pelo matemático e estatístico Benoit Mandelbrot. O expoente de Hurst (H) diz que se H = ½, o movimento de uma série temporal se trata de um Movimento Browniano Ordinário. Os valores de H podem estar entre 0< H <1, sendo que valores diferentes de H = 1/2 recebem o nome de Movimento Browniano Fracionário. Os economistas têm razão. Ao analisar o comportamento da ação da empresa Natura (gráficos acima), dia-a-dia, podemos ver claramente que ela subiu ao longo do tempo. Quando aplicamos a Análise R/S para obter o expoente de Hurst, encontramos H = 1,026. Quando analisamos a taxa de retorno (N(t+1)/Nt -1)*100% dia-a-dia e calculamos H, encontramos H = 0,549, muito próximo do Movimento Browniano Ordinário. Ou seja, é impossível obter ganhos no curto prazo (no dia seguinte), pois o retorno diário de uma ação é tão browniano quanto o movimento do pólen de Robert Brown (figura 1). PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio
O próprio Hurst usou sua metodologia para os regimes de chuvas que ocorriam no Rio Nilo e encontrou H ≈ 0,70, encontrando valores distantes do Movimento Browniano Ordinário. Esse valor intrigou Hurst e analisando mais cautelosamente as séries, observou períodos onde momentos de chuva eram seguidos de momentos de chuva e momentos de seca eram seguidos por momentos de seca. Ou seja, o regime das chuvas não seguia um Movimento Browniano Ordinário. Havia momentos em que o regime das chuvas adquiria certo padrão e então seria possível entender, em partes, o que estava ocorrendo no sistema.
PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio Qualquer variável econômica, ambiental ou ecológica pode ter seu expoente de Hurst medido e o valor encontrado pode revelar como a dinâmica das outras variáveis está envolvida em torno de uma variável-alvo, mesmo sem sabermos inicialmente quais variáveis estão envolvidas no sistema e como as variáveis concorrem. Essa convergência espetacular de disciplinas (matemática, estatística, física e biologia) tem utilidade direta sobre os três alicerces que formam o tripé da sustentabilidade
(desenvolvimento
social,
econômico
e
ambiental)
e
conseqüentemente nas três disciplinas que a sustentam. Porém ainda a representação dessas três frentes na sociedade é concorrente (ambientalistas versus empreendedores versus agentes sociais), mas nas ciências elas naturalmente convergiram para um mesmo foco, onde podemos estudar os sistemas econômicos, sociais e ecológicos (sistemas abertos), inicialmente, através de uma interpretação universal (estados do sistema). Muito desenvolvimento está ocorrendo e já existem disciplinas próprias alicerçadas pela física (como a sociofísica e a econofísica) nas quais é possível antecipar
eventos
dentro
de
sistemas,
extremamente
complexos.
E
conseqüentemente mais desenvolvimento ocorrerá na ecologia ao se absorver as lições fornecidas pela física e pela matemática. Medir o quão aleatório é uma série temporal é uma maneira muito interessante de poder vislumbrar qual é o estado do sistema. E em um momento seguinte, e no outro, e no outro, o estado desse mesmo sistema pode mudar, saindo de um movimento Browniano Ordinário para valores fracionários ou viceversa. Há também os ciclos periódicos de curta e longa freqüência, caracterizados como ruído 1/fv, que podem ser revelados pela Análise Espectral. Na economia Louis Bachelier em 1900 já havia sugerido que o mercado financeiro segue um movimento Browniano e em 1905, Einstein forneceu os fundamentos físicos e matemáticos que explicam os movimentos aleatórios dos corpos que Robert Brown já tinha observado na biologia ao achar que o grão de pólen estava vivo. O grão de pólen é vivo internamente e Brown infelizmente PEREIRA,William Roberto Luiz Silva. Ecologia, economia e sociologia: Finalmente as disciplinas se encontram (cientificamente falando). RevInter Revista Intertox de Toxicologia, Risco Ambiental e Sociedade, v. 5, n. 1, p.162-171, fev. 2012.
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Ensaio descobriu o núcleo das células sem vislumbrar as descobertas que a genética, a citogenética e a biologia molecular estavam por revelar, mas seu movimento externo também é vivaz, como esse imenso mundo browniano que vivemos.
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