Ubuntu: Revista de Ciências Sociais e Humanas — 1º Volume

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Nome da Revista: Ubuntu: Revista de Ciências Sociais

Propriedade: Instituto Padre António Vieira

Periodicidade: Anual

Coordenadores: José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

Revisão: Madalena Alarcão, Marta Marques, Susana

Anacleto e Tânia Neves

Design gráfico: Marília Bruno

ISBN: 978-989-35104-0-7

Grafismo e paginação: Pedro Santos

Conselho Editorial desta Edição: José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

Avaliadores/as desta Edição: Ana Forte, Ana Oliveira, Joana

Alexandre, Joana Lobo Fernandes, José Manuel Seruya, Margarida Gaspar de Matos, Mariana Reis Barbosa, Mónica

Soares e Patrícia Anzini

Revista com arbitragem científica: os artigos são da responsabilidade dos seus Autores e das suas Autoras.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

NOTA DE ABERTURA DO IPAV

Rui Marques

EDITORIAL

José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

UBUNTU LEADERS ACADEMIES IN SCHOOLS – REPORT

SEMANAS UBUNTU EM ESCOLAS DE 3º CICLO E SECUNDÁRIO:

Resultados do projeto Academias Gulbenkian do Conhecimento

À BEIRA DO(S) OUTRO(S) E COM O(S) OUTRO(S):

A estratégia institucional de uma Escola Ubuntu

UBUNTU NUMA ESCOLA DE SEGUNDA OPORTUNIDADE:

Contributos para a ressocialização de jovens em risco psicossocial

ACADEMIA DE LÍDERES UBUNTU NA ESCOLA:

Diretora e assistentes operacionais identificam os impactos no Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva

SEMANAS UBUNTU:

Estudo de caso no Agrupamento de Escolas José Régio

ACADEMIA DE LÍDERES UBUNTU JÚNIOR NO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO: Efeitos em Educadores e Alunos

SEMANAS UBUNTU NO CENTRO DE REABILITAÇÃO DE GAIA:

Análise dos efeitos percecionados pelos clientes

“EU SOU (DE NOVO) PORQUE TU ÉS”: caminhos de ressignificação de acontecimentos traumáticos no contexto da Academia de Líderes Ubuntu

NOTA DE ABERTURA DO IPAV

Rui Marques

No domínio das metodologias inovadoras de educação há, tantas vezes, uma separação excessiva entre o trabalho de terreno e a produção de conhecimento teórico codificado a partir dessa experiência, estruturada com o rigor científico que se exige nos standards de boas práticas de referência. Se se reconhece que, indiscutivelmente, muitos projetos educativos se baseiam em conhecimento de elevada qualidade, mais rara é, no entanto, a produção sistemática de novos contributos para a ciência a partir da prática dessas atividades. Haverá para isso razões ponderosas, desde a escassez de recursos alocados a estes projetos que não permitem ir além da execução das atividades previstas, até à urgência da ação que não é compatível com os tempos da investigação científica, passando também pelas dificuldades de diálogo entre as “linguagens” da prática e da reflexão teórica. Acresce que se isto é válido para dinâmicas de inovação na educação formal, ainda mais o é para projetos de educação não-formal, quase sempre “parente pobre” no mundo educativo, em termos de correlação com a investigação.

Desde o seu início, a Academia de Líderes Ubuntu (ALU) definiu como prioridades relevantes não só a robustez científica das fontes

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

teóricas que enformam o seu método, como também afirmou a ambição progressiva de ir mais longe, através da capacidade de produzir conhecimento a partir da sua experiência. Não se intimidando por estar no domínio da educação não-formal, procurou constituir um Conselho Científico que acompanhasse, de uma forma sistemática e aprofundada, a dinâmica da sua ação. Contou para isso com a generosidade e a competência inexcedíveis dos seus coordenadores, Madalena Alarcão (Universidade de Coimbra) e José Luís Gonçalves (Escola Superior de Educação Paula Frassinetti), que tão bem dirigiram o esforço de orientar esta publicação, mas também com a riqueza dos contributos de cada um dos seus membros, numa diversidade de áreas científicas que proporcionou uma abordagem multidimensional do trabalho da ALU. A todos e a cada um dos membros deste Conselho, a nossa mais profunda gratidão.

No seio deste Conselho foi-se desenvolvendo uma reflexão continuada ao longo dos anos, que foi ajudando, de uma forma muito significativa, a dar uma forma cada vez mais sofisticada à intervenção da ALU. Naturalmente, foram surgindo desafios de produção científica aplicada (como o que deu origem à obra “Pilares do Método Ubuntu”) ou ainda dinâmicas de reflexão coletiva como foi o caso do livro “Desafios da Educação em tempos de (pós)pandemia: o contributo Ubuntu”). Por outro lado, no decurso desse processo, foram nascendo diferentes pistas de investigação, muitas delas associadas à vontade de avaliar o impacto do método Ubuntu, para compreender melhor o que se experienciava na Academia. Isso permitiu identificar linhas de trabalho, definir termos de referência e acompanhar a execução de vários estudos, particularmente focados na experiência das Academias de Líderes Ubuntu nas Escolas.

É deste enfoque que nasceu a ousadia de fundar uma revista científica, capaz de plasmar conhecimento produzido em torno das ALU,

que represente um novo patamar neste processo virtuoso de uma prática que se teoriza e de teoria(s) que inspira(m) uma ação madura. Com o apoio sempre presente do Ministério da Educação, e em particular da Direção Geral de Educação, que muito agradecemos, surge então este primeiro número da revista Ubuntu. Aos autores dos textos que publicamos, expressamos a nossa imensa gratidão, bem como de igual modo reconhecemos o enorme profissionalismo e competência à equipa do IPAV, liderada pela Tânia Neves, com que assegurou que este projeto chegasse a bom porto.

Inspirado, na forma e no conteúdo, pelo que deve ser uma revista científica, esta primeira edição da Ubuntu permite-nos continuar a dar passos cada vez mais seguros para uma ação frutífera, que não se esgota no instante em que acontece uma ALU.

Sabemos hoje muito mais sobre o impacto do método Ubuntu, nomeadamente nas Escolas, mas como é próprio destes processos, também sabemos muito mais o que não sabemos e, claro, também não ignoramos que deve haver muito que não sabemos que não sabemos. É essa a maravilha da aventura do conhecimento. Por isso, para a agenda futura não faltam temas para investigar e vontade para publicar o que se for descobrindo e construindo. Este caminho só agora começou.

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

EDITORIAL

José Luís Gonçalves e Madalena Alarcão

É com muita satisfação e entusiamo que introduzimos a/o leitor/a no primeiro número da Ubuntu: Revista de Ciências Sociais que nos dá conta do precioso trabalho colaborativo desenvolvido por um grupo de investigadores que tem a ambição de, a médio prazo e com humildade científica, ajudar a consolidar o Ubuntu como um paradigma educacional diferenciador (inovador?). Este primeiro número da revista representa, pois, o culminar de um conjunto de estudos desenvolvidos ao longo de mais de um ano, sobretudo em escolas portuguesas, mas também em instituições sociais nas quais foram experimentados a filosofia e o método Ubuntu preconizados pela Academia de Líderes Ubuntu (ALU).

Os estudos que agora se publicam foram, maioritariamente, desenhados para compreender os efeitos e impactos que a abordagem da ALU tem nos agentes educativos da Escola, com especial foco nos alunos e nos docentes em cujas Escolas foi implementado o Programa Escolas Ubuntu. Este Programa integra o Plano 21|23 Escola+ desenhado pela Direção Geral de Educação que, na sua Ação Específica 1.6.2, prevê o desenvolvimento de competências sociais e emocionais em alunos do ensino básico e secundário, como uma das

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medidas que procura dar respostas à necessidade de recuperação de aprendizagens e de educação para a cidadania.

Neste contexto, a implementação do método Ubuntu e da filosofia que lhe subjaz iniciou-se sempre pela realização da denominada Semana Ubuntu, nas suas diferentes adaptações consoante o nível de ensino dos alunos ou as características dos protagonistas adultos em causa. E, não obstante, constatar-se uma variedade de âmbitos e de objetivos de investigação presentes na diversidade dos estudos que este número publica, estes mantêm uma grande coerência epistemológica entre si, completando-se até. Para ajudar a modelar a tal coerência concorre o facto de haver um referencial teórico-metodológico da ALU que prevê o desenvolvimento de cinco competências socioemocionais dos participantes, nomeadamente o autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e sentido de serviço, apoiadas por três dimensões estruturantes: Liderança Servidora, Ética do Cuidado (cuidar de si, cuidar dos outros e cuidar do planeta) e Construção de Pontes. Sob inspiração do aforismo africano “eu sou porque tu és; eu só posso ser pessoa através das outras pessoas”, o método Ubuntu recorre ainda a um conjunto de modelos de referência enquanto líderes servidores, como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala, entre outros, para impulsionar as crianças e os jovens para uma ação cidadã comprometida com o bem comum e a mudança positiva das comunidades onde se inserem.

Na ombreira da porta de entrada desta edição da revista encontramos o Relatório “Ubuntu Leaders Academies in Schools”, de Jennifer Adams, que estabelece um alinhamento entre a as cinco competências socioemocionais e as três dimensões da Academia de Líderes Ubuntu e outros modelos de referência internacionais: o modelo CASEL, a proposta da Karanga, o Relatório sobre a Aprendizagem

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Social Emocional preconizada pela OCDE. Com o seu olhar externo consegue identificar pontos fortes da Academia de Líderes Ubuntu, levantar algumas questões pertinentes bem como projetar possíveis próximos passos para o desenvolvimento da ALU nas Escolas. Segue-se um conjunto de estudos que procuram, com metodologias diversas, conhecer e discutir os resultados de Semanas Ubuntu realizadas no âmbito do Programa Escolas Ubuntu.

Utilizando um desenho quase-experimental, o primeiro estudo, “Semanas Ubuntu em escolas de 3º ciclo e secundário: Resultados do projeto Academias Gulbenkian do Conhecimento”, de Madalena Alarcão, avalia a perceção de alunos e de educadores acerca de um conjunto de competências socioemocionais, em dois momentos (antes e depois da formação) e em dois grupos (grupo de estudo, que realizou a Semana Ubuntu, e grupo de controlo), concluindo pela existência de diferenças estatisticamente significativas para a maior parte das competências estudadas. A satisfação dos alunos com a formação é também muito evidente, ficando demonstrado que o “método Ubuntu - pelos eixos em que se ancora e pelas competências que se propõe trabalhar – encerra um incomensurável potencial na promoção da ressocialização de jovens em situação de risco de exclusão”.

A perceção da importância da Semana Ubuntu, bem como da filosofia e da metodologia que lhe subjazem, na transformação das relações interpessoais e no desenvolvimento pessoal fica claramente expressa no conjunto de quatro estudos de caso, realizados em diferentes agrupamentos.

O primeiro desses estudos, da autoria de Daniela Gonçalves e Júlio Gonçalves Santos – “À beira do(s) outro(s) e com o(s) outro(s): a estratégia institucional de uma Escola Ubuntu” – sublinha, a par-

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

tir de consulta documental e da audição das vozes do diretor do agrupamento e de alunos e educadores que realizaram a formação Ubuntu, a forte adesão da comunidade educativa ao programa Escolas Ubuntu e o seu impacto ao nível da(s) pessoa(s) e da própria escola. Um dos resultados mais sublinhados é o da horizontalidade relacional que a experiência proporciona (“estamos todos no mesmo patamar”), bem como da esperança e responsabilidade que incute (“vestir a camisola Ubuntu significa esperança, um momento marcante para toda a vida e uma enorme responsabilidade”). O Clube Ubuntu é visto como um importante elemento de amplificação e de institucionalização da filosofia Ubuntu no agrupamento escolar.

O trabalho de Elsa Montenegro Marques e de Susana Caires –“Ubuntu numa Escola de Segunda Oportunidade: contributos para a ressocialização de jovens em risco psicossocial” – permite perceber, de novo pela voz dos jovens e dos educadores, a intensidade da experiência Ubuntu, o ambiente de “forte identificação afetiva” e “linguagem comum” que proporciona. De acordo com as autoras, a Semana Ubuntu parece ter um enorme potencial na promoção da ressocialização destes jovens em situação de risco de exclusão que puderam relacionar-se com “educadores que ultrapassam, em larga medida, a função tradicional do professor”, jovens que se olharam e sentiram olhados como pessoas que têm história(s) e “muitos outros papéis para além do de alunos”, jovens que refletiram sobre si mesmos e se permitiram aprender dos colegas. O alargamento da Semana Ubuntu a toda a comunidade educativa e a continuidade da experiência é um aspeto destacado por vários participantes.

No estudo de caso de Susana Fonseca – “Academia de Líderes Ubuntu na escola: Diretora e assistentes operacionais identificam impactos no Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva” – a redescoberta pessoal (autoconhecimento), as transformações pessoais e

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 profissionais (olhares mais atentos, preocupação em compreender o outro, mudança na forma como de interagir com os alunos, maior facilidade no trabalho em equipa), a valorização do papel profissional e a integração dos cinco pilares do método Ubuntu no projeto educativo do agrupamento são alguns dos aspetos mais sinalizados pelos participantes. A experiência Ubuntu foi percecionada como permitindo “dar importância” à pessoa, a si e ao outro, como algo que “vai muito para além do que se vive nos cinco dias da Semana”, sendo “unânime que o projeto Ubuntu deve ter continuidade e (...) ser alargado para chegar a mais pessoas, ou mesmo a todos”.

O último estudo de caso, conduzido por Fernando António Trindade Rebola e Luísa Maria Serrano de Carvalho – “Semana Ubuntu: Estudo de caso no Agrupamento de Escolas José Régio” – traz a voz de educadores e alunos que fizeram a formação Ubuntu, de encarregados de educação destes alunos, de elementos da equipa do IPAV, da diretora, mas também de outros elementos da comunidade educativa que não participaram na Semana Ubuntu. De uma forma geral, pode dizer-se que estas vozes se junta às anteriores na afirmação do caráter diferenciador da experiência Ubuntu, da forma como permite desenvolver competências socioemocionais e transformar as relações, nomeadamente as relações alunos-professores, de como trabalha valores. Os encarregados de educação falam de uma maior motivação dos filhos em relação à escola. O apelo à continuação do projeto, pela realização de mais Semanas Ubuntu e continuação do Clube Ubuntu surge claramente como sugestão de diversos participantes.

O artigo “Academia de Líderes Ubuntu Júnior no 1º ciclo do Ensino Básico: Efeitos em Educadores e Alunos” da autoria de Fernando Rebola, Isabel Cláudia Nogueira, João Gouveia, José Luís Gonçalves, Luísa Carvalho e Susana Fonseca, estuda os efeitos da experiência da ALU

Júnior no seu primeiro ano de implementação, isto é, a adaptação da Semana Ubuntu dinamizada com crianças do 1.º Ciclo do Ensino Básico. Foram aplicados diversos instrumentos de recolha de dados a um conjunto de alargado de protagonistas - testemunhos de educadores, entrevistas a crianças, análise de painéis de bordo diários das crianças e avaliação de impacto a educadores – cujos resultados apontam para uma apreciação global muito positiva do programa e das suas potencialidades. Realça-se, ainda, uma das conclusões do artigo quando este destaca “a convergência das competências promovidas pela ALU Júnior com aquelas previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, assim como dos temas de pendor humanista que encontram um alinhamento com a Cidadania e Desenvolvimento enquanto área de trabalho transversal a promover no 1.º Ciclo do Ensino Básico”.

A educação escolar, na maior parte das vezes, ainda é unidimensional e excessivamente focada na aquisição de conhecimentos / competências individuais e não tanto na construção da pessoa inteira na sua relação com os outros e o mundo. O que a ALU e o seu método permitem, tal como foi possível constatar, é consciencializar que existem muitas outras formas de saber e descobrir e que, sendo o conhecimento cognitivo limitado, a educação socioemocional tem um papel cognitivo e social determinante, além de fomentar a construção da razão cordial que permite entender a humanidade a partir das relações. O percurso pedagógico e metodológico da ALU proporciona abordagens participativas, experienciais e relacionais com os educandos que os habilita a atribuírem significado ao que é vivido. Numa educação holística, da qual o desenvolvimento da dimensão socioemocional é parte integrante, escolher-se uma abordagem pedagógica que faz da descoberta do propósito da vida a mola impulsionadora da aprendizagem parece ser uma proposta que faz sentido para os diferentes elementos da comunidade educativa.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

A revista termina com duas outras investigações realizadas em espaços e com participantes distintos.

O artigo “Semanas Ubuntu no Centro de Reabilitação de Gaia: Análise dos efeitos percecionados pelos clientes”, de Madalena Alarcão, apresenta os resultados dos efeitos da Semana Ubuntu em clientes do referido centro, nomeadamente ao nível da resiliência, empatia, sentido de vida, bem como da sua perceção acerca do impacto da formação e satisfação com a metodologia Ubuntu. Os clientes do centro são pessoas que, por doença ou acidente(s), foram fortemente desafiados vendo-se, de um dia para o outro, com limitações e dificuldades com impacto na sua vida pessoal, familiar e profissional, potenciando o Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) a sua reabilitação, nomeadamente ao nível profissional. Numa investigação quantitativa e num desenho que compara resultados pré e pós realização da Semana Ubuntu, foi possível constatar que estes participantes ficaram muito satisfeitos com a Semana Ubuntu e se percecionam, 15 dias após a formação, como mais autoconfiantes, com maior autoconhecimento, mais resilientes, mais empáticos, com mais vontade de colocar-se ao serviço do outro, mais tolerantes e capazes de perdoar e resolver conflitos e com mais esperança, evidenciando o potencial da metodologia Ubuntu e a sua articulação com a visão e os objetivos de trabalho do CRPG.

Marta Marques, no seu trabalho “Eu sou (de novo) porque tu és: caminhos de ressignificação de acontecimentos traumáticos no contexto da Academia de Líderes Ubuntu”, investiga e discute o papel da ALU na adaptação ao trauma, a partir das experiências de ressignificação que a mesma estimula e proporciona. Neste estudo exploratório, com base em entrevistas, focus-group e diários sonoros e tendo como participantes elementos do Conselho Científico da ALU,

animadores e participantes de ALU, a autora conclui que o processo de mudança é essencialmente individual, com reflexo na forma como a pessoa se vê a si própria e como se relaciona com os outros, no modo como olha para os acontecimentos negativos e traumáticos e os ressignifica ou não. Este processo de mudança parece ser influenciado por características do próprio participante e pela consciência que tem do próprio acontecimento traumático. A autora sublinha a importância de o processo de ressignificação poder ser realizado, de forma sustentada, até ao fim, podendo exigir uma continuidade para além desta experiência formativa, para que em situações mais complexas, não ocorra uma possibilidade de desintegração da pessoa.

Convidamos os nossos leitores a desfrutarem dos estudos que este primeiro número da Ubuntu: Revista de Ciências Sociais nos oferece, pois, os resultados que apresentam confirmam a vocação humanista da ALU. Ou, dito de outra forma e nas palavras de John Volmink, “a filosofia Ubuntu tem profundas raízes africanas, mas, (…), estende-se além-fronteiras. Não é sul-africana. Não é portuguesa. A essência do Ubuntu é Ser Humano.”

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

JENNIFER

Abstract

This Consultant’s Report is an external look at the functioning of the Ubuntu Leaders Academy (ULA) in schools in Portugal. It is a high-level report based on initial discussions with leadership at the Gulbenkian Foundation and IPAV (Instituto Padre António Vieira), observations and discussions in three Ubuntu schools in Sintra and Tomar, as well as participation in Ubuntu Fest 2022. It concludes with a synopsis of observations and a list of potential next steps.

The primary objectives of the Consultant’s Report are:

• to establish the alignment between Ubuntu Leaders Academy and Social Emocional Learning (SEL);

• to identify strengths of the Ubuntu Leaders Academy;

• to pose some questions based on preliminary observations;

• to share potential next steps for consideration.

From this consultation, it was possible to list some conclusions and recommendations for the Ubuntu Schools program. Highlights include the transformative power and impact of the Ubuntu experience in building a school model that seeks to develop students’ socioemotional skills; a pedagogical model of learning that focuses on reflection, sharing and cooperation; a proposal based on leadership at the service of others and the contexts in which we find ourselves.

Keywords: SEL; Program; Ubuntu; Learning; Experience.

Revista de Ciências

1. Ubuntu Leaders Academy and SEL

This section situates the Ubuntu Leaders Academy within the domain of Social Emotional Learning (SEL). To this end, three organizations are used for the analysis: The Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL), Karanga: The Global Alliance for Social Emotional Learning and Life Skills, and the OECD (Survey on Social and Emotional Skills). The five pillars of the Ubuntu Leaders Academy will be the point of reference for the analysis.

Figure 1

Ubuntu Leaders Academy Pillars

SELF-KNOWLEDGE SELF-CONFIDENCE

RESILIENCE EMPATHY SERVICE

After a review of these three conceptual frameworks as well as the vision and mission statements for the three organizations, it will be shown that the Ubuntu Leaders Academy is well aligned with the current thinking on SEL.

2.1. The Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL)

CASEL is a not-for-profit organization in the US that was created in 1994 to advocate for a whole-child approach to teaching and

learning. Their framework for social and emotional learning promotes intrapersonal, interpersonal, and cognitive competence. CASEL has identified five core competencies: self-awareness, selfmanagement, responsible decision- making, relationship skills, and social awareness. Each core competency is broken down into a number of sub-competencies (CASEL, 2022).

The CASEL SEL Framework

FAMILIES & CAREGIVERS

CLASSROOMS SCHOOLS

SELINSTRUCTION & CLASSROOM CLIMATE SCHOOLWIDE CULTURE, PRACTICES & POLICIES

The first two CASEL components, Self-Awareness and SelfManagement, are well aligned to Ubuntu’s Self-Knowledge, SelfConfidence and Resilience. The second two focus on social aspects of Social Awareness and Relationship Skills. These components

Figure 2

are aligned with Ubuntu’s Empathy pillar. The final components in the CASEL and Ubuntu frameworks are action-oriented, the former focusing on Responsible Decision Making and the latter on Service.

The outer rings of the CASEL framework are reflective of what has been observed with the implementation of Ubuntu Leaders Academy. The Ubuntu methodology is a collaboration that begins with a community partner in a school environment. It then spreads to the classroom and out to families. Its success is based on strong partnerships (IPAV, schools, municipalities, Ministry, universities, the Gulbenkian Foundation) that lead to quality learning opportunities and improved classroom climate and school culture.

2.2. Karanga: The Global Alliance for Social Emotional Learning and Life Skills

Karanga is a not-for-profit organization that emerged in 2018 at a culminating event after a global series on SEL hosted by Salzburg Global Seminar, a think tank that is focussed on developing leaders and leadership globally across a number of disciplines. Karanga’s vision is to “create a thriving world where all learners are enabled with the skills to succeed in school, work, and life”. Its mission is to “inspire and equip practitioners, policy makers and researchers from across the world to promote quality and equitable Social Emotional Learning and Life Skills through initiatives that connect, coordinate, and drive action”.

While Karanga does not promote a single SEL framework, it supports the sharing of SEL and Life Skills frameworks that exist globally. It makes a compelling case for integrating SEL and Life Skills into education systems (Karanga, 2022).

Figure 3

Karanga: Why SEL?

The Ubuntu Leaders Academy methodology is well aligned with the case that Karanga makes for SEL in schools. Students, teachers, directors, parents and Ubuntu staff spoke about some of these connections during focus group sessions.

2.3. OECD Survey on Social and Emotional Skills

The OECD has done considerable research relating to the skills required to live long, healthy, successful lives (Kautz, Heckman, Diris, Bas ter Weel, Borghans, 2015). The research has shown that IQ and achievement tests do not capture non-cognitive skills which are valued in the labour force and are more predictive of lifelong success. The conceptual framework for the OECD Survey on Social and Emotional Skills is based on the Big Five Model which includes extraversion, agreeableness, conscientiousness, emotional stability, and openness (Chernyshenko, Kankaraš, Drasgow, 2018). In the chart below, the authors acknowledge that there are a number of verbal labels for each of the clusters.

Figure 4

Big Five Domains

Subsequent to the analysis of test items, the OECD used a refined version of the Big Five Domains for its survey.

Figure 5

OECD Survey on Social and Emotional Skills

FIVE’ DOMANS

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

There is considerable overlap between the Ubuntu Leaders Academy pillars and the social emotional skills surveyed by the OECD:

Table 1

Ubuntu Leaders Academy Pillars and OECD Survey Social Emotional Skills (Author’s creation)

Ubuntu Leaders Academy Pillars

Self-Knowledge Self-Confidence Resilience

OECD Survey Social Emotional Skills

Task Performance

Emotional Regulation

Additional Indices

OECD Survey Social Emotional Sub-skills

Persistence Self-control

Stress Resistance

Emotional control Optimism Self-efficacy

Empathy

Collaboration

Open-Mindedness Empathy Trust Tolerance

Task Performance

Engaging with Others

Service

Collaboration

Open-Mindedness

Additional Indices

Responsibility

Sociability Energy Assertiveness

Cooperation Creativity

Achievement Motivation Self-efficacy

The final report called “Beyond Academic Learning: First Results from the Survey of Social and Emotional Skills” was released by the OECD in 2021. In the preamble, Andreas Schleicher, Director for Education and Skills, states “social and emotional skills are the bedrock of students’ well-being and academic achievement”. The report highlights some of the findings with respect to the sociodemographic distribution of SES, the impact of SES on academics, career choices and well-being, the link to bullying, and the importance of social interactions. In short, the data demonstrate the importance of SEL in formal and informal education systems. The Ubuntu Leaders Academy is one such way of delivering SEL programs to children and youth across Portugal.

2. Observed Strengths of the Ubuntu Leaders Academy Implementation is arguably the most difficult challenge to overcome when trying to innovate in education systems. This is the point at which most innovation fails, even innovations that have been clearly linked to improving student learning and wellbeing. Based on observations and discussions, the Ubuntu Leaders Academy program has excelled in the early and mid-phases of implementation.

The following elements appear to be contributing to quality implementation: initial selection of the program, stakeholder support, balance between prescriptiveness and autonomy, central and local leadership, engagement within schools, and program evaluation.

3.1. Initial Selection of the Program

The Ubuntu Leaders Academy is a program conceptualized, developed and implemented firstly in Portugal in 2010, and disseminated to

the world, in 2014 through the establishment of the Ubuntu Global Network, headed by Professor John Volmink of South Africa.

In simpler terms, IPAV developed a values driven leadership program underpinned by the Ubuntu philosophy, an ancient indigenous approach to humanity that was common among the Bantu peoples of Southern Africa.

In 2021, the ULA methodology was freely shared with the Department of Basic Education of the South African government. The 1 million Ubuntu Leaders Program had its pilot phase in Durban, Kwazulu Natal province, in November 2021, and is now being disseminated in the 9 provinces of the country.

3.2. Involvement of Multiple Stakeholders

Stakeholder support for Ubuntu Leaders Academy has been one of its major strengths from the beginning of the program.

The Gulbenkian Foundation: In 2018, The Gulbenkian Foundation put out an initial call for 100 projects on SEL. Ubuntu Leaders Academy was awarded first-round funding. This partnership not only provided needed start-up funds but also situated Ubuntu Leaders Academy within an SEL ecosystem in Portugal. The foundation is extremely well-known throughout the country which provided credibility as Ubuntu leadership approached schools to become early adopters.

Municipalities: Municipalities in Portugal play an important role in education as well as social welfare, etc. IPAV made the strategic move of entering into discussions with municipalities in the early stages of implementation. Municipalities were then able to suggest community schools that would benefit most from the Ubuntu

Leaders Academy and helped connect Ubuntu and school staff to social agencies and services.

Postsecondary Institutions: Tertiary education including universities and polytechnical institutes across the country have connected with the Ubuntu Leaders Academy. In addition to academics conducting research on the program, some faculty are now considering incorporating the model into postsecondary programs. This is an important step as the research is clear that social emotional skills continue to develop from early childhood well into adulthood.

Ministry of Education: Most impressive has been the role of the Ministry of Education. Upon seeing the impact of the Ubuntu Leaders Academy in initial schools sponsored by the Gulbenkian Foundation, the Ministry agreed to provide funding for the program in a number of schools across the country. Based on the continued success of the program, the Ministry is now providing funding for every school in Portugal. The Ministry has also recognized the importance of human resources to lead the innovation. It now provides funding to schools that enables Directors to hire an Ubuntu leader to support the program within the school group.

While sustainable, long-term funding is a key element for successful implementation, political leadership and support are also instrumental. The Minister of Education himself as well as his staff regularly attend Ubuntu Leaders Academy events, demonstrating their commitment to the program.

3.3. Balance between Prescriptiveness and Autonomy

Ubuntu Leaders Academy uses a prescribed methodology. The leadership team has been relentless, insisting that the five pillars are

delivered in a full five-day program. The rationale is that trust must be built among the participants and trust-building takes time. Day 3 of the program is focused on the topic of resilience; participants show their vulnerabilities by sharing times in their lives when they have been faced with major obstacles. There is a need to build in appropriate time to enable participants to see their way through this vulnerability and move towards empathy for others and a stance of servant leadership. This level of prescriptiveness ensures the emotional safety of participants as well as consistency and cohesion of the program throughout Portugal.

However, autonomy is also a key feature of the program. Each school determines the classes that will participate in a given year. The school leadership team identifies school staff who will receive training and co-lead the week with Ubuntu staff. Some schools have chosen to host the week on site, others off site. Some schools are now providing an Ubuntu Leaders Academy experience to ancillary staff as well as to parents and community members.

3.4. Central and Local Leadership

IPAV has a central team that provides support to schools. The Executive Director and his team meet with municipal and school leadership to ensure that the vision and mission of Ubuntu Leaders Academy is well understood so that these leaders, in turn, can bring their school staff and communities on board.

Ubuntu staff support logistics and train school staff (e.g., teachers, social workers, psychologists) to lead the Ubuntu Leaders Academy week. This train-the-trainer model has built interdisciplinary capacity throughout the country. Wisely, the model allows for Ubuntu staff to co-facilitate the week with the trained school staff. The presence of Ubuntu staff is reassuring to school staff who may

lead sessions only once or twice per year; it also ensures consistency in delivery of the program. On the other hand, the presence of school staff is reassuring to students and parents and ensures that the week-long experience is contextualized based on the needs within the school. It also allows for follow-up in the weeks and months after the program has been completed.

Over time, this co-facilitation model will result in thousands of trained facilitators and champions throughout Portugal, a key element for long-term sustainability for any innovation.

3.5. Engagement within Schools

During discussions and focus groups with Directors, teachers, ancillary staff, parents, and students, each group provided valuable insights as to the impact of the program. Throughout these interactions, there was evidence of strong engagement by those participating in the program. The following is a sample of the comments made by the different stakeholder groups in relation to their experience with the Ubuntu Week. The feedback is an indication that all players in the school community see themselves as having a role to play in the Ubuntu Leaders Academy.

Table 2

Feedback from Stakeholders

“We prioritise those in most need.”

“The program is changing schemas for thinking – students can name the five pillars.”

“We are integrated in the municipality.”

“Upper secondary students are asking “When is it our turn?”

Teachers

“This school is like a hug – Ubuntu training has contributed to this.”

“Ubuntu complements what we do, makes us go deeper, helps us to integrate our work.”

“Ubuntu gives us space and time to reflect.”

“Receiving teachers said that the Ubuntu kids were different after the experience – improved behaviour, more empathy, better focus on learning.”

“We end up truly knowing our students.”

“We have students who are not yet ready to learn – Ubuntu leaves a seed that can germinate.”

“Only 10% of students get to experience Ubuntu week. It needs to expand but don’t reduce the number of days.”

Ancillary Staff

“We learned some new skills.”

“Some found it difficult to commit to a series of Saturdays.” “Ubuntu helps us wake up and pay attention to details.”

Parents

Students

“Can Ubuntu be part of the curriculum?”

“Start doing Ubuntu earlier, with younger children.”

“They missed lessons but in the long run it helps them solve problems.”

“We no longer have a class; we have a family.”

“Ubuntu helps us to get to know ourselves better, develop self-confidence.”

“We learn how to be a person and to be better than we already are.”

“Ubuntu is community values; in school we don’t always have a sense of community.”

“We become much closer; before we only saw the differences.”

Revista de Ciências Sociais

3.6. Program Evaluation

It is commendable that IPAV has been proactive in establishing program monitoring and evaluation in its early planning stages. The Ubuntu Science Council, comprised of a large group of researchers from universities and polytechnical institutes across Portugal, conducts and oversees research on all aspects of the Ubuntu Leaders Academy. The Council has analyzed the conceptual framework behind the program. It has also launched impact studies in schools across the country. Ubuntu Fest 2022 was an opportunity to showcase this early research for participating schools, community leaders, academics, and policy makers.

4. Some Questions

Based on very preliminary observations and an admittedly cursory knowledge of the Ubuntu Leaders Academy, a few questions have emerged for consideration. Some of these questions may have already been addressed in program planning.

1) As the program expands into the younger grades, parents may have more questions about their young children participating in a week that focuses on the development of social emotional skills which may incite the children to speak about sensitive personal and family topics. How will you ensure communication with parents that balances their need/right to know the elements of the program with program integrity? Will parents of younger children need to provide consent for their child to participate?

2) Is there a protocol in place for children who share information connected to abuse? Is there a legal requirement for facilitators to report any claims of abuse to authorities? Is there a protocol in place to follow up with students who feel vulnerable at the end of the week?

3) The Ubuntu Science Council has undertaken a significant number of studies on the program. At this point, is there a need to consolidate some of the thinking and to focus on a few key areas for further investigation?

5. Concluding Remarks: Make Every Week an Ubuntu Week Globally, education systems are in the process of emerging from the pandemic and using this opportunity to reflect deeply on the needs of their learners and the possibility of transformational change. While the Ubuntu Leaders Academy emerged prior to the pandemic, its early days of implementation have taken place throughout the pandemic which makes its success even more inspiring.

Can the Ubuntu Leaders Academy pillars become the moral compass for a school, for a community, for an education system? Can every week be an Ubuntu week?

5.1. School Improvement Planning

Much has been written about highly effective schools and highly effective education systems. Early research on effective schools which identified key components, some of which are common to the Ubuntu methodology including: school and classroom leadership, student engagement, home, school and community partnerships (Ontario Ministry of Education, 2013). More recent studies on highly effective education systems include a focus on equity and well-being for both students and educators (Fullan, M. & Gallagher, M.J., 2020).

School Improvement Planning is a collaborative approach which identifies the needs of the learners, actions to be taken to enhance learning and well-being, and approaches to measuring and monitoring progress. When done right, school improvement planning leads to a whole- school approach to teaching and learning, a changed culture.

Participants in the Ubuntu week described the impact of the experience on their feelings about themselves and others. Many indicated that their learning and well-being had been enhanced by the experience. Can the Ubuntu process be built into School Improvement Plans as one of the strategies used to promote the development of social emotional skills and to enhance equity and well-being in schools in every K-12 school in Portugal.

5.2. Pedagogical Practice

Participants in the Ubuntu week noted that students enjoyed learning through reflective and co-operative activities. Facilitators described the benefits of working together as interdisciplinary teams. Students commented on learning through play and simulations. The activities led to reflection, critical thinking, problem solving, and communication. These elements can all be found in progressive pedagogical practice.

As more teachers receive Ubuntu training to be facilitators, will this training also impact the way they teach in the classroom? Will there be more willingness and opportunities for educators and ancillary staff to work cross-departmentally in an interdisciplinary manner? What would an “Ubuntu approach” look like in each of the different subject areas? Can the development of social emotional skills be combined with the development of academic skills?

5.3. Student Agency

Students were pleased with the opportunity to take responsibility for their learning, with the appropriate amount of guidance from the facilitators. They made choices and decisions throughout the week. Through the activities, they learned about themselves and others. By the end of the week, they were dreaming big, thinking about how they could contribute to their family, their school, their community and the world. They saw themselves as servant leaders.

Can this become a learning stance in all classrooms? Can the school and the community continue to provide opportunities so that all students see themselves as servant leaders, not only during the Ubuntu week, but every week?

References

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Chernyshenko, O., Kankaraš, M., and Drasgow, F. (2018) “Social and Emotional Skills for Student Success and Well-being: Conceptual Framework for the OECD Study on Social andEmotional Skills”, OECD Education Working Paper No. 173, Paris: OECD.

Fullan, M. & Gallagher, M.J. (2020). The Devil is in the Details: System solutions for equity,excellence, and student well-being. Corwin Press.

Karanga (2022). Retrieved from https://karangaglobal.org.

Kautz, T., Heckman, J., Diris, R., ter Weel, B., Borghans, L. (2014) “Fostering and Measuring Skills: Improving Cognitive and Non-Cognitive Skills to Promote Lifetime Success”, Paris: OECD. OECD (2021), Beyond Academic Learning: First Results from the Survey of Social and Emotional Skills, OECD Publishing, Paris, https://doi. org/10.1787/92a11084-en.

Ontario Ministry of Education (2013) “School Effectiveness Framework: A support for school improvement and student success”, Toronto.

Ubuntu weeks in high schools: Results of the Gulbenkian Knowledge Academies Project

MADALENA ALARCÃO

Universidade de Coimbra, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Centro de Estudos Sociais, Coimbra, Portugal

https://orcid.org/0000-0002-7213-9146

Resumo

Escolas Ubuntu é um projeto que pretende capacitar jovens entre os 12 e os 18 anos, promovendo uma cultura democrática e competências pessoais que lhes permitam ser agentes de mudança ao serviço de uma comunidade, mais justa e solidária. Em 2020, o IPAV candidatou este projeto às Academias Gulbenkian do Conhecimento, procurando validá-la como metodologia de referência. O presente artigo apresenta os resultados dessa avaliação.

Objetivos: Estudar os efeitos da Semana Ubuntu numa amostra de alunos do 3º ciclo e secundário, nomeadamente ao nível das suas competências socioemocionais e da relação com os pares bem como da sua satisfação com a metodologia Ubuntu.

Método: Recorrendo a um desenho quase-experimental, o protocolo de investigação foi aplicado em dois momentos (pré e pós-teste) para avaliar os resultados da Semana Ubuntu. O grupo de estudo é composto por 103 alunos e o grupo controlo por 100 alunos, num total de 203 participantes.

Resultados: Os resultados evidenciam a enorme satisfação dos alunos, que se percecionam como mais assertivos, autocontrolados, empáticos, sociáveis e tolerantes após a Semana Ubuntu. É nas dimensões assertividade e tolerância que as diferenças são mais expressivas. Os educadores também percecionam diferenças entre o pré e o pós-teste, com resultados médios mais elevados na assertividade, empatia, otimismo, sociabilidade e tolerância, parecendo que, aos seus olhos, o impacto da Semana Ubuntu é ainda maior. O ganho em competências socioemocionais parece confirmar-se no aumento, expressivo, de relações de confiança na turma, mais transversais e menos mediadas apenas por alguns alunos após a Semana Ubuntu.

Conclusões: Os resultados evidenciam a enorme satisfação dos alunos, que se percecionam como mais assertivos, autocontrolados,

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

empáticos, sociáveis e tolerantes após a Semana Ubuntu. É nas dimensões assertividade e tolerância que as diferenças são mais expressivas. Os educadores também percecionam diferenças entre o pré e o pós-teste, com resultados médios mais elevados na assertividade, empatia, otimismo, sociabilidade e tolerância, parecendo que, aos seus olhos, o impacto da Semana Ubuntu é ainda maior. O ganho em competências socioemocionais parece confirmar-se no aumento, expressivo, de relações de confiança na turma, mais transversais e menos mediadas apenas por alguns alunos após a Semana Ubuntu.

Palavras-Chave: Semana Ubuntu, competências socioemocionais, redes sociais de confiança e conflito, crianças/jovens, avaliação

Abstract: Ubuntu Schools is a project that aims to empower young people, between 12 and 18 years old, by promoting a democratic culture and personal skills that will enable them to be agents of change at the service of a more equal and supportive community. In 2020, IPAV submitted this project to the Gulbenkian Knowledge Academies, seeking to validate it as a reference methodology. This paper presents the results of this evaluation.

Objectives: To study the effects of the Ubuntu Week on a sample of high school students, namely in terms of their socio and emotional skills and their relationship with peers, as well as their satisfaction with the Ubuntu methodology.

Method: Using a quasi-experimental design, the research protocol was applied in two moments (pre and post-test) to evaluate the results of the Ubuntu Week. The study group is composed by 103 students and the control group by 100 students, for a total of 203 participants.

Results: The results highlight the enormous satisfaction of the students who perceive themselves as more assertive, self-controlled, empathetic, sociable and tolerant after the Ubuntu Week. The differences are more expressive when analysing assertiveness and tolerance. The educators also

perceive differences, with higher average results in assertiveness, empathy, optimism, sociability and tolerance, and it seems that for them the impact of the Ubuntu Week is even greater. The increase in the socio and emotional skills seems to be corroborated by the significant improvement of trusting relationships inside the class, which, after the Ubuntu Week, are more transversal and less mediated by just a few students.

Results: The results highlight the enormous satisfaction of the students who perceive themselves as more assertive, self-controlled, empathetic, sociable and tolerant after the Ubuntu Week. The differences are more expressive when analysing assertiveness and tolerance. The educators also perceive differences, with higher average results in assertiveness, empathy, optimism, sociability and tolerance, and it seems that for them the impact of the Ubuntu Week is even greater. The increase in the socio and emotional skills seems to be corroborated by the significant improvement of trusting relationships inside the class, which, after the Ubuntu Week, are more transversal and less mediated by just a few students.

Keywords: Ubuntu week, social and emotional skills, social networks of confidence and conflict, children, assessment.

Introdução

A Academia de Líderes Ubuntu (ALU), criada pelo Instituto Padre António Vieira (IPAV) em 2010, é um projeto de educação não-formal que visa a difusão da filosofia Ubuntu e a construção de relações focadas na ética do cuidado, a partir de uma dimensão experiencial e relacional que, nas escolas, assume o formato de cinco dias intensivos – Semana Ubuntu (IPAV, 2023).

Palavra de origem africana, Ubuntu significa “Eu sou porque tu és”, sublinhando a centralidade da relação, da interdependência e da solidariedade na construção e desenvolvimento do ser humano. Inspirada por figuras como Nelson Mandela, Martin Luther King ou Malala, a ALU repousa em três eixos transversais – Ética do Cuidado, Construção de Pontes e Liderança Servidora – e em cinco pilares – Autoconhecimento, Autoconfiança, Resiliência, Empatia e Serviço (Gonçalves & Alarcão, 2020, 2021). O eixo da ética do cuidado procura sensibilizar cada participante da ALU para a importância de cuidar de si, dos outros, da comunidade e do planeta. O autocuidado é, para a ALU, tão importante como o heterocuidado, estando aquele muito apoiado no autoconhecimento e autoconfiança e este na empatia e assunção do serviço. A construção de pontes assume-se como um eixo estruturante para a afirmação da interdependência relacional e para a concretização do respeito pela diversidade de pessoas, culturas, experiências e pontos de vista, numa lógica de

Revista de Ciências Sociais

. 2023 diálogo intercultural permanente, de superação de conflitos e de visões dicotómicas e maniqueístas. A liderança servidora, enquanto postura ativa de envolvimento com o(s) Outro(s), numa lógica de contribuir com aquilo que cada um tem e pode dar de si para o bem comum, constitui o terceiro eixo estruturante da ALU. Em cada dia da Semana Ubuntu é feito um foco específico: 1) Liderar como Mandela; 2) Construir Pontes; 3) Vencer Obstáculos; 4) Vidas Ubuntu e 5) I Have a Dream. Ao longo dos cinco dias são trabalhadas várias competências socioemocionais, recorrendo à visualização de filmes e de vídeos, à realização de dinâmicas relacionais, à reflexão individual, em pequenos e em grande grupo, bem como à valorização de histórias de vida, pessoais e de líderes da comunidade. Desta forma, pretende-se que cada participante, com o apoio dos formadores e do próprio grupo, bem como da metodologia Ubuntu, olhe para si próprio e alargue o seu autoconhecimento, identifique as suas forças e reforce a autoconfiança, compreenda que a vida não está isenta de dificuldades mas que a resiliência é um processo de construção criativa de soluções e de superação de adversidades. Na Semana Ubuntu, como na vida, a atenção ao Outro e a escuta ativa são elementos fundamentais de um posicionamento empático, tão importante ao desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e à construção de pontes. No projeto/sonho que cada participante é convidado a partilhar, no quinto dia, ensaia-se a consciencialização de um compromisso de liderança servidora.

O projeto da ALU desenvolvido em contexto escolar, doravante designado Escolas Ubuntu, pretende capacitar jovens entre os 12 e os 18 anos, promovendo uma cultura democrática e competências pessoais, sociais e cívicas que lhes permitam ser agentes de mudança ao serviço de uma comunidade, mais justa e solidária (ALU, 2023). Paralelamente, este projeto visa trabalhar também com os professores e outros elementos da comunidade educativa para que possam

construir projetos pedagógicos enformados pelo paradigma da ética do cuidado e promover o diálogo, a paz e a justiça social, criando escolas mais inclusivas, coesas e justas. Em 2020, o IPAV candidatou o programa Escolas Ubuntu às Academias Gulbenkian do Conhecimento (AGC) – Metodologias experimentais 2020 com o propósito de, para além de capacitar pelo menos 120 alunos e 16 educadores de 3 agrupamentos escolares, “aprofundar o estudo que vem fazendo acerca dos resultados da metodologia Ubuntu e de contribuir para a disponibilização de uma metodologia de referência que promova o desenvolvimento de competências socioemocionais e a adoção do paradigma da Ética do Cuidado” (Alarcão & Ramos, 2022, p. 4). Esta avaliação teve como objetivos principais: i) estudar os efeitos da intervenção nos alunos que participaram na Semana Ubuntu, nomeadamente ao nível das suas competências socioemocionias e das relações com os pares; ii) avaliar possíveis diferenças entre alunas e alunos, ao nível das referidas competências socioemocionais; iii) avaliar a satisfação dos jovens com a Semana Ubuntu; e iv) avaliar a satisfação diária com a metodologia Ubuntu. São os principais resultados dessa avaliação que aqui se apresentam.

Método

Este estudo adota um desenho quase-experimental, comparando os resultados entre dois momentos (pré e pós-teste) e entre dois grupos distintos, mas equivalentes (grupo de estudo e o grupo de controlo). O grupo de estudo (GE) integra os alunos que realizaram a Semana Ubuntu. O grupo de controlo (GC) é composto por alunos de turmas da mesma escola e do mesmo ano, consideradas pelos professores como equivalentes, mas que não participaram na Semana, ainda que, por questões éticas, estivesse previsto que o pudessem fazer no ano letivo seguinte. A escolha dos grupos, feita pelas escolas, não foi aleatória.

No pré e no pós-teste foram aplicados, ao GE e ao GC, o OECD Survey on Social and Emotional Skills e um instrumento de Análise da Rede Social na Turma (vidé infra, Instrumentos). O pré-teste foi realizado oito dias antes de ser iniciada a Semana Ubuntu, tanto no GE como no GC. O pós-teste foi realizado em ambos os grupos quinze dias após a conclusão da semana Ubuntu. Aos participantes do GE foi ainda solicitada a resposta ao Questionário de Avaliação do Impacto ALU-Escolas, Questionário de Avaliação da Satisfação com a Formação ALU (no fim do 5º dia) e Questionário de Avaliação Diária da Semana (no fim de cada dia). Os instrumentos foram aplicados na presença de um membro da equipa do IPAV, geralmente em grupo, exceto quando tal não foi mesmo possível1.

Amostra

Integraram o GE e o GC alunos de três agrupamentos da zona norte de Portugal, do 3º ciclo e secundário. Embora tenham sido recrutados 336 alunos (170, GE e 166, GC) só existem resultados válidos para 103 alunos do GE (60.6%) e 100 do GC (60.2%), num total de 203 sujeitos (60.4% do total de recrutados). Entenderam-se como válidos todos os protocolos que não apresentaram “não respostas” (missing values) uma vez que quando os participantes responderam à totalidade dos instrumentos que integravam o protocolo não se encontraram itens não respondidos.

1. É importante não esquecer que a investigação decorreu em período de pandemia Covid-19 pelo que houve necessidade de responder a situações inesperadas como, p.e., a não presença de um ou outro aluno nos dias de aplicação do pré e pós-teste. Nestes casos, e sempre que possível, foi feita uma aplicação individual quando o aluno estava já disponível e ainda era possível manter as condições temporais de aplicação do protocolo.

A idade média é de 15.81 (DP=1.20) anos, variando entre os 13 e os 20 anos A maioria dos alunos é do sexo feminino (n=117, 57.6%), frequenta o 9.º ano de escolaridade (n=85, 41.9%) e nunca reprovou (n=162, 79.8%).

Instrumentos

O protocolo de investigação inclui: i) dois instrumentos aplicados ao GE e GC no pré e no pós-teste (OECD Survey on Social and Emocional Skills (SSES) e a Análise da Rede Social na Turma – confiança e conflito), ii) dois questionários respondidos pelo GE no último dia da Semana Ubuntu (Questionário de Satisfação com a Formação ALU e Questionário de Avaliação de Impacto ALU-Escolas), iii) cinco questionários de avaliação diária da Semana Ubuntu a aplicar ao GE no fim de cada um dos dias de formação, e iv) um questionário sociodemográfico para caracterização da amostra.

O SSES é um questionário de autorresposta, elaborado pela OCDE, que tem como objetivo avaliar competências sociais e emocionais em crianças/jovens (Academias Gulbenkian do Conhecimento, 2019). A utilização deste questionário foi uma exigência da entidade financiadora do projeto, tendo sido possível à equipa do projeto decidir quais as dimensões a utilizar. Para esta decisão foi ponderada a carga de esforço solicitada aos participantes, isto é, o número de instrumentos a preencher, e a pertinência da informação colhida, atendendo aos eixos e pilares que a Semana Ubuntu trabalha. Neste estudo foram, então, usadas apenas as versões crianças e educadores para sete dimensões, num total de 56 itens (crianças) e 21 itens (educadores), respondidos numa escala Likert de cindo pontos (de 1=Discordo totalmente a 5=Concordo totalmente). As sete dimensões são:

i) Assertividade (ASS) (p.e. “Eu sou um líder” e “Gosta de ser um/a líder na sua turma”, respetivamente na versão crianças e na versão educadores), ii) Autocontrolo (SEL) (p.e., “Eu tenho cuidado com o que digo aos outros” e “Consegue controlar as suas ações”, respetivamente), iii) Empatia (EMP) (p.e., “É importante, para mim, que os meus amigos estejam bem” e “Consegue sentir como os outros se sentem”, respetivamente), iv) Otimismo (OPT) (p.e., “Eu sou sempre positivo/a em relação ao futuro” e “É uma pessoa feliz”, respetivamente), v) Resiliência/Resistência ao Stresse (SRT) (p.e., “Eu entro em pânico facilmente” e “Sente-se nervoso/a muitas vezes”, respetivamente), vi) Sociabilidade (SOC) (p.e., “Eu gosto de estar com os meus amigos” e “Faz amigos com facilidade”, respetivamente) e vii) Tolerância (TOL) (p.e., “Eu estou interessado/a em ser amigo/a de pessoas de outras culturas” e “Gosta de aprender sobre outros países e culturas”, respetivamente). A análise da confiabilidade das escalas utilizadas, medida pelo alfa de Cronbach, aponta, genericamente, para valores bons e excelentes, com exceção da dimensão SRT, versão educadores, que é questionável (0.66). Indicam-se, respetivamente para a versão crianças e para a versão educadores, e por dimensão, os valores de alfa, nesta amostra: ASS: 0.92, 0.95; SEL: 0.86, 0.90; EMP: 0.80, 0.87; OPT: 0.90, 0.80; SRT: 0.81, 0.66; SOC: 0.79, 0.86; TOL: 0.87, 0.92). Neste estudo, a versão educadores foi preenchida pelos diretores de turma a que os alunos pertenciam.

A Análise da Rede Social na Turma (Ramos, Nunes da Silva, & Alarcão, 2022, in Alarcão & Ramos, 2022) permite o mapeamento das redes de confiança e de conflito na turma a partir da identificação que cada aluno faz dos colegas com quem tem uma relação de confiança (i.é, “com que desabafa”, “a quem pede conselhos”)

e de conflito (i.é, “quem o irrita”, “com quem discute com frequência”), ambas avaliadas numa escala Likert de cinco pontos (de 1=Relação fraca a 5=Relação forte). Pediu-se a cada aluno que, a partir da lista de alunos da turma, assinalasse os colegas com quem tinha uma relação de confiança e de conflito, quantificando a intensidade dessa relação com base na escala Likert referida. Quando confrontado com o seu próprio nome, o participante deve responder zero, o mesmo acontecendo relativamente ao nome de algum colega com quem não tinha uma relação de confiança ou de conflito. A partir das respostas obtidas é possível inferir acerca da: a) densidade da rede, calculando-se, no conjunto dos elementos da turma, a proporção, expressa em percentagem, entre as relações diretas existentes e as relações diretas possíveis; b) centralidade, identificando-se o número de elementos com os quais um aluno está diretamente relacionado; c) centralização, identificando-se a condição especial na qual um elemento exerce um papel claramente central ao estar altamente conectado com a rede; d) intermediação, que representa a possibilidade que um elemento tem para intermediar as comunicações entre pares de nós (elementos-ponte); e) proximidade, que indica a capacidade de um elemento para contactar todos os nós da rede. Neste artigo são referidos os resultados relativos à densidade e à centralidade por constituírem duas variáveis importantes na avaliação da interdependência relacional e na construção de pontes.

O Questionário de Avaliação do Impacto ALU-Escolas (IPAV, 2018) é composto por 11 itens, respondidos numa escala Likert de 10 pontos (de 1= Discordo totalmente a 10= Concordo totalmente), e organizados em quatro dimensões teóricas: Eu e o Ubuntu (p.e., “Conheço a filosofia Ubuntu”), 5 Pilares (p.e., “Conheço-me bem”, “Acredito nos meus talentos”, “Vejo as dificuldades como oportunidades.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Sou resiliente”), Liderança pelo exemplo (p.e., “Sou responsável e quando me proponho a fazer algo cumpro até ao fim”) e Esperança (“Olho para o futuro com esperança”).

O Questionário de Avaliação da Satisfação com a Formação ALU (IPAV, s/d) solicita que, numa escala Likert de 10 pontos (de 1= Muito negativo a 10=Muito positivo), o participante avalie a satisfação com a Semana Ubuntu em 8 parâmetros: Utilidade da formação Ubuntu, Avaliação global da Semana Ubuntu, Testemunhos Ubuntu, Apresentações, Dinâmicas e reflexões, Filmes e reflexões, Espaço e Organização.

Os cinco Questionários de Avaliação Diária da Semana Ubuntu –versão participantes (Alarcão & Ramos, 2020), um para cada dia da formação, integram seis itens, transversais, respondidos numa escala Likert de 10 pontos (de 1= Discordo total mente a 10= Concordo totalmente). Embora haja um questionário para cada dia, os itens são o mais transversais possível (p.e., “Gostei muito de ver o filme porque me ajudou a perceber…. [referência ao tema principal da sessão]”, “O tempo que tive para refletir sobre… [referência ao tema principal da sessão] foi suficiente”, “Os/As formadores/as apresentaram bem o tema e as atividades que tínhamos que fazer”).

Procedimentos

Em cada agrupamento e escola foram selecionados, pela própria escola, os alunos/turmas para integrarem o GE. Seguidamente, as escolas selecionaram os alunos/turmas que constituíram o GC, procurando que os alunos/turmas do GC tivessem características idênticas (idade, sexo, ano de escolaridade, nível socioeconómico) aos do GE.

A Semana Ubuntu foi apresentada aos encarregados de educação,

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

tendo sido solicitado o consentimento informado para a aplicação do protocolo de investigação e, no caso do GE, foi também pedido o consentimento para a participação na Semana Ubuntu.

O pré-teste realizou-se uma semana antes do início da Semana Ubuntu e o pós-teste 15 dias após a conclusão da mesma. O protocolo foi aplicado por um membro da equipa do IPAV, presencialmente e na modalidade online nas semanas de confinamento obrigatório. O instrumento de Análise da Rede Social na Turma só pôde ser aplicado quando o grupo de alunos de cada Semana Ubuntu pertencia à mesma turma uma vez que necessita que seja possível definir um conjunto estável de colegas para quem cada aluno assinala a (in) existência de uma relação de confiança e de conflito.

A todos os alunos foi atribuído um código de modo a ser possível emparelhar as respostas de todos os instrumentos em todos os momentos de aplicação, mantendo a confidencialidade dos dados.

O tratamento de dados realizou-se com recurso ao programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS - versão 27). Como já foi referido, foram apenas considerados os participantes que preencheram a totalidade dos instrumentos que compõem o protocolo de investigação.

A caracterização da amostra e o tratamento de dados relativos aos questionários de avaliação diária-versão participantes foi feita através de estatísticas descritas. Foi utilizado o teste t de Student para amostras emparelhadas, para comparar as médias entre o pré e o pós-teste (quer no GE, quer no GC), e para amostras independentes, para comparar as médias entre o GE e o GC. Para a Análise da Rede Social na Turma – confiança e conflito, foi utilizado o software NodeXL Basic (versão Windows 16, 2014) para extração das métricas gerais e para cálculo da densidade e medidas de centralidade.

Resultados

A apresentação dos resultados é feita comparando os dados obtidos no pré e no pós-teste, primeiro no âmbito do GE e depois entre o GE e GC, para os dois instrumentos que integraram os dois momentos de avaliação, analisando-se também as diferenças entre sexos. São, seguidamente, apresentados os resultados relativos à avaliação da perceção de impacto e à avaliação da satisfação com a formação.

Competências socioemocionais no GE: comparação pré-pós-teste e entre sexos

Com o objetivo de verificar se existem diferenças entre os resultados em cada uma das dimensões do “OECD Survey on Social and Emotional Skills”, antes e após a formação Ubuntu, efetuaram-se Testes T para amostras emparelhadas. Encontram-se diferenças significativas na média dos resultados em todas as dimensões, com valores significativamente superiores no pós-teste, exceção feita para as dimensões “Otimismo”, na perceção dos alunos, e “Autocontrolo”, na perceção dos educadores (tabela 1). Os valores médios obtidos no pós-teste para a dimensão “Resiliência/ Resistência ao stresse” são inferiores aos do pré-teste, de forma estatisticamente significativa apenas na perceção dos educadores.

Revista

de

Tabela 1.

Resultados relativos ao Teste T para amostras emparelhadas para as dimensões específicas do OECD Survey on Social and Emotional Skills na comparação entre pré e pós-teste (v. crianças e v. educadores)

Pré-Teste Pós-Teste t(gl) Média (DP) Média (DP)

ASS - Crianças

ASS – Educadores

SEL – Crianças

SEL – Educadores

EMP – Crianças

EMP – Educadores

OPT – Crianças

OPT – Educadores

SRT – Crianças

SRT – Educadores

SOC – Crianças

SOC – Educadores

TOL – Crianças

TOL – Educadores

2.83(0.88)

2.84(1.11)

3.59(0.70)

3.48(1.04)

3.87(0.60)

3.94(0.69)

3.67(0.82)

3.79(0.60)

2.63(0.75)

2.59(0.62)

3.64(0.58)

3.82(0.73)

3.99(0.70)

3.59(0.85)

3.10(0.94)

3.03(1.00)

3.75(0.56)

3.62(0.90)

3.99(0.54) 4.17(0.59) 3.69(0.76)

3.91(0.50) 2.62(0.77) 2.35(0.52)

3.80(0.62) 4.00(0.50)

4.21(0.56) 3.87(0.83)

3.10(0.94)

3.03(1.00)

3.75(0.56)

3.62(0.90)

3.99(0.54)

4.17(0.59) 3.69(0.76)

3.91(0.50) 2.62(0.77) 2.35(0.52) 3.80(0.62) 4.00(0.50)

4.21(0.56)

3.87(0.83)

ASS: Assertividade; SEL: Autocontrolo; EMP: Empatia; OPT: Otimismo; SRT: Resiliência/Resistência ao Stresse; SOC: Sociabilidade; TOL: Tolerância. *p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

A média dos resultados obtidos na dimensão “Assertividade” é significativamente superior à obtida antes da Semana Ubuntu, quer na versão crianças, t (47) = -3.01, p = 0.004, quer na versão educadores, t (63) = -2.68, p = 0.009. O mesmo acontece nas dimensões “Empatia” [versão crianças, t (50) = -2.62, p = 0.01; versão educadores, t (64) = -3.86, p < 0.001], “Sociabilidade” [versão crianças, t (49) = -2.46, p = 0.02, quer na versão educadores, t (61) = -2.80, p = 0.01] e “Tolerância” [versão crianças, t (49) = -3.66, p = 0.001, quer na versão educadores, t (59) = -3.45, p = 0.001]. A média dos resultados obtidos na dimensão “Autocontrolo” é significativamente superior à obtida antes da Semana Ubuntu apenas na versão crianças, t (49) = -2.09, p = 0.04 e na dimensão ‘Otimismo’ na versão educadores, t (61) = -2.45, p = 0.01. A média dos resultados obtidos na dimensão “Resiliência/Resistência ao stresse” é significativamente inferior à obtida antes da Semana Ubuntu na versão educadores, t (61) = 3.82, p < 0.001.

Com o objetivo de verificar se existem diferenças na forma como rapazes e raparigas percecionam as suas competências socioemocionais. antes e após a realização da Semana Ubuntu, efetuaram-se Testes T para amostras independentes no GE. De um modo geral verificam-se diferenças significativas na média dos resultados em todas as dimensões, com exceção das dimensões “Assertividade” e “Sociabilidade”, quer no pré-teste, quer no pós-teste (Tabela 2).

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Tabela 2.

Resultados relativos ao Teste T para amostras independentes para as dimensões específicas do OECD Survey on Social and Emotional Skills na comparação entre sexos.

Rapazes Raparigas t(gl) Média (DP) Média (DP)

ASS - Pré

ASS – Pós

SEL – Pré

SEL – Pós

EMP –Pré

EMP –Pós

OPT – Pré

OPT – Pós

SRT – Pré

SRT – Pós

SOC – Pré

SOC – Pós

TOL – Pré

TOL – Pós

2.83(0.85)

2.87(0.80)

3.55(0.70)

3.60(0.67)

3.64(0.62)

3.72(0.52)

3.89(0.65)

3.95(0.63)

2.89(0.63)

3.06(0.62)

3.77(0.55)

3.85(0.57)

3.64(0.65)

3.88(0.62)

2.65(0.93)

2.83(1.03)

3.81(0.62)

3.89(0.53)

3.99(0.47)

4.03(0.47)

3.56(0.89)

3.67(0.78)

2.52(0.73) 2.42(0.70)

3.67(0.68) 3.70(0.68) 4.25(0.54)

4.27(0.61)

t(120)=0.28

t(126)=0.85

t(117)=-2.10*

t(125)=-2.67**

t(122)=-3.47***

t(126)=-3.47***

t(123)=2.22*

t(126)=2.04*

t(119)=2.86**

t(125)=5.07***

t(120)=0.90

t(124)=1.24

t(120)=-5.57***

t(126)=-3.40***

ASS: Assertividade; SEL: Autocontrolo; EMP: Empatia; OPT: Otimismo; SRT: Resiliência/Resistência ao Stresse; SOC: Sociabilidade; TOL: Tolerância.

*p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

A média dos resultados obtidos na dimensão “Autocontrolo” é significativamente superior nas raparigas, quer no pré-teste, t (117) = -2.10, p = 0.04, quer no pós-teste, t (125) = -2.67, p = 0.01, o mesmo acontecendo na dimensão “Empatia” [pré-teste, t (122) = -3.59, p < 0.001; pós-teste, t (126) = -3.47, p < 0.001] e na dimensão “Tolerância” [pré-teste, t (124) = -5.57, p < 0.001; pós-teste, t (126) = -3,40, p < 0.001]. Pelo contrário, a média dos resultados obtidos na dimensão “Otimismo” é significativamente superior nos rapazes, quer no pré-teste, t (123) = 2.22, p =0.03, quer no pós-teste, t (126) = 2.04, p = 0.04, o mesmo acontecendo na dimensão “Resiliência/Resistência ao stresse” [pré-teste, t (119) = 2.86, p < 0.01; pós-teste, t (125) = 5.07, p < 0.001].

Competências socioemocionais: comparação entre GE e GC No pré-teste, não se encontram diferenças estatisticamente significativas entre o GE e o GC na perceção dos alunos. Na perspetiva dos educadores, verificam-se diferenças significativas nas dimensões “Assertividade”, t(164)=-3.03, p=0.003 e “Sociabilidade”, t(161)=3.04, p=0.003.

Pelo contrário, no pós-teste, os alunos do GE percecionam-se como mais assertivos, t(126)=-4.09, p<0.001, e tolerantes, t(126)=-2.48, p=0.01 quando comparados com os do GC (tabela 3). Na perspetiva dos educadores, os alunos do GE, por comparação com os do GC, são percecionados, no pós-teste, como mais assertivos, t(121)=-4.85, p<0.001, mais empáticos, t(120)=-4.07, p<0.001, mais otimistas, t(121)=-5.90, p<0.001, mais sociáveis e mais t(118)=-6.36, p<0.001 e mais tolerantes t(120)=-4.07, p<0.001, embora apresentem valores significativamente mais baixos na dimensão “Resiliência/ Resistência ao stresse”, t(120)=3.05, p=0.003 (tabela 3). Relembra-se que esta dimensão obteve um valor pouco satisfatório na análise da confiabilidade.

de

Tabela 3.

Resultados relativos ao Teste T para amostras independentes para as dimensões específicas do OECD Survey on Social and Emotional Skills (Pós-Teste)

Grupo de controlo Grupo experimenal t(gl) Média (DP) Média (DP)

ASS - Crianças

ASS – Educadores

SEL – Crianças

SEL – Educadores

EMP – Crianças

EMP – Educadores

OPT – Crianças

OPT – Educadores

SRT – Crianças

SRT – Educadores

SOC – Crianças

SOC – Educadores

TOL – Crianças

TOL – Educadores

2.51(0.89)

2.28(0.88)

3.76(0.62)

3.75(0.84)

3.84(0.52)

3.72(0.64)

3.81(0.73)

3.46(0.47)

2.70(0.71)

2.78(0.68)

3.71(0.71)

3.42(0.58)

3.99(0.69)

3.30(0.81)

3.16(0.91)

3.15(1.03)

3.82(0.57)

3.68(0.89)

3.99(0.49)

4.17(0.57)

3.73(0.75)

3.99(0.50)

2.59(0.76) 2.43(0.55)

3.78(0.58)

4.04(0.48)

4.27(0.55)

3.90(0.80)

t(126)=-4.09***

t(121)=-4.85***

t(125)=-0.63

t(121)=0.39

t(126)=-1.59

t(120)=-4.07***

t(126)=0.61

t(121)=-5.90***

t(125)=0.85

t(120)=3.05**

t(124)=-0.61

t(118)=-6.36***

t(126)=-2.48*

t(120)=-4.07***

ASS: Assertividade; SEL: Autocontrolo; EMP: Empatia; OPT: Otimismo; SRT: Resiliência/Resistência ao Stresse; SOC: Sociabilidade; TOL: Tolerância. *p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

Redes de confiança e de conflito no pré e no pós-teste no GE e no GC Relembrando que só foi possível realizar esta análise com os participantes de duas Semanas Ubuntu, uma vez que os alunos tinham que pertencer todos à mesma turma, verifica-se que, ao nível das relações de confiança, a densidade da rede aumenta em ambos os casos estudados, traduzindo níveis mais elevados de confiança.

Analisando as redes de confiança na escola A2, no GE, a densidade não só aumenta de 76%, no pré-teste, para 86%, após a Semana Ubuntu, como alguns elementos que não identificaram relações de confiança antes da intervenção, ou que assinalaram poucas relações deste tipo, passam a identificar mais de dez relações de confiança (p.e., de 0 para 12 ou de 4 para 14). É também interessante notar que as redes de confiança passam a estar mais generalizadas, dependendo de menos elementos específicos da rede. Estes dados são reforçados pelo facto de se verificar que no GC, a densidade de relações de confiança se mantém estável entre o pré (85%) e o pós-teste (84%). Na escola B, os dados são semelhantes, no GE, com a densidade a aumentar de 68% para 77% e com alguns alunos a identificarem muitas mais relações de confiança no pós-teste (p.e., de 6 para 17). Nesta escola, há também um aumento da densidade de relações de confiança no GC em ambos os momentos de avaliação (de 49% para 57%).

2. Por questões de confidencialidade, não se identificam as escolas, apenas as designando por A e B. Em função do plano de contingência associado à Covid-19, os alunos de cada uma das escolas integravam a mesma turma, uma vez que a Semana Ubuntu decorreu, respetivamente, entre 14 e 18 de dezembro de 2020 e entre 11 e 15 de janeiro de 2021.

No que diz respeito ao conflito, na escola A, a densidade da rede de relações de conflito diminui de 17% para 10%, quando comparados o pré e o pós-teste, havendo também elementos que deixam de identificar relações de conflito, ou que passam a identificar um número muito menor após a Semana Ubuntu (p.e, de 14 para 0). Pelo contrário, no GC, observa-se um aumento da densidade das relações de conflito de 23% para 38%. Na escola B, a densidade da rede de conflito aumenta de 20% para 24%, quando se comparam os dados do pré e do pós-teste. É, no entanto, importante referir que, no dia do pós-teste, há uma grande discussão em torno da finalização de uma relação de namoro, tendo o jovem que vê a sua relação terminada passado a assumir a centralidade das relações de conflito (seja na posição de emissor, seja na de mediador). A análise dos dados do GC aponta para uma diminuição da densidade do conflito na escola B (de 13% para 6%).

Impacto da Semana Ubuntu no GE

A comparação dos resultados obtidos no Questionário de Avaliação do Impacto ALU evidencia a existência de diferenças significativas em todos os itens. Após a Semana Ubuntu, os alunos do GE pontuam significativamente mais alto em todos os itens, evidenciando que se conhecem melhor, que acreditam mais nos seus talentos e qualidade, que se sentem mais resilientes, mais empáticos, com mais vontade de se colocarem ao serviço dos outros, mais responsáveis, assíduos e pontuais, com mais esperança no futuro, dando mais importância ao testemunho pessoal e conhecendo melhor a filosofia Ubuntu. As métricas de desempenho da formação Ubuntu estão representadas no Diagrama de Kiviat (Figura 1).

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Figura 1.

Métricas de desempenho da Formação Ubuntu (Avaliação do Impacto)

Conheço a filosofia Ubuntu.

Olho para o futuro com eperança.

Sou importância ao testemunho pessoal.

Sou pontual e assíduo/a (não falto).

Sou responsável e quando me proponho a fazer algo cumpro até ao fim.

Tenho vontade de me colocar ao serviço dos outros.

Legenda

Pré-teste

Pós-teste

Estou satisfeito/a por participar na Academia de Líderes Ubuntu.

Conheço-me bem.

Acredito nos meus talentos e qualidades

Vejo as dificuldades como oportunidades de crescimento.

Sou resiliente

Consigo colocar-me no lugar dos outros e sentir com eles.

Sou empático/a.

Satisfação com a Formação da Semana Ubuntu

Como é possível ver na tabela 4, as avaliações são sempre positivas, variando entre um mínimo de 5 e um máximo de 10 (numa escala de 1 a 10), com a “avaliação global da semana” a registar um valor muito elevado (9.50) e a “utilidade da formação Ubuntu para a vida pessoal” a obter um valor de 9.56.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Tabela 4.

Resultados relativos à Avaliação da Satisfação com a Formação da Semana Ubuntu

Média Desvio-padrão Mínimo Máximo M DP

Organização

Espaço

Filmes e Reflexões

Dinâmicas e Reflexões

Apresentações

Testemunhos Ubuntu

Avaliação Global da Semana

Utilidade da formação

Ubuntu para a vida pessoal

Avaliação diária da Semana Ubuntu

A avaliação que os alunos fazem de cada um dos dias da Semana Ubuntu é também sempre muito positiva: numa escala de 1 a 10, a generalidade dos itens obtém um valor médio igual ou superior a nove (tabela 5). Apenas quatro itens têm uma pontuação média inferior a 9, três no primeiro dia (item 2 - O tempo que tive para refletir sobre o tempo foi suficiente; Item 5 - As dinâmicas ajudaram a sentir-me bem no grupo; e Item 6 - Senti que ganhei alguma coisa com esta sessão) e um no terceiro dia (item 5 - Achei muito importante escrever uma carta de Mendez para mim). Nos últimos dois dias a pontuação média foi quase sempre superior a 9.55 em todos os itens. Em qualquer um dos dias, a avaliação média para o item 4 (Senti-me bem acolhido/a pelos formadores/as) foi muito elevada, variando entre 9.38, no primeiro dia, e 9.91, no quarto dia. Também no que diz respeito à qualidade da apresentação dos temas e atividades (item 3), a avaliação média é muito positiva. No quarto dia, dedicado

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 às Vidas Ubuntu (resignificação da história de vida, nomeadamente com recurso à técnica do storytelling), os alunos consideraram que se sentiram “mais Ubuntu” ao receberem a T-shirt Ubuntu e que ganharam muito com esta sessão (9.92, respetivamente itens 5 e 6).

Tabela 5. Resultados relativos à avaliação diária da Semana Ubuntu

Discussão

Os resultados deste estudo evidenciam a enorme satisfação dos alunos com a experiência que a Semana Ubuntu lhes proporcionou, quer diariamente, quer na avaliação final, no último dia de formação. Numa escala de 10 pontos, o resultado médio da avaliação global da semana foi de 9.50 (não havendo nenhuma avaliação inferior a sete) e a perceção da utilidade da formação para a vida pessoal foi de 9.56, com valores variando entre oito e 10. Este último resultado é particularmente interessante porque explicita claramente a valoração que os participantes fizeram da formação, em linha com o significado que a mesma procura ter na clarificação do propósito de vida e no aprofundar dos pilares Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço.

Na avaliação diária, as pontuações médias obtidas são igualmente muito elevadas, sendo o primeiro dia aquele que obtém valores mais baixos. Não se estranha tal resultado uma vez que a maioria dos alunos está ainda muito expectante (a generalidade desconhece a filosofia Ubuntu, como é visível no Questionário de Avaliação do Impacto ALU; vidé supra, Figura 1), alguns estão inicialmente pouco recetivos à formação, e o dia, embora tendo algumas dinâmicas, é mais carregado de conteúdos e muito centrado na figura e contributos de Nelson Mandela. À exceção deste, o terceiro dia foi aquele que apresentou genericamente valores médios menos elevados. É importante sublinhar que é um dia dedicado à reflexão sobre superação de desafios e obstáculos pessoais, bem como à identificação de aprendizagens daí decorrentes; é um dia emocionalmente bastante intenso, até pelos suportes visuais apresentados, bem como pelas tarefas solicitadas, nomeadamente a relativa à escrita da “carta de Mendez para mim”, em que é solicitado que cada participante, colocando-se no papel do personagem Mendez, do filme “O Circo das Borboletas”,

pense no que é que “Tendo em conta os meus desafios, ele me diria? O que vê em mim? Como é que o seu olhar é diferente do meu?”. Para além deste exercício de descentração, a dificuldade maior está, ou pode estar, na solicitação de que este seja um olhar diferente, mais desafiador da visão habitual que a pessoa tem de si própria, nomeadamente das suas dificuldades e limitações, uma vez que Mendez se foca no positivo e leva as pessoas a desafiarem-se nos obstáculos que enfrentam. Apesar de ser referido que ninguém lerá a carta a não ser o próprio, o simples facto de ter que escrevê-la e de se confrontar com esse exercício de autoconhecimento e de reenquadramento é, por vezes, muito stressante. O dia em que a pontuação média diária é mais elevada, e mais homogénea, é o 4º dia – Vidas Ubuntu – em que, a partir da visualização de um filme passado em contexto escolar “Páginas de Liberdade”, se promove o autoconhecimento através de exercícios de reflexão e de personal storytelling. Este é um dia efetivamente impactante, à semelhança do anterior, mas em que a transformação dos alunos (personagens do filme) e a dimensão de (re) narração de partes da história de vida, quer dos personagens do filme quer dos participantes, associada à entrega das T-shirt Ubuntu e ao simbolismo das mesmas enquanto elemento de filiação ao projeto Ubuntu, assume um colorido muito mais positivo e mobilizador. O 4º dia prepara, assim, os participantes para uma reflexão mais madura sobre as pontes que cada um quer e pode construir, bem como para a explicitação dos objetivos e sonhos pessoais que quer implementar e que constitui o trabalho do último dia de formação.

A perceção de mudança positiva ao nível do autoconhecimento, da autoconfiança, da resiliência, da empatia e do serviço, todos pilares Ubuntu, é muito expressiva nos resultados do Questionário de Avaliação do Impacto ALU. Esta avaliação foi feita no último dia, solicitando-se a cada participante que, para cada item, se avaliasse reportando-se à “chegada” à formação e no “final” da mesma. A di-

ferença de pontuação no item “Conheço a filosofia Ubuntu” é, como seria de esperar, muito grande entre o momento “chegada” e o momento “final” da formação, uma vez que a ALU, a sua filosofia, e o próprio conceito Ubuntu são ainda relativamente desconhecidos. De todos os outros resultados, importa sublinhar a perceção dos participantes de que, no fim da semana, se conhecem muito melhor, têm mais autoconfiança e resiliência e de que olham para o futuro com muito mais esperança. Estes são elementos fundamentais na vida de todo o ser humano, mas adquirem ainda um valor mais importante quando os participantes são adolescentes, confrontados com o seu próprio processo de crescimento e construção identitária, e com dúvidas relativamente ao significado e importância das aprendizagens formais que a escola lhes proporciona.

Ao nível do estudo das competências socioemocionais, os alunos do GE percecionam-se como mais assertivos (com maior gosto ou capacidade de liderança), mais autocontrolados, mais empáticos, mais sociáveis e mais tolerantes após a Semana Ubuntu. É na assertividade/liderança e tolerância que as diferenças são mais expressivas, quando se comparam os resultados do pré e do pós-teste no GE mas também quando se comparam os dados do GE com os do GC, com alunos e educadores de turma a pontuarem significativamente mais alto no pós-teste do GE em ambas as dimensões. Estas são duas dimensões relevantes da formação e do propósito do projeto Escolas Ubuntu que visa “desenvolver e promover competências pessoais, sociais e cívicas dos participantes, contribuindo para a sua transformação em agentes de mudança ao serviço da comunidade” (ALU, 2023), fortalecendo uma cultura de participação cívica respeitadora da sua própria pessoa, dos outros e do mundo.

Também os educadores percecionam diferenças ao nível das competências socioemocionais dos seus alunos, após a Semana Ubuntu,

com resultados médios mais elevados na assertividade, empatia, otimismo, sociabilidade e tolerância, parecendo que, aos seus olhos, o impacto da Semana Ubuntu é ainda maior. Este impacto é também confirmado quando se comparam os resultados médios dos educadores para os participantes dos GE e GC, no pós-teste, uma vez que continuam a percecionar os alunos do GE como tendo resultados médios significativamente mais elevados, nestas mesmas dimensões, comparativamente aos alunos do GC. De uma forma geral, os educadores (diretores de turma) que preencheram o OECD Survey on Social and Emotional Skills não integraram o grupo de educadores que realizaram a Semana Ubuntu, não tendo, portanto, acompanhado o trabalho nem a evolução do comportamento dos alunos no espaço (emocional) da formação. Nesse sentido, é ainda mais interessante a sua perceção de que o comportamento dos alunos melhorou nas dimensões referidas, uma vez que essa avaliação foi feita quinze dias após a formação e construída a partir da observação do comportamento dos alunos em sala de aula, eventualmente em espaço de corredor/recreio e/ou a partir dos relatos de outros professores da turma.

Os resultados para a dimensão da resiliência, avaliada pelo OECD Survey on Social and Emotional Skills, não deixam de ser, num primeiro momento, algo surpreendentes, embora seja importante analisá-los com detalhe. No caso dos alunos, a média dos resultados é praticamente igual, no pré e no pós-teste. Pelo contrário, os educadores percecionam, em média, o GE como menos resiliente/resistente ao stresse após a Semana Ubuntu, sendo essa diferença altamente significativa. Analisando os itens que compõem esta dimensão, verifica-se que eles parecem medir mais a preocupação dos alunos do que a sua resiliência (na versão dos educadores, os itens usados na dimensão SRT são “Preocupa-se com muitas coisas”, “Sente-se nervoso/a muitas vezes”, “Preocupa-se muitas vezes com algumas coisas”).

Por outro lado, a análise da confiabilidade evidenciou um valor alfa de Cronbach pouco satisfatório para a dimensão SRT na versão educadores (0.66) o que indica que este resultado deve ser lido com alguma reserva. Finalmente, não pode deixar de salientar-se que a resiliência é um construto difícil de avaliar, nomeadamente em questionários de autorresposta, menos sensíveis à apreensão de processos em curso.

Relativamente às diferenças entre raparigas e rapazes, encontram-se diferenças quer antes quer após a Semana Ubuntu, embora os resultados médios sejam mais elevados no pós-teste: as raparigas percecionam-se sempre como mais autocontroladas, empáticas e tolerantes, quando comparadas com os rapazes; os rapazes percecionam-se como mais otimistas e mais resilientes/resistentes ao stresse do que as raparigas.

O ganho em competências socioemocionais, percebido por alunos e educadores, parece confirmar-se no aumento, expressivo, de relações de confiança na turma, mais transversais e menos mediadas apenas por alguns alunos após a Semana Ubuntu. Em ambas as escolas (A e B) em que foi possível avaliar a Rede Social na Turma, as relações de confiança aumentaram, no GE em cerca de dez pontos percentuais, entre o pré e o pós-teste, e alguns elementos que não identificavam relações de confiança, ou que o faziam em número muito reduzido antes da Semana Ubuntu, passaram a identificá-las para um número já elevado de colegas, depois da formação. Estes dados parecem bastante promissores para a coesão grupal, tão necessária ao sentimento de comunidade educativa e ao desenvolvimento da ética do cuidado e da construção de pontes, ainda que, pela reduzida dimensão da amostra, não seja possível generalizá-los. A semana Ubuntu trabalha bastante a tolerância, a empatia, a importância do autoconhecimento e do conhecimento do outro, bem como a liderança servidora. Os resultados parecem confirmar

que esses objetivos foram alcançados, não podendo deixar de articular-se os dados relativos às redes de confiança com os resultados obtidos no OECD Survey on Social and Emotional Skills: tanto na visão dos alunos quanto na dos educadores, os resultados são significativamente mais elevados nas dimensões “Tolerância”, “Sociabilidade” e “Empatia”.

Ao nível das relações de conflito, os resultados, no GE, são, numa primeira análise, menos claros: se na escola A se regista um decréscimo de sete pontos percentuais, entre o pré e o pós-teste, acompanhado da anulação do elemento que tinha o papel de intermediador do conflito, na escola B regista-se um movimento inverso, com o aumento da percentagem de relações de conflito e com a assunção, por parte de um aluno, da centralidade de tais relações. Como foi referido na apresentação dos resultados, o dia em que foi feita esta avaliação (no pós-teste) coincidiu com a finalização da relação de namoro em que este aluno estava envolvido e com uma subsequente tensão vivida na turma, razão pela qual se considera que este resultado não expressa, com clareza, o possível registo de conflitos pós Semana Ubuntu. Teria sido interessante poder analisar a rede de relações de conflito nesta turma antes deste incidente crítico, ou depois de o mesmo estar já diluído.

Os resultados apontam, de forma consistente, para a evidência de como a participação na Semana Ubuntu contribuiu para a perceção, por parte de alunos e educadores, de transformações relacionais nos jovens. Destacam-se: a maior atenção dos participantes a si próprios e ao outro (ética do cuidado), a existência de olhares mais positivos, tolerantes e (auto)confiantes (elementos importantes na construção de pontes, na consolidação da própria comunidade educativa e no desenvolvimento do serviço), um maior autoconhecimento, assertividade e otimistmo/esperança (importantes no desenvolvimento da

resiliência) e a perceção de maior autocontrolo. Os dados quantitativos relativos à satisfação com a formação confirmam a valorização muito positiva que os participantes fazem da experiência e que se traduz na afirmação, durante a semana e já depois da mesma concluída, de que foi uma experiência “espetacular e inesquecível”, que “valia a pena repetir”. A impossibilidade de ter realizado um estudo de follow-up não permite, contudo, compreender em que medida é que estes resultados se mantêm, ou não, no tempo, constituindo-se essa como uma ambição para estudos futuros.

Limitações e estudos futuros

Sendo este o primeiro estudo de avaliação quantitativa dos resultados da Semana Ubuntu em escolas de 3º ciclo e secundário, constitui-se como um contributo importante para o processo de avaliação do método Ubuntu. É, no entanto, necessário explicitar as suas limitações e elencar possíveis desenvolvimentos.

Uma primeira limitação decorre do tamanho da amostra, em particular do facto de a mesma representar cerca de 60% dos alunos que participaram na formação. As Semanas Ubuntu decorreram em período de pandemia, em que as escolas estavam obrigadas a implementar várias medidas de contingência e em que, face à existência de um diagnóstico de Covid-19, na turma ou no núcleo familiar, o aluno não podia regressar à escola antes de decorridos 10 dias. Tal facto tornou muito difícil a aplicação do protocolo de investigação a todos os alunos, tendo-se perdido a possibilidade de obter as respostas, seja no pré seja no pós-teste dos alunos que estavam a faltar e que não foi possível contactar via plataforma informática. Mesmo considerando que a razão da mortalidade da amostra foi esta, o facto de cerca de 40% dos alunos recrutados não ter respondido pode implicar algum enviesamento dos resultados pelo que im-

porta dar continuidade à investigação em próximas concretizações do projeto Escolas Ubuntu.

Uma segunda limitação prende-se com o facto de a constituição do GE e do GC não ter sido aleatória. São muitos os constrangimentos para uma verdadeira aleatorização das amostras em contexto escolar. E, no período considerado, as dificuldades foram ainda maiores. Mas o estudo dos resultados do método Ubuntu sairia reforçado se esta condição pudesse ser garantida em futuros estudos.

Uma terceira limitação prende-se com a análise da rede social da turma. A amostra, neste caso, é ainda mais pequena, circunscrevendo-se a duas turmas do GE e outras duas do GC, de duas escolas. Como foi referido, o estudo das redes de confiança e de conflito implica que o grupo em análise seja fechado e conhecido: por isso foram selecionadas as turmas que, de forma integral, realizaram a Semana Ubuntu. No entanto, na maior parte dos casos, as semanas Ubuntu integram alunos provenientes de diversas turmas, o que torna impossível a aplicação do instrumento usado. O facto de os dados obtidos não serem completamente lineares, em particular no que diz respeito às redes de conflito, aliado à riqueza da informação que este estudo parece trazer, quer ao nível da densidade da rede quer da centralidade e/ou intermediação de alguns alunos, recomenda a continuação da exploração deste tipo de resultados, podendo os mesmos ser completados por estudos de caso.

Apesar da sua dificuldade, sobretudo quando os alunos transitam de ciclo3, seria muito interessante e importante fazer o estudo do impacto da Semana Ubuntu nos resultados escolares. Foi visível a existência de resultados significativamente mais positivos ao nível de um conjunto de competências socioemocionais bem como à afirmação de uma maior esperança no futuro e de um sentido ou propósito de vida.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Seria muito interessante poder perceber se este movimento se reflete, e como, na forma como os alunos se posicionam face ao processo formal de aprendizagem e aos resultados académicos que obtém.

Finalmente, a possibilidade de realizar estudos de follow-up, seria fundamental para avaliar a manutenção, total ou parcial, das transformações verificadas e para perceber até que ponto é que seria importante realizar novos dias ou semanas Ubuntu para os grupos envolvidos pelo projeto.

Conclusão

Num momento em que se alarga o projeto Escolas Ubuntu, é importante verificar que não só a satisfação dos alunos com a sua participação na Semana Ubuntu é muito elevada como percecionam um aumento muito expressivo nas dimensões que constituem os cinco pilares do método Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço.

Ao nível do estudo das competências socioemocionais, alunos e educadores percecionam um aumento da assertividade, empatia, sociabilidade e tolerância aos a Semana Ubuntu. Os alunos veem-se ainda como mais autocontrolados e os educadores sinalizam um aumento na dimensão otimismo. A comparação dos resultados entre o pré e o pós teste, mas também entre o GE e o CG, permitem afirmar resultados evidentes da Semana Ubuntu ao nível destas

3. Com a transição de ciclo pode não haver uma correspondência de escalas de avaliação e/ou de disciplinas, pelo que a comparação de notas pode ficar limitada ou, mesmo, impossibilitada. Quando a escala de avaliação se altera, passando de uma escala de cinco níveis (1 a 5) para uma escala de 0 a 20 valores, as comparações perdem sentido mesmo que se convertam em cinco níveis as classificações obtidas na escala de 0 a 20 valores.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

competências. Relativamente às diferenças entre raparigas e rapazes, as raparigas percecionam-se como mais autocontroladas, empáticas e tolerantes, quando comparadas com os rapazes, quer no pré quer no pós-teste, embora os resultados médios sejam mais elevados no pós-teste; os rapazes percecionam-se como mais otimistas e mais resilientes/resistentes ao stresse do que as raparigas, em ambos os momentos, mas também resultados mais elevados no pós-teste. O ganho em competências socioemocionais, percebido por alunos e educadores, parece confirmar-se no aumento, expressivo, de relações de confiança na turma, mais transversais e menos mediadas apenas por alguns alunos após a Semana Ubuntu.

Referências:

Alarcão, M., & Ramos, A. (2020). Questionários de Avaliação Diária da Semana Ubuntu – versão participantes. [documento não publicado]. IPAV.

Alarcão, M., & Ramos, A. (2022). Relatório de Avaliação do Projeto Academia de Líderes Ubuntu escolas – Academias Gulbenkian do Conhecimento. [documento não publicado]. IPAV.

Academias Gulbenkian do Conhecimento (2019). Instrumento SSES – Study on social and emotional skills. Manual de aplicação no âmbito das AGC. [documento não publicado]. Equipa de avaliação e monitorização das AGC.

ALU (2019). Manual do formador. [documento não publicado]. IPAV ALU (2023, 31 janeiro). Escolas Ubuntu. https:// academialideresubuntu.org/pt/escolas-ubuntu

Gonçalves, J. L., & Alarcão, M. (Eds.) (2020). Pilares do método Ubuntu. IPAV.

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IPAV (2023, 31 janeiro). Academia de Líderes Ubuntu. https://www.

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IPAV (2018). Questionário de Avaliação de Impacto ALU-Escolas. [documento não publicado]. IPAV.

IPAV (s/d). Questionário de Avaliação da Satisfação com a Formação ALU. [documento não publicado]. IPAV.

a estratégia institucional de uma Escola Ubuntu

On the edge of the other(s) and with the other(s): the institutional strategy of a Ubuntu School

DANIELA GONÇALVES1 e JÚLIO GONÇALVES SANTOS2

(1) Escola Superior de Educação Paula Frassinetti, Centro de Investigação de Paula Frassinetti (CIPAF), Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), Porto, Portugal https://orcid.org/0000-0003-2138-1124

(2) Escola Superior de Educação Paula Frassinetti, Centro de Investigação de Paula Frassinetti (CIPAF), Centro de Estudos Africanos (CEAUP), Porto, Portugal https://orcid.org/0000-0002-1182-5046

Resumo

A iniciativa “Futuros da Educação” lançada pela UNESCO, em setembro de 2019, baseou-se num processo mundial consultivo amplo e aberto que envolveu mais de um milhão de pessoas, com o propósito de repensar o conhecimento e a aprendizagem como oportunidade de moldar o futuro da humanidade e do planeta. Há, no entanto, uma urgência: transformar a educação, juntos.

Potencializando as aprendizagens não formais, o método Ubuntu aposta no desenvolvimento de cinco competências chave - Autoconhecimento, Autoconfiança, Resiliência, Empatia e Serviço - centrais do desenvolvimento humano: tornar-se pessoa. Neste sentido, investigar (e implementar) o método Ubuntu é uma forma de contribuir, verdadeiramente, para esta transformação que se pretende, implicando cada um de nós, numa lógica de interdependência. Neste âmbito, apresentar-se-á um estudo de caso desenvolvido num agrupamento de escolas (AE) da zona norte de Portugal que tem como grande finalidade apresentar e discutir a forma como a experiência Ubuntu faz parte da estratégia institucional, em particular, no modo como se vivencia o projeto educativo.

Os dados de investigação foram recolhidos a partir de um conjunto de focus group realizados em torno da experiência Ubuntu no AE e de um inquérito por entrevista, tendo em conta os seguintes objetivos: i) apresentar as perceções do diretor, dos educadores e dos educandos relativamente à vivência do método Ubuntu; ii) compreender de que forma o Programa Escolas Ubuntu (EU) se encontra alinhado com a política de escola; iii) verificar como é que o Programa EU está a ser implementado e qual o seu impacto, à luz das políticas escolares. A partir de uma metodologia qualitativa, os resultados de investigação foram devidamente organizados num protocolo, ao qual se aplicou a análise de conteúdo a partir da utilização do webQDA. Os principais resultados apontam para uma experiência/vivência Ubuntu já

muito enraizada na comunidade educativa e alimentada pela estratégia institucional, sendo necessário ampliar o(s) conhecimento(s) e vivência(s) resultados do EU.

Palavras-Chave: Programas de Escola Ubuntu; estratégia institucional; educação não-formal.

Abstract: The “Futures of Education” initiative launched by UNESCO in September 2019 was based on a broad and open global consultative process that involved more than one million people, with the purpose of rethinking knowledge and learning as an opportunity to shape the future. future of humanity and the planet. There is, however, an urgency: to transform education, together.

Leveraging non-formal learning, the Ubuntu method focuses on the development of five key skills - Self-Awareness, Self-Confidence, Resilience, Empathy and Service - central to human development: becoming a person. In this sense, investigating (and implementing) the Ubuntu method is a way of truly contributing to this intended transformation, involving each one of us, in a logic of interdependence.

In this context, a case study developed in a group of schools (AE) in the north of Portugal will be presented, with the main purpose of presenting and discussing how the Ubuntu experience is part of the institutional strategy, in particular, in the way how the educational project is experienced. Research data were collected from a set of focus groups carried out around the Ubuntu experience in the AE and from an interview survey, taking into account the following objectives: i) to present the perceptions of the director, educators and students regarding living the Ubuntu method; ii) understand how the Ubuntu Schools Program (EU) is aligned with school policy; iii) verify how the EU Program is being implemented and what is its impact, in light of school policies.

Based on a qualitative methodology, the research results were duly organized in a protocol, to which content analysis was applied using the webQDA. The main results point to an Ubuntu experience already deeply rooted in the educational community and fueled by the institutional strategy, making it necessary to expand the knowledge(s) and experience(s) of the EU.

Keywords: Ubuntu School Programs; institutional strategy; non-formal education.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Introdução

A origem da palavra “Ubuntu” é uma combinação de dois termos: “Ntu” que significa pessoa e “Ubu” que significa tornar-se. Esta filosofia revela uma centralidade na pessoa na sua singularidade e, concomitantemente, apresenta um percurso que cada um/a é chamado a fazer: tornar-se pessoa. O método Ubuntu torna evidente que a natureza humana tem no seu centro a relação - “ser-com-o(s)-outro(s)” -, admitindo que nos tornamos mais pessoa na relação com o(s) outro(s). Este caminho processual, profundamente relacional, que se inicia no “eu” e se completa no “nós”, inspirou os promotores da Academia de Líderes Ubuntu (https://www.academialideresubuntu.org/pt/o-ubuntu/metodo-ubuntu) a propor uma interpretação, possível de ser concretizada num método desenvolvido no estudo de caso que aqui se apresenta.

Desenvolvido em torno do método Ubuntu, o estudo que aqui se apresenta decorreu no Agrupamento de Escolas À Beira Douro (situado em Medas, Gondomar). A Oferta Educativa do Agrupamento divide-se pela Educação Pré-escolar, Ensino Básico e Ensino Secundário (Cursos Científico-Humanísticos, exceto Artes Visuais, e Cursos Profissionais).

Na educação não formal há uma aposta no Desporto Escolar e no Centro de Formação Desportiva de atividades náuticas. Situado num

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 território que, na sua globalidade, se encontra isolado dos grandes centros urbanos, isolamento que se reflete em todas as crianças/jovens, na medida em que as oportunidades educativas são mais limitadas, de um modo geral, os alunos são provenientes de famílias estruturadas e que escolhem este agrupamento, mesmo não sendo o da sua área de residência. No entanto, este AE “resulta de um percurso conjunto; as escolas envolvidas criaram um projeto pedagógico em que a reflexão e o debate estiveram sempre presentes. Esse projeto apontou essencialmente para a necessidade de conjugar esforços, impedindo, assim, o isolamento a que algumas Escolas do 1.º Ciclo e Jardins de Infância estavam votados em consequência da sua localização geográfica” (Projeto Educativo, 2021-2025, p.9).

Já no que diz respeito ao corpo docente, é constituído por cerca de 100 elementos, sendo que 85% pertence ao Quadro de Escola, mostrando-se empenhado e recetivo à participação em projetos inovadores, quer da sua iniciativa, quer propostos por entidades externas.

A relação com este agrupamento foi iniciada através da participação do diretor na Academia de Liderança Colaborativa dirigida a diretores de escolas, decorrida entre 03 de março de 2020 e 03 de julho de 2020. Na sequência desta participação, o agrupamento foi convidado a integrar o programa Academias Gulbenkian do Conhecimento.

As Academias Gulbenkian do Conhecimento surgem a partir da Fundação Calouste Gulbenkian, em maio de 2018, com o objetivo de promover competências – o pensamento crítico, a comunicação, a resiliência, o trabalho em equipa, a superação da frustração, a capacidade de resolver problemas complexos ou a adaptação à mudança - em crianças e jovens, com idades inferiores a 25 anos,

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tornando-os capazes de enfrentar o futuro. Para além disso, este agrupamento tem à sua disposição um recurso humano resultante do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE), tratando-se de uma educadora social, responsável pela dinamização do projeto, assim como pelo Clube Ubuntu.

Este estudo assume particular relevância no contexto atual da implementação do Programa Escolas Ubuntu (EU) visto que tenta uma compreensão mais profunda sobre a sua apropriação e sobre desafios e potencialidades que se colocam à implementação e adoção deste Programa neste AE. O Programa EU, de acordo com Plano 21/23 Escola + é concretizado através da Ação Específica 1.6.2 - Programa para competências sociais e emocionais. Este tem como objetivos: contribuir para o desenvolvimento de competências socio emocionais em linha com o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória (PASEO) publicado em 2017; promover o sucesso educativo e o combate ao abandono escolar e formar cidadãos ativos e de liderança servidora. Além disso, visa “proporcionar a cada agrupamento de Escolas aderente a realização da Academias de Líderes Ubuntu (ALU) tendo em vista o desenvolvimento de competências socioemocionais, como autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e sentido de serviço” e faz “parte de um conjunto de medidas que procura dar respostas à necessidade de recuperação de aprendizagens e garantir que ninguém fica para trás”. Tendo por base o conceito de Ubuntu, este programa também contribui para reforçar uma cultura de cidadania ativa ao valorizar três dimensões: “a ética do cuidado (saber cuidar de si, dos outros, da comunidade e do planeta), a liderança servidora (atenção ao serviço e ao bem comum) e a capacidade de construir pontes (atitude essencial num mundo polarizado e fraturado)”1. No seu plano de ação do AE, está sublinhada a ideia de que embora o AE:

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“não possa resolver em absoluto os problemas sociais, esta impossibilidade não impede, antes incita, que se reconheça a diversidade de alunos e que implementemos um conjunto de ofertas pedagógicas diversificadas que constituam, por um lado, formas diversas de construir o conhecimento e, por outro, concebam o conhecimento como um processo mais amplo, que não se restrinja apenas ao saber curricular, mas que se repense como forma de agir, de aprender a ser e de aprender a viver com os outros. Defende-se, pois, uma escola humanizada que reconheça a importância social fundamental das aprendizagens formais, mas que não dispense ensinar a tolerância, a solidariedade, o sentido de justiça e a crença na possibilidade de transformação dos «destinos» coletivos e individuais” (Projeto Educativo, 2021-2025, p.28).

Durante o ano letivo de 2021, foram várias as atividades Ubuntu realizadas neste AE, em particular, 4 semanas de formação Ubuntu, sendo que os participantes receberam o convite para integrar grupos que foram organizados de modo heterogéneo. Ao nível do Clube, dada a fase tardia do ano letivo em que decorreram as formações, apenas se realizaram algumas sessões. No ano letivo 2021/22, o Clube teve uma ação mais consistente e organizada, desenvolvendo um leque diversificado de atividades. De salientar, que houve lugar para a realização de duas reuniões de apresentação do projeto aos encarregados de educação (abril de 2021 e junho de 2021), contando com a presença da equipa do Instituto Padre António Vieira (IPAV) e os educadores Ubuntu do agrupamento.

Método

O presente estudo de caso insere-se numa metodologia de caráter qualitativo, pois “os investigadores que adotam uma perspetiva

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qualitativa estão mais interessados em compreender as perceções individuais do mundo (…) duvidam da existência de factos «sociais» e põem em questão a abordagem «científica» quando se trata de estudar seres humanos” (Bell, 1997, p.20). Portanto, estamos “em presença de um tipo de investigação que requer o envolvimento pessoal do investigador, interagindo com o contexto em que decorre a ação de forma a captar, do modo mais fiel possível, o desenrolar dos acontecimentos” (Morgado, 2012, p. 59).

Os dados que apresentamos e discutimos no presente artigo foram obtidos junto da comunidade educativa do AE em estudo, no ano letivo de 2021/2022, decorrente de uma investigação mais ampla que procura compreender e avaliar o impacto do Programa EU nesta realidade escolar.

A recolha de dados foi realizada com base na aplicação de 4 focus group e 1 inquérito por entrevista, bem como a análise documental. No que diz respeito ao tratamento dos dados, foi adotada a análise de conteúdo temática ou categorial, seguimo-nos pelas etapas ou operações de uma análise de conteúdo referidas por Esteves (2006), Vala (1986) e Bardin (2009. A etapa de constituição do corpus de análise foi orientada pelas questões teóricas e metodológicas, como recomendado por Vala (1986) e as regras de exaustividade, homogeneidade e pertinência (Bardin, 2009) presidiram à sua constituição. O processo de categorização foi aplicado aos dados recolhidos, permitindo a sua classificação e redução, tendo em conta a sua pertinência e com recurso ao software webQDA. Prosseguiu-se, desta forma, a uma transformação dos dados brutos que “por recorte, agregação, enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo” (Bardin, 2009, p. 103). Em termos de segmentação, ou recorte, as unidades de registo consideradas foram semanticamente delimitadas, mantendo-se a ideia expressa pelos produtores do discurso.

Participantes ou Amostra

Neste AE, o primeiro ciclo de formação de educadores contou com uma equipa de 6 elementos - 4 professores e 2 técnicos de educação: uma psicóloga escolar e uma educadora social que foi contratada no âmbito do PNPSE para implementar o projeto Ubuntu - , sendo que a seleção dos educadores decorreu por convite do diretor, tendo em conta a adequabilidade do perfil para o desempenho da função, nomeadamente ao nível da facilidade de relacionamento com os alunos, criatividade e inovação, disponibilidade de tempo, entre outros.

Em 20/21, as semanas de formação decorreram em abril (2 semanas em simultâneo) e em junho (2 semanas em simultâneo), e participaram na dinamização 6 educadores da equipa IPAV, distribuídos em duas equipas. Em 21/22, foram realizadas 2 semanas de formação - 2 a 6 de maio (nova equipa de educadores; 30 maio a 3 de junho (com 3 elementos da primeira equipa de educadores), iniciando-se um novo ciclo de formação de educadores e o agrupamento convidou mais 6 educadores – 5 docentes e uma assistente operacional - a participarem no projeto, novamente por convite do diretor.

Neste âmbito, os participantes do estudo que compreendem a amostra foram selecionados a partir do seu conhecimento do programa EU, tendo em conta os seguintes critérios: participação na formação e função de liderança- topo e/ou intermédia – no AE (diretor, coordenadores, elementos da Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI) AE e dinamizadores do Clube Ubuntu).

Os educandos participaram, voluntariamente, nas semanas de formação Ubuntu e, até ao momento, estiveram envolvidos neste processo cerca de 150 alunos do 3.º Ciclo do Ensino Básico e do Ensino Secundário, dos quais 16 foram participantes do focus group realizado

aos jovens (codificação, FGJ), organizados em dois grupos de discussão. Já no que diz respeito aos focus group realizado com educadores (codificação, FGE) – também organizados em dois grupos distintos -, foi possível contar com uma psicóloga, uma assistente operacional, uma educadora social e 8 docentes com conhecimentos aprofundados do programa EU e da dinâmica institucional. Dada a intencionalidade investigativa, foi ainda participante do estudo o diretor do AE que participou num inquérito por entrevista com um guião semiestruturado e cujos resultados foram integrados no protocolo, devidamente codificados (ED).

Instrumentos

No presente estudo de caso, o recurso à análise documental justifica-se pelos objetivos de investigação traçados, bem como pela triangulação com os dados obtidos por outros instrumentos de investigação. A referida análise foi aplicada ao sítio web do AE e ao Projeto Educativo de Escola.

Foram adotados, globalmente, grupos de discussão focalizada (focus group), porque esta ferramenta fornece uma pesquisa qualitativa subjetiva sobre as perceções, crenças ou atitudes da maioria de uma comunidade educativa, sobre o tema. Quando comparamos com outras técnicas de inquirição, os focus group visam a compreensão da problemática, permitem ter uma visão mais social do que individual, o produto é mais homogéneo e o processo é mais flexível do que padronizado, assentando nas palavras integrantes dos discursos. Foi ainda utilizado o inquérito por entrevista semiestruturada, visto que este instrumento de recolha de dados que, além de evitar uma acumulação excessiva de informação (muita dela, possivelmente, pouco relevante), permite alguma liberdade de intervenção ao entrevistado

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. 2023 (Quivy & Campenhoudt, 2003). Ainda de acordo com os mesmos autores, a entrevista semiestruturada “não é inteiramente aberta nem encaminhada por um grande número de perguntas possíveis. Geralmente, o investigador dispõe de uma série de perguntas-guias, relativamente abertas, a propósito das quais é imperativo receber uma informação da parte do entrevistado” (Quivy & Campenhoudt, 2003, p.193).

A entrevista semiestruturada oferece, assim, a possibilidade de o entrevistado se expressar com certa liberdade (neste caso aplicada ao diretor do AE), sendo que a ordem do discurso é determinada segundo a recetividade do mesmo, os pontos de referência que se predefine e os objetivos que se pretende alcançar, orientando, ainda que de forma moderada, todo o processo.

Portanto, foram utilizados 4 instrumentos de recolha de dados, a saber: a) análise documental (relativa ao sítio web do agrupamento, incluindo documentos estruturantes, em particular o Projeto Educativo de Escola); b) focus group (aplicados aos educadores e educandos); c) inquérito por entrevista (aplicada ao diretor do AE).

Procedimentos

A recolha de dados realizou-se durante os meses de abril e maio de 2022, após marcação prévia com a direção do agrupamento e aplicação do consentimento informado. Todos os dados de investigação foram organizados num protocolo, ao qual se aplicou a análise de conteúdo (Bardin, 2009) com a respetiva codificação, tendo a partir de um quadro de referentes, contemplando um conjunto de categorias e subcategorias, convergentes e emergentes. Posteriormente, no sentido de aprofundar e validar os resultados qualitativos, houve a necessidade de recorrer ao software webQDA, o que

possibilitou interligar documentos e, simultaneamente, controlar, filtrar, procurar e questionar os dados com a finalidade de responder aos objetivos de investigação.

Apresentação e discussão dos resultados Pressupondo uma análise descritiva, inferencial e documental, apresentar-se-á e discutir-se-á os resultados obtidos em torno de 7 categorias de análise, alinhadas com os guiões elaborados para o focus group, o guião do inquérito por entrevista, realçando a agência e voz dos participantes, sendo que as categorias surgem destacadas em itálico e as unidades de registo, relativas aos participantes, entre aspas e respeitando o protocolo de investigação (respetiva codificação).

No que concerne à 1.ª categoria – Motivo – destacamos a filosofia preconizada no projeto educativo do agrupamento, em particular num dos eixos - Apostar na educação não formal desenvolvendo competências socioemocionais, preparando cidadãos ativos e liderantes - muito próxima às finalidades do método Ubuntu, assim como a auscultação à comunidade da adesão ao referido projeto: “o projeto foi discutido e aceite por todas as instâncias da escola” (ED). Relativamente às Expectativas (2.ª categoria), os educadores aceitaram com agrado o convite do Diretor para realizar a formação, no âmbito do Academia de Líderes Ubuntu, apesar de considerarem o desafio exigente, sentindo “algum receio” (FGE). Apesar dos riscos – “alunos e professores envolvidos em exames nacionais” (FGE) –compreenderam que a “comunidade educativa apoiaria um projeto de educação não-formal” (FGE).

As expectativas de todos os implicados revelaram-se positivas e altas, porque “o projeto vai ao encontro de um trabalho urgente sobre

o desenvolvimento de competências emocionais” (FGE). Para além disso, os educadores sempre acreditaram no projeto, apesar de todos os receios, e a vivência do projeto em tempos de pandemia, tendo em conta o seu sentido de responsabilidade, assim como o entendimento e a defesa dos valores do projeto se apresentarem como uma força anímica para todos os envolvidos. Já os educandos revelaram que não tinham qualquer expectativa sobre o projeto, porque apenas sabiam “que tinha um nome estranho e como estariam ausentes uma semana da escola hesitaram na participação” (FGJ). O diretor destacou o seguinte: “as expectativas eram muito positivas devido ao facto da experiência vivida na formação e do alinhamento do projeto com a estratégia do agrupamento” (ED), bem como com os normativos legislativos que estão plasmados no Projeto Educativo de Escola: “salvaguarda-se ainda que a elaboração do presente projeto educativo tem em linha de conta os princípios orientadores do Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, a Estratégia de Educação para a Cidadania e os Decretos-lei n.º 54/2018 e 55/2018” (Projeto Educativo de Escola, 2021-2025, p. 5).

Relativamente à 3.ª categoria – Significados -, dando particularmente a voz/perceção dos estudantes é de salientar que: o projeto assume um “enorme significado”, pelos contatos estabelecidos e pela possibilidade de construir pontes: “o projeto tem um enorme significado, porque tiveram contactos com todas as pessoas, até de outras turmas, o que foi muito importante” (FGJ). “Foi possível estabelecer pontes que não era possível fazê-lo de forma solitária” (FGJ). Além dos pilares de “empatia” e “autoconfiança”, um dos aspetos mais salientados é o pilar do “autoconhecimento”. Na perceção dos alunos, eles entenderam a sua participação como uma forma de mudança interior. Para eles, o Ubuntu surge como “interação e autoconhecimento –é parar para pensar o que sentimos”, como forma de “sentir atitudes” de cada um: “nós não vamos lá para trabalhar e discutir uma ideia.

Nós vamos lá para nos conhecermos, para focar em certos pontos, conceitos como empatia e autoconfiança e tentar mudar e perceber e isso acaba por nos mudar a nós também (...)” (FGJ).

Já os educadores percecionam o método Ubuntu como “proximidade”, “visão/consciência das finalidades educativas atuais”, “validando a institucionalização dos valores preconizados” (FGE). Sublinham que o que mais caracteriza o projeto Ubuntu é a “empatia (...)” (FGE). Ainda a destacar quanto aos significados, a forma como o diretor analisa o seu significado para o futuro da comunidade educativa: a aceitação e concordância com o “projeto como forma de validação das políticas públicas e como garantia de qualidade para os alunos” (ED). Neste sentido, é de sublinhar a integração dos princípios/valores do Programa EU no Projeto Educativo de Escola 2021-2025, intitulado “Redefinimos horizontes, construindo pontes”, nomeadamente através do eixo – Apostar na educação não formal desenvolvendo competências socioemocionais, preparando cidadãos ativos e liderantes, em que se pretende trabalhar os 5 pilares do Método Ubuntu (IPAV, 2020).

Sobre Forças e Fraquezas (4.º categoria), e considerando o contexto socioeconómico e alguma falta de oportunidades devido a este território específico, a perceção dos educadores é que para os estudantes “algo que é diferente e novo, é bem aceite”, e que a “capacidade de resiliência demostrada” (FGE) foi fortificada pela participação no projeto. Os alunos destacam como “muito significativa” a experiência Ubuntu, porque tornou evidente que é “possível viver com os outros e bem”. Para além disso, o envolvimento dos dinamizadores da formação e as formas de aprendizagem são aspetos muitos destacados, bem como a relação de confiança com os professores e de estarem “todos no mesmo patamar” (FGJ). Nas perceções do diretor do AE, destacam-se: a escolha estratégica da primeira equipa

como condição para o sucesso do Programa; a assunção da “veia democrática” e de “promoção do essencial” e o sentido de afirmação de uma “responsabilidade coletiva” (ED).

Sobre aspetos a melhorar, podem-se destacar: a gestão burocrática, tanto da ausência de alunos e professores durante as Semanas Ubuntu, assim como o facto de os docentes terem de lidar com alguma “turbulência” na gestão dos que “tinham praticado e tinham vontade de pôr em prática e entusiasmados e os que não praticaram” (FGE). Os estudantes enfatizaram que a participação exige “maturidade para compreender a importância” do Projeto, a pouca “implicação” de alguns estudantes e que algumas atividades mais longas (como os filmes) poderiam ser revistas (FGJ). Já no discurso do diretor é possível identificar a necessidade de “tempo” e muita envolvência” para trabalhar as “lideranças intermédias” e a lógica participativa que é “fundamental” (ED). Finalmente, todos os interlocutores ouvidos, consideram fundamental a presença no AE da educadora social que trabalha a tempo inteiro no projeto, que é “alma do projeto”. A centralidade deste recurso humano, contratado ao abrigo do PNPSE, é percecionado como um “fator crítico” que influencia a mudança educativa na prática (Fullan, 1991), ao assumir um papel crucial na implementação e continuidade do EU, sendo, neste caso, que se poderão levantar interrogações sobre a sustentabilidade deste programa quando o PNPSE termine.

Relativamente ao Impacto (5.ª categoria), a análise incidiu sobre 3 subcategorias: a nível da pessoa, a nível da turma, a nível da escola e a nível da família.

De acordo com as perceções de todos os entrevistados, o projeto parece estar a ter um impacto muito significativo a vários níveis. A nível da “pessoa”, o envolvimento parece associado a uma perspetiva

de “mudança” nos educadores e alunos: na forma de “ver o mundo e até viver com os outros” (FGE), na ideia de que quem conhece a filosofia Ubuntu “não pode deixar de ficar diferente” (ED). É de ressaltar ainda a perspetiva de aprendizagem “para a vida”, assim como a consciência de uma pedagogia da “atenção” (evocando Veil): “os professores estão mais atentos” (FGE); “é impossível estar só sem ninguém notar” (FGJ). Veil (2004, p.120) escreveu: o “ensino deverá ter apenas como objetivo preparar a possibilidade de um acto semelhante pelo exercício da atenção. Todas as outras vantagens da instrução não têm interesse”. Além disso, parece evidente que o projeto reforça a autoconfiança dos estudantes que nele participaram, sendo percebido como “um boost, um impulso”, um facilitador, por exemplo, “no caso das apresentações orais, como nos testes” (FGJ).

Os educadores sublinham esta dimensão da desinibição dos alunos para “falarem de assuntos mais complexos” (FGE).

Em relação ao impacto na turma, o que é sublinhado, no caso dos alunos, é a capacidade de um outro entendimento da “perspetiva dos professores” e de “acalmar” os colegas para que percebam melhor essa perspetiva (FGJ). Também é relevante que tenham “replicado” (FGJ), a convite dos professores, algumas das dinâmicas de educação não formal experienciadas na Semana Ubuntu. Já no caso dos educadores, a mudança é significativa, no que diz respeito ao cuidado humano e pedagógico: “os docentes estão mais atentos a cada um dos alunos” (FGE).

O impacto na escola/comunidade educativa também parece ser muito positivo: educadores realçam o “clima tranquilo e de grande cuidado” que o Projeto ainda tornou “mais intenso” (FGE). Os alunos salientam que a escola é “mais dinâmica e interessante” (FGJ).

A este ambiente de intensidade no que tange à ética do cuidado, não é alheia, nas palavras do diretor, a “fase de compromisso sério”

com o projeto a que a escola chegou, aliada ao facto de poder haver um “acompanhamento personalizado” (ED) que, no caso do ensino secundário, se deve ao reduzido número de alunos.

Curiosamente, no Projeto Educativo de Escola do AE, o conceito de Inovação (6.ª categoria) surge apenas associado a “constrangimentos técnicos/digitais” (p.30). Não obstante, de acordo com os educadores “o projeto é inovador e diferenciador pelas dinâmicas não formais” (FGE) e “obriga-nos a “sair da gaiola” (FGE). A palavra “diferenciação” também é usada explicitamente pelo diretor quando se congratula com a presença e interesse dos pais e encarregados (aquando da realização do focus group), caraterizando, assim, a sua forma de participação. Para além disso, “o facto de a formação implicar a participação de docentes, outros profissionais e alunos torna possível um sentir em conjunto que é inovador” (FGE). Já os educandos, consideram que “este projeto é inovador, porque levamos a experiência para a vida” (FGJ). “Sabemos muito mais de nós e isto é inovar” (FGJ).

Na 7.ª categoria de Aceitação/Utilidade do Programa, de acordo com os entrevistados, parece haver unanimidade sobre a sua relevância e aceitação “por toda a comunidade educativa”, sendo crucial, nas perceções dos educadores, o papel dos diretores de turma no envolvimento do projeto. O diretor enfatiza o alinhamento “no essencial relativamente aos valores” (ED) que o Programa está a instituir. No mesmo tom, os educandos assumem: “o projeto é fundamental para a nossa vida, porque temos mais certezas das pessoas que somos e o que desejamos ser” (FGJ).

É de relevar ainda o conteúdo da tabela 1 - conceitos mais frequentes no corpus de dados -, tendo em conta a análise resultante do webQDA, em particular, no questionamento - palavras mais frequentes.

Tabela 1.

Conceitos mais frequentes no corpus de dados

Conceito(s)

1. significativo

2. desafio

3. compromisso

4. envolvimento

5. empatia

Nota. q=quantidade de vezes que surge no protocolo de investigação

O envolvimento, os laços relacionais alicerçados na empatia, o compromisso e o significado do Programa EU apresentam-se como as grandes forças do Programa EU que superam os constrangimentos, encarando-os como um desafio. Isto parece reforçar a ideia de que se está contruindo um caminho para um aprofundamento de uma “cultura de participação” enraizada na política da escola e para a qual o EU também está a dar contributos significativos.

Em síntese, os resultados de investigação evidenciam que o Programa EU e o Projeto Educativo de Escola estão alinhados e, particularmente, o AE releva a dimensão de educação não formal, a partir dos princípios que resultam também deste alinhamento. Para além disso, é sintomático o grau e interesse na adoção e institucionalização da filosofia Ubuntu na comunidade educativa no seu todo, que ultrapasssa a mera implementação técnica do Programa. Aliás, no sítio web (https://abeiradouro.net) é possível contabilizar mais de 3 notícias em destaque e devidamente atualizadas, relativamente ao Programa EU. Cerca de 16 educadores (num total de cem) e 150 estudantes (21% do total dos estudantes 2.º e 3.º ciclos e secundário) têm estado envolvidos em atividades do Programa EU, sendo necessário o seu

alargamento a toda a comunidade educativa, como é o desejo dos educadores e educandos entrevistados, bem como do diretor do AE.

Os resultados da investigação colocam em relevo as perceções dos vários intervenientes do EU, analisa o alinhamento do Programa com a política de escola e investiga o estado de implementação e apropriação contextualizada desta proposta inovadora, no contexto dos processos de autonomia escolar e de mudança educativa planeada. Neste contexto, a inovação é entendida como um processo, enquadrando-se na justa medida no conceito de inovação pedagógica - “como um meio, cuja finalidade é a de melhoria, não como um fim, sendo um processo estruturado e intencional […] de (re) criar e/ou (re)orientar, de forma coletiva e sistemática, uma finalidade” (Marques & Gonçalves, 2021, p.41) - fomentando práticas profissionais inovadoras que favorecem o desenvolvimento de atitudes, capacidades e conhecimentos, preconizados no PASEO.

Considerações finais

Os resultados do estudo de caso tornam evidente a) a forte adesão ao Programa EU por toda a comunidade educativa, assim como o seu contributo para uma participação mais genuína e efetiva; b) os impactos, tanto a nível da pessoa, como a nível da turma e escola/comunidade educativa; c) a influência do EU e o seu alinhamento com o Projeto Educativo de Escola no que diz respeito ao incremento, institucionalização e práticas dos valores Ubuntu; d) a dimensão de transversalidade e horizontalidade do Programa no qual “todos estão no mesmo patamar” no que tange à vivência e aprendizagem dos valores e princípios do método Ubuntu; e) o potencial das dinâmicas e abertura do Clube Ubuntu para todos e com todos, visto que é uma estratégia de continuidade e institucionalização do Programa. Aliás a este propósito, a presença e assunção de Símbolos também é funda-

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mental no Programa Escolas Ubuntu. Na ALU o “sistema simbólico”, desenvolvido ao longo de anos, tem como função afirmar a identidade, cultivar o sentido de pertença e de inspiração (ALU, 2022). A partir das perceções dos estudantes, aprendemos que vestir a camisola Ubuntu significa: “esperança”, um “momento marcante para toda a vida” e “uma enorme responsabilidade” (FGJ). Na voz de uma das educandas:

“eu acho que isso foi o resultado de toda a experiência que nós vivemos (...) uma marca de toda a experiência que vivemos (...) não é só uma camisola, acabou por se tornar o símbolo, como se fosse um amuleto. Sempre que nós fazemos atividades, nós trazemos a camisola e quando preparamos a mochila, parece que vamos fazer o bem (...) nós sabemos que quando estamos naquilo nós sabemos que somos melhores, que estamos a praticar o bem (FGJ).”

Dada a importância estratégica para o enraizamento e afirmação do EU, interessou-nos, também, compreender a natureza e funcionamento do Clube Ubuntu, o seu impacto na comunidade educativa e seu potencial de institucionalização da filosofia Ubuntu no AE. Nas perceções dos estudantes, a função do Clube é “replicar o poder da Semana Ubuntu”, ao alargar as atividades Ubuntu para os mais pequeninos já “irem crescendo com este lema: eu sou porque tu és” (FGJ). Isto parece ecoar as palavras do diretor: “é preciso ter coragem para pertencer ao Clube Ubuntu”! De acordo com os educadores, o Clube é o “essencial do projeto”, porque “os alunos estão sempre muito envolvidos e conseguem envolver os outros em diversas ações” (FGE), “(...) seguindo as orientações do IPAV” (FGE). Aliás, “a sala e as áreas da mesma são reveladoras da dinâmica do projeto” (FGE). Além disso, salienta-se ainda a flexibilidade e o carácter voluntário do envolvimento no Clube: “não há aqui obrigações, há vivências responsáveis” (ED); “temos sempre tempo para o clube, porque é o nosso compromisso e não é obrigatório” (FGJ). “Já não pensamos na escola sem o clube” (FGJ).

Os objetivos deste estudo incidiram sobre as perceções dos atores da comunidade educativa sobre a vivência do EU, sobre o alinhamento e influência do Programa na conceção da política de escola (em especial do Projeto Educativo de Escola) e sobre a forma como o Programa EU a está a ser implementado e que impactos está a gerar na comunidade educativa. Como foi afirmado mais acima, tentamos uma compreensão mais profunda sobre a apropriação e sobre desafios e potencialidades que se colocam à implementação e adoção deste Programa neste AE. Verificamos, recorrendo e ampliando as vozes dos intervenientes diretamente implicados, que estamos perante um processo de mudança educativa planeada, onde é possível identificar três fatores interativos (Fullan, 1991) que afetam a implementação efetiva deste programa: as caraterísticas desta inovação, as caraterísticas locais do contexto do AE e os fatores externos que também relevamos. Assim, partilhamos o essencial de reflexões finais, enquanto desafio(s) e possibilidade(s) para o presente futuro, e que se prendem essencialmente com a qualidade e necessidade de continuidade deste tipo de transformações/inovações:

i. perspetivar o alargamento, de forma gradual, do Programa EU a toda a comunidade educativa, em particular, nas outras escolas do AE, no sentido daquilo que Fullan e Hargreaves (1992) intitulam de “escola total”, sabendo que é necessário tempo para absorção das transformações e contributos do programa para o bem-estar da comunidade educativa;

ii. aprofundar a experiência e o conceito de participação, que contemple a dimensão das lideranças intermédias, caminhando para uma “cultura de participação” transversal à comunidade, a partir dos valores, príncipios e práticas que o Programa EU advoga;

iii. refletir sobre a continuidade, sustentabilidade e institucionalização do Programa, tendo em conta o quadro institucional no qual

o Programa surgiu e o investimento num RH humano qualificado e a tempo inteiro;

iv. dada a qualidade e pertinência deste Programa para a aprendizagem de competências socio emocionais, torna-se crucial visibilizar a ligação à atual Agenda 2030 e, mais especificamente, ao ODS 4, Meta 4.73. Como bem nos alertam Smart et al (2019), os estudantes devem apropriar-se dos temas e valores da Meta 4.7. – coesão social, paz, desenvolvimento sustentável e valores como inclusão social, bem estar pessoal e sentido de agência e cidadania responsável – sendo-lhes dadas a oportunidade de desenvolver esses temas e valores associados, incluindo empatia, o sentido de justiça, igualdade de género, respeito e colaboração.

A instituição escola deve oferecer uma educação relevante e de qualidade para todos/as e cada um/a, o que implica uma educação transformadora, promotora de iniciativas/ações/projetos/programas que não deixem ninguém para trás e que deem resposta aos desafios globais que se nos impõem (Day & Gu, 2015). Isto passa por dar particular atenção à incorporação – em currículos e programas (também de educação não-formal) – dos conhecimentos e competências necessárias, como a dimensão social, emocional e relacional. À beira do(s) outro(s) e com o(s) outro(s) é, sem dúvida, a estratégia institucional do AE À Beira Douro que fortalece os (entre)laços com uma verdadeira Escola Ubuntu.

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Resumo

O presente artigo dá a conhecer um estudo de caso desenvolvido em torno da implementação da Semana Ubuntu numa Escola de Segunda Oportunidade do norte de Portugal. A pertinência do caso estudado prende-se com o facto de nos permitir refletir sobre os efeitos de uma formação que se propõe desenvolver competências socio-emocionais numa escola que oferece uma resposta inovadora de transição entre o abandono escolar e a formação e/ou emprego. O estudo surge no âmbito do Projeto Academia de Líderes Ubuntu – Academia Gulbenkian do Conhecimento e procura avaliar, na ótica de vários atores institucionais e dos próprios participantes, os efeitos da Semana Ubuntu junto de um grupo de 19 jovens, com idades compreendidas entre os 17 e os 23 anos, residentes em Matosinhos e outros concelhos do Grande Porto. Tratando-se de jovens sinalizados por entidades competentes na área da infância e da juventude como se encontrando em risco de exclusão social, e cujas trajetórias escolares são marcadas pelo insucesso, absentismo e abandono, o estudo procurou averiguar, através da metodologia de grupos focais, em que medida a experiência Ubuntu poderá potenciar processos de ressocialização neste tipo de população juvenil. Corroborando a hipótese de que o ser humano se constrói e reconstrói no seio de uma pluralidade de redes de interação, os resultados do estudo revelam que, de acordo com os diferentes participantes, a Semana Ubuntu, pela sua intensidade, pelo ambiente de forte identificação afetiva que gera, e pela língua e sentir comum que faz emergir entre os seus protagonistas parece contribuir para a ressocialização destes jovens, designadamente ao nível da transformação do seu olhar, sentir e agir sobre Si, sobre o Outro e o Mundo. Todos os atores entrevistados reconhecem que o programa Ubuntu tem o potencial de atenuar alguns dos mais comuns fatores de desmotivação e insucesso escolar. De referir, no entanto, a necessidade - destaca-

da por vários participantes – de se alargar a intervenção a toda a comunidade educativa, e de se assegurar continuidade e consistência ao trabalho iniciado na Semana Ubuntu.

Palavras-Chave: Escola Segunda Oportunidade, Ressocialização, Jovens, Risco Psicossocial.

Abstract: This article presents a case study regarding the implementation of Ubuntu Week in a Second Chance School, in the north of Portugal. The relevance of the case studied is the fact that it allows us to reflect on the effects of a program that aims to develop socio-emotional skills in a school that offers an innovative transition response between school leaving and training and/or employment.

The study is part of the Ubuntu Leaders Academy – Gulbenkian Knowledge Academy Project and tries to evaluate, according to the perspective of several institutional actors and of the participants, the effects of the Ubuntu Week on a group of 19 youngsters, aged between 17 and 23 years old, residing in Matosinhos and other municipalities in Greater Porto. As these are youngsters flagged by competent entities in the field of childhood and youth as being at risk of social exclusion, with school trajectories characterized by failure, absenteeism and abandonment, the study sought to find out, using the methodology of focus groups, to what extent the Ubuntu experience can enhance the resocialization process in this type of youth population. Corroborating the hypothesis that human beings build and rebuild themselves within a plurality of relational networks, the results of the study reveal that, according to the different participants’ view, Ubuntu Week - due to its intensity, the environment of strong affective identification it generates, and through the common language and feelings of belonging that emerges among its protagonists - seems to contribute to the resocialization of these young people, namely in terms of transforming the way they look, feel and act about themselves, the Other and the World. All actors interviewed recognize that the Ubuntu

program has the potential to mitigate some of the most common factors of demotivation and school failure. It should be noted, however, the need – highlighted by several participants – to extend this intervention to the entire educational community, and to ensure continuity and consistency in the work started by the Ubuntu Week.

Keywords: Second Chance School, Resocialization, Youngsters, Psychosocial Risk

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Introdução

A reflexão teórica sobre as possibilidades de reelaborar a identidade ao longo da vida, que o mesmo é dizer, sobre as possibilidades de não se ficar aprisionado nas estruturas incorporadas na infância, como se estas, uma vez adquiridas, definissem o futuro social de cada um, encontra em Berguer e Luckmann (1996) um contributo relevante que nos parece interessante sistematizar.

De acordo com a reflexão apresentada por estes dois sociólogos, incontornáveis na teorização deste assunto, a possibilidade de alterar os esquemas de perceção e avaliação da realidade pressupõe, antes de tudo, uma rutura com as aprendizagens realizadas na primeira infância. A demolição das aprendizagens incorporadas na primeira socialização envolve, de acordo com o seu pensamento, ruturas profundas com as disposições subjetivas em que se funda a identidade, semelhantes a reais “choques biográficos”.

Se é certo que este doloroso processo de “desidentificação” da realidade interiorizada na socialização primária é essencial para desinstalar o habitus1 do indivíduo, resta saber que condições devem ser

2. Pierre Bourdieu (1980) define “habitus” como uma gramática geradora de práticas que é inculcada aos indivíduos no decorrer do seu processo socializador.

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reunidas para garantir uma reconstrução bem sucedida da realidade subjetiva ou, noutros termos, para garantir a sua ressocialização.

Tendo em conta que o pensamento se constrói na e pela interação com os outros, podemos dizer que uma das condições necessárias à reconstrução das estruturas de pensamento é dar a possibilidade aos indivíduos de se relacionarem intensamente com um grupo que apresente uma matriz social alternativa à “velha” realidade. A transformação das formas de olhar, sentir e agir sobre o mundo está, pois, fortemente dependente de uma dinâmica interativa com um grupo capaz de proporcionar uma referência forte em matéria de valores, normas, atitudes, linguagem, objetivos de vida…

Esta é, pois, uma primeira condição para garantir a ressocialização apresentada pelos autores de que partimos: a interação contínua e permanente entre o indivíduo e uma “estrutura de plausibilidade”, ou seja, um modelo social alternativo ao que esteve presente na sua infância e que torne plausível as novas aquisições.

Para que a nova realidade subjetiva, tão distante da realidade de “base” dos sujeitos, seja efetivamente incorporada não basta dispor de uma estrutura social mediadora dos dois mundos conflituais em termos de valores, atitudes e padrões de conduta. É necessário que ocorra, também, uma forte identificação afetiva com os novos guias da realidade social. O desafio é, pois, dizem esses mesmos autores, o de construir relações afetivas intensas com características muito próximas das que devem estar presentes na socialização primária. Sem se proporcionar contextos de forte identificação afetiva com os agentes ressocializadores torna-se difícil a tarefa de substituir as novas crenças e disposições em que se funda a identidade.

Na medida em que confere um grau de inevitabilidade subjetiva

ao conteúdo das novas aprendizagens, o que retira toda a dúvida a respeito do seu valor e legitimidade, a identificação afetiva a novos outros significativos constitui, assim, uma segunda condição fulcral de qualquer processo de transformação do sistema de valores, atitudes e comportamentos. Na sua ausência, as condutas dos novos mediadores da realidade dificilmente poderiam ser interiorizadas e tornadas num “guia de ação” comportamental.

A elevada carga afetiva que deve estar associada a um trabalho com este objetivo é tanto mais exigente quanto considerarmos os profundos constrangimentos e frustrações que acompanham todo e qualquer processo de aprendizagem do ser humano, muito particularmente o de reconstrução da identidade social. Sem este requisito (que integra atitudes de calor, atenção, afeição, interesse e respeito), como poderia o indivíduo comprometer-se com a nova realidade, “entregar-se” a um mundo tão diferente do vivido e experimentado durante a infância, afeiçoar-se aos novos valores morais e regras sociais?” (Marques, 2012, p.42)

“A importância de se proporcionarem experiências emocionais profundas, que garantam a identificação afetiva com os novos outros significativos, torna-se ainda mais evidente se tivermos em conta que, na maior parte das vezes, não é possível ao indivíduo separar-se fisicamente do “velho” mundo, isto é, deixar de relacionar-se com os outros significativos da sua infância.” (Marques, 2012, p.42). A realidade subjetiva que se pretende transformar continua, na maior parte dos processos de ressocialização, a ser confirmada quotidianamente na interação do indivíduo com os “habitantes” das suas casas e do seu meio envolvente.

Modificar as estruturas de pensamento exige, de forma adicional, um árduo e aprofundado trabalho de reorganização do “aparelho

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 de conversação” que regula a interação dos indivíduos com o grupo social legitimador da nova realidade, isto é, uma modificação da linguagem que é utilizada na vida quotidiana, em matéria de valores, atitudes, normas, comportamentos, objetivos de vida, etc.

A concretização desta meta pressupõe, ainda, que os “novos” outros significativos falem todos a mesma “língua”. Os autores em causa alertam para que não haja discrepâncias na definição da realidade no seio da nova “família” que a transmite, sob pena de a mesma não ser tida como digna de confiança e, portanto, não ser incorporada na consciência dos indivíduos.

Por outro lado, as conversas com os mediadores da nova realidade permitem informar os indivíduos sobre o modo como os agentes ressocializadores os percecionam, matéria-prima essencial para poderem forjar uma outra identidade. A partir das objetivações que a nova linguagem lhes possibilita podem reconstruir o seu novo Eu, através dos novos olhares. Sustentados num novo aparelho de conversação, o processo de ressignificação das experiências passadas torna-se possível, além de lhes permitir dotar de sentido e significado as experiências subjetivas vivenciadas no interior do novo núcleo.

A introdução sumária ao pensamento de Berger e Luckmann (1966) a respeito do fenómeno de ressocialização pretende ser uma oportunidade para apresentar o modelo de análise de que partimos neste artigo para refletir sobre o objetivo que nos move: compreender os efeitos da Semana Ubuntu num grupo de alunos de uma Escola de Segunda Oportunidade2 (E2O). Estudantes que partilham trajetórias escolares marcadas pelo insucesso, absentismo e abandono, além de disposições, hábitos e motivações pouco favoráveis à aquisição de aprendizagens relevantes para uma transição qualificante para a vida adulta.

Este estudo visa, pois, contribuir para a reflexão acerca dos desafios metodológicos inerentes à metodologia Ubuntu, aplicada a um contexto escolar muito particular: uma escola que constitui uma resposta educativa ao problema persistente do abandono escolar e das baixas qualificações dos jovens, enquanto política educativa e de reinserção social. Através da oferta de uma formação alternativa, que aposta na construção de um ambiente relacional simultaneamente compreensivo e motivador da participação, a E2O distingue-se de outros contextos escolares, desde logo por acolher no seu interior jovens, em situação de profunda vulnerabilidade, frequentemente sinalizados por estruturas com competências em matéria de proteção na infância e juventude.

A nossa reflexão será, assim, orientada para a seguinte questão de partida: em que medida a metodologia Ubuntu pode contribuir para promover processos de ressocialização de jovens cujas histórias familiares e escolares foram marcadas por experiências adversas? Partindo da hipótese de que o ser humano se constrói e reconstrói no seio de uma pluralidade de redes de interação, propomo-nos

2. As escolas de segunda oportunidade nasceram, há cerca de 23 anos, como uma medida especializada diferenciada de política europeia dirigida a jovens em abandono precoce e em risco de exclusão social. A escola em análise neste trabalho foi criada em setembro de 2008 e constitui uma resposta inovadora de transição entre o abandono escolar e a formação e/ou emprego. Reconhecida em 2009 pelo enquadramento legal da educação de segunda oportunidade, o contexto escolar em questão foi pioneiro no trabalho de inclusão social de jovens em Portugal. A institucionalização desta medida no sistema educativo português, através do Programa 2O “Segunda Oportunidade”, articula-se com outras medidas de políticas públicas, sendo parte do esforço de qualificação do país.

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entender em que medida a experiência Ubuntu3 pode dar contributos substantivos para a ressocialização de adolescentes e jovens originários de meios culturais, sociais e económicos fortemente restritivos em matéria de oportunidades.

O conceito de “experiência” é aqui entendido como uma construção teórico-operativa orientada, fundamentalmente, para enfrentar os seguintes desafios:

• o desenvolvimento de competências para olhar para si próprio e expressar o que se sente (Autoconhecimento);

• o desenvolvimento da confiança nas próprias capacidades e progressiva adesão à necessidade de ter um projeto para a vida (Autoconfiança);

• o desenvolvimento da resiliência necessária para ultrapassar obstáculos e atravessar o limiar da dor necessária à prossecução de objetivos (Resiliência);

• o desenvolvimento da capacidade de se colocar no lugar dos outros (Empatia);

• e, por fim, o desenvolvimento de competências de liderança, que lhe permitam ser um catalisador de mudanças sociais e comunitárias, mesmo em contextos adversos (Serviço).

Método

O estudo levado a cabo inscreve-se num paradigma naturalista de matriz qualitativa e numa abordagem interpretativa, adotando-se a metodologia de Estudo de Caso. O caso aqui detalhado foi desenvolvido numa instituição escolar inscrita na Rede Nacional de Iniciativas de

3. Programa de educação não formal marcado por uma dimensão experiencial e relacional “Eu sou porque tu és. Eu só posso ser pessoa através de outras pessoas” (conceito Ubuntu) (https://www.academialideresubuntu.org/pt/)

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Educação de Segunda Oportunidade (Rede E2O Portugal), situada no norte de Portugal, e que procura dar resposta a um grupo específico de jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 25 anos, sinalizados por entidades competentes na área da infância e da juventude como se encontrando em risco de exclusão social. Sendo o insucesso académico, o abandono escolar, o desemprego, as baixas qualificações e/ou uma situação laboral precária alguns dos elementos comuns à trajetória destes jovens, um dos grandes objetivos deste programa é assegurar uma resposta socioeducativa capaz de garantir a sua qualificação, bem como uma inclusão social e laboral bem sucedidas.

Neste âmbito, e sob a égide do Projeto Academia de Líderes Ubuntu – Academia Gulbenkian do Conhecimento (ALU-AGC), em abril de 2021, esta E2O acolheu a 1ª edição da Semana Ubuntu (SU). Ao longo de cinco dias, e ajustando o método Ubuntu às especificidades deste público-alvo, um grupo de professores (n=3) e de técnicos (n=5) da Educação Social, Psicologia e Serviço Social do agrupamento de escolas onde se inscreve esta E2O ficou a cargo da sua implementação junto de um grupo de 19 jovens, com idades compreendidas entre os 17 e os 23 anos. A apoiar e facilitar este processo estavam dois dos animadores da equipa da ALU/IPAV.

Participantes

O estudo contou com a participação de cinco jovens do grupo que experienciou a 1ª edição da SU naquela Escola, com idades compreendidas entre os 19 e os 22 anos. De referir que, de entre o grupo de participantes (três do sexo feminino e dois do sexo masculino), três já não eram alunos da Escola aquando da recolha de dados, tendo duas das jovens prosseguido estudos (frequentando, no momento da recolha, o 10º ano), e o terceiro jovem enveredado pelo mundo do trabalho. Participaram também no estudo dois educadores da escola (uma

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docente e uma educadora social) que dinamizaram as atividades Ubuntu; cinco educadores de várias áreas profissionais (uma técnica superior de educação, uma musicoterapeuta; uma professora e responsável pelo apoio educativo; um rececionista e segurança da escola; uma técnica responsável pela área da empregabilidade e follow up pós formação) que não integraram a SU mas que tiveram a oportunidade de interagir diariamente com todos os seus participantes. Os dois animadores da equipa da ALU que apoiaram a implementação da SU foram igualmente alvo do estudo.

De referir que as educadoras que estiveram diretamente implicadas na SU corresponderam a um dos elementos mais velhos (em termos de antiguidade) da equipa de profissionais da Escola e a outra ao seu elemento mais recente. O primeiro encontra-se vinculado à Escola desde o início do projeto, encontrando-se a segunda no seu primeiro ano de docência na instituição.

Instrumentos

A recolha das perceções dos diferentes participantes em torno da SU foi realizada a partir de um guião elaborado por vários dos elementos do Conselho Científico da ALU, recorrendo-se à metodologia de grupos focais. As principais dimensões exploradas nas entrevistas coletivas realizadas aos jovens participantes foram as seguintes: i) expectativas; ii) significado da experiência; iii) aspetos positivos; iv) aspetos a aperfeiçoar; v) impactos (para os próprios; turma e escola) e vi) projeto educativo (Clube Ubuntu). Nos grupos focais realizados junto dos animadores da ALU e dos educadores da escola (os que participaram na SU e os que não participaram) consideraram-se os seguintes eixos temáticos: i) expectativas; ii) significado; iii) aspetos positivos; iv) aspetos a considerar; v) impacto (para os próprios; turma e escola); vi) trabalho colaborativo; vii) (re)significação do papel docente;

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viii) revisão do modo de ensinar; ix) aperfeiçoamento do currículo; x) reorganização do trabalho educativo; xi) inovação; xi) aprendizagens mais significativas; xii) projeto educativo (Clube Ubuntu).

Procedimentos

A recolha de dados decorreu um ano após a implementação da SU, entre abril e junho de 2022, e consistiu na realização de quatro grupos focais, um por cada grupo de participantes: (i) os jovens que frequentaram a SU; (ii) os educadores da Escola que a implementaram; (iii) os educadores da Escola que não participaram na SU; e (iv) os animadores ALU. Cada grupo focal foi alvo de gravação áudio, depois de devidamente consentido pelos participantes, e teve a duração média de uma hora e meia.

Posteriormente, procedeu-se à transcrição integral dos dados recolhidos, os quais foram em seguida alvo de análise e interpretação a partir do modelo de análise proposto por Peter Berger e Thomas Luckmann (1966), a respeito do processo de ressocialização, tomando-se como categorias e subcategorias de análise os conceitos nucleares da grelha conceptual proposta pelos autores: (i) Estrutura de plausibilidade; (ii) Contexto de forte identificação afetiva entre os indivíduos e os agentes ressocializadores e (iii) “Aparelho de conversação” (e respetivas subcategorias: Partilha da mesma “língua”; Ação comunicacional contínua e Desenvolvimento de competências reflexivas).

Resultados

Na Tabela I dão-se a conhecer os resultados emergidos a partir do discurso dos participantes, procedendo-se à apresentação das suas respostas consoante as categorias e subcategorias que representam os conceitos chave do modelo de análise de que partimos e que foi apresentado na parte introdutória deste artigo. Por forma a permitir

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o cruzamento de olhares dos quatro subgrupos de participantes, bem como averiguar qual a ênfase dada por cada um deles (e pelo total dos participantes do estudo), a cada uma das (sub)categorias consideradas, os dados encontram-se organizados em função do perfil dos participantes (Jovens; Educadores com SU; Educadores sem SU; Animadores ALU) e tomando o número de vezes que, em cada um destes subgrupos, as (sub)categorias do modelo foram invocadas.

Tabela 1.

Categorias e subcategorias utilizadas para a análise dos dados recolhidos

Categoria

Estrutura de plausibilidade:

“Aparelho de conversação”

“Língua” Comum

Ação comunicacional 1

Promoção reflexividade

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Tal como é possível observar na Tabela I, é entre as categorias “estrutura de plausibilidade” (n=19), “forte identificação afetiva” (n=17) e na subcategoria “Melhoria das relações entre os alunos” (n=13) onde recaem o maior número de referências por parte dos participantes. Assim, os quatro subgrupos auscultados aludem com maior ênfase4 para a intensidade da semana vivida em conjunto, em particular para os jovens que nela participaram. O destaque dado a esta dimensão da SU ganha particular expressão entre os animadores ALU e os educadores da E2O que não tiveram a oportunidade de participar de forma direta na SU. Apesar de alguns destes últimos terem dado apoio logístico em alguns momentos (e.g., refeições), o seu envolvimento na SU foi muito pontual (e meramente enquanto observadores). No entanto, o facto de conhecerem bem estes alunos e os inúmeros projetos desenvolvidos pela Escola, e de terem observado os seus comportamentos e ouvido alguns dos seus comentários, durante e após a SU, traz um olhar particularmente relevante sobre potenciais mudanças ocorridas em resultado das experiências vividas durante aquela semana. A partir deste seu “olhar de fora” (e ao mesmo tempo “de dentro”), os educadores salientaram o quão intensa e impactante parece ter sido a experiência para estes jovens. A perceção desta intensidade encontra-se bem patente nas descrições de dois destes educadores:

“Consegui perceber que, para os moldes de trabalho da nossa escola, a semana Ubuntu é uma semana de trabalho muito intensa, em termos de horário e em termos de trabalho (…) fomos percebendo que era muito intenso e que os jovens estavam a sentir essa intensidade”;

4. Aqui avaliada em função de número de referências feitas a cada uma das categorias e subcategorias.

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“Do que eu percebi é muito intenso o que eles fazem lá. Entre eles fica uma coisa mesmo intensa e ficam determinados com o que estão a fazer. É isso que eu ouço”.

Tal intensidade parece ter sido, na perspetiva dos educadores, motivo da expressiva melhoria da qualidade das relações e da grande união e cumplicidade emergida entre os jovens que participaram, tal como os seguintes testemunhos dão a conhecer:

“… depois de ter isso passado, fomos percebendo também que o grupo de jovens que esteve a fazer a semana, estavam muito mais próximos uns dos outros. Também, pelas partilhas deles, as partilhas que fazem durante a Semana Ubuntu são muito intensas, que vai buscar histórias das histórias deles e então, fez com que eles ficassem mais próximos uns dos outros”; “....o que sinto é que quando fazemos isto [SU] que a ligação do grupo cresce (...) permite, se calhar, sentirem-se parte integrante de algo. E nota-se, nota-se que quando eles estão a fazer atividades individualmente ou aqui na escola, se algum deles tem alguma necessidade ou não consegue, vem logo alguém “eu ajudo-te”. Portanto (...) houve aqui um reforço nas ligações do grupo.”

Refira-se, ainda, que, apesar da Escola ser particularmente dinâmica e inovadora em termos dos projetos que tem vindo a implementar ao longo dos anos, o facto de ser uma semana muito intensa (em termos das muitas horas que passam juntos e de forma contínua, das partilhas ocorridas e dos laços criados entre os participantes) o impacto da SU é, na ótica de dois dos educadores, especialmente expressiva e com contornos algo distintos dos restantes projetos. Eis os seus testemunhos:

“…a nossa escola tem coisas como essas. Intercâmbio, temos intercâmbio (…) e esta semana estarem todos juntos, durante uma

semana inteira é… a abrirem-se sobre a história de vida, momentos difíceis que passaram, essa partilha de chorarem juntos, de rirem juntos, penso que cria uma união entre eles, que penso que depois até criar um grupo no Facebook (…) E pronto, nesse aspeto, por ter esse convívio quase 24h, é maior que nesses projetos. Nesses projetos eles não estão tão próximos”.

“Esta semana eles estiveram de manhã e de tarde sempre juntos e aquele grupo foi muito intenso, criou ali uma união entre eles, um sentimento de pertença, que geralmente os projetos não envolvem esse sair de fora da escola e estarem todos juntos e isso para mim fez toda a diferença”.

“Na nossa Escola há atividades destas, mas são atividades durante uma manhã, ou uma tarde, não é? E o facto (da semana Ubuntu) ser contínua no tempo fez com que estes jovens criassem uma ligação entre eles que vai para a vida, uma família. É um bocado diferente das outras (atividades)… havia as outras e havia Ubuntu.”

A perceção das mudanças significativas observadas no seio do grupo e da grande proximidade e cumplicidade emergidas entre os jovens que participaram é igualmente destacada pelos próprios. Dela são exemplo as seguintes passagens do focus group realizado:

“…gostei também quando cantamos, cantamos aquelas cenas artísticas… gostava também do tempo quando era para almoçar que era uma brincadeira autêntica e gostava, acima de tudo quando levei a viola. Ei, era toda a gente a tocar, curti totil toda a gente saiu cá fora e começaram a tocar”.

“Gostei também de ter começado a aproximar-me das pessoas como a Mia. Eu e a Mia chocámos bastante e foi a partir daí [da SU] que a gente, assim um bocado, porque eu também não sou de me abrir muito, ainda fiquei assim para o meu lado e tudo, fiquei

a desconfiar dela e tudo … mas pronto, com o tempo fui percebendo que quando tivesse mal, quando precisasse de chorar ou o que seja que podia recorrer a ela por mais que tivesse o que tivesse acontecido no passado… ficou no passado.”

No caso dos dois animadores da ALU, apesar de terem apoiado e monitorizado a implementação da SU ao longo dos cinco dias em que decorreu, a sua análise representa um olhar mais distanciado uma vez que não só não integram o corpo de profissionais da instituição como não tiveram qualquer contacto prévio com os seus participantes. Segundo estes animadores, a SU foi vivida de forma especialmente intensa, tal como traduzem as palavras de um deles: “... aquilo vive-se com uma intensidade tão grande, cada manhã ou tarde é sempre muito intensa”.

De referir, no entanto que, apesar da intensidade percebida, ambos identificaram inúmeras diferenças no modo como esta intensidade foi gerida (ou contida) pelo grupo, traduzindo-se num ritmo mais lento em termos de “entrega” e auto-revelação. Tal como referiu um dos animadores:

“O impacto está lá, tem a ver com a forma como eu reajo ao impacto e eles claramente tinham uma postura mais defensiva, no sentido em que “Está a ter impacto, mas não revelo fragilidade da minha parte” (…) [estavam] sempre com um sentido protetor e de procurar “’Tou bem resolvido” ou “Estou bem”. Acho que a postura era sempre esta, no sentido de serem “durões”, porque há uma dinâmica de grupo que é difícil de desconstruir (…); há imagens que criamos ou determinadas atitudes com o objetivo de criar uma determinada imagem de mim e, de repente, se há um projeto que me desafia a tirar a máscara eu tenho que me posicionar; [pensar] se é vantajoso. Acredito que muitos deles ti-

veram essa perspetiva de “tenho vontade, faz todo o sentido”, mas, depois desta semana, há toda uma imagem que eles criaram durante todo este tempo [desde que entraram nesta escola] e que depois querem manter. A defesa é neste sentido: saem desta semana e depois ficam mais vulneráveis”.

Uma outra leitura feita por um dos animadores foi a de que “…há coisas que eles não querem expor ao grupo porque sentem que o grupo não vai conseguir compreender, mas querem expor ao educador porque pode ter outra maturidade e podem compreender melhor. E a desconfiança entre eles muitas vezes é neste sentido, acham que os outros não vão perceber muito bem e não querem expor muito a vida deles”.

Apesar das resistências e dificuldades iniciais dos jovens, os educadores que os conheciam estavam relativamente confiantes. Acreditavam que, mais cedo ou mais tarde, a “entrega” acabaria por ocorrer:

“…as pessoas que conheciam o grupo (…) mencionaram esta questão, de que com este grupo é normal, mas que vai acontecer (…) [tínhamos] muita confiança de que iria acontecer!”.

E assim aconteceu:

“…no quinto dia foi muito transformador com o filme “Páginas da Liberdade”. Foi muito ao encontro deles e das suas características; identificaram-se imenso com o filme. E depois - como remeteu para a história de vida deles - acho que aí foi o elemento desbloqueador; o grupo, a maior parte, “mergulhou” mesmo, abriu-se mesmo (…) Quando os desafiámos a olhar para a vida deles, a pensar de que forma podem sensibilizar outros, o que é que têm de inspirador, o que é que os marcou, eles, aí sim, quiseram…”.

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Olhando as perceções dos próprios jovens relativamente aos aspetos mais significativos da SU, as suas reflexões indiciam a Escola como um contexto de forte identificação afetiva entre estes e os seus agentes (res)socializadores (os educadores), surgindo a SU apenas como um contexto onde essa relação se reafirmou. Tal como asseverou um dos jovens:

“…aqui é uma família autêntica; eu nunca tive um professor de quem eu me separasse e com quem eu ainda hoje falo (…) manda-me vídeos, manda-me fotos (…) ele foi a um casamento, teve um projeto do carrinho e ele saiu do casamento para irmos ao projeto no próprio dia (...) agora diga-me qual é o professor que faz isso? (...) em nenhuma escola senti isto, por isso é que eu digo o Ubuntu não fez muita coisa; o primeiro dia quando calquei esta escola eu já senti uma diferença muito grande; o ar já era completamente diferente”;

A este comentário um outro jovem acrescentou:

“Os professores, o que eram lá fora [durante a SU, que teve lugar num espaço externo à Escola] são aqui dentro, completamente. Até digo mais: eles lá fora são muito mais que aqui dentro, entendes? Porque eu antes de entrar aqui nunca tive um professor com sentimento de mãe. Eu quando andei nas outras escolas eu tinha um professor a ser professor mesmo. Não sentia com sentimento de mãe…”

A sólida relação já existente, para além de refirmada, exerceu um papel de grande relevo no confronto dos jovens com os desafios colocados ao longo da SU. O facto de alguns deles integrarem a equipa de animadores foi especialmente securizante, encontrando neles um interlocutor privilegiado. A relevância da sua presença foi destacada pelos animadores ALU, por comparação a outros contextos onde

haviam dinamizado a SU. No contexto desta escola, a presença dos educadores de referência é claramente determinante, especialmente nos momentos de maior vulnerabilidade tal como a seguinte passagem ilustra:

“Lembro-me que houve algumas alturas em que elementos da equipa não conseguiram estar, mas eram coisas que não controlavam, surgiram no momento. Mas isso sentia-se; o facto de não estar toda a gente percebia-se um vazio. Eu já fiz semanas que se alguns dinamizadores não estivessem uma tarde, não afetava muito, aqui pode ter afetado um bocado quando havia uma ausência (…) havia momentos em que os alunos falavam mais e aí sentíamos mais esta ausência. Já têm os educadores como referência, já são próximos e tendo a educadora a ausência é sentida (…) “....a dinâmica não fica em causa mas é o clima de confiança, de segurança, “nós estamos nisto todos juntos”.

Corroborando esta mesma ideia, um dos educadores que participou na SU fez a seguinte partilha:

“Eles reconhecem esta coisa bonita (...) reconhecem que, por exemplo, quando veem o Páginas da Liberdade dizem “esta professora é como os professores da E2O, porque não desistem de nós, estão sempre lá, ouvem-nos, escutam-nos, interessam-se e isto é um bom feedback. Quando me dizem a mim: “És um Mendez na minha vida” ou assim, isto não é eu enquanto [nome da educadora], é a escola, é a forma como também trabalhamos. Valida o facto de “dás-me caminho” e isso é bom, ouvirmos o melhor de nós também”.

Para além dos educadores, alguns dos pares assumiram, no grupo, um papel de especial relevância enquanto figura de identificação

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emocional, de inspiração e/ou de suporte. As reflexões dospapel dos pares enquanto elementos que tornavam plausível a “realidade subjetiva” que a SU procura transmitir são em seguida ilustradas:

“…havia um rapaz que era uma figura mais consensual ao nível da liderança e ele foi uma das pessoas que mais se abriu no 4º dia, era um dos que estava extremamente defensivo no 3º dia e abriu-se completamente no 4º dia. Pelo facto de ele ser uma pessoa mais influente no grupo mobilizou os outros e acabou por fluir tudo” (animador ALU)

“ ….Eu ouvi as histórias de toda a gente (…) então ouvir as histórias deles todos dá-me força a mim agora para continuar” “… vi também o que ela passou com a mãe dela [que adoeceu gravemente e morreu algum tempo mais tarde] (…) e eu supostamente posso passar igual com o meu pai. O meu pai tem dias só. Então eu, às vezes, pela força dela (…) porque ela teve a força de agora estar aqui...”

Enquanto “Aparelho de conversação”, os valores da Filosofia e da Metodologia Ubuntu são reconhecidos pelos diferentes participantes do estudo como uma língua comum que emergiu entre todos aqueles que estiveram diretamente envolvidos na SU (“... isto foi bom para os unir e terem uma a linguagem comum. Também terem uma linguagem comum...”; “É isso, é falar a mesma linguagem!”).

Adicionalmente, os desafios colocados ao longo da SU emergiram, para alguns destes jovens, como oportunidades de (re)encontro consigo mesmo, de reflexão sobre a sua própria estória e/ou de superação e ressignificação da mesma, bem como para fortalecer energias para enfrentar “novos começos”. Olhemos os seguintes testemunhos:

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“Esta formação, em concreto (…) fez-me relembrar o passado e, às vezes, é bom, é triste, mas às vezes é bom. Fez-me relembrar, fez-me pensar…”

“ …eu não levo isto como uma brincadeira, por mais que seja uma atividade (…) por mais que seja uma atividade isto é uma Vida. Para nós pode ser um começo, pode ser uma aprendizagem, pode ser uma força; o que seja”.

Além de instituir um “novo aparelho de conversação” - os cinco pilares do Método Ubuntu -, a oportunidade que a SU fornece para que os seus participantes partilhem entre si as suas estórias e reflitam em conjunto sobre as mesmas cria reais possibilidades para o desenvolvimento de um maior conhecimento de Si e do Outro. “…não interessa; cada um leva o seu problema como quer seja, bem ou mal, com muita força ou menos força, são problemas e pronto: gostei de conhecer algumas fraquezas das pessoas porque, lá está, como eu dou-me como forte, mas não sou muito forte; tenho as minhas fraquezas, como as outras pessoas. Olho para as pessoas agora e digo “Elas são fortes, mas antes tiveram as suas fraquezas” e agora sei o porquê de serem assim…”

Para alguns, inclusive, as partilhas havidas, e a identificação dos elementos comuns das suas trajetórias permitiu reinterpretá-las e valorizá-las enquanto estórias de resiliência e/ou superação. Esta “identidade de grupo” surge de forma bastante eloquente no discurso de um dos jovens:

“… toda a gente que está aqui foi criado (…) em bairros; [são] pessoas que passaram a infância, assim, uma vida mais difícil; passavam a vida na rua, com pessoal; e a essas pessoas muita gente olha de lado. Mas essas pessoas, esses jovens são os mais fortes, são aqueles que passaram por muito na vida, passaram por muita coisa e muita gente diz “Ei, és um merdas!!!” Mas, passa tu por isso!

Eu já passei por dificuldades; eu tive de sair da escola cedo para ir trabalhar, para ir trabalhar, para ir ajudar a minha família. Agora metam um jovem, um beto que tenha dinheiro que tenha sempre os paizinhos à volta; que nunca passou dificuldades. Tire os pais dele e deixe-o sozinho. O que é que ele vai fazer? Ou vai ficar sentado ou vai fazer como muita gente faz: vai para uma ponte e atira-se, porquê? Por que tem tudo de mão beijada é isso que estou a dizer, toda a gente que está aqui levou força desta formação. E mais nada!”

Em termos individuais, a vivência da SU é tida como fortemente empoderadora e promotora de um “sentir” diferente em relação às suas experiências subjetivas, ou de uma nova identidade, que, para alguns se prolonga no tempo. Eis a reflexão de um dos educadores que participou na SU:

“Aquilo que tem impacto maior neles, foi o empoderamento, a autoestima deles quando saíram vinha muito em alta. E aqueles miúdos que antes do Ubuntu pensavam “Ah, eu sou um malandro, sou isto e aquilo” eles depois já pensavam “Eu sou um líder; eu tenho a responsabilidade de dar o exemplo aos outros!”. Eles vinham com esse entusiasmo todo, e nós sentimos isso. Era um sentimento tão forte, como se estivesse uma luz à volta deles, vinham dali a brilhar. Quando eles, passado uns dias, uns tempos, eu dizia “Olhem não te esqueças que és um líder!”

De referir, também, as alusões feitas por alguns dos educadores à necessidade de esta nova estrutura de plausibilidade garantir uma ação comunicacional contínua de modo a reafirmar e fortalecer o “espírito Ubuntu”; a objetivá-lo no quotidiano daqueles que viveram a SU. Essa continuidade é tanto mais importante quando se trata de jovens cuja trajetória é forte e longamente marcada por experiências de grande adversidade. Eis alguns exemplos do discurso dos educadores que espelham a necessidade desta continuidade:

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“Eles chegaram aqui [à Escola, depois da SU] no pico. Mas, estes jovens têm tantas experiências negativas para trás, por muito intensa que uma semana Ubuntu seja, não chega para compensar todas as más experiências. Portanto, eles atingem o pico muito rápido, mas também muito rápido atingem o nível baixo. Então, eu acho que é isto de: ter que relembrar que aquele pico foi tão bom; que a semana Ubuntu é boa, mas que, se calhar, tem que ser replicada mais vezes (…) se nós queremos resultados que se vejam ao longo do tempo, tem que acontecer mais vezes”.

“…este ano a X [uma das educadoras que dinamizou a SU] decidiu criar o Clube Ubuntu durante todo o ano: era à quinta-feira; tinham dentro do horário deles (…) com os jovens do ano passado também e com alguns deste ano, para não deixarem esquecer e morrer na lembrança algo que tenha sido tão bom e para não ser só aquele elemento pontual no fim”.

“…uma das coisas, as mensagens positivas e algumas dinâmicas que fizemos foi na semana da Empatia, que o IPAV promoveu. Ou seja, eu agradeço e dou os parabéns ao IPAV por esta dinâmica, e por manter o motor aceso, a chama acesa. Lançando estes desafios às escolas ajuda a que os próprios Clubes também funcionem. Porque, senão, acabam por quebrar…”

Um outro aspeto que emerge das reflexões dos educadores é a necessidade de que os valores Ubuntu se disseminem e se consolidem no seio de toda a comunidade escolar. Segundo estes, a verdadeira mudança (ressocialização destes jovens) passa pela apropriação, - por todos os elementos da Escola - do “Aparelho de conversação” que o Ubuntu representa enquanto sistema de valores e de práticas. Para isso, tal como as passagens que se seguem dão conta, é premente que todos os elementos da comunidade escolar experienciem a SU:

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“[a SU junto de um pequeno grupo da Escola] É a primeira semente para ir alimentando a engrenagem, para ir influenciando os outros. Ok: efeito positivo (…) E depois, como é essa passagem do testemunho? São as conversas de corredor? É pelos clubes Ubuntu, na forma como dinamizam as atividades? Como é que alguém pode ser tocado pelo Ubuntu sem ter participado no Ubuntu? Será que alguém vai verdadeiramente perceber a mensagem só com algumas conversas pelas atividades que vê? (…) toda a gente aqui na escola - desde funcionários até professores - tem de passar por uma Semana Ubuntu (…) para perceberem que é uma comunidade (…) deveria ser obrigatório para todos os professores na escola, não só os alunos, mas para todos os profissionais”.

“... o impacto é tanto maior quanto maior for a comunidade educativa a intervir e a utilizar esta linguagem, se não, não é uma “comum-unidade” como eu costumo dizer. As pessoas têm que sentir o projeto para depois ter um impacto pós-Ubuntu maior (...) Há aqui uma série de circunstâncias e mudanças a nível do sistema que são importantíssimas para trabalhar. Como eu acredito que, na Educação, o paradigma mais importante é o paradigma da relação e da comunicação, acredito que seria importante começar um ano letivo em que Agosto, todos os professores que vão integrar o ano seguinte deviam fazer uma Semana Ubuntu (...) Se esta linguagem Ubuntu não for comum a todos acaba por ser só mais um projeto”.

Corroborando a opinião dos anteriores educadores, aqueles que não tiveram a oportunidade de participar na SU têm um olhar particularmente crítico em relação ao facto de vários elementos daquela comunidade terem ficado “de fora”. Os seus reparos prendem-se com i) o facto de considerarem injusto que apenas alguns elementos da Escola tenham essa experiência, por que a ideia de “falarem todos a mesma língua” é uma das máximas da instituição, entrando

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esta medida em rota de colisão com a mesma; ii) o risco de, à semelhança de outras intervenções pontuais realizadas na escola, os efeitos serem pontuais e isolados no tempo.

Por outro lado, ainda, o seu descontentamento prende-se com o facto de, ao serem selecionados apenas alguns destes jovens, se estarem a colocar de parte muitos outros, repetindo-se o ciclo de segregação, rejeição e/ou discriminação a que muitos têm vindo a ser votados ao longo da sua estória. Eis algumas das intervenções destes educadores que ilustram o mal-estar gerado pela exclusão percebida:

“… uma das maiores dificuldades desta formação tem a ver com esta divisão. Primeiro, dos jovens, porque foi injusto para os jovens e para nós ter de decidir quem é que fazia a formação e quem não fazia. Segundo, para os profissionais, por que a formação Ubuntu na nossa escola faz todo o sentido para todos, até para a Z, que é assistente operacional, para o Sr. W que é assistente operacional, para a T que está cá um dia, faz sentido para todos. Para todos …”

“Na nossa escola estamos constantemente a dizer que temos que falar todos a mesma linguagem e no momento em que alguém faz alguma coisa que o outro não tem conhecimento, deixamos de falar a mesma linguagem”;

“E depois, o que sentimos aqui no clima da Escola e nos alunos, é que eles sentem-se um bocado injustiçados. Ficaram muitos por selecionar. Eu sei que foram selecionados 19 nessa semana de abril, mas, ficaram bastantes [“de fora”]. E o que é que acontece para os que ficam? Acabam desmotivados, acabam por nem vir à escola, é muito traumatizante, tem um impacto negativo (…) estes meninos já têm este sentimento de serem postos de parte a vida toda e chegam a esta escola em que tanto falamos que os incluímos, como no momento a seguir os estamos a selecionar quem entra ou não entra”.

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O reconhecimento de que a “nova realidade subjetiva” que a SU procura introduzir nos seus participantes só poderá ser mantida com eficácia se o aparelho de conversação for contínuo, por um lado, e coerente (do ponto de vista de “ser comum” a todos os agentes educativos), por outro, é, igualmente, visível através do seguinte testemunho de uma das educadoras envolvida na SU:

“Houve uma altura em que, no meio da semana, havia uma outra jovem (…) que já tinha saído da escola e que, todos os dias, perguntava (…) pela Semana Ubuntu. E nós [educadores] andávamos a adiar [dar-lhe uma resposta] porque [a jovem estava] ainda muito instável emocionalmente e não sentíamos que ela poderia estar num papel como formadora. Mas ela insistiu tanto, que [lhe dissemos que poderia estar] num ou noutro momento, em dois dias: “vai só nesta parte do dia e aí regressa e vem reviver”. Ela escreveu a carta do Mendez, novamente. Ela precisou de ver um testemunho, porque era importante. Ou seja, nós mantivemo-la na nossa semana, com o foco no que é que o Ubuntu poderia acrescentar àquela jovem.”

Conscientes de que as aprendizagens realizadas pelos participantes no decurso da experiência Ubuntu poderão tornar-se vazias de realidade “viva”, a menos que sejam “revitalizadas” pela interação social com aqueles que reconhecem ativamente a sua importância, os educadores decidiram, na situação aqui partilhada, permitir a participação a uma das suas ex-estudantes em alguns dos momentos da nova SU realizada pela escola.

Todavia, e apesar do alerta por parte dos educadores para a necessidade do “novo aparelho de conversação” ser contínuo, consistente e coerente dentro de toda a comunidade escolar, salientam-se alguns testemunhos que colocam a sua ênfase na “força” das aprendiza-

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gens semeadas ao longo da SU no percurso escolar de jovens que, inclusive, já saíram da Escola. Eis um deles:

“Lembro de uma partilha, muito recente, de uma jovem que já saiu da escola, quando foi convidada para vir cá (...). Ela já saiu de cá, está no décimo segundo ano, está a fazer o percurso secundário.... foram duas [estudantes], foram juntas estudar para a secundária e fizeram ambas a semana Ubuntu [na E2O]. Então, uma delas estava num dia mau, stressante, a querer desistir das coisas e uma delas diz “se não fosse a colega dizer-me “Lembra-te do Ubuntu, olha o que aprendemos com o Ubuntu”. Eu não assisti, mas isso é a prova de que já saíram [mas que] o Ubuntu foi com elas, de uma forma ou de outra ele acaba por aparecer (...) passado um ano ainda permanecem algumas das mensagens nucleares; permanecem com eles até fora da escola por que, entretanto, eles seguiram o seu caminho já fora da E2O, mas [o espírito Ubuntu] ainda está presente”.

Discussão

Um primeiro aspeto que gostaríamos de realçar prende-se com as características particulares da escola que faz parte do estudo de caso que é aqui detalhado. Uma escola que é chamada a compensar, talvez mais a corrigir, nos alunos que acolhe, os efeitos devastadores dos seus processos socializadores anteriores. A pertinência da experiência Ubuntu na E2O remete para o facto de esta ser confrontada diariamente com a necessidade de ir além da função que é tradicionalmente incumbida à instituição escolar, ou seja, a de reparar nos seus alunos os limites e as insuficiências dos seus anteriores processos socializadores. Referimo-nos a jovens cuja inclusão social requer, na maior parte das vezes, o desmantelamento e a desintegração da realidade subjetiva que foi incorporada na infância, o que complexifica, em larga medida, a missão de educar e a transforma num processo de ressocialização.

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Este desígnio acrescido que a E2O é chamada a assumir coloca, quanto a nós, a experiência Ubuntu nesta escola num lugar absolutamente fundamental e com potencial transformador inegável. Vejamos porquê.

Se considerarmos que a possibilidade de qualificar escolar e socialmente jovens que manifestam pela escola a mais profunda desafeição passa, inevitavelmente, pela criação de condições muito exigentes, entre as quais o desenho de soluções colaborativas onde se invista intensamente na experimentação de modelos de relacionamento afetivos muito próximos das primeiras socializações, podemos assumir que a experiência relacional Ubuntu constitui um recurso valioso. A estrutura social de base que organiza, implementa e avalia a experiência Ubuntu está assente numa ética de cuidado e numa filosofia que reconhece o Outro como um igual, detentor da mesma dignidade e, como tal, merecedor de um profundo respeito e consideração, independentemente dos seus percursos, das suas histórias e escolhas.

Os discursos dos jovens a respeito da SU nesta escola dão ênfase ao papel deste novo “grupo social”, mediado por educadores que ultrapassam, em larga medida, a função tradicional do professor que se limita a instruir e a transmitir conhecimentos retirados de uma grade curricular. Registam-se, pois, representações que associam os educadores a modelos de referência muito significativos – um dos alunos comparou, por exemplo, um educador a uma mãe – enfatizando o facto dos professores da E2O os olharem e tratarem como pessoas que transportam e escrevem uma história que incorpora muitos outros papéis além do de alunos. De referir que o papel de “guias” da nova realidade social a que os jovens fazem referência não se restringe aos professores envolvidos na SU mas, sim, a todos aqueles que dão vida à escola.

Da análise dos discursos recolhidos junto dos educadores entrevistados, sobressai o reconhecimento da experiência Ubuntu como uma oportunidade de interação com potencial para transformar momentos emocionalmente muito exigentes (uma vez que evocam experiências negativas da sua vida) em oportunidades de desenvolvimento de competências sócio emocionais. A reflexão sobre si mesmo que a SU possibilita (autoconhecimento), desencadeada tanto pelas atitudes exibidas pelos pares para consigo (resposta de “espelho” às atitudes do outro), como pelo acesso à subjetividade dos colegas (através das partilhas das histórias de vida), faz da experiência Ubuntu uma oportunidade deliberada de os alunos incidirem a sua atenção sobre si. A intensidade da SU e as trocas reflexivas que nela têm lugar a partir da interação com a nova “estrutura de plausibilidade” foram o aspeto mais salientado pelos quatro subgrupos entrevistados.

Adicionalmente, e à medida que a experiência Ubuntu vai tornando acessível “quem eu sou” e o “que posso e quero vir a ser” – produzindo uma espécie de rutura na biografia subjetiva do jovem [o “choque biográfico” a que Berger e Luckmann (1966) se referem] – torna, de igual forma, acessível “aquilo que os outros foram e são para mim”.

No discurso dos jovens entrevistados, mas também no dos educadores que participaram na SU, registam-se alterações nas representações dos alunos em relação aos seus colegas à medida que a semana decorre, em virtude do subtil intercâmbio de significados subjetivos que têm lugar nesta experiência. Não só as classificações sobre os pares vão ganhando novos tons (o que leva os alunos, com experiências distintas, a se aproximarem entre si), como também emerge dos seus discursos a ideia de que se pode aprender com as experiências de quem, à partida, era tão diferente (“se ele conseguiu superar, eu também consigo”).

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Neste processo, é destacado por todos os subgrupos entrevistados o papel da linguagem e do aparelho de conversação na objetivação quer das experiências passadas vivenciadas pelos jovens, quer da nova realidade subjetiva que a filosofia Ubuntu propõe. Por um lado, é através das objetivações linguísticas que os jovens se conhecem e se vão dando a conhecer; ordenam os acontecimentos biográficos e as experiências dolorosas que viveram; ressignificam os acontecimentos que, outrora, eram memórias reprimidas e silenciadas; procuram colocar-se no lugar dos outros. Por outro lado, deve-se ao novo “aparelho de conversação” a possibilidade dos jovens acederem, no plano simbólico, a um mundo de oportunidades que, no passado, lhes era inacessível e, portanto, inalcançável. Dos discursos dos educadores que participaram na SU, mas também dos jovens entrevistados, sobressai a ideia de que o que antes era tido como mais improvável passa a ser visto como viável, dando lugar à máxima “há que aprender a viver com constrangimentos, mas sem os considerar à partida insuperáveis” (resiliência).

Porém, como alertaram todos os agentes educativos da E2O entrevistados, para que esse novo mundo subjetivo se mantenha com eficácia, o aparelho de conversação tem que ser contínuo, consistente e coerente (todos deverão falar a “mesma língua”), condição essa que não foi garantida, nem do ponto de vista da comunidade estudantil (só 19 jovens tiveram a oportunidade de participar na 1ª edição da SU), nem do ponto de vista do pessoal docente e não docente da escola (apenas participaram dois profissionais da equipa educativa).

Outro fator de destaque nos discursos recolhidos junto dos educadores, foi o risco da SU ter um caráter ténue e efémero, caso não seja reafirmada, com regularidade, a nova realidade subjetiva inerente à filosofia e ao método Ubuntu. Como Berger e Luckmann (1966) assinalaram, a propósito da sua análise dos processos de ressocialização,

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a interrupção do diálogo com os mediadores da “estrutura de plausibilidade” ameaça a conservação da nova realidade subjetiva. Os autores ilustram este risco socorrendo-se da metáfora do teatro, onde “À medida que o pano se levanta, o espetador é “transportado para um outro mundo”, com os seus significados próprios e uma ordem que pode ter, ou não, muito a ver com a ordem da vida quotidiana. Quando o pano desce, o espetador “regressa à realidade”, isto é, à realidade predominantemente da vida quotidiana, em comparação com a qual a realidade apresentada no palco aparece agora ténue e efémera, por mais vivida que tenha sido a representação momentos antes” (Berger & Luckmann, 1966; p. 37).

Conclusão

Finda a apresentação do estudo e a discussão dos seus resultados à luz das lentes do modelo sociológico “intemporal” de Peter Berger e Thomas Luckmann, assumimos agora o papel de espetadores; aqueles que olham “de frente” para o palco e que procuram compreender os olhares, as vivências e o Sentir de um grupo de jovens e de profissionais que, a partir dos múltiplos (e intensos) encontros proporcionados pela Semana Ubuntu, protagonizaram uma matriz social alternativa e significativa. Uma estrutura social que se propõe, essencialmente, a transformar o olhar, o sentir e agir daqueles cuja trajetória de vida foi (e ainda é) marcada pela adversidade, pelo insucesso e, nalguns casos, pela desesperança e pela exclusão social. Assumindo que, segundo Berger e Luckman, essa transformação (ou “ressocialização”, na terminologia dos autores) se encontra largamente alicerçada no estabelecimento de relações significativas, intensas e continuadas, capazes de proporcionar uma referência forte em matéria de valores, normas, atitudes, linguagem, e mesmo, objetivos de vida, crê-se que o método Ubuntu - pelos eixos em que se ancora e pelas competências que se propõe trabalhar – encerra um

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incomensurável potencial na promoção da ressocialização de jovens em situação de risco de exclusão.

À semelhança das evidências5 que têm vindo a ser recolhidas ao longo de vários anos de implementação da ALU junto de crianças e jovens com vários perfis etários, culturais e sociais, o retrato recolhido a partir do olhar dos protagonistas da E2O corrobora o potencial transformador e o expressivo impacto desta metodologia entre aqueles que a experienciam (de forma direta e indireta). Muito embora os resultados apresentados se reportem meramente aos efeitos da SU nos jovens que a experienciaram, a visita “ao terreno”, o contacto direto com os diferentes atores da E2O e os dados recolhidos por intermédio dos quatro grupos focais realizados dão conta dos efeitos da SU, mesmo após um ano da sua implementação. Tratando-se de um estudo de caso, de caráter exploratório e envolvendo um número de participantes distante do universo da amostra (e de a recolha ter sido realizada em vésperas da implementação da sua 2ª edição, podendo ter reavivado a “chama” Ubuntu), não nos é, pois, possível (nem desejável) a extrapolação para outros contextos e edições. Pese embora estas limitações do estudo, parece-nos inalienável a constatação de que esta metodologia oferece a “estrutura de plausibilidade” de que nos falam Berger e Luckmann, uma vez que dá a conhecer (e a viver) a jovens cujas curtas trajetórias são marcadas pelo insucesso e abandono escolares e, não raras vezes, de desvio em relação às mais elementares normas sociais, um modelo social alternativo. Um modelo onde a empatia, os fortes laços afetivos e de cumplicidade, o sentido de pertença, ou, mesmo, de “família” fazem “a magia acontecer” (expressão frequentemente utilizada pelos participantes do estudo).

5. https://www.academialideresubuntu.org/pt

Não esquecer, no entanto, a premência de que esta intervenção ocorra de forma continuada e alargada a toda a comunidade educativa, sob pena de - tal como refere um dos educadores - se tornar em “mais um projeto” entre tantos outros. Propõe-se, assim, que o palco “metafórico” de que nos falam Berger e Luckmann faça de todos os membros desta comunidade os seus protagonistas, e que o pano se levante as vezes que forem necessárias para que todos possam ensaiar e se apropriar de novos papéis, práticas e novas formas de Sentir, Cuidar e de se relacionar consigo, com o Outro e como Mundo. Que, em particular para estes jovens, este novo palco lhes permita o (re)encontro com a sua história, a integração e ressignificação da mesma por forma a conseguir a tão almejada (pelos próprios e por um “Nós” maior) transformação do palco das suas vidas em Casa que acolhe, nutre e dá chão firme para continuar a caminhar.

Referências

ALU (2022). Estratégias Pedagógicas no Método Ubuntu. [texto não publicado]. IPAV. Berger, P., & Luckmann, T. (1966). A construção social da realidade. Editorial Vozes.

Bourdieu, P. (1980). Le sens pratique. Minuit. Gonçalves, J. L., & Alarcão, M. (Eds.) (2020). Pilares do método Ubuntu. IPAV. Projeto Educativo (2021-2025). Redefinimos horizontes construindo pontes. Disponível em https://abeiradouro.net/wp-content/ uploads/2021/12/PEA-2021-2025.pdf

Marques, R. (2019). Nota introdutória. In Consórcio “Ubuntu Building Bridges for Peace”, (Ed.), Construir pontes Ubuntu –Para uma liderança servidora (pp. 5-7). Instituto Padre António Vieira.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Marques, E. (2012). A transformação dos esquemas de motivação, perceção e de ação que compõem o habitus de jovens em risco de desinserção social. Dissertação de Doutoramento em Sociologia. Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Academia de Líderes

Ubuntu na escola: Diretora e assistentes operacionais identificam os impactos no Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva

Ubuntu Leaders Academy at school: Director and operational assistants identify impacts on the Professor Agostinho da Silva School Group

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, CIS_ISCTE, Lisboa, Portugal, susana-fonseca@iscte-iul.pt, https://orcid.org/0000-0001-6618-8278

Resumo

Objetivos: Contribuir para a análise e a compreensão do processo de implementação do programa Escolas Ubuntu no Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva e investigar os seus impactos na comunidade educativa.

Método: Num estudo de caso, a diretora do Agrupamento de Escolas participou numa entrevista e cinco assistentes operacionais participaram num focus group. Os dados foram recolhidos de acordo com um guião e a análise dos dados foi realizada através de análise de conteúdo.

Resultados: Os resultados permitiram identificar o significado e as expectativas elevadas relativamente ao projeto Ubuntu e sugerem mudanças e impactos muito positivos nos alunos, na turma, nos profissionais e na comunidade educativa, de um modo particular no desenvolvimento pessoal e no relacionamento interpessoal. Ainda, permitiram verificar a apreciação global do projeto, quanto às potencialidades e continuidade e às limitações, destacando-se uma maior compreensão e preocupação com o outro, a pertinência de uma equipa de Educadores Ubuntu coesa e a integração dos cinco pilares Ubuntu no projeto educativo do agrupamento.

Conslusões: A implementação do programa Escolas Ubuntu no Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva possibilitou uma elevada compreensão sobre as potencialidades do método Ubuntu para a Educação, dada a importância das Pessoas e das Relações, e proporcionou um envolvimento direto de um elevado número de elementos da comunidade educativa (alunos, professores, técnicos, assistentes operacionais) e um envolvimento indireto da comunidade educativa e da comunidade envolvente, devido às atividades do Clube Ubuntu.

Palavras-Chave: Academia de Líderes Ubuntu; estudo de caso; competências socioemocionais; programa de intervenção; impactos.

Abstract

Objectives: To contribute to the analysis and understanding of the implementation process of the “Ubuntu Schools” program in the Professor Agostinho da Silva School Group and to investigate its impacts on the educational community.

Method: In a case study, a director of the Grouping of Schools participated in an interview and five operational assistants participated in a focus group. Data were collected according to a structured scrip and a qualitative data analysis was performed through content analysis.

Results: The results made it possible to identify the meaning and relatively high expectations of the Ubuntu project and suggest changes and very positive impacts on students, the class, professionals, and the educational community, particularly in terms of personal development and interpersonal relationships. Furthermore, they allowed verify the global appreciation of the project, in terms of potential/continuity and restrictions, highlighting a greater understanding and concern for the other, the pertinence of a cohesive team of Ubuntu Educators and the integration of the 5 Ubuntu pillars in the educational project of the School Group.

Conclusions: The implementation of the “Ubuntu Schools” program in the Professor Agostinho da Silva School Group enabled a high understanding of the potential of the Ubuntu method for Education, given the importance of People and Relationships, and the direct involvement of a large number of elements of the educational community (students, teachers, technicians, operational assistants) and an indirect involvement of the educational community and the surrounding community, due to the activities of the Ubuntu Club.

Keywords: Ubuntu Leaders Academy; case study; socioemotional competencies; intervention program; impacts.

Introdução

Os programas de intervenção em meio escolar têm, cada vez mais, adotado uma abordagem focada na aprendizagem social e emocional, pois tanto os educadores, como os pais, procuram promover ambientes seguros e que apoiem o desenvolvimento integral das crianças e dos jovens. Uma das definições de aprendizagem social e emocional mais divulgada é a que a apresenta como o processo pelo qual crianças e adultos adquirem e aplicam efetivamente os conhecimentos, atitudes e habilidades necessárias para entender e gerir emoções, estabelecer e alcançar metas positivas, sentir e mostrar empatia pelos outros, estabelecendo e mantendo relacionamentos positivos e tomando decisões responsáveis (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning [CASEL], 2015). Nesta, destaca-se que a aprendizagem social e emocional é um processo e, deste modo, valoriza-se o percurso, a forma, os procedimentos, as sequências, para além dos resultados. Ainda, este processo envolve simultaneamente as crianças e os adultos, o que implica um olhar atento para o que acontece, o que se experiencia, o que provoca, tanto nas crianças, que são na maior parte das vezes o alvo das intervenções, mas também nos adultos que se envolvem, que participam ou que testemunham este processo. Também se evidencia o adquirir e o aplicar, uma vez que é necessário que se alcance, conquiste ou desenvolva conhecimentos, atitudes e habilidades, mas, igualmente relevante, que se utilizem e se saibam

usar adequadamente estas competências. Por fim, a definição de aprendizagem social e emocional identifica as aprendizagens necessárias: compreensão das emoções, objetivos de vida, empatia, relacionamento interpessoal e tomada de decisão responsável. Entende-se deste modo, o enorme desafio que é elaborar, implementar, acompanhar e avaliar os programas de aprendizagem social e emocional, em contexto escolar.

Importa, então, salientar que a literatura é vasta em documentar os benefícios dos programas de aprendizagem social e emocional (Cefai et al., 2018; Durlak et al., 2011; World Economic Forum, 2016), bem como em identificar os fatores que contribuem para a implementação eficiente desses programas. Assim, de entre os impactos positivos nos alunos mais referidos (Durlak et al., 2011), encontram-se as competências sociais e emocionais, as atitudes positivas para consigo e com os outros, os comportamentos sociais positivos e menos problemas de comportamento.

Relativamente aos fatores que contribuem para o sucesso dos programas de aprendizagem social e emocional, estes podem ser considerados em diversos níveis de análise (CASEL, 2015): i) ao nível dos alunos, sentirem-se ouvidos pelos professores, envolvidos nas decisões e aceites pelos pares, são fatores decisivos para se sentirem motivados e com melhor desempenho na escola; ii) ao nível da sala de aula, é a qualidade da interação professor-aluno que surge como mais significativo; iii) ao nível organizacional, o clima positivo da escola é determinante, e para o qual contribuem a qualidade das relações que os alunos têm com os professores e com os pares, a clareza e consistência das regras escolares e as práticas de liderança; e, iv) ao nível societal, são referidos o amplo envolvimento da família e da comunidade, no planeamento, implementação e avaliação do programa.

Os resultados de uma meta-análise realizada com vários programas escolares, revelaram um impacto positivo na melhoria da aprendizagem social e emocional dos alunos (Durlak et al., 2011). Noutra meta-análise mais recente (Goldberg et al., 2019), concluiu-se que os efeitos da intervenção eram significativos no ajustamento social, emocional e comportamental dos alunos. Há também alguma evidência de que a aprendizagem social e emocional pode trazer benefícios para os professores (Cefai et al., 2018), como melhorias nas suas competências, eficácia no ensino e satisfação com o trabalho. Parece claro que os impactos dos programas estão solidamente centrados nos efeitos que promovem nos alunos, mas que a literatura ainda é escassa, ou inexistente, em reportar os impactos nos outros atores, como os professores, funcionários da escola, profissionais/técnicos que trabalham na ou com a escola, dirigentes escolares, pais e outros membros da comunidade envolvente da escola. Igualmente, a literatura salienta a importância dos outros níveis de análise – sala de aula, escola, societal – (CASEL, 2015), mas estes raramente são considerados nas avaliações de impacto.

De entre os principais componentes para integrar e implementar a aprendizagem social e emocional nas escolas, de acordo com Cefai e colaboradores (2018), destaca-se: o clima escolar (as competências sociais e emocionais são adquiridas na sala de aula e em toda a escola), a intervenção precoce (a implementação dos programas nos primeiros anos, como jardins de infância, é mais eficaz), as competências e o bem-estar dos professores, funcionários e pais (a formação deve ser considerada), e a adaptação às necessidades do contexto.

Assim, torna-se necessário considerar as medidas e as ações que facilitem a implementação dos programas de aprendizagem social e emocional, nomeadamente, ao nível da escola, o envolvimento ativo da comunidade educativa (onde o envolvimento dos pais parece

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 ser essencial), a formação inicial e apoio/suporte contínuo para os professores; e ao nível societal, as parcerias e as políticas que promovam a aprendizagem social e emocional.

Apesar de existirem diferentes programas de aprendizagem social e emocional disponíveis, torna-se necessário analisar, em maior detalhe, e compreender o seu desenho, a qualidade da sua implementação, a forma como são avaliados e os seus impactos, para que os programas de elevada qualidade possam ser disseminados, baseados nessas evidências. É exatamente esse um dos objetivos do presente artigo, ao procurar contribuir para a análise e a compreensão do programa Escolas Ubuntu, que está a ser realizada com diversas equipas de investigadores e com diversas escolas por todo o país. Pretende-se, neste artigo, pesquisar de um modo mais profundo, os impactos do referido programa, no decurso da implementação de Semanas Ubuntu, num Agrupamento de Escolas.

O programa Escolas Ubuntu enquadra-se no Plano 21/23 Escola1+, na Ação Específica 1.6.2 – Programas para competências sociais e emocionais. Este Plano é uma iniciativa governamental, promovida pela Direção-Geral de Educação, que visa, através de um conjunto de medidas, a recuperação das aprendizagens dos alunos dos ensinos básico e secundário. Cada Agrupamento de Escolas poderia candidatar-se e aderir ao programa Escolas Ubuntu, para a realização da Academia de Líderes Ubuntu com os seus alunos. Esta adesão envolvia também a capacitação de docentes/técnicos na metodologia Ubuntu, o desenvolvimento de Semanas Ubuntu e o desenvolvimento do Clube Ubuntu em cada escola.

1. https://escolamais.dge.mec.pt/acoes-especificas/162-programa-para-competencias-sociais-e-emocionais

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Ubuntu significa “Eu sou porque tu és” e pode ser entendida como uma filosofia de vida, na qual o ser humano só pode ser pessoa através dos outros, e em estreita interdependência com estes (Marques, 2020). O método Ubuntu, de acordo com Marques (2020), nasceu daquilo que se aprendia e experienciava no terreno e foi sendo desenvolvido, num processo colaborativo e de coconstrução, com equipas de formação, participantes e avaliadores. O autor também refere que é a partir dos cinco pilares do método Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço -, que se desenvolvem e valorizam três níveis ou eixos interligados - a liderança servidora, a ética do cuidado e a construção de pontes. A Academia de Líderes Ubuntu é um projeto de educação não-formal, que tem como principais objetivos, a capacitação de jovens e educadores, a promoção do diálogo entre e dentro das comunidades e o desenvolvimento de uma ética do cuidado (Marques, 2020).

Um dos Agrupamento de Escolas que aderiu ao programa Escolas Ubuntu foi o Agrupamento de Escolas Professor Agostinho da Silva (AEPAS), situado em Casal de Cambra, Sintra, e é uma Escola Ubuntu desde julho de 2019. O presente artigo é parte do estudo de caso, em curso, no AEPAS.

A oferta educativa do AEPAS inclui Educação Pré-Escolar, Ensino Básico de 1º, 2º e 3º Ciclos, Cursos de Educação e Formação, Acompanhamento de crianças-Tipo3, Percursos Curriculares Alternativos e Programa Integrado de Educação e Formação. Para além desta, o AEPAS ainda se envolve em diversos projetos, como o referido Projeto “Self Us” / UBUNTU (relativo ao Programa de Apoio à Qualidade nas Escolas - PAQUE), o Projeto “Parlamento dos Jovens”, o Programa “Educação pelos direitos das Crianças”, o Programa Eco Escolas, o Programa Educação para a Saúde, apenas como exemplos.

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O AEPAS, na caracterização do Agrupamentos (AEPAS, 2022), encontra-se situado no limítrofe do concelho de Sintra – em Casal de Cambra. Está inserido numa zona com bairros de habitação social, com uma população muito heterogénea (quer sobre as regiões de proveniência, quer sobre os estratos socioeconómicos e a estabilidade laboral) e com grande diversidade cultural. O distanciamento das famílias em relação à escola é um desafio, que se reflete no insucesso escolar e nas dificuldades de integração social. O AEPAS tem perto de 1400 alunos, 125 docentes, 19 Técnicos, 8 Assistentes Técnicos e 50 Assistentes Operacionais.

De 2019 a 2021, o projeto Ubuntu foi financiado pelo Programa Cidadãos Ativos e a partir de 2022 pela Direção-Geral de Educação. Até junho de 2022, formaram 16 Educadores Ubuntu (14 no âmbito de escolas Ubuntu e 2 no âmbito da ALU Geral), 197 alunos Ubuntu e 16 assistentes operacionais Ubuntu.

Durante o ano letivo de 2021/2022, foram dinamizadas cinco Semanas Ubuntu com alunos e foram promovidas diversas atividades no âmbito do Clube Ubuntu. Destas, destaca-se a replicação de módulos do Manual de Clube Ubuntu para alunos de 3º ciclo, Estendal de Inspiração com 2 kms (desenhos de pessoas que inspiram, em parceria com a PSP e com a paróquia de Casal de Cambra); campanhas de recolha de bens alimentares; calçar o sapato das funcionárias; e, campanha de combate ao bullying.

É sobre este processo de implementação do programa Escolas Ubuntu no AEPAS e o seu impacto, que se foca o presente estudo de caso. O processo de investigação ainda se encontra em curso, no entanto, no presente artigo, optou-se por centrar a análise e discussão nos dados recolhidos, junto da diretora do AEPAS e das assistentes operacionais que realizaram a Semana Ubuntu.

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Com esta análise aprofundada das perceções, opiniões e experiências da diretora e das assistentes operacionais, de natureza qualitativa, procura-se identificar, compreender e avaliar os principais impactos e desafios da implementação do programa Escolas Ubuntu no AEPAS.

Método

Participantes

Os participantes são a diretora do AEPAS e cinco assistentes operacionais. As assistentes operacionais são todas do sexo feminino. Todas as assistentes operacionais participaram numa semana Ubuntu, desde 2019 até ao ano letivo de 2021/2022 e o número de anos em que estão no AEPAS varia entre um ano e mais de 30 anos.

Instrumentos

A investigação baseou-se na utilização de uma entrevista semiestruturada com a diretora do AEPAS e na realização de um focus group com as assistentes operacionais do AEPAS. Entrevista. A entrevista semiestruturada seguiu um guião, com oito questões, definido pela equipa de investigadores, e abordou os seguintes tópicos: os motivos para aderir ao projeto Ubuntu, as motivações e as expetativas iniciais, a avaliação do processo e o impacto da implementação do projeto na comunidade educativa e nas políticas escolares. Um exemplo de uma das questões iniciais do guião da entrevista é “O que significa para a vossa comunidade educativa participar no projeto Ubuntu?”.

O focus group seguiu um guião, com nove questões, definido pela equipa de investigadores, e abordou os seguintes tópicos: a avaliação do processo e o impacto da implementação do projeto na comunidade educativa. Um exemplo de uma das questões iniciais do

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guião do focus group é “Nas suas palavras, o que é o projeto Ubuntu? E para que serve?”.

Procedimentos

Para a realização deste estudo, seguiu-se o protocolo de investigação elaborado por uma equipa de investigadores do Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu que promovem cinco estudos de caso em Escolas Ubuntu. O estudo foi realizado por uma investigadora, de modo presencial na escola. Foram previamente definidos, com a equipa de educadores Ubuntu, os procedimentos a adotar, as necessidades relativas ao local para a recolha dos dados e a calendarização dos mesmos.

Antes da entrevista e do focus group, todos os participantes deram o seu consentimento informado, por escrito. O consentimento informado apresentava a investigação e os seus objetivos, solicitava autorização para a gravação em formato áudio e descrevia a confidencialidade dos dados obtidos, assim como que a participação era voluntária, podendo o participante desistir nem qualquer implicação.

Os dados foram recolhidos no dia 1 de julho de 2022, através de entrevista semiestruturada com a diretora do AEPAS. Após a entrevista com a diretora, no dia 21 de julho de 2022, foram recolhidos os dados, através de um focus group, com as assistentes operacionais do AEPAS. A seleção dos participantes para o focus group foi efetuada em colaboração com a equipa de educadores Ubuntu, de acordo com as características e o número de participantes vez apresentados no protocolo de investigação.

A entrevista e o focus group foram conduzidos por uma investigadora, gravados na escola, através de registo em áudio (voz) e transcritos na integra.

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Para a análise dos dados qualitativos optou-se pela análise de conteúdo, por categorização, com base em grelhas de categorias. A partir dos objetivos da investigação, onde se pretende realizar um estudo de avaliação de impacto de um programa, a equipa de investigadores, através de uma abordagem de codificação dedutiva de dados qualitativos, elaborou uma grelha de códigos, com três categorias e um total de oito subcategorias, que se apresenta na Tabela 1.

Tabela 1.

Grelha de codificação

Conceito(s)

Projeto Ubuntu

Impactos

Apreciação global do projeto

Subcategorias

Significado

Expectativas

Alunos

Turma

Profissionais

Comunidade educativa

Potencialidades/continuidade

Limitações

Esta abordagem traz vantagens, quando se tem uma estrutura pré-determinada de códigos, de modo a que seja possível analisar os dados, atribuindo esses códigos aos dados qualitativos.

Resultados

Os resultados são apresentados de seguida, de acordo com a grelha de codificação aplicada à entrevista realizada à diretora do AEPAS e ao focus group realizado com as assistentes operacionais.

Entrevista à diretora do AE

Relativamente à primeira categoria “Projeto Ubuntu”, na subcategoria Significado, foram identificadas diversas atribuições ao projeto Ubuntu. Por um lado, não pode ser considerado apenas um projeto, pois “é um modo de vida, é um modo de estar!”, onde a importância do saber ser, do saber estar e do saber fazer, foram muito valorizados. E por outro lado, os afetos, as emoções e o cuidar dos outros, emergiram como as principais interpretações atribuídas ao projeto Ubuntu. Ainda, o “tem que ser significativo” foi destacado para classificar e dar sentido ao significado e ao valor do Ubuntu no AEPAS.

Na subcategoria Expetativas da primeira categoria, é esperado dar continuidade ao projeto Ubuntu no ano seguinte, dado o feedback positivo dos anos anteriores. Assim, as expetativas são muito positivas e foram mesmo superadas, ficando ainda na expetativa “de chegar a todos e logo muito cedo”, uma vez que foi considerado que o projeto Ubuntu “é o caminho da Educação!”.

Para a segunda categoria “Impactos”, definiram-se subcategorias, que correspondem aos impactos em diferentes níveis, i.e., nos alunos, na turma, nos profissionais e na comunidade educativa. Relativamente aos alunos, a diretora perceciona que, após uma Semana Ubuntu, há “logo ali uma mudança de comportamentos e um outro olhar (...) E o facto é que os miúdos à segunda-feira são uns, e à sexta quando termina, são outros!”. Assim, os impactos do projeto Ubuntu nos alunos são muito positivos: i) nos próprios alunos – um maior autoconhecimento, autoconfiança e empatia, p.e., “conhecerem-se muito melhor”, “sentirem que têm as mesmas preocupações”, “de se olharem como pessoas”; ii) na forma como os alunos se relacionam entre si – maior empatia e resiliência, p.e., “solidariedade”, “afetos”, “olhar nos olhos”, “coesão de grupo”, “sentem-se acolhidos”; e, iii) no modo como se relacionam com os professores e as assistentes

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operacionais – maior empatia e sentido de serviço, p.e, “proximidade muito maior”, “cumplicidade”, “abraços”, “falarem connosco”.

Os impactos do projeto Ubuntu na turma são também muito positivos. Isto porque, por vezes, as escolhas sobre quem vai participar na semana Ubuntu recai em turmas específicas, “sobretudo aquelas que precisam de maior coesão enquanto turma, enquanto grupo”. Assim, uma maior coesão após a semana Ubuntu é muito destacada, bem como que se notam efeitos na “turma como um todo”. Ainda, relativamente a impactos concretos, destaca-se a identificação de problemas comuns a vários alunos da turma e a preocupação que os alunos revelam uns pelos outros, nomeadamente “Porque o problema de um é o problema dos outros também. (...) E isso viu-se ali, os miúdos muito preocupados uns com os outros e o sentarem-se ao lado um do outro. Hum...e terem o cuidado de estar um ao pé do outro.”

Ao nível dos profissionais, os impactos do projeto Ubuntu podem ser agrupados nos seguintes conteúdos: perfil do professor, relacionamento interpessoal (entre professores e entre professores e alunos) e desenvolvimento pessoal e profissional. No perfil do professor, a diretora referiu a importância da escolha de quem vai participar na formação Ubuntu, de modo que a escolha recaia ou sobre quem já revela maior sensibilidade para a promoção de competências sócio emocionais, uma vez que “é um bocadinho pela sedução (...) quem está muito alinhado com este tema” ou sobre quem demonstre estar mais afastado da importância desta abordagem, nomeadamente “aqueles mais resistentes à mudança”. No relacionamento interpessoal, o diretor de turma tem um papel preponderante pela relação social que estabelece com os alunos, em particular “um outro olhar”, uma forma diferente de entender e compreender os alunos; e pelo modo como interage com os colegas (outros professores), salientando a coesão e a proximidade entre professores e a com-

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preensão que os diretores de turma têm dos alunos e que se manifestam nos Conselhos de Turma “é outra pessoa que conhecem um bocadinho da sua história de vida”. No desenvolvimento pessoal e profissional, foram referidos “uma mudança de comportamentos”, também nos profissionais, “eles conhecerem-se muito melhor (...) de se olharem como pessoas”, um maior envolvimento dos diretores de turma nas atividades da turma e um maior e exigente trabalho em equipa, entre professores.

Os impactos do projeto Ubuntu na comunidade educativa são diversos, muito positivos e considerados um sucesso. A diretora considerou que os impactos são muito gratificantes e que isso desencadeia a “perspetiva de criar condições em que o Ubuntu aconteça mais vezes”. No entanto, os resultados não são imediatos, nem são esperados que o sejam, pois apesar de existirem mudanças visíveis no curto-prazo, o processo de mudança na comunidade educativa é lento, mas os resultados “vão acontecer e estão a acontecer, levam o seu tempo” e “provavelmente o agrupamento inteiro se envolve nisto”. Nos principais exemplos apresentados relativamente aos impactos na comunidade educativa destacam-se, de novo, “entre alunos e entre professores, e professores com alunos. É tornam-se mais assertivos. A resolução de problemas”. Mas, os impactos também foram identificados junto das assistentes operacionais, inclusive na forma como lidam com alguns comportamentos dos alunos, colocando-os a refletir sobre os seus atos, p.e. “Olha lá tu não estiveste na Semana Ubuntu!?”, o que desencadeou que fosse o próprio grupo das assistentes operacionais a propor a realização de uma formação Ubuntu. Esta proposta de Semana Ubuntu com as assistentes operacionais foi muito importante para as próprias, “porque lhes faz sentido, faz sentido e têm necessidade disso”. Tendo um forte impacto positivo no seu desenvolvimento pessoal e profissional, pois “entravam de manhã muito bem-dispostas, saíam a chorar! (...) elas diziam que,

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já há anos que elas trabalhavam no mesmo sítio e que não se conheciam!”. O autoconhecimento que a Semana Ubuntu possibilitou às assistentes operacionais, teve impacto muito significativo, no modo como estas se passaram a relacionar entre si, com os alunos, com os professores e com os restantes membros da comunidade educativa. Relativamente aos pais, o feedback recebido é também positivo, mas revelando, ainda, algum desconhecimento dos mesmos sobre o significado do projeto Ubuntu, apesar de conhecerem e demonstrarem a motivação, o entusiasmo e a adesão dos seus educandos ao projeto Ubuntu. Em especial, como exemplo, a diretora referiu que “eles às vezes para a escola chegam atrasados, mas para a Semana Ubuntu, eles não querem chegar atrasados. E esse é o melhor feedback que podemos ter dos pais”. Ainda, é de salientar um outro impacto na comunidade educativa, pela integração, explícita, do Ubuntu no projeto educativo do AEPAS, “nós este ano estamos a construir o projeto (educativo) (...) onde estão os pilares Ubuntu”.

Relativamente à terceira categoria “Apreciação global do projeto”, na subcategoria Potencialidades/continuidade, foram identificados diversas pontos fortes e oportunidades para o projeto Ubuntu. Estes dizem respeito ao processo de mudança que o Ubuntu opera na Escola – “não é de um dia para o outro, que acontece, são pequenos passos”; à capacidade e dedicação da equipa “núcleo duro” que promove o projeto no AEPAS – “a equipa é muito coesa”, “conseguem chegar a todos os professores do agrupamento” e “Eles sabem (...) a que porta hão de bater e quando hão de bater”; ao futuro do sistema educativo – “é por aí que eu acho que as escolas devem caminhar”. A diretora destaca o sucesso do projeto Ubuntu no Agrupamento, considerando que a grande mais-valia é a compreensão que os alunos, os professores e a restante comunidade têm uns dos outros. Mas que “o sucesso também se deve muito a esta equipa (núcleo duro) que está”. Ainda, de acordo com diretora, o que faz dar continuidade ao

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projeto Ubuntu são essencialmente as pessoas, “No fundo, é as pessoas! Continua a ser, as pessoas!”.

Optou-se também por analisar de que forma é que o projeto Ubuntu pode contribuir para transformar o sistema educativo. A diretora referiu a relevância das aprendizagens serem significativas para que o sistema educativo tivesse sucesso – “a aprendizagem ser significativa (...) O sucesso do Ubuntu é, exatamente, porque as atividades são significativas”, para além de uma mudança no sentido de se apostar na promoção das competências sócio emocionais dos alunos, dos professores e da restante comunidade educativa - “trabalhar na linha das competências mais sócio emocionais, porque se nós trabalharmos muito na base das competências sócio emocionais... provavelmente, é preditor de que as cognitivas e todas as outras, elas tenham sucesso”; e, de haver uma alteração na forma como os professores ensinam – “todos nós nos recordamos dos professores que foram significativos para nós (...) não é um conteúdo em si, mas era a maneira como a professora ensinava”.

Na subcategoria Limitações da terceira categoria, não foram identificadas limitações, apenas foram referidas a necessidade de gestão dos horários dos professores, para que estes possam estar presentes na semana Ubuntu “estes professores possam não estar a dar as aulas” e a rotatividade que tem que existir entre os Educadores na dinamização da semana Ubuntu “um Educador que esteve só uma semana, na outra semana esteve outro Educador”.

Por fim, a diretora sumariou o que gostaria de transmitir a outros Diretores de Agrupamentos de Escolas sobre o Ubuntu, manifestando ser um privilégio poder implementar o método Ubuntu nas escolas, pois “sai fora da caixa”, “olha para a pessoa em si” e “tudo é mais facilitador”. Referiu, ainda, que o papel dos Diretores é criar

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condições para que aconteça e que se devem aproveitar as potencialidades das “pessoas extremamente válidas na escola”.

Focus group com assistentes operacionais

Na primeira categoria “Projeto Ubuntu”, para a subcategoria Significado, foram identificadas atribuições ao projeto Ubuntu, no âmbito do desenvolvimento pessoal e do interpessoal. Relativamente ao desenvolvimento pessoal, a Semana Ubuntu promoveu o autoconhecimento, ao permitir que cada pessoa refletisse sobre si (“olhar para dentro”), que cada pessoa prestasse atenção a si mesmo (“olhar para mim”, “olhar para nós próprios”). A Semana Ubuntu contribuiu para uma tomada de consciência e um crescimento pessoal, pela valorização das capacidades que todas as pessoas já têm e pela disponibilidade para aprender e para ser melhor. Quanto ao desenvolvimento interpessoal, a Semana Ubuntu promoveu o relacionamento com os outros, a empatia e a “construção das pontes”, ao permitir criar ou aprofundar relações com os outros (“tentar ver aquilo que eu posso fazer para o próximo”, “conseguimos pôr também do outro lado”, “calçar os sapatos do outro”, “ligação com as outras pessoas”, “saímos de lá a conhecer essa pessoa e a respeitá-la enquanto ser humano”), ao capacitar para a importância do saber pedir ajuda aos outros e para a importância de aprender a “fazer caminho com estas pessoas”. Ainda, o projeto Ubuntu é considerado uma “mais-valia”, “excecional”, “ótimo”, “mesmo bom”, por todas as participantes, uma vez que “o Ubuntu ajuda a mudar as pessoas e para melhor!”.

Para a subcategoria Expetativas da primeira categoria, destacam-se três conteúdos principais. As expetativas iniciais das assistentes operacionais eram baixas e fracas (“Que fantochada (...) Vou chorar porquê? Vou chorar se eu quiser!”, “Isto vai ser uma seca, eu não quero ir!”, “Eu não vou perder tempo nisso”) e após a Semana Ubuntu houve uma alteração para o pólo muito positivo (“Foi mesmo

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 bom”). A necessidade de periodicamente haver uma renovação da formação (“vai à oficina uma vez por ano”, “era bom que renovassem, que tivéssemos que fazer várias vezes”). E, por fim, o alargamento da Semana Ubuntu para mais pessoas (“mesmo os pequenininhos (...) não precisavam de chegar ao 9º ano”, “todos deviam fazer”, “todas nós deveríamos poder passar por isso”) e para mais escolas (“o Ubuntu devia ir a todas as escolas”, “consigam chegar estes exemplos a outras escolas”).

Na segunda categoria “Impactos”, para a subcategoria alunos, as assistentes operacionais percecionam que, após uma Semana Ubuntu, há uma grande mudança (“foi uma diferença”, “tinham uma postura diferente”, “Há uma forma diferente de ver a vida, de encarar as outras pessoas”, “aqueles miúdos mudaram, completamente diferente”, “há outro olhar”). Deste modo, os impactos do projeto Ubuntu nos alunos são muito positivos: i) nos próprios alunos – um maior autoconhecimento e autoconfiança, p.e., “os meninos são diferentes, pensam de maneira diferente”, “ele acabou por explicar situações da vida dele”, “o orgulho deles”; ii) na forma como os alunos se relacionam entre si – maior empatia e resiliência, p.e., “há um cuidado”, “o que é dito no Ubuntu, é respeitado no Ubuntu e os miúdos respeitam isso”, “aquelas escaramuças próprias e até isso acalmou”; e, iii) no modo como se relacionam com as assistentes operacionais – maior empatia e sentido de serviço, p.e, “vinham só dizer bom dia”, “vinham ter connosco”, “eles próprios mostraram uma disponibilidade para nós, que não tinham até ali”, “veja-me onde for, diz-me adeus e cumprimenta-me”, “eles davam importância ao facto de ter aquela bata vestida”.

Para a subcategoria Turma, os impactos do projeto Ubuntu na turma são também muito positivos, uma vez que “há mais cuidado entre eles” e há um sentimento de pertença ao grupo “quando se veste a camisola Ubuntu”.

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Ainda nesta categoria, para a subcategoria Profissionais, os impactos do projeto Ubuntu nas assistentes operacionais podem ser considerados em diferentes níveis, i.e., nas próprias assistentes operacionais, na relação com os outros (alunos, professores e assistentes operacionais) e no desenvolvimento profissional. Deste modo, os impactos do projeto Ubuntu nas assistentes operacionais são muito positivos: i) nas próprias – “todas temos esse olhar mais cauteloso”, “um fantasminha que está ali ao ouvido e diz: Calma!”, “nos torna muito mais sensível ao outro”, “Nós para aprendermos, temos que ter humildade, de sabermos que não sabemos, ou de querer aprender”, “cresceu imenso, enquanto pessoa”, “muito mais capaz de controlar essa impulsividade”; ii) no relacionamento com os alunos - “o nosso olhar para com os alunos”, “eu já me aproximo, já falo com eles meiguices”, “já temos outra maneira de ver as coisas e de os chamarmos a atenção”, “eu senti uma proximidade maior com aquele grupo de meninos”, “este menino apenas precisa de ajuda, precisa que o ouçam, precisa de colo, precisa de um abraço”, no relacionamento com os professores – “Realmente, isto é uma mais-valia” e no relacionamento entre assistentes operacionais – “melhorou muito as relações interpessoais (...) e a nível dos funcionários, muito, muito!”; e, iii) no seu desenvolvimento profissional, “além de sermos amigos, temos que ser profissionais”, “a nível profissional ajuda, não só pessoal” e “nós sentirmos a valorização que nos dão!”.

Para a subcategoria Comunidade educativa, os impactos do projeto Ubuntu na comunidade educativa são percecionados como muito positivos e destaca-se a melhoria das relações interpessoais, um maior cuidado com o outro e o saber dar importância ao outro. No entanto, outro aspeto evidenciado foi a atitude negativa inicial, de resistência e preconceito de alguns membros da comunidade educativa perante o papel ativo das assistentes operacionais, pois “a primeira reação: não é normal ter uma assistente operacional a fazer

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 atividades”. Este preconceito foi substituído pelo respeito, de formas diferentes, onde sobressaem três exemplos: i) uma atividade que teve um enorme impacto na comunidade educativa e que gerou uma maior empatia e respeito – os alunos literalmente vestiam a bata das assistentes operacionais e acompanhavam as suas tarefas, uma vez que “eles meteram-se no nosso lugar”; ii) “aquela brincadeira de vamos começar a tratar as pessoas pelo nome e não Senhora funcionária” e assim “Começam a conhecer-nos pelo nome e não pela Contínua!”; e iii) “ao fim de um tempo, estava dentro de uma sala de aulas, a trabalhar com professores, sempre havia uma atividade para fazer”, “a mudança do professor aconteceu, porque eu também ajudei a que isso acontecesse”. Especificamente relativo aos pais, as participantes referiram que não interagem muito com pais, e que este é também um mecanismo de defesa, pois ainda há pais com preconceitos para com elas (“Se for da minha parte, a mãe já está a resmungar, se for o professor que chega e diga...”, “ainda há muito aquela coisa de: Ai a Contínua!”). No entanto, alguns pais referiram que a Semana Ubuntu teve impacto nos seus educandos pela pontualidade (“vocês fazem milagres, ele às 8:00 já está despachado”).

Na terceira categoria “Apreciação global do projeto”, na subcategoria Potencialidades/continuidade, foram identificados como pontos fortes: o processo de mudança que se opera nas pessoas, pois “a semente ficou e nós conseguimos tentar trazê-la para os que nos rodeiam”; a capacitação das pessoas para dar importância aos alunos, uma vez que “Nós com isto vamos trabalhar o futuro deles!” e aos outros colegas, uma vez que “independentemente de ser professor, ser diretor, ser ministro, ser auxiliar, ser o porteiro, somos todos seres humanos e todos nós temos que ter, de perceber o outro!”; e, a necessidade de disseminação, pois “todo o ser humano deveria passar pelo Ubuntu!” e seria muito útil uma Semana Ubuntu para os pais. Para esta Semana Ubuntu com pais, destaca-se a importância de “haver sempre um

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 grupo que vá à frente e depois é o passo a palavra” e que esse grupo deve ser “misturado”, ou seja, com pessoas de proveniências diversas.

Na subcategoria Limitações da terceira categoria, foram identificadas: i) o número ainda reduzido de assistentes operacionais que fizeram a Semana Ubuntu (“enquanto funcionários, nem todas ainda fizeram“), ii) não se poder repetir a Semana Ubuntu (“com o andamento a gente vai-se esquecendo”, “fazer a recauchutagem”), iii) as dificuldades logísticas de realizarem mais Semana Ubuntu pelo elevado número de pessoas e pelo grande número de tarefas a realizar (“somos muitos”, “a questão da organização, não deve ser fácil”, “muita coisa a fazer ao mesmo tempo”), iv) o número reduzido de formadores Ubuntu e a dificuldade em gerir o tempo (“Isto envolve muito tempo das partes, que fazem a formação para nós”, “os formadores do Ubuntu não são só formadores do Ubuntu, são professores da escola”, e “não é fácil eles arranjarem tempo”), e v) falta de conhecimento, em geral, sobre o que é o Ubuntu (“eu ouço isto muitas vezes: Ah agora é uma seita”).

Discussão

Os resultados obtidos foram descritos de acordo com a grelha de codificação dos dados, nomeadamente o significado e as expectativas relativamente ao projeto Ubuntu, os impactos nos alunos, na turma, nos profissionais e na comunidade e, ainda, a apreciação global do projeto, quanto às potencialidades/continuidade e às limitações.

Os resultados sugerem que, tanto para a diretora como para as assistentes operacionais, o significado do projeto Ubuntu vai muito para além do que se vive nos cinco dias da Semana Ubuntu. Emerge das participantes que o Ubuntu é encarado como uma redescoberta pessoal, determinante para o autoconhecimento e para o saber ser,

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estar e fazer. A dimensão do “Eu” no Ubuntu é refletida nas opiniões de todas as participantes. Mas também a dimensão do “Tu” está patente no significado atribuído ao Ubuntu, pela importância referida do cuidar dos outros, da empatia e da construção de pontes. O programa Escolas Ubuntu está assim em concordância com a definição de aprendizagem social e emocional (CASEL, 2015), ao ser entendido como um processo essencial e de melhoria para todos os membros da comunidade educativa envolvidos.

As expetativas das participantes sobre o projeto Ubuntu, que antes da Semana Ubuntu eram baixas para as assistentes operacionais, tornaram-se muito positivas e bastante elevadas, para todas as participantes. É unânime que o projeto Ubuntu deve ter continuidade e que este deve ser alargado para chegar a mais pessoas, ou mesmo a todos, tendo sido referido de um modo muito especial, a expetativa de que chegue também aos alunos mais novos. Esta dimensão da intervenção precoce e da sua maior eficácia nos primeiros anos foi também referido como um dos componentes importantes para a aprendizagem social e emocional nas escolas (Cefai et al., 2018). Ainda, as assistentes operacionais referiram ter como expetativa, a possibilidade de se realizar periodicamente uma renovação da formação. Também esta dimensão da formação foi destacada Cefai e colaboradores (2018) como uma componente essencial, à qual se pode adicionar a particularidade da formação contínua.

Foram identificados impactos muito positivos do programa Escolas Ubuntu nos alunos, durante e imediatamente após a Semana Ubuntu. Todas as participantes referiram que há uma grande mudança nos alunos, após a Semana Ubuntu, tendo sido destacado pela diretora “um outro olhar” e igualmente salientado pelas assistentes operacionais “há outro olhar”. Os cinco pilares do método Ubuntu – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência,

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empatia e serviço (Marques, 2020) – foram referidos tanto pela diretora como pelas assistentes operacionais, como impactos que estas percecionaram nos próprios alunos, na forma como se relacionam entre si e no modo como se relacionam com os professores e as assistentes operacionais. Estes impactos positivos apresentados também estão de acordo com os resultados que Durlak et al. (2011) referiram, nomeadamente as competências sociais e emocionais e as atitudes positivas para consigo e com os outros e com um dos fatores que contribuem para o sucesso dos programas referidos pela CASEL (2015), a qualidade da interação professor-aluno. Torna-se evidente que o programa Escolas Ubuntu promove a aprendizagem social e emocional dos alunos, ao adquirirem e aplicarem (CASEL, 2015), as competências sociais e emocionadas desenvolvidas.

Foram também descritos impactos muito positivos do programa “Escolas Ubuntu” no grupo turma. A coesão da turma, a preocupação e o cuidado que passa a existir entre os alunos, após a Semana Ubuntu, é mencionado pelas participantes. Estes impactos enquadram-se nos fatores decisivos para o sucesso dos programas de aprendizagem social e emocional (CASEL, 2015), de onde se destaca a importância da aceitação pelos pares. É assim visível que o programa “Escolas Ubuntu” promove a liderança servidora, a ética do cuidado e a construção de pontes, tal como Marques (2020) refere.

Os resultados sugerem que os impactos do programa Escolas Ubuntu nos profissionais do AEPAS englobam benefícios para o seu desenvolvimento pessoal e profissional. A diretora e as assistentes operacionais destacam uma mudança pessoal, na qual os professores e as assistentes operacionais se passam a conhecer melhor como pessoas e a ter “um outro olhar” ou um “olhar mais cauteloso”; e, uma mudança no modo com interagem com os alunos e com

os colegas, na qual passa a haver uma maior proximidade, afeto e compreensão dos alunos, pelo conhecimento que passam a ter das suas histórias de vida, e uma maior coesão entre os colegas, proporcionando melhorias no relacionamento interpessoal. Ainda, é de referir o impacto positivo ao nível do desenvolvimento profissional, uma vez que estes, num processo contínuo, adquirem e desenvolvem novas competências, novos conteúdos e assumem novos valores, como diferentes modos de trabalho, reflexão e capacidade relacional. A diretora reporta as principais mudanças, no desenvolvimento profissional dos docentes, ao nível do envolvimento nas atividades da turma e num maior trabalho em equipa. Estes benefícios para os professores estão alinhados com os também encontrados por Cefai et al. (2018). As assistentes operacionais reportam no seu desenvolvimento profissional, uma mudança fundamental que é a valorização do seu papel.

Os impactos do programa Escolas Ubuntu na comunidade educativa são positivos e essenciais, com alguns resultados importantes já evidentes a curto-prazo, mas com a consciência de que o impacto no processo de mudança é lento. Emergiram dos dados os impactos na melhoria do relacionamento interpessoal, na relação aluno-aluno, professor-professor, assistente operacional-assistente operacional, professor-aluno, assistente operacional-aluno e professor-assistente operacional. O impacto nas assistentes operacionais é muito revelador também do impacto que a Semana Ubuntu tem nos alunos, pois o que originou que estas fizessem a proposta das assistentes operacionais realizarem, também, a Semana Ubuntu, foi a observação, no dia a dia da escola, das mudanças significativas nas interações entre os alunos. Esta Semana Ubuntu com as assistentes operacionais teve, na perspetiva da diretora, um impacto marcante no desenvolvimento pessoal e profissional das mesmas, em particular ao nível do autoconhecimento. A reforçar este considerável

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 impacto nas assistentes operacionais, está a perceção de mudança, que as próprias referem, em toda a comunidade educativa, de onde se partiu de uma atitude negativa e de preconceito relativamente ao papel das assistentes operacionais, até se alcançar uma atitude positiva e de respeito pelas mesmas. O impacto do programa Escolas Ubuntu nos pais não é ainda percecionado, nem pela diretora nem pelas assistentes operacionais, relativamente a uma mudança de atitude ou de comportamentos, pois há ainda algum desconhecimento da parte dos pais sobre o significado do projeto Ubuntu. No entanto, o impacto nos pais, reportado pelas participantes, é muito revelador do impacto que a Semana Ubuntu tem nos alunos, que são os seus educandos, uma vez que os pais referem que houve mudanças seus educandos, pois estes estão mais motivados, entusiasmados e pontuais. Outra evidência do impacto do programa Escolas Ubuntu na comunidade educativa é a integração explícita do Ubuntu no projeto educativo do AEPAS. Os impactos positivos do programa Escolas Ubuntu na comunidade educativa são ilustrativos dos fatores que contribuem para o sucesso dos programas de aprendizagem social e emocional (CASEL, 2015), ao nível organizacional, pelo clima positivo da escola e pelas práticas de liderança e ao nível societal, pelo envolvimento da família. A análise dos dados da entrevista e do focus group permitiu verificar com algum detalhe aquilo que raramente é considerado nas avaliações de impacto, a importância dos outros níveis de análise como a escola e o nível societal. Assim, o clima escolar positivo que o AEPAS promove e no qual já houve progressos muito significativos, é também um dos componentes essenciais na implementação de programas de aprendizagem social e emocional nas escolas (Cefai et al., 2018).

Os resultados sugerem as potencialidades e a continuidade do projeto Ubuntu são evidentes. Os pontos fortes são o processo de mudança (que ocorre nas pessoas e que está em curso), no AEPAS

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desencadeado pelo programa Escolas Ubuntu. São, também, as competências da equipa Ubuntu no AEPAS e a qualidade e dedicação desta equipa ao projeto, entendida como um fator determinante para o sucesso do mesmo. Outro ponto forte é a compreensão e a capacitação das pessoas para dar importância aos outros, tanto aos alunos como aos outros membros da comunidade educativa. Para além destes três pontos fortes, a continuidade do projeto Ubuntu deveria, de acordo com as participantes, envolver a disseminação junto de todas as pessoas, sendo um dos próximos passos a realização de uma Semana Ubuntu com pais. O envolvimento da família ou dos pais são também referidos na literatura como fatores que contribuem para o sucesso dos programas de aprendizagem social e emocional (CASEL, 2015; Cefai et al., 2018). Ainda, as potencialidades e a continuidade do projeto Ubuntu, de acordo com a diretora do AEPAS, envolve o papel dos Diretores de Agrupamentos de Escolas, uma vez que estes devem criar condições para a implementação do projeto nas respetivas escolas. Os resultados também sugerem que o projeto Ubuntu pode contribuir para transformar o sistema educativo, uma vez que a diretora destacou que para que o sistema educativo tenha sucesso são determinantes três aspetos: 1) que as aprendizagens dos alunos sejam significativas, tal como acontece com as atividades do projeto Ubuntu; 2) que haja um investimento na promoção das competências socioemocionais dos alunos, dos professores e da restante comunidade educativa, tal como promove o projeto Ubuntu, pois as competências sociais e emocionais vão facilitar a aquisição de outras competências, como as cognitivas; e, 3) que os professores mudem a forma como ensinam, onde independentemente dos conteúdos, na maneira como se ensina estejam presentes as emoções e os afetos e que haja um olhar diferente, ou seja, que as competências sociais e emocionais dos professores sejam promovidas para que estas desencadeiem mudanças nas práticas pedagógicas dos professores. Ao nível societal, tal como a literatura

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refere, as políticas que promovam a aprendizagem social e emocional são determinantes.

Dos resultados apresentados, as limitações do programa “Escolas Ubuntu” estão relacionadas com a gestão do tempo dos Educadores Ubuntu (i.e., os que dinamizam as Semanas Ubuntu), pela sua necessidade de organização e presença na Semana Ubuntu, sem descorar as aulas e outras tarefas. Como forma de ultrapassar esta limitação há uma rotatividade entre os Educadores Ubuntu, nas Semanas Ubuntu. As assistentes operacionais ainda referiram o número ainda reduzido de assistentes operacionais que participaram numa Semana Ubuntu e não se poder repetir a Semana Ubuntu e a falta de conhecimento, em geral, sobre o que é o Ubuntu.

De acordo com os objetivos definidos para a presente investigação, os resultados permitiram compreender quais os impactos do programa Escolas Ubuntu no AEPAS, em diferentes níveis.

Limitações

A presente investigação apresenta um conjunto de limitações que importa considerar, para uma adequada compreensão dos limites da pesquisa. A investigação ao ser qualitativa, tende para aspetos subjetivos na análise dos dados e os dados foram codificados por apenas um juiz, onde pode ter ocorrido um enviesamento potencial. Os dados recolhidos apenas consideram a perspetiva dos adultos, assim há necessidade de mais recolha de dados, com outros membros da comunidade educativa, como os educadores Ubuntu, os alunos e os pais. Ainda, no presente estudo de caso apenas foram considerados dados de natureza qualitativa, o que para a compreensão do impacto do programa “Escolas Ubuntu” no AEPAS, poderia ser benéfico complementá-lo com dados quantitativos, para se poder

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medir os resultados alcançados com o programa. Por fim, os dados dizem respeito a apenas um Agrupamento de Escolas e os resultados encontrados não podem ser generalizados.

Conclusão

A implementação do programa Escolas Ubuntu no AEPAS, ao longo dos últimos 3 anos, possibilitou uma elevada compreensão sobre o que é e as potencialidades do método Ubuntu para a Educação, um envolvimento direto de um elevado número de elementos da comunidade educativa (alunos, professores, técnicos, assistentes operacionais) e um envolvimento indireto da comunidade educativa e da comunidade envolvente, devido às atividades do Clube Ubuntu.

Os dados analisados dizem respeito à entrevista à diretora do AEPAS e ao focus group com assistentes operacionais, sendo uma parte da investigação a decorrer. Se por um lado, este facto se torna uma limitação, pois não revela as opiniões de outros membros da comunidade educativa, por outro lado, o papel da Diretora, ao ser representante do AEPAS, e das assistentes operacionais, ao terem um papel determinante na convivência e clima da escola, permite ter uma visão alargada e abrangente sobre o projeto Ubuntu no Agrupamento.

Dos resultados apresentados, destacam-se as elevadas expectativas relativamente ao projeto Ubuntu, os impactos muito positivos percecionados ao nível dos alunos, dos professores e técnicos e das assistentes operacionais, em particular no desenvolvimento pessoal e no relacionamento interpessoal, os impactos na comunidade educativa pela maior compreensão e preocupação com o outro, a pertinência de uma equipa dinamizadora do Ubuntu coesa e a integração dos 5 pilares Ubuntu no projeto educativo do agrupamento.

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O AEPAS não está num nível inicial de implementação do projeto Ubuntu, pelo contrário, está sólida e conscientemente, a enraizar o Ubuntu na comunidade educativa do agrupamento, pois compreende a importância das Pessoas e das Relações, assumindo, não a implementação de práticas isoladas, mas a criação de um ecossistema Ubuntu, que monitoriza e inova continuamente.

Como sugestões para estudos futuros, de modo a robustecer a compreensão e os impactos do programa Escolas Ubuntu no AEPAS, é necessário a recolha de mais informações e dados, através da realização de focus group, em particular junto dos alunos, da equipa de Educadores Ubuntu e dos pais. Também se considera pertinente, a realização de uma análise das atividades do Clube Ubuntu, dos stakeholders que estas atividades envolvem e dos respetivos resultados alcançados.

A presente investigação procura contribuir para a construção do conhecimento em torno do programa Escolas Ubuntu, nos seus impactos, nos seus pontos fortes e nos principais desafios.

Referências:

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Cefai, C., Bartolo, P., Cavioni, V., & Downes, P. (2018). Strengthening Social and Emotional Education as a core curricular area across the EU: A review of the international evidence. NESET II report. Publications Office of the European Union. https://data.europa. eu/doi/10.2766/664439

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Durlak, J. A., Weissberg, R. P., Dymnicki, A., Taylor, R. D., & Schellinger, K. (2011). The Impact of Enhancing Students’ Social and Emotional Learning: A Meta-Analysis of School-Based Universal Interventions. Child Development, 82(1), 405–432. https://doi.org/10.1111/j.1467-8624.2010.01564.x

Goldberg, J. M., Sklad, M., Elfrink, T. R., Schreurs, K. M. G., Bohlmeijer, E. T., & Clarke, A. M. (2019). Effectiveness of interventions adopting a whole school approach to enhancing social and emotional development: a meta-analysis. European Journal of Psychology of Education, 34(4), 755–782. https://doi. org/10.1007/s10212-018-0406-9

Marques, R. (2020). Introdução. In J. L. Gonçalves, & M. Alarcão (Eds.), Pilares do Método Ubuntu (pp. 11-26). Instituto Padre António Vieira.

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Semanas Ubuntu: Estudo de caso no Agrupamento de Escolas José Régio

Ubuntu Week - Case study at Agrupamento de Escolas José Régio

FERNANDO ANTÓNIO TRINDADE REBOLA1 E LUÍSA MARIA SERRANO DE CARVALHO2

(1) Instituto Politécnico de Portalegre, Portalegre, Portugal, fernando.rebola@ipportalegre.pt, https://orcid.org/0000-0002-1545-7877

(2) Instituto Politécnico de Portalegre, Centro de Investigação em Educação e Psicologia da Universidade de Évora (CIEP-UE), Portalegre, Portugal, luisacarvalho@ipportalegre.pt, https://orcid.org/0000-0001-6095-6010

Resumo

O estudo que se apresenta enquadra-se numa investigação mais abrangente efetuada no âmbito do Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu e cujo objetivo foi o de conhecer o impacto das Semanas Ubuntu em cinco agrupamentos de escolas de Portugal continental. Neste artigo, os dados centram-se no estudo de caso efetuado junto de um desses agrupamentos: Agrupamento de Escolas José Régio, localizado na cidade de Portalegre. Os dados foram recolhidos no primeiro ano de implementação da Semana Ubuntu, nesse agrupamento. De modo a se obter uma visão dos diferentes intervenientes da comunidade educativa, os dados foram recolhidos, por entrevista em painel (focus group) junto de: educadores e jovens que participaram na Semana Ubuntu; encarregados de educação de jovens que participaram na Semana Ubuntu; elementos da equipa Instituto Padre António Vieira que acompanharam o agrupamento de escolas; outros elementos do agrupamento de escolas (que não participaram na Semana Ubuntu). Efetuou-se ainda uma entrevista semiestruturada à diretora do agrupamento de escolas. Da análise de conteúdo, emergiu um conjunto de categorias e subcategorias. Nesse sentido, e para uma maior profundidade da apresentação e análise dos dados, este artigo foca-se na categoria apreciação global, procurando conhecer a apreciação efetuada pelos diferentes elementos da comunidade educativa, identificando pontos de contacto, mas também olhares distintos em torno de uma mesma realidade. Globalmente, a avaliação é positiva, deixando-se, no entanto, também pistas e sugestões para, no futuro, (re)pensar a intervenção.

Palavras-Chave: Programa Escolas Ubuntu; agrupamento de escolas; competências socioemocionais; apreciação global.

Abstract: The current study is part of a broader investigation carried out by the Scientific Committee of the Ubuntu Leaders Academy. Its goal was to find out

the impact of the Ubuntu Weeks in five school clusters in Portugal mainland. The data focuses on the case study carried out with one of these school clusters - Agrupamento de Escolas José Régio, located in the city of Portalegre. Data was collected during the first year of implementation of the Ubuntu Week in this cluster. In order to get an insight into the different actors of the educational community, data was collected through panel interviews (focus group) with: educators; young people who took part in the Ubuntu Week; parents of young people who participated in the Ubuntu Week; members of the Padre António Vieira Institute team who closely followed the school cluster; and other elements of the school cluster (who did not participate in the Ubuntu Week). A semi-structured interview was also conducted with the director of the school cluster. From the content analysis, a set of categories and subcategories emerged. In this sense, and for a more in-depth presentation and analysis of the data, this article focuses on the category global appreciation, seeking to find out the appreciation made by the different elements of the educational community, identifying points of contact, and different views around the same reality. The evaluation is overall positive, suggesting, however, clues and recommendations to (re)think the intervention in the future.

Keywords: Ubuntu Schools Program; school cluster; social and emotional skills; global appreciation.

Introdução

O método Ubuntu assenta nos pressupostos da educação não-formal e centra-se no processo de crescimento humano (tornar-se pessoa), por via do desenvolvimento de cinco competências socioemocionais centrais: focadas no indivíduo (autoconhecimento, autoconfiança e resiliência) e socioemocionais/relacionais (empatia e serviço) (Instituto Padre António Vieira, 2020). O método Ubuntu assume uma abordagem participativa, experiencial e relacional, mobilizando recursos lúdico-pedagógicos (filmes, textos, contos, etc.) e dinâmicas diversificadas, nomeadamente por via de histórias de vida e da educação entre pares. A aprendizagem processa-se através de modelos de referência, tais como líderes de projeção mundial (Nelson Mandela, Martin Luther King, Malala Yousafzai, etc.,...), líderes comunitários e histórias de vida de elementos da comunidade.

O Programa Escolas Ubuntu desenvolve-se em contextos educativos formais e não-formais, assenta na metodologia acima enunciada e assume como objetivos:

• Capacitar jovens enquanto agentes de transformação ao serviço das suas comunidades, promovendo o desenvolvimento integrado de competências, com enfoque nas capacidades para a liderança servidora;

• Capacitar educadores que, demonstrando ter experiência e

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aptidão como formadores, reconhecendo o potencial de transformação do método Ubuntu, ajudem a disseminá-lo promovendo uma cultura de construção de pontes, onde os líderes servidores tenham um papel cada vez mais relevante;

• Promover o diálogo entre e dentro das comunidades para a promoção da paz e construção da justiça, contribuindo para o desenvolvimento de sociedades mais inclusivas e resilientes;

• Desenvolver uma ética do cuidado, focada na empatia, atenção e responsabilidade, considerando três dimensões: eu, eu-outro, eu mundo. (Instituto Padre António Vieira, 2019, p. 17)

O programa operacionaliza-se de uma forma imersiva através da realização de Semanas Ubuntu, nas quais podem participar entre 13 (mínimo) e 30 (máximo) alunos, idealmente 20 a 25. São as escolas que selecionam os participantes, bem como os respetivos critérios de seleção. Durante cinco dias de uma semana, os alunos não frequentam as aulas das disciplinas e imergem na Semana Ubuntu. As atividades da semana desenvolvem-se em torno dos cinco pilares Ubuntu (autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço), centrando-se num específico em cada dia da semana, pela ordem apresentada. Existe uma detalhada planificação e um conjunto de recursos disponibilizados pela equipa do Instituto Padre António Vieira (IPAV), dos quais os educadores/professores (que realizam formação específica para o efeito) se apropriam, tendo em vista a dinamização da semana, sempre com apoio de membros do IPAV, destacados para o efeito.

O estudo que se apresenta neste artigo integra-se num projeto de investigação mais alargado desenvolvido no âmbito do Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu e cujo objetivo foi o de conhecer o impacto das Semanas Ubuntu em cinco agrupamentos de escolas de Portugal continental. Considera-se que conhecer o impacto

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das Semanas Ubuntu é fundamental, na medida em que, por um lado, concorre para uma reflexão interna por parte dos agrupamentos de escolas e, de forma muito particular, para uma reflexão por parte dos responsáveis pelo programa (IPAV), numa ótica de melhoria contínua dos processos, em prol, naturalmente, dos estudantes. Por outro lado, importa considerar o facto deste programa, por se centrar na promoção de competências socioemocionais, se encontrar alinhado com uma estratégia política mais abrangente, podendo contribuir para diferentes desígnios educativos, nomeadamente os plasmados: no Perfil dos Alunos à saída da escolaridade obrigatória; na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania; no Plano Nacional de Promoção do Sucesso Escolar; no Programa de Mentoria entre Pares; e no Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Bullying e ao Ciberbullying

Tendo por referência este enquadramento, os dados apresentados neste artigo emergem dos resultados do estudo de caso efetuado junto de um dos cinco agrupamentos antes referenciados, mais especificamente, o Agrupamento de Escolas José Régio, situado em Portalegre, no Alto Alentejo. De modo a se ter uma “fotografia” mais completa da realidade, neste estudo de caso, optou-se pela recolha de dados junto de um conjunto alargado e diversificado de membros que compõem a comunidade educativa, conforme se explicitará de seguida. Para uma melhor compreensão do estudo, apresenta-se, além das opções metodológicas, uma breve caracterização do contexto empírico, à qual se seguirá a apresentação dos resultados e a sua discussão.

Método

A abordagem desta investigação reveste-se de uma natureza eminentemente qualitativa. Por ser o que melhor correspondia ao propósito da investigação, o estudo de caso foi o tipo de estudo se-

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 lecionado para o seu desenvolvimento. De acordo com Yin (2004), constitui-se como a “(…) estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real” (p. 19). A abordagem de estudo de caso, por definição, confere ao estudo um cariz interpretativo ao qual se acrescentará também atributos de estudo descritivo e exploratório.

Contexto e participantes

A investigação que se apresenta incidiu no Agrupamento de Escolas José Régio (AEJR) que se situa no Alto Alentejo, no concelho e distrito de Portalegre. O agrupamento integra sete escolas, situadas em quatro das sete freguesias do concelho de Portalegre: Alegrete, União de Freguesias de Reguengo e São Julião, Urra (freguesias rurais) e União das Freguesias da Sé e São Lourenço (freguesia urbana). Verifica-se uma maior concentração populacional na freguesia urbana, onde se situam as maiores escolas: duas do 1.º ciclo do ensino básico e a escola sede do agrupamento, Escola Básica José Régio, que integra os 2.º e 3.º ciclos e a turma Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF).

À data da recolha de dados, o AEJR tinha um total de 918 alunos, contando com um número significativo de alunos sinalizados à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. Refira-se que muitos alunos vivem fora de agregados familiares nucleares/tradicionais, nomeadamente em agregados monoparentais, com os avós, outros familiares, em regime de guarda partilhada ou institucionalizados. De referir ainda que quase metade dos alunos deste agrupamento (45%) beneficia de Ação Social Escolar, maioritariamente Escalão A (49%) e desses uma grande percentagem usufrui de apoio alimentar extra (Suplemento Alimentar).

O AEJR integra o Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) desde 1996. São objetivos centrais do programa a prevenção e redução do abandono escolar precoce e do absentismo, a redução da indisciplina e a promoção do sucesso educativo de todos os alunos.

O AEJR também desenvolve um conjunto alargado de projetos integrados, designadamente, no âmbito do Programa Erasmus+ e do Programa TEIP.

Ao nível do Projeto Escolas Ubuntu, o envolvimento começou de forma mais intensa no ano de 2021. A Semana Ubuntu decorreu de 22 a 26 de novembro desse ano, com a participação de 19 alunos de diferentes anos/turmas do 3.º ciclo do ensino básico. Tendo em conta este enquadramento, a recolha de dados efetuou-se junto de:

a) Educadores que participaram na Semana Ubuntu (6);

b) Jovens que participaram na Semana Ubuntu (13);

c) Pais/encarregados de educação de jovens que participaram na Semana Ubuntu (5);

d) Elementos da equipa IPAV que acompanharam o AE (2);

e) Outros elementos do AE (que não participaram na Semana Ubuntu) (6);

f) Diretora do agrupamento de escolas.

Instrumentos

Os dados foram recolhidos por meio de entrevista semiestruturada (junto da diretora do agrupamento) e de entrevista em painel (focus group), junto dos demais participantes no estudo. Realce-se que, segundo Yin (2004), “uma das mais importantes fontes de informações para um estudo de caso são [precisamente] as entrevistas (…)” (p. 112).

Procedimentos

A seleção dos participantes foi efetuada em colaboração com a direção do AEJR, uma vez apresentados, pelos investigadores, as características e o número de participantes. A recolha de dados, junto dos focus group , foi efetuada de abril a maio de 2022, grupo a grupo, tendo-se, no caso dos jovens, e considerando o número elevado de estudantes, dividido os participantes em dois focus group , que decorreram em simultâneo. Uma vez recolhidos os dados, estes foram transcritos e objeto de análise de conteúdo. Nas transcrições, para salvaguarda do anonimato dos participantes, usou-se uma codificação numérica. Quanto à análise dos dados, considerando as várias técnicas de análise de conteúdo, a que melhor se parece adequar aos propósitos do estudo é a análise categorial, a qual “funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos” (Bardin, 2011, p. 199).

As transcrições foram, conforme referido, objeto de análise de conteúdo, procedendo-se à categorização sistemática da informação num sistema de categorias e subcategorias emergente do processo de análise (ou seja, criadas a posteriori). Deste modo, o sistema de categorias foi-se desenvolvendo através de um “procedimento de acervo” (Bardin, 2011). As categorias emergentes não foram inteiramente coincidentes face aos dados dos diferentes focus group/ entrevistas, evidenciando-se, no entanto, algumas que são transversais a todos os grupos de participantes. No presente artigo, centraremos a análise precisamente numa dessas categorias: Apreciação global do projeto que, conforme referido, emergiu nos dados de todos os focus group/entrevistas.

Esta categoria, não representado uma visão completa da realidade da implementação da primeira Semana Ubuntu no AEJR, permite, no

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 entanto, apresentar uma visão integrada e abrangente da sua implementação. Trata-se de uma visão integrada na medida em que esta é uma categoria transversal a todos os grupos representativos dos elementos da comunidade educativa a que se realizou focus group, o que nos permite reunir e sintetizar as perspetivas dos diferentes atores sobre uma mesma realidade. É também uma visão abrangente porque, para além da diversidade de perspetivas, apela à explicitação, análise e interpretação das experiências que, globalmente, mais marcaram todos e cada um dos diferentes grupos da comunidade educativa.

Resultados

Os resultados apresentam-se dando conta da análise decorrente de cada focus group/entrevista, adotando a seguinte ordem: educadores que participaram na Semana Ubuntu; jovens que participaram na Semana Ubuntu; pais/encarregados de educação de jovens que participaram na Semana Ubuntu; elementos da equipa IPAV que acompanharam o AEJR; outros elementos do AEJR (que não participaram na Semana Ubuntu); e diretora do AEJR. Conforme já referido, os dados apresentados centram-se exclusivamente, para cada grupo de participantes, nos dados referentes à categoria Apreciação global do projeto e respetivas subcategorias.

O focus group aos educadores (ED) integrou seis elementos: quatro professoras e duas técnicas especializadas (animadora e assistente social) que prepararam e dinamizaram a Semana Ubuntu. No âmbito da categoria Apreciação global do projeto deste focus group, definiram-se duas subcategorias: caráter diferenciador e continuidade. Na tabela 1, é possível aceder aos dados referentes à primeira subcategoria enunciada.

Tabela 1.

Subcategoria 1 (ED) - Caráter diferenciador

Subcategoria Conteúdos Registos* Indivíduos

Desenvolvimento de competências socioemocionais

Planeamento/preparação

Mudança de paradigma na educação

TOTAL

* Número de vezes que os indivíduos se referiram a um conteúdo.

Quatro educadoras explicitaram o caráter diferenciador do projeto por promover o desenvolvimento de competências socioemocionais (10 registos), como se exemplifica:

“Eu acho que o Ubuntu e esta formação teve muita importância na educação. Acho que pode ser aqui um ponto de viragem e muito importante. Já houve vários anos em que eu trabalho com as emoções, que crio de raiz oficinas com os miúdos, e onde a maior satisfação que eu tenho é quando um professor e um aluno começam a partilhar, e eu aí retiro-me e a coisa está feita, e aqui [projeto Ubuntu] é ligação direta e o objetivo está todo feito” (2.6.2.).

Uma das educadoras destacou, ao nível do planeamento/preparação, o facto de ser um projeto incrível, de tudo estar pensado a cada minuto (1 registo). A mesma educadora destacou a possibilidade de se traduzir numa mudança de paradigma na educação (1 registo):

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

“Acho que é um contributo muito importante a nível geral, a nível nacional, e não só, porque não é só nacional que está a funcionar, aqui nesta mudança de paradigma da educação. Por outro lado, foi fantástico criar uma dinâmica de raiz, de sairmos da escola, criadas pelo Ubuntu e de pormos em prática, foi espetacular” (2.6.3.).

A segunda subcategoria, referente à apreciação global do projeto, diz respeito à sua continuidade (Tabela 2).

Tabela 2.

Subcategoria 2 (ED) - Continuidade

Investimento (temporal) no projeto como um ganho

Alargamento do projeto a outros alunos TOTAL

Quatro educadoras (4 registos) referiram-se à continuidade do projeto. Três destacaram o investimento temporal no projeto como um ganho (3 registos), como se ilustra:

“Eu acho que as escolas têm de dar o devido tempo e o devido valor para estes projetos serem dinamizados, sem ser “perda de tempo”, tem que se perceber o que se ganha com isto. Tem de se dar esse valor e esse tempo, é muito importante” (2.8.2.).

Outra partilhou o “sonho” de alargamento da Semana Ubuntu a outros alunos do AE (1 registo), embora com noção de que uma generalização pudesse vir a tornar-se uma “banalidade”, uma “questão

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

formatada”, pelo que destaca a importância de que o trabalho se continue a efetuar nos mesmos moldes, possibilitando um acompanhamento próximo dos alunos.

O focus group dos jovens foi composto por 13 alunos do 3.º ciclo do ensino básico AEJR que participaram na Semana Ubuntu (JO). No âmbito da categoria Apreciação global ao projeto (deste focus group), delimitaram-se quatro subcategorias, constando a primeira, Aspetos mais conseguidos (Tabela 3).

Tabela 3.

Subcategoria 1 (JO) - Aspetos mais conseguidos

Camisola

Atividades

Conhecer os outros

Convívio

Relação com professores

Tudo

TOTAL

Todos os jovens/alunos (12) fizeram referência a aspetos mais conseguidos da Semana Ubuntu (16 registos). De entre os aspetos, cinco alunos referiram-se à camisola, considerando que se constituiu como um momento especial, que assumiu particular relevo. Nas palavras de um dos jovens: “Eu também gostei dessa parte das camisolas porque simboliza um bocado a Semana Ubuntu, e é uma forma de nós não nos esquecermos do que é que lá fizemos e do que é foi. Foi muito giro” (5.3.3.). As atividades em si foram, no ponto de vista de três jovens (3 registos), o mais conseguido durante a semana. Dois alunos (2 registos) destacaram o convívio, o facto de terem tido oportunidade de encontrar outros jovens com que até então não tinham privado. Um estudante

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

(2 registos) salientou a relação com os professores, na medida em que “(…) já estávamos habituados a uma convivência com os professores na sala de aula e depois lá [Semana Ubuntu] foi completamente diferente. Eu acho que isso também ajudou a termos alguma relação com os professores que lá estavam que eram nossos. Essa foi uma das cenas que eu também mais gostei” (5.3.1.).

Um estudante (1 registo) afirmou ter sido tudo bem conseguido. No âmbito da apreciação global, os jovens identificaram também aspetos que consideraram menos conseguidos na Semana Ubuntu (ver subcategoria 2 – Tabela 4).

Tabela 4.

Subcategoria 2 (JO) - Aspetos menos conseguidos

Dinâmicas do 1.º dia da Semana Ubuntu Registos escritos Horário

Exposição em público Avaliação nas disciplinas (semana seguinte) Ausência de aspetos negativos

TOTAL

Sete dos jovens apontaram aspetos que, do seu ponto de vista, foram menos conseguidos (13 registos). Evidenciou-se, de forma particular, o facto de quatro alunos terem considerado menos conseguidas as dinâmicas do 1.º dia da Semana Ubuntu (8 registos), tendo explicitado que “Era muito grande [o filme sobre Mandela] e foi praticamente a tarde inteira a ver o filme e depois a fazer perguntas sobre

isso” (1.9.1.). Com 1 registo cada, foram ainda elencados como aspetos menos conseguidos: os registos escritos (“fichas”), o horário (entrada no período da manhã), a exposição ao público (por ter vergonha) e a avaliação nas disciplinas, na semana seguinte, por, nas palavras do aluno, “(…) ter de fazer os testes todos só numa semana, porque os testes que eram da Semana Ubuntu, tive de os fazer todos na semana a seguir, ainda mais os da semana a seguir. Tudo junto. Tive seis” (11.5.3.). De referir que um jovem sublinhou não identificar qualquer aspeto menos conseguido.

Na tabela que se segue, apresentam-se os dados referentes à terceira subcategoria, Caráter diferenciador (Tabela 5).

Tabela 5.

Subcategoria 3 (JO) – Caráter diferenciador

Relação com os professores Compreensão

Ausência de aulas

Conhecer os outros

Alguns jovens (5) reportaram-se ao carácter diferenciador do projeto (7 registos), comparativamente com outros projetos que existem no AEJR e nos quais participam ou já participaram. Quatro alunos (4 registos) destacaram, desde logo, o facto de assumir este caráter pela relação que estabelecem com os professores, explicando que “No Ubuntu, foi a ligação com os professores e uns com os outros, eu senti que havia uma igualdade porque mesmo quando eu fui de Erasmus também foi diferente a maneira como eu estive com os

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professores” (4.8.1.). Por um aluno cada (1 registo) foi ainda indicado: a compreensão (que por vezes não se verifica noutros projetos), a ausência de aulas (só para dedicação às atividades do projeto), bem como o facto de conhecerem os outros (e de estarem nas atividades mesmo para esse efeito).

Na última subcategoria (Tabela 6), explicitam-se algumas sugestões apresentadas pelos jovens.

Tabela 6.

Subcategoria 4 (JO) – Sugestões

Alterar dinâmicas do 1.º dia da Semana Ubuntu Manter dinâmicas Alargar a maior número de alunos

TOTAL Efetuando a apreciação global, cinco estudantes (5 registos) deixaram sugestões para, no seu entender, melhorar a Semana Ubuntu. Dois estudantes (2 registos), e na sequência dos aspetos menos conseguidos antes apontados, referiram-se à eventualidade de se alterarem as dinâmicas do 1.º dia da Semana Ubuntu, designadamente não visualizar o “(…) filme no primeiro dia” (3.10.1) e “se calhar, no primeiro dia, fazer imensas atividades em equipa.” (1.10.2.). Em contraponto, outros dois estudantes (2 registos) defendem que se devem manter todas as dinâmicas, exatamente conforme decorreram. Um jovem (1 registo) apontou a hipótese de alargar a participação na Semana Ubuntu: “Eu alterava uma única coisa: que fossemos mais.

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(…) É assim, se fosse maior, tinha que ser diferente. Não podia ser naquele espaço porque era um espaço pequeno. Mas se fosse maior se calhar sim, seria melhor” (8.8.1.).

O focus group com encarregados de educação (EE) integrou cinco mães de estudantes que participaram na Semana Ubuntu. No âmbito de uma apreciação global ao projeto, neste focus group emergiram três subcategorias, apresentando-se os dados relativos a primeira delas, Caráter diferenciador (Tabela 7).

Tabela 7.

Subcategoria 1 (EE) - Caráter diferenciador Caráter

Crescimento pessoal

Seleção de estudantes

Cumplicidade nas atividades

TOTAL

Considerando o facto de o AEJR participar num conjunto alargado de projetos, evidenciou-se, por quatro das participantes (7 registos), a referência ao caráter diferenciador do Projeto Ubuntu. Nesse âmbito, três delas (4 registos) enunciaram o facto de este projeto ser diferente pela motivação percecionada nos seus educandos. Como destaca uma das encarregadas de educação:

“O x, de manhã, é muito difícil acordar, mas na semana Ubuntu estava lá pronto, sempre pronto. Ele para a escola faltava sempre à primeira hora, tanto que teve de ir para a turma do PIEF porque teve absentismo, “eu sei que tu não gostas de cá andar”, foi chamada aqui, eu fico com um desgosto enorme do x terminar o 9.º e ir-se embo -

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ra. Na semana do Ubuntu nunca ouvi o despertador, maravilha!” (5.6.1.).

Uma das participantes referiu-se também ao facto de considerar o projeto Ubuntu como sendo distinto dos demais por ter constatado o crescimento (pessoal) da filha, como consequência da participação na Semana Ubuntu (1 registo) e também pelo facto de selecionarem os estudantes que participam nesta experiência (1 registo), conferindo-lhes um sentimento de que são especiais, por terem sido escolhidos. Outra participante (1 registo) destacou o caráter diferenciado do projeto, comparando-o explicitamente com outros, pela cumplicidade (e união) entre os jovens nas atividades da Semana Ubuntu. A segunda subcategoria diz respeito a Limitações, apresentadas por uma das participantes (Tabela 8).

Tabela 8.

Subcategoria 2 (EE) - Limitações

Postura dos professores por faltarem às aulas na Semana Ubuntu

Sugestões 3 3

Subcategoria Conteúdos Registos Indivíduos 1 1

TOTAL

As limitações centram-se na postura de alguns professores decorrente de os alunos não frequentarem as aulas durante a Semana Ubuntu, conforme exemplo que se segue:

“A professora de y também acho que teve para lá uns arrufos que disse “vocês foram porque quiseram, faltaram porque quiseram e o problema é vosso pronto” e a y sentiu-se, ela fica logo muito sensibilizada com as coisas: “Não é justo e nós estávamos em atividades da

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escola” e, eu só porque, porque eles tinham um teste e ela estava com algumas dúvidas e queria tirar as dúvidas… A professora não lhe tirou lhe tirou as dúvidas. (…) Ela baixou, até baixou uma nota e tudo. Ela queixou-se e foi por isso, acho que não foi muito correto (…)” (1.7.2.).

Na terceira subcategoria (Sugestões), reuniram-se algumas propostas tecidas por duas das participantes (3 registos), focando-se na ideia de “alargar o acesso ao projeto” (Tabela 9).

Tabela 9.

Subcategoria 3 (EE) - Sugestões

acesso ao projeto

Emergiram ideias concretas, tais como: efetuar mais Semanas Ubuntu; dar continuidade ao Clube Ubuntu; formar mais formadores Ubuntu (eventualmente os próprios alunos); e/ou propor como oferta de escola (disciplinas criadas pela escola para enriquecimento do currículo, constituindo-se como Oferta Complementar). Nas palavras de uma das participantes: “Eu acho que este projeto devia continuar, o clube Ubuntu, mas por anos, não sei, por turmas ou então mesmo disciplina. Esse era uma boa ideia, uma Oferta de Escola, em vez de ser o ‘Viver na Escola’” (3.7.2.).

O focus group Equipa IPAV (EI) foi composto pelas duas profissionais do IPAV que acompanharam o AEJR, na preparação e implementação da Semana Ubuntu. No âmbito da categoria Apreciação global do projeto emergiram quatro subcategorias, a primeira delas referente ao feedback aos educadores (Tabela 10).

Tabela 10.

Subcategoria 1 (EI) - Feedback aos educadores

Feedback relativo à implementação da metodologia Incorporação dos contributos

TOTAL Uma das profissionais referiu-se ao feedback aos educadores, ao nível da implementação da metodologia prevista na Semana Ubuntu (1 registo), sublinhando que

“(…) as nossas dicas, por assim dizer, e as nossas intervenções é muito na base de conseguirmos que… Porque nós temos outra perspetiva já e conseguimos ver de forma mais clara que se realmente os educadores conseguirem intervir desta forma, vão conseguir chegar aos alunos de forma diferente. Ou seja, quando intervimos não é por considerarmos que não estão a fazer de forma correta, mas sim que se fizerem de outra forma podem chegar ao objetivo principal da atividade, por exemplo. E quando intervimos é muito nesse sentido” (2.1.2.).

Destacou uma reação/evolução na sequência do feedback, ocorrendo a incorporação, por parte do grupo de educadores, dos contributos facultados pela equipa IPAV, na sua atuação/intervenção (1 registo).

A segunda subcategoria centra-se em pontos fortes dos mesmos educadores (Tabela 11).

Tabela 11.

Subcategoria 2 (EI) - Pontos fortes dos educadores

Subcategoria Conteúdos Registos Indivíduos

Planificação detalhada

Confiança e proximidade

Envolvimento/entrega

Atenção ao(s) outro(s)

Foco nos alunos

TOTAL

Destacou-se a este nível, desde logo, a planificação detalhada (6 registos), com muita atenção e foco nos pormenores, conforme se explicita na descrição de uma das profissionais, reportando-se de forma particular a uma atividade da Semana Ubuntu:

“Detalhe demonstra várias coisas. Demonstra elas apropriarem-se do projeto (…). Porque nota-se um cuidado com tudo. Um cuidado com o filme que viram e com a apropriação do que viram, o cuidado com a equipa porque, no fundo, elas queriam demonstrar aos alunos que elas queriam ser aquela professora do filme e que seriam aquela professora do filme e depois connosco também. Acho que foi assim mesmo querido” (1.9.1.).

Foi feita também referência à confiança e proximidade (3 registos), sentida entre todos, equipa, dinamizadores e alunos, logo no primeiro dia, o que normalmente não acontece. Destacou-se, igualmente, o envolvimento e entrega (2 registos), realçando-se que

“Aquilo foi só resultado do trabalho delas! Eu normalmente digo sempre que o grupo de alunos é o espelho do grupo de educadores. Às vezes, é muito difícil assumir, dizer uma coisa destas. Mas pode

não ser logo no início, mas no fim, nós conseguimos ver. Ou seja, quando os educadores se entregam muito, é impossível os alunos ficarem indiferentes a esta entrega” (2.4.2.).

Foi ainda enfatizado a atenção com o(s) outro(s) (2 registos), bem como o foco nos alunos, um “verdadeiro interesse” e “preocupação” com os alunos (2 registos).

A última subcategoria deste focus group prende-se com continuidade do projeto (Tabela 12).

Tabela 12.

Subcategoria 3 (EI) - Continuidade

Ausência de aspetos a melhorar

Estímulo

TOTAL

Considerando a forma como decorreu o projeto e, em particular, a implementação da Semana Ubuntu no AEJR, um dos membros da equipa IPAV afirmou não identificar aspetos suscetíveis de melhoria (1 registo). Considerou importante destacar que continua a verificar-se um acompanhamento do grupo de estudantes que participaram na Semana Ubuntu (1 registo), por parte do grupo de educadores e da equipa IPAV, nomeadamente por via de um grupo criado no WhatsApp, no qual se verifica um estímulo contínuo dos educadores, levando a que os alunos “(…) também alimentem a chama e sejam um dos grupos que eu tenho até mais ativos” (1.12.1.).

O focus group referente a outros elementos da comunidade (EC) que não participaram na Semana Ubuntu integrou três professores, uma

assistente social, uma psicóloga e um assistente operacional, todos pertencentes ao AEJR. A categoria Apreciação global do projeto integrou três subcategorias, a primeira delas referente ao caráter diferenciador (Tabela 13).

Tabela 13.

Subcategoria 1 (EC) – Caráter diferenciador

Subcategoria

Trabalhar valores

Prevenção de situações /comportamentos de risco

Dois dos indivíduos, um registo cada, destacaram o cariz diferenciado do projeto, por trabalhar valores, referindo um deles:

“(…) É diferente, nem que seja pelo nome, não é? Que eu pensei “Vamos para uma seita? O que é isto?” Até me informar, confesso que fui um bocadinho cética. E o cético depois vai recorrer a preconceitos e não sei quê. Pronto, mas julgo que é diferente e que trabalha qualidades e valores que nos fazem muita falta, que estão em extinção de alguma forma e o objetivo será mesmo recuperá-los. E recuperar tanta riqueza que perdemos ao longo do tempo. Portanto, nesse aspeto, acho que é diferente” (5.4.1.).

O mesmo participante, numa perspetiva mais específica, remeteu para o caráter diferenciador do projeto ao nível da prevenção de situações e comportamento de risco, referindo: “E nós [técnicos especializados] perdíamos muitos problemas enquanto escola se de facto houvesse esta aposta também na prevenção. Eu perdia metade dos clientes e ficava tão satisfeita” (5.4.2.).

A segunda subcategoria situa-se ao nível de limitações percecionadas (Tabela 14).

Tabela 14.

Subcategoria 2 (EC) - Limitações

Subcategoria Conteúdos Registos Indivíduos

Falta de conhecimento do projeto por parte da comunidade educativa Alunos faltarem às aulas na Semana Ubuntu

TOTAL

Metade dos participantes (5 registos) manifestou algumas limitações que percecionou ao nível do projeto. Dois dos indivíduos remeteram para o facto de existir falta de divulgação do projeto e das atividades que dele decorrem, condicionando o conhecimento da comunidade educativa. Tal situação constituiu-se como uma limitação, nomeadamente aquando da realização de atividades em que se esperava envolver mais a comunidade educativa, na medida em que nem sempre foram compreendidos os objetivos ou até mesmo a(s) atividade(s) em si, ficando o seu alcance comprometido. Um dos indivíduos referiu-se a uma dimensão mais particular: os alunos faltarem às aulas durante a Semana Ubuntu, sendo, na sua perspetiva, mais limitador do que benéfico:

“Aspeto menos positivos é de facto, dadas as problemáticas dos alunos, eu tive um aluno especificamente que tinha um número elevado de faltas... Um aluno com número elevado de faltas, faltar adicionalmente uma semana… Isso de facto foi talvez prejudicial para ele, se puser no prato da balança o custo benefício, talvez em termos

interiores tenha sido bom e beneficiou nesse sentido. No entanto, por isso, não deixou de faltar. Que era a maior problemática dele, não sei se me estou a fazer entender?” (2.2.6.).

A terceira subcategoria centra-se em sugestões (Tabela 15).

Tabela 15.

Subcategoria 3 (EC) – Sugestões

Subcategoria Conteúdos Registos Indivíduos

Envolvimento de mais alunos/elementos da comunidade educativa

Envolvimento de professores respeitando disponibilidade

Potenciar efeito contágio

TOTAL

Todos os indivíduos apresentaram algumas sugestões relativas à continuidade do projeto, numa perspetiva futura (10 registos), designadamente ser mais divulgado junto da comunidade educativa e envolver gradualmente maior número de participantes (4 registos/3 indivíduos). Os três professores que participaram neste focus group sublinharam, no entanto, a necessidade de esse envolvimento ser ponderado, considerando a disponibilidade (a nível pessoal e laboral) de cada um (4 registos). A título ilustrativo, apresentam-se as palavras de um dos professores:

“Pois é, eu acho que se calhar cada profissional também poder escolher o timing. Porque, por exemplo, eu também este ano estou com outros projetos (…) e a dada altura eu já não consigo dedicar-me.

E eu, ou vou e me dedico, ou não vou. Portanto, se formos com a alma toda é diferente e teremos disponibilidade para trabalhar, para estar, um bocado por aí” (5.4.3.).

Foi ainda referido, por dois participantes (2 registos), a sugestão de potenciar o efeito contágio, trabalhar com os estudantes de modo a influenciarem os que não participaram na Semana Ubuntu, a transmitirem a mensagem. Quer as limitações, quer as sugestões, poderão eventualmente ser consideradas em edições futuras da Semana Ubuntu.

Ao nível da entrevista efetuada à diretora do agrupamento (DA), e mais concretamente da categoria Apreciação global do projeto, emergiu uma única subcategoria (Tabela 16).

Tabela 16.

Subcategoria 1 (DA) - Continuidade

Subcategoria Conteúdos Registos Perspetiva de futuro

TOTAL

Continuidade 1 1

No entendimento da diretora do AE, e no que à continuidade do projeto diz respeito (1 registo), existe uma perspetiva de futuro: “É mesmo para continuar, pelo que eu percebi é um projeto para dois anos, no próximo ano letivo vai haver mais formação, portanto já ando a pensar na próxima equipa de seis educadores para recrutar, (…) é mesmo para continuar” (5.3.).

Discussão

Decorrente dos resultados apresentados, e numa análise comparativa, procuraram-se identificar, ao nível da categoria Apreciação global do projeto, conteúdos comuns a diferentes grupos de participantes, mas também conteúdos mais específicos, não comuns.

Como conteúdos específicos de determinados participantes (focus group), há a destacar a referência a aspetos mais e menos conseguidos por parte dos jovens, portanto, por parte de quem vivenciou a Semana Ubuntu, bem como uma apreciação referente aos educadores que dinamizaram a Semana, por parte da equipa IPAV.

Ao nível dos aspetos mais conseguidos, apontados pelos jovens, conforme se constatou, destacou-se a camisola e, como aspetos menos conseguidos, as dinâmicas do 1.º dia da Semana Ubuntu, pelas razões antes expostas.

Relativamente à apreciação tecida pelos membros da equipa IPAV, emergiram conteúdos específicos que se prendem com o feedback efetuado aos educadores que dinamizaram a Semana, em particular ao nível da implementação da metodologia e da sua incorporação nas fases subsequentes. Foram também destacados pontos fortes destes educadores, a diferentes níveis.

Da análise comparativa, conforme mencionado, emergiram também conteúdos comuns a mais do que um grupo de participantes, sendo eles: caráter diferenciador; sugestões; limitações; e continuidade.

À exceção da equipa IPAV e da diretora do AEJR, nos demais focus group emergiu o conteúdo “caráter diferenciador”, evocando, os participantes, razões para este projeto ser diferente, quando comparado com outros existentes, nomeadamente no seio do

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 agrupamento. Ao nível dos educadores, o facto de promover o desenvolvimento de competências socioemocionais foi o conteúdo que mais se destacou. Na mesma linha, no focus group dos outros elementos da comunidade, evidenciou-se o facto de trabalhar valores. Já ao nível dos encarregados de educação, sobressaiu a dimensão motivacional, por terem assistido a uma maior motivação dos seus educandos, para participarem na Semana Ubuntu, quando comparado com as dinâmicas de outros projetos. Os alunos enfatizaram o caráter diferenciador deste projeto pela relação especial que estabeleceram com os professores.

O conteúdo “sugestões” emergiu das entrevistas efetuadas junto de quem mais usufruiu das dinâmicas Ubuntu: os participantes (alunos), mas também das entrevistas realizadas junto de quem teve um olhar externo (encarregados de educação e outros elementos da comunidade que não participaram na Semana Ubuntu). As encarregadas de educação manifestaram-se no sentido de alargar acesso ao projeto, eventualmente por via da realização de mais Semanas Ubuntu, da possibilidade de se dar continuidade ao Clube Ubuntu, de se formarem mais formadores Ubuntu (hipoteticamente os próprios alunos); e/ou propor como Oferta de Escola. Já os alunos apresentaram diferentes perspetivas/sugestões: dois referiram-se à eventualidade de se alterarem as dinâmicas do primeiro dia da Semana Ubuntu, em contrapartida, outros dois, sugeriram não mudar qualquer dinâmica. Um dos alunos, e em linha com a perspetiva das encarregadas de educação, sugeriu o alargamento do projeto a um maior número de alunos. Metade dos participantes no focus group dos outros elementos da comunidade apresentou também esta ideia, embora de forma mais alargada, de envolvimento de mais alunos e elementos da comunidade educativa. Também metade destes participantes se centrou no envolvimento, mas, de forma mais específica dos professores, enfatizando a necessidade de se respeitar a sua disponibilidade

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 para participarem no projeto. Dois professores sugeriram ainda que se potenciasse o efeito contágio (dos estudantes que participaram na Semana Ubuntu para os que não tiveram essa oportunidade).

O olhar mais externo, por parte de encarregadas de educação e de outros elementos da comunidade que não participaram na Semana Ubuntu, evidenciou-se também no conteúdo “Limitações”. Perante um mesmo aspeto (alunos faltarem às aulas durante a Semana Ubuntu), os dois grupos de participantes manifestaram-se de forma distinta. Uma encarregada de educação referiu-se à postura dos professores por os estudantes faltarem às aulas para participarem nas atividades da Semana Ubuntu. Já um professor considerou, para os alunos, ser mais limitador do que benéfico faltarem, até considerando a especificidade de alguns alunos. Dois professores consideraram também uma limitação o facto de a comunidade educativa não ter conhecimento suficiente do projeto Ubuntu, para se apropriar do que é desenvolvido, em particular em atividades de âmbito mais geral e direcionadas para a comunidade, ficando o seu alcance comprometido

O conteúdo “continuidade” emergiu das entrevistas junto de quem organizou a Semana Ubuntu: educadores, equipa IPAV e também diretora do AEJR, apresentando as três perspetivas de continuidade do projeto no AEJR. As educadoras, em particular duas delas, evidenciaram o investimento temporal no projeto como um ganho. Outra, apresentou, na lógica de continuidade, o “sonho” de alargamento da Semana Ubuntu a outros alunos do AEJR, embora com necessidade de se refletir acerca de como seria possível efetuá-lo. Um dos membros da equipa IPAV apontou a continuidade do projeto, sem existirem aspetos a melhorar e evidenciou a existência de um acompanhamento do grupo de estudantes que participaram na Semana Ubuntu (1 registo), por parte do grupo de educadores e da equipa IPAV, nomeadamente por via de um grupo criado no WhatsApp, no

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

qual se verifica um estímulo contínuo dos educadores, levando os alunos a manterem a “chama” ativa. A diretora do AEJR, valida, no fundo, a perspetiva de futuro do projeto no AEJR, afirmando que é para continuar, encontrando-se já desencadeados os procedimentos necessários para a sua implementação, no próximo ano letivo.

Conclusão

Os dados sistematizados e discutidos ao longo do presente artigo dizem respeito apenas a uma das categorias emergentes da análise de conteúdo das transcrições dos focus group/entrevista realizada aos diferentes elementos da comunidade educativa do AEJR de Portalegre – Apreciação Global. Esta categoria, conforme já referido, não representa uma visão completa da realidade da implementação da primeira Semana Ubuntu no AEJR, permitindo, no entanto, apresentar uma visão integrada e abrangente da sua implementação.

A apreciação global dos diferentes grupos relativamente à implementação da Semana Ubuntu é marcadamente positiva, destacando-se o caráter diferenciador do projeto, referido pelos educadores, pelos jovens, pelos encarregados de educação e pelos outros elementos da comunidade educativa. Este caráter diferenciador do Projeto Ubuntu na Escolas é perspetivado a partir de diferentes fatores pelos diversos grupos: o desenvolvimento de competências socioemocionais é sobretudo valorizado pelos educadores; os jovens focam-se na relação com os professores; os encarregados de educação apontam principalmente a motivação dos seus educandos; e os outros elementos da comunidade destacam o facto de trabalhar valores e a prevenção de situações/comportamentos de risco. A apreciação marcadamente positiva é também evidenciada pela referência, e até apelo, à continuidade do projeto enunciada pela diretora do agrupamento, pelos educadores, pela equipa do IPAV e pelos outros

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 elementos da comunidade, bem como a proposta de alargar o acesso ao projeto a mais alunos e professores, através da realização de mais semanas Ubuntu, da continuidade do Clube Ubuntu, da formação de formadores, ou ainda, enquanto Oferta de Escola. A equipa do IPAV destaca, como fatores de sucesso, o feedback relativo à implementação da metodologia e a forma como os educadores incorporaram os seus contributos, bem como a planificação detalhada de todos os momentos da semana. Já os alunos apontam como momento mais conseguido, e também mais marcante, a cerimónia das camisolas, pela carga simbólica da mesma.

A reflexão partilhada no âmbito dos focus group permitiu também desocultar alguns aspetos menos conseguidos na forma como decorreu a implementação da Semana Ubuntu. Esses aspetos dizem respeito às atividades da semana, por um lado, e aos impactos sobre o funcionamento das atividades letivas, por outro. Quanto às atividades próprias da semana, os jovens referem como menos conseguidas as dinâmicas do primeiro dia, sugerindo que as mesmas sejam revistas. No que concerne aos impactos sobre a atividade letiva, os jovens e os encarregados de educação referem-se à postura de alguns professores perante a ausência dos alunos das suas aulas para participarem na Semana Ubuntu e o facto de os alunos serem posteriormente sobrecarregados com provas de avaliação, o que, eventualmente, os terá penalizado. A questão da ausência das aulas foi também referida como um aspeto menos conseguido por alguns dos participantes do grupo outros elementos da comunidade. Este grupo referiu ainda, como um aspeto a melhorar, a falta de conhecimento do projeto por parte da comunidade educativa.

Marques (2019, p. 5) refere que “por vezes, temos de sair de nós, para nos reencontrarmos. Precisamos de saber olhar de fora para ver a nossa essência, com a distância crítica que o excesso de proximi-

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 dade não permite.” Foi esse o exercício que se procurou efetuar com o estudo de caso realizado e os dados emergentes dos vários focus group/entrevista realizados com os diferentes grupos concorrem efetivamente para a construção de uma visão mais completa, mais real e mais rica da realidade em estudo, ou seja, da implementação da primeira Semana Ubuntu no AEJR, contribuindo para um conhecimento aprofundado das suas dinâmicas e dos seus impactos, assim como das suas potencialidades e das suas limitações, permitindo assim extrair lições sobre este caso em concreto, mas também ilações sobre a metodologia implementada, numa perspetiva mais global.

Referências:

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70. Gonçalves, J.L., & Alarcão, M. (Eds.). (2020). Pilares do Método Ubuntu. Instituto Padre António Vieira. ALU (2019). Manual do formador. [texto não publicado]. IPAV. Marques, R. (2019). Nota introdutória. In Consórcio “Ubuntu Building Bridges for Peace”, (Ed.), Construir pontes Ubuntu – Para uma liderança servidora (pp. 5-7). Instituto Padre António Vieira. Yin, R. (2004). Estudo de Caso. Planejamento e Métodos (2ªed.). Bookman.

Resumo

O artigo que se apresenta resulta de um estudo desenvolvido em torno da Academia de Líderes Ubuntu Júnior. Assumiu como objetivo analisar os efeitos da Academia de Líderes Ubuntu Júnior em 29 escolas Ubuntu do 1.º Ciclo do Ensino Básico, de Portugal Continental, no ano letivo 2021/2022, contribuindo para a avaliação do método Ubuntu, no seu primeiro ano de implementação. De forma mais específica, procura-se descrever os efeitos da Academia de Líderes Ubuntu Júnior em alunos e educadores (professores, assistentes operacionais, técnicos especializados), com base numa análise detalhada das perceções dos diversos atores da referida academia, no final da Semana Ubuntu. Em termos metodológicos, recorreu-se à utilização de vários instrumentos e momentos de recolha de dados, tanto junto de educadores como de crianças: foram recolhidos testemunhos de educadores; efetuadas entrevistas a crianças; analisados painéis de bordo (crianças); e realizada uma avaliação de impacto (educadores). Consoante a sua natureza, os dados foram objeto de análise estatística (dados quantitativos) ou de análise de conteúdo (dados qualitativos).

Do cruzamento dos dados resultantes dos diferentes instrumentos de recolha de dados, emergem resultados que apontam para uma apreciação global muito positiva do programa e das suas potencialidades, bem como para o facto de serem evidentes os efeitos (também eles positivos) da Academia de Líderes Ubuntu Júnior, quer junto de crianças, quer de educadores. Destaca-se, junto dos alunos, a promoção de competências no âmbito dos cinco pilares estruturantes das Academias de Líderes Ubuntu Júnior, em particular ao nível da empatia, do conhecimento da filosofia Ubuntu, seguidos da liderança, do serviço e da resiliência. Junto dos educadores evidenciaram-se efeitos a nível pessoal e profissional. Os resultados parecem, por conseguinte, permitir concluir o valor e o mérito do programa Academias de Líderes Ubuntu Júnior.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Palavras-Chave: Academia de Líderes Ubuntu Júnior; competências socioemocionais; 1.º Ciclo do Ensino Básico; programa de intervenção; efeitos.

Abstract: The presented paper is the result of a study developed around the Academia de Líderes Ubuntu Júnior. It aimed to analyze the effects of the Academia de Líderes Ubuntu Júnior in 29 Ubuntu schools in the primary school (mainland Portugal) in the 2021/2022 school year, contributing to the evaluation of the Ubuntu method in its first year of implementation. More specifically, the aim is to describe the effects of the Academia de Líderes Ubuntu Júnior on students and educators (teachers, operational assistants, specialized technicians), based on a detailed analysis of the perceptions of the various actors of the academy at the end of the Ubuntu Week.

In methodological terms, several instruments and moments of data collection were used, both with educators and children: testimonies were collected from educators; interviews were conducted with children; dashboards were analyzed (children); and an impact evaluation was carried out (educators). Depending on their nature, the data were subject to statistical analysis (quantitative data) or content analysis (qualitative data).

Cross-checking the data from the different data collection instruments reveals results that point to a very positive overall assessment of the program and its potential, as well as to the fact that the effects (also positive) of the Academia de Líderes Ubuntu Júnior are evident, both among children and educators. The promotion of skills among the students in the five structuring pillars of the Academia de Líderes Ubuntu Júnior stands out, particularly in terms of empathy, knowledge of the Ubuntu philosophy, followed by leadership, service and resilience. With the educators, effects on a personal and professional level were evident. The results seem to conclude the value and merit of the Academia de Líderes Ubuntu Júnior program.

Keywords: Academia de Líderes Ubuntu Júnior; socioemotional skills; primary school; intervention program; effects.

Introdução

O desenvolvimento social e emocional das crianças é particularmente relevante para o 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB). A promoção de competências sociais e emocionais é essencial, pois proporcionam às crianças atitudes mais positivas em relação a si mesmas e aos outros, melhores resultados escolares e um melhor bem-estar (Durlak et al., 2011).

As competências de aprendizagem social e emocional (ASE), de acordo com a Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL, 2017), englobam cinco domínios: autoconhecimento, autorregulação, consciência social, relacionamento interpessoal e tomada de decisão responsável. Estes cinco domínios abrangem competências tanto intrapessoais, como interpessoais.

Existem na literatura diversos programas de intervenção, em contexto escolar, que adotam a abordagem da ASE. As intervenções de ASE no 1.º CEB, de acordo com Rimm-Kaufman & Hulleman (2015), variam entre as que procuram modificar o ambiente social da sala de aula e as que se focam em promover o desenvolvimento individual dos alunos.

No entanto, os efeitos de programas de ASE, em crianças em idade escolar, variam entre nenhum/pouco efeito a impactos significativos (Goldberg et al., 2019), donde se destacam efeitos significativos

Revista de Ciências Sociais

relativamente ao aumento do ajustamento social, emocional e comportamental e à diminuição de sintomas internalizantes. Esta variação dos efeitos pode ser explicada por objetivos pouco precisos ou medidas de avaliação muito gerais.

Para além dos alunos, os benefícios dos programas de ASE são também importantes para os professores (Cefai et al., 2018), onde se evidenciam efeitos como o aumento nas competências pessoais, sociais e emocionais, realização pessoal e satisfação no trabalho e maior eficácia no ensino. Também após a implementação de um programa de educação social e emocional, os professores revelaram maior regulação emocional e maior satisfação e compromisso com o seu trabalho docente (Castillo-Gualda et al., 2017). Assim, as competências sociais e emocionais dos professores podem facilitar e ter um impacto positivo no seu desenvolvimento pessoal e profissional. A importância do apoio da escola, o relacionamento com os pares, com os professores e outros membros da comunidade escolar são fatores decisivos para o desenvolvimento saudável e para o bem-estar das crianças.

Deste modo, foi concebido e implementado um programa de educação social e emocional - a Academia de Líderes Ubuntu (ALU) - que capacita crianças, jovens e educadores, promovendo competências humanas, a construção de pontes e a ética do cuidado, baseado numa metodologia estruturada em cinco pilares – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço (Gonçalves & Alarcão, 2020). O pilar do autoconhecimento “desafia cada um de nós a conjugar “conhece-te a ti mesmo”, “dá-te a conhecer ao outro” e “conhece o outro”, num processo permanente, numa caminhada a ser feita e refeita (Gonçalves, Fernandes & Rogowki, 2020, p. 28). O pilar da autoconfiança destaca que esta “é um processo essencialmente interno que reflete as nossas crenças e julgamentos sobre a nossa

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 capacidade de agir, independentemente da tarefa ou contexto” (Oliveira, 2020, p. 56). O pilar da resiliência desenvolve “a capacidade de um indivíduo de sobreviver e se recuperar de experiências difíceis e traumáticas; a capacidade de uma comunidade se adaptar após uma adversidade ou catástrofe” (Forte, Santos & Anzini, 2020, p. 82). O pilar da empatia promove o “sentir COM outra pessoa” (Alarcão & Fonseca, 2020, p. 111), fomentando tanto a componente emocional como a componente cognitiva da empatia. O pilar do serviço abarca a “ação de servir, liderando” – no sentido humano e humanizador que aqui lhe é dado – e resulta, em primeiro lugar, num exercício gratuito e livre de reconhecimento do valor da dignidade humana” (Montenegro & Gaspar, 2020, p. 132).

Apesar de ter sido testada com diversos grupos-alvo, a dinamização da ALU com crianças do 1.º CEB - ALU Júnior - é recente. Torna-se, portanto, pertinente analisar se os alunos desenvolvem as competências que os programas procuram promover, bem como, no 1.º CEB, se os resultados se evidenciam também ao nível do professor e da sala de aula.

Para este estudo, a ALU Júnior1 (Ubuntu no 1.º CEB) realizou-se entre 15 de novembro de 2021 e 01 de julho de 2022, envolvendo 29 escolas (de todo o país), e contemplou a formação de professores de 1.º CEB (4 dias) e a dinamização da Semana Ubuntu (SU) (5 dias). O núcleo orientador são os três eixos da ALU, a partir dos quais se constroem os cinco pilares e, a partir destes, cinco dimensões - Eu, Eu e o Outro, Eu e os Desafios, Eu e o Mundo, Eu Sirvo. A partir destas dimensões, são trabalhadas temáticas como os estereótipos, a resolução de conflitos, os direitos humanos, a interculturalidade, a igualdade de género, o desenvolvimento sustentável, etc.

1. Para mais informações, consultar o website https://www.academialideresubuntu.org/pt

No dia 1, “Eu”, a SU apresenta a filosofia Ubuntu, promove o autoconhecimento, a autoconfiança e a reflexão sobre as características de um líder Ubuntu. O dia 2, “Eu e o Outro”, aprofunda o conhecimento sobre a filosofia Ubuntu, promove o autoconhecimento e a empatia e explora a construção de pontes. O dia 3, “Eu e os Desafios”, ajuda a superar obstáculos/barreiras, promove a autoconfiança e a resiliência, fomenta a resolução de conflitos, o trabalho em equipa e a cooperação e promove estratégias de regulação emocional. O dia 4, “Eu e o Mundo”, desconstrói estereótipos a partir de histórias de vida, promove o autoconhecimento e a empatia. O dia 5, “Eu sirvo”, promove a resiliência e o serviço, sensibiliza para a prática de Gestos Ubuntu, analisa o compromisso de serviço e motiva para a ação e para a mudança. Esta divisão tem um cariz mais organizacional e de planeamento, já que todos os pilares e dimensões são trabalhados de forma transversal ao longo da semana.

Para a concretização da SU, foram elaborados recursos específicos, que incluem: o Guião, que apresenta de forma breve e lúdica o percurso a ser trilhado por meio da narrativa de uma viagem, bem como os cinco pilares do método Ubuntu, através de linguagem adaptada a este contexto; o Passaporte Ubuntu, para que os participantes registem as suas vivências e descobertas ao longo da SU e que, além disso, auxilia o educador na aplicação das dinâmicas, pois organiza em um único documento as atividades que necessitam de materiais adicionais; os Planos de Sessões, que sistematizam as atividades por meio de um cronograma que auxilia o animador na organização diária e lhe permite uma perspetiva geral daquilo que será desenvolvido; as Dinâmicas de Grupo, cuidadosamente pensadas como um caminho de construção e partilha e que, de uma forma divertida, permitem apresentar e refletir sobre os pilares Ubuntu.

Objetivos

A presente investigação tem como principal objetivo analisar os efeitos da ALU Júnior em 29 escolas Ubuntu do 1.º CEB de Portugal Continental, no ano letivo 2021/2022, contribuindo para a avaliação do método Ubuntu.

Especificamente, procura-se descrever os efeitos da ALU Júnior em alunos e educadores (professores, assistentes operacionais, técnicos especializados), com base numa análise detalhada das perceções dos diversos atores da ALU Júnior, no final da SU. Sendo a primeira experiência ALU Júnior, considera-se que se justificava uma análise aprofundada e uma avaliação do seu impacto junto dos alunos e educadores envolvidos.

Método

Os participantes são educadores e alunos de 29 escolas do 1.º CEB, de norte a sul de Portugal Continental, que participaram na SU durante o ano letivo de 2021/2022.

A investigação assentou na utilização de vários instrumentos e momentos de recolha de dados, tanto junto de educadores como de crianças.

No final das SU foram recolhidos testemunhos de 40 educadores/dinamizadores (gravados, através de registo vídeo e transcritos na íntegra), em discurso livre, sem questões orientadoras. Foram levadas a efeito, no último dia das SU, entrevistas individuais rápidas a crianças (dos terceiro e quarto anos de escolaridade) que participaram nessa experiência de cinco dias. As entrevistas foram conduzidas pelas formadoras da SU e tiveram lugar no espaço-ambiente onde decorreram as atividades, tendo as respostas sido registadas através de áudio (voz) e vídeo (via webcam) e, posteriormente, transcritas na íntegra.

Foram entrevistadas 81 crianças (tendo sido consideradas válidas 76 entrevistas), selecionadas aleatoriamente, com base num guião estruturado com quatro perguntas para conhecer a sua opinião quanto a duas dimensões: valorativa (“Como está a correr esta semana?” e “O que gostaste mais desta semana?”); e cognitiva (“O que é que aprendeste?” e “O que é que o Ubuntu significa para ti?”).

Analisaram-se, também, os painéis de bordo de 18 escolas de várias áreas geográficas (uma estratégia integrada na dinâmica da SU, preenchidos diariamente pelas crianças ao longo dos cinco dias das SU, onde registavam o que consideraram mais relevante das atividades experienciadas em cada dia (em cinco áreas distintas, correspondentes aos cinco dias da SU).

Por fim, realizou-se uma avaliação de impacto, em que participaram 61 educadores, através de questionário (online, elaborado como Formulário Google) de heterorrelato, preenchido no final das SU, com o objetivo de avaliar a evolução do grupo de participantes, comparando o início e o fim das SU. Este questionário incluía a identificação da Escola ou Agrupamento de Escolas, 11 itens relativos aos participantes, no início e no fim das SU (que assim se multiplicam em 22 itens), cada item tendo 10 opções de resposta, numa escala tipo Likert, que variava entre “1=Em total desacordo” a “10=Em pleno acordo”. O questionário incluía, ainda, três questões de resposta aberta (“Deixe-nos uma avaliação qualitativa quanto à evolução do grupo”, “Identifique as necessidades do grupo” e “Se desejar, deixe-nos um comentário sobre a experiência do grupo”).

Para a análise dos dados quantitativos (resultantes do inquérito por questionário), recorreu-se ao software Statistical Package for the Social Sciences, versão 28.0. Os dados qualitativos (as respostas

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

livres no inquérito por questionário, os testemunhos de educadores, os resultados das entrevistas a crianças e o conteúdo dos painéis de bordo) foram submetidos a análise de conteúdo, por categorização, com base em grelhas de categorias que emergiram dos dados analisados.

Resultados

Para uma melhor leitura e organização, numa primeira fase, apresentam-se os dados que emergiram da recolha junto de educadores e, numa segunda fase, da recolha junto dos alunos, dando “voz” a cada um destes grupos de respondentes.

As Vozes dos Educadores

Questionários

Ao nível dos educadores, os resultados que se apresentam emergiram da análise dos questionários, bem como dos testemunhos destes, expondo-se primeiro uma dimensão mais quantitativa decorrente da análise estatística (questões fechadas do questionário) e, de seguida, mais qualitativa, fruto da análise de conteúdo (questões abertas do questionário e testemunhos).

As diferenças de média em todos os itens, no início e no fim da ALU Júnior, são estatisticamente significativas, havendo uma melhoria em todos eles (de acordo com o d de Cohen ). No entanto, o item “O grupo conhece a filosofia Ubuntu” destaca-se dos restantes com uma diferença de média, entre o início e o fim, de 6,148 (d=2,372). De seguida, o item “Os participantes veem as d ificuldades como oportunidades de crescimento. São resilientes” é o que apresenta uma diferença de médias de 3,885 (d=1,898). O item “Os participantes têm vontade de se colocar ao serviço dos

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 outros” apresenta uma diferença de médias de 3,721 (d=1,959). O item “Os participantes conseguem colocar-se no lugar dos outros e sentir com eles. São empáticos” apresenta uma diferença de médias de 3,590 (d=1,953).

Os itens onde houve um maior efeito (de acordo com o d de Cohen), após a ALU Júnior, foram o conhecimento da filosofia Ubuntu, o serviço, a empatia e a resiliência (os 4 itens já referidos), aos quais se seguem, por ordem decrescente, acreditarem nos seus talentos/ qualidades, satisfação com ALU, testemunho pessoal, responsabilidade, a pontualidade/assiduidade, futuro com esperança, e, por fim, autoconhecimento.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Tabela 1.

Diferenças de Média para cada item

O grupo conhece a filosofia Ubuntu

O grupo está satisfeito por participar na Academia de Líderes Ubuntu

Os participantes conhecem-se bem a si próprios

Os participantes acreditam nos seus talentos e qualidades

Os participantes são responsáveis e quando se propõem a fazer algo cumprem até ao fim

Os participantes são pontuais e assíduos

Os participantes dão importância ao testemunho pessoal

Os participantes olham para o futuro com esperança

*** df=60, p<,001

Média Início (SE) Média Fim (SE)

3,15 (,296) 8,20 (,209) 5,20 (,219) 5,20 (,253) 9,30 (,110) 9,74 (,102) 8,39 (,137) 8,44 (,158) -20,239*** -6,815*** -17,393*** -14,197***

5,34 (,253)

7,77 (,272) 6,11 (,237) 6,16 (,218) 8,38 (,178) 8,82 (,169) 9,10 (,149) 8,75 (,140) -13,603*** -4,720*** -13,271*** -12,359***

Após a análise da consistência interna dos 11 itens da escala, verificou-se que o alfa de Cronbach varia entre 0,911 para o início e 0,923 para o fim, revelando, assim, uma elevada consistência interna. De seguida, procedeu-se a uma análise fatorial exploratória para verificar a dimensionalidade da escala. Na escala composta pelos 11 itens iniciais, observa-se que se atinge os 55,596% da variância explicada quando se extrai 1 fator, sem rotação. Assim, o fator 1 é constituído

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

por todos os itens apresentados na Tabela 2. Na escala composta pelos 11 itens finais, observa-se que se atinge os 69,332% da variância explicada quando se extraem 2 fatores, sem rotação. Assim, o fator 1 e 2 são constituídos pelos itens apresentados na Tabela 2.

Tabela 2.

Análise Fatorial Exploratória, com 11 itens

O grupo conhece a filosofia Ubuntu

O grupo está satisfeito por participar na Academia de Líderes Ubuntu

Os participantes conhecem-se bem a si próprios

Os participantes acreditam nos seus talentos e qualidades

Os participantes veem as dificuldades como oportunidades de crescmento.

São resilientes

Os participantes conseguem colocar-se no lugar dos outros e sentir com eles. São empáticos

Os participantes têm vontade de se colocar ao serviço dos outros

Os participantes são responsáveis e quando se propõem a fazer algo cumprem até ao fim

Os participantes são pontuais e assíduos

Os participantes dão importância ao testemunho pessoal

Os participantes olham para o futuro com esperança

Após a análise dos resultados obtidos, sugere-se que o item “Os participantes são pontuais e assíduos” não seja incluído na escala, pela sua carga fatorial.

Depois da análise da consistência interna dos 10 itens da escala, verificou-se que o alfa de Cronbach varia entre 0,919 para o início e 0,933 para o fim, revelando, assim, uma elevada consistência interna.

De seguida, procedeu-se a uma análise fatorial exploratória para verificar a dimensionalidade da escala. Na escala composta pelos 10 itens iniciais, observa-se que se atinge os 59,382% da variância explicada quando se extrai 1 fator, sem rotação, atingindo-se os 74,314% da variância explicada quando se extraem 2 fatores, sem rotação.

Após a análise dos resultados obtidos, sugere-se que o item “O grupo está satisfeito por participar na Academia de Líderes Ubuntu” não seja incluído na escala, pela sua carga fatorial.

Após a análise da consistência interna dos 9 itens da escala, verificou-se que o alfa de Cronbach varia entre 0,924 para o início e 0,935 para o fim, revelando, assim, uma elevada consistência interna.

De seguida, procedeu-se a uma análise fatorial exploratória para verificar a dimensionalidade da escala. Na escala composta pelos 9 itens iniciais, observa-se que se atinge os 63,677% da variância explicada quando se extraem 1 fator, sem rotação, atingindo-se os 66,173% da variância explicada quando se extraem 1 fator, sem rotação.

Assim, para os itens iniciais e finais, o fator 1 é constituído por 9 itens do seguinte modo:

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Tabela 3.

Análise Fatorial Exploratória, com 9 itens

O grupo conhece a filosofia Ubuntu

Os participantes conhecem-se bem a si próprios

Os participantes acreditam nos seus talentos e qualidades

Os participantes veem as dificuldades como oportunidades de crescmento. São resilientes

Os participantes conseguem colocar-se no lugar dos outros e sentir com eles. São empáticos

Os participantes têm vontade de se colocar ao serviço dos outros

Os participantes são responsáveis e quando se propõem a fazer algo cumprem até ao fim

Os participantes dão importância ao testemunho pessoal

Os participantes olham para o futuro com esperança

Os questionários incluíam, ainda, 3 perguntas abertas (1. Evolução do grupo; 2. Necessidades do grupo; 3. Experiência do grupo), cujas respostas foram submetidas a análise de conteúdo, com base no seguinte conjunto de 15 categorias, que incluem as dinâmicas, os efeitos nos alunos, os efeitos nos educadores e os efeitos na escola.

A categoria 1, “Dinâmicas - potencialidades”, conta com 16 unidades de conteúdo selecionadas. Nesta categoria, os comentários são todos positivos e estão relacionados com aspetos como: a evolução sentida

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 nas crianças no respeitante à estruturação do seu pensamento e atitudes, o grau de adesão às atividades (motivação), o entusiasmo gerado nas crianças, e as potencialidades do projeto para iniciativas futuras.

A categoria 2, “Dinâmicas - limitações”, conta com 31 unidades de conteúdo selecionadas. As limitações mencionadas alertam, essencialmente, para cautelas quanto a balanços do projeto (a necessidade de mais tempo de maturação e ainda de dar continuidade ao programa, por exemplo, com o Clube Ubuntu). Complementarmente, há referências a dificuldades relacionadas com os espaços utilizados para o desenvolvimento das atividades, com as especificidades destes níveis etários e os condicionalismos que geram e, ainda, com o facto de os diferentes níveis sociais, económicos e culturais dos alunos condicionarem os resultados obtidos.

A categoria 3, “Efeitos Alunos - conhecimento da filosofia Ubuntu”, conta com 16 unidades de conteúdo selecionadas. Os educadores concordam, na globalidade, que os grupos evoluíram na compreensão dos temas, assim como na apreensão dos pilares da filosofia Ubuntu, havendo uma utilização natural dos conceitos-chave Ubuntu no discurso das crianças e evidências a sugerir que será fácil a sua transposição para a prática. Apenas um comentário salienta a necessidade de o grupo necessitar de trabalhar mais o conceito Ubuntu e aplicá-lo.

A categoria 4, “Efeitos Alunos - autoconhecimento”, conta com 9 unidades de conteúdo selecionadas. A quase totalidade dos comentários (8) nesta categoria sugere que houve uma evolução das crianças ao nível do autoconhecimento (apenas um professor refere o autoconhecimento como a principal necessidade do grupo).

A categoria 5, “Efeitos Alunos - autoconfiança”, conta com 8 unidades de conteúdo selecionadas. Dois dos comentários são positivos,

mencionando que as crianças foram ganhando confiança e até “os alunos mais invisíveis” brilharam. No entanto, há 6 comentários a mencionar a autoconfiança como necessidade do grupo.

A categoria 6, “Efeitos Alunos - resiliência”, conta com 6 unidades de conteúdo selecionadas. Para além de um comentário a referir que as dinâmicas sobre “Eu sou porque tu és” promoveram a resiliência, há 5 educadores a considerar que os grupos precisam de aprender a lidar com a frustração e a serem mais resilientes.

A categoria 7, “Efeitos Alunos - empatia”, conta com 41 unidades de conteúdo selecionadas. A empatia é, inequivocamente, o pilar Ubuntu mais mencionado. Dos 41 comentários selecionados, 22 salientam a evolução das crianças no encontro com os outros, havendo menos conflitos, mais serenidade, disponibilidade e menos centragem no “Eu”. Por outro lado, há 19 comentários a referir que é importante trabalhar ainda mais a empatia, de forma a garantir que as crianças ficam mais despertas para os outros.

A categoria 8, “Efeitos Alunos - serviço”, conta com 30 unidades de conteúdo selecionadas. Nesta categoria, incluíram-se os comentários relacionados com disponibilidade/capacidade de negociação, a assertividade, o trabalho colaborativo, a partilha, o conhecimento coletivo e a união. Dos 30 comentários selecionados, 9 são claramente elogiosos no respeitante ao sentido de serviço, havendo 21 comentários a sugerir que é necessário melhorar a cooperação, a partilha de objetivos comuns, a gestão de conflitos nos grupos e combater a competição entre crianças.

A categoria 9, “Efeitos Alunos - responsabilidade”, conta com 8 unidades de conteúdo selecionadas. Nesta categoria, onde se incluíram comentários relacionados com aspetos como pontualidade,

assiduidade, assunção de responsabilidades e cumprimentos de regras, há duas menções positivas (responsabilidade e cumprimento de regras) e 6 educadores a sugerir que se desenvolva mais trabalho no que diz respeito ao estabelecimento e cumprimento de regras.

Na categoria 10, “Efeitos Alunos - liderança pelo exemplo/testemunho pessoal”, não encontrámos quaisquer comentários que a pudessem integrar.

A categoria 11, “Efeitos Alunos - outros”, conta com 47 unidades de conteúdo selecionadas. Esta categoria foi gerada a partir de vários comentários relacionados com efeitos gerados pelo programa Ubuntu nas crianças e que não remetessem para nenhum dos pilares estabelecidos. Muitos dos comentários são genéricos, recorrendo a adjetivos para elogiar a qualidade do programa, a evolução do grupo, o crescimento das crianças enquanto pessoas e a satisfação gerada nos educadores pela experiência vivida. Há, no entanto, 12 comentários a mencionar necessidades das crianças, sendo de destacar as questões do foco e da concentração, assim como a da gestão das emoções e da impulsividade.

A categoria 12, “Efeitos Educadores - desenvolvimento pessoal”, conta com 9 unidades de conteúdo selecionadas. Nesta categoria, integrámos os comentários que tinham a ver com os efeitos gerados nos educadores, a título pessoal, pela participação no projeto. Todos os comentários são elogiosos, destacando o privilégio e a gratidão pelo facto de terem participado e descrevendo a sua participação com expressões como “maravilha”, “desafio”, “enriquecimento”, “oportunidade única”, “especial”, etc.

Na categoria 13, “Efeitos Educadores - desenvolvimento profissional” não encontrámos quaisquer comentários que a pudessem integrar.

Na categoria 14, “Efeitos Escola - organização do trabalho” não encontrámos quaisquer comentários que a pudessem integrar.

A categoria 15, “Efeitos Escola - desenvolvimento do currículo”, conta com 9 unidades de conteúdo selecionadas. Nesta categoria, incluímos os comentários que se relacionavam com as oportunidades geradas pelo programa Ubuntu no enriquecimento do currículo. Dois dos educadores inquiridos consideram que o projeto ALU Júnior tem importância para o contexto educativo, ao torná-lo mais humanizado e apoiando a criação de cidadãos mais responsáveis e empáticos.

Testemunhos

No que respeita à análise de conteúdo dos dados referentes aos testemunhos dos 40 dinamizadores de SU, emergiram três categorias, equacionando a fase prévia à Semana (I. Expectativas), a implementação das atividades ao longo da semana (II. Dinâmicas) e o que da semana adveio (III. Impactos). Refira-se que os educadores/dinamizadores exerciam diferentes atividades profissionais nos agrupamentos de escolas, tendo-se identificado essencialmente professores, mas também assistentes sociais, animadores socioculturais, educadores sociais, psicólogos e assistentes operacionais.

Na primeira categoria, que diz respeito a expectativas antes da implementação das atividades na SU, identificaram-se duas subcategorias (Tabela 4).

Tabela 4.

Categoria I (Expectativas) – subcategorias

Subcategorias

Considerou-se de grande relevância conhecer as expectativas que os dinamizadores haviam construído antes da Semana em si. Embora o número de referências que se enquadraram nesta categoria seja baixo, importa referir que, na sua totalidade, perfaz 11 dinamizadores (distintos), pelo que mais de um quarto dos indivíduos se referiu a expectativas iniciais relativas à Semana.

Na subcategoria “inquietações”, os registos identificados remetem para o sentimento de alguma ansiedade, antes do início da SU , muitas vezes por falta de apropriação das dinâmicas e do trabalho que seria suposto desenvolver. Ainda assim, também foi possível constatar que, à medida que a semana foi decorrendo, as preocupações iniciais se foram dissipando. A título ilustrativo, apresentamos o testemunho de um dos dinamizadores: “Inicialmente senti que não me tinha apropriado ainda muito bem das dinâmicas e estava muito preocupada com isso. Depois à medida que a semana foi decorrendo, portanto, fiquei mais aliviada porque correu tudo bem”. Um dos indivíduos referiu-se também ao sentimento inicial de apreensão por parte dos próprios estudantes.

Ao nível da subcategoria “motivações”, evidenciou-se o entusiasmo, a motivação por ser uma novidade, mas essencialmente pelos dinamizadores já terem contactado/participado em outras dinâmicas Ubuntu, fosse por via da formação ou do conhecimento da SU noutros níveis de ensino. Também se identificou motivação decorrente dos próprios objetivos da SU: “O que me fez participar neste projeto foi por achar que todas as diretrizes, todos os objetivos do projeto se enquadram perfeitamente nesta filosofia de querermos ajudar as nossas crianças a se transformarem melhores pessoas, a saberem comunicar uns com os outros, a saberem interagir com pessoas”.

A segunda categoria centra-se já nas dinâmicas da própria Semana, definindo-se duas subcategorias (Tabela 5).

Tabela 5.

Categoria II (Dinâmicas) – subcategorias

Subcategorias

Potencialidades

Apreciação global

Registos 24 41 Dinamizadores 17 28

Em quase metade dos discursos dos dinamizadores (42,5%) verificaram-se referências a potencialidades das dinâmicas levadas a cabo durante a SU, remetendo, desde logo, para o envolvimento de todos, evocando de forma particular a adesão e a motivação dos alunos, no decurso da semana. A forma como foi conduzida a semana e em particular o carácter lúdico e dinâmico das atividades, no entender dos educadores, potenciou a realização de muitas aprendizagens por parte dos alunos. Foi também destacado o possível contributo para uma maior tomada de consciência, de crescimento, evolução e transformação dos alunos, decorrente das dinâmicas, designadamente pela intensidade com que foram vividas. Identificou-se também o potencial de se constituir como fonte de inspiração e o desejo de se dar continuidade às dinâmicas Ubuntu, nomeadamente por via do Clube Ubuntu. O testemunho que se segue traduz o potencial enunciado: “A forma como os 5 pilares foram trabalhados através de jogos, de visualizações de filmes, de debates, de reflexões, fez com que a evolução do grupo fosse, na verdade, notória não só ao nível da gestão de conflitos como também na sua negociação”.

No âmbito da subcategoria “apreciação global”, na qual se identificaram registos de 70,0% dos dinamizadores, assinalou-se a adequação e importância da abordagem, o seu caráter profundo e intenso, resultando numa avaliação positiva das dinâmicas/semana. Evidenciou-se também uma riqueza imensa, levando a sentimentos de gratidão e de privilégio por ter sido possível integrarem

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

estas dinâmicas. A dimensão do desafio de que a semana se revestiu foi também expressa, bem como a qualidade e relevância do apoio prestado pela equipa do IPAV, antes e durante a Semana. Nas palavras de um dos dinamizadores: “Estou aqui para vos dizer que esta experiência foi, na verdade, fantástica, muito enriquecedora em todos os aspetos”.

A terceira categoria incide nos impactos resultantes da participação na SU para: a) alunos; b) dinamizadores; e c) escola.

Ao nível dos impactos para os alunos, foram definidas as oito subcategorias que de seguida se apresentam.

Tabela 6.

Categoria III (Impactos para os alunos) – subcategorias

Subcategorias

Conhecimento da filosofia

Ubuntu

Autoconhecimento

Autoconfiança

Resiliência

Empatia

Serviço

Liderança pelo exemplo/ testemunho pessoal

Outros efeitos

Conforme se constata, o número mais elevado de registos situou-se ao nível dos outros efeitos, de cariz mais geral ou não enquadrados nos demais efeitos identificados, sendo referidos por 42,5% dos dinamizadores. De entre os pilares da filosofia Ubuntu,

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evidenciaram-se as referências relativas à empatia, quer ao nível do número total de registos, quer de número de dinamizadores que o enunciaram (cerca de um quarto dos dinamizadores). De seguida, analisa-se o conteúdo referente a cada uma das subcategorias consideradas na tabela.

Ao nível da primeira subcategoria, o foco foi o do conhecimento, por parte dos alunos, da filosofia Ubuntu, a sua compreensão e apropriação, mas também a aplicação dos pilares e da filosofia, traduzindo-se numa mudança positiva. Como se afirma num dos testemunhos: “(…) viu crescer novos líderes Ubuntu, seguindo o legado de Mandela através de 5 dias temáticos, 5 pilares Ubuntu (…)”.

Nas cinco subcategorias que se seguem, consideraram-se os pressupostos de cada um dos cinco pilares Ubuntu. Na primeira destas (“autoconhecimento”), emergiu a ideia de que a SU fomentou o autoconhecimento, sendo estes processos pouco frequentes para os alunos, tendo conduzido a um melhor conhecimento do próprio e até mesmo a algum crescimento interior.

Na subcategoria “autoconfiança”, destacou-se o facto de as dinâmicas da semana terem contribuído para o aumento da autoconfiança, por parte dos alunos. Nas palavras de um dos dinamizadores: “É incrível ver como é esta aprendizagem que se faz a partir deles ganharem primeiro autoconfiança, acreditarem em si (…)”.

Na subcategoria “resiliência”, evidenciou-se a ideia de que a semana apetrechou os alunos de ferramentas para resolverem os seus problemas/conflitos internos, mas também para serem mais persistentes, terem outro olhar e capacidade de gestão das situações problemáticas, aprendendo a contornar obstáculos e dificuldades.

No âmbito da subcategoria “empatia”, reportaram-se impactos ao nível do aprender a colocar-se no lugar do outro, a refletir acerca do outro. Estas aprendizagens conduziram a que os alunos se tornassem mais empáticos, mais capazes de ver o mundo de outra forma. Como afirmou um dos dinamizadores, “Houve um aluno que até me disse, quando nós perguntámos como tinha sido a SU para ele, ‘Ah foi fantástica! Vi o mundo com outros olhos. Vi o mundo com os óculos mágicos, com os óculos da empatia!’ e todos aplaudiram, portanto, todos partilharam da mesma ideia”.

No que respeita à subcategoria “serviço”, os registos remeteram para o facto de os alunos estarem mais atentos às necessidades dos outros, disponíveis para ajudar quem precisa, servir no que for possível. Destacou-se um maior espírito de equipa e de partilha, por parte dos alunos, e de construção, enquanto agentes de mudança ao serviço da comunidade.

Dois entrevistados referiram-se também, já no âmbito da penúltima subcategoria, à liderança pelo exemplo/testemunho pessoal, partilhando o impacto, junto dos alunos, dos testemunhos, durante a SU, de elementos da comunidade (um assistente operacional e um membro da comunidade não especificado), fazendo menção a histórias de vida que se constituíram como verdadeiras fontes de inspiração, como se ilustra:

“E também gostei muito, do facto de nesta semana ter havido um testemunho, de um senhor (…) que teve um percurso de vida, bastante atribulado (…), começou por um caminho menos bom e que conseguiu dar a volta à vida dele e enveredar por um caminho bom e fazer outras pessoas irem por este mesmo caminho e que haja mais pessoas assim, que sejam exemplos para a sociedade e que inspirem pessoas.”

Na última subcategoria, conforme referido antes, identificaram-se registos de uma parte considerável de dinamizadores, tendo encaminhado para efeitos gerados nos alunos, não enquadráveis, de forma explícita, na filosofia/pilares Ubuntu (subcategorias anteriores). Assinalou-se o despertar de valores, o aprender a gerir as emoções, a revelação e demonstração de competências, tendo sido evidente um crescimento a nível pessoal e interpessoal. Como expressa um dos dinamizadores: “Foi uma revelação ver o crescimento dos pequenitos, porque os mais pequenos dão-se muito mais e partilham, são mais genuínos. Não têm tantos filtros e isso permite-nos trabalhar, de uma forma mais intensa e receber, logo, muitos frutos ainda durante a semana”. Este crescimento fez-se acompanhar de manifestações de alegria, de escuta, de participação e espírito de união. Em termos ainda de outros efeitos, identificou-se a ideia de se ter apetrechado os alunos de ferramentas para o futuro, para fazer a diferença, podendo contribuir para a transformação e para um mundo melhor.

No que concerne aos impactos junto dos dinamizadores, definiram-se duas subcategorias (Tabela 7).

Tabela 7.

Categoria III (Impactos para os dinamizadores) – subcategorias

Subcategorias

Desenvolvimento pessoal

Desenvolvimento profissional Neste âmbito, foram identificados impactos ao nível do desenvolvimento profissional dos dinamizadores, mas também ao nível do desenvolvimento pessoal, destacando-se esta última dimensão, uma vez que foi referenciada por 50,0% dos indivíduos.

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Ao nível da subcategoria “desenvolvimento pessoal”, dos registos emerge a ideia de que a semana promoveu processos de autoanálise, de reflexão acerca do “eu”, mas também da relação com o(s) outro(s). Constituiu-se, para os dinamizadores, como uma fonte de aprendizagem de vida e para a vida, de crescimento pessoal. A filosofia Ubuntu foi, assim, entendida como uma filosofia de vida, com reflexos na vida destes indivíduos, traduzindo-se numa experiência e numa mudança positiva. Como sublinha uma das dinamizadoras: “Esta Semana deu-nos a oportunidade, deu-me a oportunidade (…) de ter um desenvolvimento pessoal e de conhecer-me a mim própria”.

A “nível profissional”, última das subcategorias, registou-se o facto de a semana ter contribuído para o enriquecimento dos dinamizadores, apetrechando-os de mais ferramentas, incentivando à implementação de novas dinâmicas na sua atividade profissional e à aprendizagem constante. Fomentou a vontade de se ser melhor profissional, de se conhecer melhor o outro (de forma particular os alunos), de se estar mais atento ao contexto, de se colocar no lugar do outro, de se dar o exemplo, no intuito de que os alunos tenham melhores vidas. Um dos dinamizadores afirmou que “Esta Semana para mim foi uma semana muito especial. Fiquei a conhecer melhor os meus alunos, apercebi-me de coisas que nunca me tinha apercebido até hoje, de alguns sentimentos que estavam escondidos e foi bom”. A Semana apelou, ainda, à mudança de modos de ser e estar, na profissão, impelindo a um espírito de renovação.

No que respeita aos impactos ao “nível da escola”, apenas três dos indivíduos se referiram aos mesmos, centrando-se em questões referentes à organização do trabalho, ao desenvolvimento do currículo e às abordagens pedagógicas.

As Vozes dos Alunos

Os resultados que se apresentam decorrem da análise de conteúdo efetuada aos dados que emergiram das entrevistas às crianças e dos painéis de bordo.

Entrevistas

Como já atrás se referiu, foram levadas a efeito, no último dia das SU, entrevistas individuais rápidas a alunos que participaram nessa experiência de cinco dias.

Relativamente à dimensão valorativa, que visava captar a apreciação dos alunos quanto à experiência que acabavam de realizar através das suas respostas a duas perguntas, da primeira pergunta “Como está a correr esta Semana?”, salienta-se o seguinte: Não se tendo registado nenhuma apreciação desfavorável, a maioria dos alunos (52) apreciou positivamente a SU referindo-se à mesma com expressões como “gostei muito” (12 alunos), “divertida” (10 alunos), “bom” (11 alunos), “fixe” e “bem” (por 6 alunos cada), “adorei” e “muito bom” (2 alunos cada), e “um bocadinho fixe”, “muito gira” e “estou a gostar” (1 aluno cada).

De entre os alunos que desenvolveram os seus discursos, registam-se respostas que podem ser agrupadas tendo em conta cinco possíveis focos de apreciação:

• Apreciação centrada na novidade e diferença experimentada (11 alunos): constituindo a SU uma experiência nova e diferente (1 registo), nunca experimentada na escola (4 alunos), até lamentam que ela termine (2 registos) e pedem que se repita ou se prolongue (2 registos). Também há quem fique satisfeito com a SU porque, desta forma, “não tenho de trabalhar” (2 registos);

• Apreciação centrada nas aprendizagens feitas (9 alunos): a tónica destes respondentes assenta, antes de mais, nas aprendizagens

genericamente feitas, destacando-se nestas a empatia e a ajuda aos outros, a compressão dos outros e o respeito pelos outros;

• Apreciação centrada nas relações estabelecidas (5 alunos): nestas respostas identificam-se pessoas e grupos que são valorizados como, por exemplo, “conheci uma pessoa nova que eu gosto”, “gostei desta atividade Ubuntu com a minha professora Y” ou “eu gostava que outras turmas tivessem oportunidade de fazer isto, que elas iam gostar!”;

• Apreciação centrada nas atividades desenvolvidas (4 alunos): nestas respostas faz-se referência às atividades divertidas, diferenciadoras e inspiradoras que foram experimentadas;

• Apreciação centrada nas emoções que a SU despertou (4 alunos): aqui evocam-se genericamente emoções, salientando-se, entre estas, a felicidade e a alegria.

Relativamente à segunda pergunta “O que gostaste mais desta Semana?”, a esmagadora maioria escolheu identificar e/ou nomear as dinâmicas desenvolvidas ao longo da SU que para si foram mais significativas. Analisando a frequência com que as atividades foram evocadas (e.g. a caça ao tesouro, escrever nas costas, colocar as vendas, a poção mágica, a teia, a linha, etc.), não se regista uma tendência predominante de qualquer atividade. No entanto, pela frequência (20 alunos), será justo realçar a menção da “Caça ao Tesouro” de entre as respostas analisadas a esta pergunta. Vale a pena destacar ainda duas convergências: uma primeira que realça o impacto positivo que os testemunhos de infância, pessoas de referência ou líderes tiveram nos alunos (referidas por 4 alunos) e, uma segunda, a importância que as relações estabelecidas tiveram no sucesso da SU, designadamente, conhecer novas professoras, pessoas, alunos e turma.

Relativamente à dimensão cognitiva, e analisando as respostas à pergunta “O que é que aprendeste?” aplicando-se as categorias

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previamente estabelecidas, salienta-se de seguida o que emergiu em cada uma delas. Quanto ao “conhecimento da Filosofia Ubuntu”, seis alunos escolheram responder com conteúdo que se enquadra nesta categoria, evocando, por um lado, que sabiam o significado da palavra Ubuntu (2 registos), conheciam os gestos ou sinais Ubuntu (2 registos) ou mencionando explicitamente os 5 pilares Ubuntu (2 registos). De referir que conhecer a filosofia Ubuntu é, também, aprender que “estamos interligados, a empatia” e “a não ser racista, que todos nós somos líderes de nós, aprendemos a partilhar, aprendemos que nem sempre se pode vencer”, apontadas por 2 alunos.

No “autoconhecimento”, destaca-se o conteúdo de dez alunos cujas respostas se relacionam com esta categoria e pilar do método Ubuntu. Identificam-se duas tendências nas respostas a esta questão: por um lado, aquela que afirma que a SU serviu para “ser uma pessoa melhor” (3 registos), “mais meiga”, “paciente” e “capaz de ouvir com mais atenção”; por outro lado, é notória a menção ao conhecimento dos sentimentos (2 registos) e a gestão das emoções, na medida em que, como referem dois alunos, “aprendemos os sentimentos, o medo, raiva, a felicidade” e a “controlar os sentimentos e também aprendi sentimentos que não sabia que existiam”.

A “autoconfiança” saiu reforçada para seis alunos entrevistados, na medida em que aprenderam a ter autoconfiança e “confiança, a seguir em frente”, a lidar com “elogios, compromissos, fragilidades e muito mais”, a “confiar em mim e a não julgar os outros pela aparência”, a “cuidar mais de mim” e a “ser melhor em várias coisas que não consigo fazer, mas agora já consigo fazer”.

A “resiliência” foi diretamente referenciada por um aluno – “aprendi a ser mais resiliente” – e, indiretamente, mencionada por outro quando afirma que “o mais importante foi que nós não conseguimos

fazer tudo sozinhos, temos de trabalhar juntos e que não podemos desistir do que nós queremos”.

A “empatia” foi a categoria que mais contributos recebeu, com vinte referências diretas ou indiretas feitas pelos alunos entrevistados. Contabilizamos oito referências explícitas à palavra “empatia” e cinco referências a “pôr-me no lugar do outro” e/ou “compreender o outro”. Existem outros sete registos com expressões que implicam uma descentração cognitiva e emocional e que, de forma indireta, deixando subentender o movimento empático, tais como “ter confiança no outro” (3 registos), “quando alguém está triste devo aproximar-me dela” ou “tratar bem os outros, a respeitar, a ser mais simpático”.

O “serviço” constituiu a categoria que diretamente é menos tocada, sendo apenas evidenciada por um aluno quando refere “aprendi muito com o serviço”.

A “liderança pelo exemplo/testemunho pessoal” evidencia-se com dezasseis registos, dos quais onze incluem menções explícitas à palavra “líder” ou “liderança”. Os dois modelos de liderança citados foram Nelson Mandela e Malala (por um conjunto de 5 alunos) e, ainda, as “histórias sobre outras pessoas”. Importa observar que, em oito registos, estas expressões surgem associadas a mudanças pessoais – “aprendi que tenho que ser boa pessoa”, “aprendi a mudar a minha forma” e “sei o que é ser persistente” –, comportamentais – “ser mais amigo dos outros” e “a respeitar os outros” (3 alunos) -, assim como de convicções – “somos todos iguais”.

A “responsabilidade” reveste-se de importância com dezasseis registos. De entre as menções mais significativas, encontram-se como ideias “não devemos julgar pela aparência” (8 alunos), que

não “devo bater nos outros” (5 alunos), mas antes “respeitar os outros” (3 alunos) e ser “boa pessoa” (2 alunos).

À pergunta “O que é que o Ubuntu significa para ti?”, as respostas foram agrupadas, mais uma vez, por similitudes ou convergências em seis unidades de sentido:

• Com foco na frase-tipo e suas nuances explicativas: aqui encontram-se vinte e sete registos mencionando a frase-tipo “eu sou porque tu és” (por 16 alunos) e suas nuances como “tu és porque eu sou” (4 alunos), “não conseguimos viver sem os outros” e “tu me ajudaste e eu te ajudei também”, ou expressões sinónimas de reciprocidade (por 3 alunos) ou, ainda, “tornar-se pessoa” (2 alunos);

• Com foco no conteúdo: neste item enquadram-se quatro registos que mencionam e enumeram explicitamente os 5 pilares do método Ubuntu. Cada uma destas respostas encontra-se bastante desenvolvida, mas nem sempre corretamente e bem articulada;

• Com foco na liderança: contabilizam-se neste item dez registos que evocam o “ser líder” (por 9 alunos) e “cumprir as suas tarefas de líder”. À visão de líder é associada a capacidade de “ajudar os outros” e “deixar-se ajudar” (3 referências);

• Com foco no comportamento pessoal: neste item encontram-se várias opiniões que afirmam que, ser Ubuntu, é “ser bom” (2 alunos), ter “gestos tipo simpático, fazer os outros sorrir, ser corajoso, falar com o coração”, ser “uma pessoa que compreende, ajuda, ser sincero, partilha” e fazer “cumprir as regras, respeitar, arrumar, partilhar, ajudar”, entre outras afirmações similares;

• Com foco na relação empática e de ajuda: tal como referido na análise às respostas da primeira pergunta, ser Ubuntu é identificado por um número significativo de respondentes com uma relação de “empatia/simpatia” por 8 alunos) e de “ajuda” (12 alunos); e

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• Gerador de impacto pessoal: a SU gerou um impacto multidimensional nos alunos com significados vários, expressos como “ponto de alegria imaginária que nós criamos”, “uma fonte de alegria e de felicidade”, “significa paz”, “ser corajoso, simpático”, “ser único e especial”, “transformar numa coisa boa”, “tornar-se uma pessoa melhor” e “ajudar amar e tudo o que há no mundo bom”.

Painéis de bordo

Os resultados emergentes da análise dos painéis de bordo elaborados durante a SU possibilitaram as constatações que se apresentam de seguida. No que diz respeito ao “conhecimento da filosofia Ubuntu”, as três dimensões da filosofia Ubuntu estão presentes num registo único “Líder servidor, ética do cuidado e construir pontes”, ainda que, de modo isolado, mais referências tenham sido explicitadas ora por simples designações – “Ética do cuidado”, “Gestos Ubuntu” (com 4 registos) – ora por frases mais completas, “Servir é ajudar e apoiar os outros”, “Ubuntu – aprende para o que eu sirvo”, “Devemos usar os gestos Ubuntu”, “Devemos praticar os gestos Ubuntu”, “Devemos construir pontes com os outros, não desistir, partilhar emoções e usar os óculos da empatia”, “Lutar pelas pessoas”, “Manter a paz no mundo”, “Defender os direitos das mulheres” e “Proteger a natureza”. Assinale-se, ainda, a menção aos 5 pilares Ubuntu em 4 registos – “5 pilares”, “5 PILARES”, “5 pilares Ubuntu” e “5 pilares –, ao “Serviço”, a evocação da frase “Eu sou porque tu és” (3 registos) e a elaboração “é o que um líder servidor faz - que podemos transformar as nossas fraquezas em potencialidades que devemos acreditar que somos capazes (ter autoconfiança) que devemos ser corajosos que devemos partilhar e respeitar que devemos pensar bem que é importante ajudar os outros”.

O “autoconhecimento” é diretamente explicitado no conteúdo de seis painéis de bordo, mas são numerosas outras referências que se integram nesta categoria, das quais destacamos “Descobri coisas novas sobre mim”, “Cada um é diferente à sua maneira”, “As nossas fragilidades também são úteis”, “Gostei da poção mágica porque aprendi mais sobre mim” e “E conheci-me melhor”. Sobre este pilar Ubuntu e pela sua inclusão em oito painéis de bordo, entendemos importante salientar as seguintes referências à gestão emocional: “É bom ter-se emoções explosivas mas pode tornar-se perigoso!”, “Controlar as nossas explosões das emoções”, “Aprender a controlar as emoções explosivas”, “Controlar as emoções”, “Organizar as nossas emoções”, “Há momentos em que temos de controlar as emoções”, “Controlar as emoções”, “Acalmar os sentimentos antes de agir”, “Termos mais calma” e “Deitar fora a raiva”.

A “autoconfiança” é explicitada de modo direto em registos de seis painéis de bordo, mas a tendência para a expressar revela-se maioritariamente recorrendo a elaborações como “Eu consigo”, “Eu sou capaz”, “Senti-me capaz”, “Confio mais em mim”, “Aprendi a confiar em mim”, “Acredita em ti”, “Acreditar em nós”, “Acreditar”, “Aprendemos a acreditar em nós próprios e que somos capazes de ultrapassar os nossos desafios”, “Enfrentar os nossos medos” e “Ter orgulho no que fazemos”.

A “resiliência” encontra-se patente em numerosos registos dos alunos: além das 3 entradas que a explicitam recorrendo a essa palavra, foram contabilizados mais 37 registos para esta categoria. A menção à superação de desafios e obstáculos é recorrente, com frequência assinalável nos registos efetuados no dia semanal dedicado à exploração desse pilar Ubuntu (12 registos), e, em menor escala, é referida a capacidade de persistência, de que são exemplos “Não desistir” (4 registos), “Nunca desistir” (5 registos), “Nunca devemos desistir do

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 que acreditamos”, “Nunca desistir dos nossos objetivos” e “Aprendemos que não devemos desistir, devemos ser persistentes”.

A “empatia” foi a categoria que mais contributos recebeu dos alunos, com vinte e cinco registos diretos dessa palavra. São várias as entradas que a traduzem de modo implícito, de que são exemplos “Aprendi a colocar-me no lugar dos outros”, “Calçar os sapatos dos outros” (2 registos), e saliente-se a mobilização do verbo julgar para diversas elaborações que a explicitam: “Não julgar pela aparência”, em 2 registos, e ainda “Não julgar as pessoas pela aparência”, “Aprendemos a não julgar pela aparência”, “Não devemos julgar as pessoas pelo aspeto”, “Não devemos julgar ninguém pela aparência”, “Não julgar ninguém antes de conhecer”, “Não julgar as pessoas pela aparência (não julgar o livro pela capa)”, “Não julgar um livro pela capa”, “Não julgar o outro” e “Não julgar os outros à primeira vista”. Refiram-se ainda registos que indiciam descentração – de que selecionamos “Não pensarmos só em nós”, “Pensar nos outros” (2 registos), “Saber ouvir”, “Aprender a ouvir os outros”, “Cada um tem a sua forma de sentir as coisas” e “Todos sentimos de maneira diferente” – e uma postura empática, tais como “Pensar no outro”, “Não gozar com os outros”, “Trabalhar em equipa sem discussões e respeitar a opinião dos outros” e “Nunca devemos magoar os outros porque isso deixa marca no ♡ ”.

O “serviço” encontra-se explicitado pela própria palavra em um único painel de bordo. Esta categoria evidencia-se maioritariamente de modo implícito, relacionada com a disponibilidade – tais como “Ajudar os outros” (5 registos), “Ajudar o próximo”, “Ajudarmo-nos uns aos outros para atingirmos os objetivos”, “Aprendemos a nos ajudar uns aos outros” e “Ajudar as pessoas mesmo as que não conhecemos” – e com a atitude de partilha – “Partilhar” (5 registos)

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e “Importância da partilha”. É ainda de mencionar uma mobilização apreciável dos termos ‘grupo ‘e ‘equipa’ – “Trabalho em grupo” (registado em três painéis de bordo), “Trabalho de equipa” (3 registos), “Aprendemos a trabalhar em equipa”, “Trabalhar em equipa” (5 registos), “Espírito de equipa” (2 registos) “Resolver os problemas em equipa”, “Trabalhar em conjunto” e “Mais fácil trabalhar em equipa do que sozinhos”.

Na “liderança pelo exemplo/testemunho pessoal” assinale-se a mobilização das palavras ‘líder’ ou ‘líderes’, com 12 registos. Nelson Mandela é o modelo de liderança mais citado, com 6 registos, seguindo-se Malala, em cinco entradas; Desmond Tutu é referido em dois painéis de bordo e Ghandi e Rosa Parks merecem uma referência cada. Outras histórias de vida são também referidas: “Ouvimos o testemunho da D. Maria, que é uma líder porque dá exemplos”, “Ouvir o testemunho da Ju e ver como ela superou os seus medos e dificuldades – nunca desistir!”, “História da dona Fátima e de Timor” e “A história da professora da aldeia”.

A responsabilidade encontra-se espelhada em 13 registos, com ênfase no cumprimento de regras (5 registos), na assunção de responsabilidades (2 registos) e na pontualidade.

Discussão

Nas respostas dos educadores à avaliação de impacto, emergem como mais relevantes os pilares “conhecimento da filosofia Ubuntu”, “resiliência”, “serviço” e “empatia”. O “conhecimento da filosofia Ubuntu” destaca-se dos restantes, tanto nos resultados da análise estatística como nos da análise de conteúdo aos comentários finais, sugerindo uma mudança positiva, inclusive na aplicação da filosofia. No respeitante à “resiliência”, a diferença entre o início e

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o fim da SU coloca-o como segundo pilar mais positivamente avaliado, ainda que os comentários finais não reforcem estes resultados (dos 6 testemunhos, 5 referem que os grupos precisam de aprender a lidar com a frustração e a serem mais resilientes). Por sua vez, o “serviço” surge em terceiro lugar como pilar onde a SU terá gerado mais impacto (diferença entre início e fim), sendo também um dos pilares onde se encontraram mais unidades de conteúdo nos comentários finais (30 menções, sendo 21 referências à necessidade de constituir um pilar a necessitar de reforço e melhoria). Por fim, a “empatia” que, sendo o quarto pilar a conhecer maior diferença entre o início e o fim da SU, foi o que mais unidades de conteúdo originou (41, das quais 22 salientam a evolução das crianças).

Nos testemunhos dos educadores/dinamizadores, por sua vez, identificaram-se algumas inquietações iniciais, que se foram dissipando no decurso da semana. A motivação dos dinamizadores decorria, em grande medida, de já terem contactado com outras dinâmicas Ubuntu. Quase metade dos dinamizadores referiu-se a potencialidades da SU, remetendo para o envolvimento e adesão de todos e a sua maioria efetuou uma apreciação global positiva das dinâmicas da SU. Os dinamizadores reportaram a perceção de impactos para os alunos, destacando-se os relativos: a) ao conhecimento da filosofia Ubuntu (10 registos), à liderança pelo exemplo (2 registos) e, de forma particular, a cada um dos pilares - empatia (13 registos), autoconhecimento (8 registos), resiliência (6 registos), serviço (4 registos) e autoconfiança (2 registos); b) a efeitos mais gerais (20 registos).

Ainda que não tenha ainda sido possível realizar uma avaliação do seu impacto a médio e longo prazo, a implementação da SU no 1.º Ciclo do Ensino Básico é, de acordo com os resultados obtidos, percecionada pelos educadores, após a sua implementação, como potencialmente

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 promotora de desenvolvimento de competências humanas (Gonçalves & Alarcão, 2020) intrapessoais e interpessoais nos alunos, concorrendo a exploração dos cinco pilares Ubuntu para os domínios do autoconhecimento, autorregulação, consciência social, relacionamento interpessoal e tomada de decisão responsável, explicitados pela CASEL (2017). Refira-se, ainda, que metade dos dinamizadores reportou impactos ao nível do seu desenvolvimento pessoal e 37,5% a nível profissional, em alinhamento com os benefícios decorrentes da implementação de programas de ASE reportados em Cefai et al. (2018) e apontados por Castillo-Gualda et al. (2017).

A novidade que encerra a SU, pela diferença das suas dinâmicas relativamente às experiências ordinariamente vividas na Escola, é, por sua vez, favoravelmente apreciada pelos alunos, que elegem também as aprendizagens atingidas e as relações que a SU proporcionou como positivas. A “empatia” é a categoria que maior número de menções recebe dos alunos, quer nos testemunhos orais (vinte referências, diretas ou indiretas) quer nos painéis de bordo (explicitada em vinte e cinco registos), assinalando-se complementarmente a mobilização de expressões que implicam uma descentração cognitiva e emocional. A “resiliência”, por sua vez, encontra-se patente em numerosos registos escritos dos alunos, expressa também com alguma frequência como superação de desafios e obstáculos, e com frequência assinalável nos registos efetuados no dia semanal dedicado à exploração desse pilar Ubuntu (doze registos). Existem sempre referências aos restantes 3 pilares – sendo o “serviço” o menos referido –, tanto oralmente como por escrito, parecendo então despoletar nos alunos atitudes mais positivas, em relação a si mesmo e aos outros, como tipificado por Durlak et al. (2011).

As frases-tipo da filosofia Ubuntu e suas variações são recorrentemente mobilizadas pelos alunos, que parecem revelar a sua

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apropriação (trinta e seis referências orais) e entendemos merecer menção, pela frequência ocorrida e impacto que parece ter gerado nos alunos, o pilar da “liderança”, tanto com referências diretas a líderes Ubuntu trabalhados na SU bem como as que os associam à capacidade de ajudar e deixar-se ajudar e pelo exemplo/testemunho que significam.

Um dos efeitos da SU nos alunos é a “responsabilidade”, tendo sido referida tanto pelos educadores (com 8 registos), como pelos próprios alunos nas entrevistas (dezasseis registos) e nos painéis de bordo (13 registos). Assim, pela estrutura e organização da SU, os educadores destacam que os alunos se tornaram, durante a SU, mais pontuais e assíduos, e com uma maior consciência para a importância do cumprimento de regras. O cumprimento das regras e a pontualidade também foram destacados pelos alunos. No entanto, os alunos evidenciaram que a responsabilidade de cada um é mais vasta, pois eles tornaram-se responsáveis também pelos outros, independentemente da sua aparência.

De acordo com a CASEL (2017), a tomada de decisão responsável é um dos domínios das competências de aprendizagem social e emocional. Assim, a SU promoveu também nos alunos, apesar de não ser um dos pilares, competências essenciais para o relacionamento interpessoal. A responsabilidade promovida pela SU está em consonância com as atitudes mais positivas em relação a si mesmo e aos outros, que Durlak et al. (2011) também reportaram. A implementação da SU no 1.º CEB permite, ainda, encontrar eco na importância da promoção da responsabilidade, em ambas as abordagens referidas por Rimm-Kaufman & Hulleman (2015), ou seja, tanto ao nível do desenvolvimento individual dos alunos, bem como na modificação do ambiente na sala de aula.

Limitações e estudos futuros

De referir que esta avaliação dos efeitos da SU se encontra baseada nas perceções de dinamizadores e alunos, não tendo havido mecanismos/instrumentos de avaliação das aprendizagens efetivamente realizadas. Acresce a este facto a liberdade concedida às crianças na elaboração dos painéis de bordo, o que determinou alguma variabilidade no seu preenchimento, bem como a forma livre (não-estruturada) com que se recolheram os testemunhos dos dinamizadores. Outra das limitações deste estudo reside no facto de a avaliação por questionário aplicada aos educadores ter sido realizada num único momento no final da Semana, assumindo, desta forma, as suas perceções uma natureza retrospetiva. Tendo em conta a pertinência em medir o impacto, sugere-se, em estudos futuros, a recolha de dados em dois momentos distintos, no início e no fim da SU. Seria igualmente adequado promover a recolha de dados na modalidade de follow-up para a maturação dos efeitos da SU.

Em investigações futuras, sugere-se, ainda, a recolha de perceções junto de outros agentes educativos (Coordenador de Estabelecimento, Professor Titular, Encarregados de Educação, Assistentes Operacionais e outros técnicos). Complementarmente, convirá assegurar o follow-up da SU com base nas atividades previstas realizar a partir do Clube Ubuntu, de forma a monitorizar continuamente a ALU Júnior e, inclusive, proceder a uma avaliação integral no final de cada ano letivo.

Por fim, parece-nos de enorme pertinência a análise de possíveis contributos e efeitos da filosofia Ubuntu no respeitante à dimensão organizacional da escola, designadamente em aspetos como a gestão do currículo, as abordagens pedagógicas e mesmo a organização do trabalho.

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Conclusão

Os resultados obtidos permitem concluir do valor e do mérito do programa. No respeitante ao valor, e apesar de algumas inquietações iniciais por parte dos dinamizadores (que se foram dissipando no decurso da SU), a maioria destes revelou elevados níveis de motivação com a participação (salientando, até, gratidão e o reconhecimento pela oportunidade proporcionada) e efetuou uma apreciação global positiva das dinâmicas da SU, referindo as suas potencialidades enquanto projeto de educação de crianças no domínio socioemocional.

No que diz respeito ao mérito, designadamente na promoção de competências nos cinco pilares estruturantes da ALU Júnior (autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço), o inquérito por questionário evidencia melhorias estatisticamente significativas em todos, sendo o conhecimento da filosofia Ubuntu, o serviço, a empatia e a resiliência as dimensões onde se encontram melhores resultados.

A estruturação da ALU Júnior nas 5 dimensões - Eu, Eu e o Outro, Eu e os Desafios, Eu e o Mundo, Eu Sirvo - para o 1.º Ciclo do Ensino Básico, evidencia o inegável mérito pedagógico da equipa de formadores na adaptação da linguagem, das estratégias, da simbólica, entre outros elementos, ao nível de ensino dos alunos, sugerindo-se a continuação da formação para os ciclos seguintes.

Nas análises de conteúdo realizadas aos comentários e depoimentos de dinamizadores, bem como às entrevistas a crianças e painéis de bordo por estas elaborados, é possível encontrar efeitos positivos para os alunos em todos os pilares Ubuntu, também aqui com especial destaque para os pilares empatia e conhecimento da filosofia Ubuntu, a que acrescem, também, múltiplas referências positivas ao nível de efeitos mais gerais.

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No conjunto dos dados obtidos (quantitativos e qualitativos), os pilares que mais referências merecem são, indiscutivelmente, a empatia e o conhecimento da filosofia Ubuntu, seguidas da liderança, do serviço e da resiliência.

Complementarmente, metade dos dinamizadores reportou impactos ao nível do seu desenvolvimento pessoal e 37,5% a nível profissional.

Importa ainda destacar a convergência das competências promovidas pela ALU Júnior com aquelas previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, assim como dos temas de pendor humanista que encontram um alinhamento com a Cidadania e Desenvolvimento enquanto área de trabalho transversal a promover no 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Referências:

Alarcão, M., & Fonseca, S. (2020). Empatia. In J. L. Gonçalves, & M. Alarcão (Eds.), Pilares do Método Ubuntu (pp. 109-130). Instituto Padre António Vieira.

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Resumo

O Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) viu, na realização de Semanas Ubuntu junto de profissionais e clientes, a possibilidade aprofundar o desenvolvimento de competências pessoais e relacionais mobilizadoras de uma inclusão ativa, reforçando o sentido de propósito do projeto CRPG. Neste artigo apresentam-se os resultados da avaliação dessas semanas junto de uma amostra de clientes.

Objetivos: Estudar os efeitos da Semana Ubuntu em participantes, clientes, do CRPG, nomeadamente ao nível da resiliência, empatia, sentido de vida, bem como da sua perceção acerca do impacto da formação e satisfação com a metodologia Ubuntu.

Método: O protocolo de investigação foi aplicado em dois momentos (pré e pós-teste) para avaliar os resultados da Semana Ubuntu. No último dia da formação foi avaliada a satisfação com a mesma.

Resultados: Os clientes do CRPG manifestam-se globalmente muito satisfeitos com a Semana Ubuntu. Percecionam-se, 15 dias após a formação, como mais autoconfiantes, com maior autoconhecimento, mais resilientes, mais empáticos, com mais vontade de colocar-se ao serviço do outro, mais tolerantes e capazes de perdoar e resolver conflitos e com mais esperança.

Conclusões: Sendo, na sua globalidade, muito promissores, é importante continuar a avaliar os resultados de semanas Ubuntu no CRPG, procurando obter também dados de follow-up, como inicialmente previsto, realizando novas avaliações com recurso a grupo controlo.

Palavras-Chave: Semana Ubuntu, sentido de vida, resiliência, autoconhecimento, reabilitação.

Abstract: The Ubuntu weeks with professionals and clients allowed the Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) the possibility of deepening the development of personal and relational skills that mobilize

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active inclusion, and reinforcing the sense of purpose of the CRPG project. This paper presents the results of the evaluation of these weeks with a sample of CRPG clients.

Goals: To study the effects of the Ubuntu Week on participants, clients, of CRPG clients, namely in terms of resilience, empathy, meaning in life, as well as their perception of the impact and satisfaction with the Ubuntu methodology.

Method: The research protocol was applied in two moments (pre and posttest) to evaluate the results of the Ubuntu Week. On the last day, satisfaction with the Ubuntu week was also evaluated.

Results: CRPG clients are globally very satisfied with Ubuntu Week. Fifteen days after the training, they perceive themselves to be more self-confident, self-aware, resilient, empathetic, willing to put themselves at the service of the others, more tolerant and able to forgive and resolve conflicts, and more hopeful.

Conclusions: As the overall results are very promising, it is important to continue evaluating the results of Ubuntu weeks in the CRPG, also seeking to obtain follow-up data, as initially planned, and carrying out new evaluations using a control group.

Keywords: Ubuntu week, meaning of life, resilience, self-awareness, rehabilitation.

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Introdução

O método Ubuntu, desenvolvido pelo Instituto Padre António Vieira (IPAV), é um projeto de educação não-formal inspirado por uma filosofia de origem africana, com o mesmo nome, que valoriza a interdependência e a solidariedade humanas. Podendo sintetizar-se na ideia de que “Eu sou porque tu és”, a formação Ubuntu assume-se como uma oportunidade de reflexão e de crescimento pessoal, orientada por dinamizadores com formação específica e suportada por uma metodologia própria.

Tal como é utilizado pela Academia de Líderes Ubuntu, o método Ubuntu repousa em três eixos transversais - Ética do Cuidado, Construção de Pontes e Liderança Servidora – e em cinco competências chave ou pilares Ubuntu: autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço (IPAV, 2023).

O Centro de Reabilitação Profissional de Gaia (CRPG) é uma organização igualmente comprometida com o paradigma da ética do cuidado, ao assumir o propósito de contribuir para o desenvolvimento pessoal, bem-estar e competência de clientes e profissionais. No quadro de uma intervenção colaborativa, procura mobilizar ativamente o contributo de todos, clientes, profissionais e dirigentes, e tem como missão ajudar os clientes a sentirem-se membros ativos e socialmente incluídos, sujeitos de direitos e deveres e autores

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do seu projeto de vida. Para tanto, estimula o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e relacionais, focando-se nas forças das pessoas e promovendo percursos de resiliência que permitam a reabilitação profissional e o melhor bem-estar possível de clientes, mas também de profissionais (CRPG, 2023).

Preocupado com a criação de contextos de trabalho inclusivos e com a promoção de uma ética do cuidado profundamente respeitadora do eu, dos outros e do mundo em que vivemos, o CRPG entendeu que a integração do método Ubuntu nas práticas de trabalho da instituição seria uma oportunidade para reforçar o compromisso institucional de apoiar o processo de superação da adversidade que os seus clientes experienciam com base na: i) clarificação do sentido e propósito de vida (autoconhecimento e serviço), ii) autonomia, autoria e esperança no futuro (autoconfiança e resiliência), e iii) inspiração pelo exemplo (empatia). A construção de pontes, um dos eixos prínceps do método Ubuntu, foi também considerada como sendo um objetivo profundamente articulado com a visão da instituição que diariamente labuta nesse propósito de criar rede e de articular realidades promotoras de crescimento, transformação e inclusão.

O presente artigo apresenta o resultado da avaliação que foi feita de 14 semanas Ubuntu, entre junho de 2020 e novembro de 2021. Para uma mais clara compreensão do percurso que cada participante é desafiado a percorrer, faz-se uma apresentação sumária dos objetivos e principais atividades de cada um dos cinco dias de formação, explicitando a sua articulação com os cinco pilares Ubuntu.

A Semana Ubuntu

O projeto de formação da Academia de Líderes Ubuntu (ALU) pode assumir diferentes formatos (IPAV 2023), sendo que o que foi adotado

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no CRPG foi o semanal. Durante cinco dias, em regime imersivo de 6 horas diárias, os participantes aprofundam as cinco competências – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço –a partir de um conjunto de atividades que vão desde a visualização e discussão de filmes até à reflexão grupal e pessoal, passando pela realização de várias dinâmicas e pela partilha de experiências de líderes da comunidade, sempre suportadas por momentos de conceptualização e significação do que está a ser partilhado. O método Ubuntu está manualizado (ALU, 2019) e foi dinamizado por profissionais do CRPG, previamente formados1, doravante designados neste texto por dinamizadores, sempre com o apoio de elementos da equipa do IPAV. Podendo variar, o número de dinamizadores presente nas semanas ALU deve garantir que uma atenção especial pode ser dada a cada elemento, ao grupo em geral e aos pequenos subgrupos em que algumas das atividades são desenvolvidas.

Em cada um dos dias, o acolhimento é um momento muito especial, em que cada um dos participantes é recebido pelos dinamizadores. É interessante notar que, a partir do 2º-3º dia, a generalidade dos participantes assume também este papel de acolher os “colegas” que vão chegando, transformando este tempo de pré-sessão (de formação) num momento de encontro e de aquecimento para o dia. As pontes podem ir sendo construídas no interior do grupo em diferentes momentos e, por isso, é dado especial atenção a este acolhimento. Na Semana Ubuntu, cada dia está focado num tema principal. O 1º dia – Liderar como Mandela – é especialmente dedicado à figura de Nelson Mandela e ao seu exemplo de liderança servidora, precedido pela apresentação dos fundamentos da ALU, da filosofia

1. A formação dos dinamizadores do CRPG foi feita pela equipa do IPAV, no modelo de dois dias (capacitação teórico-prática) mais cinco dias de formação (Semana Ubuntu com clientes do CRPG e apoio da equipa do IPAV).

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Ubuntu e dos eixos e pilares do método. Recorrendo à visualização do filme “Invictus” (realizado por Clint Eastwood, 2009) e à reflexão orientada, em pequeno e grande grupo, os principais objetivos deste primeiro dia são: i) início da construção do grupo e ii) conhecimento e inspiração da figura de Nelson Mandela enquanto líder servidor, sublinhando os aspetos fundamentais de uma liderança colaborativa e servidora. Não sendo um dia especialmente dedicado ao desenvolvimento de competências pessoais relacionadas com os cinco pilares, ele constituiu um primeiro passo no caminho do autoconhecimento e da empatia, sendo o serviço o pilar que está mais em foco.

O 2º dia é dedicado ao tema da construção de pontes, sublinhando-se o seu valor inestimável na construção de comunidades e sociedades mais justas, mais inclusivas e mais solidárias. São objetivos deste dia a identificação e reflexão sobre as competências e desafios inerentes à construção de pontes bem como o convite ao autoconhecimento sobre as características que permitem, a cada um, construir pontes e ser um bom pontífice. A partilha de ideias e experiências vai aumentando, pelo que a empatia vai tendo cada vez mais oportunidade de ser experimentada e desenvolvida. Esta é a primeira de três sessões que contam com o testemunho inspirador de um elemento da comunidade local. Se a generalidade das atividades realizadas durante a semana procura inspirar os participantes, os momentos de testemunho (cerca de 45-60 minutos) são particularmente importantes e podem ser muito cativantes e transformadores.

No 3º dia – Vencer Obstáculos – o principal objetivo é que cada um tome consciência de como é que enfrenta as dificuldades com que se confronta/confrontou, refletindo sobre como pode aumentar a sua resiliência. Partindo da visualização e discussão orientada (em pequeno e grande grupo) do filme “O Circo das Borboletas” (realizado por Joshua Weigel, 2009), o dia pretende contribuir, de

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forma clara, para o autoconhecimento, autoconfiança e resiliência. O convite à focalização nas forças e nos pontos positivos de cada um, apesar dos problemas, dificuldades e limitações que possa estar a enfrentar (e/ou ter enfrentado) é deliberado, como forma de promover a autoconfiança e a resiliência, despertando, por vezes, dificuldades maiores nos participantes, particularmente quando estão menos habituados a olhar-se pela lente da força e do desafio. A escolha do testemunho é particularmente relevante porque deve ser uma inspiração para um olhar positivo, esperançoso, desafiante e realista.

O 4º dia – Vidas Ubuntu – é dedicado à (re)significação da história de vida, dando especial atenção ao storytelling na promoção do autoconhecimento. Neste dia, a escuta ativa e a empatia são as competências mais trabalhadas, ainda que o autoconhecimento, a autoconfiança, a resiliência e o serviço estejam também presentes. O filme que suporta a reflexão – “As páginas da Liberdade” (realizado por Richard LaGravenese, 2007) é particularmente inspirador a diversos níveis, nomeadamente no tocante à construção de pontes (interiores e na relação com os outros), à atenção ao outro e à empatia, à superação de desafios pessoais, institucionais e comunitários, à assunção de uma liderança promotora do crescimento, liberdade e autonomia do outro. O dia é particularmente intenso na exploração do que cada um pode ter de melhor, mesmo que o que seja visível seja exatamente o contrário. É neste dia que é feita a entrega da T-shirt Ubuntu, um momento particularmente relevante na construção da identidade Ubuntu e do sentimento de pertença a essa comunidade.

Os 3º e 4º dias são, habitualmente, muito intensos, do ponto de vista emocional porque orientam claramente os participantes num caminho de autoconhecimento, desafiando-os a novas leituras de si próprios e de acontecimentos ou etapas da sua vida. Embora a tó-

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nica seja sempre colocada nas forças e nos aspetos positivos, não se ignoram dificuldades e, no caso dos utentes do CRPG, elas são muito atuais e desafiantes, tendo claramente provocado uma crise2 na sua vida e na das pessoas que lhes são mais próximas.

Finalmente, no 5º dia – I have a dream – cada participante é estimulado a clarificar a sua missão e propósito de vida, assumindo um compromisso de serviço, preferencialmente social mas que pode ser também equacionado na esfera pessoal e/ou familiar. No caso do CRPG esta dimensão mais pessoal é particularmente importante e muito desafiante. A inspiração, para este último dia, repousa, desde logo, na figura de Martin Luther King, um dos líderes inspiradores da ALU3, mas aprofunda-se, na dimensão de serviço, com a visualização e reflexão sobre o filme “Patch Adam” (realizado por Tom Shadyac, 1998). A segunda parte deste último dia é dedicada à identificação e partilha de ações, projetos e possibilidades de serviço: para tal, cada participante é convidado a “subir à tribuna” e a falar brevemente do seu sonho. O dia termina com a celebração da mudança e entrega de certificados.

Método

Participantes

Embora tenham sido realizadas 14 semanas, num total de 147 participantes, foram incluídos no presente estudo 83 sujeitos com

2. A crise surge sempre que o funcionamento pessoal/familiar e as estratégias de coping habituais se mostram inadequadas para responder aos desafios presentes, razão pela qual se torna necessária a implementação de verdadeiras mudanças.

3. São líderes inspiradores da ALU: Nelson Mandela, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá, Mahatma Gandhi, Desmond Tutu e Malala Yousafzai.

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resultados válidos (56.46%) para o pré e pós-teste, distribuindo-se equilibradamente pelo sexo feminino (n=43, 51.8%) e masculino (n=40, 48.2%). A idade média é de 39.88 (DP=13.01) anos de idade, variando entre os 18 e os 66 anos. A maioria dos participantes possui o 3º ciclo do ensino básico (n=28, 33.7%) ou o ensino secundário (n=27, 32.5%) completos.

Instrumentos

O protocolo é constituído por 6 instrumentos de autorresposta. Os primeiros quatro foram aplicados em dois momentos: pré-teste e pós-teste. O quinto foi apenas aplicado no final da última sessão. Os questionários de avaliação diária foram preenchidos no final de cada sessão. Neste artigo não são integrados os resultados deste conjunto de questionários diários pelo que também não são descritos.

O Questionário de Avaliação de Impacto ALU (QAI-ALU; IPAV, s/d a) procura medir a perceção que os formandos têm do efeito que a Semana Ubuntu produziu em si mesmos. O instrumento é composto por 22 itens, respondidos numa escala Likert de 10 pontos (1=Em total desacordo; 10=Em pleno acordo) e organizados em seis dimensões teóricas: 1) Cinco pilares (p.e., “Conheço-me bem”, “Vejo as dificuldades como oportunidades de crescimento. Sou resiliente”, “Consigo colocar-me no lugar dos outros e sentir com eles. Sou empático”); 2) Liderança pelo exemplo (p.e. “Dou importância ao testemunho pessoal”); 3) Construtores de pontes (p.e., “Gosto de interagir com pessoas de diferentes contextos”, “Tenho competências de negociação”); 4) Eu e o Ubuntu (“Conheço a filosofia Ubuntu”); 5) Empreendedorismo e soft skills (p.e., “Sei e gosto de trabalhar em equipa”, “Sinto-me à vontade em falar em público”); 6) Satisfação e esperança (p.e., “Em geral, sinto-me realizado/a pessoalmente”, “Olho para o futuro com esperança”). A cotação é

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feita somando os valores obtidos em cada dimensão e dividindo pelo número de itens que a compõem. Resultados mais elevados correspondem a um maior impacto da formação. A análise da confiabilidade do instrumento evidencia um alfa de Cronbach excelente4 para a escala total (.936) e bom para a quase totalidade das dimensões (.856, Cinco Pilares; .805, Liderança pelo exemplo; .810, Construtores de pontes; .822, Empreendedorismo e soft skills). Para a dimensão Satisfação e Esperança, o alfa é aceitável (.717).

A Escala de Resiliência para Adultos (ERA, Hjemdal & Friborg, 2001, versão port. Pereira, Narciso, & Canavarro, 2011) avalia diversas características da resiliência, permitindo obter um resultado total e por dimensão (Pereira et al. 2016). É constituída por 33 itens, respondidos numa escala de diferencial semântico de 7 pontos, organizados em 6 dimensões: 1) Perceção do self, que “avalia a confiança nas próprias capacidades e julgamentos, autoeficácia e expectativas realistas” (p.e., “Quando acontece alguma coisa imprevista” 1=“Frequentemente sinto-me desorientado/a, 7=Encontro sempre uma solução”); 2) Planeamento do futuro, que “avalia a capacidade de planeamento antecipado, de ter uma visão otimista e de se orientar por objetivos claros e alcançáveis” (p.e. “os meus planos para o futuro são” 1=“Difíceis de realizar, 7=Possíveis de realizar”); 3) Competências sociais, que “avalia a flexibilidade em interações sociais, a capacidade de criar novas amizades, [de] sentir-se à vontade em ambientes sociais e [de fazer um] uso positivo do humor” (p.e., “Ser flexível em contextos sociais” 1=“Não é importante para

4. De acordo com Pestana e Gageiro (2008), considera-se: excelente um valor de alfa superior a 0.9; bom, entre 0.8 e 0.9; aceitável, entre 0.7 e 0.8; questionável, entre 0.6 e 0.7; pobre, entre 0.5 e 0.6; inaceitável, quando inferior a 0.5.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 mim, 7=É muito importante para mim”); 4) Estilo estruturado, que “avalia a capacidade de ter e seguir rotinas, de organização do próprio tempo e a preferência por objetivos e planos claros antes da realização das atividades” (p.e., “Sou bom/boa” 1=“A organizar o meu tempo, 7=A desperdiçar o meu tempo”); 5) Coesão familiar, que “avalia se os valores são partilhados ou discordantes na família, se os membros da família apreciam passar o tempo juntos, se têm uma visão otimista do futuro, se são leais uns aos outros e se têm um sentimento de apreciação e apoio mútuo” (p.e., “Eu sinto-me” 1=“Muito bem com a minha família, 7=Muito infeliz com a minha família”); e 6) Recursos sociais, que “mede a existência de apoio social”, dentro e fora do núcleo familiar (p.e., “Eu recebo apoio de” 1= “Amigos/familiares, 7=Ninguém”) (Pereira et al. 2016, p.39). A cotação é feita somando os valores obtidos em cada dimensão e dividindo pelo número de itens que a compõem. Há 17 itens invertidos pelo que devem ser recodificados. Pontuações mais elevadas correspondem a níveis mais elevados de resiliência. Neste estudo, o alfa de Cronbach para a escala total é bom (.831), não sendo aceitável para a dimensão estilo estruturado (.314), pelo que esta dimensão não será analisada. Os valores obtidos para as dimensões Perceção do self, Planeamento do futuro, Competências sociais, Coesão familiar, Recursos Sociais são questionáveis mas ainda podem ser aceites (.662, .646, .678, .617 e .681, respetivamente).

O Índice de Reatividade Interpessoal (Davis, 1980, 1983; versão port. Limpo, Alves, & Catro, 2010) é uma medida de empatia que repousa numa conceção multidimensional da mesma. Integra 24 itens, respondidos numa escala Likert de 5 pontos (0=Não me descreve bem; 4=Descreve-me muito bem) e organizados em quatro subescalas: 1) Tomada de perspetiva, que mede a tendência para adotar pontos de vista do outro (p.e., “De vez em quando tenho dificuldade em ver as coisas do ponto de vista dos outros”); 2) Preocupação empática,

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 que avalia a capacidade de experienciar sentimentos de compaixão e preocupação pelo outro (p.e., “Tenho muitas vezes sentimentos de ternura e preocupação pelas pessoas menos afortunadas do que eu”); 3) Desconforto pessoal, que avalia sentimentos de ansiedade, apreensão e desconforto em contextos interpessoais tensos (p.e. “Estar numa situação emocional tensa assusta-me”); 4) Fantasia, que mede a propensão da pessoa para se colocar em situações fictícias (p.e., “É raro ficar completamente envolvido/a num bom livro ou filme”) (Limpo et al., 2010). A cotação é obtida somando os valores por subescala e dividindo pelo número de itens, tendo que inverter-se os 7 itens reversos. Neste estudo, os valores da consistência interna avaliados pelo alfa de Cronbach oscilam entre .612, para a subescala Tomada de perspetiva e .681 para a subescala Desconforto pessoal, tendo sido obtido um valor de .652 para a escala total. As subescalas Preocupação empática e Fantasia não serão analisadas uma vez que o valor de alfa é inaceitável (.181 e .464, respetivamente). A análise da confiabilidade no estudo de validação da escala foi superior, oscilando entre .74 (subescala Tomada de perspetiva) e .83 (subescala Fantasia).

O Questionário de Sentido de Vida (Steger et al., 2006; versão port. Portugal, Crespo, & Pires, 2017) é composto por 10 itens, respondidos numa escala Likert de 7 pontos (1=Absolutamente falso; 7=Absolutamente verdadeiro), organizados em dois fatores: 1) Presença de sentido de vida (p.e., “Eu compreendo o sentido da minha vida”) e 2) Procura de sentido de vida (p.e., “Ando à procura de alguma coisa que faça com que a minha vida tenha sentido) (Portugal, 2017). A cotação é obtida somando os valores por fator e dividindo pelo número de itens, tendo que inverter-se o item reverso. Neste estudo, o valor da consistência interna avaliado pelo alfa de Cronbach é bom para o fator Procura de sentido de vida (.848) e aceitável para a escala total (.765) e para o fator Presença de sentido de vida (.799).

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O Questionário de Avaliação da Satisfação com a Formação ALU (QAS-ALU; IPAV, s/d b) é composto por 17 itens e solicita que, numa escala Likert de 10 pontos (1=Discordo totalmente; 10=Concordo totalmente), o participante avalie a satisfação com a Semana Ubuntu (p.e. “A organização desta Semana Ubuntu (receção, organização dos materiais) foi adequada”; “Senti-me bem acolhido/a e acompanhado/a pelos/as formadores/as”; “A Semana Ubuntu contribui para os objetivos que estou a trabalhar no CRPG”).

Procedimentos

Depois de obtido o consentimento informado, os participantes responderam ao protocolo de investigação cujos dados são analisados neste artigo em dois momentos: a) o pré-teste foi realizado duas a três semanas antes da formação e o pós-teste, duas semanas após a Semana Ubuntu; b) o questionário de avaliação da satisfação com a formação foi aplicado no final da formação.

Análise estatística

O tratamento de dados realizou-se com recurso ao programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS - versão 27). Foram utilizadas estatísticas descritivas (frequências, médias e desvios-padrão) e, feito o estudo da normalidade da distribuição, usou-se o Teste T de Student para amostras emparelhadas, de modo a comparar as médias dos resultados obtidos pelos participantes no pré e no pós-teste, e para amostras independentes com o intuito de comparar as médias dos resultados obtidos por homens e mulheres.

Resultados

A apresentação dos resultados é feita comparando os dados obtidos no pré e no pós-teste, para a totalidade dos instrumentos que inte-

250 318

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 graram estes dois momentos de avaliação, analisando-se também as diferenças existentes entre participantes mulheres e participantes homens. São, ainda, apresentados os resultados relativos à avaliação da satisfação com a formação.

Impacto da Semana Ubuntu

Com o objetivo de verificar se existem diferenças nos resultados do Questionário de Avaliação de Impacto ALU (QAI-ALU), antes e após a realização da Semana Ubuntu, efetuaram-se Testes T para amostras emparelhadas, tendo-se encontrado diferenças estatisticamente significativas para todas as dimensões teóricas com exceção da “Liderança pelo Exemplo” (Tabela 1).

Tabela 1.

Resultados relativos ao Teste T para amostras emparelhadas para o Questionário de Avaliação do Impacto ALU

Pré-Teste Média (DP)

Pré-Teste Média (DP)

Dimensões t(gl)

5 pilares

Liderança pelo exemplo

Construtores de pontes

Eu e o Ubuntu

Empreendedorismo e soft skills

Satisfação e esperança

7.22(2.06)

8.43(1.65)

7.32(1.77)

5.06(1.94)

6.56(2.198) 6.16(2.33)

*p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

7.78(1.86) 8.75(1.54) 7.91(1.80) 8.77(1.73) 7.48(2.07) 7.27(2.21)

t(77)=-2.71**

t(80)=-1.84

t(78)=-3.36***

t(77)=-15.81***

t(79)=-5.01***

t(70)=-5.31***

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Os participantes percecionam-se, 15 dias após a formação, como mais autoconfiantes, com maior autoconhecimento, mais resilientes, mais empáticos, com mais vontade de se colocarem ao serviço do outro (dimensão “5 pilares”), mais tolerantes e capazes de perdoar e resolver conflitos (dimensão Construtores de pontes), com mais soft skills (dimensão “Empreendedorismo e soft skills”), mais realizados e com mais esperança (dimensão “Satisfação e esperança”), muito mais conhecedores acerca da filosofia Ubuntu e satisfeitos por participarem na formação (dimensão “Eu e o Ubuntu”). No que diz respeito ao assumir responsabilidades, ser pontual e dar importância ao testemunho pessoal, a diferença de médias não é estatisticamente significativa. A média dos resultados obtidos na dimensão “5 pilares” é significativamente superior à obtida antes da formação Ubuntu, t (77) = -2.71, p = 0.01. O mesmo acontece nas dimensões “Construtores de pontes”, t (78) = -3.36, p = 0.001, “Eu e o Ubuntu”, t (77) = -15.81, p< 0.001, “Empreendedorismo e soft skills”, t (79) = -5.01, p< 0.001 e “Satisfação e esperança”, t (70) = -5.31, p<0.001.

Comparando a médias dos resultados entre os participantes do sexo feminino e os do sexo masculino, recorrendo ao teste t de Student para amostras independentes, não se encontram diferenças estatisticamente significativas em nenhuma dimensão, com exceção da “Liderança pelo exemplo”, no pré-teste [t (80)=2.40, p=0.02], em que as mulheres apresentaram um valor médio mais elevado quando comparadas com os homens (respetivamente, 8.83 e 7.89). Esta dimensão integra 3 itens: “Sou responsável e sei assumir compromissos”, “Sou pontual e assíduo/a” e “Dou importância ao testemunho pessoal”.

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Resiliência

Comparando os resultados médios obtidos na Escala de Resiliência para Adultos (ERA), no pré e no pós-teste, com recurso ao teste t de Student para amostras emparelhadas, verifica-se que os valores são sempre mais elevados após a formação da Semana Ubuntu (Tabela 2) embora essa diferença só assuma significância estatística para a “Escala total”, t (47)=-2.33, p=0.02, e para as dimensões “Perceção do self”, t (66)=-2.53, p=0.01, e “Competências sociais”, t (65)=-2.97, p<0.001.

Tabela 2.

Resultados relativos ao Teste T para amostras emparelhadas para a Escala de Resiliência para Adultos

Pré-Teste Média (DP)

Pré-Teste Média (DP)

ERA_Dimensões t(gl)

ERA Total

ERA_ Perceção do self

Era_ Planeamento do futuro

ERA_ Competências sociais

ERA_ Coesão familiar

ERA_ Recursos sociais

4.43(0.69) 4.20(1.198) 4.14(1.33) 4.54(1.17) 4.74(1.12) 4.99(1.13) 4.64(0.89) 4.52(1.16) 4.37(1.44) 4.89(1.18) 4.96(1.36) 5.23(1.24) t(47)=-2.33* t(66)=-2.53** t(69)=-1.6

*p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Comparando as médias dos resultados entre participantes do sexo feminino e do sexo masculino, recorrendo ao teste t de Student para amostras independentes, apenas se encontram diferenças estatisticamente significativas nas dimensões “Competências sociais” [t (72)=2.23, p=0.03] e “Recursos sociais” [t (73)=1.98, p=0.05], no pré-teste, e nas dimensões “Competências sociais” [t (71)=2.45, p=0.02], “Coesão familiar” [t (74)=1.99, p=0.05] e Recursos sociais [t (74)=2.93, p=0.004], no pós-teste, com as mulheres a apresentarem sempre resultados mais elevados (tabela 3).

Tabela 3.

Resultados relativos ao Teste T para amostras independentes para os resultados obtidos por mulheres e homens na Escala de Resiliência para Adultos

Sexo Feminino Média (DP)

Sexo Masculino Média (DP)

ERA_Dimensões t(gl)

ERA Total_M0

Perceção do self_M0

ERA_Planeamento do futuro_M0

ERA_Competências sociais_M0

ERA_Coesão familiar_M0

ERA_Recursos sociais_M0

ERA_Total_M1

ERA_Perceção do self_M1

ERA_Planeamento do futuro_M1

ERA_Competências sociais_M1

ERA_Coesão familiar_M1

ERA_Recursos sociais_M1

4.47(0.69)

4.13(1.32)

4.20(1.45)

4.74(1.15)

4.81(1.07)

5.23(1.08)

4.98(0.91)

4.78(1.24)

4.49(1.51)

5.17(1.15)

5.23(1.41)

5.69(1.09)

4.34(0.84)

4.31(1.02)

4.11(1.28)

4.13(1.19)

4.63(1.27)

4.72(1.16)

4.54(0.94)

4.61(1.27)

4.25(1.28)

4.52(1.08)

4.60(1.31)

4.90(1.25)

t(55)=0.66

t(69)=-0.66

t(73)=0.29

t(72)=2.23*

t(71)=.064

t(73)=1.98*

t(61)=1.91

t(75)=0.61

t(75)=0.76

t(71)=2.45*

t(74)=1.99*

t(74)=2.93**

*p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

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Empatia

Com o objetivo de verificar se existem diferenças para os resultados obtidos no Índice de Reatividade Interpessoal (IRI), antes e após a Semana Ubuntu, efetuaram-se Testes T para amostras emparelhadas, tendo-se encontrado diferenças estatisticamente significativas para o “Índice total” [t (69)=-2.70, p=0.01] e para a dimensão “Tomada de perspetiva” [t (77)=-2.35, p=0.02] (Tabela 4).

Tabela 4.

Resultados relativos ao Teste T para amostras emparelhadas para o Índice de Reatividade Interpessoal

ERA_Dimensões t(gl)

IRI_Total

IRI_Tomada de perspetiva

IRI_Desconforto pessoal

*p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

Média (DP)

2.38(0.43)

2.56(0.70)

1.96(0.82)

Média (DP)

2.499(0.406) 2.72(0.598) 1.99(0.797)

t(69)=-2.70**

t(77)=-2.35*

t(72)=-.297

Comparando as médias dos resultados entre participantes do sexo feminino e do sexo masculino, recorrendo ao teste t de Student para amostras independentes, não se encontram diferenças estatisticamente significativas no pré e no pós-teste.

Sentido de Vida

Comparando os resultados médios obtidos no Questionário de Sentido de Vida (QSV), no pré e no pós-teste, com recurso ao teste t de Student para amostras emparelhadas, encontram-se diferenças estatisticamente significativas na dimensão “Presença de sentido de

vida” [t (73)=-3.17, p<0.002], com valores mais elevados após a formação da Semana Ubuntu (Tabela 5).

Tabela 5.

Resultados relativos ao Teste T para amostras emparelhadas para o Questionário de Sentido de Vida M0

Dimensões t(gl)

QSV_Presença sentido vida

QSV_Procura sentido vida

Média (DP) M1

4.68(1.36)

4.91(1.48)

Média (DP)

5.06(1.18)

5.11(1.61)

t(73)=-3.17**

t(77)=-1.17

*p<0.05; **p<0.01; ***p<0.001

Não foram encontradas diferenças entre sexos, nem no pré nem no pós-teste, para os resultados relativos às duas dimensões do sentido de vida.

Satisfação com a formação ALU

A satisfação global com a Semana Ubuntu é muito elevada (9.61), quer no que diz respeito a aspetos organizacionais (espaço=9.76, acolhimento=9.58, organização=9.42), quer relativamente à metodologia utilizada (variando entre 9.03, para as dinâmicas, e 9.61, no caso dos testemunhos). Ao nível do contributo da formação para os pilares do método Ubuntu, a satisfação é também elevada (variando entre 8.98, para a autoconfiança, e 9.26, para a resiliência), sendo ao nível da autoconfiança que os participantes percecionam um contributo ligeiramente menor da Semana Ubuntu. É elevada a perceção que têm acerca do contributo da Semana para os objetivos que estão a trabalhar no CRPG (9.45). Por tudo isto, o valor médio encontrado para o item “Recomendaria a frequência da Semana Ubuntu a um/a amigo/a” é também elevado (9.52) (tabela 6).

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Tabela 6.

Resultados obtidos no Questionário de Avaliação da Satisfação com a Semana Ubuntu, M (DP)

Itens Média (DP)

A organização da semana ...

O espaço ...

Senti-me bem acolhido ...

A metodologia usada...

Os/As formadores/as foram claros ...

As dinâmicas...

O tempo de reflexão...

As apresentações e sínteses...

Os testemunhos...

A Semana (...) contribui para os objetivos que estou a trabalhar no CRPG

(...) ajudou-me a conhecer-me melhor

(...) ajudou-me a acreditar nos meus talentos...

(...) ajudou-me a ver as dificuldades como oportunidades de crescimento

(...) ajudou-me a colocar-me no lugar dos outros ...

(...) ter vontade de me colocar ao serviço ....

Estou satisfeito ...

Recomendaria ... 9.42 (1.50) 9.76 (0.82) 9.58 (1.16) 9.30 (1.54) 9.55 (1.19) 9.03 (1.88) 9.22 (1.40) 9.52 (1.26) 9.61 (1.04) 9.45 (1.38) 9.17 (1.71) 8.98 (1.87) 9.26 (1.58) 9.25 (1.72) 9.06 (1.80) 9.61 (1.26) 9.52 (1.34)

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Discussão

À semelhança de muitas outras Semanas Ubuntu5, também os clientes do CRPG expressaram claramente a sua satisfação com esta formação, desde logo visível na recomendação que dela fariam a um amigo. Este resultado, associado à sua perceção de que a Semana Ubuntu “contribui para os objetivos que estão a trabalhar no CRPG”, parece indicar que a opção do CRPG, de integrar o método Ubuntu nas práticas de trabalho da instituição, fez sentido e foi alcançada.

Respeitadora da ética do cuidado e preocupada com a promoção de percursos resilientes junto de clientes muito desafiados por circunstâncias várias da sua vida, nomeadamente acidentes ou doenças graves e incapacitantes, a instituição procura enquadrar o trabalho de reabilitação na clarificação do sentido e propósito de vida e na promoção de autonomia, autoria e esperança no futuro. Na comparação entre o pré e o pós-teste, os participantes evidenciaram um aumento da presença e da procura de sentido de vida depois da formação, ainda que com significância estatística apenas no que diz respeito à primeira. Steger (2013) sublinha que a presença e a procura de sentido de vida se relacionam negativamente, sendo que a inexistência de sentido se associa à procura de sentido de vida. O que ressalta dos resultados obtidos é que se a procura de sentido de vida continua a estar presente na vida dos participantes, a formação pode ter contribuído para a uma maior presença de sentido de vida ou, dito de outro modo, para a existência, ou tomada de consciência, de um propósito mais claro para a sua vida, resultado tão mais importante quanto a presença de sentido de vida se assume como

5. Embora não estejam publicados, os resultados de satisfação com as Semanas Ubuntu são habitualmente muito satisfatórios. Em outros artigos publicados nesta revista, ainda que recorrendo maioritariamente a metodologias qualitativas, o leitor pode encontrar evidência para esta afirmação.

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uma componente adaptativa e natural da vida humana, associada à existência de uma visão e postura mais otimista e esperançosa (Portugal, 2017). Este resultado pode ter sido potenciado pelo trabalho realizado em torno do autoconhecimento, embora seja importante não esquecer que o propósito de vida é também um tópico trabalhado pelo CRPG com o objetivo de devolver esperança aos clientes e de ajudá-los a sentirem-se membros ativos e autores do seu projeto de vida. Em posteriores investigações, será importante aprofundar o estudo do papel da Semana Ubuntu na presença de sentido de vida e avaliar se ambas as intervenções se potenciam, ou não, neste objetivo de conferir sentido de vida aos clientes do CRPG.

O autoconhecimento constitui um pilar do método Ubuntu por se considerar que o mesmo é fundamental para que a pessoa possa saber cada vez melhor “quem é” e “como é” (Gonçalves et al., 2020), nomeadamente, o que já tem e o que quer alcançar. A perceção dos participantes é de que a Semana os ajudou a conhecerem-se melhor, bem como a terem maior autoconfiança, ainda que seja nesta última dimensão que parecem percecionar como um pouco menos intenso o contributo da Semana Ubuntu. A este último resultado não é, por certo, estranha a condição física e psicológica dos clientes do CRPG que, de um momento para o outro, se viram confrontados com limitações importantes e com múltiplos desafios que têm que superar. Em qualquer dos casos, a perceção de uma maior autoconfiança após a Semana Ubuntu é também confirmada pela diferença estatisticamente significativa entre o pré e o pós-teste no que diz respeito aos resultados obtidos na dimensão “Perceção do self”, da ERA, que, como referido, avalia a perceção de autoeficácia, isto é, de confiança, realista, nas próprias capacidades e julgamentos. A autoconfiança, apoiada no autoconhecimento, é um elemento importante na promoção do empoderamento, da autoria e da autonomia, aspetos que constituem objetivos centrais no trabalho do CRPG. E não é, por

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certo, estranha, à perceção de maior satisfação e esperança que os participantes evidenciam, de forma significativa, no pós-teste.

Em populações multidesafiadas, a resiliência, enquanto capacidade de superação criativa da adversidade (Forte et al, 2020; Rutter, 2006; Walsh, 2016), assume-se como um elemento crítico. A Semana Ubuntu trabalha de forma intencional esta dimensão (em especial, nos 3º e 4º dias) apelando à autorreflexão e à identificação das estratégias que cada um tem usado para superar os seus obstáculos, promovendo esta descoberta e/ou tomada de consciência a partir do contacto com histórias/pessoas inspiradoras e do storytelling. O resultado total da ERA evidencia que os participantes se percecionam como significativamente mais resilientes após a realização da Semana, resultado que é também confirmado pelas respostas dadas aos itens “Vejo as dificuldades como oportunidades de crescimento” e “Sou resiliente”, do Questionário de Avaliação do Impacto ALU, e ao item “Ajudou-me a ver as dificuldades como oportunidades de crescimento”, do Questionário de Avaliação da Satisfação com a Formação ALU.

A existência de diferenças altamente significativas entre o pré e o pós-teste na dimensão “Competências sociais”, da ERA, com resultados mais elevados após a Semana Ubuntu, evidenciando a perceção de maior facilidade e flexibilidade em interações sociais, é um resultado muito interessante porquanto a interdependência relacional é não só uma característica do ser humano como é fundamental para o seu desenvolvimento e bem-estar e constitui a essência da filosofia Ubuntu – “eu sou porque tu és”. Em pessoas tão desafiadas como os clientes do CRPG, esta abertura ao outro e à interação social é, sem dúvida, um elemento importante no processo de reintegração. Na mesma linha de promoção da interdependência relacional, é importante assinalar a existência de diferenças

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altamente significativas entre o pré e o pós-teste no que diz respeito à perceção da capacidade de construção de pontes, com os participantes a sentirem-se mais competentes neste domínio após a Semana Ubuntu. Este é resultado é, sem dúvida, tão mais importante quanto a Construção de Pontes se assume como um eixo estruturante do método e da filosofia Ubuntu.

Um outro pilar do método Ubuntu é a empatia. Comparando os valores médios obtidos no IRI, observam-se, no pós-teste, resultados significativamente superiores no total do inventário e na dimensão “Tomada de Perspetiva” o que aponta para a perceção de uma maior atenção ao outro e de uma maior tendência para adotar pontos de vista do outro. No entanto, atendendo aos valores de alfa obtidos, os resultados devem ser lidos com alguma cautela, ainda que os mesmos estejam em linha com os registados no QAI-ALU, em particular no item “Consigo colocar-me no lugar dos outros e sentir com eles. Sou empático/a”, e no QAS-ALU, nomeadamente no item “A Semana Ubuntu ajudou-me a colocar-me no lugar dos outros e a sentir com eles”. O desenvolvimento da empatia é muito relevante para a abertura ao outro, para a promoção de relacionamentos interpessoais positivos, tão importantes na vida do ser humano e, em especial, na vida daqueles que são mais desafiados.

Nesta amostra, a comparação dos resultados obtidos pelos participantes masculinos e femininos apontou para uma quase ausência de diferenças estatisticamente significativas, tendo-se esbatido, no pós-teste, as diferenças registadas, no pré-teste, na dimensão Liderança pelo exemplo, do QAI-ALU, e mantendo-se os valores mais elevados obtidos pelas mulheres nas dimensões Competências e Recursos sociais (da ERA). A estes resultados mais elevados por parte das participantes femininas em dimensões relacionadas com a interação social e a disponibilidade de apoio social não é estranha a construção

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social do papel da mulher como um elemento mais disponível para a relação com ou outro e com mais facilidade de pedir e prestar ajuda.

Limitações e estudos futuros

Sendo este um primeiro estudo sobre a avaliação de resultados da realização de Semanas Ubuntu no CRPG, que aponta, na sua globalidade, para resultados muito promissores, é importante sublinhar algumas das suas limitações e elencar possíveis desenvolvimentos.

Uma primeira limitação prende-se com o tamanho da amostra, em particular com a percentagem de protocolos com resultados válidos: ao corresponder a cerca de 57% do total de participantes nas semanas Ubuntu pode constituir algum enviesamento dos resultados uma vez que pode hipotetizar-se que clientes menos satisfeitos não tenham preenchido o protocolo de investigação. É verdade que não foi essa a impressão subjetiva dos formadores e dos profissionais responsáveis pela aplicação do protocolo mas é importante poder alargar a amostra de estudo.

Outra limitação prende-se com a não utilização de amostra controlo, sendo que este é um aspeto tão mais importante quanto muitos dos objetivos da formação Ubuntu se cruzam com os objetivos da intervenção terapêutica proporcionada pela instituição. A possibilidade de, em novas formações, criar grupos aleatorizados de formação e de comparar os resultados dos grupos “com” e “sem” Semanas Ubuntu permitirá avaliar, com maior fiabilidade, o impacto da formação. A razão pela qual não foi possível criar uma amostra controlo prende-se com a dificuldade de constituição dos grupos para a realização das semanas Ubuntu, atendendo às características e necessidades da população em causa e ao tempo de permanência no CRPG. Ainda assim, será desejável que, em estudos futuros, este aspeto seja considerado.

Uma terceira limitação diz respeito à inexistência de dados de follow-up, tendo sido apenas possível comparar os resultados do pré e do pós-teste, realizados, respetivamente, 15-20 dias antes e 15 dias após a formação. Embora estivesse inicialmente prevista a realização de um follow-up, a 12 meses após a realização da formação, não foi possível recolher estes dados pela dificuldade de contacto e/ ou de resposta dos participantes já depois de terminarem o acompanhamento proporcionado pela instituição. Apesar desta dificuldade, seria muito importante ter dados de follow-up para perceber se os resultados da Semana Ubuntu se mantêm, ou não, no tempo.

No que diz respeito ao protocolo de investigação, e atendendo aos resultados do estudo de fiabilidade do Índice de Reatividade Interpessoal, é importante reavaliar a sua utilização como instrumento de avaliação da empatia.

Finalmente, e no que toca ao desenho de investigações futuras, seria ainda interessante aprofundar a compreensão de como é que a Semana Ubuntu pode ajudar a construir e a consolidar o sentido de vida, sendo que, para esse efeito, a possibilidade de realização de uma entrevista parece constituir-se como a metodologia mais interessante.

Conclusão

A realização da Semana Ubuntu foi muito valorizada pelos clientes do CRPG que se mostraram muito satisfeitos com os aspetos organizativos, nomeadamente o espaço e as metodologias usadas. O acolhimento, momento especial e muito importante no início de cada sessão, foi também pontuado como muito satisfatório. Se logo no fim da formação a satisfação dos clientes com o trabalho dos cinco pilares – autoconhecimento, autoconfiança, resiliência, empatia e serviço – foi grande, a avaliação pós-teste, quinze dias após a

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finalização da formação, evidenciou, de forma estatisticamente significativa, a existência de resultados mais elevados nestes pilares. Ao nível da resiliência, avaliada pela ERA, os clientes percecionaram-se não só como globalmente como mais resilientes, mas também como mais confiantes nas suas próprias capacidades e julgamentos e com facilidade e flexibilidade em interações sociais. Ao nível da empatia, avaliada pelo IRI, foi na maior atenção e adoção de pontos de vista do outro que as diferenças foram mais significativas. Finalmente, registou-se também uma diferença estaticamente significativa na dimensão procura de sentido de vida, do QSV, resultado tão mais importante quanto a presença de sentido de vida se assume como uma componente adaptativa e natural da vida humana. Não foram genericamente encontradas diferenças significativas entre sexos. A capacidade de construir pontes, um dos eixos estruturantes do método Ubuntu, foi também percecionada como tendo aumentado, por parte dos participantes.

Referências:

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Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

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Limpo, T., Alves, R. A., Catro, S. L. (2010). Medir a empatia: Adaptação portuguesa do Índice de Reatividade Interpessoal. Laboratório de Psicologia, 8(2), 171-184.

Pereira, M., Cardoso, M., Albuquerque, S., Janeiro, C., & Alves, S. (2016). Escala de resiliência para adultos. In A. P. Relvas & S. Major, Avaliação Familiar [vol. II Vulnerabilidade, stress e adaptação]. Imprensa da Universidade de Coimbra. https://doi. org/10.14195/978-989-26-1268-3_2

Pestana, M., & Gageiro, J. (2008). Análise de dados para as ciências sociais. A complementaridade do SPSS. Edições Sílabo. Portugal, M. V. (2017). Versão portuguesa do Questionário do Sentido de Vidas: Primeiros estudos psicométricos. [Dissertação de mestrado não publicada]. Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia. Rutter, M. (2006). Implications of resilience concepts for scientific understanding. Annals of the New York Academy of Sciences, 1095, 1-12.

Steger, M. F. (2013). Wrestling with our better selves: The search for meaning in life. In K. D. Markman, T. Proulx, & M. J. Lindberg (Eds.),  The psychology of meaning (pp. 215–233). American Psychological Association. https://doi.org/10.1037/14040-011

Walsh, F. (2016). Applying a family resilience framework in training, practice, and research: Mastering the art of the possible. Family Process, 55(4), 616-632. https://doi.org.10.1111/famp.12260

“Eu sou (de novo) porque tu és”: caminhos de ressignificação de acontecimentos traumáticos no contexto da Academia de Líderes Ubuntu
“I am (again) because you are”: paths of resignification of traumatic events in the context of the Ubuntu Leaders Academy

MARQUES

Resumo

As consequências da exposição a acontecimentos traumáticos são uma área largamente estudada no ramo da psicologia. A literatura tem vindo a procurar estudar não só as consequências negativas da exposição, que são variadas e conhecidas, mas também os resultados de adaptações positivas a esses mesmos eventos. Desta forma, apesar de não ser desenhada com um objetivo terapêutico, surgiu o interesse de compreender o papel da Academia de Líderes Ubuntu (ALU) na adaptação ao trauma, especialmente através da ressignificação. Assim, este estudo, enquadrado num paradigma construtivista e ecológico, baseia-se numa metodologia qualitativa exploratória. Constituiu-se em três fases de recolha de dados (entrevistas, focus group e diários sonoros) com diferentes participantes (membros do Conselho Científico, animadores e participantes da ALU).

O principal foco foi o de compreender as narrativas e perceções de transformação através da ALU, nomeadamente em relação ao acontecimento traumático.

A análise temática dos dados fez surgir três categorias principais: Dimensão Pedagógica, Dimensão Experiencial e Trajetórias de Mudança na ALU. Os resultados principais deste estudo contemplam um possível processo de mudança através da ALU, que é possivelmente influenciado por características do participante, bem como da consciência inicial acerca do acontecimento traumático vivido. Assim, consoante o caso, pode haver um desencadear de ressignificação do acontecimento traumático ou um aumentar da sensação de paz, ou do valor próprio reconhecido e do empoderamento. Contudo, surge também a possibilidade de haver uma desintegração do participante, se não for realizado o processo até ao fim de uma forma sustentada e se não houver continuidade. Para além disto, algumas das perceções de transformação mencionadas são relevantes tendo em conta o modelo de crescimento pós-traumático, sugerindo que a metodologia o poderá potenciar. Estes resultados, embora neces-

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

sitem de mais estudos subsequentes, poderão ter implicações não só para a ALU, como para metodologias comunitárias semelhantes que trabalhem com esta população.

Palavras-chave: Trauma; Academia de Líderes Ubuntu; Adaptação positiva ao trauma; Processo de mudança; Investigação qualitativa.

Abstract: The consequences of exposure to traumatic events are a widely studied area of psychology, since they are reflected both momentarily and in the long term in the lives of those who experience them. However, the literature has sought to study not only the negative consequences of exposure, which are varied and known, but also the results of positive adaptations to these same events. Thus, despite not being designed with a therapeutic objective, the interest arose to understand the role of the Ubuntu Leaders Academy (ALU) - a non-formal education project - in adapting to trauma, especially through resignification. Thus, this study, framed within a constructivist and ecological paradigm, is based on an exploratory qualitative methodology. It consisted of three phases of data collection (interviews, focus group and sound diaries) with different participants (scientific board members, animators and ALU participants). The main focus was to understand the narratives and perceptions of transformation through ALU, namely in relation to the traumatic event.

Thematic analysis of the data yielded three main categories: Pedagogical Dimension, Experiential Dimension, and Change Paths in ALU. The main results of this study contemplate a possible process of change through ALU that is possibly determined by participant characteristics as well as initial awareness about the traumatic event experienced. Thus, depending on the case, there may be a triggering of resignification of the traumatic event or an increased sense of peace, recognized self worth, and empowerment. However, there is also the possibility that if the process is not carried through to the end in a sustained way and if there is no continuity, there is a

disintegration of the participant. Furthermore, some of the transformation perceptions mentioned are relevant in light of the post-traumatic growth model, suggesting that the methodology may enhance it. These findings, while needing further subsequent study, may have implications not only for ALU, but for similar community-based methodologies working with this population.

Keywords: Trauma; Ubuntu Leaders Academy; Positive adaptation to trauma; Change process; Qualitative research.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Introdução

A temática do trauma e a respetiva intervenção psicológica têm tido uma grande relevância e evolução ao longo dos anos (Boals, 2018). A definição de trauma e dos construtos ligados a este fenómeno, como os acontecimentos potencialmente traumáticos, bem como a intervenção no mesmo, foram sendo modificados com a evolução do conhecimento, seguindo os paradigmas vigentes (Bonanno, 2004; Galatzer-Levy & Bryant, 2013).

De facto, a atualidade deste tema não se deve apenas aos diversos desafios que o mundo enfrenta como a pobreza, a violência, maus tratos, a guerra, as alterações climáticas, entre outros acontecimentos potencialmente traumáticos (APT) (Fishere & Bartoli, 2022). Os dados atuais mostram que a prevalência da perturbação de stress pós-traumático, bem como os sintomas psicológicos associados, têm vindo a aumentar exponencialmente (Brooks et al., 2020; Griffin, 2020), o que torna a intervenção nesta área ainda mais relevante e urgente. Esta perturbação resulta em impactos relevantes para o funcionamento do indivíduo, nomeadamente perturbações ao nível do sono, do humor, da atenção e do pensamento (American Psychiatric Association [APA], 2013).

Desta forma, é importante estudar e compreender o funcionamento de metodologias que trabalhem no sentido da reparação do trauma,

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

nomeadamente através da ressignificação dos acontecimentos negativos e traumáticos do passado, alargando o leque da intervenção nesta área. Um dos tipos de intervenção que tem vindo a mostrar ser eficaz é a intervenção de base comunitária (Al-Tamimi & Leavey, 2021), uma vez que, agindo a nível da comunidade, permite-se criar redes de suporte que sustentam uma melhoria a longo prazo (Iemmi, 2019).

Na génese deste texto, com o foco no aprofundamento sobre as questões anteriormente identificadas, nomeadamente das adaptações positivas e processos de mudança após um APT, procurou-se um objeto de estudo no qual pudesse ser avaliada esta questão. Nesse contexto, foi selecionada uma experiência de capacitação de jovens, designada por “Academia de Líderes Ubuntu”, doravante denominada por ALU. A ALU é um programa de intervenção social, que procura agir na comunidade com o objetivo de melhorar problemas complexos específicos inerentes à mesma (What Is Social Project | IGI Global, 2022), tendo em vista não só o desenvolvimento pessoal, mas também relacional, conceptual e comunitário (Alarcão et al., 2020). A ALU intervém diretamente, ainda que sem intenção terapêutica, na comunidade exposta a estes APT, visto que procura intervir em contextos vulneráveis e multidesafiados (escolas em territórios educativos de intervenção prioritária (TEIP), casas de acolhimento, centros educativos, centros de reabilitação profissional, entre outros) (Instituto Padre António Vieira [IPAV], 2021a).

Breve revisão de literatura

Conceito de trauma psicológico

O conceito de trauma psicológico não reuniu, ao longo dos anos, um grande consenso na sua definição (Bonanno, 2004). Dependendo da abordagem e do paradigma utilizados, o enfoque nos diferentes componentes do trauma ganha maior ou menor rele-

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 vância, tornando diferente a definição e compreensão do conceito. Contudo, para o efeito deste estudo, seguiremos a definição que tem por base o Modelo Ecológico do Trauma, originalmente concebido por Harvey (1996), que defende uma perspetiva de análise do trauma através da interação complexa e sistémica entre a pessoa, o evento e o ambiente circundante. Para este modelo, existe o consenso na definição de três componentes essenciais para a sua definição (Isobel et al., 2017; Montagner Rigoli et al., 2019): 1) as características individuais do sujeito, nomeadamente de existência de estratégias de coping e da sua utilização anterior e a experiência subjetiva do mesmo, bem como as suas crenças e preconceções prévias ao evento; 2) as características do evento, como a sua duração, frequência e severidade, que fazem dele um acontecimento potencialmente traumático; 3) e o suporte da comunidade, antes, durante e após o evento traumático (Dekel et al., 2019). A interação complexa entre estes fatores resulta nas diferentes respostas ao acontecimento traumático (Harvey, 1996; Dekel et al., 2019).

Acontecimento potencialmente traumático (APT) vs. Evento sísmico De facto, na abordagem ecológica e sistémica do conceito de trauma, apesar de não ser o único fator, é também essencial olhar à especificidade do evento que provoca as consequências no indivíduo. Desde que surgiu, o conceito de acontecimento potencialmente traumático (APT) foi controverso (Cougle et al., 2012). Atualmente, a definição proposta pelo DSM-V (APA, 2013, p.324) considera APT todos os eventos em que o indivíduo esteja exposto, direta ou indiretamente, a eventos que ameacem a integridade física. Contudo, esta definição tem vindo a ser criticada não só por não ter em consideração outras características do evento, como a sua duração e por não ter capacidade explicativa das reações não patológicas aos APT, deixando uma grande quantidade de casos por explicar, fruto da existência de categorias estáticas e dicotómicas com pouca capacidade de

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 contemplar as idiossincrasias individuais (Bonnano et al., 2012). Assim, contrastando com esta definição, em linha com algumas outras definições, também os autores Tedeschi e Calhoum (2004) procuraram definir este construto, optando por não recorrer a definições limitativas de critérios para um APT, recorreram ao conceito de evento sísmico. Assim, defendem que não é o evento em si que é central, mas sim o seu impacto nos esquemas e nas narrativas do indivíduo. Desta forma, eventos sísmicos são todos aqueles que tenham a capacidade de desafiar (“abanar” tal como um sismo) estes esquemas e narrativas. Necessariamente, depois da exposição a um evento (ou série de eventos) com estas consequências, existe uma transformação e uma reestruturação das cognições do indivíduo (Tedeschi e Calhoum, 2004).

Consequências da exposição ao APT

A exposição ao APT gera, como referido anteriormente, inúmeras respostas diferentes (Galatzer-Levy & Bryant, 2013), por um lado sintomatológicas e por outro de adaptação positiva (Ai & Park, 2005; Kramer et al., 2020; Lyons, 1991).

Respostas sintomatológicas. O conceito de trauma psicológico é, por excelência, aquele que se refere às consequências sintomatológicas provocadas pela exposição a um acontecimento disruptivo, sendo referido na área clínica, comumente, por perturbação de stress pós-traumático (PTSD) (APA, 2013, p. 324). As consequências da exposição são, muitas vezes, visíveis em várias áreas de funcionamento do indivíduo (van der Kolk, 2015, 2020). Os sintomas associados à vivência de um APT, se excederem um mês de duração, enquadram-se no diagnóstico de PTSD, sendo, segundo o DSM-5 (APA, 2013, pp. 324 e 325), os sintomas presentes divididos em quatro grupos: as memórias intrusivas e ruminação sobre o APT; evitamento de estímulos que remetem para o trauma; alterações do estado emocional;

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 mudanças na reatividade e na ativação (APA, 2017). Para além disso, existem fatores que, em comorbilidade, podem levar a um agravamento dos sintomas, como o abuso de substâncias, a depressão e a ansiedade, dissociação, perturbações da personalidade, psicose, dificuldades cognitivas, violência (contra si e contra outros), tentativas ou risco de suicídio e comportamentos auto lesivos (APA, 2017).

Adaptações positivas ao trauma

Como discutido anteriormente, têm sido descritas na literatura diversas respostas ao trauma, quer negativas, quer positivas. Das positivas, para o presente estudo, importa focar três específicas: a resiliência (Bonnano, 2004; Masten et al., 2021); o crescimento pós-traumático (definido por Tedeschi e Calhoum em 1998) e o modelo transteórico da mudança (Prochaska et al., 1997).

Resiliência. À semelhança do conceito de trauma psicológico, também o conceito de resiliência foi tomando formas e conceptualizações diferentes ao longo do tempo dentro do ramo das trajetórias de adaptação a acontecimentos negativos, desafiantes ou traumáticos. Apesar de existirem variadas definições, para este estudo recorreu-se à definição utilizada por Bonnano (2004), que defende que a resiliência é um construto multidimensional e dinâmico, que é influenciado por múltiplos fatores, como o ambiente, fatores externos ao indivíduo e fatores intrínsecos ao mesmo (Martin-Breen & Anderies, 2011). Assim sendo, é um processo dinâmico, que resulta de adaptações do indivíduo ou do sistema aos desafios que lhes são apresentados (Masten et al., 2021).

Inicialmente, a resiliência foi vista como uma resposta não normativa – e excecional – à exposição a eventos disruptivos do curso da vida de alguém (Bonnano, 2004). Contudo, com a evolução do estudo do construto, foi-se compreendendo este construto como sendo

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

relativamente normativo e expectável (Bonnano et al., 2012). Desta forma, a resiliência é caracterizada como envolvendo sintomas temporários, um mínimo de disfunção e uma trajetória relativamente estável de funcionamento saudável depois do evento disruptivo (Mayar et al., 2022).

Assim sendo, a resiliência pode ser considerada como uma adaptação positiva a um acontecimento potencialmente traumático, uma vez que se define pelas alterações positivas que ocorrem devido a este mesmo acontecimento, quer num indivíduo, quer ao nível do sistema (Ai & Park, 2005; Lyons, 1991). Desta forma, demarca-se de uma definição de resiliência apena sustentada na mudança no indivíduo (frequentemente criticada na literatura), defendendo uma perspetiva transformacional do próprio sistema envolvente (Dakos & Kéfi, 2022; Folke et al., 2010; Gillard, 2016). A resiliência, tal acabou de ser definida, foi escolhida como um dos cinco pilares da metodologia ALU (ver capítulo Metodologia Ubuntu), o que é especialmente relevante para a atual investigação (Instituto Padre António Vieira [IPAV], 2021a).

Crescimento Pós-Traumático. O crescimento pós-traumático é um conceito definido por Tedeschi e Calhoum (2004) que defendem que, para além das reações sintomatológicas e psicopatológicas definidas pela literatura, existe uma possibilidade de resposta positiva de adaptação às consequências da exposição a situações traumáticas. Esta adaptação não é um mero ajustamento à nova situação, mas sim um crescimento, um ganho que advém da experiência dolorosa, não excluindo, contudo, a existência de sofrimento, como defende Lindley (2004). Assim sendo, são transformações psicológicas positivas que ocorrem durante a gestão e confronto com experiências de vida exigentes e desafiantes (Tedeschi et al., 2018). Para Tedeschi et al. (2018) todo este processo conduz aos resultados do crescimen-

to pós-traumático: uma melhoria nas relações interpessoais, novas possibilidades, maior sentido de força pessoal, existência de novas crenças espirituais ou existenciais, maior sentido de apreciação da vida. Como resultado destas mudanças estruturais, existe uma mudança na narrativa pessoal, uma maior resiliência, um repertório de estratégias de coping mais extenso, uma maior sabedoria e mais atos de serviço (Tedeschi et al., 2018).

Modelo Transteórico de Mudança. Uma vez que a exposição a APT leva, variadas vezes, a uma desregulação do estado normal de equilíbrio do indivíduo, é necessário haver um processo a partir do qual o mesmo consegue voltar a um equilíbrio, mesmo que diferente do inicial (Bonnano, 2004). Assim sendo, é essencial considerar o processo através do qual este consegue atingir esta mudança, seja em contexto psicoterapêutico, seja fora dele. Desta forma, o modelo transteórico da mudança conceptualiza este mesmo processo, muitas vezes aplicado à mudança de comportamentos em saúde (Prochaska et al., 2008).

O modelo transteórico conceptualiza a mudança em cinco estádios temporais, não necessariamente sequenciais, uma vez que podem ocorrer recuos e avanços no processo (Prochaska, 2008). Definidos por Prochaska et al. (1997), os estádios de mudança são: 1) a pré-contemplação, no qual o indivíduo ainda não reconhece o problema e não existe intenção de fazer qualquer ação em relação ao mesmo; 2) a contemplação, em que já existe alguma consciência do problema e existe desejo de fazer alguma mudança em relação ao mesmo nos seis meses seguintes a essa tomada de perspetiva; 3) a preparação exige um desejo de realizar alguma ação para mudar esse estado no mês seguinte à tomada de decisão. A partir do quarto estádio, 4) a ação, já existe um esforço e ações concretas para mudar a atitude face ao problema, seguidas do quinto estádio que é a 5) manutenção

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 dessas mesmas ações. Finalmente, o sexto e último estádio é a 6) conclusão (quando não há qualquer tentação de recaída no comportamento ou problema anterior) (Prochaska et al., 2008).

A Academia de Líderes Ubuntu

A ALU é um projeto de inovação social português ligado ao desenvolvimento de competências socioemocionais e de liderança servidora (Alarcão e Gonçalves, 2020; Academia de Líderes Ubuntu, 2022). O projeto foi desenvolvido pelo Instituto Padre António Vieira (IPAV), a partir de 2010, com o objetivo de trabalhar com populações de contextos multidesafiados, principalmente com os jovens provenientes desses contextos, de forma a permitir o desenvolvimento de competências, através da educação não-formal.

Filosofia Ubuntu. Conforme o nome indica, a metodologia tem por base a filosofia Ubuntu, que é de origem africana (IPAV et al., 2019). Segundo Volmink (IPAV et al., 2019) e Caracciolo (2009), a palavra ubuntu nasce dentro do povo e língua Nguni, na África Austral, podendo ser traduzida pela expressão “Eu sou porque tu és” ou “Eu só posso ser pessoa através das outras pessoas”. Desta forma, a ALU adota este paradigma relacional, construtivista, de quem reconhece que a formação individual depende da existência da relação com outros e que, é a partir dessa relação que ambos existem e se relacionam com o mundo circundante (Alarcão e Gonçalves, 2020).

Metodologia da ALU. Desta forma, recorrendo à filosofia Ubuntu como base, foram definidos três eixos principais sobre os quais a metodologia se versa: a ética do cuidado (de si, dos outros e do planeta), a liderança servidora (termo cunhado por Greenleaf (2002)) e a construção de pontes (Alarcão e Gonçalves, 2020). Estes são eixos centrais da metodologia, ancorados na filosofia Ubuntu, sendo

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

valores que se procuram promover nos participantes. É expectável que, no final da participação integral na ALU, exista um incremento quer na compreensão, quer no desejo de aplicação destes eixos na vida dos participantes (Alarcão e Gonçalves, 2020).

Para além disso, ao longo da formação, são trabalhados os cinco pilares centrais da ALU: o autoconhecimento, autoconfiança, a empatia, a resiliência e o serviço (Alarcão e Gonçalves, 2020; IPAV, 2021a). Estes pilares são fundamentais para a compreensão do processo que ocorre durante a formação da ALU (que adiante se abordará), sendo trabalhados através de estratégias pedagógicas como a reflexão, partilha, participação em dinâmicas e visualização de filmes (IPAV, 2021b). Durante a formação há diferentes focos nestes pilares, sendo cada um deles trabalhado de uma forma específica e com maior relevância, dependendo da dinâmica (Alarcão e Gonçalves, 2020).

Finalmente, a metodologia da ALU baseia-se em cinco seminários diferentes, tendo por base os cinco pilares e os três eixos principais. Os cinco seminários ocorrem em dias diferentes, sendo os temas sequenciais e estruturados de forma a haver um caminho a percorrer durante os mesmos (IPAV, 2021b). O primeiro seminário tem como tema “Liderar como Mandela”, no qual se procura abordar a história de Nelson Mandela e refletir não só sobre liderança servidora, seguindo a definição de Greenleaf (2002) - que acreditava que os grandes líderes agiam como servidores da comunidade, colocando os interesses dos outros à frente dos seus próprios interesses - como também alguns dos pilares da metodologia, como o autoconhecimento (IPAV, 2021b). O segundo seminário tem como nome “Construir Pontes” e o objetivo é o de desenvolver competências de empatia e diálogo com realidades diversas, através da promoção de competências de comunicação (IPAV, 2021b). De seguida, no tercei-

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

ro seminário, é trabalhado o tema “Vencer Obstáculos, ultrapassar barreiras”, numa reflexão sobre os próprios desafios, tomando consciência dos mesmos, mas também dos recursos e de competências como a resiliência, mencionada anteriormente (IPAV, 2021b). No quarto seminário, designado por “Vidas Ubuntu”, trabalha-se a narrativa pessoal de vida, através da reflexão e da partilha da mesma com os restantes participantes (IPAV, 2021b). Neste seminário ocorre a Biblioteca Humana, uma dinâmica que consiste na partilha da história de vida, ou dos seus acontecimentos mais relevantes, em pequeno grupo, havendo tempo no final para perguntas (IPAV, 2021b). Finalmente, no quinto e último seminário, há um convite à reflexão sobre o tema I have a dream, baseado no discurso de Martin Luther King, em que se recolhem as vivências dos dias anteriores e se procura trabalhar o sentido de propósito e de agência no mundo (Alarcão e Gonçalves, 2020; IPAV, 2021b).

Breve revisão de literatura

No seguimento deste breve enquadramento teórico, torna-se mais evidente a pertinência do estudo em questão. De facto, a possibilidade da existência de consequências positivas decorrentes da participação na ALU nos participantes que experienciaram APT, leva ao interesse deste estudo para compreender de que forma é que a metodologia é percecionada como tendo impacto nestas alterações positivas e quais são as transformações identificadas. Ao reconhecer a participação na metodologia como um processo, muitas vezes relatado como de mudança (Alarcão e Gonçalves, 2022), surge o interesse de compreender de que forma é que esta ocorre e qual é o impacto percebido em participantes que tenham experienciado APT, bem como que resultados surgem deste processo.

Método

Breve revisão de literatura

O presente estudo procura explorar, como principal objetivo, a perceção das transformações associadas ao processo de participação nas formações da ALU, nomeadamente no que diz respeito à ressignificação de traumas anteriores à participação na experiência. Partindo da questão de “Como é a experiência e transformações percebidas em participantes da Academia de Líderes Ubuntu que viveram acontecimentos traumáticos?”, surgiram duas questões de investigação: 1) de que forma a metodologia contribui para o processo de adaptação ao trauma? e 2) quais são os elementos centrais da metodologia que são assinalados como tendo maior impacto na ressignificação de acontecimentos traumáticos?

Considerando o objetivo geral referido anteriormente, foram tomados em consideração os seguintes objetivos específicos: 1) explorar as narrativas relacionadas com o processo de participação e de evolução pessoal ao longo da formação; 2) compreender os processos psicológicos associados à participação nas ALU, explorando a ressignificação de traumas, bem como competências socioemocionais desenvolvidas durante a formação; e 3) desenvolver linhas futuras de intervenção e integração da investigação na metodologia.

Este estudo está alicerçado no paradigma social construcionista, que assume a realidade como estando em construção permanente, uma vez que o próprio projeto da ALU procura traduzir este ideal. Dada a natureza da investigação, o estudo foi baseado num design qualitativo exploratório misto, transversal e longitudinal (Charmaz & Thornberg, 2020).

Participantes

Os participantes foram recrutados a partir da seleção de casos relevantes para a investigação, até atingir a saturação teórica (Corbin & Strauss, 2007; Guerra, 2006), que marca o fim da recolha de dados quando os dados recolhidos passam a ser redundantes, devido aos conceitos chave já estarem bem definidos (Corbin & Strauss, 2007). O critério de escolha de participantes foi de diversidade externa (Guerra, 2006) e a amostragem intencional (Marshall et al., 2021), procurando recolher dados o mais diversos possível, tendo em conta a seleção de uma amostra que fosse relevante para o estudo em questão.

A amostra total foi constituída por 28 participantes, todos eles membros da rede internacional da ALU, residentes em Portugal. Destes participantes, vinte e um eram do sexo feminino (F) e sete do sexo masculino (M). Visto que a investigação ocorreu em três fases distintas, os critérios de seleção da amostra para cada uma delas foi diferente.

Todos os participantes foram contactados pela investigadora e foram identificados a partir de três fontes: 1) de contactos dentro da rede internacional Ubuntu, através de contactos realizados pelos meios disponibilizados pela ALU (redes sociais, email, grupos de Whatsapp); 2) pela visualização de cinquenta e dois vídeos de Vidas Ubuntu disponíveis no Youtube visualizado a 12 janeiro de 2022 (Conferência Vidas Ubuntu 2018/2019, 2019; Conferência Vidas Ubuntu - Edição 6, 2020; Conferência Vidas Ubuntu - Edição 7, 2020) e consequente contacto dos autores; e (3) pelos critérios definidos no resultado da primeira fase de investigação.

Instrumentos

Primeira Fase

O guião elaborado para o focus group tinha oito blocos temáticos:

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apresentação, apresentação da questão de investigação (QI), reflexões iniciais sobre a QI, em que era pedido aos participantes que dessem a sua opinião sobre a mesma, clarificação dos processos psicológicos envolvidos na ALU na opinião dos participantes, esclarecimento dos temas relevantes e da população ótima para a investigação que se iria seguir, follow-up e encerramento. Este guião foi utilizado na íntegra, a partir da primeira versão que foi constituída. As questões do guião foram elaboradas com o objetivo de reunir informação sobre os significados atribuídos pelos participantes e as suas opiniões relativas à metodologia (Marshall et al., 2021).

Segunda Fase

O guião elaborado para a entrevista semiestruturada aos animadores consistia em sete blocos temáticos: apresentação; questões sobre o impacto da ALU (em que era perguntado, por exemplo, “Como foi / tem sido a sua experiência como animador?”); reflexão e partilha sobre o processo de terceiros (no qual se pretendia a compreensão da perceção dos animadores em relação à evolução dos participantes que conheceram em geral); compreensão do processo da ALU (questionando-se os momentos centrais da metodologia); esclarecimento dos temas relevantes levantados pelo Conselho Científico (nomeadamente a importância da Biblioteca Humana e de outras dinâmicas); follow-up e encerramento da entrevista.

O guião acima descrito foi utilizado em todas as entrevistas realizadas, tendo sido dado o seguimento aqui proposto, embora havendo, em cada uma das entrevistas, focos diferentes explorados com maior detalhe.

No caso das perguntas dos diários sonoros, existia um guião diário constituído por uma questão, sendo que cada uma delas foi elaborada e enviada a cada um dos participantes nesta fase da investigação,

sendo o objetivo de recolher narrativas sobre a perceção de impacto (por exemplo: “Como sentiu os participantes neste dia? Em quais participantes acha que a semana vai ter maior impacto? Porquê?”).

Terceira Fase

O guião elaborado inicialmente provou ser insuficiente ao longo das entrevistas, tendo sofrido alterações durante o processo de recolha de dados. Desta forma, os blocos temáticos finais foram: 1) apresentação; 2) impacto e história com a ALU, procurando conhecer a participação e envolvimento do participante na ALU; 3) reflexão e partilha sobre os momentos mais relevantes da formação (“Quais foram os momentos mais marcantes da ALU? Porquê?”); sendo seguido, geralmente, pela 4) partilha do impacto da ALU no acontecimento traumático (que frequentemente era referido nos blocos temáticos iniciais, quando se abordava a questão da partilha de histórias de vida); 5) esclarecimento dos temas relevantes levantados pelo Conselho Científico (nomeadamente a importância da biblioteca humana e partilha de histórias de vida); 6) follow-up e 7) encerramento.

Procedimento

O presente estudo encontra-se dividido em três fases distintas de investigação, todas elas precedidas do envio do consentimento informado escrito e da recolha de dados sociodemográficos nas segunda e terceira fases (sexo, edição de participação na ALU, faixa etária e nacionalidade). Foi fornecido aos participantes um contacto da equipa de investigação, possibilitando a obtenção de informações sobre o progresso e resultados do estudo. A presente investigação foi aprovada, nas suas diversas fases, pela Comissão Especializada de Deontologia do Conselho Científico da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Primeira Fase

Na primeira fase, foi realizado um focus group com 6 membros do Conselho Científico Ubuntu, com vista à identificação de temáticas e de casos relevantes, tendo sido composto por 6 participantes (Tracy, 2019). Depois da análise, os dados recolhidos permitiram construir os guiões das entrevistas e diários sonoros das fases seguintes da investigação, de forma a funcionar como consultoria à investigadora e permitir um menor enviesamento dos dados. O focus group teve a duração de 90 minutos e foi realizado através da Plataforma Zoom, tendo sido iniciado com a leitura do consentimento informado.

Segunda Fase

Numa segunda fase, que contemplou 13 participantes no total, realizaram-se entrevistas semiestruturadas a animadores da ALU com o objetivo de recolher informação sobre a sua experiência pessoal e a perceção que tinham da experiência das pessoas que acompanharam. As entrevistas tiveram uma duração média de 45 minutos e foram realizadas através da Plataforma Zoom ou presencialmente.

Para além das entrevistas, foram realizados diários sonoros (recolhidos via Whatsapp, entre o dia 9 e 13 de abril de 2022, na 11ª edição da ALU) no final de cada dia, no qual era pedido que cada um dos animadores, que estavam a realizar a formação no momento, pudessem refletir sobre perguntas realizadas pela investigadora.

Terceira Fase

Na terceira e última fase, foram realizadas entrevistas semiestruturadas a 9 participantes da ALU que vivenciaram APT, realizadas através da Plataforma Zoom e com uma duração média de 45 minutos. Estes participantes podem ter sido, em alguma altura do seu percurso, animadores da ALU mas, para esta investigação, era pedido que se referissem apenas à sua experiência enquanto participantes nas edições.

Assim sendo, o presente estudo procurou triangular os dados recolhidos, ou seja, recolher dados de fontes e métodos distintos, de forma a reduzir o enviesamento e cruzar múltiplas perspetivas para obter uma melhor perceção do fenómeno em estudo (Maxwell, 2008). Assim sendo, foram trianguladas três dimensões distintas: 1) métodos de recolha de dados, recorrendo a focus group, entrevistas semiestruturadas e diários sonoros; 2) participantes, obtendo contributos de membros do Conselho Científico (com uma abordagem técnica e conceptual), de animadores da ALU (que refletem sobre o seu processo enquanto participantes e o processo de terceiros enquanto animadores) e de participantes (sobre o seu processo interno e dos seus colegas); 3) diferentes tempos de recolha de dados (reflexões sobre experiências vividas no passado, nas entrevistas semiestruturadas, reflexões sobre o momento atual com os diários sonoros).

Resultados

No presente estudo, optou-se por uma metodologia de análise temática, seguindo as orientações de Braun e Clarke (2006) para análise dos dados, recorrendo ao software de análise qualitativa QSR NVivo (versão 12), com uma estratégia de análise de dados através da codificação e categorização dos mesmos (Charmaz, 2014; Maxwell, 2008) de forma a gerar sentido, tendo sido utilizado o recurso da mentoria e orientação para dúvidas e estruturação dos códigos. Seguindo as orientações propostas por Coffey e Atkinson (1996, p.2), a análise dos dados foi realizada a par da recolha dos dados, de forma a direcionar a recolha e a melhorar os instrumentos.

Nesta secção serão abordados os resultados referentes à análise temática dos dados recolhidos. Uma vez que este estudo procura compreender as transformações percebidas após a participação na

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ALU, especialmente em relação à ressignificação de acontecimentos traumáticos, esta secção abordará com mais detalhe os elementos considerados mais relevantes, na impossibilidade de descrever todos os resultados aprofundadamente. Assim, as três categorias principais desta análise foram a Dimensão Pedagógica (recursos e estratégias metodológicas), Dimensão Experiencial (experiência de cada participante ao longo da formação) e a Trajetórias de Mudança na ALU (perceção de transformação dos participantes do estudo ao longo da ALU), representadas na Figura 1.

Dimensão Pedagógica

Ambiente

Continuidade Estratégias ŭ

Pilares Ubuntu

Seminários

Dimensão Experiencial

Disposição Elevada Ativação Emocional Inspiração

Dimensão Relacional

Características e Experiencias Individuais

Trajetórias de mudança na ALU

Elementos que influenciam o processo de transformação

Estádios de Mudança

Ativação Desenvolvimento

Mudanças Internas

Mudanças Percebidas

Mudanças Conceptuais

Mudanças nas relações Mudanças na vida

Figura 1.
Mapa de Categorias

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Para efeitos da descrição dos resultados, serão referidas as categorias mais relevantes, estando descritas com maior detalhe em Marques e Minas (2022). Cada uma das categorias surge seguida do número de participantes que a refere e do número total de vezes que foi referida (nªF/nºR), por exemplo (24/3000). As citações escolhidas para ilustrar cada uma das categorias são identificadas através do código associado a cada participante (e.g. P3) e do seu papel na formação: A- Animador; P- Participante; PA- Participante Animador; O- organizador; e CC- membro do Conselho Científico Ubuntu. Desta forma, a uma citação segue-se, por exemplo, o código por (P20/A).

As categorias do presente estudo seguem uma formatação específica, consoante o seu nível: categorias de nível um, categorias de nível dois, categorias de nível três, categorias de nível quatro, *categorias de nível cinco, *categorias de nível seis, *categoria de nível sete.

Dimensão Pedagógica

A Dimensão Pedagógica (24/3485) refere-se a todos os elementos da metodologia que são conceptualizados com uma intencionalidade específica e que permitem à ALU trabalhar as diferentes dimensões pretendidas. Desta forma, nesta subsecção, procurar-se-á compreender quais são os elementos pedagógicos percebidos como mais relevantes dentro da formação. Assim, esta categoria divide-se, inicialmente, em diversas subcategorias: Estratégias Pedagógicas (23/1449), Pilares Ubuntu (22/512), Seminários Ubuntu (22/381), Valores (20/602), Ambiente (20/161) e Continuidade (20/207), representadas na Figura 2.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Figura 2.

Mapa de Subcategorias: Dimensão Pedagógica

Dimensão Pedagógica

Ambiente

Ambiente Seguro

Continuidade

Formação como Animador

Seminários Ubuntu

Construir Pontes

Vencer Obstáculos

Vidas Ubuntu

Pilares Ubuntu

Autoconhecimento

Empatia

Valores

Chamar à Ação

Ética do Cuidado

. Acolhimento

. Escuta Ativa

. Atenção Positiva

Valorização da Pessoa

. Abertura à diversidade

. Aceitação da fragilidade

. Respeito pela individualidade

Estratégias Pedagógicas

Chamar à Ação

Input em Plenário

. Dinâmicas

. Filmes

. Testemunhos

Momentos Informais

Reflexão

Partilha

. Dimensões

. Partilha de HV

Biblioteca Verbalização

Exposição

Dentro da subcategoria Estratégias Pedagógicas (23/1449), surgiu como relevante: Input em Plenário (22/371), quando são em grande grupo; Momentos Informais (11/50); Reflexão (22/177) e Partilha (22/108). Dentro das que são um Input em Plenário (22/371), destacaram-se as Dinâmicas (21/209), os Filmes (13/38) e os Testemunhos (15/116). Destas, ao nível das Dinâmicas (21/209), foi destacada a *Biblioteca Humana (17/108), em que ocorre a partilha da história de vida em pequeno grupo, estruturada a partir de um guião de apoio. Da mesma forma, ao nível da Partilha (22/108), existem não só diversos tipos de partilha, como dimensões referentes a esta. Por um lado, destacou-se como mais relevante a *Partilha de Histórias de Vida (19/413), em contraste com outras partilhas de reflexões ou após as dinâmicas. Por outro lado, as *Dimensões (22/292) da Partilha (22/108) que emergiram como relevantes foi a *Verbalização

288

318

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 (16/75), ou seja, o facto de os participantes terem de organizar o pensamento e expressá-lo em voz alta para outras pessoas (e, dentro desta categoria a *Exposição (13/23), que envolve o facto de a pessoa expor ao conhecimento de um público um facto que era privado).

Dimensão Experiencial

A Dimensão Experiencial (24/1999) é a categoria que engloba todos os elementos referentes à experiência pessoal da participação na ALU e experiências prévias à mesma. Esta categoria é constituída pelas seguintes subcategorias: Características e Experiências Individuais (21/454), Disposição (22/297), Dimensão Relacional (23/723), Elevada Ativação Emocional (22/349) e Inspiração (14/92), representadas na Figura 3.

Figura 3.

Mapa de Subcategoria: Dimensão Experiencial

Dimensão Experiencial

Dimensão Relacional

Comparação Positiva

Comunidade

. Confiança

. Rede de Suporte

Disposição Abertura

Expectativas

Elevada Ativação Emocional

Aprofundamento Emocional

Vulnerabilidade

. Descargas emocionais

Trajetória de Mudança na ALU

Inspiração

Características e Experiencias Individuais

Acontecimento Traumático Propósito de Vida

A Trajetória de Mudança na ALU (24/2231) é a categoria do estudo que define os processos de mudança que ocorrem durante a formação e dos elementos que o espoletam. Esta é dividida em duas categorias principais: Elementos que influenciam o processo de transformação (22/643) e Mudanças percebidas (23/1139). A primeira engloba os principais elementos que influenciam a evolução ao longo da formação (quer mencionados pelos participantes, quer a partir da

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

interpretação dedutiva de algumas fases do processo) e, consequentemente os seus resultados, que são definidos na segunda categoria, que engloba transformações percebidas após a formação.

Figura 4.

Mapa de Subcategoria: Trajetórias de Mudança na ALU

Trajetórias de mudança na ALU

Como Processo

Ativação

Desenvolvimento

Bloqueios

Aceleradores

Mudanças Internas

Aceitação

Valor Próprio

Reconhecido

Desenvolvimento

Pessoal

Mudanças percebidas

Mudanças Conceptuais

Ressignificação de Acontecimentos

Traumáticos

"Não sou o único"

Mudanças na vida Mudanças nas relações

Resultados Aprofundados

Após uma análise detalhada das categorias finais e dos cruzamentos entre as mesmas, procurou-se compreender as transformações percebidas associadas à participação na ALU, nomeadamente os Mudanças percebidas após a participação e o processo de mudança que ocorre durante a mesma, como esquematizado na Figura 5.

A Figura 5 representa um diagrama dos resultados gerais obtidos no estudo, organizados em dois grandes grupos: as trajetórias de mudança à luz dos elementos que explicam o processo (ou seja, olhar para a mudança como processo), e a compreensão de quais são os resultados destas trajetórias, compreendendo a fundo as mudanças que são percebidas pelos participantes. Nos subacapítulos subsequentes abordar-se-á em detalhe este esquema.

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290 318

Elementos que influenciam o processo de transformação Pré Contemplação

Nesta secção, as referências utilizam a estrutura semelhante à anterior, embora estejam representadas primeiro o número de referências e depois o número de fontes [NºR/NºF]. Para além disso, referem-se ao número relativo aos cruzamentos entre as categorias mencionadas, aparecendo sempre após a última categoria desse cruzamento, por exemplo: “cruzaram-se as categorias Dimensão Experiencial e Trajetória de Mudança na ALU [500/20]”.

ACELERADORES

Trajetórias de Mudança na ALU Mudanças Percebidas ALU

Estímulos confronto interno

Aceitação

BLOQUEADORES

ATIVAÇÃO

Paz

Negação Desintegração

Processo Interno

Figura 5.

Estímulos confronto interno

Trajetórias de Mudança na ALU

Elementos que influenciam o processo de transformação

DESENVOLVIMENTO

Ressignificação Acontecimento Traumático Contemplação ALU

Ausência de Processo Interno Contemplação

Trajetórias de Mudança na ALU Mudanças Percebidas

ACELERADORES

Processo Interno

. Ressignificação . Empoderamento . Valor Próprio Reconhecido Ação ALU

Pré Contemplação

Estímulos confronto interno

ALU

Estímulos confronto interno

Contemplação ALU

Estímulos confronto interno

Ação ALU

Estímulos confronto interno

ACELERADORES

BLOQUEADORES

BLOQUEADORES

Aceitação

ATIVAÇÃO

DESENVOLVIMENTO

ACELERADORES

BLOQUEADORES

Dimensão Pedagógica

Dimensão Pedagógica

Dimensão Experiencial

Pilares Ubuntu

Dimensão Relacional

Características Individuais

Acontecimento Traumático

Dimensão Relacional

Características Individuais

Acontecimento Traumático

Negação Desintegração

Processo Interno

Processo Interno

Valor Próprio Reconhecido Empoderamento . Mudança Conceptual . Mais Paz

Ausência de Processo Interno Ação

Ressignificação de Acontecimento Traumático

Ausência de Processo Interno Contemplação

. Ressignificação . Empoderamento . Valor Próprio Reconhecido

Ausência de Processo Interno Ação

Mudanças Internas

Valor Próprio Reconhecido Empoderamento . Mudança Conceptual .

Mudanças Internas

Mudanças Conceptuais

Ressignificação de Acontecimento Traumático

Mudanças Conceptuais

Ressignificação de Acontecimento Traumático

Partilha
Partilha de Histórias de Vida
Mais
Partilha
Pilares Ubuntu
Partilha de Histórias de Vida

Mudanças percebidas

De forma a compreender melhor as mudanças percebidas após a participação na ALU, foram feitos cruzamentos entre categorias com vista a explorar: 1) que elementos da metodologia são centrais para a transformação percebida?; 2) em que sistemas ocorrem essas transformações?; 3) quais são as diferenças percebidas entre os diferentes participantes do estudo?.

Elementos da ALU percecionados com maior impacto na transformação. De forma a compreender que elementos da metodologia são vistos como centrais para a transformação, recorreu-se a um cruzamento entre as Dimensões Pedagógica e Trajetórias de mudança na ALU [737/23] e Dimensão Experiencial com a Trajetórias de Mudança na ALU [580/23].

Por um lado, na Dimensão Experiencial, surgem como relevantes para as Trajetórias de mudança na ALU a Dimensão Relacional [260/23] e as Características e Experiências Individuais [204/16] (“E hoje eu diria que se não tivesse aquela oportunidade de participar naquela formação eu hoje não ia estar aqui no sítio onde estou.” (P20/ PA)). As transformações mais relevantes percebidas que decorrem da Dimensão Experiencial foram Mudanças Internas [208/19] e Mudança Conceptual [234/20], representadas na Figura 5.

Por outro lado, na Dimensão Pedagógica compreende-se que os elementos mais relevantes são a Partilha [299/22] e os Pilares Ubuntu [352/21]. Mais uma vez, as transformações percebidas mais relevantes que decorrem da Dimensão Pedagógica foram também as Mudanças Internas [261/18] e Mudança Conceptual [317/21], representadas na Figura 5.

A Trajetórias de Mudança na ALU nos diferentes subsistemas. Ao analisar o cruzamento destas duas categorias para compreender de que forma é que estas interagem, torna-se claro que existe uma predominância das Trajetórias de Mudança na ALU ao nível Individual [561/13] (“E vi ali pessoas que eram mais retraídas a conseguirem-se soltar e conseguirem mudar e conseguirem, por exemplo, aproveitar contexto para experimentarem diferentes papéis e diferentes formas de ser.” (P24/P)). Os três subsistemas que se seguem (Relacional (178/13), Comunitário [138/20] e Externo [114/12]), não têm interações tão substanciais.

Em todos os subsistemas, à exceção do Comunitário, a relação com a Mudança Conceptual emergiu como relevante (“E sobretudo a pensar numa forma (...) menos centrada em mim do género: “Como é que eu agora eu posso utilizar a minha experiência para fazer alguma coisa para outras pessoas?”” (P21/P)).

Dentro do cruzamento do subsistema Relacional [69/11], que configura a perceção que o participante tem de mudança no sistema das relações, surgiu como relevante a categoria das Mudanças nas Relações. Desta forma, aparentemente, apesar de haver Trajetórias de Mudança na ALU em todos os Sistemas, parece haver uma predominância nas mudanças que são percecionadas a nível interno (abordadas mais detalhadamente na categoria das Mudanças Internas e Mudança Conceptual).

Diferentes olhares para o mesmo processo: conselho científico vs. animadores vs. participantes. De forma a compreender a perceção de cada grupo de participantes do estudo, realizou-se um cruzamento entre as Dimensões Pedagógica e Experiencial, bem como a Trajetórias de mudança na ALU, com os atributos dos participantes do estudo (A- animadores; P- participantes; CC- conselho científico).

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Por um lado, as categorias da Dimensão Relacional (A:[120/13]; P:[283/9]), Partilha (A:[120/12]; P:[310/9]), Pilares Ubuntu (A:[102/12]; P:[338/9]) e Mudanças Percebidas (A:[114/13]; P:[477/9]) foram mencionadas mais vezes pelos animadores e pelos participantes, mas não pelos membros do Conselho Científico. Desta forma, observa-se uma maior concordância entre os grupos de animadores e participantes da ALU, estando as categorias mencionadas pelos animadores 100% representadas naquelas que mostraram ser relevantes para os participantes.

Nos membros do Conselho Científico destacou-se de forma singular a categoria dos Valores [37/1] (“a ideia de que o acolhimento é tão importante para cada indivíduo” (P1/CC); “a questão do reconhecimento e acolhimento da diferença” (P5/CC)).

Por outro lado, para os participantes, foi relevante de uma forma singular as Características e Experiências Individuais [350/9] (“eu acho que é assim, as pessoas quando vão para uma coisa deste género já primeiro, em princípio, já serão pessoas mais abertas” (P24/P)).

Trajetórias de mudança na ALU específicas ao Acontecimento Traumático. Seguidamente, para compreender especificamente as mudanças relativas ao acontecimento traumático, procurou-se responder ao seguinte: 1) que transformações percebidas estão associadas ao acontecimento traumático?; 2) quais são os elementos centrais da metodologia que são assinalados como tendo maior impacto na ressignificação de acontecimentos traumáticos?; 3) qual é o papel da partilha de histórias de vida na transformação percebida?; 4) que elementos da experiência que tornam a partilha de histórias de vida relevante na ALU?; 5) como se relacionam os resultados com o modelo de crescimento pós traumático?

Todas as interações que se seguem estão representadas na Figura 5. Do lado esquerdo da parte da Figura referente às Mudanças

Percebidas encontram-se as dimensões que fazem parte da ALU, destacando-se em cada uma delas as subcategorias mais relevantes. Do lado direito, encontram-se representadas as Mudanças

Percebidas que foram tidas como mais relevantes. Todas as interações representadas entre as categorias serão detalhadas nos subcapítulos seguintes. Importa referir, também, que, na Figura 5, as interações entre categorias de nível superior englobam a representação da interação das categorias de níveis inferiores que delas fazem parte.

Acontecimento traumático e trajetórias de mudança na ALU. Quando é realizado e analisado o cruzamento da categoria do Acontecimento Traumático com a Trajetórias de Mudança na ALU [86/10] são encontrados cruzamentos relevantes nas seguintes subcategorias: Mudança Conceptual [66/10], Ressignificação de Acontecimentos Traumáticos [50/10], Mudanças Internas [40/7]. Estes dados levam a crer que a maior transformação sentida pelos participantes referente ao acontecimento que indicaram como traumático é a ressignificação do mesmo, provocando transformações individuais relevantes, como refere o P23/P: “E eu acho que a ALU veio-me dar uma luz, do género, ‘este evento traumático que tu passaste é também algo muito bonito teu e que tu podes trabalhá-lo e que tu podes refletir nele’”.

Quais são os elementos centrais da metodologia que são assinalados como tendo maior impacto na ressignificação de acontecimentos traumáticos? Uma vez que um dos objetivos principais do presente estudo é compreender se existe e de que forma se processa a ressignificação dos acontecimentos de vida traumáticos, e que esta categoria aparece, repetidamente, como sendo relevante nas

Trajetórias de Mudança na ALU, importa considerar e analisar a fundo esta mesma categoria. Para esse efeito, cruzou-se a ressignificação dos acontecimentos de vida traumáticos com a Dimensão Pedagógica [189/20].

Desta forma, surgem como categorias de interesse no cruzamento: a Partilha [107/19], a Partilha de Histórias de Vida [86/15] e os Pilares Ubuntu [101/16].

Se a análise for realizada a um nível das subcategorias mais específicas, encontra-se, mais uma vez, a Partilha de Histórias de Vida como sendo relevante (“E foi esse click que a ALU me deu para pensar na minha história… e comecei a escrever a minha história e hoje isso tem um impacto enorme, enorme mesmo, na minha vida. Porque contar a minha história de vida para as pessoas libertou-me mesmo!” (P20/PA)).

O papel da Partilha das Histórias de Vida nas Trajetórias de Mudança na ALU. Um dos principais resultados das várias fases de investigação foi a clara importância da Partilha da História de Vida dos participantes (“a experiência com o outro, a partilha, tem esse potencial de eu, por aquela via, também se calhar posso entender de forma diferente aquilo que eu vivi” (P4/CC)). Desta forma, é importante compreender a interação desta categoria com as Trajetórias de Mudança na ALU [212/19].

De facto, ao realizar o cruzamento compreende-se que as relações mais relevantes encontram-se cruzando com a Mudança Conceptual [127/18] e, mais especificamente, com a Ressignificação de Acontecimentos de Vida Traumáticos [86/15], representadas anteriormente na Figura 5.

Contudo, apesar de numa representatividade menor que o critério definido1, também nas Mudanças Internas [63/11] existe alguma relação, nomeadamente nas subcategorias de Valor Próprio Reconhecido [39/7] e *Empoderamento [28/5], (“Ou seja, há uma diversidade gigante e abertura para: “Olha, a tua história é essa, por isso vive-a e partilha-a na sua essência”” (P23/P); “E, de repente, estou lá a partilhar a história. Foi um momento muito bonito para mim. Porque também é valorizar a minha história de vida.” (P27/P)).

Quais são os elementos da experiência que tornam a partilha de histórias de vida relevante na ALU? A Partilha de Histórias de Vida foi uma das dinâmicas mais relevantes para a Ressignificação de Acontecimentos de Vida Traumáticos. Desta forma, surge o interesse de compreender que elementos da Dimensão Experiencial [216/17] estão presentes nesta dinâmica, que a tornam especial.

Ao realizar o cruzamento entre estas duas categorias, surgem novamente as seguintes categorias de interesse: Dimensão Relacional [102/15] (“Mas foi tão bom estar ali e sentir que tinha na plateia pessoas a ouvir-me com uma atenção que nunca tinha tido na minha vida toda!” (P25/PA) e Características e Experiências Individuais [89/11] (“Porque sei lá, pediram-nos para resumir um bocado da nossa história. E aquilo que eu acabei por resumir, foram essencialmente os acontecimentos mais traumáticos pelos quais eu tinha passado.” (P22/P)).

As Trajetórias de mudança na ALU e o Modelo do Crescimento Pós-Traumático. Como descrito anteriormente, o Modelo de Crescimento Pós-Traumático conceptualiza os resultados do mesmo enquanto uma adaptação positiva ao trauma. Desta forma, ao cruzar

1. Apenas referido aqui para uma maior compreensão da relação entre as categorias acima referidas.

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com a categoria que conceptualiza as Trajetórias de Mudança na ALU na ALU a categoria Crescimento Pós-Traumático – dimensões identificadas [496/21], obtém-se aquelas que são as categorias de cruzamento mais relevantes e em que se assemelham os dois modelos (ALU e Modelo de Crescimento Pós-Traumático).

Assim, quando se analisa esse cruzamento, fica claro que a Mudança de Narrativa [252/20], conceptualizada por Tedeschi et al. (2018), é o resultado mais presente na ALU, com interações relevantes com as categorias de Mudança Conceptual [252/20], Ressignificação de Acontecimentos de Vida Traumáticos [219/20] (“Acho que ajudou a dar significado às coisas pelas quais eu tinha passado e ao mesmo tempo, se calhar, eu já tinha pensado em certas coisas, mas nunca de um ponto de vista de dar significado.” (P21/P)).

O processo de transformação na ALU

De forma a compreender como é que processo de transformação ocorre e como influencia as mudanças finais percebidas foram realizados diversos cruzamentos. Para esta análise, esquematizada na Figura 5, foram realizados o cruzamento entre as subcategorias das Trajetórias de Mudança na ALU, nomeadamente os Elementos que influenciam o processo de transformação e os Mudanças percebidas, para compreender como é que cada um dos elementos influencia o processo e os resultados do mesmo. Para além disso, foram analisados em detalhe os casos outlier.

As Trajetórias de mudança na ALU e o Modelo Transteórico da Mudança. Para compreender de que forma é que as condições prévias à formação influenciam o processo de mudança, foram realizados cruzamentos entre os Estádios de Mudança e as outras categorias das Trajetórias de Mudança na ALU [170/20], referindo-se aqui os três cruzamentos mais relevantes, representados na Figura 6.

Condições prévias à ALU

Pré Contemplação

Contemplação

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Figura 6. Processo de Mudança na ALU detalhado

ALU

Estímulos confronto interno

ALU

Estímulos confronto interno

Desenvolvimento

ACELERADORES

BLOQUEADORES

ATIVAÇÃO

DESENVOLVIMENTO

ACELERADORES

Ação

298

318

Resultados percebidos

Aceitação

. Mudança Conceptual . Mais Paz

Negação Desintegração

Processo Interno

Ausência de Processo Interno

Processo Interno

ALU

Estímulos confronto interno

BLOQUEADORES

Ausência de Processo Interno

Ressignificação de Acontecimento Traumático

. Ressignificação . Empoderamento . Valor Próprio Reconhecido

Primeiramente, caso o participante se encontre no estádio de Pré-Contemplação [56/13], surgem como especialmente relevantes durante o processo os elementos Bloqueadores [15/5] do processo de transformação, por comparação àqueles que facilitam o seu

Desenvolvimento [31/10] (“Enquanto que outros (…) a quem custa mais ir a estes sítios porque ainda não estão tão resolvidos (…) para estes o impacto é de desabar em alguns deles, outros é de rejeição do exercício, rejeitarem envolver-se em demasia.” (P16/A)).

Contudo, quando se analisa que Mudanças percebidas existem quando o processo de transformação ocorre até ao final, surgem como especialmente relevantes a Mudança Conceptual [20/7], que sugere que estes participantes alteram alguns dos seus conceitos

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

prévios à formação (“quem venha de contextos mais desestruturados possa ter em relação a um dos cinco pilares não um desenvolvimento tão profundo, talvez mais um arrumar ou reestruturação de assuntos relativos a um dos pilares” (P13/A)), e Mudanças Internas [15/9].

De forma a melhor compreender a que se referem estas Mudanças Internas que ocorrem em participantes que partiram do estádio de Pré-Contemplação, analisaram-se as subcategorias com o mesmo critério de corte aplicado às Mudanças Internas emergindo apenas Mais Paz [8/6] como relevante como afirma o P/14:

“Acho que existiram muitas transformações, vi na segunda feira entrar pessoas muito reservadas, muito desconfiadas e hoje essas mesmas pessoas estavam com um olhar completamente diferente, muito mais à vontade, muito mais abertas e passaram muito mais uma sensação de calma, ao contrário do primeiro dia em que a situação era mais de desconforto e agitação” (P14/A).

Nos participantes que começam o seu processo de mudança no estádio de Contemplação [52/14], quando compreendidos à luz dos outros elementos que influenciam o processo de transformação [35/12], emergem como relevantes os elementos de Ativação [11/8] e Desenvolvimento [18/8].

De forma a compreender que resultados emergem deste processo de mudança com início na Contemplação, surgem como relevante as Mudança Conceptual [21/8], Mudanças Internas [20/8] e a Ressignificação de Acontecimentos de Vida Traumáticos [20/8] (“(…) ela depois disponibilizou-se mais à frente para voltar a contar a sua história num dos encontros ubuntu e foi interessantíssimo ver a mudança na sua narrativa. (P6/CC)).

Finalmente, nos participantes cujos relatos foram incluídos no estádio de Ação [52/9] foram igualmente relevantes as Mudança Conceptual [23/7] e Mudanças Internas [30/7], bem como a Ressignificação de Acontecimentos de Vida Traumáticos [17/4]. Ao analisar detalhadamente a categoria das Mudanças Internas [30/7], surgem como expressivas as categorias de Valor Próprio Reconhecido [15/5] (“(...)de perceber que a minha história não seria só uma história de fazer as pedras da calçada chorar, mas de ter um impacto positivo de poder ajudar outras pessoas.” (P28/PA)) e *Empoderamento [15/5] (“Ou seja, eu já falava mais abertamente porque também já tinha mais conhecimento sobre e já era mais capaz de dar a minha voz (...)” (P25/PA)). Nesta categoria, não emergiu, segundo o critério de corte, como relevante nenhum outro elemento que influencie o processo de transformação Anexo G.

Casos Outlier. Apesar de a maior parte dos participantes assumir que teve uma perceção de transformação concordante com a ressignificação de traumas anteriores, dois participantes não reconheceram terem passado por um processo de ressignificação. Assim, configuraram-se como dois exemplos de casos outliers essenciais à compreensão dos resultados do presente estudo, sendo por isso importante referi-los nesta secção.

Por um lado, o participante P26/PA apesar de assumir que houve uma Trajetória de Mudança na ALU (“Pronto e, portanto, o meu percurso foi um percurso muito de transformação pessoal. Acho que não tem nada a ver a forma como eu saí comparativamente a forma como entrei (…)”), fala da experiência da ALU como um confronto intenso com as suas crenças base, do qual resultaram consequências para a sua vida (“E foi um bocadinho com este impacto de não ter a minha história de vida que fui à procura dela. E, portanto, exigiu mais ou menos 8 anos de psicoterapia, ainda estou a fazer psico-

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 terapia. É uma questão eu acho que nunca mais acaba.”). Aparentemente, refere-se ao seu processo como sendo mais na linha do Autoconhecimento do que de ressignificação (“Pronto e depois isso também me fez desconstruir a minha história de vida. Da questão da prepotência provavelmente também teria ali defesas que estavam a esconder feridas tão fortes como as outras. E pronto, foi sim um processo bonito.”). Finalmente, quando questionada diretamente com a questão da ressignificação dos acontecimentos traumáticos, a P26 respondeu: “Mas, pensando assim por alto, eu acho que fica no início da história, sim. (…) porque eu na altura, imagina, só dizia isto, de procurar as feridas, mas claramente que estava a ver 1% daquilo tudo que ainda iria aparecer pela frente”.

Por outro lado, na mesma linha de pensamento, o P24/P quando realizada a mesma questão, respondeu:

“(…) eu acho que muitas das pessoas ali que eu ouvi que tinham traumas estavam tão naquela fase inicial, mas nunca sequer tinham pensado sobre o assunto… Que nem sequer vão chegar à fase ainda do ressignificar. Se acontecer alguma coisa acho que o que vai acontecer é simplesmente chegar à fase de aceitar que aquilo aconteceu. E, portanto, eu acho que a maioria das pessoas, no fim, não terá sequer significado, ainda terá só aceite ou pelo menos começado a aceitar… isso é tudo um processo” (P24/P).

E prosseguiu com: “Das poucas que eu acho que talvez têm consciência daquilo, talvez a categoria que surgiria era mais uma de resiliência, quase, ou seja, de crescimento (…)”. O mesmo participante, concluiu a sua reflexão com: “Mas eu, dito isto, acho que a maioria das pessoas não terá necessariamente ressignificado, mas mais uma de começar a aceitar, começar a repensar o que aconteceu.”. Desta forma, os dois participantes concordam com o facto de

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

se iniciar um processo, ainda que não se conclua na formação. Para além disso, ambos referem as características individuais das pessoas que permitem ou não ressignificar o acontecimento, bem como processos de mudança alternativos. 48

Discussão

Mudanças percebidas na ALU Um dos principais objetivos deste estudo era o de compreender as narrativas de transformação que os participantes da ALU reportam, especialmente aqueles que passaram por acontecimentos de vida traumáticos. Desta forma, procurou-se, ao longo do estudo, aceder aos significados e explicações dos mesmos para este possível efeito.

Assim, tendo em conta os resultados deste estudo, é sugerida, por um lado, uma transformação em diversas dimensões, como por exemplo, mudanças de vida e as transformações ao nível da qualidade e quantidade das relações interpessoais geradas. Por outro lado, surgiu (e com maior frequência) uma clara perceção de transformações quer ao nível conceptual, ou seja, a forma como se pensa sobre os acontecimentos e a realidade, quer ao nível interno, com mudanças na forma como o próprio indivíduo se vê e se relaciona consigo mesmo. Durante o estudo, o subsistema em que foram percebidas transformações com maior relevância foi o subsistema individual, que leva a crer que seja neste subsistema em que ocorrem maior parte dos processos na ALU, parecendo a ALU enquadrar-se numa tipologia de projeto de promoção (Minas et al., 2018).

De facto, o maior contributo da ALU aparenta ser a proposta de novas formas de refletir e conversar sobre os assuntos de sempre, gerando novos significados. A dimensão relacional, inscrita na própria filosofia Ubuntu (Alarcão e Gonçalves, 2020; Carcciolo, 2009), de “eu sou

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porque tu és”, é considerada como relevante para este processo de transformação. Desta forma, os resultados sugerem que a mudança não surge apenas devido a uma metodologia bem desenhada, com conteúdos pedagógicos desenvolvidos com intencionalidade específica, mas também através da própria dimensão experiencial, comunitária e individual. Se, por um lado, existe uma consistência na metodologia ganha ao longo dos anos (Alarcão e Gonçalves, 2020), existe também um papel central do próprio participante, da sua disposição e abertura, bem como de características idiossincráticas da sua história e personalidade para a possibilidade de haver transformação.

Para além destes resultados, não deixa de ser relevante o facto de a resiliência não ter sido considerada como um elemento importante para este estudo, que seria de esperar uma vez que é um pilar da metodologia que é teoricamente trabalhado nos dias e dinâmicas que foram mais mencionadas pelos participantes. Desta forma, levanta-se a hipótese de que talvez seja um construto difícil de operacionalizar (Davidson et al., 2016) e, por isso, não seja mencionado com relevância.

Ressignificação de Acontecimentos Traumáticos

Como discutido anteriormente, a ressignificação dos acontecimentos traumáticos e a mudança conceptual foram das transformações mais mencionadas pelos participantes. Contudo, tornou-se claro que não é garantido que ocorra o processo sempre e em todos os participantes.

De facto, ao analisar a fundo o processo de ressignificação de acontecimentos traumáticos durante a ALU, compreendeu-se que este processo parece estar interligado com a partilha das histórias de vida. Ou seja, como se antecipou na primeira fase do estudo, a dinâmica da Biblioteca Humana exige não só um processo interno

Revista de Ciências Sociais n1 . 2023 de reflexão, condizente com a ruminação deliberada e autoanálise descrita por Tedeschi et al. (2018), para dar sentido à própria história e acontecimentos, mas também uma estruturação para poder partilhar com outros. Todos estes processos são mencionados por Tedeschi et al. (2018) como sendo facilitadores de crescimento pós-traumático, ou seja, de uma adaptação positiva ao trauma. Para além disso, durante toda a ALU são transmitidos valores e pilares que são utilizados como base para elaborar a história, bem como os testemunhos das pessoas que participam na formação anteriormente e de convidados externos (Tedeschi et al., 2018). Finalmente, o facto de a dinâmica da partilha ser estruturada, existir um ambiente que é relatado como sendo de confiança, tendo sido gerada uma rede de suporte que é responsiva, como apontam os resultados deste estudo, são geradas as condições para haver uma exposição que é suportada e que é acompanhada, o que é tido como essencial para o processo de crescimento (Henson et al., 2021). Finalmente, segundo o modelo de crescimento pós-traumático, é possibilitada a criação de uma nova narrativa, segundo os resultados do estudo, mais complexa, que integra todas as vivências, potenciando a ressignificação dos acontecimentos traumáticos, que possivelmente tem impacto no aumento do crescimento pós-traumático (Tedeschi & Blevins, 2017).

Para além da partilha de histórias de vida, a ressignificação neste estudo surge associada a outros momentos de partilha, ainda que com menos relevância, sugerindo que podem fazer parte de um processo de mudança que ocorre ao longo da formação e que é composto por momentos mais pequenos que potenciam a ressignificação e o próprio crescimento (como as restantes estratégias pedagógicas como as reflexões, filmes, testemunhos, momentos informais, entre outros) (Tedeschi et al., 2018). Contudo, uma hipótese para os outros momentos de partilha não terem sido salientados como mais

relevantes, é o facto de, por si só, não gerarem uma perceção tão grande de impacto como a dinâmica da Biblioteca Humana frequentemente gera, por ser um culminar (a descoberto) de um processo interno longo que ocorre durante a formação.

Finalmente, é interessante salientar que surgem como relevantes na partilha de histórias de vida características não só individuais, como também relacionais. Este resultado permite levantar a hipótese de que é central no processo da ressignificação a partilha ser feita num grupo que funciona como rede de suporte responsiva (Tedeschi et al., 2018) e não apenas a elaboração individual sem exposição. Processos de adaptação ao trauma

Ao longo do estudo e, especialmente, devido aos casos outliers, tornou-se claro que existem, dentro dos participantes da ALU, diversos processos de transformação, que começam e acabam em estádios diferentes. Através do modelo transteórico da mudança (Prochaska & DiClemente, 1983), foi conceptualizado um percurso de adaptação ao trauma dentro da ALU (Figura 7). Esta adaptação pressupõe que os diferentes participantes chegam à ALU com diferentes graus de consciência acerca do seu acontecimento traumático (em diferentes estádios, segundo o modelo). Consoante o estádio em que se encontram, também o processo de mudança vai ocorrer de forma diferente, chegando a transformações diferentes, visto que são processos longos e complexos.

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

Figura 7.

A

ALU e o Modelo Transteórico da Mudança

Pré Contemplação

Contemplação

ALU Aceitação

Fim da ALU

Contemplação

Estímulos confronto interno Negação Desintegração

ALU Processo Interno

Estímulos confronto interno Ausência de Processo Interno

Preparação /Ação

Contemplação

Sim Preparação / Ação Não Recaída

Sim Contemplação Não Desintegração

Sim Manutenção Não Recaída

Sim Preparação / Ação Não Recaída

Preparação

Ação

Manutenção

Desta forma, segundo os resultados do estudo, pressupondo que o participante chega com algum grau de conhecimento daquilo que lhe aconteceu e dos seus impactos (ou seja, a partir do estádio da contemplação e seguintes (Prochaska et al., 1997), a ALU vai proporcionar estímulos e confronto interno que o participante pode ou não aderir. Caso seja ativado o processo de mudança, permite-se a um processo interno (possivelmente de ressignificação, como é apontado por muitos participantes), avançando para os estádios seguintes conceptualizados pelos autores (Prochaska et al., 1997), tendo sido relevante neste estudo quer os estímulos que ativam o processo de mudança, quer aqueles que fazem parte do desenvolvimento deste. Neste estudo, para

além da ressignificação, foi sugerido também um processo de reconhecimento do seu valor próprio e empoderamento como sendo relevantes para os participantes com algum conhecimento dos problemas e acontecimentos da sua vida. Contudo, caso não adira e não desenvolva esse grau de consciência, manter-se-á no mesmo estádio. Não sendo possível concluir todo o processo durante o período de formação, a continuidade é central para a conclusão ou desenvolvimento do mesmo, podendo ir aprofundando e progredindo no processo caso se mantenha ligado e ativo, como se encontra representado na Figura 7.

Por outro lado, participantes que cheguem à formação num estado de ausência de consciência do problema (estádio de pré-contemplação, segundo Prochaska e DiClemente (1983)), com a mesma exposição aos estímulos e ao confronto interno, sofrem, possivelmente, de um primeiro confronto com esse mesmo acontecimento, aumentando o grau de consciência do mesmo. Caso estejam disponíveis para o aceitar e fazer um processo a partir dele, podem eventualmente passar ao estádio de contemplação, reconhecendo que têm um problema, e, dando continuidade, seguem para as fases seguintes (Prochaska et al., 1997), representadas na Figura 7, surgindo neste estudo a maior mudança como sendo mais paz. Contudo, se por algum motivo não são capazes de se confrontar com esse acontecimento, podem desintegrar (Palgi et al., 2018) e, se não forem acompanhados, podem não conseguir gerir essa nova informação. Este dado refletiu-se nos resultados do estudo através não só dos casos outliers, como também da maior importância dada pelos participantes deste estádio aos estímulos ou momentos bloqueadores do processo de mudança. Neste cenário, caso não seja realizado um acompanhamento e uma continuidade estruturada, essa desintegração pode manter-se, uma vez que não houve capacidade de integrar o acontecimento traumático na história e identidade dos participantes (Palgi et al., 2018).

Desta forma, este estudo pretende criar uma hipótese explicativa acerca dos processos pessoais internos que ocorrem, esquematizada na Figura 7, defendendo que diferentes estados iniciais e características idiossincráticas levam a diferentes respostas, umas vezes (e mais frequentemente nesta amostra) de ressignificação e de adaptação positiva ao trauma, e outras vezes de possível desintegração ou estagnação sem haver, necessariamente, uma ressignificação completa durante a ALU, como é mencionado frequentemente pelos participantes.

Limitações e Forças

As principais limitações que importa referir acerca deste estudo prendem-se com um possível viés representativo da amostra, de casos com processos de evolução conhecidos pela ALU (e alguns deles públicos). Desta forma, não houve acesso a uma grande percentagem de amostra cujos casos são relevantes para compreender melhor o processo de mudança, especialmente de mais casos outliers, cujo impacto da ALU não foi de ressignificação. Para além disso, o facto de não ter havido uma avaliação rigorosa do ponto em que chegaram e concluíram a formação, tendo em conta os estádios de Prochaska e DiClemente (1983), faz com que apenas se possa levantar uma hipótese acerca da evolução dos participantes, sem dados para explorar suficientemente.

Para além das limitações já mencionadas, a análise e recolha de dados foi apenas realizada por uma investigadora, não tendo sido possível realizar medidas de fiabilidade interavaliadores (Cameron, 2011; MacPhail et al., 2015), sendo apenas utilizado o recurso da mentoria e orientação para dúvidas e estruturação dos códigos. Por outro lado, a amostra não foi equilibrada em termos de sexo e nas diferentes fases não foi igual, apresentando diferentes expressões

das vozes dos participantes (Lopez & Whitehead, 2013), tendo sido especialmente difícil encontrar participantes da ALU que nunca tivessem realizado a formação como animadores.

Finalmente, uma vez que este estudo tem um design qualitativo, transversal, longitudinal e exploratório, aplicam-se as limitações características destes estudos, nomeadamente o possível enviesamento da investigadora e a sua subjetividade, dificuldade em replicar a investigação, especialmente pelo facto de os guiões terem sofrido alterações durante o processo, e a impossibilidade de retirar conclusões definitivas e relações causais entre as categorias. O facto de os participantes reportarem a um tempo passado, também limita a fiabilidade dos dados, uma vez que podem existir enviesamentos característicos de se estar a reportar à memória (Smith & Sparkes, 2020). Finalmente, a amostra não permite inferências e generalizações para a população geral.

Implicações para a ALU e para metodologias semelhantes

Um dos contributos desta investigação para a ALU é o de gerar uma hipótese explicativa para os casos dos participantes que percecionam uma transformação decorrente da vivência da metodologia, tendo sido possível descrever os processos de mudança, com base nos estádios definidos pela literatura e largamente estudados (Prochaska et al., 1997). Esta descrição inicial leva à necessidade de explorar mais estes processos e de gerar orientações claras para o trabalho com os diferentes participantes que integram a ALU e se encontram nos diferentes graus de consciência acerca das histórias de vida e acontecimentos traumáticos. Para além disso, torna-se também clara a importância da existência de continuidade, acompanhamento e seguimento dos participantes durante o processo dentro da ALU, mas também fora dela, com propostas concretas desenhadas e pensadas para o efeito.

Para além das implicações para a ALU, este estudo permite também sugerir, para projetos semelhantes, a importância da partilha estruturada das histórias de vida num contexto securizante para a ressignificação de acontecimentos traumáticos passados. Esta metodologia, quando garantidas as condições de segurança e suporte, aparenta ter resultados positivos no processamento e adaptação positiva em relação ao trauma.

Implicações para estudos futuros

Para além das implicações práticas, surge a necessidade de aprofundar academicamente, através de novos estudos mais extensivos e consistentes, as trajetórias de mudança que surgiram como hipótese neste estudo, bem como a relação da ALU com o modelo crescimento pós-traumático (Tedeschi et al., 2018). São necessários novos estudos também com o objetivo de aprofundar as perceções de transformação e as competências socioemocionais desenvolvidas durante a formação e o impacto que a ALU tem no desenvolvimento destas competências (embora esse trabalho já esteja a ser desenvolvido em Alarcão (2022)). Uma vez que este estudo estava limitado na sua dimensão, categorias como o Ambiente Seguro, a Continuidade, as Competências Socioemocionais, entre outros, ficaram por explorar com maior detalhe, sendo necessários novos estudos para os abordar e compreender mais aprofundadamente. Para além disso, a maior parte das mudanças surgiu dentro do sistema individual, levando a crer que a ALU se enquadra numa tipologia de projeto de promoção (Minas et al., 2018), embora essa afirmação necessite de mais estudos que a aprofundem, nomeadamente para compreender melhor em que tipologia de projeto se enquadra, de facto, a ALU.

A concluir

Este estudo permitiu levantar algumas hipóteses acerca das potencialidades da metodologia da ALU no processo de adaptação positiva ao trauma, nomeadamente através de um possível processo de mudança e de crescimento pós-traumático possibilitado pela ALU.

Assim, este estudo conceptualiza não só as transformações percebidas no geral como resultado da participação na ALU, como também os possíveis trajetos idiossincráticos de mudança de cada participante, considerando as suas condições prévias à formação e o seu processo durante a ALU. Para além disso, os resultados deste estudo sugeriram que existe uma ressignificação dos acontecimentos traumáticos durante a ALU em alguns dos participantes, bem como mudanças conceptuais e internas relevantes.

Este estudo poderá ter implicações ao nível da metodologia da ALU e da conceptualização dos seus processos, bem como da criação de orientações para o trabalho com os diferentes participantes. Através desta conceptualização do processo, poderá ser possível acompanhar-se melhor os participantes e permitir que estes cheguem ao fim do processo de mudança sem desintegrar.

Para além disso, este estudo suscita a necessidade de se realizarem investigações subsequentes, de forma a melhor compreender estes resultados exploratórios obtidos no presente estudo, nomeadamente através da exploração de outras categorias relevantes, da melhor compreensão da tipologia de projeto no qual a ALU se enquadra, entre outras.

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É com muita satisfação e entusiasmo que introduzimos a/o leitor/a no primeiro número da Ubuntu: Revista de Ciências Sociais que nos dá conta do precioso trabalho colaborativo desenvolvido por um grupo de investigadores que tem a ambição de, a médio prazo e com humildade científica, ajudar a consolidar o Ubuntu como um paradigma educacional diferenciador (inovador?). Este primeiro número da revista representa, pois, o culminar de um conjunto de estudos desenvolvidos ao longo de mais de um ano, sobretudo em escolas portuguesas, mas também em instituições sociais nas quais foram experimentados a filosofia e o método Ubuntu preconizados pela Academia de Líderes Ubuntu (ALU).

MADALENA ALARCÃO

E JOSÉ LUÍS GONÇALVES

Conselho Científico da Academia de Líderes Ubuntu

Ubuntu: Revista de Ciências Sociais n1 . 2023

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