Espaรงo-tempo e memรณria
J.R. Silva Bittencourt
Espaço-tempo e memória Imagem: O disco rígido J.R. Silva Bittencourt Alguns discos rígidos de modernos gravadores de DVD adotam um princípio de funcionamento que se assemelha ao da nossa própria memória, embora sejam comparativamente muito mais limitados. A capacidade do nosso cérebro para armazenar informações também é limitada enquanto disco rígido, mas ela detém a potencialidade para se expandir ao infinito, na presença do movimento contínuo. É o que parece acontecer enquanto deslocamos o centro da observação, juntamente com a posição física que viermos a ocupar no espaço. Este seria o caso, por exemplo, de um dos raros observadores a conseguir carona num moderno ônibus espacial e que estivesse, neste momento, deslocando-se da Terra para a Lua. O seu horizonte visual é limitado no tempo, mas vai se expandindo gradualmente à medida que a nave se desloca, sem alterar as dimensões do raio do círculo, do qual ocupa o centro da observação. No caso do gravador de DVD, tão logo o limite da memória é alcançado ele vai se desfazendo de parte do conteúdo já gravado, que é substituído continuamente por novas gravações de programas. Estes poderão ser vistos em tempo real ou, se preferirmos, serão rodados em playback dentro dos limites da capacidade de
arquivamento das informações. No nosso caso, parece que estas informações descartáveis são repassadas para outros centros de armazenamento do nosso cérebro. Poderíamos dizer que o espaçotempo é aquele universo que a nossa memória pode descrever, o que subentende que há um atraso implícito no processo de tradução das informações que o verdadeiro universo disponibiliza. O espaçotempo não é o próprio disco rígido que o nosso cérebro representa, pois este último estaria integrado diretamente ao universo infinito. O espaço-tempo é apenas a memória expansionária que esse disco contém. Expandir a consciência, como se pode notar, não implica em aumentar a capacidade de armazenamento das informações, mas fazê-la “flutuar” no espaço e no tempo dentro dos seus limites finitos. O nosso horizonte de eventos poderia, assim, ser expandido ao infinito sem depender da capacidade de armazenamento total da nossa memória. Quem fosse dotado com uma memória desse tipo estaria preso continuamente no centro de uma bolha de informações, movimentando-se mesmo quando não saísse do lugar. Se o horizonte de eventos, materializado na forma dos estímulos sensoriais que você recebe, expande-se em alguns milhões de quilômetros no espaço, outros tantos estarão provavelmente sendo subtraídos do lado “de fora” da bolha, mantendo a energia do sistema constantemente equilibrada. O detalhe, porém, é que
mesmo sendo potencialmente capaz de se expandir sem alterar a sua capacidade de armazenamento das informações, a nossa memória desvinculou-se definitivamente da realidade do universo infinito, tanto na sua microestrutura quanto na escala astronômica, pois somente se pode olhar para ele de forma indireta ou “a partir do passado”. Quer dizer, mesmo que o nosso cérebro e as demais partículas que compõem o nosso corpo físico estivessem numa única dimensão atemporal (presente), a nossa memória virtual acabou por expulsar-nos dali, sob a pena de não dispormos de uma consciência que nos permitisse interagir com esse universo. Neste caso, a imagem da expulsão de Adão e Eva do paraíso, descrita no livro do Genesis, poderia ser considerada uma verdadeira benção por parte do Criador, e não uma punição. Qual a finalidade uma criação esplendorosa se a mesma não pudesse ser admirada, ou que não se permitisse ser delimitada tridimensionalmente no espaço pela nossa observação? É um achado, já perfeitamente consagrado, que as estrelas que brilham no céu noturno em distâncias variáveis podem ser rastreadas, pela sua luz, dentro do nosso horizonte de eventos tridimensional, o que significa que não podemos observá-las diretamente. Assim, o presente das mais próximas, como é o caso da Alpha do Centauro que está a 4,4 anos-luz de nós, deveria estar mais ao alcance do nosso tempo que as demais, embora isso
não possa ser confirmado. Em princípio, por falta de acesso direto às informações que se colocam no nosso futuro (a informação contida na luz das estrelas precisa de tempo para nos alcançar), tudo no universo infinito está na mesma dimensão do tempo, o que acontece também com o nosso cérebro enquanto disco rígido. Por outro lado, a nossa memória contém apenas o universo que pode ser observado fora do seu próprio tempo, ou com a aparência que tinha no passado. Ao mesmo tempo essa memória estaria contida no disco rígido do universo infinito, o único verdadeiro. Numa estranha coincidência, os observadores parecem estar separados entre si apenas pelo tempo que cada um pode perceber subjetivamente, embora todos eles sejam partes integrantes desse mesmo disco universal, enquanto memórias conscientes. Assim, apesar de o universo ser um só, poderíamos conceber a existência de inúmeros universos observáveis, separados pelas dimensões independentes do tempo. Por esse motivo, a informação precisaria estar presente também no futuro, mesmo que por algum motivo não pudesse ser acessada diretamente. Caso as informações deixassem de existir em qualquer nível da matéria, teríamos que trabalhar com a hipótese pouco provável da existência de outro universo, coexistindo com o nosso no mesmo momento do tempo. Quando levantamos a cabeça para a abóbada
celeste, à noite, tendemos a concluir que olhamos para as estrelas como elas teriam sido no passado distante. Na verdade, não estamos olhando para o passado das estrelas; apenas olhamos para o seu presente de forma defasada no tempo, ou como se nós é que estivéssemos no passado! A ideia de que o universo do espaço-tempo começou num big bang único no passado remoto, num ponto extremamente quente e cujo tamanho seria menor do que o furo de uma agulha, tendo resultado provavelmente da inversão especular do colapso de um corpo de grande massa formando um buraco negro, sugere que os limites do nosso horizonte de eventos teriam sido definidos no nível subatômico da matéria. Neste caso, provavelmente um big bang informativo teria estabelecido o limite máximo da capacidade de armazenamento da memória do nosso disco rígido individual, a bolha de energia em expansão aparentemente contínua, na qual ocupamos uma posição centralizada. Isto é algo que estaria de acordo com a ideia de que a informação, neste exato instante, poderia ser rastreada na direção do big bang, até muito próximo do tempo real do evento. Um big bang isolado não explicaria, porém, o modo notável como a nossa memória “flutua” no tempo, deslocando o horizonte de eventos mesmo que o observador não abandone a sua posição física no espaço. Como o espaço-tempo, em princípio, só tem um lado (o de dentro), onde o disco rígido do nosso cérebro pode
acessar a informação de forma contínua, não poderemos jamais afirmar se houve apenas um big bang ou se o mesmo continua acontecendo aqui e agora, ainda que o seu registro direto tenha sido excluído para sempre da nossa realidade observável. Sou mais propenso a pensar que o nosso universo seja mesmo estático “fora” do tempo (ou fora do nosso cérebro). Por isso, ele não deveria ter lado algum. Quando alguém afirma que somente existe o lado de dentro do espaço-tempo, está deixando implícita a forçosa existência de um lado “de fora” dele, como prevê a vã filosofia. Temos que ter em mente que, quando se trata do nosso ponto de vista, somente existe aquilo que pode ser lembrado. No exato momento em que consultamos os arquivos da nossa memória, nasce o conceito de lateralidade. Da sua parte e enquanto matéria escura, o disco rígido do verdadeiro universo não pode ser delimitado diretamente no espaço, porque se exclui da memória que nele está contida. Santa Maria, RS, Brasil, 21/02/2018.
Obs.: -Para entender melhor essa forma de abordagem do tema, com muito mais detalhes, siga o site do Issuu e procure “As aventuras de BenHur e Padilha no espaço sideral”. São cinco episódios de muita informação.