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1. Empatia e Educação: por uma revolução de Empatia

Empatia e Educação

Há uma citação conhecida de Henry Ford que nos diz que “juntarmo-nos é um começo; mantermo-nos juntos é um progresso e trabalharmos juntos é o sucesso”108 .

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Este capítulo, em torno dos desafios na Educação em tempos de (pós)pandemia no que concerne à Empatia, foi redigido a várias mãos, rentabilizando e expondo as mais ricas e diversificadas experiências e reflexões do grupo de trabalho que encetou esta aventura.

Crê-se que se atingiram os objetivos com sucesso neste processo desafiante que é progredir em conjunto. Com efeito, este subcapítulo irá começar por explorar a pertinência de refletir acerca da ligação entre a Empatia e a Educação e os desafios com que todos/as nos confrontamos neste tempo de incerteza e de confinamento e por identificar quais podem ser esses desafios. Segue-se um aprofundamento em torno dos desafios específicos do contexto online – com tanto impacto nas interações pessoais! Focando os diversos agentes dos contextos educativos, no subcapítulo 3, será explorada a importância da empatia para os estudantes e o subcapítulo 4 convidará o leitor a acompanhar a reflexão dos educadores (i.e., docentes, assistentes operacionais, encarregados de educação, gestores escolares) em torno do tema. Por fim, tentam identificar-se os contributos do grupo de trabalho para a promoção de uma comunidade mais empática no subcapítulo 5.

Alerta-se para a diversidade de autores, de estilos e de estratégias utilizadas ao longo deste trabalho. Efetivamente, os diferentes grupos de trabalho recorreram a estratégias distintas para a recolha dos dados e para mote da sua reflexão: entrevistas, discussões em grupo, aplicação de questionários online, entre outros. Sem a preocupação de camuflar esta diversidade, antes valorizando-a, o leitor encontrará registos assumidamente diferentes no convite à reflexão acerca da urgência de uma revolução de empatia na educação, como resposta aos desafios que a pandemia nos colocou e continua a colocar.

108 Citação original: “Coming toguether is a beggining; keeping together is a progresso; working together is success” (Henry Ford).

1. Empatia e Educação: por uma revolução de Empatia

José Manuel Seruya109, Ana Anica110, Nuno Alves111, Dina Neves112 e José Coelho113

1.1. Empatia: essência do relacionamento entre pessoas

Hoje, porventura mais do que nunca, vivendo há quase um ano e meio num contexto único e brutalmente marcante da nossa história, mas também projetando-nos para além deste tempo dramático da humanidade, a empatia surge-nos como uma perspetiva oportuna e, sobretudo, de utilidade incontestável perante a urgência de se recompor a convivência social e de se reconstruírem os relacionamentos interpessoais profundamente traumatizados pela pandemia.

O princípio Ubuntu “Eu sou porque tu és” ajuda a desenhar este novo território no qual a empatia emerge como fundamental: tu és essencial para a definição de quem eu sou, para a construção e realização da minha identidade. Tu interessas-me, portanto; a tua pessoa é, só por isso, merecedora de atenção, consideração. Tomamos consciência, assim, da nossa relacionalidade essencial, de que somos seres essencialmente relacionais, de que nos definimos pela relação com os outros. Porque dependemos uns dos outros (Montenegro & Gaspar, 2020, p. 133). Sem relação, nada somos.

Situemo-nos, então, desde já, num conceito que nos permita avançar no agir: a empatia definida como “a capacidade de um indivíduo entender e responder de forma adequada às emoções dos outros, de comunicar emocionalmente e promover um comportamento pró-social” (Spreng, McKinnon, Mar, & Levine, 2009 cit. in Alarcão & Fonseca, 2020, p.116).

a) Capacidade remete-nos, desde logo, para algo que não fica limitado a um ADN, como que fixado numa natureza originária, mas para uma aptidão,

109 Professor Auxiliar Convidado na FCH/Universidade Católica. 110 Voluntária e integra a direção da ATREVO - Associação para o Desenvolvimento Pessoal e Comunitário. 111 Voluntário e presidente da ATREVO - Associação para o Desenvolvimento Pessoal e Comunitário. 112 Voluntária e integra a Mesa da Assembleia Geral da ATREVO - Associação para o Desenvolvimento Pessoal e Comunitário. 113 Formador e Consultor da Plataforma de Apoio a Jovens (Ex)Acolhidos (P.A.J.E.).

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE (PÓS)PANDEMIA

um recurso pessoal, suscetível de se aprender e de se fortalecer: uma capacitação que pode promover-se em contextos educativos, estimulando a inteligência relacional de todos os que neles estão presentes (como posso reconhecer que estou a ser empático/a? (idem, pp.120-126 ).

b) Entender o outro: ir além do simples dar-se conta da sua presença, para reconhecer a sua identidade específica, elevando o grau de maturidade humana. Só por si, esta possibilidade de relacionamento anuncia todo um exercício educativo, no qual aceito ver o mundo com os olhos do outro, sem que isso obrigue ao encurtamento do meu próprio olhar, muito menos a abdicar deste, e aceito, no fundo, aproximar-me e tocar a experiência singular da sua existência.

c) Responder de forma adequada às emoções do outro: a eficácia interpessoal como critério operativo, eticamente muito exigente, da empatia enquanto modo de ser com o outro, de ser para o outro, não como um mero estilo comunicacional; este cuidar do outro, de um outro específico que exige adequação relacional, requer o impulso de programas educativos, como lembra Padre Américo Aguiar, “cada um é cada qual e deve ser tratado consoante114”.

d) Comunicar emocionalmente, na consciência, portanto, de que o empenho no relacionamento interpessoal não significa apenas o uso de capacidades técnicas, não é apenas um reportório de saberes-fazer postos em prática, mas também um envolvimento pessoal com o coração: a empatia como uma capacidade de trabalhar com o coração (Volmink, 2019, p. 65). Isto pode, e deve, ser objeto de aprendizagens relevantes nos diversos territórios da Educação.

e) Promover um comportamento pró-social: o assumir de uma responsabilidade pessoal, intransferível, na construção da confiança; na edificação de comunidades familiares, profissionais, locais, etc., marcadas pela interdependência, pela cooperação e pelo bem-comum; no enraizamento da paz: aprender a viver com os outros, e a servir os outros, faz da empatia um desafio premente para a liderança e a missão do universo da Educação.

114 Padre Américo Aguiar 1887-1956, Fundador, Casa do Gaiato

1.2. Desconfinar a empatia: uma necessidade e uma oportunidade na Educação

O contexto pandémico 2020/21 tem provocado mudanças bruscas nos padrões conhecidos de relacionamento interpessoal, nos contextos familiares, escolares, de lazer, profissionais, etc. Cenários inéditos de afastamento físico / presencial entre as pessoas instalam-se, com duração imprevisível. Os meios de comunicação digital ganham um peso ainda maior, as redes sociais assumem um protagonismo com impacto ainda maior no estado de espírito, nas atitudes e nos comportamentos. As incertezas quanto ao futuro, de curto/médio prazo, introduzem desafios à consciência e à convivência humana, também eles inéditos, e de enorme exigência.

As práticas de empatia registam, neste contexto, novas modalidades, talvez nem sempre as mais adequadas às necessidades reais em presença. E também pode notar-se o recuo, por vezes acentuado, da atenção ao outro e à sua circunstância, da consideração da vida concreta do outro, a par com as grandes limitações à proximidade física / presencial, consequência das orientações do poder político e das autoridades sanitárias, mas certamente também dos medos experimentados de forma bastante generalizada na população.

É razoável afirmar que nunca na história da humanidade a empatia existiu em excesso, nem sequer em quantidade “q.b.”; nos dias de hoje, porém, é como se ela estivesse particularmente em défice, a sofrer uma enorme erosão – e, convenhamos, não só como consequência da pandemia, mas muitíssimo também por força de realidades muito anteriores à pandemia, e que certamente permanecerão bem para além desta, que vão afligindo a condição humana em todo o mundo.

A empatia, sendo uma capacidade que se pode aprender, praticar, desenvolver, aperfeiçoar, nos múltiplos territórios da Educação, estabelece-se como eixo fundamental na construção dos projetos educativos, seja qual for a especificidade destes. O “novo normal” pós-pandémico, seja ele o que vier a ser, mobiliza-nos a propor a empatia como um Caminho de eleição a ser percorrido na Educação, sem ficar ancorado num mero desejo de regresso a uma certa normalidade pré-pandemia.

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE (PÓS)PANDEMIA

O “desconfinamento” da empatia, no interior de cada pessoa e disseminado pela comunidade educativa em geral, passa certamente pela adoção de novas e intencionais posturas de liderança (professores e encarregados de educação em cargos diretivos, chefias administrativas, etc.), formais e informais, e práticas pedagógicas (professores, formadores, etc.), dentro e fora das salas de aula. Criativas. Inovadoras. Que se tornem relevantes na história concreta de cada comunidade, constituindo-se como fruto primeiro da liberdade e da consciência de quem nelas queira decidir e implementar uma autêntica “revolução na educação”.

Um princípio básico para desconfinar a empatia contém em si mesmo uma atitude inicial de prudência neste novo agir em contexto educativo: “Passamos pelas coisas sem as habitar, falamos com os outros sem os ouvir, juntamos informação que nunca chegamos a aprofundar. Tudo transita num galope ruidoso, veemente e efémero. Na verdade, a velocidade com que vivemos impede-nos de viver. Uma alternativa será resgatar a nossa relação com o tempo. Por tentativas, por pequenos passos. Ora isso não acontece sem um abrandamento interno. Necessitamos de uma lentidão que nos proteja das precipitações mecânicas, dos gestos cegamente compulsivos, das palavras repetidas e banais” (Mendonça, 2017, p. 120). Educar para a empatia, e pela empatia, pressupõe um ritmo próprio de concretização de novas práticas as quais, podendo ser de implementação mais ou menos imediata, requerem sobretudo continuidade, consistência, longevidade. Quer sejam introduzidas com caráter experimental, quer sejam propostas desde logo com intenção de permanência. A oportunidade está aí: lançar no imediato as sementes, mas com horizonte de prazo alargado.

1.3. Educar pela empatia e para a empatia: a adequação do método Ubuntu

A proposta contida neste livro radica, na sua essência, num método sobejamente comprovado pela sua utilização recorrente, desde há mais de uma década, em múltiplos contextos educativos e em diversas geografias, não apenas para a formação de líderes, jovens e adultos, mas também para a capacitação de adolescentes e jovens no sentido da transformação de si próprios e dos meios sociais em que estão, ou irão estar, inseridos. O método Ubuntu de educação não-formal constitui uma abordagem participativa, experiencial e relacional que, através

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