POR QUE OXALÁ USA EKODIDÉ

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J. Ivo Brasil
Ilustrações Joel CostaMar

Ilustrações Joel CostaMar

Julho/24

J. Ivo Brasil
MO KI GBOGBO IN MOTUMBÁ

Há muito tempo, em Ilê Ifé, com a chegada de Oduduwa e o começo das festividades das Águas de Oxalá, era costume de Oxalá escolher uma senhora entre as mais velhas para tomar conta de toda sua roupa e paramentas quando estava perto desse período. Dentre todas do palácio a escolhida foi Omon Oxum.

Omun Oxum nuca teve filhos legítimos, mas criava uma menina que lhe ajudava em tudo e era tida como uma filha e a partir do momento que as duas passaram a executar a tarefa de cuidar das vestes e paramentas de Oxalá começaram a ser invejadas e passaram a ser alvo de tramas ardilosas para perderem a confiança e o axé que foi lhes foi dado. Existe um ditado popular que diz: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura” e aconteceu que, um dia, na véspera de uma festa, as invejosas já cansadas de tanto tentarem prejudicá-las viram enfim uma oportunidade

Passavam elas pela casa de Omon Oxum

quando se depararam com a coroa de Oxalá, que fora colocada ao sol para secar, brilhando de limpa.

Na hora de pegar a coroa para guardar foi um susto só. Onde estava ela?

As duas procuraram como loucas e nada de achar. Omon Oxum pensou até em se matar de tanto desespero por ter perdido uma peça tão importante.

As invejosas escondidas viam a aflição dela e riam satisfeitas pensando no mau que tinham causado.

Entretanto a filha dela

recuperou a calma e disse:Mamãe, por que a senhora não vai na feira amanhã de manhã bem

cedinho e não compra o peixe mais bonito que tiver por lá?

A coroa estará na barriga desse peixe, pensava ela e insistiu tanto e tanto que a mãe acabou por concordar em acordar cedinho e ir até a feira.

Logo cedinho Omun Oxum saiu da cama, correu para a feira e depois de muito procurar acabou por encontrar um senhor que tinha apenas um único peixe para vender e ele era de escama.

Ela pulou de alegria, fez a compra e saiu correndo para casa toda esperançosa

Esbaforida, chegou em casa e foi direto para cozinha para abrir a barriga do peixe, em vão, pois era muito dura e nada a penetrava.

Seu choro de desespero foi interrompido quando sua filha, já na cozinha, perguntou:

- Mamãe, posso tentar abrir a barrida dele?

Sobressaltada e chorosa falou:

- Minha filha querida, a barriga dele está muito dura e se eu não pude abrir, como você vai conseguir?

A menina nada falou, se aproximou da mesa apanhou um “cacundé” e fincou na barriga
do peixe rasgando-a de canto a canto e dela surgiu a coroa mais brilhante que nunca.

Sua mãe pulava de alegria e soluçava de emoção dizendo:

- Que Olorum te abençoe. Sua mãezinha tem sido perseguida de todas as formas, mas a fé que tenho no meu Eledá não há de ser vencida!

Todas felizes pegaram a coroa, limparam, guardaram bem guardada, pegaram o peixe, cozinharam, fizeram uma almoço especial regado a Aruá e convidaram todo mundo para almoçar. Para todos os efeitos estavam felizes e comemorando a chegada da festa do Pai Oxalá.

Depois do descanso do almoço chegou a hora da festa e as invejosas quando viram as duas chegarem sorridentes e felizes não entenderam nada e quase malucas de ódio se perguntavam: - Será que elas encontraram a coroa?

Eu falei pra queimar – falou uma. Eu falei pra enterrar – falou outra. Irritada, a primeira disse: - Vamos esperar. Se a coroa aparecer o jeito será correr, fazer um ebó e colocar na cadeira onde ela vai se sentar.

O ebó pode ser feito para o bem e para o mal e assim elas fizeram algo

terrível e colocaram na cadeira onde

Omon Oxum era obrigada a sentar-se por ordem de Oxalá.

Sem saber da grande maldade, inocentemente, ela sentou-se e quando precisou levantar-se, na hora de passar a coroa para seu amado pai, não conseguiu.

Sem saber da grande maldade, inocentemente, ela sentou-se e quando precisou levantar-se, na hora de passar a coroa para seu amado pai, não conseguiu.

Depois de muito fazer força conseguiu enfim levantar-se. Sentiu muita dor, olhou para cadeira e viu que estava cheia de sangue. Ficou desnorteada e horrorizada pois sangue, ou qualquer coisa vermelha, era “ewó” para Oxalá

Desesperada saiu correndo atrás de ajuda e foi bater na casa de Exú que quando a viu toda suja de sangue falou: - Você vindo aqui desse jeito? O regulamento foi infringido e eu não posso te ajudar.

Ainda mais desesperada ela

passou a correr e ir na casa de cada um dos orixás que sempre respondiam da mesma forma, mas faltava a casa de Oxum.

Oxum já sabia de tudo que estava acontecendo e quando Omon Oxum

chegou lá se jogou nos pés dela e

disse: - Minha mãe me valha, estou perdida Oxalá

não

vai me querer mais em sua casa.

Oxum disse que ela não se preocupasse, pois um dia Oxalá a buscaria de volta.
E usando

de sua

magia fez com que do lugar que sangrava saíssem várias penas vermelhas de papagaio da costa até a ferida sarar.

Quando isso aconteceu ela pegou o monte de Ekodidé, colocou num grande igbá, reuniu

todo mundo da casa e por várias noites seguidas fizeram um xirê cantando:

BI 0 TA LADÊ

BI O TA LADÊ

IRÚ MALÉ

IYA OMIN TA LADÊ

OTO RU ÉFAN KOBÁJA OBIRIN

IYA OMIN TA LADÊ

Cada noite, Oxum ricamente vestida, sentada no seu trono, com Omon Oxum ao seu lado, recebia homens, que davam dodóbálé e mulheres que davam iká, recebiam uma Ekodidé e colocavam o que tinham levado de riqueza no igbá.

A notícia dos dias de xirê correu solta e as invejosas do palácio de Oxalá faziam de tudo para que ele não soubesse o que estava acontecendo e uma dia distraidamente comentaram: - Com ela não tem quem possa! Fizemos de tudo e no fim Oxum recebeu, curou ela e está ficando cada dia mais rica. Vamos torcer para o velho não ficar sabendo de nada pois se ele souber com certeza vai nos castigar

Entretanto, aquele que tudo sabe e ouve estava por perto. Oxalá pigarreou, olhou para elas e ordenou que procurassem saber o horário do xirê na casa de Oxum, pois queria ir até lá para ver o que estava acontecendo.

Doidas de medo, assustadas e com o remorso montado nos cangotes, elas “picaram a mula” e fugiram.

Já de noite, cansado de esperar ele ficou sabendo da fuga delas e comentou para si: - Fugiram com medo do castigo, mas esse castigo não será dado por mim, será dado por elas mesmas pois aquele que faz o mal por si só se destrói. Decidido ele mesmo descobriu o horário do xirê e foi até lá.

Oxum, vestida de joias dos pés a cabeça, o recebeu e continuou sua festa cantando:

BI 0 TA LADÊBI O TA LADÊIRÚ

MALÉ IYA OMIN TA LADÊ

OTO RU ÉFAN KOBÁJA OBIRIN

Oxalá ficou abismado com tanta riqueza e mais abismado ainda ficou ao perceber que ao lado de Oxum estava sentada

Omon Oxum, a pessoa que cuidava dele e de todas suas coisas, a quem ele julgava ter perdido para sempre.

A emoção foi grande e ele não se conteve. Se jogou no chão, deu dodóbálé para Oxum, apanhou uma Ekodidé e colocou bastante dinheiro no igbá. Oxum quando viu o velho dar dodóbálé para ela levantou-se cantando:

DÓDÓ FIN DODOBÁLÉ KO BINRIN

IYA OMIN TA LADÊ

Depois de ajudar Oxalá a se levantar do chão pegou Omon Oxum pela mão e entregou à Oxalá dizendo: - Aqui está a vossa zeladora, sã e salva de todo mal que desejaram e fizeram para que ela ficasse odiada por vós.

Emocionado Oxalá disse: - Oxum, em agradecimento a tudo o que fizestes de bem e para amenizar os sofrimentos de Omon Oxum, eu, Oxalá, prometo levála de volta ao meu palácio e de hoje em diante nunca hei de me separar desta pena vermelha que é o Ekodidé e que será o único sinal desta cor que carregarei sobre o meu corpo.

ADAPTAÇÃO

J. Ivo Brasil - Jornalista. Especialista em

Docência para o Ensino Superior.

Membro de Comunidade Tradicional

– Povos de Terreiro.

Autor/Escritor de literatura

Infantil:

No Reino de SA, LA e DA,

O Casamento do Rei Damián, O Rei de Cucurbita

@jivobrasil

@itaquerendofolia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

B r a s i l , J . I v o

P o r q u e O x a l á u s a E k o d i d é [ l i v r o e l e t r ô n i c o ] /

J . I v o B r a s i l . - - S ã o P a u l o : I t a q u e r e n d o F o l i a ,

2 0 2 4 .

P D F

I S B N 9 7 8 - 6 5 - 9 9 7 1 2 0 - 7 - 4

1 . I o r u b á ( P o v o a f r i c a n o ) - M i t o l o g i a 2 . I o r u b á

( P o v o a f r i c a n o ) - R e l i g i ã o 3 . I o r u b á ( P o v o a f r i c a n o )

- R i t o s e c e r i m ô n i a s 4 . R e l i g i õ e s d e o r i g e m a f r i c a n a

I . T í t u l o .

2 4 - 2 1 2 9 4 2

C D D - 2 9 9 . 6 7 3

Índices para catálogo sistemático:

1 . I o r u b á : R e l i g i õ e s d e o r i g e m a f r i c a n a 2 9 9 . 6 7 3

A l i n e G r a z i e l e B e n i t e z - B i b l i o t e c á r i a - C R B - 1 / 3 1 2 9

Itã (em iorubá: Ìtan) são os relatos míticos(lendas) da cultura iorubá. E esta adaptação do Ìtan de Oxalá feita pelo autor J. Ivo Brasil foi descrita pelo Mestre Didi, em 1966, como algo que “...refere-se ao reconhecimento do poder e princípio criador masculino representado por Oxalá... ao princípio e poder criador feminino aqui representado por Oxum...”, entretanto, mais que esclarecer o porque de Oxalá usar Ekodidé, nos traz um grande ensinamento sobre RESPEITO.

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