ARTIGO PUBLICADO PELA REVISTA TECNOLOGISTICA - 2009 AUTOR: PROF. ENGº. PAULO ROBERTO LEITE
LOGISTICA REVERSA – INIBIDORES DAS CADEIAS REVERSAS. Impossível deixar de notar as quantidades crescentes de produtos e as variedades de modelos com ciclos de vida crescentemente mais curtos, dirigidos aos diferentes micro-segmentos mercadológicos, que chegam no mercado em todas as sociedades razoavelmente organizadas. Seja pela dificuldade imposta pelas quantidades ou pela complexidade acarretada em seus controles, empresas e sociedade preocupam-se cada vez mais com o equacionamento do retorno dos produtos ainda não consumidos ou consumidos, denominados respectivamente de pós-venda e pós-consumo, evitando riscos de diferentes naturezas. No entanto a quantidades deste retorno depende do setor empresarial, do tipo de produto, do nível de desenvolvimento da região geográfica. O objetivo deste artigo é o de explorar aspectos que se constituem em inibidores destes retornos em uma abordagem ampla. Introdução Estima-se em 50 milhões de toneladas por ano a quantidade de lixo eletrônico gerado no mundo e cifras de vendas anuais mundiais de 1 bilhão de unidades de automóveis e de computadores. Em 2006 no Brasil foram vendidos 10 milhões de computadores, 80 milhões de celulares, 2,6 milhões de automóveis. Ainda, 15 bilhões de garrafas PET, 14 bilhões de latas de alumínio e outro tanto de caixinhas de longa vida entram no mercado anualmente. Estas quantidades e variedades de produtos indo para o mercado, exigindo o equacionamento do retorno de produtos de pós-consumo, têm contribuído para uma maior conscientização empresarial da estreita relação entre a sustentabilidade econômica e a sustentabilidade ambiental e social. Esta necessidade de equacionamento destas quantidades crescentes contribui, no caso dos produtos de pós-venda, para a intensificação de estratégias de fidelização de clientes. As evidencias da associação destas preocupações empresariais com a imagem e reputação empresarial pode ser evidenciada pela crescente presença de inserções de anúncios de sustentabilidade em diferentes mídias por empresas de diversificados setores de atividades. Por outro lado, no caso de produtos de pós-venda, ainda não consumidos ou pouco utilizados, estas quantidades e variedades de produtos indo para o mercado oferecem oportunidades de oferta de serviços diferenciados aos seus clientes. É neste contexto que se insere o crescimento acentuado da Logística Reversa em todo o mundo, tanto na área acadêmica como na empresarial, na medida em que ela pode contribuir decisivamente, estratégica e operacionalmente, para o reaproveitamento ou a recaptura de valor de alguma natureza dos produtos retornados, através da eliminação ou atenuação dos inibidores dos fluxos reversos. Evidências deste crescimento podem ser observadas pela exuberante oferta de serviços especializados, logísticos e outros, pelo surgimento de entidades e associações relacionadas em todo o mundo e pela quantidade de publicações sobre o tema. Algumas destas entidades: RLA (www.reverselogisticsassociation.org) Reverse Logistics Association; Reverse Logistics Council ( www.rlec.org); REVLOG ( www.revlog.com); e mais recentemente ( Março
2008) no Brasil o CLRB - Conselho de Logística Reversa do Brasil ( www.clrb.com.br) .
Logística reversa e alguns aspectos inibidores A Logística Reversa evoluiu de uma visão tradicional operacional, com preocupações puramente voltadas aos sistemas de operações logísticos, para uma visão ampliada e holística como parte da estratégia empresarial, incluindo em suas preocupações os diversos aspectos inibidores das cadeias reversas de reaproveitamento de produtos e materiais. A cadeia de suprimentos dos produtos é atualmente considerada em sua forma ampliada, ou seja, incluindo o retorno dos produtos que ainda não foram usados ou com pouco uso e os produtos que foram usados. Dependendo da condição de entrada do produto na cadeia reversa (pós-venda ou pós-consumo) e do interesse estratégico envolvido, diferentes métricas podem ser estabelecidas para a avaliação do desempenho de uma cadeia reversa. Interesses econômicos, quando o retorno financeiro é o mais tangível por meio de algum tipo de reaproveitamento de produtos ou matéria-prima, interesse de satisfação de legislação obrigando o retorno dos produtos ou materiais, interesse de satisfação de clientes na visão de fidelização dos mesmos, interesse no reforço ou na proteção de imagem empresarial quando o retorno significa garantia de não falsificação ou de salvaguarda da reputação empresarial, interesse de satisfação de normas ambientais atendendo ao quesitos comerciais na relação entre empresas, entre outros interesses. Distinguem-se desta maneira os seguintes canais reversos de produtos de pósvenda e de pós-consumo: Produtos de pós-venda Produtos de pós- consumo Pela origem: Pela origem: • Retorno do consumidor final • Retorno de domicílios • Retorno do varejo ou distribuidor • Retorno do mercado • Retorno de embalagens retornáveis • Retorno de outras origens Pelo destino: Pelo destino: • Retorno para conserto e reparos • Retorno para reuso (assistência técnica) • Retorno para remanufatura • Retorno para reutilização em • Retorno para reciclagem mercados secundários. • Retorno para destino final Para que as cadeias reversas tenham eficiência, sob diferentes métricas ou estratégias empresariais, é necessário entender os aspectos que poderão inibir no todo ou em parte os fluxos reversos. Dependendo das circunstancias pode-se ter um destes aspectos como inibidor ou como catalisador de oportunidades empresariais. Destacamos seis categorias de inibidores das cadeias reversas, que podem influir diferentemente em cadeias reversas de pós-venda ou de pós-consumo, denominando-as: conhecimento, legislação, projeto do produto, cultura empresarial e social, organização logística e riscos diversos. 1) Conhecimento O conhecimento aqui é entendido como um conjunto de aspectos que permitem ao homem social ou empresarial fundamentar ações. Em logística reversa refere-se ao
conhecimento do mercado, dos processos, das informações, da tecnologia, de indicadores, entre outros aspectos, que serão de forma breve sintetizados nas linhas seguintes: Mercado: entender o mercado de aplicação da Logística Reversa significa conhecer as oportunidades de reaproveitamentos diversos no retorno de produtos e materiais, as empresas atuando ou potencialmente prontas a atuar nestes mercados, as diversas categorias de cadeias reversas e suas características, o mercado de destino dos produtos reaproveitados, etc. Processos: o mapeamento dos processos envolvidos no retorno dos produtos e bens em geral permitirá entender seus custos, oportunidades de ganhos, novos centros de lucro e os caminhos críticos a serem enfrentados no equacionamento do seu retorno. A utilização de sistemas de custeio apropriado permitirá melhor identificar os aspectos que requerem maior atenção do empresário. Informações: A experiência tem ensinado que uma das maiores dificuldades e motivos de ineficiências nas cadeias reversas são a falta de informações relativas ao produto, às embalagens, ao momento de retorno, às quantidades de retorno, ao detalhamento da forma de tratar tecnologicamente os produtos no momento de reaproveitamento, etc. Tecnologia: em todas as fases do retorno de produtos o uso de tecnologias adequadas garante a eficiência. A tecnologia no momento da coleta dos produtos, no processamento inicial, no desmanche, na remanufatura, na reciclagem, no destino final, são alguns dos tópicos que muitas vezes impedem a correta eficiência da cadeia reversa. Certificação de qualidade: da mesma forma que para os produtos novos é necessário garantir certificação de qualidade aos produtos reaproveitados ou que contenham parte de reaproveitamentos, evitando a generalizada desconfiança de má qualidade ainda presente em muitas atividades de reaproveitamento de produtos e materiais. Indicadores: nenhuma atividade pode ser conduzida sem que haja o estabelecimento de indicadores que avaliem a eficiência da operações e permitam comparações entre os players do mercado. Indicadores relativos às quantidades retornadas, aos processos utilizados, aos tipos de coletas, às cotas dos participantes no mercado, etc. 2) Legislações Entendida aqui como o nível de intervenção dos governos nas atividades de logística reversa. Alguns destes aspectos merecem especial atenção no caso da logística reversa, embora se reconheça que suas prioridades estão relacionadas ao grau de desenvolvimento da região referida: Tributação: a legislação tributária influi negativamente na eficiência das cadeias reversas na medida em que não privilegie as atividades de reaproveitamento dos bens em geral e a adequação legislativa para a correta movimentação dos produtos em suas diversas fases de retorno. Governos proativos poderão regulamentar leis que modificarão os mercados gerando novas necessidades e oportunidades empresariais. Incentivos: como players de grande porte no cenário econômico, governos poderão catalisar ações que incentivem a aquisição de produtos e materiais reaproveitados, seja para seu próprio uso seja em suas redes operacionais, a exemplo daqueles em regiões mais desenvolvidas. Penalização: a adequada penalização das contravenções nas diversas áreas envolvidas com o retorno de produtos, principalmente na área de pós-consumo, permitirá a atuação de empresas de boa índole nos negócios de retorno de bens em geral, alterando o mercado e abrindo oportunidades. Participação empresarial e Responsabilidades: a participação de empresas e sociedade na elaboração das legislações relativas ao retorno de produtos e materiais, bem como a explícita declaração de responsabilidades de cada elo da cadeia direta e reversa frente a lei é condição fundamental para o êxito.
3) Projeto do produto e dos serviços É na fase do projeto, ou em sua revisão, que será possível adequar produto, componentes, serviços, informações a respeito do produto, às necessidades das cadeias reversas. Componentes: a preocupação com o impacto de seus componentes no meio ambiente torna-se de grande interesse para o seu reaproveitamento. É importante lembrar que por menor que seja a quantidade contida em um produto isoladamente o impacto será importante quando grandes quantidades destes produtos forem disponibilizadas ou descartadas pela sociedade. Desmontagem ou reciclagem: o projeto deve levar em consideração os custos destas fases no retorno dos produtos e materiais. Dificuldades em desmontar produtos e separar seus compoenentes, mistura de materiais de diversas naturezas em sua constituição, entre outros aspectos, elevam os custos de reaproveitamento e reduzem a eficiência da cadeia de retorno. Informações: neste caso a informação se refere a instruções sobre o produto, seus componentes, os procedimentos e operações de processamento dos produtos retornados para o seu reaproveitamento, etc. 4) Cultura empresarial e social Gestão ambiental e qualidade: as preocupações empresariais sobre estes dois aspectos intimamente relacionados são inerentes a empresas que já passaram por processos de cultura reativa e incorporaram as idéias de ganho estratégico através da visão de sustentabilidade. Certamente um ambiente desta natureza facilitará ao entendimento das vantagens em favorecer as atividades de reaproveitamento de seus produtos e materiais componentes, em todas as ações empresariais. Ética empresarial e de gestão: a visão ética é um dos preceitos para a preocupação do impacto de seus produtos ao meio ambiente e às suas ações sociais correspondentes. Educação e hábitos: certamente um dos aspectos vitais para a eficiência das cadeias reversas é o conhecimento através da educação, que permitirá o entendimento pragmático das dimensões dos efeitos da conduta não sustentável de empresas e da sociedade em geral. 5) Organização Logística no retorno dos produtos. Sistemas especializados: tendo em vista que as condições de retorno dos produtos e materiais são peculiares na Logística Reversa, tratando-se em geral de produtos com natureza heterogênea, fluxos com freqüência e quantidades pouco regulares, com previsibilidade menor, embalagens indefinidas em muitos casos, sistemas de informações especializados, relacionamento entre os atores, precificação e vendas dos produtos e materiais, entre outros aspectos exigem sistemas e prestadores de serviços especializados. A aplicação de técnicas de planejamento logístico equivalentes às utilizadas na logística direta é um caminho para maior eficiência. Tratar as redes de distribuição e de retorno simultaneamente certamente conduzirá a resultados mais eficientes. Recaptura de valor dos itens retornados: um dos objetivos nesta área é o de recapturar o melhor valor possível dos produtos e materiais reaproveitados o que requer da mesma forma especialização nos serviços. Rastreabilidade dos produtos: um dos aspectos complexos no retorno dos produtos é a identificação de onde coletar, como coletar de forma eficiente, bem como garantir a eficiência nas demais etapas reversas. Torna-se importante desta maneira conhecer e rastrear os produtos de forma a identificar suas fontes para o eficiente planejamento da rede logística reversa. 6) Riscos à imagem e reputação das empresas A conscientização dos riscos empresariais inerentes à baixa eficiência da cadeia reversa permitirá reduzi-los e mitigá-los convenientemente. Alguns exemplos:
Descaracterização dos produtos: o correto equacionamento do retorno dos produtos no momento certo e de forma adequada evitará o uso indevido de suas embalagens, de seu produto e de sua marca. Despreparo para novas legislações: a falta de preparo para a legislação, a não participação no equacionamento do retorno poderá representar uma desvantagens competitiva. Disruptura de mercados: mercados secundários de produtos reaproveitados por remanufatura ou reciclados podem conduzir a modificações de hábitos de consumo e tornarem-se concorrentes inesperados aos agentes de produtos originais. Trabalhar antecipadamente estes mercados e estar preparado estrategicamente para estas mudanças é importante pois não raros são os registros de casos históricos de perdas importantes de mercados.
Prof. Engº Paulo Roberto Leite Professor da Universidade Mackenzie Presidente do Conselho de Logística Reversa do Brasil