Receita para se colocar um Universo Estático em Movimento

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Receita para se colocar um Universo Estรกtico em Movimento

J.R. Silva Bittencourt


Receita para se colocar um Universo Estático em Movimento J.R. Silva Bittencourt

Para interagirmos com o universo à nossa volta, dependemos da nossa memória. Esta, por sua vez e por definição, depende do tempo. O que não é lembrado não existe, mesmo que esteja lá. Da sua parte, o universo não parece estar muito preocupado com o que pensamos a seu respeito, mantendo-se fora do processo. Embora ele provavelmente seja um só, cada observador dispõe do seu próprio tempo para observá-lo. Ou seja, o “meu” universo provavelmente esteja sendo observado a partir de um momento particular e único do tempo, diferente do tempo em que o próprio leitor o avalia. Se dois objetos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço, é provável que não ocupem, também, o mesmo momento no tempo. De qualquer forma, se o universo fosse estático ele não poderia abrigar o tempo, nem o movimento. O presente seria um momento eterno. Assim, um observador dotado com uma


memória não poderia conceber a existência de um lugar sem tempo, mesmo que ele existisse. Existem algumas indicações que sugerem que, talvez, o universo pudesse ser estruturado sobre apenas duas dimensões. Um desses indícios é o conceito de cone de luz do futuro de um evento. Por exemplo, Alpha do centauro, segundo as estimativas, brilha no céu a 4,3 anos-luz de onde estamos. Para os astrônomos, a luz dessa estrela se deslocaria no espaço na forma de ondas circulares concêntricas, todas partindo da fonte com a mesma velocidade. Stephen Hawking compara essas ondas de luz com as que seriam formadas na superfície bidimensional de um lago, em que se jogasse uma pedra. Se você acrescentasse ao modelo citado a dimensão una do tempo, ele nos diz, as ondas iriam se superpondo umas às outras, resultando na formação de um cone tridimensional, cujo vértice seria ocupado constantemente pela estrela. Note-se que o tempo seria a peça fundamental para que a superfície do lago ganhasse profundidade. Ou seja, o tempo assumiria a terceira dimensão do


espaço, pois, sem ele, não haveria a profundidade. Outra indicação da existência do universo estático é que o observador, mesmo tendo sido expulso de lá, permaneceria ainda sobre o centro, sem depender da posição que pudesse ocupar no espaço. Estar sempre sobre o centro é uma das características de uma superfície bidimensional. Se você pudesse se deslocar para Alpha do centauro, levaria consigo o marco zero do tempo. A partir dali e por manter-se sempre no presente do universo, você iria supor que, se refletisse luz suficiente, a Terra seria avistada com a aparência que tinha há 4,3 anos. Pode-se pensar que o centro do universo não deveria se tratar de um lugar especial que você ocupasse, pois, dependendo do ponto de vista, todas as estrelas visíveis ocupariam o seu próprio centro. A diferença está em que o observador é o único a contar com uma consciência, e o único que pode emitir o seu ponto de vista. No momento em que o faz, tem a impressão viva de que estaria sobre o centro do universo. No caso das estrelas,


mesmo estando também sobre o centro bidimensional elas não poderiam saber disso. Levando em consideração os nossos pontos de vista, tentei elaborar uma receita em que os ingredientes seriam formados por planetas, luas, galáxias e coisas do gênero. Redigir um modelo teórico para o universo não é muito diferente de se confeccionar uma nova receita de culinária: a gente torce para que dê certo, mas nunca se tem certeza. Primeiro passo Separar o espaço e a luz. Para ilustrar esse primeiro passo da receita vou citar o Livro do Genesis, em que o autor do texto que lá se encontra já previa a íntima relação entre a luz e o espaço: “Disse Deus: faça-se a luz. E fez-se a luz”. É possível notar que, no início, a luz e as trevas estavam juntas, mas a luz não podia se manifestar.


“E viu Deus que a luz era boa; e dividiu a luz das trevas”. A palavra “trevas” poderia ser substituída pela escuridão do espaço. Acredito que essa separação traria embutida em si mesma a própria curvatura do espaço. Ou seja, ao mesmo tempo em que Deus tivesse feito da luz uma entidade independente, teria que ter curvado o espaço para sempre. Segundo Passo: Codificar as informações sobre geometria do espaço na própria luz.

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A codificação das informações faria com que a luz assumisse a função de ser a mensageira do espaço. Devemos lembrar que toda a matéria resulta da condensação da energia. Estando fora do processo de codificação citado, o espaço não poderia comunicar diretamente quaisquer alterações na sua geometria. Para isso, ficaria na dependência do seu mensageiro. Terceiro passo:


Empacotar a luz Quando fosse separada do espaço a luz precisaria ser empacotada ou quantizada, pois, na sua natureza bidimensional ela não teria a sua presença revelada ao observador, cuja memória estaria na dependência do tempo, atuando como uma terceira dimensão. No caso, os conceitos de tempo e de profundidade do espaço se confundiriam. Aqui, poderíamos citar o cone de luz futuro dos eventos, que resultaria da superposição teórica das ondas luminosas, emitidas por uma fonte qualquer, no tempo que as separa entre si.

Quarto passo: Retenção do tempo Quando o espaço se curvasse, devido ao empacotamento da luz, seria preciso reter o tempo total, que fosse destinado ao processo citado. Como isso impediria que as ondas


pudessem ser superpostas, ficaria evidente que a terceira dimensão do espaço e do cone de luz se confundiria com o próprio tempo. A profundidade, no caso, seria uma consequência da mensurabilidade direta do tempo, o que somente se verifica com atraso, ou depois do espalhamento da luz quantizada na posição do observador. Se o tempo da quantização fosse retido de alguma forma, mesmo que o espaço se curvasse ele permaneceria virtualmente bidimensional, ao nível do seu mensageiro. Haveria uma fusão entre o espaço e a própria luz. Tudo o que acontecesse com um deles seria refletido no outro. Inclua-se, aí, a própria curvatura contínua do espaço, que se torna real quando a seta do tempo se inverte na nossa posição, e a luz se projeta no nosso passado. Como resultado da fusão entre a luz e o espaço tudo no universo espaço-temporal continuaria sobre o centro, o que, insisto, é uma característica da bidimensionalidade. O marco zero do tempo, que antes estava nas estrelas,


teria migrado de forma definitiva para a posição de cada observador isolado, dotado com uma memória. Ele levaria consigo esse marco, sem depender do lugar ocupado no espaço. Como o estar sobre o centro é também uma das características do universo estático, ela teria que ser válida, também, para o espaço-tempo tridimensional. Isso sugere que o nosso cérebro teria sido preparado para transportar, na forma de informações, aquela realidade bidimensional para dentro dos domínios da nossa consciência. A terceira dimensão do espaço seria uma espécie de simulação, relacionada ao tempo. Ou seja, por estar contido em nós mesmos, por um princípio de exclusão de acesso direto ao que estaria no nosso futuro, o tempo seria uma forma de exílio, a que estaríamos sendo submetidos pela nossa própria memória. Para nós somente existiria o lado de dentro dessa prisão, e não haveria como se sair dela para, assim, saber se existiria alguma coisa do lado fora. Quinto passo


Polarização da luz Como o empacotamento da luz (fóton) nos é entregue pronto pela natureza, sem envolver qualquer gasto temporal, a ausência de tempo no futuro não nos permite prever a existência de ondas luminosas em movimento dentro do cone de luz futuro dos eventos. As leis de Newton não foram elaboradas para funcionar na ausência de tempo mensurável. Isso explicaria a forma instantânea como observamos a abóbada celeste. Se a luz de uma estrela teria se deslocado em um momento anterior, isso não faria parte da nossa realidade física. Na verdade, quando se trata do nosso ponto de vista (e apenas neste caso) a luz das estrelas sempre esteve à nossa disposição, na Terra, para ser seguida somente na direção do nosso passado. Isso ocorreria por uma forma de rastreamento remoto. A descrição acima nos diz que a luz das estrelas que ainda não tivesse nos alcançado na Terra, estaria sendo submetida a um processo de polarização, em plena fase de


empacotamento. Por exemplo, no caso da luz visível, os extremos ocupados pelo ultravioleta e pelo infravermelho ficariam tão próximos entre si, sem se tocarem, que o tempo que os separa não poderia ser medido diretamente. Isso é o que ocorre no nível subatômico da matéria, onde o tempo tende a zero. Essa tendência permanece suspensa ao infinito, visando preservar a incerteza da posição ou da velocidade das partículas. Sexto passo Preparando o cérebro do observador Nada disso faria o menor sentido, se os neurônios do nosso cérebro não tivessem sido preparados para assimilar o tempo, assim que a luz se espalhasse após o choque entre o quantum e os elétrons livres, e esses neurônios entrassem em vibração aparentemente contínua. O nosso cérebro, neste caso, não precisaria criar uma forma de realidade alternativa. Ele apenas realizaria a função de transportar a realidade, na forma de informações, para dentro dos domínios da nossa consciência. Neste


movimento, o universo real ou primário ficaria do lado de fora, mesmo que saibamos que esse universo não disporia de lados. O conceito de futuro e de presente se fundem numa coisa só. Como as coisas não podem ser avistadas em tempo real, ou precisam ser iluminadas anteriormente, o futuro resulta do paradoxo de olharmos para o presente do universo sempre com atraso. Apesar de ser apenas um ponto de vista particular, não posso deixar de notar certa intencionalidade em todo esse processo. Quando apontamos os nossos telescópios na direção da abóbada celeste, na tentativa de capturar apenas o que está do lado de fora, acabamos por nos descuidar para uma realidade que estaria escapando aos nossos sentidos, e pedindo para ser mais bem explorada. Para senti-la, precisamos de introspecção ou de um olhar mais atento para dentro de nós mesmos. Sem isso, vamos ficando cada dia mais frios e sem perspectivas, afastando-nos cada vez mais do presente. Mas, tudo tem o seu tempo certo. Santa Maria, RS, Brasil, 25/09/2019.


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