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no 7, 2010

revista dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife

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no 7, 2010

revista dos estudantes da Faculdade de Direito do Recife

conselho editorial

Alyson Rodrigues Carlos Eduardo Resende (presidente) Daniel Longhi Erickson Oliveira Felipe Melo França Marcello Borba projeto gráfico e diagramação

Isabella Alves e Isadora Melo

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O totalitarismo da democracia A sociedade contemporânea, dita pós-moderna, engendra a complexificação do corpo social, que, se por um lado nos leva a um exponencialmente crescente nível de especialização profissional, por outro nos faz irrotuláveis por essencialmente plurais. É o fenômeno do esvanecimento de classes – resultante, e.g., na superação da forma de organização do sindicalismo operário clássico –, decorrente do fato de ocuparmos diversos postos sociais simultaneamente. Desde há muito personalidades eram citadas como, concomitantemente, juristas, médicos, filósofos, jornalista ou políticos, sem refletir o momento atual da sociedade pósindustrial. Afinal, nos gregos enxergamos a ligação da cosmogonia mitológica à atual teoria das figuras como objeto de estudo de concatenação linear. Nossa Casa, contudo, se outrora serviu de palco para a formatura de artistas, hoje o somos pela mesma razão – apontamos todos na mesma direção, mas no sentido oposto dantes, tal qual o big bang e o big crunch são as duas faces da mesma moeda. É o eterno movimento senoidal da história, cujo fim – dizem – só se vislumbra com a ascensão do comunismo. Há, contudo, dois fenômenos de apresentação imprescindível para a leitura desta Revista, nos moldes da filtragem hermenêutica imposta pelo neoconstitucionalismo: (a) a intolerância do politicamente correto e (b) o totalitarismo da democracia. A intolerância do politicamente correto pode ser entendida como reflexo do influxo contínuo de mensagens ou ações de movimentos aparentemente desinteressados individualmente na consecução de um resultado pretendido qualquer, supostamente imbuídos de um altruísmo e um desprendimento ímpares, cujo raciocínio pretensamente demonstrativo se mostra, ao final, erístico. Dados abundantes e de procedência ignorada, característicos da atual fase da sociedade da informação – que ainda não conseguiu realizar a árdua e necessária tarefa de indexação – fomentam a propagação das ideias que, a exemplo das correntes virtuais pela salvação de crianças pretensamente patrocinada pela AOL e ZDNET, repetidas indefinidamente, cristalizam-se como topoi de um raciocínio indutivo a serviço da geração posterior. Last, but not least, temos o problema do totalitarismo democrático. Presente sobremaneira nos países latinoamericanos, cuja maioria viveu, até bem pouco tempo, sob o pálio de regimes políticos autoritários – regimes estes que se fazem presentes ainda hoje no continente, e de modo ostensivo –, é reflexo da posterior abertura democrática, cuja efetividade ainda carece de plenitude. Subterfúgio de uma nova modalidade de despotismo esclarecido, efetiva-se através de manobras como a usurpação de soberania ou o esbulho dos fatores reais de poder. Sua exteriorização se dá, em todos os aspectos da vida humana sujeitos à escolha intersubjetiva, na tendência a erradicar a meritocracia, cuja seleção subjetiva tacha de arbitrária e opressora por pura ignorância, e na a subjugar análises necessariamente tecnocráticas aos desígnios dos despreparados indivíduos plúrimos da sociedade pós-moderna. Divirtam-se!

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sumário 08 CHUVA CAI CARLOS DIONÍSIO CAPRIXADO 09 POEMA PARA FLORBELA IGOR BELTRÃO 10 ALEIJADINHO

IGOR BELTRÃO

11 O MEU SERTÃO SOFIA SAMPAIO 12 O CIRCO

SIMONE DOS PASSOS

13 ENSAIO AFONSO HENRIQUE 14 UM POUCO PERDÃO

SOFIA SAMPAIO

16 RETROCESSO ERIC SCHNAIDER 17 ENQUANTO PUDER ME VER NOS SEUS OLHOS MAÍRA YASMIN FELIX SILVA 18 TORTURA FELIPE MELO FRANÇA 19 2 DE AGOSTO PEDRO JÁCOME 20 DEGRAUS PARA A VOZ CLANDESTINA PLÍNIO PACHECO 22 CONFIE EM MIM SOFIA SAMPAIO 26 LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE POÉTICA SOBRE A LEI, AS MUITAS MARIAS E EVENTUAIS PEDRAS QUE APARECEM EM SEUS CAMINHOS ISABELA RUFINO DA SILVA 29 CLASSIFICADOS AFONSO HENRIQUE 30 O CETICISMO DO CIÚME ANA ELISABETE CUNHA DE OLIVEIRA

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poesia 15/5/2010 20:24:16


CHUVA CAI Chuva cai devagarinho para não me machucar Porque eu estou sozinho Sem ter ninguém para amar Eu sou um pássaro sem ninho Com as asas quebradas Sem poder voar Sou aquele rapaz Que estou sempre Sozinho, na beira do rio Vendo as águas rolar Sou aquela estrela d’alva Que está no céu, sempre a brilhar Mas eu brilho sozinho no meu lugar. Sou aquele vento forte que passa e leva tudo Mas fico sempre no ar Mas eu ando sozinho por estes caminhos Nessas estradas sem fim À procura de alguém que queira Dar um amor só para mim, um Amor só para mim.

CARLOS DIONÍSIO CAPRIXADO

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POEMA PARA FLORBELA Irmã minha, que é a vida senão Um cais imenso, um sol poente? Um eterno adeus inútil e vão, Um entardecer mudo e doente? Nossas vidas, mares de despedida são. Rios de lágrimas, intensa corrente. Nossas almas contemplam a imensidão De um mar distante que apenas se sente Mas não se tem. Nada se tem. Tudo se deixa no imenso cais. Nossos amores e sonhos, ali, estão. Nossas almas, disto, sabem bem. E não dizem até logo e, sim, jamais; Abraçando de vez a solidão.

IGOR BELTRÃO

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Aleijadinho Crispado o cenho, turva a vista Aos golpes o cinzel guiava; E tudo quanto fazia o artista Divinas e portentosas formas tomava. Todavia, a cada golpe desferido Sentia Antônio uma lancinante dor Martírio que a cada santo esculpido Soava como o mais airoso louvor. Com o cinzel amarrado ao toco Que outrora estaqueara sua mão Insculpia mais um santo barroco Buscando a forçosa expiação. Cada vez que premia o cinzel Sentia à carne o ferro trespassar E sorvia penitentemente o fel Que a doença o fizera amargar. Aos poucos leproso desfigurava Julgando-se pária de Deus Na tortura de si mesmo buscava O perdão pelos pecados seus. IGOR BELTRÃO

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O Meu Sertão O vento O calor O brilho, a queimadura do brilho O sol O estalar das folhas queimadas O marrom A terra, as amargas feridas da terra A sede A falta de vida, viva. O sonho: água A chuva: susto O medo do novo O querer temido O querer desconhecido As feridas que pedem remendos A chuva que vem remendar O medo de afundar O medo da ajuda, estranha há tempo A seca, que seca prefere ficar O costume mal acostumado O conformar mais desconforme O tempo de ser pó precisa de um sopro. A chuva precisa molhar, sem medo de afogar o chão. Eu preciso receber o que temo, o que não tenho, o que não dou, o que nunca me dão. SOFIA SAMPAIO

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O Circo (Aos meninos de rua, que fazem, literalmente, malabarismos para sobreviver)

Parem os carros! Vejam só que alegria: Bem à frente, a poesia Resolveu nos encantar!

Meros poetas Que dão rima à agonia, Ao cantar uma elegia Sem sequer desafinar.

Malabarismos, Ilusões de equilibristas, Que se fazem de otimistas, Sem poder se equilibrar.

São cantadores Que emudecem na garganta Toda a dor de quem não canta Toda a dor de versejar.

Abram janelas! Olhem só que ousadia: Recorrer à utopia Para a dor inebriar. São acrobatas; São palhaços sem sorriso, Que na força do improviso, Vão tentando enfeitiçar. São vãos artistas Sem aplausos, companhia, Sem ninguém que dê valia À arte de superar!

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(...) Passou o circo E ninguém viu a magia, Que deu cor à fantasia, Para a rua se enfeitar. Vejam de novo, Que o palhaço quando chora Sempre manda a dor embora Para o show recomeçar. SIMONE DOS PASSOS

Ilusionistas, Enganando a própria fome Numa dor que se consome No dever de apresentar.

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Ensaio Olhares cruzados, tempo parado O cenário está preparado, mas nós não. O texto está decorado com o medo E a ansiedade por aquilo que não será dito. E o silêncio se torna tão ensurdecedor, Que vai preenchendo cada espaço de nossas mentes. E o vazio se torna tão espaçoso, Que esmaga cada palavra contra os limites da razão. Cada movimento já foi tão ensaiado Que deveriam estar acostumados a entrar em cena, Mas a hora da verdade é a que mais favorece mentiras E o nada cai como bombas sobre nossas cabeças Fazendo soar dos nossos olhares reticências Que vão infinitamente além dos três pontos AFONSO HENRIQUE

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Um Pouco Perdão Dez anos, infância. Vinte anos, caminho. Quarenta anos, “se” – e se fosse diferente? Cinqüenta, sessenta, setenta anos... Um filho, uma felicidade sincera, uma tristeza permanente. Uma vida.

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Viver é preciso. O tempo é uma necessidade, um pré-requisito do saber e falar não é apenas uma questão lingüística. -Vida, do Lat. vita; s.f., existência. A palavra é seca e crua se o conhecer não fizer parte de suas entranhas. É preciso estar gorda de conhecimento, cheia; é preciso viver para que Vida seja uma palavra-nuvem prestes a desabar. Escrever, então, é quebrar essa regra, é burlar a realidade e brincar com o tempo, logo ele que é tão intransigente. Escrever é doar sentidos desconhecidos para palavras vazias, é sair da física, do corpo, e assumir a maleabilidade, preenchendo vidas estranhas, futuros de anos e passados perdidos, em um só rabisco e alguns fonemas. E é por isso que escrever é tão difícil quanto perdoar, entender, que também não deixa de ser um difícil sair de si e compreender. Perdoar é esquecer-se um pouco, jogar-se em um canto e ficar em silêncio. Quando se perdoa trocam-se os papéis, entra-se para fora. Faz-se aurora miúda, recém nascida, que tudo vê depois que expulsa a noite e sua escuridão. O corpo fica, o pensar solidificado fica, o que vai até o outro retorna água, pronta para derreter o que ficou, ou não, caindo-se, assim, no perigo de ficar preso em uma nota só e tocá-la de ré com dó de si, preso no fá sem poder sair...

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Esse erro é derivado do pensar que existe referência, que existe protagonista, o eu. Não se entende o mundo diante do espelho. Mas o maior desafio, infelizmente, é querer voar. Achar que é realmente possível se libertar do “espelho, espelho meu”. São os mais sábios que se destroem nessa ilusão, os pequenos se contentam com os pés, se contentam em tolerar ou esquecer. São os insaciáveis que querem utopias. A utopia do perdoar. O sonho de entender as dores, de entender as estranhas partes que lhe foram doadas, de entender cada carta do baralho, cada outro que te montou. O querer inalcançável de não-ser é o erro. Pessoalmente, me rendo ao desafio... meus pés me cansam, eu erro me sabendo errada, me maltrato e me calo, mas quero asas! E vou assim, tentando entender o outro e perdoar a vida... e tentando me sentir mais entendida. SOFIA SAMPAIO

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Retrocesso O poema nunca estará feito enquanto não se findar o que sinto, o objeto transcende o sujeito, o sangue colore o vinho tinto. Palavras se escrevem com meio, início e final, mas mágoa é sinal: rios lentos não cedem. Quisera encerrar a voz que me envolve como se mata um poema, golpe por golpe, mas a mágoa é eterna, cadência infinita e a dor é pulsante, precede a própria vida. Não quero parecer, contudo, um toador do revés, quero, ao invés, parecer com tudo, abrir meus olhos,sonhar através. Mas, desejo, terás de esperar. Quanto maior a esperança, mais a mágoa avança, insiste em não acabar. E, pra calar sua voz, tenho um ponto final, e esqueço que o fim é apenas sinal.

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Eric Schnaider Nery da Rocha

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Enquanto puder me ver nos seus olhos És pra mim refúgio És pra mim morada Pra mim és calmaria Mesmo que agites A quem sem ti não é nada Olho nos teus olhos Não pra passar-te sinceridade Olho nos teus olhos Pois me ver ali passa-me felicidade E torna-te refúgio novamente E afagas os momentos de abstinência Quando teus olhos mostram a imagem De quem sem ti é dependência. Mas se teus olhos por um momento fecharem Espero não vê-lo acordar Com outra imagem que possa ter dos seus olhos Tirado minha imagem pra sempre de lá. Se estar contigo for rotina Rotina será o que desejo Mas se tu não estás Não há rotina, há desespero E se não te vejo, não me vejo... MAÍRA YASMIN FELIX SILVA

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Tortura - Vou velar-te em teu velório, verterei-te verbos vãos [tudo falso e ilusório, tudo sonso e bem cristão. Velarei os teus segredos, vestirei-te em terno giz [bem calado e sorrateiro, roubarei-te triz por triz A primeira - tua esposa, bela moça e boa mãe [em seguida tua herança, tua casa e os teus cães. Todo o mundo será pouco quando eu me passar por ti [sentirás em cada osso todo o mal que te infringi. Mas não morras, meu amigo. aguardes o grand’ final. [sei que sofres o desgosto mas não me negues o vital. Vou trazer-te um deleite para veres quão sou bom. [qual tua veia mais inteira? Cá ... teu último frissom! FELIPE MELO FRANÇA

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2 de agosto Tenho o sentimento dos meninos imberbes e das mocinhas de corpo miúdo. Sou como os mares, cantados muito antes das naus e bússolas. No alvor que desperta os desgraçados, nos amantes separados, estou. É minha, a súplica por liberdade no olhar dos animais acorrentados. Existe outro tanto meu nos encontros sob a lua alva e na gênese de astronautas e matemáticos. O poente nesses tempos miseráveis O amor magoado ensurdecendo as promessas de amor infinito A fraqueza repartindo a culpa Todo o remorso remoído O cansaço desses elogios desaguando em elegias ao entardecer Quilômetros de estrada me percorrem as veias Uma cidade de lágrimas encerra meu coração Junto poemas sobre esperança Feitos à sombra e à solidão PEDRO JÁCOME

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Degraus para a voz clandestina I Subo calando a noite que escorre da boca entre horas que adormecem como máscaras de papel Vou trilhando gestos abandonados repousando em corações ancorados na claridade das miragens Subo desertando verdades na fronteira do engano fazendo-me estrada para meus sapatos e assim desvendo meu nome: teatro em que finge o silêncio ser o som no qual me tranquei Subo mas o sol no horizonte é o auto-retrato em que minha sombra vai se esconder.

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II Em procissões de silêncios, o lábio peregrino segue palavras cegas. Vai desconhecido, montando o amor como um adorno da solidão, arando vésperas e enigmas nos roteiros familiares. III Falas como quem fecha janelas do exílio, trancando os olhos em espelhos estrangeiros: palavras que nada confessam, que são apenas desequilíbrios do silêncio. IV Palavras de areia soprando desertos derramaram em minha sombra o esconderijo do sol e quando anoiteceu o sol saiu do meu ventre levando com minha sombra o caminho adormecido em meus pés. PLÍNIO PACHECO C. DE OLIVEIRA

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Confie em mim “Confie em mim, eu sou sua amiga” Confiei, confio, confiamos... segui o rumo apontado pela guia, seguimos. Cada poço, cada pedra, foi tudo premeditado. O melhor sempre nos foi dado. Nada, nada nunca deu errado. “Confie em mim, eu quero seu bem” Fui cuidada, fomos. Remediada, fomos. Tudo o que pensava, errada ou certa, não importava, ela estava lá, sempre. Certa. “Confie em mim, não tema” Me confortei, me conformei, me conformava. Tem coisa melhor do que se sentir cuidada? Tem despreocupação maior do que se sentir amparada? Me perdi em ilusão confortável. “Confie em mim, me ouça” Ouvi tanto que me fiz de ouvida. Meu medo agora é pular para fora. Ou silenciar o zum zum zum que sempre ouvi. Zum zum zum...

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“Confie em mim, me siga” O difícil agora é seguir no contra. No grande desconforto do contra de não saber o que vem lá. No grande desconforto do contra desacostumado. Lembrando que para o outro lado seria bem mais fácil. “Confie em mim” Confio, confiarei... Só peço, depois de tanto confiar, que me deixe ser completa. Me deixe errar. Depois de tanta confiança, um pedido, uma insegurança: Confie em mim, eu já me sou confiável. SOFIA SAMPAIO

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LEI MARIA DA PENHA:

UMA ANÁLISE POÉTICA SOBRE A LEI, AS MUITAS MARIAS E EVENTUAIS PEDRAS QUE APARECEM EM SEUS CAMINHOS Maria: há mais de dois mil anos ela foi a escolhida para ser a mãe do Salvador. Mulher temente a Deus, mulher frágil, mulher agraciada, a bendita entre todas as mulheres. Maria: nas entrelinhas da História, da História que corre incessantemente como riacho avassalador entre margens pedregosas, figuraram muitas Marias. Seja Maria Madalena, do Novo Testamento, seja Maria Bonita dos enredos do Cangaço. Seja Maria Antonieta, da França revolucionária, ou D.Maria I, a Louca, da nossa História Brasileira. Maria: no curso das gerações humanas uma Maria gera outra Maria. A mãe Maria das Dores gera uma Maria Aparecida aqui, que gera uma Maria José ali, que gera uma Maria da Conceição acolá. Nos tempos últimos, ganharam espaço combinações nominais mais modernas e versáteis, como Maria Eduarda, Maria Clara, Maria Luiza. É assim: um sem número de Marias pelas estradas da vida. A Maria de Milton Nascimento — ah, esta é realmente digna de canção! —, revela-se mulher forte e sensível, alegre e sofrida, temida e amada. Na Maria de Milton encontra-se

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“Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer Do planeta”.

Na verdade, Maria é a personificação do gênero mulher.É a representação aguda e intensa do feminino.É a mulher em toda sua inteireza.

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Penha: rochedo, penedo, penhasco, rocha. Esta é a definição clássica que o saudoso Aurélio nos traz. A penha é rocha, rochedo... Penha é pedra. A pedra é sólida,maciça,resistente,com pacta. Carrega consigo uma rijeza implacável. Pedra nos lembra a dureza, a rigidez. E uma lei pode ser dura como pedra? Pode. Melhor dizendo, deve.— ou deveria! — “Dura lex,sed lex”, a lei é dura, mas é a lei, não é assim? Maria, pedra ou penha, Lei. Eis a Lei Maria da Penha. E por que fazer poesia, ou prosa, de Lei julgada por muitos impertinente, discriminatória, dura, inconstitucional, incoerente? A violência que as muitas Marias, ou, leia-se, as muitas mulheres, sofre é privada, discreta, calada, cruel, vil.O coração de uma mulher não tem feições de pedra: é macio e sedento de atitudes amorosas, respeitosas, cordiais vindas de um varão. Porém, parece que, súbito, o homem que deveria exalar cuidado, delicadeza, polidez e cortesia transforma-se em um monstro, em um ser perverso, em um desconhecido. Drummond já acenava, “...no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho!”. Como pedras indesejáveis nos caminhos de um sem número de mulheres, muitos homens surgiram. E com um coração petrificado, ensinaram a elas a dor estonteante das agressões físicas, psicológicas, morais, sexuais. E muitas delas ficavam na doce ilusão de que um dia moldariam o caráter do seu amado agressor. Mas a pedra é dura, é rocha, é difícil demais de se moldar “com as próprais mãos.”O que dirá mudar um coração revestido desta rígida propriedade. Maria, penha, e seus correlatos neste texto, mulher, pedra, se compreendem quando se define da mais acertada forma qual o exato valor de uma dama: o valor de um pedra preciosa. Pode ser diamante, rubi, esmeralda, jaspe... fica a critério dos olhos masculinos. Embora vozes contrárias defendam que a Lei Maria da Penha não procede, ela ao menos pode ser capaz de “mostrar o caminho das pedras” para muitas mulheres, e, por que não, o início de um

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caminho de punição para muitos homens. Não é lei perfeita, sem falhas...e nem poderia. É produto do trabalho e intelecto humano. O legislador é humano. A perfeição só cabe a Deus. Enfim, o Direito é a pedra angular capaz de sufocar situações que exponham a mulher à violência doméstica e familiar. Quem não espera que o Direito assuma o seu papel de tutelar os direitos humanos, e neste caso singular e restrito, o direito das mulheres expostas a tão repugnante situação, peço que, por favor, atire a primeira pedra. ISABELA RUFINO DA SILVA

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Classificados Procuro acompanhante chata, senso de humor zero. Não deve ser bonita, nem feia. Não deve saber dançar ou cantar. É fundamental que não possua muitos conhecimentos literários, não conheça muitos filmes e esteja alienada dos fatos cotidianos. É imprescindível que não possua uma boa condição financeira. Não deve, também, ser fã de esportes ou de espetáculos culturais. De preferência, que não seja de falar muito, mas que também não seja quieta. Não deve ter olhos azuis, verdes, castanhos, cor-de-mel, cinzas ou pretos. Não pode ser alta, mas também não pode ser baixinha. Nem madura, nem inexperiente. Nem nova, nem velha. Mulheres passivas e de atitude também não interessam. Enfim, tem tanta gente interessante no mundo, tanta gente que dança, canta, atua, corre, pula, joga, rouba, ganha, pinta, fala, ouve, aconselha, estuda, encanta, beija, chupa, dá e trepa, que eu fiquei indiferente a elas. Hoje está tão difícil de encontrar alguém que não seja interessante que o que realmente me interessa é o que não tem graça alguma. AFONSO HENRIQUE

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O ceticismo do ciúme - Conseguiu a graça de vê-lo? - Pois que graça há em enxergá-lo ao longe? Faz sombra em meu corpo, mas sem marcar-me a pele... E sequer posso as pálpebras repousar pois some, Dizendo nada aos meus olhos que suplicam: Revele-se! - Que cegueira de alma pode o rude ter? - A mesma que o tolo amando. - Todavia, se o áspero pode a maciez envolver, Você, amante, não sucumbe e continua olhando. Fure seus olhos e o amor padecerá então! - Fure meus olhos e amarei com meus ouvidos... - Ore pela surdez que o silêncio não será em vão! - Amarei então com meus lábios, por um beijo comovidos. - Lacre sua boca e não fale sandices! - Que me importa a insanidade se cego, surdo e mudo me fez em teste? - Está embriagando-me com as mesmices!

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- Que posso fazer se o amor tornou-se minha veste? - Se cego, surdo e mudo insiste em amá-lo, Usa o que ainda lhe deixei: suas pernas E foge deste surto para esquecer seu sangue ralo! - Não há fraqueza em minhas veias se minha mente é terna... - Eis a “menternura” – usa-a com sua única defesa... - Engana-se, meu amigo, não tenho do que me defender: Rezo para ter essa batalha perdido em prol da beleza. E o amor que sinto finalmente fazê-lo a mim se render... Pois serei a derrotada mais vitoriosa E tu, inimigo do encanto, furioso me verás ao longe Cegada, ensurdecida e calada por você assim. - Reconheço... Contudo, amada e não mais perto de mim... Ana Elisabete Cunha de Oliveira

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Esta revista foi composta pela família Conduit ITC nos textos e Trajan Pro nos títulos. O papel usado na capa foi o Couché fosco 230g/m² e papel Offset 150g/m² no miolo. A impressão e acabamento foram feitos em maio de 2010 na Bureau de Imagens LTDA., Recife.

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